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II Congresso Nacional de Formação de Professores XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores UNIVERSIDADE E ESCOLAS DO CAMPO: DIÁLOGO NECESSÁRIO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA AMAZÔNIA Simone Souza Silva, Arminda Rachel De Botelho Mourão Eixo 1 - Formação inicial de professores para a educação básica - Relato de Pesquisa - Apresentação Oral O presente estudo parte da necessidade de estabelecer o diálogo entre universidade e escolas do campo, a partir da realidade concreta de sujeitos, homens e mulheres, crianças e adolescentes que vivem no/do campo. Teve como objetivos analisar o trabalho docente e as condições em que se faz educação em escolas do campo, a partir do contexto de três comunidades localizadas no município de Parintins, tais como Maranhão, Paraná do Espírito Santo e Tracajá. O estudo foi realizado nos meses de novembro de 2012, maio de 2013 e outubro de 2013 e envolveu acadêmicos do 4º período dos cursos de Química e História e 8° período do curso de Pedagogia do CESP/UEA, através das disciplinas de Metodologia do Estudo, Didática e Estágio Supervisionado, respectivamente. Fundamentou-se em estudos realizados por Ghedin (2007), Severino (2009), Demo (2010) Arroyo (2011) e Gatti (2005 e 2011). Utilizou-se a abordagem qualitativa com apoio das técnicas de observação participante, entrevista e grupo focal para a coleta de dados e discussão dos resultados. O estudo aponta para a importância da universidade possibilitar aos professores uma formação teórica articulada a experiências com a realidade concreta. Aponta ainda para a necessidade de (re)pensar as políticas de educação do campo no sentido de contemplar as singularidades de escolas situadas a margem dos rios da Amazônia. 3036

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II Congresso Nacional de Formação de Professores XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores

UNIVERSIDADE E ESCOLAS DO CAMPO: DIÁLOGO NECESSÁRIO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA AMAZÔNIA

Simone Souza Silva, Arminda Rachel De Botelho Mourão

Eixo 1 - Formação inicial de professores para a educação básica

- Relato de Pesquisa - Apresentação Oral

O presente estudo parte da necessidade de estabelecer o diálogo entre universidade e escolas do campo, a partir da realidade concreta de sujeitos, homens e mulheres, crianças e adolescentes que vivem no/do campo. Teve como objetivos analisar o trabalho docente e as condições em que se faz educação em escolas do campo, a partir do contexto de três comunidades localizadas no município de Parintins, tais como Maranhão, Paraná do Espírito Santo e Tracajá. O estudo foi realizado nos meses de novembro de 2012, maio de 2013 e outubro de 2013 e envolveu acadêmicos do 4º período dos cursos de Química e História e 8° período do curso de Pedagogia do CESP/UEA, através das disciplinas de Metodologia do Estudo, Didática e Estágio Supervisionado, respectivamente. Fundamentou-se em estudos realizados por Ghedin (2007), Severino (2009), Demo (2010) Arroyo (2011) e Gatti (2005 e 2011). Utilizou-se a abordagem qualitativa com apoio das técnicas de observação participante, entrevista e grupo focal para a coleta de dados e discussão dos resultados. O estudo aponta para a importância da universidade possibilitar aos professores uma formação teórica articulada a experiências com a realidade concreta. Aponta ainda para a necessidade de (re)pensar as políticas de educação do campo no sentido de contemplar as singularidades de escolas situadas a margem dos rios da Amazônia.

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UNIVERSIDADE E ESCOLAS DO CAMPO: DIÁLOGO NECESSÁRIO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA AMAZÔNIA

Simone Souza Silva. PPGE,UFAM e CESP, UEA; Arminda Rachel Botelho Mourão.

PPGE, UFAM e Faculdade de Educação da UFAM.

