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Imagem de Capa
Cigarro de Palha, de Iron Garcia
A Comisso Organizadora e o Comit Cientfico no se responsabilizam pela qualidade dos trabalhos
apresentados pelos autores, no que toca aos aspectos redacionais e de normalizao de trabalhos acadmicos.
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ABRAHO SANDERSON NUNES FERNANDES DA SILVA
EVANDRO DOS SANTOS
(Organizadores)
VII Colquio Nacional
Histria Cultural e Sensibilidades
Sertes: Corpo, Educao e Sociedade
UFRN CERES/Campus de Caic
CAIC-RN, 06 a 10 de novembro de 2017
ANAIS ELETRNICOS
ISBN 978-85-5697-646-8
CAIC
2017
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COORDENAO GERAL
Prof. Dr. Abraho Sanderson Nunes Fernandes da Silva UFRN
Prof. Dr. Evandro dos Santos UFRN
COMISSO ORGANIZADORA
Prof. Dr. Abraho Sanderson Nunes Fernandes da Silva (Departamento de Histria
CERES/UFRN)
Profa. Dra. Airan dos Santos Borges (Departamento de Histria CERES/UFRN)
Prof. Dr. Evandro dos Santos (Departamento de Histria CERES/UFRN)
Prof. Dr. Fbio Mafra Borges (Departamento de Histria CERES/UFRN)
Prof. Dr. Helder Alexandre de Medeiros Macedo (Departamento de Histria CERES/UFRN)
Profa. Dra. Jailma Maria de Lima (Departamento de Histria CERES/UFRN)
Prof. Dr. Joel Carlos de Souza Andrade (Departamento de Histria CERES/UFRN)
Profa. Dra. Juciene Batista Felix Andrade (Departamento de Histria CERES/UFRN)
Prof. Dr. Lourival Andrade Jnior (Departamento de Histria CERES/UFRN)
Prof. Dr. Ubirathan Rogrio Soares (Departamento de Histria CERES/UFRN)
COMIT CIENTFICO
Profa. Dra. Airan dos Santos Borges - Departamento de Histria - CERES/UFRN
Prof. Dr. Almir de Carvalho Bueno - Departamento de Histria - CERES/UFRN
Porfa. Dra. Cludia Cristina do Lago Borges - Departamento de Histria - UFPB
Prof. Dr. Fbio Mafra Borges - Departamento de Histria - CERES/UFRN
Doutorando Elton Jhon da Silva Farias - PPGHS/USP
Prof. Dr. Helder Alexandre de Medeiros Macedo - Departamento de Histria - CERES/UFRN
Prof. Me. Hildebrando Maciel Alves - UECE
Profa. Dra. Jailma Maria de Lima - Departamento de Histria - CERES/UFRN
Prof. Dr. Joel Carlos de Souza Andrade - Departamento de Histria - CERES/UFRN
Profa. Dra. Juciene Batista Flix Andrade - Departamento de Histria - CERES/UFRN
Prof. Dr. Lourival Andrade Jnior - Departamento de Histria - CERES/UFRN
Prof. Dr. Roberto Airon Silva - Departamento de Histria - CCHLA/UFRN
Prof. Me. Vagner Silva Ramos Filho - UERN
ORGANIZAO E DIAGRAMAO
Prof. Dr. Abraho Sanderson Nunes Fernandes da Silva UFRN
Prof. Dr. Evandro dos Santos UFRN
Digenes Santos Saldanha Graduando em Histria CERES/UFRN
Hozana Danize Lopes de Souza Graduanda em Histria CERES/UFRN
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SUMRIO
APRESENTAO ..................................................................................................................... 4
PROGRAMAO ..................................................................................................................... 6
LISTA DE SIMPSIOS TEMTICOS ................................................................................... 11
TEXTOS COMPLETOS .......................................................................................................... 17
1 - Artes e Linguagens na Histria: Pesquisas, Escritas, Desafios, Possibilidades .............. 17
2 - Culturas Polticas, Poder e Imprensa no Brasil Repblica .............................................. 66
3 - Histria Cultural e o Sagrado .......................................................................................... 88
4 - Histria do Corpo: Prticas, Instituies, Sentidos e Saberes ....................................... 190
5 - Histria, Educao e Sensibilidades .............................................................................. 252
6 - Histria, Historiografia e Memria dos Sertes ............................................................ 325
7 - Micro-Histria: Perspectivas recentes ........................................................................... 357
8 - Patrimnio Cultural e Serto: Diversidades, prticas, polticas e gestes ..................... 367
9 - Histria dos Sertes no Perodo Colonial ...................................................................... 397
10 - Histria Indgena em Sala de Aula: Entre cristalizaes e resistncias ...................... 467
13 - Cultura da memria: prticas, subjetividades e usos pblicos .................................... 497
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APRESENTAO
O VII Colquio Nacional Histria Cultural e Sensibilidades (CNHCS), ocorre
anualmente na UFRN, campus Caic, tem por objetivo reunir professores, pesquisadores e
alunos de graduao e ps-graduao, dedicados aos estudos em Histria Cultural, alm de
profissionais e cidados com interesses nesta rea. A Histria Cultural caracteriza-se por forte
carter interdisciplinar, o que favorece a diversificao das faces do CNHCS. O evento
demonstra potencial no que tange a dar visibilidade s novas possibilidades da Histria, a partir
de novos objetos de investigao bem como incentivar vinculaes entre a pesquisa cientfica,
a Educao e a divulgao do conhecimento cientfico.
O Colquio Nacional Histria Cultural e Sensibilidades atualmente o segundo maior
com essa temtica em nvel nacional e, destacadamente, o maior evento da rea de Histria, no
Rio Grande do Norte. Nos anos anteriores, houve a participao de pesquisadores e acadmicos
de vrios estados brasileiros (RN, CE, PI, SP, GO, PB, PE, SC, RS, PR, DF, ES, BA e RJ), de
Portugal e tambm do Mxico. Neste ano de 2017, a programao contar com importantes
nomes tanto da Histria Cultural, quanto ligados as temticas Corpo, Educao e Sociedade,
ttulo do VII CNHCS.
O evento, enquanto ao de extenso, se associa com a poltica de interiorizao
universitria proposta pelo Plano de Desenvolvimento Institucional da UFRN (PDI/ 2010-
2019) e articulao ao Plano de Cultura da UFRN Mais Cultura Nas Universidades
(MinC/MEC), em seus diversos programas. Em interao com outros Departamentos busca-se
fomentar a acessibilidade, atravs da interpretao em LIBRAS (Departamento de
Educao/CERES e CAENE) e traduo para lngua estrangeira (Departamento de
Letras/CERES).
Dando continuidade as iniciativas da 6 Edio do VI Colquio Nacional de Histrias
Sertes: histrias e memrias, o evento busca as diversas discusses sobre uma temtica
especfica, de modo a congregar a produo e esforos de pesquisa dos grupos de pesquisa em
Histria, Cultura, Educao e Corpo, do Departamento de Histria do CERES (UFRN) e de
outras faculdades brasileiras que procuram a desconstruo da viso estereotipada do ser
sertanejo. A temtica escolhida, Sertes: Corpo, Educao e Sociedade, tende a perspectiva de
compartilhar diferentes experincias que permitam um rico debate sobre as mltiplas noes da
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ideia de serto iniciadas em 2016. Com isso, procura-se promover e desmontar os olhares
estereotipados que nomeiam o serto, em especial, o do semirido nordestino como o lugar da
seca, da fome, da misria e da estagnao. Como no VI CNHCS, a 7 Edio do CNHCS deseja
a desconstruo destes lugares, sem deixar de levar em conta tambm as perspectivas de
permanncias e descontinuidades histricas, da tradio, do moderno e do ps-moderno.
Este ano a 7 Edio do CNHCS homenageia novamente um artista seridoense, cuja tela
foi escolhida para ser a base do material grfico que compem a identidade visual do evento. O
artista cuja obra foi escolhida chama-se Iron Garcia e a obra, o autor intitulou como cigarro de
palha. Iron Garcia nasceu em Jardim do Serid/RN em 1976, mas morou desde a infncia em
um povoado no municpio de Parelhas/RN, chamado Cobra, mesmo local onde ainda hoje
residem seus irmos e pais. Desde criana Iron se interessou pelas Artes, inclusive, por
influncia materna j que a me do artista pintava quadros usando como tela pedaos de
papelo, ou, produzia bonecos a partir do trabalho com folhas de milho e argila. Iron Garcia
hoje um artista que produz obras tanto atravs da pintura quanto da escultura, tendo, inclusive,
sido o nico artista potiguar a se destacar nestas duas categorias do Edital Chico Santeiro do
RN, tendo vencido na categoria "escultura" e ficado em segundo lugar na categoria "pintura".
Prof. Dr. Abraho Sanderson Nunes Fernandes da Silva
Prof. Dr. Evandro dos Santos
Organizadores
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PROGRAMAO
06 DE NOVEMBRO 2017, SEGUNDA-FEIRA
08:00h s 20:00h - Credenciamento.
Entrega de material do evento para participantes j inscritos, inscrio e entrega de materiais
para participantes inscritos neste dia.
Local: Sala C2 Estao Livraria
19:30h s 19:50h - Solenidade de Abertura.
Participao:
Profa. Dra. ngela de Paiva Cruz - Reitora da UFRN;
Profa. Dra. Maria de Ftima Ximenes - Pr-Reitora de Extenso da UFRN;
Prof. Dr. Jorge Tarcsio da Rocha Falco - Pr-Reitor de Pesquisa da UFRN;
Prof. Dr. Rubens Maribondo do Nascimento - Pr-Reitor de Ps-Graduao da UFRN;
Profa. Dra. Sandra Kelly de Arajo Alves Diretora do CERES/UFRN;
Profa. Dra. Teodora de A. Alves - Diretora do NAC/UFRN e Gestora do Plano de Cultura da
UFRN;
Prof. Dr. Lourival Andrade Jnior - Chefe do DHC/UFRN;
Prof. Dr. Evandro dos Santos - DHC/UFRN - Coordenador do VII CNHCS.
Local: Auditrio do CERES.
20:00H s 22:00h - Conferncia de Abertura
Ttulo: O Nordeste e o Calazar. Doena e regio na histria da sade pblica e da medicina
tropical. Conferencista: Prof. Dr. Jaime Benchimol - FIOCRUZ.
Local: Auditrio do CERES.
07 DE NOVEMBRO DE 2017, TERA-FEIRA
08:00h s 20:00h - Credenciamento.
Entrega de material do evento para participantes j inscritos, inscrio e entrega de materiais
para participantes inscritos neste dia.
Local: Sala C2 Estao Livraria.
08:00h s 11h:00 - Mesa Redonda.
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Historiografia para alm do eurocentrismo.
Expositores: Profa. Dra. Christine Dabat - UFPE; Doutoranda Anglica Alencar - Sophia
University.
