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GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 22, pp. 09 - 30, 2007 IMAGINÁRIO SOCIAL NORDESTINO E POLÍTICAS DE DESEN- VOLVIMENTO DO TURISMO NO NORDESTE BRASILEIRO Eustógio Wanderley Correia Dantas* *Bolsista Produtividade CNPq pela Universidade Federal do Ceará. E-mail: [email protected] RESUMO: A atividade turística, no final dos anos 1980, recebe especial atenção das políticas de desenvolvimento adotadas pelos estados nordestinos brasileiros. No cerne do PRODETUR-NE, projeto de dimensão regional, são alavancadas políticas públicas de caráter local (Estadual) e evidenciadoras do turismo como atividade econômica associada à pauta de desenvolvimento da região. O intento do presente trabalho é o de apreender os elementos motivadores da transformação de uma região não turística em uma região com “vocação” turística. O cerne da análise será o de vincular a opção ou não por dadas políticas públicas de desenvolvimento às representações coletivas da sociedade local em relação ao semi-árido. Nestes termos, a compreensão do acima exposto explicar-se-á ao recorrer à interpretação do imaginário social nordestino no tempo, enfatizando sua redefinição nos últimos anos, graças à indicação do semi-árido como virtualidade e em contraposição à imagem associada à seca, sinônimo de miséria, fome... Esta transformação de caráter simbólico potencializará quadro político (reforma constitucional) e econômico (nos termos do “ city marketing”) que dará margem ao processo de turistificação do Nordeste brasileiro, e este artigo tratará, em especial, do caso do Ceará. PALAVRAS-CHAVE: Imaginário Social; Turismo; Políticas Públicas. ABSTRACT: Touristic activity has received special attention within the development policies led by Northeastern States of Brazil since the end of the 1980’ s. In the centre of the PRODETUR-NE, a project of regional scope, public policies of a local character occurring within the State sphere have been stimulated, and tourism has been evidenced as an economic activity associated with the development aims set to the region. The intent of this paper is to apprehend the motivating factors behind the transformation of a non-touristic region into a region with a touristic “vocation” . The essence of the analysis lies in the association between the adoption or not of certain public policies towards development and the collective representations of local society in relation to the semi-arid. In this way, the explanation for the understanding of such a transformation will be found in the Northeastern social imaginary along time, with emphasis on its redefinition over the last years, thanks to the association of the semi-arid as a place of virtue instead of one characterized by images that are usually related to droughts, misery, hunger…This transformation of a symbolic nature will make possible a situation that is both political (constitutional reform) and economic (in terms of “city marketing”) which will give way to the action of turning the Northeast region into a touristic region, especially as regards the State of Ceará. KEY WORDS: Social imaginary; Tourism; Public policies.

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GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 22, pp. 09 - 30, 2007

IMAGINÁRIO SOCIAL NORDESTINO E POLÍTICAS DE DESEN-VOLVIMENTO DO TURISMO NO NORDESTE BRASILEIRO

Eustógio Wanderley Correia Dantas*

*Bolsista Produtividade CNPq pela Universidade Federal do Ceará. E-mail: [email protected]

RESUMO:A atividade turística, no final dos anos 1980, recebe especial atenção das políticas dedesenvolvimento adotadas pelos estados nordestinos brasileiros. No cerne do PRODETUR-NE, projetode dimensão regional, são alavancadas políticas públicas de caráter local (Estadual) e evidenciadorasdo turismo como atividade econômica associada à pauta de desenvolvimento da região. O intentodo presente trabalho é o de apreender os elementos motivadores da transformação de uma regiãonão turística em uma região com “vocação” turística. O cerne da análise será o de vincular a opçãoou não por dadas políticas públicas de desenvolvimento às representações coletivas da sociedadelocal em relação ao semi-árido. Nestes termos, a compreensão do acima exposto explicar-se-á aorecorrer à interpretação do imaginário social nordestino no tempo, enfatizando sua redefinição nosúltimos anos, graças à indicação do semi-árido como virtualidade e em contraposição à imagemassociada à seca, sinônimo de miséria, fome... Esta transformação de caráter simbólico potencializaráquadro político (reforma constitucional) e econômico (nos termos do “city marketing”) que darámargem ao processo de turistificação do Nordeste brasileiro, e este artigo tratará, em especial, docaso do Ceará.PALAVRAS-CHAVE:Imaginário Social; Turismo; Políticas Públicas.ABSTRACT:Touristic activity has received special attention within the development policies led by NortheasternStates of Brazil since the end of the 1980’s. In the centre of the PRODETUR-NE, a project of regionalscope, public policies of a local character occurring within the State sphere have been stimulated,and tourism has been evidenced as an economic activity associated with the development aims setto the region. The intent of this paper is to apprehend the motivating factors behind thetransformation of a non-touristic region into a region with a touristic “vocation”. The essence ofthe analysis lies in the association between the adoption or not of certain public policies towardsdevelopment and the collective representations of local society in relation to the semi-arid. In thisway, the explanation for the understanding of such a transformation will be found in the Northeasternsocial imaginary along time, with emphasis on its redefinition over the last years, thanks to theassociation of the semi-arid as a place of virtue instead of one characterized by images that areusually related to droughts, misery, hunger…This transformation of a symbolic nature will makepossible a situation that is both political (constitutional reform) and economic (in terms of “citymarketing”) which will give way to the action of turning the Northeast region into a touristic region,especially as regards the State of Ceará.KEY WORDS:Social imaginary; Tourism; Public policies.

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Considerações Iniciais

A problemática de valorizaçãocontemporânea das zonas de praia instauradiscussões que abalam a imagem tradicional doNordeste brasileiro, com passagem de umaimagem associada à pobreza para outra decaráter sobretudo turístico, vinculada ao sol, àsjangadas e aos coqueirais (ALMEIDA, 1994).

Tal abalo se relaciona a um processo devalorização das zonas de praia dos Países doSul, em via de desenvolvimento, como destinaçãoturística, ao concentrar, nestas áreas, mais de90% do fluxo turístico internacional: 500 milhõesde turistas, sem contar os contingentes maisrepresentativos do fluxo de caráter nacional(CAZES, 1999).

De acordo com este raciocínio, aturistificação dos litorais colocaria em xequeo imaginário social representativo dosdiscursos regionalistas associados à RegiãoNordeste, notadamente aqueles inscritos emquadro natural e histórico, responsáveis pelaprodução de toda uma série de mitos e do qualele se nutre: o mito da existência de um povoforte, o Nordestino, que luta contra o meiosemi-árido, o sertão, para construir suasociedade, como se encontra expresso emEuclides da Cunha (1983).

1. O Imaginário Social Nordestino

A modificação do olhar da sociedadelocal face ao semi-árido marca aconsubstanciação do confl i to entre doisquadros simbólicos contraditórios. O primeiroquadro simból ico, o mais antigo, indicadiscurso que reforça um conjunto de imagensnegativas do semi-árido em benefício daol igarquia agrária. O segundo quadrosimbólico, o mais recente, indica novo discursorelacionado à virtualidade dos espaços semi-áridos, construindo uma imagem positivavinculada aos interesses de grupo deempreendedores ligados à agricultura irrigadae, naquilo que nos interessa diretamente, aoturismo.