Introdução A educação brasileira carrega em sua bagagem histórica um modelo baseado

na racionalidade técnica, com crenças epistemológicas arraigadas em uma

tradição filosófica e cultural, de cunho representacionista e intuicionista, tendo

como consequências uma formação deficitária, fragmentária e

descontextualizada da realidade. Trata-se de um modelo societário marcado

pela lógica do mercado, com suas pesadas consequências para a educação,

revelando a ausência de uma política pública mais consistente por parte do

Estado (SEVERINO, 2009).

Para Mourão (2004), a Política Educacional Brasileira está desfocada da

realidade da Educação do país, por atender, sem questionamentos as

orientações dos Organismos Internacionais que, para fomentarem a

acumulação do capital, encaminham Políticas que levam a processos de

mercantilização da Educação.

Com base neste modelo, os cursos de formação docente, de modo geral, são

trabalhados com suporte de “pacotes instrucionais”, vindos de outros países,

com orientações de uma visão universalista, burocrática, acrítica e

descontextualizada da prática e das realidades das escolas. De acordo com

Hargreaves (apud LESSARD, 2010), esse tipo de política tende a aumentar a

probabilidade de fracasso dos alunos com maiores dificuldades e a submeter

os professores a maiores níveis de frustração e constrangimento no trabalho.

Este autor alerta para o fato de que intervenções padronizadas no ensino e

no currículo das escolas em comunidades e países mais pobres tende a

aumentar as diferenças entre ricos e pobres, já que o ensino para os

primeiros costuma ser diferenciado e empregar uma variedade de recursos.

Na Região Norte, especificamente, em comunidades rurais do Estado do

Amazonas, até a década de 1990, por exemplo, os professores que

ministravam aulas, em sua grande maioria, tinham a formação em nível

fundamental incompleto e assumiam a educação “das poucas letras” de

crianças, jovens e adultos. Isso sem contar com uma adequada estrutura

física e material das escolas, salário do professor, moradia, formação, etc.

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Só recentemente a questão da educação do campo entra nas pautas de

discussão devido a pressões de movimentos sociais. Nos debates que

compõem a educação do campo há dados que confirmam um tratamento

desigual e discriminatório da população que vive no e do campo e a ausência

de políticas públicas que alterem essa situação perversa.

As Universidades não podem se eximir de seu papel de formadoras de um

“cidadão autêntico, pois seu papel mais substantivo vai muito além da

(ARROYO, 2011)

Em Parintins, cidade Polo do Baixo Amazonas, até o ano de 2000, por

exemplo, os poucos cursos de formação de professores não atendiam a

demanda. A presença física das Instituições de Ensino Superior (IES) é

recente e visam fortalecer a educação básica em Parintins e nos municípios

da área de abrangência do Polo e Oeste do estado do Pará.

No entanto, análises preliminares dos currículos dos cursos de formação de

professores indicam dificuldades em articular conhecimentos - global e o

local-, inclusive, as práticas de ensino, pesquisa e extensão ocorrem numa

perspectiva urbanocêntrica, que não contemplam as especificidades das

escolas do campo, lócus onde os egressos geralmente iniciam suas primeiras

experiências profissionais. Isso sem contar com materiais e estrutura

adequada, entendidos como essenciais ao trabalho pedagógico.

Essa situação faz parte de um mecanismo perverso e excludente, que

precariza o trabalho do professor e trata a população do campo como sujeitos

invisíveis à sociedade. Há que se considerar que vivemos em uma sociedade

capitalista que, contraditoriamente, permite a existência humana cada vez

mais rica e universal de uns à custa da desumanização de grande parte da

população (MARX, 1986). A maioria das pessoas que participam de cursos de

formação de professores, vive a precarização do ensino, carregam as marcas

da alienação, da privação cultural que os afasta da humanização do gênero

humano, da individualidade para si (DUARTE, 1999).

Tal reflexão reforça nossa indignação e confirma as ponderações já indicadas

por Leontiev (1978) de que a maioria esmagadora das pessoas acaba por

contentar-se com o mínimo de desenvolvimento cultural nos limites das

funções que lhes são destinadas, ou seja, só tem acesso à apropriação das

aquisições produzidas pela humanidade dentro de padrões miseráveis.