Mediador: Prof. Dr. Helder Macedo - Departamento de Histria (CERES-UFRN).
Local: Anfiteatro do CERES.
13:30h s 17:30h - Simpsios Temticos
Local: Salas de Aula dos Blocos A, B e D UFRN-CERES.
19:00h s 19:30h Lanamento de Livros.
Local: Hall do Auditrio.
19:40h s 22:00h - Palestra.
Ttulo: O controle dos corpos nativos e suas alternativas de libertao nos sertes da
Amaznia colonial.
Palestrante: Prof. Dr. Almir Diniz - UFAM.
Mediador: Prof. Dr. Fbio Mafra - Departamento de Histria (CERES-UFRN).
Local: Auditrio do CERES.
08 DE NOVEMBRO DE 2017, QUARTA-FEIRA
08:00h s 20:00h - Credenciamento.
Entrega de material do evento para participantes j inscritos, inscrio e entrega de materiais
para participantes inscritos neste dia.
Local: Sala C2 Estao Livraria.
08:00h s 11h:00 - Mesa Redonda.
Migraes internacionais e Ps-Colonialidade.
Expositores: Prof. Dr. Marcos Costa Lima - UFPE; Profa. Dra. Adra Pacheco Pacfico - UEPB.
Mediador: Prof. Dr. Antnio Elbio - Departamento de Histria (CERES-UFRN).
Local: Anfiteatro do CERES.
13:30h s 17:30h - Simpsios Temticos
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Local: Salas de Aula dos Blocos A, B e D UFRN-CERES.
19:00h s 19:30h Apresentao do Grupo de Pesquisa Histria dos Sertes.
Participantes: Prof. Dr. Helder Macedo - Departamento de Histria (CERES-UFRN);
Prof. Dr. Joel Andrade - Departamento de Histria (CERES-UFRN);
Prof. Dr. Lourival Andrade Jnior - Departamento de Histria (CERES-UFRN).
Local: Auditrio do CERES.
19:40h s 22:00h Palestra.
Ttulo: O thos heroico de Euclides da Cunha.
Palestrante: Prof. Dr. Anderson Zalewski Vargas UFRGS.
Mediador: Profa. Dra. Airan Borges Departamento de Histria (CERES-UFRN).
Local: Auditrio do CERES.
09 DE NOVEMBRO DE 2017, QUINTA-FEIRA
08:00h s 11h:00 - Mesa Redonda.
Memria, Histria, Sensibilidades: comunistas e anticomunistas em ao.
Expositores: Prof. Dr. Raimundo Moreira - UNEB; Jailma Lima - Departamento de Histria
(CERES-UFRN).
Mediador: Prof. Dr. Almir Bueno - Departamento de Histria (CERES-UFRN).
Local: Anfiteatro do CERES.
13:30h s 17:30h - Simpsios Temticos.
Local: Salas de Aula dos Blocos A, B e D UFRN-CERES.
15:00h s 17h:30 - Mesa Redonda.
Histria e opinio pblica.
Expositores: Prof. Dr. Francisco Fonteles Neto - UERN; Lindercy Sousa Lins - UERN.
Mediador: Prof. Dr. Francisco Fabiano Mendes - UERN.
Local: Anfiteatro do CERES.
19:00h s 19:30h Programao Cultural.
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Local: Auditrio do CERES.
19:40h s 22:00h Palestra.
Ttulo: Narrativas audiovisuais e didtica da Histria: a arte de colocar a vida em cena como
questo histrica.
Palestrante: Prof. Dr. Roberto Abdala Jnior UFG.
Mediador: Prof. Dr. Prof. Me. Rosenilson Santos - Doutorando em Histria - UNB.
Local: Auditrio do CERES.
10 DE NOVEMBRO DE 2017, SEXTA-FEIRA
08:00h s 11h:00 - Mesa Redonda.
Educao e Ensino de Histria: debates contemporneos.
Expositores: Prof. Dr. Prof. Dr. Azemar dos Santos Soares Jnior - UFRN.
Mediador: Prof. Dr. Dra. Juciene Flix Andrade- Departamento de Histria (CERES-UFRN).
Local: Anfiteatro do CERES.
13:30h s 17:30h - Simpsios Temticos.
Local: Salas de Aula dos Blocos A, B e D UFRN-CERES.
15:00h s 17h:30 - Mesa Redonda.
Histrias, Memrias e Educao: teoria e historiografia.
Expositores: Prof. Dr. Renato Amado Peixoto - UFRN; Prof. Dr. Magno Francisco de Jesus
Santos - UFRN.
Mediador: Prof. Dr. Evandro dos Santos - UERN.
Local: Anfiteatro do CERES.
19:30h s 19:50h Atividade Cultural.
Local: Auditrio do CERES.
20:00H s 22:00h - Conferncia de Encerramento.
Ttulo: Entre causos e canes: serto, cultura e tradies.
Conferencista: Profa. Dra. Maria Izilda Matos - PUC/SP.
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Mediador: Prof. Dr. Lourival Andrade Jnior - DHC/UFRN.
Local: Auditrio do CERES.
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LISTA DE SIMPSIOS TEMTICOS
1 - Artes e Linguagens na Histria: Pesquisas, Escritas, Desafios, Possibilidades
Coordenadores: Prof. Me. Elton John da Silva Farias ([email protected]) PPGH
(UFCG/USP) e Prof. Dr. Gervcio Batista Aranha ([email protected]) - Departamento de
Histria (UFCG).
Resumo: Este Simpsio Temtico busca reunir textos que atentem para a anlise de certos
procedimentos metodolgicos no lidar com as diversas linguagens artsticas para a pesquisa
histrica (a exemplo de Msica Popular ou Erudita, Cinema, Televiso, Fotografia, Artes
Plsticas, Literatura, Dana, Teatro, etc.) na compreenso da historicidade referente tanto ao
contedo das obras estudadas quanto s suas questes de ordem esttica e/ou de recepo e
interpretao de seus significados. Busca, portanto, reunir trabalhos que, em sua escrita, unam
o ofcio do historiador esttica das artes sem abrir mo da diktat acadmica, como diria Paul
Ricoeur, dando espao pluralidade de linguagens e temticas de pesquisa que estejam em
sintonia com a renovao historiogrfica vigente nas ltimas dcadas.
2 - Culturas Polticas, Poder e Imprensa no Brasil Repblica
Coordenadores: Profa. Dra. Jailma Maria de Lima ([email protected]) Departamento de
Histria (CERES-UFRN) e Prof. Dr. Arthur Luis de Oliveira Torquato ([email protected])
Departamento de Histria (IFRN).
Resumo: O simpsio visa congregar trabalhos que abordem aspectos da histria poltica
brasileira durante o perodo republicano em suas diversas vertentes. Assim, objetiva a
realizao de discusses tanto de cunho terico-conceituais ligadas as relaes da cultura
poltica, do poder e das suas relaes com a imprensa, quanto de questes ligadas a dimenso
da poltica partidria e das aes cotidianas dos atores polticos.
3 - Histria Cultural e o Sagrado
Coordenadores: Prof. Dr. Lourival Andrade Jnior ([email protected])
Departamento de Histria (UFRN) e Prof. Ms. Andr Luis Nascimento de Souza
([email protected]) Departamento de Histria (UFRN).
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Resumo: Este simpsio temtico pretende reunir pesquisas que discutam as diversas formas de
re(ligaes) entre o homem e o sagrado em suas mais variadas manifestaes sensveis,
gestuais, orais e materiais. Festas, ritos, oraes, africanidades, processos medinicos,
catolicismo oficial e no oficial, cristianismo ocidental e oriental e manifestaes no crists
fazem parte do que pretendemos discutir.
4 - Histria do Corpo: Prticas, Instituies, Sentidos e Saberes
Coordenador: Prof. Me. Rosenilson da Silva Santos ([email protected])
Doutorando em Histria UNB.
Resumo: O simpsio acolhe pesquisas que tm como foco o corpo humano em suas mltiplas
formas histricas. Sero discutidas as prticas corporais gestuais, laborais, sexuais, religiosas
(batismo, casamento e morte), esportivas e estticas, assim como os significados dados ao corpo
no tempo histrico. Consideram-se tambm como pertinentes ao debate desse simpsio
pesquisas no mbito dos saberes (cientficos ou no) e suas instituies que contemplam a
dimenso corporal como seu objeto e fim: medicina, sanitarismo, sade pblica, urbanismo,
demografia, estudos de gnero e raa, cuidados na sade e na doena, teologia, religiosidades,
hospitais, asilos e clnicas.
5 - Histria, Educao e Sensibilidades
Coordenadoras: Profa. Dra. Juciene Batista Flix Andrade ([email protected])
Departamento de Histria (CERES-UFRN); Profa. Dra. Ana Maria Pereira Aires
([email protected]) Departamento de Educao(UFRN).
Resumo: O simpsio visa congregar trabalhos que reflitam sobre questes relacionadas s
prticas educativas, cultura escolar e s pesquisas que do nfase constituio das diferenas
culturais no mbito das relaes de ensino-aprendizagem e suas sensibilidades. Assim, visamos
discutir aspectos ligados as prticas do cotidiano escolar, aos recursos didticos, aos currculos
e processos avaliativos, s identidades e diferenas culturais, s questes tnicas e de gnero,
s estratgias pedaggicas na construo das sensibilidades.
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6 - Histria, Historiografia e Memria dos Sertes
Coordenador: Prof. Dr. Joel Carlos de Souza Andrade ([email protected])
Departamento de Histria (CERES-UFRN).
Resumo: Este simpsio temtico pretende congregar trabalhos que busquem discutir os sertes
como um espao construtor de identidades e suas mltiplas composies historiogrficas e
histrico-culturais. com esta preocupao que aceitaremos trabalhos que tratem de questes
relacionadas aos seguintes temas: conceitos, historiografias, memrias e biografias, tradio e
folclore, cancioneiro, poesia e literatura de cordel, literatura regionalista e outras que fogem a
este rtulo, seca e gua, mitologias e crenas, amores, espertezas, bandidos, heris e anti-heris
na tessitura potica (no sentido de gerar, criar, produzir) do espao-serto. Estas artes de
nomear, pensar, visualizar, enredar, crer e compor tornam os sertes um espao privilegiado
para gerar outras sensibilidades e relaes perante o outro.
7 - Micro-Histria: Perspectivas recentes
Coordenador: Prof. Dr. Almir de Carvalho Bueno ([email protected]) Departamento de
Histria (CERES-UFRN).
Resumo: O Simpsio pretende acolher trabalhos que discutam as experincias e as perspectivas
da abordagem micro-histrica na primeira dcada do sculo XXI, particularmente os que sejam
frutos de reflexes a partir de pesquisas desenvolvidas no mbito das universidades brasileiras.
8 - Patrimnio Cultural e Serto: Diversidades, prticas, polticas e gestes
Coordenador: Prof. Dr. Fbio Mafra Borges ([email protected]) Departamento
de Histria (CERES-UFRN).
