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  • Imagem de Capa

    Cigarro de Palha, de Iron Garcia

    A Comisso Organizadora e o Comit Cientfico no se responsabilizam pela qualidade dos trabalhos

    apresentados pelos autores, no que toca aos aspectos redacionais e de normalizao de trabalhos acadmicos.

  • ABRAHO SANDERSON NUNES FERNANDES DA SILVA

    EVANDRO DOS SANTOS

    (Organizadores)

    VII Colquio Nacional

    Histria Cultural e Sensibilidades

    Sertes: Corpo, Educao e Sociedade

    UFRN CERES/Campus de Caic

    CAIC-RN, 06 a 10 de novembro de 2017

    ANAIS ELETRNICOS

    ISBN 978-85-5697-646-8

    CAIC

    2017

  • COORDENAO GERAL

    Prof. Dr. Abraho Sanderson Nunes Fernandes da Silva UFRN

    Prof. Dr. Evandro dos Santos UFRN

    COMISSO ORGANIZADORA

    Prof. Dr. Abraho Sanderson Nunes Fernandes da Silva (Departamento de Histria

    CERES/UFRN)

    Profa. Dra. Airan dos Santos Borges (Departamento de Histria CERES/UFRN)

    Prof. Dr. Evandro dos Santos (Departamento de Histria CERES/UFRN)

    Prof. Dr. Fbio Mafra Borges (Departamento de Histria CERES/UFRN)

    Prof. Dr. Helder Alexandre de Medeiros Macedo (Departamento de Histria CERES/UFRN)

    Profa. Dra. Jailma Maria de Lima (Departamento de Histria CERES/UFRN)

    Prof. Dr. Joel Carlos de Souza Andrade (Departamento de Histria CERES/UFRN)

    Profa. Dra. Juciene Batista Felix Andrade (Departamento de Histria CERES/UFRN)

    Prof. Dr. Lourival Andrade Jnior (Departamento de Histria CERES/UFRN)

    Prof. Dr. Ubirathan Rogrio Soares (Departamento de Histria CERES/UFRN)

    COMIT CIENTFICO

    Profa. Dra. Airan dos Santos Borges - Departamento de Histria - CERES/UFRN

    Prof. Dr. Almir de Carvalho Bueno - Departamento de Histria - CERES/UFRN

    Porfa. Dra. Cludia Cristina do Lago Borges - Departamento de Histria - UFPB

    Prof. Dr. Fbio Mafra Borges - Departamento de Histria - CERES/UFRN

    Doutorando Elton Jhon da Silva Farias - PPGHS/USP

    Prof. Dr. Helder Alexandre de Medeiros Macedo - Departamento de Histria - CERES/UFRN

    Prof. Me. Hildebrando Maciel Alves - UECE

    Profa. Dra. Jailma Maria de Lima - Departamento de Histria - CERES/UFRN

    Prof. Dr. Joel Carlos de Souza Andrade - Departamento de Histria - CERES/UFRN

    Profa. Dra. Juciene Batista Flix Andrade - Departamento de Histria - CERES/UFRN

    Prof. Dr. Lourival Andrade Jnior - Departamento de Histria - CERES/UFRN

    Prof. Dr. Roberto Airon Silva - Departamento de Histria - CCHLA/UFRN

    Prof. Me. Vagner Silva Ramos Filho - UERN

    ORGANIZAO E DIAGRAMAO

    Prof. Dr. Abraho Sanderson Nunes Fernandes da Silva UFRN

    Prof. Dr. Evandro dos Santos UFRN

    Digenes Santos Saldanha Graduando em Histria CERES/UFRN

    Hozana Danize Lopes de Souza Graduanda em Histria CERES/UFRN

  • SUMRIO

    APRESENTAO ..................................................................................................................... 4

    PROGRAMAO ..................................................................................................................... 6

    LISTA DE SIMPSIOS TEMTICOS ................................................................................... 11

    TEXTOS COMPLETOS .......................................................................................................... 17

    1 - Artes e Linguagens na Histria: Pesquisas, Escritas, Desafios, Possibilidades .............. 17

    2 - Culturas Polticas, Poder e Imprensa no Brasil Repblica .............................................. 66

    3 - Histria Cultural e o Sagrado .......................................................................................... 88

    4 - Histria do Corpo: Prticas, Instituies, Sentidos e Saberes ....................................... 190

    5 - Histria, Educao e Sensibilidades .............................................................................. 252

    6 - Histria, Historiografia e Memria dos Sertes ............................................................ 325

    7 - Micro-Histria: Perspectivas recentes ........................................................................... 357

    8 - Patrimnio Cultural e Serto: Diversidades, prticas, polticas e gestes ..................... 367

    9 - Histria dos Sertes no Perodo Colonial ...................................................................... 397

    10 - Histria Indgena em Sala de Aula: Entre cristalizaes e resistncias ...................... 467

    13 - Cultura da memria: prticas, subjetividades e usos pblicos .................................... 497

  • 4

    APRESENTAO

    O VII Colquio Nacional Histria Cultural e Sensibilidades (CNHCS), ocorre

    anualmente na UFRN, campus Caic, tem por objetivo reunir professores, pesquisadores e

    alunos de graduao e ps-graduao, dedicados aos estudos em Histria Cultural, alm de

    profissionais e cidados com interesses nesta rea. A Histria Cultural caracteriza-se por forte

    carter interdisciplinar, o que favorece a diversificao das faces do CNHCS. O evento

    demonstra potencial no que tange a dar visibilidade s novas possibilidades da Histria, a partir

    de novos objetos de investigao bem como incentivar vinculaes entre a pesquisa cientfica,

    a Educao e a divulgao do conhecimento cientfico.

    O Colquio Nacional Histria Cultural e Sensibilidades atualmente o segundo maior

    com essa temtica em nvel nacional e, destacadamente, o maior evento da rea de Histria, no

    Rio Grande do Norte. Nos anos anteriores, houve a participao de pesquisadores e acadmicos

    de vrios estados brasileiros (RN, CE, PI, SP, GO, PB, PE, SC, RS, PR, DF, ES, BA e RJ), de

    Portugal e tambm do Mxico. Neste ano de 2017, a programao contar com importantes

    nomes tanto da Histria Cultural, quanto ligados as temticas Corpo, Educao e Sociedade,

    ttulo do VII CNHCS.

    O evento, enquanto ao de extenso, se associa com a poltica de interiorizao

    universitria proposta pelo Plano de Desenvolvimento Institucional da UFRN (PDI/ 2010-

    2019) e articulao ao Plano de Cultura da UFRN Mais Cultura Nas Universidades

    (MinC/MEC), em seus diversos programas. Em interao com outros Departamentos busca-se

    fomentar a acessibilidade, atravs da interpretao em LIBRAS (Departamento de

    Educao/CERES e CAENE) e traduo para lngua estrangeira (Departamento de

    Letras/CERES).

    Dando continuidade as iniciativas da 6 Edio do VI Colquio Nacional de Histrias

    Sertes: histrias e memrias, o evento busca as diversas discusses sobre uma temtica

    especfica, de modo a congregar a produo e esforos de pesquisa dos grupos de pesquisa em

    Histria, Cultura, Educao e Corpo, do Departamento de Histria do CERES (UFRN) e de

    outras faculdades brasileiras que procuram a desconstruo da viso estereotipada do ser

    sertanejo. A temtica escolhida, Sertes: Corpo, Educao e Sociedade, tende a perspectiva de

    compartilhar diferentes experincias que permitam um rico debate sobre as mltiplas noes da

  • 5

    ideia de serto iniciadas em 2016. Com isso, procura-se promover e desmontar os olhares

    estereotipados que nomeiam o serto, em especial, o do semirido nordestino como o lugar da

    seca, da fome, da misria e da estagnao. Como no VI CNHCS, a 7 Edio do CNHCS deseja

    a desconstruo destes lugares, sem deixar de levar em conta tambm as perspectivas de

    permanncias e descontinuidades histricas, da tradio, do moderno e do ps-moderno.

    Este ano a 7 Edio do CNHCS homenageia novamente um artista seridoense, cuja tela

    foi escolhida para ser a base do material grfico que compem a identidade visual do evento. O

    artista cuja obra foi escolhida chama-se Iron Garcia e a obra, o autor intitulou como cigarro de

    palha. Iron Garcia nasceu em Jardim do Serid/RN em 1976, mas morou desde a infncia em

    um povoado no municpio de Parelhas/RN, chamado Cobra, mesmo local onde ainda hoje

    residem seus irmos e pais. Desde criana Iron se interessou pelas Artes, inclusive, por

    influncia materna j que a me do artista pintava quadros usando como tela pedaos de

    papelo, ou, produzia bonecos a partir do trabalho com folhas de milho e argila. Iron Garcia

    hoje um artista que produz obras tanto atravs da pintura quanto da escultura, tendo, inclusive,

    sido o nico artista potiguar a se destacar nestas duas categorias do Edital Chico Santeiro do

    RN, tendo vencido na categoria "escultura" e ficado em segundo lugar na categoria "pintura".

    Prof. Dr. Abraho Sanderson Nunes Fernandes da Silva

    Prof. Dr. Evandro dos Santos

    Organizadores

  • 6

    PROGRAMAO

    06 DE NOVEMBRO 2017, SEGUNDA-FEIRA

    08:00h s 20:00h - Credenciamento.

    Entrega de material do evento para participantes j inscritos, inscrio e entrega de materiais

    para participantes inscritos neste dia.

    Local: Sala C2 Estao Livraria

    19:30h s 19:50h - Solenidade de Abertura.

    Participao:

    Profa. Dra. ngela de Paiva Cruz - Reitora da UFRN;

    Profa. Dra. Maria de Ftima Ximenes - Pr-Reitora de Extenso da UFRN;

    Prof. Dr. Jorge Tarcsio da Rocha Falco - Pr-Reitor de Pesquisa da UFRN;

    Prof. Dr. Rubens Maribondo do Nascimento - Pr-Reitor de Ps-Graduao da UFRN;

    Profa. Dra. Sandra Kelly de Arajo Alves Diretora do CERES/UFRN;

    Profa. Dra. Teodora de A. Alves - Diretora do NAC/UFRN e Gestora do Plano de Cultura da

    UFRN;

    Prof. Dr. Lourival Andrade Jnior - Chefe do DHC/UFRN;

    Prof. Dr. Evandro dos Santos - DHC/UFRN - Coordenador do VII CNHCS.

    Local: Auditrio do CERES.

    20:00H s 22:00h - Conferncia de Abertura

    Ttulo: O Nordeste e o Calazar. Doena e regio na histria da sade pblica e da medicina

    tropical. Conferencista: Prof. Dr. Jaime Benchimol - FIOCRUZ.

    Local: Auditrio do CERES.

    07 DE NOVEMBRO DE 2017, TERA-FEIRA

    08:00h s 20:00h - Credenciamento.

    Entrega de material do evento para participantes j inscritos, inscrio e entrega de materiais

    para participantes inscritos neste dia.

    Local: Sala C2 Estao Livraria.

    08:00h s 11h:00 - Mesa Redonda.

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    Historiografia para alm do eurocentrismo.

    Expositores: Profa. Dra. Christine Dabat - UFPE; Doutoranda Anglica Alencar - Sophia

    University.