1.1. Quadro simbólico reforçando imagemnegativa do semi-árido

O discurso fundamentador da imagemnegativa do semi-árido encontra suas raízes emdocumentos antigos (principalmente as cartasreais) e relatos de viagem pautados em lógicadeterminista, remetendo a um quadro naturalperverso, marcado pela semi-aridez e pelassecas cíclicas, vitimador do homem.

Um determinado quadro socioespacialespecífico é evidenciado a partir desta idéiafundadora, aquele marcado por um tipo deorganização espacial e por um sistema deatores atrelados às especificidades doecossistema semi-árido. Para Castro (1997a),significa a constituição do imaginário social daseca do Nordeste como uma tragédiasocioeconômica a suscitar consciência coletivaapoiada nas intempéries climáticas.

Baseando-nos em Castro (1997a;1997b), pode-se afirmar que a natureza,fundamento geográfico da produção, adquireimportância como base material da construçãodo imaginário sóciopolítico e como recursoideológico empregado em benefício de dadosatores. No primeiro caso, o imaginário surgeno momento em que a seca se torna umareferência, representando simbolicamente, deum lado, a região Nordeste tocada por umanatureza hostil que suscita problemassocioeconômicos (a fome, a miséria, osubdesenvolvimento) e, de outro lado, criandoum imaginário político socialmentehomogeneizador e eficaz no plano institucionalpara obtenção de recursos e de poder. Nosegundo caso, a lógica de naturalização darealidade baseia-se em importante recursoideológico utilizado pela elite local no sentidode obter ajudas e subvenções da União,utilizadas, sobretudo, para manter o status quo.

Pode-se concluir que a oligarquia doNordeste soube tirar proveito do discurso decaráter determinista para se inserir em ummodelo de constituição de um Estado Nacional.Esta inserção, fundada sobre um discursoregionalista, nasce, conforme Castro (1997a),

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das clivagens da dominação da Região Sudestee significa simplesmente uma luta por recursoscapazes de fundamentar o poder simbólico deafirmação e de identidade da elite face aosoutros segmentos da sociedade local.

A inserção obtida em virtude destediscurso regionalista evidencia um sistemasocioespacial dependente do auxílio dassubvenções do governo federal, permitindo,grosso modo:

- a construção de vias capazes depromover a integração do sertão ao mercado:as vias férreas, as vias estatais (Ce’s), as viasfederais (Br’s), bem como as vias secundárias;

- o estabelecimento e/ou criação deorganismos públicos federais no Nordeste, esobretudo nas capitais, e de instituições públicascomo universidades, bancos …, a criação deorganismos de planejamento regional e definanciamento como o Departamento Nacionalde Obras Contra as Secas (DNOCS), aSuperintendência de Desenvolvimento doNordeste (SUDENE) e o Banco do Nordeste doBrasil (BNB).

- a política de industrialização dos anos1960.

Nessa época, diferentemente de outrascidades litorâneas dos países em via dedesenvolvimento, as cidades litorâneas doNordeste não se enquadravam na lógica devalorização turística. Os fluxos notados nestaregião são reduzidos, de caráter fortementenacional, e concentrados em certas cidades,sendo Salvador o principal exemplo desteperíodo.

Tal orientação vincula-se ao modelo dedesenvolvimento adotado no Brasi l . Aocontrário de países como o México, no qual aindústria e o turismo são associados aosplanos de desenvolvimento, no Brasi l , aatividade turística não suscita, até primeirametade dos anos 1980, uma política global dedesenvolvimento.

No Nordeste brasileiro, as políticas

engajadas em matéria de turismo, são, porconseguinte, pontuais e desarticuladas. ParaPaiva (1998), elas representam, inicialmente,políticas empreendidas pela CTI/NE, ONG criadaem 1969, e, posteriormente, políticaspublicitárias realizadas pelo BNB na difusão doNordeste como destinação turística. Na escalanacional, a EMBRATUR, criada em 1966, nãoescapa a esta regra. Ela focava suas ações noscentros tradicionais de recepção, difundindo-osprecariamente devido à inexistência de recursose ausência de um plano estratégico demarketing em escala internacional.

O Brasil optou por uma única via dedesenvolvimento, contida inicialmente nosplanos de Substituição de Importações dosanos 1940 e continuada pelo governo militar dosanos 1960 até início dos anos 1980. Conformeorientações da SUDENE, este gênero de política,essencialmente fundada na industrialização,atingiu o Nordeste nos anos 1960.

A indicação da indústria como forçamotriz da política de desenvolvimento econômicoregional suscita fracos investimentos naconstrução de quadro favorável à exploraçãoturística. Os governos locais, seduzidos peloparadigma da industrialização, são induzidos acolocar em segundo plano ou simplesmentenegligenciam as potencialidades turísticas doNordeste. Os esforços são concentrados,durante este período, no sentido de obtersubvenções do governo federal para oestabelecimento de indústrias.

O quadro de secundarização da atividadeturística é tratado, no caso da oligarquiacearense, por Coriolano (1989). Na análise dosplanos de governo dos anos 1970, a autoraindica um quadro fazendo, de um lado,referência superficial ao turismo, o Plano deGoverno do Estado do Ceará (PLAGEC/1971),primeiro plano mencionando a atividade turísticano Ceará e que se limita a sublinhar a falta deinfra-estrutura turística e, de outro lado,tomando consciência de sua importância, oPlano Qüinqüenal de Desenvolvimento doEstado do Ceará de 1975 (PLANDECE/1975), o

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primeiro plano definindo os objetivos dodesenvolvimento turístico no Ceará, o II Planode Metas Governamentais de 1979 (II PLAMEG/1979), o Plano Integrado de DesenvolvimentoTurístico do Estado do Ceará de 1979 (PIDT-CE/1979), que apresenta um diagnósticodetalhado dos espaços turísticos existentesno Ceará.

Conservando seu caráter inovador, oscitados planos não suscitaram políticas dedesenvolvimento de turismo no Ceará. Observa-se, portanto, uma simples tomada deconsciência não seguida de investimentossignificativos neste domínio, denotando-seconcentração de esforço na implantação depolítica atinente à industrialização e aofortalecimento da estrutura produtiva dosertão. Baseado neste exemplo pode-seconcluir que, influenciados por quadro deimagens negativas associadas ao semi-árido, aelite local (leia-se nordestina) se tornouprisioneira de lógica de valorização associada aesta zona. A valorização do espaço nordestinosó se justificava, nesta época, com a realizaçãode políticas públicas de planejamento doespaço, associadas ao imaginário social da secae à racionalidade: a) do DNOCS, visandocombater os problemas gerados pelas secascom a construção de vias e principalmente deaçudes; b) da SUDENE, buscando superar osproblemas da região com a industrialização,instalando fábricas nas capitais, privilegiandocidades como Salvador, Recife e Fortaleza ereforçando, conseqüentemente, o desequilíbriosocioespacial na escala estadual.

Ta l for ta lec imento, assoc iado àformação de quadro socioespacial específico,é bas i la r na const i tu i ção das prát i casmarítimas modernas, a saber, os banhos demar e, principalmente, o veraneio. Percebe-se a eclosão de um gênero de maritimidadere lac ionada à demanda loca l de grupofor temente marcado pe los costumeseuropeus (el ite), dado representativo deconflito instituído com práticas marítimaspreex is tentes ( t rad ic iona is) , o por to eprincipalmente a pesca (DANTAS, 2004).