Arroyo (2011) defende uma educação específica, diferenciada e alternativa

para a população do campo, o que implica uma formação, acima de tudo,

humana, com referências culturais e políticas para a intervenção das pessoas

e dos sujeitos sociais na realidade.

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formação do profissional, do técnico e do especialista [...] precisa ser

[formadora] da consciência social que é a única sustentação de um projeto

político minimamente equitativo, justo e emancipador” para o Amazonas

(SEVERINO, 2009, p. 06). Precisa orientar seus professores a articular os

saberes oriundos da formação profissional aos saberes disciplinares,

curriculares e experienciais (TARDIF, 2008).

Nessa direção, as universidades locais, como UEA e UFAM, dialogam com

educadores, sociedade civil e população do campo, para que possam melhor

compreender o campo amazônico, os saberes construídos, seus sujeitos, e,

ao lado de outras instâncias, buscam efetivamente contribuir para alterações

significativas na realidade concreta.

Assim, este estudo surge da necessidade de analisar o trabalho docente e as

condições em que se faz educação em escolas de comunidades

rurais/ribeirinhas, como requisito necessário para a formação docente.

Fizemos isso a partir do contexto de três comunidades rurais, localizadas no

município de Parintins. Utilizamos a entrevista com comunitários e a reunião

focal com gestor, professores e demais funcionários da escola por permitir

“emergir uma multiplicidade de pontos de vista e processos emocionais, pelo

próprio contexto de interação criado, permitindo a captação de significados

que, com outros meios, poderiam ser difíceis de se manifestar” (GATTI, 2005,

p. 9). Essa técnica é útil em "análises por triangulação ou para a validação de

dados, ou podem ser empregados depois de processos de intervenção, para

o estudo do impacto destes, ou, ainda, para gerar novas perspectivas de

futuros estudos" (IDEM, p. 12), como é o nosso caso.

O contexto das comunidades de Maranhão, Paraná e Tracajá A compreensão deste estudo foi possível a partir do contexto de três

comunidades rurais do município de Parintins, como, Divino Espírito Santo do

Paraná do Meio, Nossa Senhora das Graças do Maranhão e Santo Antônio

do Tracajá.

A comunidade do Maranhão está localizada na zona rural do município de

Parintins, em uma área de terra firme. É uma comunidade bem desenvolvida,

oferece serviços básicos, como água encanada, luz elétrica, educação e

saúde. Seus moradores vivem da pesca e agricultura e, ainda de programas

sociais do governo Federal.

A escola recém-construída tem estruturada física adequada, salas

climatizadas e espaço amplo para o desenvolvimento das atividades

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escolares, porém, a ausência do ar condicionado em algumas salas, estaria

prejudicando o ensino oferecido.

O posto de saúde da comunidade conta com apoio de uma técnica de

enfermagem e de um médico, este atende aos comunitários uma vez por

semana e, em caso de emergência, a ambulancha - transporte aquático

usado na Amazônia - transporta o doente para a cidade de Parintins.

Aqui fica uma preocupação quanto à garantia de manutenção tanto da escola

quanto do posto de saúde, pois, o Estado tem se mostrado incapaz de

“exercer o poder que lhe é delegado, democraticamente, para governar em

benefício de todos” (ROCHA NETO, 2008, p. 219). A distribuição de renda

extremamente desigual entre as diversas regiões do país dificulta o

atendimento a uma enorme parcela da população brasileira que tem seus

direitos negligenciados.

Já a comunidade do Divino Espírito Santo do Paraná do Meio é situada em

terras baixas, conhecidas como áreas de várzea, cujos habitantes vivem “um

eterno recomeço, seja pela relação de produção, seja pela enchente e

vazante” (RAMOS, 2010, p.4). Ou ainda pelas catástrofes da natureza, como

o temporal ocorrido em agosto de 2013, que devastou a comunidade,

destruindo a antiga escola e as aulas foram suspensas, afetando aos alunos.

