O estudo da cultura africana e afro-brasileira na formação ...
IMAGENS DA ÁFRICA NO CURRÍCULO ESCOLAR · tem como proposta a inclusão da história, cultura...
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Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015
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IMAGENS DA ÁFRICA NO CURRÍCULO ESCOLAR
NYAMIEN, Francy Rodrigues da Guia (UEM)1
TERUYA, Teresa Kazuko (UEM)2
Comunicação oral
Introdução
Neste artigo analisamos as questões abordadas no episódio televisivo da série
Nota 10 intitulado “África no currículo escolar”. Trata-se de uma produção audiovisual
do projeto A Cor da Cultura, uma parceria realizada entre a SEPPIR, a Petrobrás, o
CIDAN, MEC, Fundação Palmares, a TV Globo, a TV Educativa e o Canal Futura e
tem como proposta a inclusão da história, cultura afro-brasileira e africana nos meios
televisivos e nas salas de aula.
Este trabalho faz parte da pesquisa de doutorado, em andamento, na qual
elegemos onze episódios televisivos da série “Nota 10”, edições 2005 e 2010, voltadas a
educadores/as e a comunidade escolar de modo geral, sendo apresentadas experiências
educativas consideradas como bem sucedidas com base em diferentes metodologias de
ensino em que são registrados projetos e trabalhos de professores/as em escolas.
No episódio em destaque são apresentados dois projetos que discutem o
continente africano: primeiro, projeto resgate da riqueza cultural da África a partir do
desenho animado Kiriku e a Feiticeira e o segundo, projeto Educar para igualdade
racial.
Na referida série o espaço escolar, especialmente a sala de aula, é a base para discussões
cuja diretriz é sempre uma temática ligada à educação como prática (do
1 Mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará. Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Maringá. Membro do Grupo de pesquisa em Psicopedagogia, Aprendizagem e Cultura (GEPAC). 2 Doutora em Educação pela UNESP/Marília. Professora Associada da Universidade Estadual de Maringá. Líder do Grupo de pesquisa em Psicopedagogia, Aprendizagem e Cultura (GEPAC).
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reconhecimento) da diferença indispensável à ação pedagógica. E ainda tem como
pretensão inspirar educadores/as a colocarem em prática a Lei 10639/2003.
A problematização em torno da educação para as relações etnicorraciais e a
referida legislação perpassa o episódio analisado e situam as discussões e embates sobre
a história e cultura afro-brasileira e africana em um campo não neutro, complexo e tenso
que é o contexto do currículo escolar. É notório que uma parcela significativa de
crianças, adolescentes e jovens negros brasileiros configura um percurso educacional
marcado pela discriminação racial. Subsiste uma realidade no contexto escolar em que
os saberes africanos são apresentados nos currículos como culturas exóticas e seus
espaços ficam restritos a projetos ou a datas comemorativas como 20 de novembro, 13
de maio.
Para fundamentar o estudo contamos com as contribuições de autores/as e
pesquisadores/as que fazem parte do pensamento negro em educação, inspirados nos
Estudos Culturais, além dos que tratam das questões relativas à mídia e currículo.
Partimos do pressuposto que a cultura da mídia interfere na subjetividade individual e
coletiva, portanto, não se pode negar que os veículos de informação e divulgação
influenciam a sociedade.
Neste contexto marcado de avanços e limites não podemos esquecer as práticas
culturais de exclusão dos negros pelos dispositivos midiáticos e o impacto para a
educação das relações etnicorraciais.
A alfabetização crítica da mídia oferece possibilidades de envolvimento com as
realidades sociais uma vez que a tecnologia da informação e comunicação podem ser
ferramentas de poder quando as pessoas marginalizadas ou sub representadas na mídia,
como no caso os negros, recebem a oportunidade de utilizá-las para contar suas histórias
e expressar suas inquietações. As novas tecnologias da comunicação são ferramentas
poderosas que podem libertar ou dominar, manipular ou esclarecer, e é vital que os/as
educadores/as ensinem os/as estudantes a usarem e analisarem criticamente esses tipos
de mídia (KELLNER, SHARE, 2008, p.703).
E a educação configura-se como importante mediação sociocultural nos
processos de apropriação das linguagens e usos de diferentes suportes, especialmente a
experiência audiovisual com suas sensibilidades e escritas.
