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CUIDADO: a esquematização do conhecimento para a disseminação do papel educacional Jorge Langone Bacharelando em Artes Plásticas – UERJ; Professor de Planos e Estratégias do Deptº de Artes e Design – PUC-RJ Um esquema necessita de CUIDADO. Qualquer esquema é voltado principalmente para a estratégia, ou seja, para a construção simbólica do pensamento. Ao contrário, as táticas são relativas às experiências do nosso cotidiano. O desafio é travar um diálogo entre esses terrenos e utilizá-lo com a intenção de esquematizar as estratégias que melhor se ajustam ao ensino da arte. CUIDADO. Táticas; Estratégias; Ensino da arte. A scheme needs ATTENTION. Every scheme is turned to strategy, in other words, to the symbolic construction of thought. On the contrary, the tactics are related to the experiences of our quotidian. The challenge is to establish a dialogue between those fields, and use it with the intention of schematizing the strategies that better fit to the Art teaching. ATTENTION. Tactics; Strategies; Art teaching. Começar do fim ou do início? É a velha história do que vem primeiro: a estratégia cria as boas táticas ou as táticas geram uma melhor estratégia? Ou será que é no desvio que acontece uma boa surpresa para se desenhar um esquema eficiente? No campo de batalha, onde residem os interstícios entre os lados opostos, os desvios podem ser considerados partes fundamentais para a alimentação dos desenhos das melhores estratégias, que advém da vivência das táticas do cotidiano. III semana de pesquisa em artes 10 a 13 de novembro de 2009 art uerj processos artísticos contemporâneos 329

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CUIDADO: a esquematização do conhecimento para a disseminação do papel educacional

Jorge Langone

Bacharelando em Artes Plásticas – UERJ; Professor de Planos e Estratégias do Deptº de Artes e Design – PUC-RJ

Um esquema necessita de CUIDADO. Qualquer esquema é voltado principalmente para a estratégia, ou seja, para a construção simbólica do pensamento. Ao contrário, as táticas são relativas às experiências do nosso cotidiano. O desafio é travar um diálogo entre esses terrenos e utilizá-lo com a intenção de esquematizar as estratégias que melhor se ajustam ao ensino da arte. CUIDADO.

Táticas; Estratégias; Ensino da arte.

A scheme needs ATTENTION. Every scheme is turned to strategy, in other words, to the symbolic construction of thought. On the contrary, the tactics are related to the experiences of our quotidian. The challenge is to establish a dialogue between those fields, and use it with the intention of schematizing the strategies that better fit to the Art teaching. ATTENTION.

Tactics; Strategies; Art teaching.

Começar do fim ou do início? É a velha história do que vem primeiro: a estratégia cria as boas táticas ou as táticas geram uma melhor estratégia?

Ou será que é no desvio que acontece uma boa surpresa para se desenhar um esquema eficiente?

No campo de batalha, onde residem os interstícios entre os lados opostos, os desvios podem ser considerados partes fundamentais para a alimentação dos desenhos das melhores estratégias, que advém da vivência das táticas do cotidiano.

III semana de pesquisa em artes

10 a 13 de novembro de 2009 art uerj

processos artísticos contemporâneos

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Figura 1 – Fotografia de placa da rodovia

Rio-Santos – 2009 – Jorge Langone

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Como saber que no meio de uma estrada que liga o Rio de Janeiro a Santos existirá um desvio se ninguém o anunciou na Internet ou em qualquer outra mídia? Ou ainda na compra do bilhete da passagem na Rodoviária do Rio de Janeiro? Somente através da experiência de viajar pela estrada. Diante do obstáculo, o que fazer com a interferência do sinal visual de trânsito de CUIDADO, sendo que o cálculo para chegar a Parati era de três horas e meia e agora passou a ser indefinido?

Nesse ínterim de desvio experimentado, pensava em como a diferença entre estratégia, tática e – o principal – o trajeto não previsto pelo sinal de CUIDADO, pode servir como uma boa metáfora para construir um esquema que se retroalimenta através da vivência. E ainda como pode ser levado para o campo do ensino das artes. Um desvio no trajeto de um ônibus, indicado através do símbolo CUIDADO, servindo como alicerce para o início de uma antiga discussão, não obstante contemporânea.

Como o foco é um trajeto, ou seja, uma trajetória, nada mais exemplar do que a placa encontrada no meio do caminho: CUIDADO.