Resumo: A diversidade tipolgica do que chamamos de Patrimnio Cultural tem crescido
exponencialmente, nas ltimas dcadas. A ideia de localidades, comunidades e populaes sem
bens culturais que possam ser considerados Patrimnios Cultural tem, gradativamente,
cado por terra. Nesse sentido, a gesto patrimonial, levada a cabo pelas instituies de
preservao IPHAN, tende timidamente a ultrapassar os limites dos grandes centros urbanos
e abarcar os espaos e as regies outrora relegados a segundo plano. Ou ainda, desconsideradas,
quando o assunto gesto patrimonial. Partindo dessa constatao, o presente simpsio
temtico tem como objetivo agregar os trabalhos e pesquisas que considerem esses bens
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culturais, dispersos pelo espao geogrfico e sociocultural que denominamos, Serto,
localizado, em sua maior poro, no Nordeste brasileiro. Stios arqueolgicos pr-histricos
e histricos, centros urbanos, paisagens culturais, lugares de memria, saberes e fazeres,
festividades, entre outros, so alguns dessas manifestaes culturais, que urgem sua
preservao e ativao social. Logo, discutir modelos, polticas e prticas de gesto patrimonial,
desse amplo acervo cultural sertanejo, o principal objetivo dos debates previstos.
9 - Histria dos Sertes no Perodo Colonial
Coordenador: Prof. Dr. Helder Alexandre Medeiros de Macedo ([email protected])
Departamento de Histria (CERES-UFRN).
Resumo: O simpsio temtico abrigar investigaes cujo objeto de estudo esteja focado no
recorte espacial dos Sertes, entendido, aqui, em seu sentido lato e na temporalidade do perodo
colonial. Privilegiar-se- temticas ligadas Histria Social e Cultural, mas, contribuies
conectadas a outras dimenses do conhecimento sero, tambm, acolhidas.
10 - Histria Indgena em Sala de Aula: Entre cristalizaes e resistncias
Coordenadora: Profa. Dra. Cludia Cristina do Lago Borges ([email protected])
Departamento de Histria (UFPB).
Resumo: A implantao da Lei 11.645, que inclui o contedo sobre os povos indgenas no
Ensino Bsico trouxe, aparentemente, um alento para que as escolas trabalhassem de forma
mais ampla a histria desses povos originrios do Brasil. Entretanto, o que se v na prtica a
permanncia da viso cristalizada e retratada na iconografia e nos textos de cronistas e viajantes
do perodo colonial. Considerando as questes apresentadas, a proposta deste espao
promover o debate e a reflexo sobre as prticas, metodologias e discursos presentes nos
materiais didticos, na formao do decente e no cotidiano escolar ao apresentarem o tema dos
povos indgenas em sala de aula.
11 - Espao, Cultura e Poder no Mundo Antigo
Coordenadora: Profa. Dra. Airan dos Santos Borges ([email protected]) Departamento
de Histria (CERES-UFRN).
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Resumo: Entendemos que o estudo da Antiguidade, presente em nossos dias em conceitos e
smbolos, configura-se em um importante meio de compreender nossa prpria sociedade a partir
dos eixos conceituais que nos unem. Nesse sentido, o presente Simpsio tem como objetivo
geral fomentar o debate ao viabilizar um espao de dilogo acerca do Mundo Antigo junto ao
Colquio de Histria Cultural e Sensibilidades.
12 - Arqueologia Histrica no Espao Regional: abordagens, temas e pesquisas
Coordenadores: Prof. Dr. Roberto Airon Silva ([email protected]) Departamento de
Histria (UFRN); Prof. Dr. Abraho Sanderson Nunes Fernandes da Silva
([email protected]) Departamento de Histria (UFRN).
Resumo: A proposta deste Simpsio Temtico reunir num espao oportuno dentro do
Colquio Nacional Histria Cultural e Sensibilidades, parte considervel da riqueza de
abordagens e da diversidade de pesquisas e mtodos que tm se desenvolvido no mbito
acadmico e da arqueologia preventiva no contexto local norte-rio-grandense e no contexto
regional Nordeste. Primeiramente, merece destaque a produo de teses de doutorado,
dissertaes de mestrado e monografias de graduao e especializao em arqueologia, na
qualidade de investigaes desenvolvidas por profissionais arquelogos em atuao e tambm
por estudantes desses cursos. Tais trabalhos, foram e so desenvolvidos a partir de temticas e
abordagens inseridas no campo da arqueologia histrica e pertinentes ao contexto regional,
dentro das universidades em cujos cursos de graduao e/ou programas de ps-graduao tais
trabalhos foram apresentados. Em segundo lugar, se sobressaem tambm as aes de
identificao de stios, prospeco, sondagens e escavaes realizadas na esfera dos trabalhos
contratuais em arqueologia preventiva, os quais tm desenvolvido pesquisas nas quais tanto os
stios quanto os materiais arqueolgicos recuperados tm ampliado sobremaneira as
informaes sobre as ocupaes histricas atravs de seus resultados. Em terceiro e ltimo
lugar, deve-se considerar tambm o desenvolvimento de pesquisas e aes em temticas
relacionadas a arqueologia pblica, onde se sobressaem a educao patrimonial, a musealizao
da arqueologia e o ensino da arqueologia, no desempenho de profissionais e estudantes da
arqueologia junto a outros campos das cincias humanas e sociais. Esses ltimos, tm includo
em suas problemticas de estudo os acervos e o estudo da cultura material histrica presente no
contexto regional, bem como a relao dessas aes arqueolgicas com as demandas sociais e
necessidades socioeconmicas e culturais de comunidades ou grupos sociais direta ou
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indiretamente associados ao contexto arqueolgico dos stios e relacionados ao processo
identitrio dos vestgios materiais identificados e pesquisados.
13 - Cultura da memria: prticas, subjetividades e usos pblicos
Coordenadores: Prof. Me. Hildebrando Maciel Alves ([email protected]) (UECE); Prof.
Me. Vagner Silva Ramos Filho ([email protected]) (UERN)
Resumo: O simpsio pretende agregar trabalhos que abordem a cultura da memria enquanto
fruto de prticas articuladas por instituies, grupos e indivduos em diferentes cenrios de
acordos e conflitos. So de interesse para este espao as pesquisas que privilegiem o estudo das
subjetividades que demarcam as lembranas, os silncios e os esquecimentos em torno dos usos
do passado, das demandas do presente e dos vislumbres de futuro, realizadas a partir de vrios
aspectos, tais como: oralidades, comemoraes, festas, folclore, patrimnio, biografias,
literatura, arte e escrita da histria. O convite de participao se estende a pesquisadores,
professores, estudantes e interessados em geral nessas temticas. Trata-se, portanto, de lugar
para pensar coletivamente os desafios e possibilidades que se impem diante dos inmeros usos
e abusos mnemnicos envolvidos na produo do conhecimento histrico.
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TEXTOS COMPLETOS
1 - Artes e Linguagens na Histria: Pesquisas, Escritas, Desafios,
Possibilidades
Coordenadores: Prof. Me. Elton John da Silva Farias ([email protected]) PPGH
(UFCG/USP) e Prof. Dr. Gervcio Batista Aranha ([email protected]) - Departamento de
Histria (UFCG).
A FIGURA DO EXILADO EM JOSEPH CONRAD A PARTIR DE UMA
PERSPECTIVA SAIDIANA
Rafael Oliveira Sousa1
RESUMO:
A presente produo tem como objetivo apresentar descritivamente a figura do exilado nos
romances Lord Jim e Amy Foster escritos por Joseph Conrad. Compreender o que a figura do
exilado, sua relao com o Outro (A sociedade onde ele agora est inserido), suas relaes
de desenraizamento, como tambm de tentativa de preservao cultural. No que se refere s
questes culturais o conceito de Transculturao e Hibridismo sero fundamentais para garantir
a compreenso do exlio como sendo uma zona de contato entre o Eu e o Outro, Fernando
Ortiz e Homi Bhabha sero utilizados para garantir essa conexo. Para compreender o exlio
Edward Said e Tzvetan Todorov sero utilizados como referenciais tericos. A pesquisa ir
contar como metodologia a pesquisa bibliogrfica e anlise da representao a partir da
concepo do historiador francs Roger Chartier. O objetivo desse artigo concluir que nas
produes de Joseph Conrad est presente a figura do exilado e que nesse momento existe tanto
desenraizamento como tambm preservao cultural da figura de quem est no exlio.
Palavras chave: Exlio; Exilado; Lord Jim; Amy Foster; Histria; Literatura.
ABSTRACT:
The present production aims to present descriptively the figure of exile in the novels Lord Jim
and Amy Foster written by Joseph Conrad. To understand what is the figure of the exile, his
1 Mestrando em Histria pela Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), Campus de Recife - Brasil. E-mail:
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relation to the "Other" (The society where he is now inserted), his relations of uprooting, as
well as of attempt of cultural preservation. Regarding cultural issues, the concept of
Transculturation and Hybridism will be fundamental to guarantee understanding of exile as a
zone of contact between the "I" and the "Other", Fernando Ortiz and Homi Bhabha will be used
to guarantee this connection. To understand the exile Edward Said and Tzvetan Todorov will
be used as theoretical references. The research will count as methodology the bibliographical
research and analysis of the representation from the conception of the French historian Roger
Chartier. The purpose of this article is to conclude that in the productions of Joseph Conrad is
present the figure of the exile and that at that moment there is both uprooting as well as cultural
preservation of the figure of those who are in exile.
Keywords: Exile; Exiled; Lord Jim; Amy Foster; History; Literature.
INTRODUO
Este trabalho tem como objetivo principal analisar o exlio a partir do vis cultural, o
desvinculando de uma anlise exclusivamente terica, pontuando e destacando as
sensibilidades que envolvem esse processo. De algum modo se tem a inteno de pr em
questo a historiografia que versa acerca do tema, o que se quer enriquecer o debate
historiogrfico dando nfase nas questes humanas (Sensibilidade). Para tanto, sero utilizados,
como fontes, dois romances escritos durante os sculos XIX e XX, so eles Lord Jim2 e Amy
Foster3, escritos por Joseph Conrad entre 1899 e 1901.
Utilizar-se- os escritos de Edward Said para nortear teoricamente esse trabalho tendo
em vista os estudos do intelectual palestino que versam acerca da temtica do exlio e do
exilado. Tzvetan Todorov ser fundamental para estabelecer um dilogo com os escritos
Saidianos e estabelecer uma conexo de ideias. A produo analisar detalhadamente a figura
dos exilados presentes nesses romances, fazendo as conexes com o local de fala do autor e
suas experincias, estabelecendo a uma relao entre o que se narra e as vivencias de quem
narra.