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Ressaltamos que os audiovisuais podem fornecer mensagens significativas de
valorização da cultura negra, e seu patrimônio histórico-cultural permitindo uma
interpretação positiva da população negra. Precisamos analisar como a cultura midiática
pode avançar nas questões de racismo, etnocentrismo e outras formas de preconceito. Imagens da África
O apresentador do episódio é o ator e jornalista negro Alexandre Henderson. Ele
compõe o cenário, anuncia o tema do programa, por meio de uma questão inicial no
gênero documentário. Com o discurso de especialista, apresenta uma narrativa que
produz realidades e marca posição frente à questão racial.
O episódio segue uma determinada sequência: inicialmente introduz-se um tema
para discussão. Neste caso realiza-se um jogo com pessoas convidadas para participar
da atividade. Em seguida ocorre o momento de entrevista com o/a especialista
convidado/a para falar sobre o tema em destaque no referido episódio. No segundo são
apresentadas as experiências educativas das escolas acompanhadas de depoimentos de
coordenadores, pais, alunos e professores participantes da comunidade escolar.
O apresentador Alexandre Henderson, no início do episodio, gira um globo
terrestre em seguida para, aponta a localização do continente africano no globo e
comenta:
Neste território com mais de 30 milhões de quilômetros quadrados, vive cerca de 780 milhões de pessoas, de diferentes etnias com as mais diversas culturas e história. Essa é a África, região também conhecida como continente negro. Mas é no mínimo curioso saber que apenas um país da África tem mais negros que o Brasil. A população brasileira é composta por cerca de 76 milhões de negros somando negros e pardos, isso corresponde a 45 % da nossa população, o que significa que a população negra não é exatamente uma minoria no nosso país. O Brasil é o segundo país com maior população de origem africana no mundo ficando atrás apenas da Nigéria. Mesmo com toda riqueza da influencia africana em nossa cultura, história, economia, ainda sabemos muito pouco sobre aquele continente. Também, os livros da escola, as notícias dos jornais historicamente vêm fazendo em nossas cabeças uma imagem estereotipada e simplificada da África. Mas que imagem será essa?(Nota 10, episódio 01, A África
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no currículo escolar, narração de Alexandre Henderson, DVD 1, 2005).
É a partir desta pergunta que o apresentador de posse de um mapa do continente
africano convida algumas pessoas para participarem de um jogo para descobrir qual é a
imagem que eles têm da África. Foram escolhidas dez pessoas para classificarem a
África com cinco alternativas. A África é sinônimo de: desenvolvimento ou atraso;
saúde ou de doença; riqueza ou de pobreza; estabilidade política ou instabilidade
política; tribo ou civilização.
Alexandre Henderson apresenta cartões escritos com as cinco alternativas aos
participantes que os escolhe, afixando-os no mapa da África.
Apresentamos no quadro seguinte os trechos dos diálogos.
Quadro I - Imagens da África
Perguntas Respostas iniciais Explicitações das respostas
Expressões qualificadoras
E: A África é
sinônimo de:
P1(homem): Ela tem
riqueza, mas muito mal
distribuída.
E: Então o senhor colocaria o
quê? Riqueza ou pobreza?
P1: Agora depende porque o
país em si é rico, mas o povo é
pobre.
P1: Instabilidade...
P1: Muito atrasado.
E: Instabilidade política
P1: Tem pouca
civilização ainda.
E: Saúde ou
doença?
P1: Muita doença! P1: Muita!
P2(mulher): Doença...
P2: Instabilidade...
P2: Por causa da AIDS
E: Porque você acha
instabilidade?
P2: Por causa das guerras
E: Nota que você botou só
P2: Né?
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palavras que dão um aspecto
negativo ao continente africano,
por quê?
P2: É o que a televisão mostra.
P2: Né?
P3(mulher): Acho que
civilização. Acho que fica
mais legal civilização.
E: Você já foi à África?
P3: Não!
E: Tem vontade de
conhecer?
P3: Tenho
P3: Até para tirar essa
conotação de que tribo seja
alguma coisa em atraso
E: Porque você tem vontade?
P3: Acho que faz parte do
Brasil. O Brasil é um pouco
África.
P3: Infelizmente.
P3: Né?
Elaborado pelas autoras. Fonte: Nota 10, episódio 01, A África no currículo escolar,
DVD 1, 2005.