No período de nossa visita (mês de outubro de 2013), as aulas haviam sido

reiniciadas, mas em espaços improvisados, como, sacristia da igreja, casas

cedidas por moradores e barracão comunitário, separado por folhas de

plásticos e TNT (figura 1 e 2), o que compromete o aprendizado das crianças.

Figuras 1 e 2: Espaços improvisados para as aulas

Fonte: Pesquisa de Campo (10/2013)

Apesar dos entraves, ressaltamos o empenho dos professores que assumem

seu trabalho docente em meio às adversidades. Talvez essa seja uma das

razões pelas quais os comunitários revelem significativo apreço pelo trabalho

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de alguns professores. Dizemos alguns, porque segundo aqueles, “há

professores esforçados, mas há também uns fraquinhos que não tem domínio

de sala, nem de conteúdo”. De fato, reconhecemos a importância de o

professor dominar os conteúdos trabalhados, contudo, é preciso considerar

outros aspectos igualmente necessários. De qualquer forma, o olhar dos

comunitários revela compreensão a respeito de assuntos importantes,

sobretudo, quando exigem melhores condições para a comunidade.

Quanto à participação dos pais e/ou responsáveis na vida escolar dos alunos,

é admirável, não faltam às reuniões e participam ativamente de atividades

como reuniões, eventos, etc. Talvez pela exigência do Programa Bolsa

Família, ou porque se sentem corresponsáveis pelo sucesso escolar dos

alunos, pois, segundo os professores, alguns pais assistem às aulas dos

professores, como forma de melhor ajudar as crianças nas atividades

escolares. Apesar de que nem sempre podem ajuda-los como desejam, seja

porque estão ocupados com os trabalhos da agricultura, seja porque o nível

de estudo não os permite. Por outro lado, há alguns pais que parecem não se

importar com o aprendizado dos filhos e acreditam que essa responsabilidade

cabe apenas ao professor já que ganha para isso. Conforme mencionamos

anteriormente, o professor precisa assumir o compromisso com a

aprendizagem dos estudantes, mas este compromisso precisa ser assumido

por todos, inclusive pelos pais e ter apoio de políticas públicas de governo.

Os comunitários cultivam a agricultura familiar e manejam a pescaria e

pecuária. Estes se reúnem mensalmente para discutir assuntos de interesse

da coletividade, como o tão propagado projeto do governo federal “Luz para

Todos” que ainda não chegou àquele lugar; a construção do posto de saúde

e; a construção da nova escola, que vale ressaltar foi anunciada pelo atual

prefeito logo após o temporal, mas até o momento nada foi feito. A superação

desses desafios se apresenta como possibilidade de condições dignas a que

os comunitários têm direito.

Finalmente, a terceira comunidade visitada, denominada Santo Antônio do

Tracajá é toda organizada, com ruas asfaltadas, água encanada, energia

elétrica 24 horas, praça, igreja, feira, comércio, casas com características

urbanas, porém, não possui posto de saúde para atendimento da população.

A fonte de renda parece vir da extração do carvão, agricultura familiar, pesca

e auxílio de programas sociais.

A escola foi construída há pouco tempo e tem uma estrutura adequada,

porém, as 04 salas de aula não atendem a demanda das 10 comunidades

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que fazem parte da nucleação daquele polo. Temos aí dois contrastes: de um

lado, alunos estudam em uma escola bem estruturada, com salas

climatizadas e equipadas; de outro, alunos em anexos, com condições

precárias, se sentem como se não fizessem parte daquela escola.

Como vimos, a escola apresenta problemas quanto a sua estrutura física. Por

outro lado, diferentemente da comunidade do Divino Espírito Santo do Paraná

do Meio, a participação dos pais e/ou responsáveis na vida escolar parece ser

outro grande desafio enfrentado pelos professores, talvez pelo fato de que a

maioria reside em comunidades distantes. A situação apresentada nesta

escola polo talvez explique o fato de a mesma apresente um dos menores

índices do IDEB do município de Parintins, estando muito abaixo da meta.