A metodologia aplicada ser a anlise da representao da figura do exilado a partir da
concepo do historiador francs Roger Chartier aplicada aos romances Lord Jim e Amy
Foster. A inteno evidenciar e compreender como os exilados so representados na
2CONRAD, Joseph. Lord Jim. So Paulo: Ed. Abril Cultural, 1982.
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produo Conradiana, ou seja, compreender como um exilado, narra as experincias de exlio
de outros exilados.
O exlio nos compele estranhamente a pensar sobre ele, mas terrvel de experimentar.
Ele uma fratura incurvel entre um ser humano e um lugar natal, entre o eu e seu verdadeiro
lar: sua tristeza essencial jamais pode ser superada (SAID, 2003, p. 46). Com esse fragmento
extrado da obra intitulada Reflexes sobre o exlio, do intelectual Palestino, Edward Said,
iniciamos nossas elucubraes acerca da ideia de exlio e exilado a partir das obras do polaco
naturalizado britnico, Joseph Conrad por um vis saidiano4 de anlise.
Pensar o exlio pensar a quebra, a ruptura que um indivduo sofre, ele retirado,
expulso de seu lugar natal, sem possibilidade alguma de regresso, ele se torna um homem agora
sem ptria, um expatriado. Tomar o exlio meramente como a proibio de regresso a sua terra
natal negar a sensibilidade do indivduo, um apagamento gradativo do sujeito, pois ignora
o que ele sente. O exlio violento, vil, sombrio, doloroso, a existncia de uma perspectiva
positiva para o exlio mnima e est presente em um grupo mnimo de exilados - Artistas e
Intelectuais - que lograram xito durante o exlio.
comum se dar destaque as produes de exilados, pela fora e contundncia que elas
apresentam, mas o exlio em si, vai mais adiante, um deslocamento de um local de
pertencimento, o indivduo retirado de seu lugar, o de onde ele pertence. A moderna cultura
ocidental , em larga medida, obra de exilados, emigrantes, refugiados (SAID, p. 46)
Pensar o exlio pensar tambm as incontveis massas populacionais que so
deslocadas com o carter de exilado e refugiados, esses, os indivduos comuns, formam a
maioria do corpo do exlio, e no logram o mesmo xito que nomes como Edward Said, Joseph
Conrad, Vladimir Nabokov. So jogados de um lado para o outro como indivduos sem nome,
so somente nmeros, milhares deles.
Mas como se pensar o exlio? Ele fruto de algo, esse algo a violncia, o totalitarismo,
a imposio de normas, transgredi-las leva a esse estgio, leva ao exlio, a essa violncia.
Tzvetan Todorov, em O homem desenraizado apresenta essa faceta, o ato provocador do
exlio, o seu estopim. O autor blgaro, narra a os detalhes de sua vida na Bulgria, as
perseguies e o medo que o fizeram se exilar na Frana, ele foi desenraizado. Toda ruptura,
toda ciso no so fatalidades (TODOROV, 1996).
A ideologia nazista muito diferente da ideologia comunista; mas a mquina
do terror est igualmente presente aqui e l [...]. O terror uma ameaa de
4 Saidiano Perspectiva de anlise que advm das concepes do intelectual palestino, Edward Said.
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morte ou de represso, e sabemos no se tratar apenas de uma palavra solta no
ar. Uma vez instalado na sociedade, transforma-a profundamente. Em
nenhuma sociedade os homens se alegram espontaneamente com a felicidade
do prximo; muito pelo contrrio, o sofrimento de uns que faz a alegria dos
outros [...] (TODOROV, 1996, p. 37)
No fragmento retirado da obra de Tzvetan Todorov ele destaca a represso e a violncia
nos regimes totalitrios, seja no nazismo ao comunismo - Cabe ressalva, um dos erros de
Todorov associar deliberadamente o Comunismo ao totalitarismo, o que se viu na Unio
sovitica no fora o comunismo, foram deturpaes, em especial, a moda stalinista - a violncia
do totalitarismo garantida pelo medo de muitos e o sucesso de poucos. O sofrimento de
muitos, causa a alegria de poucos, dos que compem a burocracia administrativa, no com base
nas ideias weberianas acerca da concepo da burocracia, mas o espao de administrao
pblica utilizada para locupletar um indivduo ou alguns indivduos com base no medo de toda
uma sociedade.
As prticas de violncia, o terror, o medo, a privao de condies minimante descentes
para sobrevivncia e bem-estar humano, esto presentes nas sociedades que so levadas
adiantes por regimes totalitrios. No existe dilogo, ou cala-se ou foge, o indivduo agora
um refugiado. Caso no padea ante as amarras do silncio, ele expulso, como muitos
intelectuais, ou seja, o exilado. A causa do exlio a violncia, a perseguio, ele advm de
uma situao insustentvel, na qual no h liberdade de expresso e garantias de preservao
dos direitos humanos.
Said prope um dilogo denso e bastante complexo quanto questo do exlio e do
nacionalismo, duas categorias distintas, mas que se interligam. O exilado, para manter vivo seu
sentimento de pertencimento a um lugar leva adiante um nacionalismo, esse o fortalece, o liga
ao local onde ele outrora esteve presente, o nacionalismo pode ser visto como a vlvula de
escape do exilado, ele defende seu sentimento de pertencimento.
Muito embora o Nacionalismo consiga nutrir esse sentimento de pertencimento do
indivduo com o passar do tempo eles tendem a levar adiante uma ideia de verdade e por ser
verdade o outro que no se enquadra em suas caractersticas tido como deslocado, como o
diferente, empurrado para a fronteira e acaba sendo marginalizado. Para pensar o Exlio e o
Nacionalismo, prudente cautela, pois so ideias completamente distintas, mas que em dado
momento caminham juntas.
O Nacionalismo mostra-se violento, segregador, a histria nos apresenta isso,
movimentos nacionalistas, como o Pan-germanismo, Pan-eslavismo e muitos outros, deram
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origens a conflitos interminveis, como a Primeira Grande Guerra e validaram massacres,
genocdios em nome de uma suposta pureza para a ptria.
Escolher Edward Said e Joseph Conrad tem um significado muito grande, ambos so
figuras que foram exiladas por regimes violentos e extremistas, Conrad nasce na Polnia, essa
que posteriormente ser ocupada pelo regime carcomido da monarquia Czarista russa, oriundo
de uma famlia militante, engajada em pr fim ao domnio russo na Polnia. Aos 17 anos inicia
sua carreira como marinheiro ao destinar-se para Marselha com seu tio, depois de prestar
servio a marinha francesa passa a integrar o corpo naval britnico, encerra sua vida como
romancista radicado na Inglaterra.
Said tambm representa a figura de um exilado, filho de uma rica famlia de Jerusalm,
nascido antes da ocupao e da violenta diviso da Palestina em 1948 para fazer surgir assim o
estado de Israel, emigra para o Cairo e depois para os Estados Unidos, onde finalmente se
radica. Edward Said a primeiro momento um emigrado, mas depois entra na categoria de
exilado, pois um fervoroso militante dos direitos dos palestinos e opositor ao violento regime
sionista que comanda Israel. Fora considerado persona non grata naquele pas aps
denunciar os intensos abusos e violaes de direitos humanos por parte do regime sionista a
populao palestina.
Abordar o exlio a partir da perspectiva de Said pelas obras de Conrad evidenciar a
figura do exilado em uma literatura feita por exilado a partir das concepes de um outro
exilado. A literatura sendo vista pela histria como fonte, no vista de cima e nem de baixo,
mas lateralmente a ela, pois sem fontes no se pode fazer pesquisa histrica, deste modo, a
literatura conradiana5 fundamental para o desenvolvimento desse trabalho.
Sero utilizados como fontes dois romances do autor supracitado, Lord Jim de 1899
e Amy Foster de 1901, ambos romances de pocas que narram histrias de nufragos em que
chegam a seu fim como muitos heris conradianos [...] resultado de uma combinao de
isolamento esmagador e indiferena do mundo (SAID, p. 53).
Lord Jim um romance escrito pelo polaco naturalizado ingls, Joseph Conrad. Foi
publicado de forma serial pela revista Blackwood's6 entre Outubro de 1899 e Novembro de
1900, o romance subdividido em 3 partes; a 1 uma aventura martima, como tambm um
desastre no navio Patna, uma embarcao que transportava peregrinos muulmanos. Jim
5 - Conradiana Obras e perspectivas de escrita posta em pratica pelo escritor polaco Joseph Conrad. 6 - Revista britnica com tiragens entre os anos de 1817 e 1980. Foi fundada por William Blackwood e inicialmente
funcionou com o nome de Edinburgh Monthly.
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aparece neste momento inicialmente de maneira andina, durante o naufrgio do navio ele toma
uma importncia que o seguir por todo o decurso da histria. Essa importncia devida a
impossibilidade de ajuda aos peregrinos muulmanos durante o naufrgio.
O segundo momento de clmax da narrativa, o julgamento de Jim pela ocasio do
naufrgio do Patna; todos os outros tripulantes escapam deste penoso momento, mas Jim o
nico que no consegue se desvencilhar dele e tem sua licena caada. neste momento do
julgamento que ele conhece e chama a ateno de Marlow, quem agora passa a narrar toda a
histria de Jim.
Sem a licena de marinheiro e segundo-imediato (Cargo ocupado por Jim no Patna) e
com a culpa de ter fugido sem prestar auxlio aos peregrinos daquele navio, Jim necessita da
ajuda de Marlow para conseguir um emprego. A partir da se desdobra a terceira parte da
narrativa. O jovem segue para uma ilha chamada Patusan7, um pas fictcio, mas que segundo
as descries de Conrad se encontra no Sudeste Asitico, por vezes seus habitantes chegam a
serem descritos por Marlow como malaios. S ali Jim consegue se livrar do temor de sua culpa,
pois ningum o conhece, ele um estranho.
O descrdito na figura de Jim acontece aps a chegada de Brown, um pirata, no Patusan.
Este saqueia e vitima dois dos habitantes locais, sedo um deles filho do chefe da tribo, Doramin.
Como forma de punio, Jim morto por Doramin, findando a terceira e ltima parte do
romance.
A obra de Joseph Conrad aqui analisada apresenta no personagem Jim, a figura de um
indivduo exilado, aquele que perseguido em sua terra. Jim, foge e encontra refgio no
Patusan, como fora acima descrito.
Fazer pesar sobre Jim uma sentena pior que a morte [...] Abandonando, na
hora do perigo, as existncias e os bens confiados a sua guarda [...] Por essas
razes ... [...] Jim olhava, de lbios entreabertos, suspenso da sentena que ia
pronunciar aquele homem oculto por detrs de sua mesa (CONRAD, 1982, p.
111 e 112)
Os fragmentos transcritos acima fazem aluso ao processo de julgamento e pena do
jovem Jim, nesse processo ele acusado e culpado pela tragdia do Patna, perde sua permisso
para navegar, perseguido e rotulado de covarde, a culpa, a dor e a desolao o so
7 - Local fictcio utilizado por Joseph Conrad em Lord Jim, pela descrio dada possvel situar o Patusan como
estando localizado no sudeste asitico, nas proximidades da malsia.