1.2. Quadro simbólico reforçando imagempositiva do semi-árido

Em virtude da falência do modelo deestado moderno no Brasil, na segunda metadedos anos 1980, as políticas públicas deplanejamento indicadas anteriormente semostram inadequadas. Com a reformaconstitucional de 1989, o modelo centralizadore ditatorial de governo é substituído por modelodemocrático a permitir, de um lado, atransferência de recursos controlados pelogoverno central para os estados e municípiose, de outro lado, a possibilidade de captaçãodireta de recursos financeiros no estrangeiro.Estes dois aspectos são basilares para aconstituição de uma lógica contemporânea, naqual os estados brasileiros passam a estruturare assegurar as políticas locais dedesenvolvimento. Significa o fim do modelorepresentativo de uma articulação dependentedas escalas local e regional à escala nacional,na medida em que a reforma constitucionalpermitiu o estabelecimento de relações maisamplas, integrando a escala internacional.

A inserção do Nordeste nesta escalaimplica no abalo do imaginário da seca comotragédia, haja vista seu conteúdo simbólicoencontrar-se racionalmente esgotado (CASTRO,1997b), não tendo peso face à lógica queinclui o Brasil no sistema mundo como produtorde tecnologia intermediár ia e aberto àsinovações tecnológicas (BECKER; EGLER,1992).

Para Castro (1999b), tal abaloconsubstancia novos espaços de produção, umespaço econômico, social e pol ít ico deresistência fundado na agricultura irrigada eno turismo, que evidenciam novos atoresregionais: de um lado, segmento importanteda elite política, notadamente os detentoresde grande poder de assimilação e reproduçãoe, de outro, pequeno número deempreendedores privados e funcionários daadministração pública.

Os atores supracitados são agentes edepositários de novo discurso, veiculado no

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meio empresarial por revistas e jornais, queexploram aspectos ligados às possibilidadesoferecidas pelo Nordeste aos investimentosprivados, tanto pelos seus recursos naturaisquanto pela sua localização (proximidade)em relação ao mercado internacional.

Nestes termos, indica-se discurso decaráter técnico associado ao semi-árido eversando sobre: a) a ausência de chuvas eas taxas de insolação elevadas como dadoimportante e positivo no desenvolvimentoda agricultura irrigada – o primeiro aspectoimpedindo a reprodução dos insetos nocivose o segundo, associado à fertilidade do solo,permi t indo aumento da produt iv idadeagrícola; b) a paisagem litorânea e o climacomo importantes mercadorias turística - asbe las pa isagens e o so l (s inôn imo deausênc ia de chuvas assoc iado atemperaturas elevadas).

Embora os atores até entãoevidenciados abalem o pacto ol igárquicoexistente na região, eles não conseguemtomar o poder em esca la reg iona l ,diferentemente do ocorrido com a oligarquiaa lgodoe i ra pecuar is ta do ser tão aodesbancar os Senhores de Engenho da zonada mata (OLIVEIRA, 1981). Conforme Castro(1997b), aqueles atores são frágeis emtermos po l í t i cos , dado gerador denecessidade de estabelecimento de aliançascom outros segmentos po l í t i cos eadmin is t ra t ivos para obterrepresentatividade.

O recurso ao ocorrido no Ceará ilustrabem as transformações ocorridas no sentidode viabilizar a atividade turística na região.Neste estado, as a l ianças po l í t i casconduz i ram grupo de empresár iosoriginários do Centro Industrial do Ceará(CIC) ao poder. Constata-se o sucesso deestratégia empreendida em 1978, com aeleição do presidente do CIC independenteda Federação das Indústrias do Estado doCeará (FIEC) e relacionada a interesse dejovens empresár ios em estabe lecer um

diálogo com o governo, em outros termos,uma busca de inserção política.

A partir desta busca, este grupo deempresários obtiveram algumas conquistasem escala local. Em um primeiro momento,dá-se a par t i c ipação do CIC (grupo detécn icos e in te lec tua is) no governo deGonzaga Mota (1983-1987): governo deruptura com os coronéis. Em um segundomomento, uma composição política para aseleições governamentais de 1987 culmina nae le ição de ant igo pres idente do CIC, oempresário Tasso Jereissati. Este tipo decomposição af irma-se de maneira tal noCeará, que o grupo supracitado permaneceno poder por vinte anos: Tasso Jereissati noprimeiro mandato (1987-1991), Ciro Gomes(1991-1995), Tasso Jereissati no segundomandato (1996-1999), Tasso Jereissati noterce i ro mandato (1999-2003) e Lúc ioAlcântara (2003-2007).

O Ceará torna-se um paradigma paraa região Nordeste, ao apostar em práticaspolíticas inovadoras como o Programa deDesenvolv imento do Tur ismo em ZonaPrioritária do Ceará (PRODETURIS) de 1989.O citado projeto valoriza as praias comomercadoria turística antes do Programa deAção Para o Desenvolvimento do Turismo doNordeste (PRODETUR-NE) de 1992,caracterizando-se, portanto, como pioneironeste domínio e totalmente financiado pelogoverno do Ceará, que o considera um guiapara os empreendedores, um indicador paraos programas oficiais e para as políticas dep lanejamento tur í s t i co para o l i to ra lcearense.

O novo pacto oligárquico no Nordesteposs ib i l i ta a obtenção de recursosfinanceiros em escala internacional e a partirde parcer ias estabe lec idas entre osgovernos loca is/organ ismos reg iona is(notadamente o Banco do Nordeste) e osorganismos internacionais de financiamento,principalmente o Banco Interamericano deDesenvolvimento (BID).

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O desdobramento destaracionalidade é indicado em documento doPlano Nacional de Ordenamento Territorial(PNOT, 2006), documento constante emanexo e concernente à Região Nordeste eseus “fronts” de modernização (publicado naíntegra in. DANTAS et all, 2006b). O referidofundamentará nossas re f lexões, postoevidenciar, na inst i tuição de pol í t ica dedesenvo lv imento tur ís t i co do Nordeste,lógica de investimentos do poder público eda iniciativa privada.

2. No domínio dos fixos: investimentos dopoder público

Os invest imentos públ icos são osa lavancadores da po l í t i ca dedesenvolvimento. Conforme o BNDS, napr imei ra fase do PRODETUR ( int i tu ladoPRODETUR I , ha ja v i s ta notar -secontinuidade do mesmo com implantação doPRODETUR II e, mais recente, do PRODETURI I I ) , a té o ano de 2005, prev ia-seinvestimentos da ordem de 900 milhões dereais nos estados nordestinos, distribuídasas maiores parce las para a Bahia (300milhões de reais) e o Ceará (160 milhões derea is) , to ta l i zando 51% do vo lume derecursos to ta i s . Os res tantes 49%distribuídos, em ordem decrescente, entreos estados de Sergipe (76 milhões de reais),Maranhão (74 milhões de reais), Alagoas (71milhões de reais), Pernambuco (64 milhõesde reais), Paraíba (54 milhões de reais),Piauí (54 milhões de reais) e Rio Grande doNorte (47 milhões de reais) (Tabela 1).Baseado em Relatório Final do BNB estequadro muda e percebe-se, grosso modo,distribuição real dos recursos (investido)com valores superiores ao previsto. Nestadistr ibuição continuam a se destacar osestado da Bahia (139,06 milhões de dólares)e do Ceará (88,339 milhões de dólares),correspondendo a 57,33% do volume de

recursos to ta is , cabendo os restantes42,67% aos demais es tados em ordemdecrescente: Sergipe (32,604 milhões dedólares), Pernambuco (30,763 milhões dedó lares) , A lagoas (27,612 mi lhões dedólares), Maranhão (26,599 mi lhões dedó lares) , R io Grande do Norte (22,333milhões de dólares), Paraíba (19,997 milhõesde dó lares) e P iau í (8 ,849 mi lhões dedólares).