A religião católica é predominante em ambas às comunidades, a começar

pelos nomes Nossa Senhora das Graças do Maranhão, Divino Espírito Santo

do Paraná do Meio e Santo Antônio do tracajá que homenageia seus

padroeiros e tem seus reflexos no ambiente escolar. Nos dias em que

estivemos nas comunidades presenciamos momentos de oração antes do

início das aulas e na hora da merenda. Da mesma forma, observamos que o

futebol faz parte das atividades de lazer dos moradores, fazendo parte das

programações sociais, como as festa de padroeiro.

Escolas do campo: desafios epistemológicos, metodológicos e práticos Ao pensarmos em escolas do campo na Amazônia, especialmente as

situadas em comunidades rurais de difícil acesso distantes e com muitas

horas de viagem, como é caso das comunidades do Baixo Amazonas, requer

que se considere esse contexto, especialmente quando se vislumbra

assegurar o direito a uma educação de qualidade.

De um lado há que se considerar as estruturas físicas e materiais das escolas

que, em sua grande maioria são precárias. De outro, a valorização

profissional do trabalho docente, como salário, formação e carreira. As

condições precárias impostas acabam por desgastar os profissionais da

educação e os impedem de avanços mais concretos e melhor intervir para

transformações sociais no interior do Amazonas.

Um primeiro desafio identificado nas três comunidades está relacionado à

oportunidade da primeira experiência profissional dos egressos de cursos

de formação de professores. Durante reunião focal com os professores das

comunidades investigadas verificamos que os egressos, geralmente, têm

iniciado suas experiências profissionais em escolas do campo.

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De acordo com uma professora egressa, sua alternativa para conseguir o

primeiro emprego foi participar de processo seletivo para a Zona Rural porque

“como a gente não tem experiência, tem mais chance de conseguir. Eu

consegui, mas em uma comunidade muito distante”. Lá havia muita

rotatividade de professor, “eu já era a 3ª professora da turma e quando

cheguei pensei até em desistir pelo grau de dificuldades que as crianças

manifestavam” – enfatizou a professora.

As condições em que os egressos experienciam a profissão docente, são

pouco estimuladoras. De acordo com Gatti, Barreto e André (2011, p. 28): Atualmente, no Brasil, os próprios professores são provenientes de camadas sociais menos favorecidas, com menor favorecimento educacional, especialmente os que lecionam na educação infantil e nos primeiros anos do ensino fundamental.

O salário e custo benefício que os professores recebem é suficiente para a

locomoção comunidade/cidade/comunidade e ainda manter aspectos básicos,

como saúde e alimentação. A situação apresentada aponta a necessidade de

pensarmos em questões mais amplas como “planos de carreira mais dignos e

perspectivas de trabalho mais motivadoras” (IDEM).

Outro aspecto igualmente importante apontado pelos professores é quanto às

dificuldades de aprendizagem que as crianças manifestam, que ao que

parece virou uma bola de neve. Nesse jogo, um professor sentindo-se

“incompetente” por não conseguir fazer com que as crianças aprendam e por

não encontrar aí as condições sociais e de trabalho dignas acaba desistindo e

o problema perdura. Isso não quer dizer que é culpa dos professores, ao

contrário, trata-se de uma política de governo pensada para culpabilizar os

professores pelas mazelas do ensino, desviando o foco da raiz do problema.

Como se isso não bastasse, os egressos trabalham disciplinas que na maioria

das vezes não são de sua área de formação. Uma professora que já leciona

há mais de 19 anos em escolas do campo e cursou o Programa de Formação

de Professores (PROFORMAR2

Relacionamos as dificuldades sentidas pelos professores com a análise

apresentada por Demo (2010), quando afirma que “não se trata de culpa dos

) trabalha no turno matutino com três turmas

agregadas da Educação Infantil e à tarde leciona as disciplinas de Geografia

e Inglês nas turmas do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental. A mesma

enfatizou que é considerada apenas um “quebra galho” e sente muita

dificuldade, “se o Português já é difícil, imagina o Inglês [...] é muito

complicado trabalhar com uma área que a gente não domina”.