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extremamente presentes em sua prpria ptria. Ele se v forado a fugir dessa dor, ou ele sai de
seu pas, ou ir fenecer pela misria.
A figura do exilado confunde-se com a do expatriado, no primeiro caso, ele obrigado
a exilar-se, geralmente, perseguido por um regime poltico, no segundo, o exlio voluntrio,
o expatriado sente a presso externa a sua vida e sa, exila-se do seu pas. A figura de Jim,
uma mistura, um mix de ambas definies, pois, ele julgado e acusado pelo governo, mas
obrigado, indiretamente a fugir, pois, dele fora retirado seu ganha po e fora imputado perante
toda uma sociedade a alcunha de covarde e criminoso.
O que se que deve levar em conta, no o prprio conceito, muito embora, no se possa
fugir dele, mas sim, as sensibilidades e a questo humana que est presente na figura do exilado,
a dor, as estratgias (Agncias) para garantir sua integrao na sociedade e respectivamente
garantir sua sobrevivncia. No se pode fugir desse ponto, a sensibilidade, como o prprio
Tzvetan Todorov e Edward Said destacam, o homem perde seu local, fica desenraizado,
sente-se s, longe dos seus, mas cria estratgias, agencia sua vida ante a nova sociedade em que
est inserido.
Um dia ou outro uma virada da sorte h de fazer encontrar tudo de novo! [...]
Dir-se-ia que a solido uma condio terrvel e absoluta da existncia. [...]
No posso ficar no mesmo lugar ... Era disto mesmo que eu tinha necessidade!
[...] No posso em verdade culpar muito Jim, mas foi por certo um lamentvel
incidente, uma dessas tolas rixas de bar que ps as voltas com Jim uma espcie
de dinamarqus. [...] (CONRAD, 1982, p. 126, 130 e 140)
Os excertos acima transcritos apresentam questes nevrlgicas para a vida do exilado
ou do expatriado, a solido, sentir-se s e isolado mesmo estando cercado por uma multido,
possvel que o indivduo no se integre na sociedade que o recebe e sua vivncia ali seja
marcada por um intenso saudosismo e desejo de retorno a sua terra, nesse nterim, ele
desenvolva um exacerbado nacionalismo, que, como fora pontuado acima, uma via de mo
dupla, pois cria fronteiras e verdades e quem no se enquadra em seu modelo tido como
deslocado.
A figura de Jim fora perseguida pela culpa causada pela acusao acerca do naufrgio
do Patna, ele tortura-se e torturado pelo apontamento de terceiros, reconhece que no se
mais possvel permanecer ali, deve ir para um outro local, mas espera um dia poder voltar ao
seu lugar quando tudo aquilo vir a passar. A relao de Jim com o exlio tem uma caracterstica
particular, ela marcada por sua aceitao ao local do exlio, o jovem garoto se reconhece
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naquela terra, enxerga a confiana daquela gente, da gente do Patusan, e toma isso como motivo
para ficar.
A terra selvagem no lhe causava medo. [...] Era l que ele iria viver no futuro,
e l encontraria bastante animao, podia acreditar. - Sim! Sim - Disse ele
vivamente, Tinha ele manifestado o desejo, prosseguia eu inexoravelmente,
de fechar a porta atrs de si ... [...] Olhe essas casas; no h nenhuma onde no
tenham f em mim! Por Jpiter! Eu bem lhe havia dito que saberia ficar ... [...]
(CONRAD, 1982, p. 161, 174 e 175)
Jim sentia-se seguro e aceito no Patusan, o seu exlio era o responsvel por afast-lo de
sua culpa, da dor e das acusaes que o perseguiam. O exlio doloroso e solitrio, mas, alguns
indivduos conseguem fazer dele uma vlvula de escape. Quando perguntei Seattle?, Noubar
sorriu com resignao, como se dissesse, melhor Seattle do que a Armnia, que ele nunca
conheceu, ou a Turquia, onde tantos foram massacrados. (SAID, 2003). A nova terra, em
algumas vezes, reflete a porta fechada para o passado, aberta para uma nova vida.
Ao dizer que no existia casa no Patusan que nele no tinha f, Jim sentia-se til aquela
gente, um, no meio de tantos, que seria o responsvel por facilitar e conduzir a vida de muitos.
Algo simblico, haja vista, que ele outrora havia sido acusado de negligncia com a vida do
grupo de peregrinos do Patna. Partir do Patusan, regressar, voltar a sua terra natal, era
impossvel, ele era impedido por sua condio de culpa, ele sabia que no poderia voltar, que
no era sensato voltar. Agora, zelava por aquela terra que o recebera.
No incio de minha temporada na Frana, eu procurava - e consegui mais tarde
- a assimilao mxima. Falava exclusivamente em francs, evitando os
antigos compatriotas; podia, de olhos fechados, reconhecer os diferentes
vinhos e queijos do pas; apaixonava-me exclusivamente por mulheres
francesas...Este movimento teria podido prolongar-se indefinidamente, sem
provocar nenhum terremoto: teria resultado, ao final da operao, um menos
blgaro e um mais francs. O saldo teria sido nulo, sem perda nem ganho para
a humanidade. (TODOROV, 1996, p. 24)
Tzvetan Todorov fala de sua experincia de exlio, de ser, segundo ele, um homem
desenraizado, que perdera suas razes ao sair da Bulgria. A semelhana entre Todorov e Jim
fcil de se evidenciar, dois indivduos buscando esquecer suas origens e centra-se quase que
por completo na nova experincia de vida. De fato, impossvel que se exista um apagamento
por completo das marcas do passado, das prticas culturais, como o prprio Todorov aventa,
mas, o que se pode inferir a que em ambos existiu a necessidade de integrao com o novo
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espao. Tanto blgaro quanto Jim, fogem de seu passado, preferem fechar a porta do que deix-
la entre aberta.
Dando prosseguimento a questo da integrao em uma nova sociedade, impossvel
furta-se ao debate acerca da hibridizao cultural, um contato entre duas culturas resultando em
um movimento hbrido. Perder a cultura de origem, aculturar-se, um movimento impossvel,
no se perde uma cultura, uma vez influenciado por ela, o indivduo no a apaga, ele a hibridiza.
Estou aqui h apenas dois anos, mas agora, palavra, no me concebo a ideia
de viver em outra parte [...] Jim se conservava de p, diante dele, hirto, de
cabea nua, sob a luz das tochas [...] Apontou a arma para o peito do amigo
de seu filho. A multido que se afastara de trs de Jim ao ver o velho erguer o
brao precipitou-se tumultuosamente para diante aps o disparo da arma [...]
Caiu para a frente, morto. (CONRAD, 1982, p. 218 e 287)
O exlio, como fora colocado ao longo das pginas que at aqui se sucederam pode ser
visto como oportunidade, como vlvula de escape, como porta de sada para pr fim a
perseguies, culpas e massacres, mas o exlio tambm (Em sua maioria das vezes) cruel, sem
sentido e violento, essas caractersticas so evidentes no romance Lord Jim, a violncia que
se abate sobre Jim em boa parte notria, por mais que ele sinta-se bem naquele lugar, ele no
uma unanimidade.
A morte do jovem personagem conradiano mostra a violncia e o lado sombrio do exlio
e da vida do exilado. A impossibilidade ou dificuldade de retorno submete homens e mulheres
as mais distintas formas presso e dor. Jim e sua morte sem sentido coroam o estilo Conrad de
escrita, no qual Cada exilado em Conrad teme e est condenado para sempre a imaginar o
espetculo de uma morte solitria, iluminada, por assim dizer, por olhos indiferentes, sem
comunicao. (SAID, 2003)
Ainda no mote das anlises das obras conradianas, entramos em Amy Foster, um breve
romance publicado em 1901 pelo polaco Joseph Conrad. Nesse romance, destaca-se a questo
da figura do exilado. O nufrago Yanko Gooral o personagem principal. Ao tentar dirigir-se
para Amrica, terra onde os indivduos enriqueceriam com maior facilidade, o seu navio
naufraga na costa inglesa, e ele est jogado a prpria sorte. Conrad descreve detalhadamente o
estado doloroso e de sofrimento dos emigrantes dentro daquele navio.
Yanko Goorall representa a figura do outro, do excntrico, aquele que visto de soslaio,
com desconfiana, o que no est integrado na sociedade. Essa percepo do personagem
possvel associar com a questo do exlio, alguns exilados (boa parte deles) so visto com
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desconfiana pela sociedade na qual esto agora presentes, eles em tese no so dignos de
confiana, so postos em patamar de inferioridade.
El mismo tuvo grandes dificultades para ser aceptado, y el hombre venerable
del uniforme se vio obligado a abandonar la habitacin varias veces para
telegrafiar en su nombre [...] !Ah! el era diferente: inocente de corazon y lleno
de una bondad que nadie parecia desear, aqul pobre naufrago era como um
hombre transplantado a outro planeta, separado de su passado por una inmensa
distancia y de su futuro por uma inmensa ignorancia. (CONRAD, 2010, p. 11
e 25)
Os fragmentos transcritos acima mostram a diferenciao da figura do exilado, ele
visto como sendo aquele que teve as mais variegadas dificuldades para ser aceito. Era visto
como ignorante, inocente, aquele que no tinha porte para liderar. Yanko Goorall representa de
fato o exilado.
A relao com cultura do Outro destacada por Todorov ao narrar sua prpria
experincia de blgaro exilado na Frana e sua desesperada tentativa de prprio apagamento
cultural. O que j fora pontuado como sendo impossvel, tendo em vista a fluidez da cultura que
a encaminha para o hibridismo.
A partir de ambas as obras conradianas possvel compreender um pouco as dimenses
humanas da questo do exilado, o sofrimento, a dor fsica e psicolgica, o deslocamento e at
mesmo o desenraizamento, conforme pontua Todorov. possvel dizer que no existe
imparcialidade discursiva, Michel de Certeau em A escrita da histria faz essa afirmao,
destarte, possvel aventar que nos escritos conradianos, no que se refere a figura do exilado o
prprio Conrad se coloca. Ele o exilado, o que no se insere, por mais tempo que esteja na
sociedade inglesa, ele no considerado um ingls, para ele, dificultosa essa integrao.
A inteno de Conrad problematizar sua prpria vivncia, mostrar a realidade de
exilado. Ele mesmo, perseguido na Polnia, fugiu para a Frana e logo em seguida a Inglaterra,
onde, em ambos, serviu a marinha mercante desses pases, um exemplo de tentativa de
integrao social.