As falas dos participantes sobre as imagens da África são: pouca civilização
ainda; muito atrasada; muita doença. Estas falas indicam a presença de preconceitos que
refletem um modo de pensar historicamente constituído, vinculados a determinadas
teorias já ultrapassadas baseadas nas ideias de hierarquia entre raças. Neste contexto o
continente africano é visto como atrasado, primitivo, habitado por populações
inferiores. E hoje as bases às quais eles foram construídos não se sustentam mais
(SCHWARCZ, 2010).
O participante 1 não sabe que a África é continente e afirma “ porque o país em
si é rico, mas o povo é pobre”. Para Cunha Jr. O principal problema encontrado no
processo de ensino e aprendizado da História africana é com relação aos preconceitos
adquiridos num processo de informação desinformada sobre a África. Estas informações
são racistas, produtoras de um imaginário preconceituoso. Seu efeito é tão forte que as
pessoas quando colocadas em frente a uma nova informação sobre a África têm
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dificuldade em articular novos raciocínios sobre a história deste continente, sobretudo
de imaginá-lo diferente do raciocínio habitual. (CUNHA JR, 2002, p.58)
Constatamos nestas falas como as práticas de significação estruturam os nossos
olhares sobre o “outro da Cultura”. Conforme analisa Hall (1997) em seu ensaio “O
espetáculo do outro”, as varias formas como a diferença é marcada por filmes,
publicidades e fotografias do final do século XIX ao momento presente, e como
aspectos atribuídos à raça, etnia e gênero tem sido utilizados para marcar diferenças, de
forma essencialista e estereotipada. O autor faz referencia a várias representações
produzidas sobre africanos pelo Ocidente de modo que a diferença é marcada pela raça.
O apresentador salienta que na maioria das vezes a África foi associada às
características negativas. Apesar de existir problemas no continente africano
frequentemente exibido nas mídias, há um desconhecimento de aspectos importantes da
realidade africana. Durante séculos fomos expostos a informações deturpadas e
incompletas sobre a África e este fato trouxeram consequências negativas e um grave
problema é que a desinformação começa justamente no livro didático. Nos currículos
escolares o espaço dedicado a história da África é mínima. Levamos uma vida escolar
inteira aprendendo sobre o império romano, o feudalismo na Europa, a revolução
industrial na Inglaterra, a revolução francesa, a guerra civil norte americana. Falamos da
história de um continente inteiro em apenas algumas horas e isso quando falamos.
Porque na maioria das vezes a África chega aos bancos escolares na carona de tema
escravidão. E mesmo a escravidão é abordada sob uma perspectiva eurocêntrica, isto é
sob o ponto de vista do colonizador. (Nota 10, episódio 01, A África no currículo
escolar, DVD 1, 2005)
Ao tratarmos da história da África buscamos estudos e pesquisas em diversas
áreas do conhecimento (história, antropologia, literatura, geografia, arqueologia, etc.)
para aprofundar nossa familiaridade sobre a realidade africana. Outro aspecto deste
episódio são as experiências educativas contidas em dois projetos que discutem o
continente africano na sala de aula.
O primeiro projeto aborda a riqueza cultural da África observado no desenho
animado Kiriku e a Feiticeira, exibido na EMEF Profa. Daisy Amadio Fujiwara – Zona
Oeste em São Paulo. Seu objetivo é introduzir a história do negro no Brasil; conhecer e
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valorizar a África e o modo de viver de alguns povos africanos, elevar a autoestima das
crianças afrodescendentes, bem como trabalhar o racismo, o preconceito e a
discriminação e valorização do negro na sociedade brasileira para alunos do ensino
fundamental.
No documentário, a professora Maria Cecilia Pinto ressalta que a motivação para
a produção do projeto foram as observações feitas das relações entre as crianças negras
e brancas. Ela notou que as crianças negras sofriam com atitudes racistas, xingamentos
e hostilidade. E, também, identificou a ausência de heróis e personagens negros/as nas
histórias, nos contos de fadas tradicionais:
Como a criança negra vai se identificar com aquela princesa sempre loira porque o problema não é ter a princesa loira e o príncipe loiro. O problema é só ter a princesa loira e só ter o príncipe branco. E eu resolvi apresentar um herói negro pra eles e [...] aí foi o Kiriku. (Nota 10, episódio 01 - A África no currículo escolar, entrevista professora Maria Cecilia Pinto, DVD 1, 2005).