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docentes, mas de decorrência da perversidade de um sistema voltado para o

instrucionismo [...] a desvalorização profissional, encardida na história do

país, que até hoje, não reconhece seu papel estratégico” (p. 17).

Sobre isso, um professor enfatizou: as dificuldades são grandes na zona

rural, mas quando queremos alguma coisa e temos boa vontade

conseguimos realizar tudo o que nos propomos a fazer. Contudo, sabemos

que apenas a boa vontade dos professores e seu compromisso ético e

político não são suficientes para a melhoria da qualidade da educação.

Apesar de ser um bom começo, outros elementos precisam ser considerados,

como “a valorização social da profissão, os salários, as condições de

trabalho, a infraestrutura das escolas, as formas de organização do trabalho

escolar, a carreira – devem fazer parte de uma política geral de apoio aos

docentes”. (GATTI, BARRETO & ANDRÉ, 2011, p. 15).

Um segundo desafio está ligado às metodologias utilizadas pelos

professores. Isso pode ser percebido na realização das oficinas ministradas

pelos acadêmicos, quando “simples experimentos de ciências deixaram até

os próprios professores admirados, como se tudo ali fosse novo” (acadêmico

de Química, 2012). Ressaltamos aqui a importância da utilização de outras estratégias como

possibilidades para auxiliar para potencializar o ensino. Talvez tenhamos

despertado olhares atentos” – declarou outro acadêmico de Química.

Refletir, questionar, elaborar aulas instigantes e criativas, são ações

entendidas aqui como essenciais para melhoria dos processos de ensinar e

aprender, sobretudo, quando se pensa em auxiliar os estudantes a

ultrapassar o não cotidiano, como o manifestado por professores que se

preocupam em saber as dificuldades que os alunos apresentam, fazem

pesquisa e buscam apoio da família. Outros utilizam estratégias de ensino

variadas para as aulas, como o professor que cria músicas juntamente com

as crianças para trabalhar os conteúdos, despertando o interesse, criatividade

e participação. A preocupação dos profissionais da educação para com a

educação das crianças que estão sob sua responsabilidade, possibilita um

percurso de aprendizagem para além do que o cotidiano pode permitir.

O terceiro desafio diz respeito ao transporte escolar oferecido aos alunos,

que para chegarem à escola, percorrem longas distâncias, ora caminhando,

ora viajando, às vezes, em embarcações precárias ou mesmo em rabeta

(figuras 3 e 4), sem contar com o colete de salva-vidas.

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Figuras 4 e 5: Trajeto percorrido por crianças para chegar à escola polo.

Fonte: Pesquisa de Campo (2013).

De acordo com o artigo 11, inciso VI, da LDB - LEI Nº 9.394, de 20 de

dezembro 1996, é dever dos Municípios assumir o transporte escolar dos

alunos da rede municipal

De acordo com o artigo 28 da LDB, os sistemas de ensino de escolas

inseridas em espaços rurais devem seguir as seguintes normas:

I. Conteúdos curriculares e metodologias apropriadas as reais necessidades

e interesses dos alunos da zona rural; II. Organização escolar própria,

incluindo a adequação do calendário escolar as fases do ciclo agrícolas e as

condições climáticas; III. Adequação à natureza do trabalho da zona rural.

(Incluído pela Lei nº 10.709, de 31.07.2003).

No entanto, na reunião focal ficou evidente a preocupação quanto ao destino

do recurso para essa finalidade, pois as escolas visitadas apresentam sérios

problemas no que consta à compra de combustível, manutenção dos meios

de transporte, segurança, entre outras questões.