Ainda seguindo no romance Amy Foster possvel evidenciar o exlio como sendo
possibilitador de pontos positivos. O exlio ambivalente, apresenta um carter dbio, em
particular para certos indivduos. Habia encontrado el oro que buscaba. Era el corazn de Amy
Foster, um corazn de oro, capaz de conmoverse ante el sufrimiento ajeno decia com absoluta
conviccin. Nesse ponto, evidencia-se a figura de Yanko Goorall, um indivduo
marginalizado, vilipendiado durante o exlio, mas ali, ele encontra algo to valioso quanto o
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ouro, o amor da jovem Amy Foster, o exlio o abraa o indivduo, o abraa e o leva a total
submisso e domnio.
Amy Foster segue a lgica da escrita conradiana, o indivduo chave da narrativa
encontra-se exilado, visto de fora e no aceito pela sociedade na qual se insere a posteriori.
Yanko, o exilado, sofre nessa sociedade a no aceitao de uma maioria, mas aceito, como
ele mesmo diz, pela jovem Amy Foster, desta feita, possvel ver o abrao de parte da sociedade
ao exilado, aquele Outro, parte da jovem garota, esta, que criticada a todo momento por
interagir com esse que vem de fora, com esse que estranho, que foge da normativa padro. O
Exlio o abraa, mas esse abrao o da submisso.
caracterstico da escrita conradiana o carter dbio, em Lord Jim, tambm se
evidencia essa postura, ele apresenta a primeiro momento ps-exlio como sendo integrado
pela sociedade na qual se insere, mas logo depois, essa mesma sociedade o pune. Do mesmo
modo, em Amy Foster, o exlio tambm pune o indivduo, por mais que seja aceito por alguns,
como a jovem Amy, ele renegado por essa mesma, morre de forma estpida, padece de sede
decorrente uma febre. A jovem garota aps casar-se com o exilado, Yanko Gooral, comea a
perceber as diferenas existentes entre ambos, acha-o estranho, diferente, a ponto de no mais
interagir como fora colocado no incio do romance.
Faz-se prudente discorrer acerca da questo do contato cultural existente durante o
exlio, duas perspectivas distintas, mas que se influenciam mutuamente. Diferente do que
pontua Tzvetan Todorov, a questo do desenraizamento por completo perde um pouco do
sentido, no se possvel dizer que exista apagamento cultural (Aculturao), o que de fato
ocorre uma troca de influncias por parte dessas culturas, ou, como pontua Homi Bhabha,
ocorre uma hibridizao cultural, elementos de uma cultura, encontram-se em outras por
assimilao.
Os embates de fronteiras acerca da diferena cultural tm tanta possibilidade
de serem consensuais quanto conflituosos; podem confundir nossas definies
de tradio e modernidade, realinhar as fronteiras habituais entre o pblico e
o privado [...] O trabalho fronteirio da cultura exige um encontro com o
novo que no seja parte do continuum de passado e presente. Ele cria uma
ideia de novo como ato insurgente de traduo cultural (BHABHA, 1998, pp.
21-27).
Bhabha pontua a questo da fronteira, mas prudente destacar que a fronteira no
meramente geogrfica, a fronteira o Outro, o novo, e nesse contato destaca-se o movimento
de troca, a via de mo dupla, onde as influncias so trocadas entre esses sujeitos. O conceito
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de hibridizao cultural como apresentado por Homi Bhabha, englobado pela ideia de
transculturao, exposta pelo escritor cubano, Fernando Ortiz. O conceito apresentado por Ortiz
designa uma estratgia de sobrevivncia cultural via escamoteamento, seria a aceitao parcial
da cultura vencedora, para que, deste modo, pudessem preservar algo de sua cultura, dessa
mesma forma possvel sugerir que ocorre com o exilado e com a sociedade que o recebe.
Em ambos os romances apresentam a vivncia do exilado. Conforme pontua Said, o
exlio no romntico, ele frio, duro, mostra a dor e a perseguio do diferente por uma
sociedade que no a dele. A inteno aqui romper com conceitos, mostrar a escrita de um
exilado (Joseph Conrad) acerca de exilados (Lord Jim e Yanko Gooral) pela perspectiva de um
exilado (Edward Said). Romper conceitos no significa fugir por completo de uma perspectiva
terica, mas sim flexibilizar um debate, trazer a lume a sensibilidade da questo, no falar pelo
outro, mas expor o que o outro falou.
REFERNCIAS
BHABHA, Homi. O Local da Cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
CONRAD, Joseph. Lord Jim. So Paulo: Ed. Abril Cultural, 1982.
CONRAD, Joseph. Amy Foster. So Paulo: Ed. Abril Cultural, 1982.
HOBSBAMW, Eric; Era dos Imprios - 1875 - 1914-Rio de. J: Ed. Paz e Terra, 1992.
SAID, Edward. Cultura e Imperialismo. So Paulo: Ed. Companhia das Letras, 2011.
SAID, Edward. Orientalismo. So Paulo: Ed. Companhia das Letras, 2007.
SAID, Edward. Reflexes sobre o exlio e outros ensaios. So Paulo: Ed. Companhia das
letras, 2003.
TODOROV, Tzvetan. O homem desenraizado. So Paulo: Ed. Record, 1999.
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A PESSOA, SEJA HOMEM OU MULHER, QUE NO TEM PRAZER EM UM BOM
ROMANCE, DEVE SER INTOLERAVELMENTE ESTPIDA: UMA ANLISE DAS
REPRESENTAES DOS ESPAOS E SEUS SIGNIFICADOS NO ROMANCE A
ABADIA DE NORTHANGER
Camila Rafaela Pereira de Souza8
RESUMO:
Com a ampliao do leque das fontes histricas e buscando novas formas de conhecimento e pontos
de vista sobre as mudanas do humano no tempo, a Histria encontrou novos territrios a serem
explorados. Dentre estes espaos de anlise, a Literatura se mostra como uma rea do saber em que
possvel captarmos leituras e representaes de uma dada sociedade. Dessa forma, pensando a
Literatura como um registro e uma interpretao das experincias de uma sociedade, o presente
trabalho tem por objetivo analisar como os espaos so representados na obra A Abadia de
Northanger (1818) da escritora inglesa Jane Austen. Analisando como a autora representou os
espaos ocupados pelas suas personagens, tanto no campo quanto na cidade, entre o pblico e o
privado, assim como atentar para os sentidos atribudos a esses espaos e como estes eram moldados
pelos costumes e hbitos da poca.
Palavras-chave: Literatura; Jane Austen; Espaos; Histria.
THE PERSON, BE A MAN OR A WOMAN WHO HAS NO PLEASURE IN A GOOD
ROMANCE, SHOULD BE INTOLERALLY STUPID: AN ANALYSIS OF THE
REPRESENTATIONS OF THE SPACES AND THEIR MEANINGS IN ROMANCE
NORTHANGER ABBEY
ABSTRACT:
With the enlargement of the fan of the historical sources and looking for new knowledge forms and
points of view on the humans changes in the time, History found new territories to be explored.
Among these analysis spaces, the Literature is shown as an area of the knowledge in that is possible
capture readings and representations of a given society. In that way, thinking the Literature as a
registration and interpretation of the experiences of a society, the present work has as objective to
analyze how the spaces are represented in the Jane Austens work Northanger Abbey (1818).
8 Discente da Licenciatura em Histria pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no Centro de
Ensino Superior do Serid (CERES), Campus de Caic. E-mail: [email protected].
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Analyzing as the author represented the busy spaces for their characters, in the field and in the city,
between the public and the private, as well as looking at the attributed senses at those spaces and as
these they were molded for the habits in general and the habits of that time.
Keywords: Literature; Jane Austen; Spaces; History.
CONSIDERAES INICIAIS
O uso da Literatura como fonte histrica foi, por muito tempo, marginalizado por uma
Histria que se apoiava apenas na utilizao de documentos considerados oficiais. No entanto, com
o crescente movimento de renovao historiogrfica que ocorreu no sculo XX, inicialmente, como
se diz de modo repetido, na Frana e repercutindo em vrios pases, o repertrio de fontes histricas
ampliou-se. Os historiadores ligados revista Annales dHistoire conomique et Sociale, fundada
em 1929 por Lucien Febvre e Marc Bloch, tiveram enorme importncia e contriburam
significativamente para essa empreitada9.
Essa diversificao contribui significativamente para o enriquecimento dos trabalhos,
atravs de novas reflexes que nos mostram outro olhar acerca do passado. Apontando-nos outros
conceitos a serem discutidos pelo historiador: portanto, o estudo da Literatura, dentro de uma
perspectiva historiogrfica, adquire significados peculiares, j que, enquanto a Historiografia
procura o ser das estruturas sociais, comprometido com o existente, a Literatura fornece-nos uma
perspectiva do vir-a-ser10.
Cabe salientar que mesmo que a Literatura possua um carter ficcional e de no retratar
personagens que de fato existiram, no se pode negar, contudo, que ela seja um produto do seu
tempo e indique condies socioculturais nas quais os autores esto inseridos, encarnando nas suas
personagens a realidade em que viveram11, o que vem a constituir-se, assim, como uma
possibilidade de estudo para o campo historiogrfico.
Buscando a utilizao da Literatura enquanto fonte histrica, o objeto de estudo deste
trabalho o livro A Abadia de Northanger (Northanger Abbey) da escritora inglesa Jane Austen.
Ambientado no contexto da Inglaterra rural da virada dos sculos XVIII para o XIX, a obra retrata,
a partir do cotidiano das suas personagens, como eram os costumes estavam estabelecidos, como os
espaos eram divididos e como era a interao social entre o campo e a cidade naquele perodo.
9 FERREIRA, 2009. 10 SEVCENKO, 2003. 11 PESAVENTO, 2006.
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O mundo representado por Austen o mundo domstico, no qual a vida segue indiferente s
agitaes sociais que ocorriam na Inglaterra12. Atravs de sua escrita, a autora retratou o cotidiano
dos cidados rurais do pas no final do sculo, uma sociedade mostrada como resistente ao processo
de transformaes que vinham ocorrendo. Com suas personagens, Austen critica a necessidade de
mudana daquele ambiente em decorrncia das modificaes que a sociedade sua volta vinha
passando. Corroborando com a dicotomia criada entre campo e cidade, e os sentidos dados a essas
palavras e ao que elas significam, sendo o campo percebido como um lugar de atraso e
limitao, e a cidade associada ao centro de realizaes e ambio13.
Dessa maneira, o principal objetivo deste trabalho analisar as representaes dos espaos
ocupados pelas personagens e seus sentidos, principalmente as personagens femininas encontradas
na obra de Austen. Para mostrar quais espaos e papeis cabiam aos homens e mulheres naquele
ambiente e como a sociedade inglesa da poca estava organizada de acordo com suas necessidades.
Esta anlise tomar como aspectos norteadores a ideia de organizao dos espaos feita atravs da
relao ntima do homem com seu corpo e com as outras pessoas; a partir dessa relao que se
organiza o espao a fim de conform-lo s suas necessidades e s suas relaes pessoais14.