Uma “trajetória” evoca um movimento, mas resulta também em uma projeção sobre um plano, de uma redução. Trata-se de uma transcrição. Um gráfico (que o olho pode dominar) é substituído por uma operação; [...] Michel de Certeau, 1994, p. 46

Operação esta que se aproxima do cotidiano, que acontece no “fazer”. Quando criamos algo mentalmente e desenhamos um plano para sua realização, esquematizamos um funcionamento que está ligado ao campo da estratégia. Ver um sinal de CUIDADO é uma atitude mental, apesar de visual. Esse esquema é ligado à parte da representação da estratégia. No caso do sinal de CUIDADO, apontar para um desvio é mais uma informação mental onde não sabemos qual a forma desse movimento, dessa trajetória. Com a informação de que o desvio vem a cem metros, conhecemos o ponto de partida para entrarmos no circuito ofertado. Tudo isso é uma leitura visual intermediada pela mente.

O esquema de continuar na viagem não mudará, ou seja, a estratégia continua sendo a mesma: chegar a Parati. Ela não muda porque o CUIDADO com o desvio se

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apresenta. Ela apenas terá outro desenho de trajetória, ou seja, outra forma espacial e, consequentemente, outro tempo, neste caso, o de viagem.

Chamo de “estratégia” o cálculo das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder é isolável de um ambiente. [...]Michel de Certeau, 1994, p. 46

O que mudou no esquema desenhado pela estratégia é oferecido por uma emergência momentânea operante no presente. A mesma se apresenta no cotidiano e sua vivência é experimentada, por fim, como uma tática.

A emergência designa um lugar de enfrentamento. É um não-lugar, uma pura distância o fato que os adversários não pertencem ao mesmo tempo-espaço.Michel Foucault, 1984, p. 24

A tática possui o atributo de acontecer no campo prático. Ela não é um desenho mental, como um reflexo visual ou verbal delineado a priori. Ela é um desenho operante, que se modifica e se transforma no decorrer da vivência da estratégia escolhida. Vivenciada no devir, seja ela no campo da arte ou em qualquer outro.

No meio da trajetória para Parati, com o sinal de CUIDADO relativo ao desvio a cem metros, eu poderia tomar uma decisão de saltar do ônibus e ficar no bairro mais próximo, dormir em um hotel e retornar para o Rio de Janeiro. É uma decisão, mas a mesma é intermediada por uma mudança de estratégia, já que não chegarei ao objetivo final que é Parati.

Dessa forma podemos, em meio ao desenho ofertado da trajetória, optar por mudarmos de tática, mas não de estratégia. Poderia, igualmente, escolher descer do ônibus e pegar um táxi no bairro mais próximo, para chegar ao centro de Parati em menor espaço de tempo. Ou ainda – o mais provável – ficar no ônibus vivenciando um tempo de viagem e trajetória modificada até chegar a Parati. A tática é parecida

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com a anterior, porém é outra, já que o trajeto e o tempo possuem outros atributos e desenhos operados no presente. Sendo assim, a tática mudou.

Nesse intervalo entre tempo e trajetória, nesse interstício, em vez de pensar em outro esquema estratégico, o melhor foi me adaptar. No enfretamento dessa emergência, não escolhi a reclamação ou a desistência. Mas, sim, uma adaptação ao meio. Resolvi viver a experiência da tática que foi ofertada pelo acontecimento inesperado.

Denomino, ao contrário, “tática” um cálculo que não pode contar com um próprio, nem portanto com uma fronteira que distingue o outro como totalidade visível. A tática só tem por lugar o do outro. Michel de Certeau, 1996, p. 46

O outro significado da palavra CUIDADO: dar atenção ao tempo e ao espaço do interstício, o espaço da operação do fazer cotidiano, onde precisamos estar antenados com seus códigos para fortalecer o diálogo entre o esquema estratégico escolhido e suas táticas cotidianas.

Um não-lugar que é esquecido. Muitos gostam somente de desenhar um fluxo estratégico e esquecem em ter atenção, CUIDADO, com o lado mais importante de um esquema: a sua operação. Nesse momento do trajeto para Parati, nesse interstício chamado aqui de desvio, além de dialogar com Michel de Certeau e Michel Foucault, passou pelo meu pensamento como que no ensino da arte pode haver um descuido com a operação no fazer. Logo na arte, que precisa da relação participativa do espectador, seja na leitura das obras, seja nas sensações por ela transmitidas ou até mesmo na sua interação desejada.

Essa troca é de primordial importância, ainda mais no caso do ensino. Quantos desejam somente desenhar esquemas e pedir para que outros os executem, em vez de prestar atenção e cuidar dos sujeitos que participam da relação?