No red imens ionamento dadistribuição de recursos do PRODETUR I, nacomparação entre va lores prev is tos einvestidos, merecem destaque Pernambucoe Rio Grande do Norte. Os dois estados, notocante aos valores previstos, ocupavam,respectivamente, a sexta e a última posição,passando a ocupar, na consideração dosva lores invest idos , a quar ta e sét imaposições.

No concernente aos va loresinvestidos pelos governos locais em parceriacom organ ismos reg iona is e nac iona is ,torna-se impossível comparação entre osva lores prev is tos e invest idos . A nãoind icação dos va lores prev is tos para atotalidade dos estados inviabil iza análisecomparat iva per t inente. Ent retanto ,interessante frisar participação forte destesestados. Os estados da Bah ia (75,505milhões de dólares) e do Ceará (53,428milhões de dólares) continuam na liderança,concentrando 56,21% do total. Dos demaisconvém ressaltar desenvoltura do governodo Rio Grande do Norte (15,907 milhões dedó lares) que ocupa a quarta pos ição,suplantando Alagoas (14,746 milhões dedólares), Maranhão (14,345 mi lhões dedó lares) , Para íba (12,786 mi lhões dedólares), Piauí (12,274 milhões de dólares)e Pernambuco (11,212 milhões de dólares),perdendo un icamente para o terce i roclassif icado, Sergipe (18,153 milhões dedólares).

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Tabela 1 – Investimentos do PRODETUR I e dos Governos Locais

Os valores envolvidos, além de distribuiçãodesigual por estado, são direcionados acomponentes diferenciados, englobando, nostermos indicados pelo Relatório Final do BNB, quatrocomponentes: componente A, desenvolvimentoinstitucional; componente B, obras múltiplas em infra-estrutura básica e serviços públicos; componenteC, melhoramento de aeroportos e componente D,estudos e projetos.

A consideração da variável componenteindica quadro caracterizador de investimentosconcentrados em infra-estrutura potencializadora daatividade turística no Nordeste. Percebe-se, naanálise da Figura 1, importância dos investimentos,

na ordem decrescente, no quesito aeroporto,saneamento e transportes, considerados os valoresinvestidos pelo BID e local. No cômputo geral, oprimeiro e terceiro quesitos somados correspondema US$ 218,625 milhões (BID) e US$ 147,032 milhões(local), suplantando os valores atribuídos ao quesitosaneamento: US$ 118,256 milhões (BID) e US$43,012 milhões (local). Tal lógica deslancha nacaracterização de racionalidade determinante daprodução de espaço da circulação, fundamentadona construção de aeroportos associados às viaslitorâneas, os primeiros especializados na recepçãode fluxos turísticos e as segundas garantidoras dadistribuição destes fluxos nos espaços litorâneos.

Figura 1 – Valores Aplicados Pelo PRODETUR I Por Componente e Fonte

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Tal racionalidade é mais visível nosestados da Bahia e Ceará, cujos investimentosem aeroportos e transporte, com a indicaçãodos valores envolvidos nas políticas adotadasnos dois estado, refletem níveis de concentraçãopróximos ou superiores aos valores investidosnos demais estados do Nordeste, exceto RioGrande do Norte e Pernambuco, merecedoresde destaque na figura 2.

No quesito melhoramento de aeroporto,há a construção, reforma ou ampliação de oitoaeroportos nas cidades de São Luiz, Fortaleza,Natal, Recife, Aracajú e Salvador, com volumede recursos da ordem de US$ 108,681 milhões(local) e US$ 114,774 milhões (BID) (ver Figura1). Na Bahia esta lógica amplia-se comconstrução de dois aeroportos nas cidades dePorto Seguro e Lençóis. Convém ressaltar,ainda, que dos aeroportos beneficiados, três

passaram da qualidade de regionais à deinternacionais, especificamente o AeroportoCunha Machado/MA, o Aeroporto Pinto Martins/CE e o Aeroporto de Porto Seguro/BA. Merecedestaque, nos termos supracitados, o volumede recursos investido na Bahia e no Ceará,respectivamente, quatro e duas vezes e meiasuperiores ao valor aplicado nos demais estadosdo Nordeste (Figura 2).

Quanto ao quesito transporte, tem-se aconstrução de um conjunto de vias litorâneas(Estruturante/CE, RN-063/RN, SE-100/SE, BA-001 Ilhéus-Itacaré). Embora os valoresenvolvidos não sejam superiores ao doNordeste, apresentam-se próximos: Bahia eCeará com, respectivamente, 10% abaixo emetade do valor envolvido nos demais estadosdo Nordeste (Figura 2).

Figura 2 – Investimento no Melhoramento de Aeroporto e de Transportes na Bahia,Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte.

O volume de recursos supramencionadopor componente alavancou uma política deconstituição dos Pólos de Desenvolvimento deTurismo no Nordeste brasileiro, perfazendo umtotal de 12 pólos concentrados nos noveestados nordestinos: Maranhão (Pólo São Luis),Piauí (Pólo Costa do Delta), Ceará (Pólo CearáCosta do Sol), Rio Grande do Norte (Pólo Costa

das Dunas), Paraíba (Pólo Costa das Piscinas),Pernambuco (Pólo Costa dos Arrecifes), Alagoas(Pólo Costa Dourada), Sergipe ( Pólo Costa dosCoqueirais) e Bahia (Pólos Salvador e Entorno,Litoral Sul, Costa do Descobrimento e Chapadada Diamantina), o único a dispor de pólo turísticode caráter não litorâneo (Chapada Diamantina)(Figura 3).

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Figura 3 – Pólos de Turismo no Nordeste Brasileiro

3. No domínio dos fixos: investimentos dainiciativa privada

Os invest imentos da in ic ia t ivaprivada beneficiam-se dos investimentospúb l i cos no domín io da in f ra-est ruturaturística, consolidando e ou diversificandosuas ações na zona costeira.