    Mediador: Prof. Dr. Helder Macedo - Departamento de Histria (CERES-UFRN).

    Local: Anfiteatro do CERES.

    13:30h s 17:30h - Simpsios Temticos

    Local: Salas de Aula dos Blocos A, B e D UFRN-CERES.

    19:00h s 19:30h Lanamento de Livros.

    Local: Hall do Auditrio.

    19:40h s 22:00h - Palestra.

    Ttulo: O controle dos corpos nativos e suas alternativas de libertao nos sertes da

    Amaznia colonial.

    Palestrante: Prof. Dr. Almir Diniz - UFAM.

    Mediador: Prof. Dr. Fbio Mafra - Departamento de Histria (CERES-UFRN).

    Local: Auditrio do CERES.

    08 DE NOVEMBRO DE 2017, QUARTA-FEIRA

    08:00h s 20:00h - Credenciamento.

    Entrega de material do evento para participantes j inscritos, inscrio e entrega de materiais

    para participantes inscritos neste dia.

    Local: Sala C2 Estao Livraria.

    08:00h s 11h:00 - Mesa Redonda.

    Migraes internacionais e Ps-Colonialidade.

    Expositores: Prof. Dr. Marcos Costa Lima - UFPE; Profa. Dra. Adra Pacheco Pacfico - UEPB.

    Mediador: Prof. Dr. Antnio Elbio - Departamento de Histria (CERES-UFRN).

    Local: Anfiteatro do CERES.

    13:30h s 17:30h - Simpsios Temticos

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    Local: Salas de Aula dos Blocos A, B e D UFRN-CERES.

    19:00h s 19:30h Apresentao do Grupo de Pesquisa Histria dos Sertes.

    Participantes: Prof. Dr. Helder Macedo - Departamento de Histria (CERES-UFRN);

    Prof. Dr. Joel Andrade - Departamento de Histria (CERES-UFRN);

    Prof. Dr. Lourival Andrade Jnior - Departamento de Histria (CERES-UFRN).

    Local: Auditrio do CERES.

    19:40h s 22:00h Palestra.

    Ttulo: O thos heroico de Euclides da Cunha.

    Palestrante: Prof. Dr. Anderson Zalewski Vargas UFRGS.

    Mediador: Profa. Dra. Airan Borges Departamento de Histria (CERES-UFRN).

    Local: Auditrio do CERES.

    09 DE NOVEMBRO DE 2017, QUINTA-FEIRA

    08:00h s 11h:00 - Mesa Redonda.

    Memria, Histria, Sensibilidades: comunistas e anticomunistas em ao.

    Expositores: Prof. Dr. Raimundo Moreira - UNEB; Jailma Lima - Departamento de Histria

    (CERES-UFRN).

    Mediador: Prof. Dr. Almir Bueno - Departamento de Histria (CERES-UFRN).

    Local: Anfiteatro do CERES.

    13:30h s 17:30h - Simpsios Temticos.

    Local: Salas de Aula dos Blocos A, B e D UFRN-CERES.

    15:00h s 17h:30 - Mesa Redonda.

    Histria e opinio pblica.

    Expositores: Prof. Dr. Francisco Fonteles Neto - UERN; Lindercy Sousa Lins - UERN.

    Mediador: Prof. Dr. Francisco Fabiano Mendes - UERN.

    Local: Anfiteatro do CERES.

    19:00h s 19:30h Programao Cultural.

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    Local: Auditrio do CERES.

    19:40h s 22:00h Palestra.

    Ttulo: Narrativas audiovisuais e didtica da Histria: a arte de colocar a vida em cena como

    questo histrica.

    Palestrante: Prof. Dr. Roberto Abdala Jnior UFG.

    Mediador: Prof. Dr. Prof. Me. Rosenilson Santos - Doutorando em Histria - UNB.

    Local: Auditrio do CERES.

    10 DE NOVEMBRO DE 2017, SEXTA-FEIRA

    08:00h s 11h:00 - Mesa Redonda.

    Educao e Ensino de Histria: debates contemporneos.

    Expositores: Prof. Dr. Prof. Dr. Azemar dos Santos Soares Jnior - UFRN.

    Mediador: Prof. Dr. Dra. Juciene Flix Andrade- Departamento de Histria (CERES-UFRN).

    Local: Anfiteatro do CERES.

    13:30h s 17:30h - Simpsios Temticos.

    Local: Salas de Aula dos Blocos A, B e D UFRN-CERES.

    15:00h s 17h:30 - Mesa Redonda.

    Histrias, Memrias e Educao: teoria e historiografia.

    Expositores: Prof. Dr. Renato Amado Peixoto - UFRN; Prof. Dr. Magno Francisco de Jesus

    Santos - UFRN.

    Mediador: Prof. Dr. Evandro dos Santos - UERN.

    Local: Anfiteatro do CERES.

    19:30h s 19:50h Atividade Cultural.

    Local: Auditrio do CERES.

    20:00H s 22:00h - Conferncia de Encerramento.

    Ttulo: Entre causos e canes: serto, cultura e tradies.

    Conferencista: Profa. Dra. Maria Izilda Matos - PUC/SP.

  • 10

    Mediador: Prof. Dr. Lourival Andrade Jnior - DHC/UFRN.

    Local: Auditrio do CERES.

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    LISTA DE SIMPSIOS TEMTICOS

    1 - Artes e Linguagens na Histria: Pesquisas, Escritas, Desafios, Possibilidades

    Coordenadores: Prof. Me. Elton John da Silva Farias ([email protected]) PPGH

    (UFCG/USP) e Prof. Dr. Gervcio Batista Aranha ([email protected]) - Departamento de

    Histria (UFCG).

    Resumo: Este Simpsio Temtico busca reunir textos que atentem para a anlise de certos

    procedimentos metodolgicos no lidar com as diversas linguagens artsticas para a pesquisa

    histrica (a exemplo de Msica Popular ou Erudita, Cinema, Televiso, Fotografia, Artes

    Plsticas, Literatura, Dana, Teatro, etc.) na compreenso da historicidade referente tanto ao

    contedo das obras estudadas quanto s suas questes de ordem esttica e/ou de recepo e

    interpretao de seus significados. Busca, portanto, reunir trabalhos que, em sua escrita, unam

    o ofcio do historiador esttica das artes sem abrir mo da diktat acadmica, como diria Paul

    Ricoeur, dando espao pluralidade de linguagens e temticas de pesquisa que estejam em

    sintonia com a renovao historiogrfica vigente nas ltimas dcadas.

    2 - Culturas Polticas, Poder e Imprensa no Brasil Repblica

    Coordenadores: Profa. Dra. Jailma Maria de Lima ([email protected]) Departamento de

    Histria (CERES-UFRN) e Prof. Dr. Arthur Luis de Oliveira Torquato ([email protected])

    Departamento de Histria (IFRN).

    Resumo: O simpsio visa congregar trabalhos que abordem aspectos da histria poltica

    brasileira durante o perodo republicano em suas diversas vertentes. Assim, objetiva a

    realizao de discusses tanto de cunho terico-conceituais ligadas as relaes da cultura

    poltica, do poder e das suas relaes com a imprensa, quanto de questes ligadas a dimenso

    da poltica partidria e das aes cotidianas dos atores polticos.

    3 - Histria Cultural e o Sagrado

    Coordenadores: Prof. Dr. Lourival Andrade Jnior ([email protected])

    Departamento de Histria (UFRN) e Prof. Ms. Andr Luis Nascimento de Souza

    ([email protected]) Departamento de Histria (UFRN).

  • 12

    Resumo: Este simpsio temtico pretende reunir pesquisas que discutam as diversas formas de

    re(ligaes) entre o homem e o sagrado em suas mais variadas manifestaes sensveis,

    gestuais, orais e materiais. Festas, ritos, oraes, africanidades, processos medinicos,

    catolicismo oficial e no oficial, cristianismo ocidental e oriental e manifestaes no crists

    fazem parte do que pretendemos discutir.

    4 - Histria do Corpo: Prticas, Instituies, Sentidos e Saberes

    Coordenador: Prof. Me. Rosenilson da Silva Santos ([email protected])

    Doutorando em Histria UNB.

    Resumo: O simpsio acolhe pesquisas que tm como foco o corpo humano em suas mltiplas

    formas histricas. Sero discutidas as prticas corporais gestuais, laborais, sexuais, religiosas

    (batismo, casamento e morte), esportivas e estticas, assim como os significados dados ao corpo

    no tempo histrico. Consideram-se tambm como pertinentes ao debate desse simpsio

    pesquisas no mbito dos saberes (cientficos ou no) e suas instituies que contemplam a

    dimenso corporal como seu objeto e fim: medicina, sanitarismo, sade pblica, urbanismo,

    demografia, estudos de gnero e raa, cuidados na sade e na doena, teologia, religiosidades,

    hospitais, asilos e clnicas.

    5 - Histria, Educao e Sensibilidades

    Coordenadoras: Profa. Dra. Juciene Batista Flix Andrade ([email protected])

    Departamento de Histria (CERES-UFRN); Profa. Dra. Ana Maria Pereira Aires

    ([email protected]) Departamento de Educao(UFRN).

    Resumo: O simpsio visa congregar trabalhos que reflitam sobre questes relacionadas s

    prticas educativas, cultura escolar e s pesquisas que do nfase constituio das diferenas

    culturais no mbito das relaes de ensino-aprendizagem e suas sensibilidades. Assim, visamos

    discutir aspectos ligados as prticas do cotidiano escolar, aos recursos didticos, aos currculos

    e processos avaliativos, s identidades e diferenas culturais, s questes tnicas e de gnero,

    s estratgias pedaggicas na construo das sensibilidades.

  • 13

    6 - Histria, Historiografia e Memria dos Sertes

    Coordenador: Prof. Dr. Joel Carlos de Souza Andrade ([email protected])

    Departamento de Histria (CERES-UFRN).

    Resumo: Este simpsio temtico pretende congregar trabalhos que busquem discutir os sertes

    como um espao construtor de identidades e suas mltiplas composies historiogrficas e

    histrico-culturais. com esta preocupao que aceitaremos trabalhos que tratem de questes

    relacionadas aos seguintes temas: conceitos, historiografias, memrias e biografias, tradio e

    folclore, cancioneiro, poesia e literatura de cordel, literatura regionalista e outras que fogem a

    este rtulo, seca e gua, mitologias e crenas, amores, espertezas, bandidos, heris e anti-heris

    na tessitura potica (no sentido de gerar, criar, produzir) do espao-serto. Estas artes de

    nomear, pensar, visualizar, enredar, crer e compor tornam os sertes um espao privilegiado

    para gerar outras sensibilidades e relaes perante o outro.

    7 - Micro-Histria: Perspectivas recentes

    Coordenador: Prof. Dr. Almir de Carvalho Bueno ([email protected]) Departamento de

    Histria (CERES-UFRN).

    Resumo: O Simpsio pretende acolher trabalhos que discutam as experincias e as perspectivas

    da abordagem micro-histrica na primeira dcada do sculo XXI, particularmente os que sejam

    frutos de reflexes a partir de pesquisas desenvolvidas no mbito das universidades brasileiras.

    8 - Patrimnio Cultural e Serto: Diversidades, prticas, polticas e gestes

    Coordenador: Prof. Dr. Fbio Mafra Borges ([email protected]) Departamento

    de Histria (CERES-UFRN).