Para esta professora, “Kiriku e a Feiticeira” é a melhor representação do/o
negro/a em animação, porque traz a sabedoria da tradição africana numa história que
notabiliza a coragem, a curiosidade e o destemor de um menino negro e franzino, corpo
pequeno, mas com características típicas de um grande herói. Kiriku nasce numa aldeia
e tem curiosidade em saber por que Karabá, a feiticeira que engoliu todos os homens da
aldeia é má. Kiriku quer entender as razões desta maldade e libertar a sua comunidade e
também livrar a própria Karabá do sofrimento.
O desenho de Kiriku e a Feiticeira, é a animação francesa do diretor Michel
Ocelot “que passou boa parte da infância na Guiné, onde tomou contato com o mito que
sustenta o roteiro da animação”. Em virtude da sua formação o diretor Ocelot preocupa-
se com o multiculturalismo e as alternativas ao modelo branco-ocidental. Youssou
N’Dour, músico senegalês, tornou mais elaborada a narrativa com músicas e
instrumentos tradicionais, as músicas são cantadas e batucadas como no cotidiano da
aldeia. “O desenho é delicado e fino com cores intensas, tropicais e muito vivas,
contornos nítidos; os personagens são negros e apresentados como negros” (FERREIRA
SANTOS, 2005, p.222).
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Para este autor, a narrativa parece simples, mas o seu desenrolar é complexa.
Primeiro vai além do maniqueísmo simplista do bem contra o mal. Kiriku não se coloca
contra a Feiticeira, ele quer compreender. “O desejo (philia) feminino de saber (sophia),
se soma a outros elementos femininos na constituição deste herói” que é “amante dos
segredos da terra e das águas”. Durante a jornada Kiriku morre e sobrevive por conta
dos cuidados das anciãs da aldeia, expressão da potencia feminina na velha sábia. O
herói lunar, duas vezes nascido, prossegue sua saga em busca de sua ancestralidade.
(idem, p. 223-224)
Depois de várias aventuras Kiriku encontra o Grande Avô, uma cena comovente,
que o acalanta e revela o segredo de Karabá, a Feiticeira. Revela que a origem de sua
maldade, causadora de um sofrimento dilacerante, é um espinho cravado em suas
costas, sobre a espinha dorsal, por isso ela nunca dá às costas a ninguém e tornou-se má.
E decidido Kiriku pensa uma estratégias para retirar o espinho.
Cabe citar um trecho da análise de Ferreira Santos do ápice da narrativa:
Quando Karabá se distrai, Kiriku se volta para as suas costas e com os dentes retira o espinho cravado. Karabá é libertada do sofrimento que dá origem ao mal com a paixão expressa no toque da boca de Kiriku, ao extrair com os seus próprios dentes o espinho da dor. A boca na cosmovisão africana é parte sagrada do corpo por onde a força vital (axé) é liberada seja pela saliva, pelo ar da respiração, pelo beijo ou pela palavra. Agradecida, Karabá pode voltar a ser ela mesma, novamente, e Kiriku passa por uma radical transformação: converte-se num belo príncipe e os dois se beijam e se casam, numa reconciliação dos dois princípios constituintes das energias do universo: o feminino e o masculino. O pássaro e a serpente, emblemas ancestrais de todo continente africano, se juntam na complementaridade dos opostos, sem apagar os conflitos, mas mantendo a relação dinâmica entre os polos. Tão logo o casal, retorna a aldeia para surpresa de todos, os homens que haviam sido engolidos por Karabá também retornam à aldeia com seus tambores numa celebração alegre e esfuziante [...] (FERREIRA SANTOS, 2005, p.224)
Após assistirem o desenho as crianças reescreviam e elaboravam desenhos sobre
a história, foram estimuladas a comparar os desenhos com os contos de fadas
tradicionais e foram percebendo a pouca quantidade não só de personagens negros, mas
também de heróis negros nas histórias. Reitera a professora, a relevância de discutir
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com as crianças as situações onde os negros são inferiorizados ou quando aparece
sempre numa situação subalterna.
Nos depoimentos de duas crianças negras percebe-se o reconhecimento do negro
de forma positiva e a avaliação da atividade satisfatória na vida das crianças.
[...] eu gostei dele porque ele era negro e salvava as pessoas. (Johnata Felipe Matos, aluno). Eu gostei. Assim que quase a maior parte da minha família é negra, menos o meu pai e o meu irmãozinho. Aí eu gostei muito que ele fosse dessa cor e minha mãe também. (Dafne Cristina Silva Oliveira, aluna).(Nota 10, episódio 01- A África no currículo escolar, depoimentos de aluno (a), DVD 1, 2005).