Para apreender esta racionalidadepodemos envolver, à priori, dados relacionadosao setor hoteleiro. Tal gênero de atividade sebeneficia imediatamente da nova lógica deordenação do território, implantando unidadeshoteleiras, principalmente nas capitaislitorâneas nordestinas. Lamentavelmente, postoque os dados apresentados pelo PDITS do Pólo

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Costa dos Arrecifes se relacionam à totalidade dePernambuco, não há a possibilidade deestabelecimento de análise comparativa entre asdemais capitais nordestinas. A passagem doabsoluto para o relativo fragiliza-se. Entretanto,desconsiderando os dados de Pernambuco(evidenciados em escala estadual e não municipal)e a não indicação de dados completos sobre JoãoPessoa, convém ressaltar: a) concentraçãoimportante de empreendimentos nas cidades deSalvador (BA), com 292, e Fortaleza (CE), com 229;b) participação destacada de Natal, com 159estabelecimentos hoteleiros, número bem acima doregistrado nas outras cidades nordestinas: Aracaju(64), São Luis (43), Maceió (28) e Teresina (14).

A primeira variável, relacionada aSa lvador e For ta leza, re f le te nuançasapontadas pelos investimentos públicos nosestados nordestinos. A segunda variável, ade Natal, reverte tal indicativa ao suplantarAracajú, cujo estado é o quarto em volumede invest imentos púb l i cos , no tota l deestabelecimentos hoteleiros. Na competiçãoinst i tu ída entre as c idades l i to râneasnordest inas , no sent ido de at ra i rinvestimentos com o produto turístico praia,supõe-se que a c idade de Aracajú nãoconsegue des lanchar, posto cont inuareclipsada pela metrópole de Salvador e àsinvestidas de seus governantes.

Tabela 2 - Investimentos Privados: estabelecimentos hoteleiros, unidades Habitacionais (Uh’s),número de leitos, taxa de ocupação anual das capitais da Região Nordeste.

4. No domínio dos fixos: cruzamento dosinvestimentos públicos e privados no Ceará

Dados resultantes de pesquisaversando sobre o imobiliário e o turismo nasregiões metropolitanas nordestinas deSalvador, Recife, Fortaleza e Natal, da qualparticipamos como coordenador do núcleo

Fortaleza, nos auxiliam no entendimento dodesdobramento dos investimentos turísticospúblicos e privados (implantação deempreendimentos turísticos) no Ceará. Umquadro peculiar cujos desdobramentos dosinvestimentos públicos convergem, grossomodo, para parcelas diferenciadas do espaço.

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No primeiro domínio - investimentospúblicos - segue-se a lógica determinada peloPRODETUR I, de estabelecimento de infra-estrutura no trecho compreendido entreCaucaia e a fronteira Trairí-Itapipoca – zonaturística prioritária II, no litoral oeste.

Fortaleza, como capital, destaca-se narecepção de investimentos, notadamente emfunção da construção de aeroportointernacional, articulador dos fluxos turísticos noespaço litorâneo do estado (Figura 4).

Figura 4 – Cartograma representativo da distribuição de recursos do PRODETUR I noCeará.

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No segundo domínio - investimentosprivados - há, até 2005, implantação deempreendimentos turísticos no litoral leste (comexceção de Icapuí), Fortaleza e Caucaia. Comoprevisão tal quadro incide, além de Fortaleza,sobre Aquiraz e Beberibe, no litoral leste,apresentando-se ainda, a partir destemomento, indicação de investimentos emlocalidades no extremo do litoral oeste,Jericoacoara e Camocim (Figura 5),

acompanhando direcionamento de recursospúblicos no PRODETUR II, para consubstanciaçãode lógica de ordenação turística regional, aoassociar as destinações turísticas do extremooeste à destinações turísticas do Delta doParnaíba, no Piauí, e dos Lençóis Maranhenses,no Maranhão. Neste domínio há previsão deconstrução de vias e inclusive de aeroporto paradar vazão aos fluxos turísticos da áreaevidenciada.

O estabelecimento de paralelo entreos dois cartogramas acima explicita umalógica de ordenamento do território similarao evidenciado no Nordeste. Tal lógica seriaa da const i tu ição de pol í t ica públ ica deconsol idação de tur ismo l i torâneo, cujodesdobramento assoc ia , grosso modo,volume importante de recursos públicos no

litoral oeste, como estratégia do governolocal em desenvolver o turismo nesta região,a invest imentos importantes do setorprivado no litoral leste. Esta lógica se cruzana metrópole, com indicação de quadrofavorecendo, além da capital, os municípioslitorâneos de Caucaia e Aquiraz.

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Em termos gerais, e pautando-se noestudo de caso do Ceará, os fixos resultantesda ação pública (aeroportos e vias litorâneasem destaque) e privada (notadamente osempreendimentos hoteleiros) são condição paraatração e diluição de fluxos no Nordeste. Taisfluxos são direcionados às capitais nordestinase diluem-se nos municípios litorâneos. Dado asmesmas, posto concentrarem aeroportos ehotéis (maior contingente) em seu território, seapresentarem, na contemporaneidade, comopontos de recepção e de distribuição dos fluxosturísticos.

5. No domínio dos fluxos

A análise do volume de passageiros noNordeste evidencia o que foi dito anteriormente.Pautado em levantamento da Empresa Brasileirade Infra-Estrutura Aeroportuária (INFRAERO),nota-se fluxo alicerçado tanto na destinação(nacional e internacional) como na natureza do

transporte (regular ou não regular - vôocharter), ambos nos anos de 2003 e 2004.Evidencia-se dinamismo do transporte aéreo noNordeste, podendo estabelecer análiserepresentativa da participação do mesmo naescala do Brasil e do comportamento de cadaum dos estados do Nordeste.

No que concerne à participação dotransporte aéreo nordestino no Brasil,notadamente os desembarques totais, percebe-se no domínio do: a) Transporte aéreo nacional– participação na ordem de 17%, a saber,17,79% em 2003 (5.470122 passageiros contra30.742.037), 17,41% em 2004 (6.367.104passageiros contra 36.566.585) (Tabela 3); b)Transporte aéreo internacional – participaçãomenor do que a nacional, variando da casa dos4% à 7%, especificamente 4,87% em 2003(262.299 passageiros contra 5.375.343) e7,33% em 2004 (450.385 passageiros contra6.138.217) (Tabela 4).

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Na consideração dos vôos chartersevidencia-se fluxo de caráter eminentementeturístico. Neste domínio, a participação doNordeste em relação ao Brasil, nos termosindicados acima (desembarque), é maissignificativa. Os vôos desta natureza dispõemna dimensão do: a) Transporte aéreo nacional -percentuais da ordem de 20%, 630.535passageiros no Nordeste contra 2.207.379 no

Brasil, 28,56% do fluxo total de 2003, e 711.400passageiros no Nordeste contra 2.815.028 noBrasil, 25,27% do fluxo total de 2004 (verTabela 3); b) Transporte aéreo internacional –percentuais mais elevados, da ordem de 60%,mais detalhadamente, 61,78% em 2003(106.333 passageiros contra 172.105 no Brasil)e 65,68% em 2004 (214.975 passageiros contra327.273 no Brasil) (ver Tabela 4).