    Resumo: A diversidade tipolgica do que chamamos de Patrimnio Cultural tem crescido

    exponencialmente, nas ltimas dcadas. A ideia de localidades, comunidades e populaes sem

    bens culturais que possam ser considerados Patrimnios Cultural tem, gradativamente,

    cado por terra. Nesse sentido, a gesto patrimonial, levada a cabo pelas instituies de

    preservao IPHAN, tende timidamente a ultrapassar os limites dos grandes centros urbanos

    e abarcar os espaos e as regies outrora relegados a segundo plano. Ou ainda, desconsideradas,

    quando o assunto gesto patrimonial. Partindo dessa constatao, o presente simpsio

    temtico tem como objetivo agregar os trabalhos e pesquisas que considerem esses bens

  • 14

    culturais, dispersos pelo espao geogrfico e sociocultural que denominamos, Serto,

    localizado, em sua maior poro, no Nordeste brasileiro. Stios arqueolgicos pr-histricos

    e histricos, centros urbanos, paisagens culturais, lugares de memria, saberes e fazeres,

    festividades, entre outros, so alguns dessas manifestaes culturais, que urgem sua

    preservao e ativao social. Logo, discutir modelos, polticas e prticas de gesto patrimonial,

    desse amplo acervo cultural sertanejo, o principal objetivo dos debates previstos.

    9 - Histria dos Sertes no Perodo Colonial

    Coordenador: Prof. Dr. Helder Alexandre Medeiros de Macedo ([email protected])

    Departamento de Histria (CERES-UFRN).

    Resumo: O simpsio temtico abrigar investigaes cujo objeto de estudo esteja focado no

    recorte espacial dos Sertes, entendido, aqui, em seu sentido lato e na temporalidade do perodo

    colonial. Privilegiar-se- temticas ligadas Histria Social e Cultural, mas, contribuies

    conectadas a outras dimenses do conhecimento sero, tambm, acolhidas.

    10 - Histria Indgena em Sala de Aula: Entre cristalizaes e resistncias

    Coordenadora: Profa. Dra. Cludia Cristina do Lago Borges ([email protected])

    Departamento de Histria (UFPB).

    Resumo: A implantao da Lei 11.645, que inclui o contedo sobre os povos indgenas no

    Ensino Bsico trouxe, aparentemente, um alento para que as escolas trabalhassem de forma

    mais ampla a histria desses povos originrios do Brasil. Entretanto, o que se v na prtica a

    permanncia da viso cristalizada e retratada na iconografia e nos textos de cronistas e viajantes

    do perodo colonial. Considerando as questes apresentadas, a proposta deste espao

    promover o debate e a reflexo sobre as prticas, metodologias e discursos presentes nos

    materiais didticos, na formao do decente e no cotidiano escolar ao apresentarem o tema dos

    povos indgenas em sala de aula.

    11 - Espao, Cultura e Poder no Mundo Antigo

    Coordenadora: Profa. Dra. Airan dos Santos Borges ([email protected]) Departamento

    de Histria (CERES-UFRN).

  • 15

    Resumo: Entendemos que o estudo da Antiguidade, presente em nossos dias em conceitos e

    smbolos, configura-se em um importante meio de compreender nossa prpria sociedade a partir

    dos eixos conceituais que nos unem. Nesse sentido, o presente Simpsio tem como objetivo

    geral fomentar o debate ao viabilizar um espao de dilogo acerca do Mundo Antigo junto ao

    Colquio de Histria Cultural e Sensibilidades.

    12 - Arqueologia Histrica no Espao Regional: abordagens, temas e pesquisas

    Coordenadores: Prof. Dr. Roberto Airon Silva ([email protected]) Departamento de

    Histria (UFRN); Prof. Dr. Abraho Sanderson Nunes Fernandes da Silva

    ([email protected]) Departamento de Histria (UFRN).

    Resumo: A proposta deste Simpsio Temtico reunir num espao oportuno dentro do

    Colquio Nacional Histria Cultural e Sensibilidades, parte considervel da riqueza de

    abordagens e da diversidade de pesquisas e mtodos que tm se desenvolvido no mbito

    acadmico e da arqueologia preventiva no contexto local norte-rio-grandense e no contexto

    regional Nordeste. Primeiramente, merece destaque a produo de teses de doutorado,

    dissertaes de mestrado e monografias de graduao e especializao em arqueologia, na

    qualidade de investigaes desenvolvidas por profissionais arquelogos em atuao e tambm

    por estudantes desses cursos. Tais trabalhos, foram e so desenvolvidos a partir de temticas e

    abordagens inseridas no campo da arqueologia histrica e pertinentes ao contexto regional,

    dentro das universidades em cujos cursos de graduao e/ou programas de ps-graduao tais

    trabalhos foram apresentados. Em segundo lugar, se sobressaem tambm as aes de

    identificao de stios, prospeco, sondagens e escavaes realizadas na esfera dos trabalhos

    contratuais em arqueologia preventiva, os quais tm desenvolvido pesquisas nas quais tanto os

    stios quanto os materiais arqueolgicos recuperados tm ampliado sobremaneira as

    informaes sobre as ocupaes histricas atravs de seus resultados. Em terceiro e ltimo

    lugar, deve-se considerar tambm o desenvolvimento de pesquisas e aes em temticas

    relacionadas a arqueologia pblica, onde se sobressaem a educao patrimonial, a musealizao

    da arqueologia e o ensino da arqueologia, no desempenho de profissionais e estudantes da

    arqueologia junto a outros campos das cincias humanas e sociais. Esses ltimos, tm includo

    em suas problemticas de estudo os acervos e o estudo da cultura material histrica presente no

    contexto regional, bem como a relao dessas aes arqueolgicas com as demandas sociais e

    necessidades socioeconmicas e culturais de comunidades ou grupos sociais direta ou

  • 16

    indiretamente associados ao contexto arqueolgico dos stios e relacionados ao processo

    identitrio dos vestgios materiais identificados e pesquisados.

    13 - Cultura da memria: prticas, subjetividades e usos pblicos

    Coordenadores: Prof. Me. Hildebrando Maciel Alves ([email protected]) (UECE); Prof.

    Me. Vagner Silva Ramos Filho ([email protected]) (UERN)

    Resumo: O simpsio pretende agregar trabalhos que abordem a cultura da memria enquanto

    fruto de prticas articuladas por instituies, grupos e indivduos em diferentes cenrios de

    acordos e conflitos. So de interesse para este espao as pesquisas que privilegiem o estudo das

    subjetividades que demarcam as lembranas, os silncios e os esquecimentos em torno dos usos

    do passado, das demandas do presente e dos vislumbres de futuro, realizadas a partir de vrios

    aspectos, tais como: oralidades, comemoraes, festas, folclore, patrimnio, biografias,

    literatura, arte e escrita da histria. O convite de participao se estende a pesquisadores,

    professores, estudantes e interessados em geral nessas temticas. Trata-se, portanto, de lugar

    para pensar coletivamente os desafios e possibilidades que se impem diante dos inmeros usos

    e abusos mnemnicos envolvidos na produo do conhecimento histrico.

  • 17

    TEXTOS COMPLETOS

    1 - Artes e Linguagens na Histria: Pesquisas, Escritas, Desafios,

    Possibilidades

    Coordenadores: Prof. Me. Elton John da Silva Farias ([email protected]) PPGH

    (UFCG/USP) e Prof. Dr. Gervcio Batista Aranha ([email protected]) - Departamento de

    Histria (UFCG).

    A FIGURA DO EXILADO EM JOSEPH CONRAD A PARTIR DE UMA

    PERSPECTIVA SAIDIANA

    Rafael Oliveira Sousa1

    RESUMO:

    A presente produo tem como objetivo apresentar descritivamente a figura do exilado nos

    romances Lord Jim e Amy Foster escritos por Joseph Conrad. Compreender o que a figura do

    exilado, sua relao com o Outro (A sociedade onde ele agora est inserido), suas relaes

    de desenraizamento, como tambm de tentativa de preservao cultural. No que se refere s

    questes culturais o conceito de Transculturao e Hibridismo sero fundamentais para garantir

    a compreenso do exlio como sendo uma zona de contato entre o Eu e o Outro, Fernando

    Ortiz e Homi Bhabha sero utilizados para garantir essa conexo. Para compreender o exlio

    Edward Said e Tzvetan Todorov sero utilizados como referenciais tericos. A pesquisa ir

    contar como metodologia a pesquisa bibliogrfica e anlise da representao a partir da

    concepo do historiador francs Roger Chartier. O objetivo desse artigo concluir que nas

    produes de Joseph Conrad est presente a figura do exilado e que nesse momento existe tanto

    desenraizamento como tambm preservao cultural da figura de quem est no exlio.

    Palavras chave: Exlio; Exilado; Lord Jim; Amy Foster; Histria; Literatura.

    ABSTRACT:

    The present production aims to present descriptively the figure of exile in the novels Lord Jim

    and Amy Foster written by Joseph Conrad. To understand what is the figure of the exile, his

    1 Mestrando em Histria pela Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), Campus de Recife - Brasil. E-mail:

    [email protected]

  • 18

    relation to the "Other" (The society where he is now inserted), his relations of uprooting, as

    well as of attempt of cultural preservation. Regarding cultural issues, the concept of

    Transculturation and Hybridism will be fundamental to guarantee understanding of exile as a

    zone of contact between the "I" and the "Other", Fernando Ortiz and Homi Bhabha will be used

    to guarantee this connection. To understand the exile Edward Said and Tzvetan Todorov will

    be used as theoretical references. The research will count as methodology the bibliographical

    research and analysis of the representation from the conception of the French historian Roger

    Chartier. The purpose of this article is to conclude that in the productions of Joseph Conrad is

    present the figure of the exile and that at that moment there is both uprooting as well as cultural

    preservation of the figure of those who are in exile.

    Keywords: Exile; Exiled; Lord Jim; Amy Foster; History; Literature.

    INTRODUO

    Este trabalho tem como objetivo principal analisar o exlio a partir do vis cultural, o

    desvinculando de uma anlise exclusivamente terica, pontuando e destacando as

    sensibilidades que envolvem esse processo. De algum modo se tem a inteno de pr em

    questo a historiografia que versa acerca do tema, o que se quer enriquecer o debate

    historiogrfico dando nfase nas questes humanas (Sensibilidade). Para tanto, sero utilizados,

    como fontes, dois romances escritos durante os sculos XIX e XX, so eles Lord Jim2 e Amy

    Foster3, escritos por Joseph Conrad entre 1899 e 1901.

    Utilizar-se- os escritos de Edward Said para nortear teoricamente esse trabalho tendo

    em vista os estudos do intelectual palestino que versam acerca da temtica do exlio e do

    exilado. Tzvetan Todorov ser fundamental para estabelecer um dilogo com os escritos

    Saidianos e estabelecer uma conexo de ideias. A produo analisar detalhadamente a figura

    dos exilados presentes nesses romances, fazendo as conexes com o local de fala do autor e

    suas experincias, estabelecendo a uma relao entre o que se narra e as vivencias de quem

    narra.