Cabe aqui, portanto uma reflexão que o projeto partiu da iniciativa da professora
que observou as relações entre as crianças negras e brancas e percebeu que as crianças
negras eram expostas a situações preconceituosas no ambiente escolar, não escolhendo
o silencio como estratégia diante da situação, tomou decisões embasadas teórica e
pedagogicamente no trabalho desenvolvido junto com seus alunos (as). Esta experiência
educativa recebeu o prêmio Educar para Igualdade Racial do CEERT.
O Segundo projeto Educar para igualdade racial na Escola Municipal General
Álvaro da Silva Braga em Aquidauana em Mato Grosso do Sul. Este projeto
coordenado pela professora Nilda Fátima Moraes teve como objetivo estimular o debate
sobre a lei 10639/2003, a fim de levar os/as alunos/as a conhecerem as politicas
afirmativas, seus objetivos e suas implementações e aprofundar os conhecimentos sobre
religiões de matrizes africanas. O projeto contou com aulas expositivas sobre a
importância da História da África nos currículos escolares e realização de palestras com
lideres de entidades locais que abordavam a temática.
O que motivou a criação do projeto, conforme a coordenadora, foi à necessidade
sentida com seus/as alunos/as provenientes de bairro de periferia, assim como ela,
sempre rotulados de modo negativo e o que mais lhe preocupava era que em todos os
acontecimentos ruins eles estavam sempre envolvidos. Ela procurou uma maneira de
fazê-los perceber a importância deles na sociedade e seus direitos como cidadãos que
tem voz. Como educadora acredita que isso é primordial: “Nós somos diferentes sim! E
essa diferença tem que ser ressaltada, a gente tem que trabalhar a equidade, a diferença,
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porém com direitos iguais”. (Nota 10, episódio 01- África no currículo escolar,
entrevista professora Nilda Fátima Moraes, DVD 1, 2005)
Na conversa com Jaqueline Régis Soares, líder comunitária, é enfatizado o
trabalho com a comunidade nesse projeto:
Há sempre uma resistência porque alguns acham que não existe racismo no Brasil e isso não é verdade, nós diariamente encontramos dentro da escola... é diferentes etnias, diferentes culturas. E os alunos convivem com essas diferenças e inconscientemente já colocam obstáculos e barreiras pra aceitar o outro. (Nota 10, episódio 01- África no currículo escolar, entrevista Jaqueline Régis Soares, líder comunitária, DVD 1, 2005).
Para Jaqueline, a implementação da Lei 10.639/2003 foi uma grande conquista e
possibilita discussões e debates em sala de aula e no cotidiano escolar sobre a História e
cultura afro-brasileira e africana. Ela acredita que a prática dessa legislação quebra
muitos mitos, por exemplo, o mito da democracia racial, propiciando às crianças o
entendimento de que “não é a cor que faz o ser humano é o caráter da pessoa”.
Na roda de conversa sobre ações afirmativas, especialmente sobre as cotas
raciais, dois estudantes se posicionam; um é favorável ao sistema de cotas e outro se
manifestou contrário. Vale registrar que o estudante que se posicionou desfavorável é
negro.
Valter - Infelizmente no Brasil há lei que pega e lei que não pega. Espero que essa dê certo. Que desde a infância, desde o jardim a criança aprenda a conviver com a diferença, com o diferente e aprenda a respeitar. Aí enquanto isso essas cotas são mantidas lógico! Aí vai chegar um determinado momento que não haverá mais a necessidade, entendeu? É esse o meu posicionamento eu continuo defendendo, lógico! Deonilson - Eu sou contra! Começa daí, só o motivo de dá cotas já diferencia né. A disputa já começa por aí. E se desse capacidade para todos desde o ensino fundamental ao ensino médio, final do ensino médio, acho que todos teriam oportunidade de prestar um bom vestibular e aí assim conseguir sem cotas, né. Porque é mais um, é uma... Falta mais uma política social aí (Nota 10, episódio 01- África no currículo escolar, dialogo sobre cotas raciais, Valter e Deonilson, DVD 1, 2005).