Tal comportamento representaria lógicasdiferenciadas envolvendo a atividade turísticana escala do país e internacional. A primeira,característica de países de dimensõescontinentais, evidencia dependência dotransporte aéreo no estabelecimento derelações internas, marcante desde o final dasegunda guerra mundial. Para Dacharry (1981),tratar-se-ia da inclusão, na lógica do transporteaéreo, da clientela de lazer à tradicional clientelados negócios. Representaria, nestes termos,ampliação do volume de vôos em atendimentoàs demandas resultantes das transformaçõespolíticas, sociais e econômicas ocorridas no Brasil

e fundadas na dimensão tecnológica (o avião).No nordeste, em virtude das dimensõescontinentais do Brasil, o fluxo direcionado paraas capitais nordestinas é, a exemplo doacontecido em destinações insulares,fortemente dependente do transporte aéreo.O paradoxo da continentalidade evidenciandoquadro próximo do vivido em regiões como asAntilhas e nas quais o sucesso da políticaturística em escala internacional está associado,também, à constituição de aparato capaz deviabilizar os fluxos a longa distância. A diferençaé que internamente o Brasil dispõe de empresasaéreas consolidadas, concentrando-se os

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esforços dos governantes, principalmente, naconstrução de aeroportos, de preferência, nopadrão internacional. A segunda se deve àinclusão recente do Nordeste no mercadoturístico internacional. Para tanto, e no sentidode viabilizar o deslocamento de turistas emdistâncias intercontinentais, o recurso do vôocharter é um complemento importantíssimo naampliação da capacidade de atração de fluxosexternos. Tal lógica é reforçada, de um lado, comconstrução de aeroportos internacionais e, deoutro lado com a transformação dos jáexistentes à condição de internacional. Significa,nestes termos, ampliação de padrão restrito,até final dos anos 1980, às capitais nordestinasde Recife e Salvador. Na atualidade, em virtudeda política de desenvolvimento agressivaadotada no Ceará e Rio Grande do Norte, ascapitais de Fortaleza e Natal incluem-se noquadro dos vôos internacionais, revezando emimportância com as cidades anteriormentecitadas.

6. De uma lógica de dominação perpendicularàs zonas de praia a uma dominação paralela

A presente política de constituição dospólos turísticos no Nordeste, com locação deinvestimentos geradores de ações comrepercussão em lógica de ordenação doterritório, fortalece modelo caracterizador dascidades litorâneas – marítimas tropicaiscontemporâneas (do final do século XX, iníciodo século XXI). Cidades que se abrem para omar, ao constituírem lógica de ordenação doterritório paralela à zona costeira e fundada naarticulação entre as vias litorâneas e osaeroportos, no sentido de atrair fluxos cada vezmaiores de turistas e de investimentos (DESSE,1996; DANTAS, 2006a).

A indicação desta lógica de dominaçãoparalela transforma as zonas de praia emmercadoria nobre, dado que implica namodificação radical da paisagem litorânea. Comas novas práticas marítimas ligadas ao veraneioe ao turismo, as paisagens associadas à pescae ao porto se encontram abaladas. Uma zona

marcada pela presença dos portos e dosvilarejos de pescadores é afetada atualmentepela construção de novas formas (dosestabelecimentos turísticos somando-se àsresidências secundarias) acompanhando todalinha costeira.

Em conformidade com esta lógica devalorização, as cidades litorâneas nordestinassão transformadas em pontos de recepção ede distribuição do fluxo turístico, colocando osespaços litorâneos de todos os municípios doestado sob a dependência direta das capitais esem a mediação de outros centros urbanosintermediários. Grosso modo, significa lógica dedominação paralela à zona de praia,prolongando-se sobre o litoral e baseada noaeroporto, que se adiciona à antiga lógica dedominação perpendicular, partindo do interiorpara o sertão e baseada no porto.

7. O Turismo, um negócio de publicidade e depropaganda política

De uma imagem derivada de umaconsciência comum de pertencimento (CLAVAL,1981), cujos elementos fundadores figuram emdocumentos antigos e em relatos de viagens,passa-se para um controle das imagens dascidades através de uma política de marketingbaseada na mídia e, principalmente, natelevisão. Em outros termos, surgem outroselementos constitutivos da imagem da cidade.

As imagens das cidades centravam-seanteriormente sobre uma tomada de consciênciade um comportamento de grupo com baseespacial, dado que suscitava uma solidariedadeglobal que criava uma consciência comum depertencimento, levando os habitantes avislumbrar algo que os torna diferentes de umcidadão de outras paragens (CLAVAL, 1981).

As imagens veiculadas atualmenteobedecem a uma outra lógica, reveladora deoutras escalas e parâmetros. No Nordeste, apósfinal dos anos 1980, podemos falar dearticulação das cidades com escalas maisamplas, inclusive a internacional e que são

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definidas pelo desejo de torná-las competitivasem relação a outras cidades. Para tanto, cadacidade procura se impor com a elaboração deuma imagem especifica e associada, no caso emevidencia, ao turismo litorâneo, notadamentenos termos propostos por DANTAS (2000), aoindicar, no caso de Fortaleza, a evidenciação deuma cidade litorânea marítima cujos elementoshumanos e naturais são valorizados comomercadoria turística. Observa-se, portanto, aconstrução de uma imagem turística da cidade.

7.1 - A construção da imagem turística dascidades litorâneas nordestinas.

A construção da imagem turística dascidades litorâneas nordestinas, principalmentedas capitais, insere-se na mesma racionalidadedas outras cidades litorâneas dos países em viade desenvolvimento, ou seja, conforme modelointernacional de desenvolvimento do turismo.

Com seu sucesso, a Espanha representamodelo de desenvolvimento do turismo segundopolítica de marketing turístico. Naimplementação de estratégia dedesenvolvimento do turismo nos termos doconceito de marketing (LAQUAR; HOLLIER,1981), elabora-se imagem turística permitindoeste país se aproveitar de suas costasensolaradas e de sua geografia nacional (POUTET,1995). Este sucesso a torna paradigma maiordas políticas de desenvolvimento do turismo nospaíses em via de desenvolvimento, inclusive naAmérica Latina. Ao considerarmos o percursometodológico adotado por Poutet (1995) nocaso espanhol, podemos apreender o ocorridono Ceará.

Considerando o turismo como fenômenode ordem econômica e política, Poutet (1995)tenta não reduzir a amplitude do fenômenoturístico, haja vista o mesmo ter servido,também, como instrumento de propaganda dofranquismo, ao criar uma consciência turísticaindicadora do fluxo de estrangeiros como umsímbolo do sucesso e viabilidade do regimepolítico instaurado em 1939.

Por se caracterizar como instrumento depropaganda que a nova elite política soubeexplorar para desenvolver uma consciênciaturística e um símbolo de sucesso e viabilidadedo novo governo, o mesmo se aplica ao Ceará.A única diferença a descartar, para não tornaresta via metodológica impraticável, concerne aoquadro político no qual estas políticas sedesdobraram. Considerando transformaçõesrecentes que suscitaram, de um lado, adiminuição do papel do estado central e, de outrolado, o fortalecimento do papel do estado localbaseado na prosperidade das cidades (CLAVAL,1997), o percurso metodológico empreendidopode contribuir à compreensão do processo deelaboração da imagem turística do Ceará(DANTAS, 2002b). Esta imagem é cunhada graçasa quadro de descentralização do poder quedenota importante papel do estado local nodesenvolvimento de políticas de planejamentoe de marketing reforçadoras do papel centralda capital, Fortaleza, na valorização das zonasde praia do Ceará.