    A metodologia aplicada ser a anlise da representao da figura do exilado a partir da

    concepo do historiador francs Roger Chartier aplicada aos romances Lord Jim e Amy

    Foster. A inteno evidenciar e compreender como os exilados so representados na

    2CONRAD, Joseph. Lord Jim. So Paulo: Ed. Abril Cultural, 1982.

  • 19

    produo Conradiana, ou seja, compreender como um exilado, narra as experincias de exlio

    de outros exilados.

    O exlio nos compele estranhamente a pensar sobre ele, mas terrvel de experimentar.

    Ele uma fratura incurvel entre um ser humano e um lugar natal, entre o eu e seu verdadeiro

    lar: sua tristeza essencial jamais pode ser superada (SAID, 2003, p. 46). Com esse fragmento

    extrado da obra intitulada Reflexes sobre o exlio, do intelectual Palestino, Edward Said,

    iniciamos nossas elucubraes acerca da ideia de exlio e exilado a partir das obras do polaco

    naturalizado britnico, Joseph Conrad por um vis saidiano4 de anlise.

    Pensar o exlio pensar a quebra, a ruptura que um indivduo sofre, ele retirado,

    expulso de seu lugar natal, sem possibilidade alguma de regresso, ele se torna um homem agora

    sem ptria, um expatriado. Tomar o exlio meramente como a proibio de regresso a sua terra

    natal negar a sensibilidade do indivduo, um apagamento gradativo do sujeito, pois ignora

    o que ele sente. O exlio violento, vil, sombrio, doloroso, a existncia de uma perspectiva

    positiva para o exlio mnima e est presente em um grupo mnimo de exilados - Artistas e

    Intelectuais - que lograram xito durante o exlio.

    comum se dar destaque as produes de exilados, pela fora e contundncia que elas

    apresentam, mas o exlio em si, vai mais adiante, um deslocamento de um local de

    pertencimento, o indivduo retirado de seu lugar, o de onde ele pertence. A moderna cultura

    ocidental , em larga medida, obra de exilados, emigrantes, refugiados (SAID, p. 46)

    Pensar o exlio pensar tambm as incontveis massas populacionais que so

    deslocadas com o carter de exilado e refugiados, esses, os indivduos comuns, formam a

    maioria do corpo do exlio, e no logram o mesmo xito que nomes como Edward Said, Joseph

    Conrad, Vladimir Nabokov. So jogados de um lado para o outro como indivduos sem nome,

    so somente nmeros, milhares deles.

    Mas como se pensar o exlio? Ele fruto de algo, esse algo a violncia, o totalitarismo,

    a imposio de normas, transgredi-las leva a esse estgio, leva ao exlio, a essa violncia.

    Tzvetan Todorov, em O homem desenraizado apresenta essa faceta, o ato provocador do

    exlio, o seu estopim. O autor blgaro, narra a os detalhes de sua vida na Bulgria, as

    perseguies e o medo que o fizeram se exilar na Frana, ele foi desenraizado. Toda ruptura,

    toda ciso no so fatalidades (TODOROV, 1996).

    A ideologia nazista muito diferente da ideologia comunista; mas a mquina

    do terror est igualmente presente aqui e l [...]. O terror uma ameaa de

    4 Saidiano Perspectiva de anlise que advm das concepes do intelectual palestino, Edward Said.

  • 20

    morte ou de represso, e sabemos no se tratar apenas de uma palavra solta no

    ar. Uma vez instalado na sociedade, transforma-a profundamente. Em

    nenhuma sociedade os homens se alegram espontaneamente com a felicidade

    do prximo; muito pelo contrrio, o sofrimento de uns que faz a alegria dos

    outros [...] (TODOROV, 1996, p. 37)

    No fragmento retirado da obra de Tzvetan Todorov ele destaca a represso e a violncia

    nos regimes totalitrios, seja no nazismo ao comunismo - Cabe ressalva, um dos erros de

    Todorov associar deliberadamente o Comunismo ao totalitarismo, o que se viu na Unio

    sovitica no fora o comunismo, foram deturpaes, em especial, a moda stalinista - a violncia

    do totalitarismo garantida pelo medo de muitos e o sucesso de poucos. O sofrimento de

    muitos, causa a alegria de poucos, dos que compem a burocracia administrativa, no com base

    nas ideias weberianas acerca da concepo da burocracia, mas o espao de administrao

    pblica utilizada para locupletar um indivduo ou alguns indivduos com base no medo de toda

    uma sociedade.

    As prticas de violncia, o terror, o medo, a privao de condies minimante descentes

    para sobrevivncia e bem-estar humano, esto presentes nas sociedades que so levadas

    adiantes por regimes totalitrios. No existe dilogo, ou cala-se ou foge, o indivduo agora

    um refugiado. Caso no padea ante as amarras do silncio, ele expulso, como muitos

    intelectuais, ou seja, o exilado. A causa do exlio a violncia, a perseguio, ele advm de

    uma situao insustentvel, na qual no h liberdade de expresso e garantias de preservao

    dos direitos humanos.

    Said prope um dilogo denso e bastante complexo quanto questo do exlio e do

    nacionalismo, duas categorias distintas, mas que se interligam. O exilado, para manter vivo seu

    sentimento de pertencimento a um lugar leva adiante um nacionalismo, esse o fortalece, o liga

    ao local onde ele outrora esteve presente, o nacionalismo pode ser visto como a vlvula de

    escape do exilado, ele defende seu sentimento de pertencimento.

    Muito embora o Nacionalismo consiga nutrir esse sentimento de pertencimento do

    indivduo com o passar do tempo eles tendem a levar adiante uma ideia de verdade e por ser

    verdade o outro que no se enquadra em suas caractersticas tido como deslocado, como o

    diferente, empurrado para a fronteira e acaba sendo marginalizado. Para pensar o Exlio e o

    Nacionalismo, prudente cautela, pois so ideias completamente distintas, mas que em dado

    momento caminham juntas.

    O Nacionalismo mostra-se violento, segregador, a histria nos apresenta isso,

    movimentos nacionalistas, como o Pan-germanismo, Pan-eslavismo e muitos outros, deram

  • 21

    origens a conflitos interminveis, como a Primeira Grande Guerra e validaram massacres,

    genocdios em nome de uma suposta pureza para a ptria.

    Escolher Edward Said e Joseph Conrad tem um significado muito grande, ambos so

    figuras que foram exiladas por regimes violentos e extremistas, Conrad nasce na Polnia, essa

    que posteriormente ser ocupada pelo regime carcomido da monarquia Czarista russa, oriundo

    de uma famlia militante, engajada em pr fim ao domnio russo na Polnia. Aos 17 anos inicia

    sua carreira como marinheiro ao destinar-se para Marselha com seu tio, depois de prestar

    servio a marinha francesa passa a integrar o corpo naval britnico, encerra sua vida como

    romancista radicado na Inglaterra.

    Said tambm representa a figura de um exilado, filho de uma rica famlia de Jerusalm,

    nascido antes da ocupao e da violenta diviso da Palestina em 1948 para fazer surgir assim o

    estado de Israel, emigra para o Cairo e depois para os Estados Unidos, onde finalmente se

    radica. Edward Said a primeiro momento um emigrado, mas depois entra na categoria de

    exilado, pois um fervoroso militante dos direitos dos palestinos e opositor ao violento regime

    sionista que comanda Israel. Fora considerado persona non grata naquele pas aps

    denunciar os intensos abusos e violaes de direitos humanos por parte do regime sionista a

    populao palestina.

    Abordar o exlio a partir da perspectiva de Said pelas obras de Conrad evidenciar a

    figura do exilado em uma literatura feita por exilado a partir das concepes de um outro

    exilado. A literatura sendo vista pela histria como fonte, no vista de cima e nem de baixo,

    mas lateralmente a ela, pois sem fontes no se pode fazer pesquisa histrica, deste modo, a

    literatura conradiana5 fundamental para o desenvolvimento desse trabalho.

    Sero utilizados como fontes dois romances do autor supracitado, Lord Jim de 1899

    e Amy Foster de 1901, ambos romances de pocas que narram histrias de nufragos em que

    chegam a seu fim como muitos heris conradianos [...] resultado de uma combinao de

    isolamento esmagador e indiferena do mundo (SAID, p. 53).

    Lord Jim um romance escrito pelo polaco naturalizado ingls, Joseph Conrad. Foi

    publicado de forma serial pela revista Blackwood's6 entre Outubro de 1899 e Novembro de

    1900, o romance subdividido em 3 partes; a 1 uma aventura martima, como tambm um

    desastre no navio Patna, uma embarcao que transportava peregrinos muulmanos. Jim

    5 - Conradiana Obras e perspectivas de escrita posta em pratica pelo escritor polaco Joseph Conrad. 6 - Revista britnica com tiragens entre os anos de 1817 e 1980. Foi fundada por William Blackwood e inicialmente

    funcionou com o nome de Edinburgh Monthly.

  • 22

    aparece neste momento inicialmente de maneira andina, durante o naufrgio do navio ele toma

    uma importncia que o seguir por todo o decurso da histria. Essa importncia devida a

    impossibilidade de ajuda aos peregrinos muulmanos durante o naufrgio.

    O segundo momento de clmax da narrativa, o julgamento de Jim pela ocasio do

    naufrgio do Patna; todos os outros tripulantes escapam deste penoso momento, mas Jim o

    nico que no consegue se desvencilhar dele e tem sua licena caada. neste momento do

    julgamento que ele conhece e chama a ateno de Marlow, quem agora passa a narrar toda a

    histria de Jim.

    Sem a licena de marinheiro e segundo-imediato (Cargo ocupado por Jim no Patna) e

    com a culpa de ter fugido sem prestar auxlio aos peregrinos daquele navio, Jim necessita da

    ajuda de Marlow para conseguir um emprego. A partir da se desdobra a terceira parte da

    narrativa. O jovem segue para uma ilha chamada Patusan7, um pas fictcio, mas que segundo

    as descries de Conrad se encontra no Sudeste Asitico, por vezes seus habitantes chegam a

    serem descritos por Marlow como malaios. S ali Jim consegue se livrar do temor de sua culpa,

    pois ningum o conhece, ele um estranho.

    O descrdito na figura de Jim acontece aps a chegada de Brown, um pirata, no Patusan.

    Este saqueia e vitima dois dos habitantes locais, sedo um deles filho do chefe da tribo, Doramin.

    Como forma de punio, Jim morto por Doramin, findando a terceira e ltima parte do

    romance.

    A obra de Joseph Conrad aqui analisada apresenta no personagem Jim, a figura de um

    indivduo exilado, aquele que perseguido em sua terra. Jim, foge e encontra refgio no

    Patusan, como fora acima descrito.

    Fazer pesar sobre Jim uma sentena pior que a morte [...] Abandonando, na

    hora do perigo, as existncias e os bens confiados a sua guarda [...] Por essas

    razes ... [...] Jim olhava, de lbios entreabertos, suspenso da sentena que ia

    pronunciar aquele homem oculto por detrs de sua mesa (CONRAD, 1982, p.

    111 e 112)

    Os fragmentos transcritos acima fazem aluso ao processo de julgamento e pena do

    jovem Jim, nesse processo ele acusado e culpado pela tragdia do Patna, perde sua permisso

    para navegar, perseguido e rotulado de covarde, a culpa, a dor e a desolao o so

    7 - Local fictcio utilizado por Joseph Conrad em Lord Jim, pela descrio dada possvel situar o Patusan como

    estando localizado no sudeste asitico, nas proximidades da malsia.