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O trecho breve do diálogo mostra como os estudantes se posicionam em relação
ao debate polêmico das políticas de ação afirmativa para a população negra e, mais
especificamente, as cotas ou reservas de vagas em universidades. Os diferentes
posicionamentos revelam o caráter não consensual. O estudante que se manifesta
desfavorável apresentou um argumento de caráter universalista para justificar a não
adoção de cotas raciais. Apesar de os objetivos de caráter universal estar contido em
nossa Constituição, convém lembrar que “o ideal universalista ainda nem chegou a se
realizar de modo pleno no país, deixando de fora dos seus benefícios um grande número
de cidadãos” (PAIXÃO, 2003).
No episódio registramos apenas uma lacônica definição do apresentador
Alexandre Henderson sobre o sistema de cotas “que é uma política estimulada pelo
governo federal através do programa Universidade para todos. Estabelece cotas para
alunos indígenas e afrodescendentes nas Universidades”. (Nota 10, episódio 01- África
no currículo escolar, DVD 1, 2005).
À exceção dos episódios da mesma série, o destaque abreviado sobre as cotas
raciais pode ser sentido como uma ausência de conteúdo teórico indispensável à
discussão de uma educação para relações etnicorraciais. A adoção de sistemas de cotas
raciais definidas pelas políticas de ações afirmativas são contornos de marcos
normativos para as correções ou minimização das injustiças econômicas e simbólicas
provocadas pelo preconceito, racismo e pela discriminação racial contra a população
negra, que de algum modo, atendem às reivindicações legítimas na luta por igualdade de
direitos e educação (MARQUES, 2012).
Desse modo, parte das ações afirmativas no Brasil se centra na educação escolar,
seja na Educação Básica ou Ensino Superior, por acreditar que esses são setores
estratégicos para uma reorganização na trama social brasileira (FELIPE, 2014, p.123).
Assim, na medida em que foram implementadas políticas públicas direcionadas para
população negra, as discussões sobre relações raciais, tornaram-se ainda mais acirradas
e reacenderam o debate sobre o mito da democracia racial, a miscigenação e a
persistente estrutura de discriminação histórica.
Neste episódio, essa lacuna expressa um silêncio profundo do não-dito, faltou
respaldo teórico de um/a estudioso/a que poderia ter sido convidado/a para abordar,
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especialmente, sobre os debates provocados pelas cotas raciais. No termino do
programa, na parte “para saber mais” não há sugestões de leituras para aprofundamento
dos assuntos discutidos nos episódios.
Considerações Finais
Após a descrição e uma breve análise do episódio televisivo, evidenciamos um
potencial pedagógico dos audiovisuais produzidos pelo projeto A Cor da Cultura. No
entanto, sua contribuição como ferramenta pedagógica criativa no trato dos saberes
sobre os afrodescendentes, sua história e cultura, precisa ser explorada com
aprofundamento histórico, social e cultural para realizar uma análise dos seus
conteúdos. Isso implica em estabelecer critérios de uso para fins didático-pedagógicos
de modo a instaurarem sentidos que provoquem fissuras nas perspectivas
preconceituosas e racistas dominantes e embates mais politizados e críticos que a
inclusão da historia e cultura afro-brasileira e africana trazem para esse território tão
cercado e disputado que é a escola.
Ressaltamos que muitas ações precisam ser efetivadas para a
desconstrução/construção de uma imagem não caricaturada e/ou folclorizada dos
africanos e afrodescendentes. Nesta pesquisa tecemos reflexões sobre a presença
marcante da cultura afro-brasileira e africana na dinâmica das relações sociais, culturais
e educacionais da sociedade brasileira e da cultura nacional.
Acreditamos que essa pesquisa anuncia mudanças possíveis, aponta alterações
que sugerem um tratamento, critico e consciente de superação dos estereótipos e
preconceitos raciais nos materiais didáticos inclusive o livro didático acerca dos
afrodescendentes que constituem praticamente metade da população brasileira. Além do
aspecto formal de conhecer as civilizações africanas e suas reelaborações presentes no
cotidiano da sociedade brasileira, em diferentes áreas do saber, faz-se necessário partir
de um outro olhar ante as diferenças que nos caracteriza como diversos nos aspectos
étnico-raciais nas diferentes vivências e referenciais ancestrais
É necessário encontrar o sentido educativo no uso dos recursos audiovisuais para
seleção e leitura crítica da linguagem das diversas mídias. A produção de materiais
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audiovisuais não é suficiente, caso não haja uma consciência crítica que possibilite o
uso de conteúdos relevantes e significativos na compreensão da realidade educacional,
social e racial brasileira.
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