Nesta perspectiva, uma nova imagem deFortaleza foi elaborada: a da Cidade do Sol(DANTAS, 2002a). Trata-se de imagem concebidaalém daquela de nação, inscrita no sistemamundial, e construída pela nova elite políticalocal em conformidade com uma consciênciaturística que a torna o espelho do novo governo.Assim, ela ultrapassa, a exemplo da Espanha,o contexto estritamente turístico e econômico erevela a propaganda política, ao se utilizar dapublicidade para responder aos critérios dodesenvolvimento econômico e anunciar amodernização.

Podemos falar, portanto, de um turismoque se desenvolve em virtude da açãoconjugada entre publicidade e propaganda.Esta relação é sublinhada por Domenach (1979),ao afirmar que a propaganda, embora sediferencie ao ter um objetivo político e nãosimplesmente comercial, se aproxima dapublicidade na medida em que ela procura criar,transformar ou confirmar opiniões se utilizando,em parte, dos mesmos meios.

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Esta filiação forma opiniões tantointernas (em escala local) como externas (emescala regional, nacional e internacional). Aopinião interna é marcada pela criação de umaconsciência turística que busca convencer oshabitantes de Fortaleza da vocação turística doestado e da capital. A opinião externa é marcadapelo fortalecimento da imagem turística dacidade, transformada em paraíso para osturistas amantes de praias.

Esta formação de opinião moldada pelapublicidade/propaganda suscita a construção deuma imagem de marca de Fortaleza baseadanas vantagens climáticas. Procura-se, assim,construir uma imagem para difundir o processode modernização do Ceará, dadocomprometedor da imagem trágica associada aoimaginário social da seca e que impedia odesenvolvimento do turismo.

7.2 - A construção da imagem turística pelosideólogos do governo.

Recorrendo à metáfora do sol comosinônimo de semi-aridez, fala-se atualmente deuma modificação de paradigma que desvalorizaas praticas políticas precedentes. Rebouças etal (1994), afirma ter sido a figura do sol utilizadapor decênios como representação da seca,responsável pelo êxodo rural e pretexto paraobtenção de ajudas do governo federal. Paraele, na atualidade, a relação dos habitantes doCeará com o Sol dá-se noutro ponto de vista. OAstro rei, anteriormente considerado comoadversário, torna-se importante aliado aogarantir taxa de umidade ideal, assegurar aconstância da fotossíntese favorável àagricultura industrial, possibilitar a geração deenergia alternativa, garantir brilho ideal para alente das câmeras e representar uma reservainfinita para o turismo permanente.

A presente modificação de paradigma écontrolada pelos ideólogos do governo com acriação de espaços de discussão e de formaçãode opinião procurando fortalecer pactodenotando relação diferenciada da sociedade

com o semi-árido. O Pacto de Cooperação ,instituído em 1991, representou a expressãomaior desta estratégia. Trata-se de parceriaestabelecida entre a sociedade civil e o Estadoe cujo objetivo era o de repensar e dereestruturar a economia do Ceará segundo onovo cenário mundial. Esta parceria,estabelecida inicialmente entre representantesdo CIC e do governo, foi ampliada com ainserção de outros segmentos do meio patronal,de diversos organismos públicos, de centros depesquisa, de universidades bem comoorganismos internacionais. Em suma,representava um grande fórum, contando coma participação do Governador Ciro Gomes(presidente do Pacto de Cooperação), do Prefeitode Fortaleza Juraci Magalhães bem como com aparticipação de delegados privados epermanentes da sociedade civil.

No seio deste fórum foram lançadas asbases para a construção de nova imagem doCeará, e por extensão de Fortaleza. Buscandoindicar diretrizes para o desenvolvimento doCeará, se caracteriza como espaço de formaçãode opiniões necessárias para a elaboração daimagem turística do Ceará. Esta longaelaboração é parte de um diagnóstico quesuscita, em um primeiro momento, a indicaçãodos problemas existentes e das possibilidadesde resolução e, em um segundo momento, aindicação dos objetivos a atingir (ver Quadro1).

Partindo da indicação do estado desubdesenvolvimento que caracteriza a região,os ideólogos do governo retomam a discussãosobre a viabilidade do semi-árido. Estadiscussão, orientada pelo novo imaginário socialdo Nordeste, favorece o reforço do quadro deimagens positivas.

Com tal reforço, estes ideólogos colocamem xeque o discurso determinista das elitesconservadoras do Ceará, abrindo espaço paraindicação de uma nova prática política emconformidade com as exigências de resoluçãodos problemas. A análise destas exigênciaspermite situar três idéias principais: a) não

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torna-se mais possível considerar visão trágicado semi-árido. O domínio deste meio, atravésda tecnologia, o torna um recurso inestimávelpara uma exploração rentável e sustentável; b)impraticável pensar política de desenvolvimentono Estado baseada somente na escala nacional.A crise do Estado Central no Brasil abre espaçopara o fortalecimento do Estado Local, que podeestabelecer vínculos com a escala internacional,notadamente como parceiro de organismos eempreendedores internacionais; c) impossívelconsubstanciar políticas de desenvolvimentosem a participação do setor privado. A reduçãoou a supressão dos subsídios federaisdestinados aos governos de estado conduzestes últimos a buscar outras parcerias nainiciativa privada.

Estas idéias-chave evidenciam práticapolítica oposta àquela dos Coronéis. Estaoposição repousa seja sobre a tecnologia e suacapacidade de superar os limites da natureza,seja sob a nova lógica do mercado, que suscitaentrada das cidades dos países em via dedesenvolvimento no sistema mundo.

Embora a incorporação destas cidadesao sistema mundial implique em certaindependência em relação ao Estado Central,ela as submete a uma lógica de competição emescala internacional. As cidades se situamatualmente em uma rede mundial, na qual cadauma delas busca se especializar, conforme suavocação, em um domínio especifico para atrairconsumidores e investidores.

Procurando inserir o Ceará na redemundia l tur í s t i ca , o governo def ine osobjetivos a atingir, reforçando a noção de

vocação turística do Ceará cuja capital é amola mestra.

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7.1.1 - Crítica concernente à imagem turísticade Fortaleza e do Ceará.

Embora o sucesso econômico incite atornar Fortaleza uma destinação turística, asociedade local não se reconhece neste novoquadro que lhe foi oferecido.

Em um primeiro plano, críticas sãodirigidas aos empreendedores turísticos que nãomostram aos turistas a verdadeira Fortaleza,cidade rica de história cujo testemunho éoferecido pelo patrimônio arquitetural.

Segundo pesquisa realizada pelo JornalO Povo, em duas (Ernanitur, Valtur) das trêsempresas que oferecem city tours em Fortaleza,chega-se à seguinte constatação:

…despontando como o destino maisprocurado do País, com 26% da preferênciados turistas nacionais, Fortaleza ainda não éapresentada como merece aos seusvisitantes. As principais agências que fazemo chamado turismo receptivo não mostram ahistória da cidade. As agências apresentama Beira Mar, Aldeota, Praia de Iracema e umapequena parte do centro de Fortaleza. Osguias de turismo mostram restaurantes, falamdas praias que servem para banho e dizemonde o visitante pode se divertir. Asinformações sobre a história da cidade ficamrestritas a alguns breves comentários sobreo Forte de Nossa Senhora da Assunção, oPasseio Público e a Praia de Iracema. (JornalO Povo, 09/04/98).