A maioria dos estudos encontrados sobre a obra dela se encontra no campo das Letras e da
Crtica Literria. Como o caso das pesquisas feitas pela Professora Doutora em Literatura anglo-
americana, Genilda Azeredo. Professora da Universidade Federal da Paraba (UFPB), ela graduada
em Licenciatura Plena em Letras e possui mestrado e doutorado na mesma rea. No Nordeste
brasileiro uma das principais pesquisadoras sobre a obra de Austen, focando principalmente nas
adaptaes flmicas produzidas com base nos escritos da autora. Um dos seus trabalhos mais
significativos trata-se do livro Jane Austen, Adaptao e Ironia: uma introduo, publicado em
2003: esta obra rene textos que resultam da sua pesquisa de Doutorado sobre a relao entre Austen
e a adaptao de seus romances para o Cinema15.
No campo da Histria poucos trabalhos foram encontrados aps uma ampla pesquisa.
Citaremos aqui dois dos que mais nos chamaram a ateno: o primeiro, de autoria de Adriana Buss,
trata da representao da famlia inglesa nos sculos XVIII e XIX atravs dos trs romances mais
conhecidos de Austen: Razo e Sensibilidade (1811), Orgulho e Preconceito (1813) e Persuaso
(1818). J o segundo trabalho encontrado, de autoria da Flvia Florentino Varella, busca traar uma
comparao entre o filsofo e historiador David Hume e a escritora Jane Austen, no que diz respeito
12 CEVASCO, 1993. 13 WILLIAMS, 1989. 14 TUAN, 2015. 15 Cf. Currculo Lattes da Profa. Dra. Genilda Azeredo: http://lattes.cnpq.br/2336287299613364.
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construo da moderna Historiografia inglesa. Neste artigo, Varella discute sobre as relaes entre
Historiografia e Romance: segundo a autora, Hume produziu um programa historiogrfico que
avalizava o sentimento como categoria de explicao do movimento histrico e via na identificao
do leitor com a narrativa um aspecto fundamental da sua obra. Enquanto Austen parece defender
uma concepo moderna de Historiografia que incorpore o sentimento e a emoo em oposio aos
modelos clssicos contra os quais Hume j erguia seu projeto.
No que diz respeito s discusses historiogrficas que guiaro essa pesquisa, estas se situaro
no campo da Histria Cultural que se dedica s diferenas, conflitos e debates, como tambm aos
interesses e s tradies compartilhadas em culturas inteiras16. Entendendo que a Literatura, assim
como todo objeto cultural, tambm um meio capaz de gerar representaes, o conceito trabalhado
por Roger Chartier torna-se de grande valia para essa pesquisa, j que, para o autor, o conceito de
representao o de variabilidade e da pluralidade de compreenses (ou incompreenses) do mundo
social e natural17. Assim sendo, o texto literrio compartilha de uma forma possvel de apreender o
mundo e, por isso, caracteriza-se como uma fonte de pesquisa histrica cabvel de ser analisada.
a partir das representaes que as sociedades observam a realidade e determinam sua
existncia. Ainda sobre tal conceito, Chartier afirma:
As representaes do mundo social assim construdas, embora aspirem
universalidade de um diagnstico fundado na razo, so sempre determinadas
pelos interesses de grupo que as forjam. [...]. As percepes do social no so
de forma alguma, discursos neutros: produzem estratgias e prtica (sociais,
escolares, polticas) que tendem a impor uma autoridade custa de outros, por
elas menosprezados, a legitimar um projecto reformador ou a justificar, para os
prprios indivduos, as suas escolhas e condutas18.
atravs do prprio interesse que alguns grupos impem sua viso de mundo ou sua prpria
posio no mundo, por meio das representaes. E para se entender e analisar tais representaes
que a Literatura surge como uma via de acesso, ampliando os paradigmas interpretativos necessrios
anlise historiogrfica.
Cabe esclarecer os motivos pelos quais optamos pela abordagem da anlise das
representaes. Tal escolha justificvel pelos mtodos de entendimento da fonte, j que a
Literatura vista como uma das possveis formas de representar a sociedade, constituindo assim,
um produto social. Sendo o literato influenciado pelo campo em que ele ocupa naquele ambiente
16 BURKE, 2008, p. 06. 17CHARTIER, 1990, p. 21. 18CHARTIER, 1990, p. 17.
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social e, por muitas vezes, vindo a imprimir nas suas personagens caractersticas de um determinado
contexto histrico-social. Dessa maneira, a obra literria, por se tratar de uma produo situada em
um tempo e espao, servir como tima possibilidade de anlise, j que para relacionar a narrativa
literria narrativa historiogrfica preciso primeiramente situ-las no tempo, descrever e definir
aquilo que est se falando, a que e a quem correspondem dadas designaes19.
A ABADIA DE NORTHANGER E JANE AUSTEN: UMA BREVE APRESENTAO
A Autora por trs da Obra: quem foi Jane Austen?
Jane Austen foi uma escritora inglesa que viveu entre 1775 e 1817. Nasceu em Steventon,
Hampshire, um condado no sul da Inglaterra, no dia 16 de dezembro de 1775 e faleceu em 18 de
julho de 1817. Filha do reverendo George Austen, Jane Austen vinha de uma famlia estabelecida
na classe gentry, atravs do comrcio de tecidos e, por isso, teve acesso educao junto com seus
outros irmos20.
Os ingleses do sculo XVIII acreditavam que a natureza revelava o poder e a sabedoria do
Todo Poderoso. Acreditava-se igualmente que Deus havia colocado reis e rainhas acima de
duques, condes e viscondes. Por sua vez, os nobres detentores de ttulos eram superiores aos gentry
a classe social refinada e educada qual pertencia a famlia Austen. A ordem social era to
complexa que mesmo entre os gentry havia diferentes nveis. No topo estavam aqueles tornados
cavaleiros, possuidores de um sobrenome proeminente ou proprietrios de terras que estavam na
famlia por geraes. Nos nveis inferiores estavam os bispos, pequenos proprietrios de terra,
oficiais do exrcito, mdicos e clrigos, como o pai de Jane Austen, que possua educao, mas
pouco dinheiro21.
Em 1783, Austen enviada junto com sua irm, Cassandra, escola. Estes estabelecimentos
serviam para refinar as meninas. Os meninos estudavam Histria, Matemtica e Cincias. J as
meninas aprendiam um pouco de Gramtica, porm, a maior parte do tempo era dedicada ao ensino
das prticas domsticas e as ditas habilidades femininas, como costura, canto ou tocar algum
instrumento. As meninas Austen frequentaram por pouco tempo a escola, voltando definitivamente
para Steventon em 1786 e nunca mais receberiam uma educao formal. Em casa, na juventude,
Jane praticava canto e aulas de piano, lia francs com facilidade e sabia um pouco de italiano. Em
19 ALBUQUERQUE JNIOR, 2013, p. 26. 20 REEF, 2014. 21 REEF, 2014, p. 31.
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Histria, ela seguia os antigos guias: Goldsmith, Hume e Robertson. A investigao crtica sobre as
declaraes normalmente recebidas dos historiadores mal havia comeado22.
Austen vivia, portanto, reclusa em relao ao mundo literrio da poca. No mantinha
contato com nenhum dos autores conhecidos, tudo o que escreveu foi resultado de um trabalho
caseiro. Isso se deve ao fato de que sua escrita foi abafada, pois no era de bom tom para o perodo,
uma mulher se tornar escritora: por isso mesmo, durante os ltimos anos de sua vida, quando seus
trabalhos aumentavam no agrado do pblico, poucas eram as pessoas que sabiam o seu nome. Seu
primeiro livro foi publicado com a assinatura By a Lady para que, assim, o verdadeiro nome da
autora no fosse levado a pblico.
A Obra
Aps a morte da autora, duas obras foram publicadas postumamente: Persuaso e A Abadia
de Northanger. Finalizado em 1803, mas s publicado em 1818: esse tempo entre sua finalizao e
publicao se deu pelo fato de que o editor que comprou os direitos do livro no o achou bom o
suficiente para ser publicado e, por isso, resolveu deix-lo de lado. S aps sua morte o irmo de
Austen compra os direitos do livro de volta e o publica postumamente. O romance lembrava o humor
do perodo da juventude da autora, ao fazer uma pardia dos romances gticos famosos na mocidade
de Austen.
O romance conta a histria de Catherine Morland, de quinze anos, que vive uma vida pacata
com seus pais e irmos at que convidada por seus vizinhos, os Allen, a passar uma temporada em
Bath, no sudoeste da Inglaterra. A histria se divide em dois momentos: no primeiro, a viagem com
os Allen, seus vizinhos; no segundo, sua viagem a Northanger Abbey e a convivncia com os
Tilneys, famlia dos amigos que Catherine tinha conseguido durante sua estadia em Bath.
O Sr. Allen era proprietrio de boa parte das terras que cercavam Fullerton, o lugarejo em
Wiltshire onde viviam os Morlands. A ele foi ordenada uma estadia em Bath para se tratar de uma
enfermidade. Sua esposa, que gostava bastante de Catherine Morland, convidou-a a ir com eles.
Bath era muito famosa por seus passeios, bailes, concertos e festas. Alm disso, era conhecida
tambm por suas fontes de guas termais, onde muitas pessoas, preocupadas com a sua sade, se
dirigiam para beber a gua que borbulhava das fontes trmicas, acreditando ser esta a cura para
suas enfermidades: os turistas tinham muito o que fazer nessa cidade em expanso. Bath oferecia
22 LEIGH, 2014, p. 92.
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jardins pblicos, runas romanas, bailes, concertos e peas teatrais com atores vindos dos palcos de
Londres23.
Com toda essa agitao, Bath era o lugar propcio para Catherine viver suas aventuras como
herona. Em um dos bailes, ela dana com um jovem proco chamado Henry Tilney. No dia seguinte
conhece uma nova amiga, Isabella Thorpe, com quem divide o mesmo gosto pelos romances gticos
to famosos na poca, como The Mysteries of Udolpho, de Ann Radcliffe, obra que narra as
experincias de uma rf num castelo em terras distantes. A partir da amizade com Isabella,
Catherine conhece seu irmo, John Thorpe, que acredita ser ela herdeira de uma grande herana e
por isso se sente no dever de cortej-la.
Logo aps esses acontecimentos, Catherine encontra novamente Henry Tilney e conhece sua
irm, Eleanor, e seu pai, o general Tilney, dono da abadia que d nome ao livro. O general ficara
sabendo tambm que Catherine herdaria uma grande soma de dinheiro e, por isso, ele acaba
escolhendo-a para ser a esposa de Henry. Porm, logo essa histria desmentida e o general volta
atrs com a sua palavra. No entanto, no consegue mais separar Henry e Catherine, que acabam
casando no fim da histria, mesmo ela no tendo uma herana, e sendo, segundo os costumes da
poca, uma pssima opo para o matrimnio24.