  • 23

    extremamente presentes em sua prpria ptria. Ele se v forado a fugir dessa dor, ou ele sai de

    seu pas, ou ir fenecer pela misria.

    A figura do exilado confunde-se com a do expatriado, no primeiro caso, ele obrigado

    a exilar-se, geralmente, perseguido por um regime poltico, no segundo, o exlio voluntrio,

    o expatriado sente a presso externa a sua vida e sa, exila-se do seu pas. A figura de Jim,

    uma mistura, um mix de ambas definies, pois, ele julgado e acusado pelo governo, mas

    obrigado, indiretamente a fugir, pois, dele fora retirado seu ganha po e fora imputado perante

    toda uma sociedade a alcunha de covarde e criminoso.

    O que se que deve levar em conta, no o prprio conceito, muito embora, no se possa

    fugir dele, mas sim, as sensibilidades e a questo humana que est presente na figura do exilado,

    a dor, as estratgias (Agncias) para garantir sua integrao na sociedade e respectivamente

    garantir sua sobrevivncia. No se pode fugir desse ponto, a sensibilidade, como o prprio

    Tzvetan Todorov e Edward Said destacam, o homem perde seu local, fica desenraizado,

    sente-se s, longe dos seus, mas cria estratgias, agencia sua vida ante a nova sociedade em que

    est inserido.

    Um dia ou outro uma virada da sorte h de fazer encontrar tudo de novo! [...]

    Dir-se-ia que a solido uma condio terrvel e absoluta da existncia. [...]

    No posso ficar no mesmo lugar ... Era disto mesmo que eu tinha necessidade!

    [...] No posso em verdade culpar muito Jim, mas foi por certo um lamentvel

    incidente, uma dessas tolas rixas de bar que ps as voltas com Jim uma espcie

    de dinamarqus. [...] (CONRAD, 1982, p. 126, 130 e 140)

    Os excertos acima transcritos apresentam questes nevrlgicas para a vida do exilado

    ou do expatriado, a solido, sentir-se s e isolado mesmo estando cercado por uma multido,

    possvel que o indivduo no se integre na sociedade que o recebe e sua vivncia ali seja

    marcada por um intenso saudosismo e desejo de retorno a sua terra, nesse nterim, ele

    desenvolva um exacerbado nacionalismo, que, como fora pontuado acima, uma via de mo

    dupla, pois cria fronteiras e verdades e quem no se enquadra em seu modelo tido como

    deslocado.

    A figura de Jim fora perseguida pela culpa causada pela acusao acerca do naufrgio

    do Patna, ele tortura-se e torturado pelo apontamento de terceiros, reconhece que no se

    mais possvel permanecer ali, deve ir para um outro local, mas espera um dia poder voltar ao

    seu lugar quando tudo aquilo vir a passar. A relao de Jim com o exlio tem uma caracterstica

    particular, ela marcada por sua aceitao ao local do exlio, o jovem garoto se reconhece

  • 24

    naquela terra, enxerga a confiana daquela gente, da gente do Patusan, e toma isso como motivo

    para ficar.

    A terra selvagem no lhe causava medo. [...] Era l que ele iria viver no futuro,

    e l encontraria bastante animao, podia acreditar. - Sim! Sim - Disse ele

    vivamente, Tinha ele manifestado o desejo, prosseguia eu inexoravelmente,

    de fechar a porta atrs de si ... [...] Olhe essas casas; no h nenhuma onde no

    tenham f em mim! Por Jpiter! Eu bem lhe havia dito que saberia ficar ... [...]

    (CONRAD, 1982, p. 161, 174 e 175)

    Jim sentia-se seguro e aceito no Patusan, o seu exlio era o responsvel por afast-lo de

    sua culpa, da dor e das acusaes que o perseguiam. O exlio doloroso e solitrio, mas, alguns

    indivduos conseguem fazer dele uma vlvula de escape. Quando perguntei Seattle?, Noubar

    sorriu com resignao, como se dissesse, melhor Seattle do que a Armnia, que ele nunca

    conheceu, ou a Turquia, onde tantos foram massacrados. (SAID, 2003). A nova terra, em

    algumas vezes, reflete a porta fechada para o passado, aberta para uma nova vida.

    Ao dizer que no existia casa no Patusan que nele no tinha f, Jim sentia-se til aquela

    gente, um, no meio de tantos, que seria o responsvel por facilitar e conduzir a vida de muitos.

    Algo simblico, haja vista, que ele outrora havia sido acusado de negligncia com a vida do

    grupo de peregrinos do Patna. Partir do Patusan, regressar, voltar a sua terra natal, era

    impossvel, ele era impedido por sua condio de culpa, ele sabia que no poderia voltar, que

    no era sensato voltar. Agora, zelava por aquela terra que o recebera.

    No incio de minha temporada na Frana, eu procurava - e consegui mais tarde

    - a assimilao mxima. Falava exclusivamente em francs, evitando os

    antigos compatriotas; podia, de olhos fechados, reconhecer os diferentes

    vinhos e queijos do pas; apaixonava-me exclusivamente por mulheres

    francesas...Este movimento teria podido prolongar-se indefinidamente, sem

    provocar nenhum terremoto: teria resultado, ao final da operao, um menos

    blgaro e um mais francs. O saldo teria sido nulo, sem perda nem ganho para

    a humanidade. (TODOROV, 1996, p. 24)

    Tzvetan Todorov fala de sua experincia de exlio, de ser, segundo ele, um homem

    desenraizado, que perdera suas razes ao sair da Bulgria. A semelhana entre Todorov e Jim

    fcil de se evidenciar, dois indivduos buscando esquecer suas origens e centra-se quase que

    por completo na nova experincia de vida. De fato, impossvel que se exista um apagamento

    por completo das marcas do passado, das prticas culturais, como o prprio Todorov aventa,

    mas, o que se pode inferir a que em ambos existiu a necessidade de integrao com o novo

  • 25

    espao. Tanto blgaro quanto Jim, fogem de seu passado, preferem fechar a porta do que deix-

    la entre aberta.

    Dando prosseguimento a questo da integrao em uma nova sociedade, impossvel

    furta-se ao debate acerca da hibridizao cultural, um contato entre duas culturas resultando em

    um movimento hbrido. Perder a cultura de origem, aculturar-se, um movimento impossvel,

    no se perde uma cultura, uma vez influenciado por ela, o indivduo no a apaga, ele a hibridiza.

    Estou aqui h apenas dois anos, mas agora, palavra, no me concebo a ideia

    de viver em outra parte [...] Jim se conservava de p, diante dele, hirto, de

    cabea nua, sob a luz das tochas [...] Apontou a arma para o peito do amigo

    de seu filho. A multido que se afastara de trs de Jim ao ver o velho erguer o

    brao precipitou-se tumultuosamente para diante aps o disparo da arma [...]

    Caiu para a frente, morto. (CONRAD, 1982, p. 218 e 287)

    O exlio, como fora colocado ao longo das pginas que at aqui se sucederam pode ser

    visto como oportunidade, como vlvula de escape, como porta de sada para pr fim a

    perseguies, culpas e massacres, mas o exlio tambm (Em sua maioria das vezes) cruel, sem

    sentido e violento, essas caractersticas so evidentes no romance Lord Jim, a violncia que

    se abate sobre Jim em boa parte notria, por mais que ele sinta-se bem naquele lugar, ele no

    uma unanimidade.

    A morte do jovem personagem conradiano mostra a violncia e o lado sombrio do exlio

    e da vida do exilado. A impossibilidade ou dificuldade de retorno submete homens e mulheres

    as mais distintas formas presso e dor. Jim e sua morte sem sentido coroam o estilo Conrad de

    escrita, no qual Cada exilado em Conrad teme e est condenado para sempre a imaginar o

    espetculo de uma morte solitria, iluminada, por assim dizer, por olhos indiferentes, sem

    comunicao. (SAID, 2003)

    Ainda no mote das anlises das obras conradianas, entramos em Amy Foster, um breve

    romance publicado em 1901 pelo polaco Joseph Conrad. Nesse romance, destaca-se a questo

    da figura do exilado. O nufrago Yanko Gooral o personagem principal. Ao tentar dirigir-se

    para Amrica, terra onde os indivduos enriqueceriam com maior facilidade, o seu navio

    naufraga na costa inglesa, e ele est jogado a prpria sorte. Conrad descreve detalhadamente o

    estado doloroso e de sofrimento dos emigrantes dentro daquele navio.

    Yanko Goorall representa a figura do outro, do excntrico, aquele que visto de soslaio,

    com desconfiana, o que no est integrado na sociedade. Essa percepo do personagem

    possvel associar com a questo do exlio, alguns exilados (boa parte deles) so visto com

  • 26

    desconfiana pela sociedade na qual esto agora presentes, eles em tese no so dignos de

    confiana, so postos em patamar de inferioridade.

    El mismo tuvo grandes dificultades para ser aceptado, y el hombre venerable

    del uniforme se vio obligado a abandonar la habitacin varias veces para

    telegrafiar en su nombre [...] !Ah! el era diferente: inocente de corazon y lleno

    de una bondad que nadie parecia desear, aqul pobre naufrago era como um

    hombre transplantado a outro planeta, separado de su passado por una inmensa

    distancia y de su futuro por uma inmensa ignorancia. (CONRAD, 2010, p. 11

    e 25)

    Os fragmentos transcritos acima mostram a diferenciao da figura do exilado, ele

    visto como sendo aquele que teve as mais variegadas dificuldades para ser aceito. Era visto

    como ignorante, inocente, aquele que no tinha porte para liderar. Yanko Goorall representa de

    fato o exilado.

    A relao com cultura do Outro destacada por Todorov ao narrar sua prpria

    experincia de blgaro exilado na Frana e sua desesperada tentativa de prprio apagamento

    cultural. O que j fora pontuado como sendo impossvel, tendo em vista a fluidez da cultura que

    a encaminha para o hibridismo.

    A partir de ambas as obras conradianas possvel compreender um pouco as dimenses

    humanas da questo do exilado, o sofrimento, a dor fsica e psicolgica, o deslocamento e at

    mesmo o desenraizamento, conforme pontua Todorov. possvel dizer que no existe

    imparcialidade discursiva, Michel de Certeau em A escrita da histria faz essa afirmao,

    destarte, possvel aventar que nos escritos conradianos, no que se refere a figura do exilado o

    prprio Conrad se coloca. Ele o exilado, o que no se insere, por mais tempo que esteja na

    sociedade inglesa, ele no considerado um ingls, para ele, dificultosa essa integrao.

    A inteno de Conrad problematizar sua prpria vivncia, mostrar a realidade de

    exilado. Ele mesmo, perseguido na Polnia, fugiu para a Frana e logo em seguida a Inglaterra,

    onde, em ambos, serviu a marinha mercante desses pases, um exemplo de tentativa de

    integrao social.