Esta crítica testemunha abalo da imagemque esta sociedade possuía dela mesma:relacionada à historia de um Estado e de umacidade cuja origem, a força e a vitalidaderesultavam das relações estabelecidas entre oshomens no e com o semi-árido.

Em um segundo plano, críticas derivamigualmente dos pescadores que se organizamem movimentos de luta pela terra. Embora aexpulsão progressiva destes pescadores e aimportante transformação de seu gênero devida sejam uma tendência evidente, nãopodemos reduzir a realidade a este único

aspecto. O movimento de expulsão provocamovimentos de resistência que continuam a semultiplicar. Há inserção, nestes termos, emdinâmica evidenciada em escala internacional,denotando o ocorrido em outros paísestropicais, a título de exemplo: Senegal e paísesque foram antigas colônias da França,trabalhados respectivamente por Cormier-Salem (1996) e Desse (1996).

Estes movimentos se fortalecem comocrítica ao modelo de desenvolvimento adotado.Trata-se da apresentação de outra demanda,aquela dos pescadores que lutam para garantirsua sobrevivência como habitantes das zonasde praia.

Peculiar neste movimento é que ospescadores, através da luta pela terra,redescobrem o mar. A redescoberta do marreforça sua luta, haja vista o mesmorepresentar sua força. O mar é seu elemento,seu conhecimento antigo. É no mar que opescador é reconhecido e que ele pode melhorse exprimir. É no mar que ele pode sercompreendido e se reencontra.

Enfrentando o oceano selvagem doBrasil, os pescadores apresentam suasreivindicações. A jangada, seu instrumento detrabalho, se transforma em meio decomunicação simbólica que reforça a luta desteshomens ímpares. Tudo começou no inicio doséculo XX, nos anos 1940, com uma expediçãoorganizada pelo mestre Jacaré. Este pescador,acompanhado de sua tripulação, partiu em umapequena jangada para o Rio de Janeiro visandoreivindicar os direitos trabalhistas obtidos nogoverno de Getúlio Vargas. Tudo foi retomadocom a organização de uma segunda expediçãoem 1993: a Jangada da Sobrevivência, partindoda Praia do Canto Verde para o Rio de Janeiro,com o objetivo de sensibilizar a população paraos perigos que ameaçam os pescadores.

Estes movimentos correspondem à lutapelo direito à diferença, ao direito de seapropriar das zonas de praia como locus deprodução. Nota-se, portanto, uma espécie emvia de extinção (o pescador), mostrar à

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sociedade inteira que as zonas de praia nãopodem ser limitadas aos banhos de mar e aosbanhos de sol.

Considerações Finais

A análise empreendida no presentetrabalho auxilia na compreensão dos elementosdelineadores da construção do Nordesteturístico. Enfoque baseado no imaginário socialnordestino permite apreender como uma regiãopobre, não turística, em período de tempo tãocurto, aproximadamente vinte anos, transforma-se em ponto privilegiado das destinaçõesturística internacional e, principalmente,nacional.

Na argamassa do novo imaginário socialnordestino se dá redimensionamento da relaçãoda sociedade com o semi-árido, apresentando-o, em conformidade com o discursopredominantemente tecnológico, como espaçovirtual no processo de valorização turísticalitorânea.

A modificação do imaginário socialsignifica, em escala nacional e internacional, aincorporação do litoral como espaço de consumo.Tal lógica se apóia em política de marketingadotada pelos governos estaduais. Nosaproximamos, portanto, de orientaçãometodológica indicada por Castro (1997a), aoremeter às possibilidades empíricas do conceitode imaginário na compreensão das formas deapropriação do espaço pela sociedade. Segundoesta autora, o imaginário social torna visível einterpretável os simbolismos presentes narelação dos homens entre eles e com seu meioe que se materializam em diferentes meios deorganização socioespacial.

Em conformidade com esta racionalidadese consolidam as políticas públicas voltadas parao turismo, possibilitando que grupos políticos“mais avançados” possam suplantar umaracionalidade desenvolvimentista baseada naindústria e de caráter determinista. O turismolitorâneo apresenta-se, portanto, como tábuade salvação para a região, atendendo, de um

lado, uma demanda econômica e, de outro lado,política. Pautado na teoria do marketing, queassocia publicidade e propaganda, aponta-separa a construção de uma imagem turística daregião e na qual as capitais se inscrevem namesma largura de onda das cidades litorâneasdos países em via de desenvolvimento, fato quecontribui à elaboração e promoção de umaimagem buscando assegurar o sucesso dosnovos lugares de férias, bem como a atraçãode investimentos estrangeiros e do apoiointernacional.

Esta prática leva a impor as capitaisnordestinas como destinações turísticas esuscita taxas de urbanização elevadas dosespaços litorâneos, cujas conseqüênciassão percebidas na tônica da organizaçãoespacial em voga, com uma reestruturaçãourbana que reforça as relações das capitaisdiretam ente, e sem m ediações, com aszonas de praia dos municípios litorâneos.Garante-se, portanto, substrato para oestabelecimento de competição das cidadesnordestinas (capitais) em escalainternacional e no sentido de atrair maiorcontingente de turistas, volume de recursose número de empreendim entos turísticos.Nasce, nestes termos, a metáfora da Cidadedo Sol, em conformidade com os projetos deplanejam ento que as transform am ,gradativam ente, em im portantesdestinações turísticas.

Evidencia-se, com redimensionamentodo papel das capitais nordestinas, fenômenocontemporâneo de fragmentação da regiãonordeste com indicação de um “NordesteTurístico”, associado às im agensrepresentativas da maritimidade nas capitaisnordestinas. Tal dado evidenciaria, nos termosindicados por Silva (1999), passagem de umaregião com base natural, geradora de modosde vida representativos, para outra região defundam entação econômica e definidora denovos lim ites e recortes nos term osexplicitados pelas políticas dedesenvolvimento.

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Atualmente, o turismo apresenta-se noNordeste como gerador de desenvolvimento,podendo resolver os problemas de emprego ede déficit econômico, algo semelhante aoocorrido nas Antilhas dos anos 1960-1970. Apartir das experiências vividas nesta área,percebe-se que a relação entre turismo edesenvolvimento econômico não é evidente.Para Ascher (1984), o turismo: a) utiliza umamão-de-obra qualificada sem criar empregoslocais; b) permite tão somente odesenvolvimento de subempregos; c) contribuiainda para certa instabilidade econômica esocial, pelo fato desta atividade ser sazonal;

d) suscita a construção de um quadro dedependência dos países em relação aos toursopérateurs que dominam este setor em escalamundial, com o estabelecimento de cadeiashoteleiras e o controle do transporte aéreo.

Embora se constate in locus a veracidadedas críticas supramencionadas, percebe-se quea crença nos benefícios do turismo se sobrepõee provoca no Nordeste um boom turístico,alicerçado por políticas públicas de valorizaçãodas zonas de praia, cujos fixos e fluxosprovocam a inserção de novos atores e aexpulsão dos antigos habitantes.

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Trabalho enviado em agosto de 2007 e aceitoem setembro de 2007