OS ESPAOS E SEUS SENTIDOS: ASPECTOS HISTORIOGRFICOS E LITERRIOS
A Abadia de Northanger foi escrita no fim do sculo XVIII e publicada no sculo XIX.
Partindo desse pressuposto, analisaremos a seguir alguns aspectos dados a ler na obra, que
representam a sociedade daquele perodo.
Pensando sobre o tempo, percebemos que Austen escrevia num momento crucial para a
Inglaterra e para os demais pases do mundo. Nesse perodo uma das maiores revolues estava
acontecendo, ou melhor, explodindo, a Revoluo Industrial. Isso significa dizer que a certa altura
da dcada de 1780, pela primeira vez na Histria, os grilhes do poder produtivo foram retirados
das sociedades humanas, e, com isso, se tornaram capazes da multiplicao rpida, constante, e at
ilimitada de homens, mercadorias e servios25.
Austen confirma esse aspecto quando caracteriza um espao de trnsito na cidade de Bath,
que era vista por muitos como uma cidade de realizaes, quando comparada ao campo, lugar de
moradia da maioria daqueles que passeavam pelas suas ruas movimentadas:
23REEF, 2014, p. 82. 24 AUSTEN, 2010. 25 HOBSBAWM, 2007, p. 50.
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Em meio minuto do balnerio j estavam no arco em frente a Union Passage;
mas aqui elas tiveram de parar. Todos os que conhecem Bath devem lembrar-
se da dificuldade de atravessar Cheap Street naquele ponto; de fato uma rua
de natureza to impertinente, to desgraadamente ligada s grandes estradas
de Londres e Oxford, e ao principal hotel da cidade, que nunca se passa um dia
sem que grupo de senhoras, por mais importantes que sejam seus afazeres, quer
estejam em busca de pastis, quer de chapus, quer at (como no caso presente)
de rapazes, sejam detidas de um lado ou de outro pelas carruagens, pelos cavalos
ou pelas carroas26.
Nesse trecho percebemos que as ligaes entre as pequenas e grandes cidades se tornavam
cada vez mais frequentes, principalmente com Londres, que naquele perodo estava em rpida
expanso. Sendo um produto de um capitalismo agrrio e mercantil, desenvolvia-se em ritmo
acelerado, absorvendo reas cada vez maiores do resto do pas e atraindo pessoas de diversas regies
que iam e vinham da cidade em busca de trabalho ou um esconderijo27.
Essas pessoas no geral vinham das cidades menores e/ou dos vilarejos, e com isso a relao
entre campo e cidade se intensificava, transformando economicamente e socialmente as relaes
humanas estabelecidas por esse contato e a representao do campo e da cidade:
Bom, cada um deve ter sua prpria opinio, e quem vai a Londres pode achar
que Bath no nada. Mas eu, que vivo num lugarejo perdido no interior, nunca
vou achar mais mesmice num lugar como este do que em minha prpria casa;
pois aqui h muita variedade de diverses, muita variedade de coisas para ver e
para fazer o dia inteiro, algo que no conheo por l28.
Austen, na voz da personagem Catherine, corrobora, nesse trecho, com a dicotomia criada
entre campo e cidade e os sentidos dados a essas palavras e ao que elas significam, sendo o campo
um lugar de atraso e limitao, e a cidade associada ao centro de realizaes e ambio29.
Bath, cidade onde o romance foi ambientado, era vista por Catherine Morland como um
lugar de realizaes, cheia de entretenimento e lugares novos para apreciar, algo que no se via no
vilarejo onde morava. Por essa razo, as cidades eram visitadas constantemente durante algumas
temporadas do ano por famlias que moravam no campo e que buscavam nela servios que no se
encontravam com frequncia onde moravam, como o caso do Sr. Allen, que vai para Bath cuidar
de uma enfermidade, tendo acesso aos mdicos e s guas termais de seus balnerios to famosos.
26 AUSTEN, 2017, p. 47. 27 WILLIAMS, 1989, p. 205. 28 AUSTEN, 2010, p. 86. 29 WILLIAMS, 1989.
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Desde a ocupao romana, na Antiguidade, Bath se desenvolveu em volta dos famosos
balnerios de guas termais. Os romanos, aficionados em banhos, construram enormes instalaes
que serviam como piscinas pblicas e como lugar de encontros casuais e de negcios. Essa tradio
se perpetuou durante o tempo e os balnerios continuaram como espaos de sociabilidade at o
sculo XIX30:
O balnerio era o lugar onde se devia encontrar algum chegado a Bath h to
pouco tempo, e ela j havia achado aquele edifcio to propcio ao
descobrimento da excelncia feminina e ao aprofundamento da intimidade
feminina, to admiravelmente adequado troca de segredos e confiana
ilimitada, que ela estava muito razoavelmente esperanosa de conseguir fazer
mais uma amiga entre aquelas paredes.31
Com isso, a cidade ganhava mais um atrativo para pessoas de diversas localidades que
vinham em busca das guas ditas curativas, que possivelmente no auxiliavam na cura de nenhuma
doena, pelo contrrio, j que pelo fluxo de pessoas que se banhavam nas guas dessas termas: era
mais provvel que estas fossem agentes de contgio de inmeras doenas.
Segundo Richard Sennett, uma cidade um assentamento humano no qual estranhos iro
provavelmente se encontrar32. A partir de tais encontros vrias atividades se desenvolveram e
podiam ser encontradas nas cidades, tais quais o teatro e os bailes, que serviam tambm como
espaos de sociabilidade bastante comuns: danar era uma atividade social popular na Inglaterra
do sculo XVIII33. Alm de ser uma prtica social, a dana permitia que os jovens se conhecessem.
Para muitas moas que frequentavam os Sales Inferiores para os bailes, esta era uma oportunidade
de encontrar quem poderia vir a ser seu marido em um futuro prximo.
Havia, nessa poca, um cdigo de conduta e moral a se cumprir, pois a sociedade esperava
um comportamento digno de uma mulher com idade para se casar. Uma moa solteira deveria
sempre estar acompanhada em pblico, e s podia falar com um rapaz caso estivessem sido
adequadamente apresentados. Como foi o caso de Catherine e Tilney, que foram apresentados um
ao outro pelo mestre de cerimnias:
A nobreza e os gentry orgulhavam-se de seus modos, internalizados desde quase
o nascimento. Um elaborado cdigo de etiqueta governava cada interao
social, mesmo as triviais. As regras ditavam como as ladies e gentlemen
entravam na sala de jantar, quem falava primeiro quando as pessoas eram
apresentadas, e onde e com quem uma lady poderia conversar. Demonstrar as
30 SOMERSET, 2003. 31 AUSTEN, 2010, p. 67. 32 SENNETT, 1988, p. 58. 33 REEF, 2014, p. 59.
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maneiras apropriadas, independentemente da posio social, significava vir de
um bom bero, ou ter recebido uma criao slida34.
Os costumes moldavam a maioria dos aspectos da sociedade inglesa, at mesmo uma simples
troca de conversas entre dois jovens devia seguir normas estabelecidas: por isso, cada pessoa tinha
o seu espao moldado de acordo com tais regras. O lugar da mulher foi de longe o que mais sofreu
com tais normas, j que, diante de uma sociedade patriarcal, ela deveria se submeter s vontades de
outras pessoas, antes de satisfazer as suas prprias.
No livro, Austen debate acerca das escolhas de leitura da sua herona: em certo ponto da
narrativa, essas escolhas so questionadas, pois Catherine uma f dos romances gticos famosos
naquela poca. E quando questionada sobre esse tipo de leitura, ela diz: consigo ler poesia e peas
de teatro, e coisas do tipo, e no detesto relatos de viagem. Mas no consigo interessar-me pela
histria, a histria mesmo, solene35.
Como j dito no incio, o estudo de Histria e Poltica era restrito aos homens; s mulheres
restava o estudo do canto, da pintura e de atividades domsticas, tais como o corte e a costura. A
situao de ignorncia em que se pretende manter a mulher responsvel pelas dificuldades que
encontra na vida e cria um crculo vicioso: como no tem instruo, no est apta a participar da
vida pblica, e no recebe instruo porque no participa dela36. Por isso, elas eram impedidas de
se envolver na Poltica, tanto pelo desconhecimento, quanto por esse ser um espao pblico e,
portanto, reservado aos homens: [...] tanto na vida quanto na arte, a mulher no sculo passado
(XVIII) aprendia a ser tola, a se adequar a um retrato do qual no era a autora37.
Tal contexto era resultado de uma sociedade organizada dentro de um sistema patriarcal, na
qual a nica sada para a mulher parecia ser o casamento, j que fora dele no havia papel para ela
dentro dessa organizao. Por isso, havia um reforo para que as meninas no seguissem com seus
estudos e que no pequeno espao de tempo que mediava entre a vida da menina e da senhora, a
moa entregava-se ao aprendizado da msica e das maneiras, ao interesse pelos vestidos, vivendo
na expectativa da chegada do marido38. O final dado por Austen histria de Catherine assemelha-
se ao destino de muitas moas daquele perodo, j que Henry e Catherine se casaram, os sinos
34 Ibidem, p. 32. 35 AUSTEN, 2010, p. 118. 36 TELLES, 2009, p. 406. 37 Idem, 1997, p. 403. 38 MELLO E SOUZA, 1987, p. 89.
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dobraram e todos sorriram; [...] muito bom iniciar a perfeita felicidade com as idades respectivas
de vinte e seis e dezoito anos39.
Portanto, percebe-se, medida que chegamos ao fim deste trabalho, que Jane Austen, mesmo
escrevendo durante um perodo de grandes acontecimentos, decidiu ignorar os eventos histricos
que estavam ocorrendo e focalizar em um problema40, prendendo o olhar principalmente na Histria
Social das famlias de proprietrios rurais ingleses daquele tempo, representando seus processos
estruturais e os padres que orientavam a sociedade e o comportamento humano41. Todos esses
processos estavam diretamente ligados aos costumes da poca, mas tambm s mudanas que
vinham ocorrendo provenientes da Revoluo Industrial em curso. Tais mudanas no s afetavam
as grandes cidades como Londres e Oxford, mas tambm a vida dessas famlias no campo, nas
pequenas cidades e o cotidiano dessas pessoas ditas comuns. E mesmo no direcionando seu
trabalho para a Histria dos grandes nomes e acontecimentos, Austen consegue representar os
aspectos por muitas vezes deixados de lado pelos estudiosos: a vida cotidiana e as mudanas sociais
que foram transformadas com a Revoluo Industrial e seus desdobramentos.
CONSIDERAES FINAIS
A utilizao da Literatura como fonte histrica possibilita-nos o acesso a uma ampla gama
de meios que podemos utilizar para termos acesso a novas vises sobre as sociedades antigas e suas
particularidades. Enriquecendo o trabalho do historiador, ao mostrar um novo olhar sobre o passado,
trazendo para o debate novas discusses e conceitos a serem suscitados pelo pesquisador.
Jane Austen surge, portanto, como uma dessas poss