    Ainda seguindo no romance Amy Foster possvel evidenciar o exlio como sendo

    possibilitador de pontos positivos. O exlio ambivalente, apresenta um carter dbio, em

    particular para certos indivduos. Habia encontrado el oro que buscaba. Era el corazn de Amy

    Foster, um corazn de oro, capaz de conmoverse ante el sufrimiento ajeno decia com absoluta

    conviccin. Nesse ponto, evidencia-se a figura de Yanko Goorall, um indivduo

    marginalizado, vilipendiado durante o exlio, mas ali, ele encontra algo to valioso quanto o

  • 27

    ouro, o amor da jovem Amy Foster, o exlio o abraa o indivduo, o abraa e o leva a total

    submisso e domnio.

    Amy Foster segue a lgica da escrita conradiana, o indivduo chave da narrativa

    encontra-se exilado, visto de fora e no aceito pela sociedade na qual se insere a posteriori.

    Yanko, o exilado, sofre nessa sociedade a no aceitao de uma maioria, mas aceito, como

    ele mesmo diz, pela jovem Amy Foster, desta feita, possvel ver o abrao de parte da sociedade

    ao exilado, aquele Outro, parte da jovem garota, esta, que criticada a todo momento por

    interagir com esse que vem de fora, com esse que estranho, que foge da normativa padro. O

    Exlio o abraa, mas esse abrao o da submisso.

    caracterstico da escrita conradiana o carter dbio, em Lord Jim, tambm se

    evidencia essa postura, ele apresenta a primeiro momento ps-exlio como sendo integrado

    pela sociedade na qual se insere, mas logo depois, essa mesma sociedade o pune. Do mesmo

    modo, em Amy Foster, o exlio tambm pune o indivduo, por mais que seja aceito por alguns,

    como a jovem Amy, ele renegado por essa mesma, morre de forma estpida, padece de sede

    decorrente uma febre. A jovem garota aps casar-se com o exilado, Yanko Gooral, comea a

    perceber as diferenas existentes entre ambos, acha-o estranho, diferente, a ponto de no mais

    interagir como fora colocado no incio do romance.

    Faz-se prudente discorrer acerca da questo do contato cultural existente durante o

    exlio, duas perspectivas distintas, mas que se influenciam mutuamente. Diferente do que

    pontua Tzvetan Todorov, a questo do desenraizamento por completo perde um pouco do

    sentido, no se possvel dizer que exista apagamento cultural (Aculturao), o que de fato

    ocorre uma troca de influncias por parte dessas culturas, ou, como pontua Homi Bhabha,

    ocorre uma hibridizao cultural, elementos de uma cultura, encontram-se em outras por

    assimilao.

    Os embates de fronteiras acerca da diferena cultural tm tanta possibilidade

    de serem consensuais quanto conflituosos; podem confundir nossas definies

    de tradio e modernidade, realinhar as fronteiras habituais entre o pblico e

    o privado [...] O trabalho fronteirio da cultura exige um encontro com o

    novo que no seja parte do continuum de passado e presente. Ele cria uma

    ideia de novo como ato insurgente de traduo cultural (BHABHA, 1998, pp.

    21-27).

    Bhabha pontua a questo da fronteira, mas prudente destacar que a fronteira no

    meramente geogrfica, a fronteira o Outro, o novo, e nesse contato destaca-se o movimento

    de troca, a via de mo dupla, onde as influncias so trocadas entre esses sujeitos. O conceito

  • 28

    de hibridizao cultural como apresentado por Homi Bhabha, englobado pela ideia de

    transculturao, exposta pelo escritor cubano, Fernando Ortiz. O conceito apresentado por Ortiz

    designa uma estratgia de sobrevivncia cultural via escamoteamento, seria a aceitao parcial

    da cultura vencedora, para que, deste modo, pudessem preservar algo de sua cultura, dessa

    mesma forma possvel sugerir que ocorre com o exilado e com a sociedade que o recebe.

    Em ambos os romances apresentam a vivncia do exilado. Conforme pontua Said, o

    exlio no romntico, ele frio, duro, mostra a dor e a perseguio do diferente por uma

    sociedade que no a dele. A inteno aqui romper com conceitos, mostrar a escrita de um

    exilado (Joseph Conrad) acerca de exilados (Lord Jim e Yanko Gooral) pela perspectiva de um

    exilado (Edward Said). Romper conceitos no significa fugir por completo de uma perspectiva

    terica, mas sim flexibilizar um debate, trazer a lume a sensibilidade da questo, no falar pelo

    outro, mas expor o que o outro falou.

    REFERNCIAS

    BHABHA, Homi. O Local da Cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998.

    CONRAD, Joseph. Lord Jim. So Paulo: Ed. Abril Cultural, 1982.

    CONRAD, Joseph. Amy Foster. So Paulo: Ed. Abril Cultural, 1982.

    HOBSBAMW, Eric; Era dos Imprios - 1875 - 1914-Rio de. J: Ed. Paz e Terra, 1992.

    SAID, Edward. Cultura e Imperialismo. So Paulo: Ed. Companhia das Letras, 2011.

    SAID, Edward. Orientalismo. So Paulo: Ed. Companhia das Letras, 2007.

    SAID, Edward. Reflexes sobre o exlio e outros ensaios. So Paulo: Ed. Companhia das

    letras, 2003.

    TODOROV, Tzvetan. O homem desenraizado. So Paulo: Ed. Record, 1999.

  • 29

    A PESSOA, SEJA HOMEM OU MULHER, QUE NO TEM PRAZER EM UM BOM

    ROMANCE, DEVE SER INTOLERAVELMENTE ESTPIDA: UMA ANLISE DAS

    REPRESENTAES DOS ESPAOS E SEUS SIGNIFICADOS NO ROMANCE A

    ABADIA DE NORTHANGER

    Camila Rafaela Pereira de Souza8

    RESUMO:

    Com a ampliao do leque das fontes histricas e buscando novas formas de conhecimento e pontos

    de vista sobre as mudanas do humano no tempo, a Histria encontrou novos territrios a serem

    explorados. Dentre estes espaos de anlise, a Literatura se mostra como uma rea do saber em que

    possvel captarmos leituras e representaes de uma dada sociedade. Dessa forma, pensando a

    Literatura como um registro e uma interpretao das experincias de uma sociedade, o presente

    trabalho tem por objetivo analisar como os espaos so representados na obra A Abadia de

    Northanger (1818) da escritora inglesa Jane Austen. Analisando como a autora representou os

    espaos ocupados pelas suas personagens, tanto no campo quanto na cidade, entre o pblico e o

    privado, assim como atentar para os sentidos atribudos a esses espaos e como estes eram moldados

    pelos costumes e hbitos da poca.

    Palavras-chave: Literatura; Jane Austen; Espaos; Histria.

    THE PERSON, BE A MAN OR A WOMAN WHO HAS NO PLEASURE IN A GOOD

    ROMANCE, SHOULD BE INTOLERALLY STUPID: AN ANALYSIS OF THE

    REPRESENTATIONS OF THE SPACES AND THEIR MEANINGS IN ROMANCE

    NORTHANGER ABBEY

    ABSTRACT:

    With the enlargement of the fan of the historical sources and looking for new knowledge forms and

    points of view on the humans changes in the time, History found new territories to be explored.

    Among these analysis spaces, the Literature is shown as an area of the knowledge in that is possible

    capture readings and representations of a given society. In that way, thinking the Literature as a

    registration and interpretation of the experiences of a society, the present work has as objective to

    analyze how the spaces are represented in the Jane Austens work Northanger Abbey (1818).

    8 Discente da Licenciatura em Histria pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no Centro de

    Ensino Superior do Serid (CERES), Campus de Caic. E-mail: [email protected].

  • 30

    Analyzing as the author represented the busy spaces for their characters, in the field and in the city,

    between the public and the private, as well as looking at the attributed senses at those spaces and as

    these they were molded for the habits in general and the habits of that time.

    Keywords: Literature; Jane Austen; Spaces; History.

    CONSIDERAES INICIAIS

    O uso da Literatura como fonte histrica foi, por muito tempo, marginalizado por uma

    Histria que se apoiava apenas na utilizao de documentos considerados oficiais. No entanto, com

    o crescente movimento de renovao historiogrfica que ocorreu no sculo XX, inicialmente, como

    se diz de modo repetido, na Frana e repercutindo em vrios pases, o repertrio de fontes histricas

    ampliou-se. Os historiadores ligados revista Annales dHistoire conomique et Sociale, fundada

    em 1929 por Lucien Febvre e Marc Bloch, tiveram enorme importncia e contriburam

    significativamente para essa empreitada9.

    Essa diversificao contribui significativamente para o enriquecimento dos trabalhos,

    atravs de novas reflexes que nos mostram outro olhar acerca do passado. Apontando-nos outros

    conceitos a serem discutidos pelo historiador: portanto, o estudo da Literatura, dentro de uma

    perspectiva historiogrfica, adquire significados peculiares, j que, enquanto a Historiografia

    procura o ser das estruturas sociais, comprometido com o existente, a Literatura fornece-nos uma

    perspectiva do vir-a-ser10.

    Cabe salientar que mesmo que a Literatura possua um carter ficcional e de no retratar

    personagens que de fato existiram, no se pode negar, contudo, que ela seja um produto do seu

    tempo e indique condies socioculturais nas quais os autores esto inseridos, encarnando nas suas

    personagens a realidade em que viveram11, o que vem a constituir-se, assim, como uma

    possibilidade de estudo para o campo historiogrfico.

    Buscando a utilizao da Literatura enquanto fonte histrica, o objeto de estudo deste

    trabalho o livro A Abadia de Northanger (Northanger Abbey) da escritora inglesa Jane Austen.

    Ambientado no contexto da Inglaterra rural da virada dos sculos XVIII para o XIX, a obra retrata,

    a partir do cotidiano das suas personagens, como eram os costumes estavam estabelecidos, como os

    espaos eram divididos e como era a interao social entre o campo e a cidade naquele perodo.

    9 FERREIRA, 2009. 10 SEVCENKO, 2003. 11 PESAVENTO, 2006.

  • 31

    O mundo representado por Austen o mundo domstico, no qual a vida segue indiferente s

    agitaes sociais que ocorriam na Inglaterra12. Atravs de sua escrita, a autora retratou o cotidiano

    dos cidados rurais do pas no final do sculo, uma sociedade mostrada como resistente ao processo

    de transformaes que vinham ocorrendo. Com suas personagens, Austen critica a necessidade de

    mudana daquele ambiente em decorrncia das modificaes que a sociedade sua volta vinha

    passando. Corroborando com a dicotomia criada entre campo e cidade, e os sentidos dados a essas

    palavras e ao que elas significam, sendo o campo percebido como um lugar de atraso e

    limitao, e a cidade associada ao centro de realizaes e ambio13.

    Dessa maneira, o principal objetivo deste trabalho analisar as representaes dos espaos

    ocupados pelas personagens e seus sentidos, principalmente as personagens femininas encontradas

    na obra de Austen. Para mostrar quais espaos e papeis cabiam aos homens e mulheres naquele

    ambiente e como a sociedade inglesa da poca estava organizada de acordo com suas necessidades.

    Esta anlise tomar como aspectos norteadores a ideia de organizao dos espaos feita atravs da

    relao ntima do homem com seu corpo e com as outras pessoas; a partir dessa relao que se

    organiza o espao a fim de conform-lo s suas necessidades e s suas relaes pessoais14.