Para Foucault, o interdito é o sinal mais evidente e familiar em uma sociedade como a nossa que possui procedimentos de exclusão.

Temos consciência de que não temos o direito de dizer o que nos

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apetece, que não podemos falar de tudo em qualquer circunstância, que quem quer que seja, finalmente, não pode falar do que quer que seja. Tabu do objeto, ritual da circunstância, direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala: jogo de três tipos de interditos que se cruzam, que se reforçam ou que se compensam, formando uma grelha complexa que está sempre a modificar-se. Michel Foucault, 1971, p. 5

A grelha está sempre a se modificar. Então o CUIDADO é fundamental. O que vemos na atuação de uma escola ou universidade é a criação de sistemas, logo, esquemas e estratégias, sem dar atenção ou voz àquilo a que se destina: o sujeito aluno. Quantas estratégias ainda serão desenhadas sem a compreensão de que a

Figura 2 – Fotografia de bichinhos de pelúcia Estrela – 2009 – Jorge

Langone

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grelha é complexa e se modifica na operação cotidiana? Quando os alunos serão escutados em suas necessidades de forma a dar alguma alteridade e legitimidade aos seus papéis como estudantes e formadores de opiniões próprias? Por que criar estratégias que afastam o aluno da compreensão das mesmas, em vez de incluí-lo na discussão para que sejam feitos esquemas que se adequem ou cheguem mais próximos dos seus desejos?

Por que, ao nos perguntarmos sobre os porquês, nos dizem que existe, sim, uma forma de atuação através dos sistemas preestabelecidos -como os órgãos eleitos pelos próprios alunos - quando sabemos que não funcionam? Por que não escutar os que desejam falar e opinar para um ensino de melhor qualidade? Parece que o aluno está posto como um sujeito observador de uma obra de arte, que observa e até participa da mesma, mas sua opinião não importa muito. Não deveria ser o contrário, já que é um operador do sistema e de fundamental importância, ainda mais em um sistema que investiga a arte?

Sistemas de avaliação das aulas não possuem um interesse por parte das direções. Fica uma indagação: por que? Talvez uma resposta possível: porque as direções não estão preparadas para escutar o sujeito cuja formação é o objetivo da instituição, e que por sua vez, nesse momento, como Foucault diria, é excluído.

Ora, se uma estratégia boa é realizada com avaliação das táticas daqueles que não possuem vozes, que ocupam os não-lugares no campo de batalha, como criar um sistema que se retroalimenta? Como considerar que as estratégias pensadas são as melhores, já que a exclusão do sujeito aluno é evidente?

[...] Um dos principais problemas para realizar um sistema que se retroalimenta é que a maior parte dos educadores desconhece a pesquisa que pode fundamentar sua prática, além de seu apego a crenças e preconceitos sociais sobre a educação artística. Para vencer essa barreira, é fundamental realizar programas de pesquisa que detectem, ordenem e expliquem os processos e as estratégias que os indivíduos utilizam para a compreensão de objetos que fazem parte do seu universo visual [...] Fernando Hernandéz, 2000, p.56

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Acredito que existem algumas saídas, inclusive já experimentadas por outros sistemas de ensino da arte. O espanhol Fernando Hernandéz sugere que não ser preconceituoso e não ter apego às suas crenças como educador é um caminho para apreender o que os alunos querem expressar visualmente. A partir daí, criar um esquema aliado às práticas e aos conhecimentos culturais dos alunos pode ser um bom exemplo de como construir um cotidiano aliado a uma estratégia que se retroalimenta.

A forma como isso pode acontecer no dia-a-dia de congressos, publicações, além de no próprio ensino no qual os professores de arte estão afogados, pode ser diversa. Basta ter CUIDADO. E querer. É possível desejar ser diferente? Optar por analisar e ficar atento aos desvios? Sim, é possível. Como? Com CUIDADO.

Voltando à pergunta inicial – Começar do fim ou do início? É a velha história do que vem primeiro: a estratégia cria as boas táticas ou as táticas geram uma melhor estratégia? – pode ser respondida com uma palavra que possui os dois significados aqui relatados: CUIDADO. A partir daí, é só construir/re-construir os esquemas e viver suas operações com a atenção necessária para que se retroalimentem. CUIDADO.

Referências bibliográficas:Foucault, Michel. A microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.______. A ordem do discurso. Paris: Gallimard, 1971.Certeau, Michel de. A invenção do cotidiano, artes do fazer. Petrópolis: Vozes, 1998.Hernàndez, Fernando. Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2006.