    A maioria dos estudos encontrados sobre a obra dela se encontra no campo das Letras e da

    Crtica Literria. Como o caso das pesquisas feitas pela Professora Doutora em Literatura anglo-

    americana, Genilda Azeredo. Professora da Universidade Federal da Paraba (UFPB), ela graduada

    em Licenciatura Plena em Letras e possui mestrado e doutorado na mesma rea. No Nordeste

    brasileiro uma das principais pesquisadoras sobre a obra de Austen, focando principalmente nas

    adaptaes flmicas produzidas com base nos escritos da autora. Um dos seus trabalhos mais

    significativos trata-se do livro Jane Austen, Adaptao e Ironia: uma introduo, publicado em

    2003: esta obra rene textos que resultam da sua pesquisa de Doutorado sobre a relao entre Austen

    e a adaptao de seus romances para o Cinema15.

    No campo da Histria poucos trabalhos foram encontrados aps uma ampla pesquisa.

    Citaremos aqui dois dos que mais nos chamaram a ateno: o primeiro, de autoria de Adriana Buss,

    trata da representao da famlia inglesa nos sculos XVIII e XIX atravs dos trs romances mais

    conhecidos de Austen: Razo e Sensibilidade (1811), Orgulho e Preconceito (1813) e Persuaso

    (1818). J o segundo trabalho encontrado, de autoria da Flvia Florentino Varella, busca traar uma

    comparao entre o filsofo e historiador David Hume e a escritora Jane Austen, no que diz respeito

    12 CEVASCO, 1993. 13 WILLIAMS, 1989. 14 TUAN, 2015. 15 Cf. Currculo Lattes da Profa. Dra. Genilda Azeredo: http://lattes.cnpq.br/2336287299613364.

  • 32

    construo da moderna Historiografia inglesa. Neste artigo, Varella discute sobre as relaes entre

    Historiografia e Romance: segundo a autora, Hume produziu um programa historiogrfico que

    avalizava o sentimento como categoria de explicao do movimento histrico e via na identificao

    do leitor com a narrativa um aspecto fundamental da sua obra. Enquanto Austen parece defender

    uma concepo moderna de Historiografia que incorpore o sentimento e a emoo em oposio aos

    modelos clssicos contra os quais Hume j erguia seu projeto.

    No que diz respeito s discusses historiogrficas que guiaro essa pesquisa, estas se situaro

    no campo da Histria Cultural que se dedica s diferenas, conflitos e debates, como tambm aos

    interesses e s tradies compartilhadas em culturas inteiras16. Entendendo que a Literatura, assim

    como todo objeto cultural, tambm um meio capaz de gerar representaes, o conceito trabalhado

    por Roger Chartier torna-se de grande valia para essa pesquisa, j que, para o autor, o conceito de

    representao o de variabilidade e da pluralidade de compreenses (ou incompreenses) do mundo

    social e natural17. Assim sendo, o texto literrio compartilha de uma forma possvel de apreender o

    mundo e, por isso, caracteriza-se como uma fonte de pesquisa histrica cabvel de ser analisada.

    a partir das representaes que as sociedades observam a realidade e determinam sua

    existncia. Ainda sobre tal conceito, Chartier afirma:

    As representaes do mundo social assim construdas, embora aspirem

    universalidade de um diagnstico fundado na razo, so sempre determinadas

    pelos interesses de grupo que as forjam. [...]. As percepes do social no so

    de forma alguma, discursos neutros: produzem estratgias e prtica (sociais,

    escolares, polticas) que tendem a impor uma autoridade custa de outros, por

    elas menosprezados, a legitimar um projecto reformador ou a justificar, para os

    prprios indivduos, as suas escolhas e condutas18.

    atravs do prprio interesse que alguns grupos impem sua viso de mundo ou sua prpria

    posio no mundo, por meio das representaes. E para se entender e analisar tais representaes

    que a Literatura surge como uma via de acesso, ampliando os paradigmas interpretativos necessrios

    anlise historiogrfica.

    Cabe esclarecer os motivos pelos quais optamos pela abordagem da anlise das

    representaes. Tal escolha justificvel pelos mtodos de entendimento da fonte, j que a

    Literatura vista como uma das possveis formas de representar a sociedade, constituindo assim,

    um produto social. Sendo o literato influenciado pelo campo em que ele ocupa naquele ambiente

    16 BURKE, 2008, p. 06. 17CHARTIER, 1990, p. 21. 18CHARTIER, 1990, p. 17.

  • 33

    social e, por muitas vezes, vindo a imprimir nas suas personagens caractersticas de um determinado

    contexto histrico-social. Dessa maneira, a obra literria, por se tratar de uma produo situada em

    um tempo e espao, servir como tima possibilidade de anlise, j que para relacionar a narrativa

    literria narrativa historiogrfica preciso primeiramente situ-las no tempo, descrever e definir

    aquilo que est se falando, a que e a quem correspondem dadas designaes19.

    A ABADIA DE NORTHANGER E JANE AUSTEN: UMA BREVE APRESENTAO

    A Autora por trs da Obra: quem foi Jane Austen?

    Jane Austen foi uma escritora inglesa que viveu entre 1775 e 1817. Nasceu em Steventon,

    Hampshire, um condado no sul da Inglaterra, no dia 16 de dezembro de 1775 e faleceu em 18 de

    julho de 1817. Filha do reverendo George Austen, Jane Austen vinha de uma famlia estabelecida

    na classe gentry, atravs do comrcio de tecidos e, por isso, teve acesso educao junto com seus

    outros irmos20.

    Os ingleses do sculo XVIII acreditavam que a natureza revelava o poder e a sabedoria do

    Todo Poderoso. Acreditava-se igualmente que Deus havia colocado reis e rainhas acima de

    duques, condes e viscondes. Por sua vez, os nobres detentores de ttulos eram superiores aos gentry

    a classe social refinada e educada qual pertencia a famlia Austen. A ordem social era to

    complexa que mesmo entre os gentry havia diferentes nveis. No topo estavam aqueles tornados

    cavaleiros, possuidores de um sobrenome proeminente ou proprietrios de terras que estavam na

    famlia por geraes. Nos nveis inferiores estavam os bispos, pequenos proprietrios de terra,

    oficiais do exrcito, mdicos e clrigos, como o pai de Jane Austen, que possua educao, mas

    pouco dinheiro21.

    Em 1783, Austen enviada junto com sua irm, Cassandra, escola. Estes estabelecimentos

    serviam para refinar as meninas. Os meninos estudavam Histria, Matemtica e Cincias. J as

    meninas aprendiam um pouco de Gramtica, porm, a maior parte do tempo era dedicada ao ensino

    das prticas domsticas e as ditas habilidades femininas, como costura, canto ou tocar algum

    instrumento. As meninas Austen frequentaram por pouco tempo a escola, voltando definitivamente

    para Steventon em 1786 e nunca mais receberiam uma educao formal. Em casa, na juventude,

    Jane praticava canto e aulas de piano, lia francs com facilidade e sabia um pouco de italiano. Em

    19 ALBUQUERQUE JNIOR, 2013, p. 26. 20 REEF, 2014. 21 REEF, 2014, p. 31.

  • 34

    Histria, ela seguia os antigos guias: Goldsmith, Hume e Robertson. A investigao crtica sobre as

    declaraes normalmente recebidas dos historiadores mal havia comeado22.

    Austen vivia, portanto, reclusa em relao ao mundo literrio da poca. No mantinha

    contato com nenhum dos autores conhecidos, tudo o que escreveu foi resultado de um trabalho

    caseiro. Isso se deve ao fato de que sua escrita foi abafada, pois no era de bom tom para o perodo,

    uma mulher se tornar escritora: por isso mesmo, durante os ltimos anos de sua vida, quando seus

    trabalhos aumentavam no agrado do pblico, poucas eram as pessoas que sabiam o seu nome. Seu

    primeiro livro foi publicado com a assinatura By a Lady para que, assim, o verdadeiro nome da

    autora no fosse levado a pblico.

    A Obra

    Aps a morte da autora, duas obras foram publicadas postumamente: Persuaso e A Abadia

    de Northanger. Finalizado em 1803, mas s publicado em 1818: esse tempo entre sua finalizao e

    publicao se deu pelo fato de que o editor que comprou os direitos do livro no o achou bom o

    suficiente para ser publicado e, por isso, resolveu deix-lo de lado. S aps sua morte o irmo de

    Austen compra os direitos do livro de volta e o publica postumamente. O romance lembrava o humor

    do perodo da juventude da autora, ao fazer uma pardia dos romances gticos famosos na mocidade

    de Austen.

    O romance conta a histria de Catherine Morland, de quinze anos, que vive uma vida pacata

    com seus pais e irmos at que convidada por seus vizinhos, os Allen, a passar uma temporada em

    Bath, no sudoeste da Inglaterra. A histria se divide em dois momentos: no primeiro, a viagem com

    os Allen, seus vizinhos; no segundo, sua viagem a Northanger Abbey e a convivncia com os

    Tilneys, famlia dos amigos que Catherine tinha conseguido durante sua estadia em Bath.

    O Sr. Allen era proprietrio de boa parte das terras que cercavam Fullerton, o lugarejo em

    Wiltshire onde viviam os Morlands. A ele foi ordenada uma estadia em Bath para se tratar de uma

    enfermidade. Sua esposa, que gostava bastante de Catherine Morland, convidou-a a ir com eles.

    Bath era muito famosa por seus passeios, bailes, concertos e festas. Alm disso, era conhecida

    tambm por suas fontes de guas termais, onde muitas pessoas, preocupadas com a sua sade, se

    dirigiam para beber a gua que borbulhava das fontes trmicas, acreditando ser esta a cura para

    suas enfermidades: os turistas tinham muito o que fazer nessa cidade em expanso. Bath oferecia

    22 LEIGH, 2014, p. 92.

  • 35

    jardins pblicos, runas romanas, bailes, concertos e peas teatrais com atores vindos dos palcos de

    Londres23.

    Com toda essa agitao, Bath era o lugar propcio para Catherine viver suas aventuras como

    herona. Em um dos bailes, ela dana com um jovem proco chamado Henry Tilney. No dia seguinte

    conhece uma nova amiga, Isabella Thorpe, com quem divide o mesmo gosto pelos romances gticos

    to famosos na poca, como The Mysteries of Udolpho, de Ann Radcliffe, obra que narra as

    experincias de uma rf num castelo em terras distantes. A partir da amizade com Isabella,

    Catherine conhece seu irmo, John Thorpe, que acredita ser ela herdeira de uma grande herana e

    por isso se sente no dever de cortej-la.

    Logo aps esses acontecimentos, Catherine encontra novamente Henry Tilney e conhece sua

    irm, Eleanor, e seu pai, o general Tilney, dono da abadia que d nome ao livro. O general ficara

    sabendo tambm que Catherine herdaria uma grande soma de dinheiro e, por isso, ele acaba

    escolhendo-a para ser a esposa de Henry. Porm, logo essa histria desmentida e o general volta

    atrs com a sua palavra. No entanto, no consegue mais separar Henry e Catherine, que acabam

    casando no fim da histria, mesmo ela no tendo uma herana, e sendo, segundo os costumes da

    poca, uma pssima opo para o matrimnio24.

    OS ESPAOS E SEUS SENTIDOS: ASPECTOS HISTORIOGRFICOS E LITERRIOS

    A Abadia de Northanger foi escrita no fim do sculo XVIII e publicada no sculo XIX.

    Partindo desse pressuposto, analisaremos a seguir alguns aspectos dados a ler na obra, que

    representam a sociedade daquele perodo.

    Pensando sobre o tempo, percebemos que Austen escrevia num momento crucial para a

    Inglaterra e para os demais pases do mundo. Nesse perodo uma das maiores revolues estava

    acontecendo, ou melhor, explodindo, a Revoluo Industrial. Isso significa dizer que a certa altura

    da dcada de 1780, pela primeira vez na Histria, os grilhes do poder produtivo foram retirados

    das sociedades humanas, e, com isso, se tornaram capazes da multiplicao rpida, constante, e at

    ilimitada de homens, mercadorias e servios25.

    Austen confirma esse aspecto quando caracteriza um espao de trnsito na cidade de Bath,

    que era vista por muitos como uma cidade de realizaes, quando comparada ao campo, lugar de

    moradia da maioria daqueles que passeavam pelas suas ruas movimentadas:

    23REEF, 2014, p. 82. 24 AUSTEN, 2010. 25 HOBSBAWM, 2007, p. 50.

  • 36

    Em meio minuto do balnerio j estavam no arco em frente a Union Passage;

    mas aqui elas tiveram de parar. Todos os que conhecem Bath devem lembrar-

    se da dificuldade de atravessar Cheap Street naquele ponto; de fato uma rua

    de natureza to impertinente, to desgraadamente ligada s grandes estradas

    de Londres e Oxford, e ao principal hotel da cidade, que nunca se passa um dia

    sem que grupo de senhoras, por mais importantes que sejam seus afazeres, quer

    estejam em busca de pastis, quer de chapus, quer at (como no caso presente)

    de rapazes, sejam detidas de um lado ou de outro pelas carruagens, pelos cavalos

    ou pelas carroas26.

    Nesse trecho percebemos que as ligaes entre as pequenas e grandes cidades se tornavam

    cada vez mais frequentes, principalmente com Londres, que naquele perodo estava em rpida

    expanso. Sendo um produto de um capitalismo agrrio e mercantil, desenvolvia-se em ritmo

    acelerado, absorvendo reas cada vez maiores do resto do pas e atraindo pessoas de diversas regies

    que iam e vinham da cidade em busca de trabalho ou um esconderijo27.

    Essas pessoas no geral vinham das cidades menores e/ou dos vilarejos, e com isso a relao

    entre campo e cidade se intensificava, transformando economicamente e socialmente as relaes

    humanas estabelecidas por esse contato e a representao do campo e da cidade:

    Bom, cada um deve ter sua prpria opinio, e quem vai a Londres pode achar

    que Bath no nada. Mas eu, que vivo num lugarejo perdido no interior, nunca

    vou achar mais mesmice num lugar como este do que em minha prpria casa;

    pois aqui h muita variedade de diverses, muita variedade de coisas para ver e

    para fazer o dia inteiro, algo que no conheo por l28.

    Austen, na voz da personagem Catherine, corrobora, nesse trecho, com a dicotomia criada

    entre campo e cidade e os sentidos dados a essas palavras e ao que elas significam, sendo o campo

    um lugar de atraso e limitao, e a cidade associada ao centro de realizaes e ambio29.

    Bath, cidade onde o romance foi ambientado, era vista por Catherine Morland como um

    lugar de realizaes, cheia de entretenimento e lugares novos para apreciar, algo que no se via no

    vilarejo onde morava. Por essa razo, as cidades eram visitadas constantemente durante algumas

    temporadas do ano por famlias que moravam no campo e que buscavam nela servios que no se

    encontravam com frequncia onde moravam, como o caso do Sr. Allen, que vai para Bath cuidar

    de uma enfermidade, tendo acesso aos mdicos e s guas termais de seus balnerios to famosos.

    26 AUSTEN, 2017, p. 47. 27 WILLIAMS, 1989, p. 205. 28 AUSTEN, 2010, p. 86. 29 WILLIAMS, 1989.

  • 37

    Desde a ocupao romana, na Antiguidade, Bath se desenvolveu em volta dos famosos

    balnerios de guas termais. Os romanos, aficionados em banhos, construram enormes instalaes

    que serviam como piscinas pblicas e como lugar de encontros casuais e de negcios. Essa tradio

    se perpetuou durante o tempo e os balnerios continuaram como espaos de sociabilidade at o

    sculo XIX30:

    O balnerio era o lugar onde se devia encontrar algum chegado a Bath h to

    pouco tempo, e ela j havia achado aquele edifcio to propcio ao

    descobrimento da excelncia feminina e ao aprofundamento da intimidade

    feminina, to admiravelmente adequado troca de segredos e confiana

    ilimitada, que ela estava muito razoavelmente esperanosa de conseguir fazer

    mais uma amiga entre aquelas paredes.31

    Com isso, a cidade ganhava mais um atrativo para pessoas de diversas localidades que

    vinham em busca das guas ditas curativas, que possivelmente no auxiliavam na cura de nenhuma

    doena, pelo contrrio, j que pelo fluxo de pessoas que se banhavam nas guas dessas termas: era

    mais provvel que estas fossem agentes de contgio de inmeras doenas.

    Segundo Richard Sennett, uma cidade um assentamento humano no qual estranhos iro

    provavelmente se encontrar32. A partir de tais encontros vrias atividades se desenvolveram e

    podiam ser encontradas nas cidades, tais quais o teatro e os bailes, que serviam tambm como

    espaos de sociabilidade bastante comuns: danar era uma atividade social popular na Inglaterra

    do sculo XVIII33. Alm de ser uma prtica social, a dana permitia que os jovens se conhecessem.

    Para muitas moas que frequentavam os Sales Inferiores para os bailes, esta era uma oportunidade

    de encontrar quem poderia vir a ser seu marido em um futuro prximo.

    Havia, nessa poca, um cdigo de conduta e moral a se cumprir, pois a sociedade esperava

    um comportamento digno de uma mulher com idade para se casar. Uma moa solteira deveria

    sempre estar acompanhada em pblico, e s podia falar com um rapaz caso estivessem sido

    adequadamente apresentados. Como foi o caso de Catherine e Tilney, que foram apresentados um

    ao outro pelo mestre de cerimnias:

    A nobreza e os gentry orgulhavam-se de seus modos, internalizados desde quase

    o nascimento. Um elaborado cdigo de etiqueta governava cada interao

    social, mesmo as triviais. As regras ditavam como as ladies e gentlemen

    entravam na sala de jantar, quem falava primeiro quando as pessoas eram

    apresentadas, e onde e com quem uma lady poderia conversar. Demonstrar as

    30 SOMERSET, 2003. 31 AUSTEN, 2010, p. 67. 32 SENNETT, 1988, p. 58. 33 REEF, 2014, p. 59.

  • 38

    maneiras apropriadas, independentemente da posio social, significava vir de

    um bom bero, ou ter recebido uma criao slida34.

    Os costumes moldavam a maioria dos aspectos da sociedade inglesa, at mesmo uma simples

    troca de conversas entre dois jovens devia seguir normas estabelecidas: por isso, cada pessoa tinha

    o seu espao moldado de acordo com tais regras. O lugar da mulher foi de longe o que mais sofreu

    com tais normas, j que, diante de uma sociedade patriarcal, ela deveria se submeter s vontades de

    outras pessoas, antes de satisfazer as suas prprias.

    No livro, Austen debate acerca das escolhas de leitura da sua herona: em certo ponto da

    narrativa, essas escolhas so questionadas, pois Catherine uma f dos romances gticos famosos

    naquela poca. E quando questionada sobre esse tipo de leitura, ela diz: consigo ler poesia e peas

    de teatro, e coisas do tipo, e no detesto relatos de viagem. Mas no consigo interessar-me pela

    histria, a histria mesmo, solene35.

    Como j dito no incio, o estudo de Histria e Poltica era restrito aos homens; s mulheres

    restava o estudo do canto, da pintura e de atividades domsticas, tais como o corte e a costura. A

    situao de ignorncia em que se pretende manter a mulher responsvel pelas dificuldades que

    encontra na vida e cria um crculo vicioso: como no tem instruo, no est apta a participar da

    vida pblica, e no recebe instruo porque no participa dela36. Por isso, elas eram impedidas de

    se envolver na Poltica, tanto pelo desconhecimento, quanto por esse ser um espao pblico e,

    portanto, reservado aos homens: [...] tanto na vida quanto na arte, a mulher no sculo passado

    (XVIII) aprendia a ser tola, a se adequar a um retrato do qual no era a autora37.

    Tal contexto era resultado de uma sociedade organizada dentro de um sistema patriarcal, na

    qual a nica sada para a mulher parecia ser o casamento, j que fora dele no havia papel para ela

    dentro dessa organizao. Por isso, havia um reforo para que as meninas no seguissem com seus

    estudos e que no pequeno espao de tempo que mediava entre a vida da menina e da senhora, a

    moa entregava-se ao aprendizado da msica e das maneiras, ao interesse pelos vestidos, vivendo

    na expectativa da chegada do marido38. O final dado por Austen histria de Catherine assemelha-

    se ao destino de muitas moas daquele perodo, j que Henry e Catherine se casaram, os sinos

    34 Ibidem, p. 32. 35 AUSTEN, 2010, p. 118. 36 TELLES, 2009, p. 406. 37 Idem, 1997, p. 403. 38 MELLO E SOUZA, 1987, p. 89.

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    dobraram e todos sorriram; [...] muito bom iniciar a perfeita felicidade com as idades respectivas

    de vinte e seis e dezoito anos39.

    Portanto, percebe-se, medida que chegamos ao fim deste trabalho, que Jane Austen, mesmo

    escrevendo durante um perodo de grandes acontecimentos, decidiu ignorar os eventos histricos

    que estavam ocorrendo e focalizar em um problema40, prendendo o olhar principalmente na Histria

    Social das famlias de proprietrios rurais ingleses daquele tempo, representando seus processos

    estruturais e os padres que orientavam a sociedade e o comportamento humano41. Todos esses

    processos estavam diretamente ligados aos costumes da poca, mas tambm s mudanas que

    vinham ocorrendo provenientes da Revoluo Industrial em curso. Tais mudanas no s afetavam

    as grandes cidades como Londres e Oxford, mas tambm a vida dessas famlias no campo, nas

    pequenas cidades e o cotidiano dessas pessoas ditas comuns. E mesmo no direcionando seu

    trabalho para a Histria dos grandes nomes e acontecimentos, Austen consegue representar os

    aspectos por muitas vezes deixados de lado pelos estudiosos: a vida cotidiana e as mudanas sociais

    que foram transformadas com a Revoluo Industrial e seus desdobramentos.

    CONSIDERAES FINAIS

    A utilizao da Literatura como fonte histrica possibilita-nos o acesso a uma ampla gama

    de meios que podemos utilizar para termos acesso a novas vises sobre as sociedades antigas e suas

    particularidades. Enriquecendo o trabalho do historiador, ao mostrar um novo olhar sobre o passado,

    trazendo para o debate novas discusses e conceitos a serem suscitados pelo pesquisador.

    Jane Austen surge, portanto, como uma dessas poss