Finalmente, o quarto desafio apontado por professores das escolas

investigadas, diz respeito ao Calendário Escolar, que diferencia-se do

calendário da Zona Urbana no que diz respeito à flexibilidade e quantidade de

dias letivos trabalhados. Durante a reunião focal, percebemos o quanto o

calendário de escolas do campo fica comprometido. Um dos motivos é que o

professor precisar se deslocar para a cidade para receber seus vencimentos,

o que leva geralmente 02 dias. Se multiplicarmos os 02 dias vezes 10 meses

letivos, temos supostamente 20 dias letivos perdidos.

Há ainda outros fatores que influenciam no cumprimento do calendário

escolar, como a festa do padroeiro, casos de luto. De acordo com um

professor da comunidade do Maranhão, “na cidade se faleceu alguém a

escola continua, na área rural não. Como todo mundo conhece todo mundo,

seria uma afronta à própria cultura da comunidade [...] a reposição das aulas

torna-se um calcanhar de Aquiles”.

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Isso implica dizer que o trabalho docente precisa considerar o cotidiano, as

experiências construídas em cada comunidade rural, em busca de melhores

condições para o processo de ensino aprendizagem.

Na comunidade do Divino Espírito Santo do Paraná do Meio por ser uma

localidade de várzea, o calendário escolar é diferenciado das escolas de terra

firme e das escolas da cidade. Um dado preocupante é que o ano letivo inicia

em agosto e já no segundo bimestre os professores precisam declarar se os

alunos irão ser aprovados ou reprovados para constar no censo escolar do

ano em curso, ou seja, a realidade de escolas inseridas em áreas de várzea,

não é reconhecida pelo MEC.

Outro dado que preocupa é que os alunos participam da Provinha Brasil, mas

esta participação fica comprometida pelo fato da provinha ser realizada

geralmente nos meses de outubro e novembro, período em que os

estudantes ainda não estão preparados devido o pouco tempo de aula.

Outra questão que preocupante é quanto à evasão, principalmente dos

alunos remanescentes, os conhecidos “filhos de vaqueiros”, que por conta do

trabalho dos pais, precisam deslocar-se para outra localidade se ausentando

das aulas. Segundo os professores, não se trata de um problema e sim de

uma realidade típica de áreas de várzea. Esta é uma realidade que precisa

ser levada em conta na hora de (re) pensar o currículo para aquela escola,

aquele contexto. Para Caldart (2002, p. 26), “o povo tem o direito de ser

educado no lugar onde vive; [...] uma educação pensada desde o seu lugar e

com a sua participação, vinculada à sua cultura e às suas necessidades

humanas e sociais”.

Como podemos ver as dificuldades geográficas, de acesso e permanência, de

políticas públicas, tornam ainda mais desafiador o cotidiano dos profissionais

da educação, que precisam adequar sua prática de ensino à realidade

particular de cada região. Não se pode educar com base apenas nas

condições locais, mas também não se pode educar com base somente nas

condições ideais. Isso quer dizer que ao ensinar é preciso que se busque

uma ponte de equilíbrio entre o ideal e o real.

À guisa de conclusão Neste estudo buscamos analisar o trabalho docente e as condições em que

se faz educação em escolas de comunidades rurais/ribeirinhas na Amazônia,

como requisito necessário para a formação docente, o que foi possível a partir

do contexto de três comunidades rurais, localizadas no município de

Parintins. O estudo contou com a participação de acadêmicos do 4º período

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dos cursos de Química e História e 8° período do curso de Pedagogia do

CESP/UEA, através das disciplinas de Metodologia do Estudo, Didática e

Estágio Supervisionado, respectivamente, o que possibilitou uma primeira

experiência destes em escolas do campo.

A partir do contato com sujeitos do campo foi possível identificar alguns

desafios característicos desses contextos, como as condições em que os

egressos dos cursos de formação de professores ingressam na profissão

docente; as metodologias utilizadas pelos professores; o transporte escolar

oferecido aos alunos, e; finalmente, a dificuldade de cumprir o Calendário

Escolar e suas implicações para os processos ensinar/ aprender.

O estudo aponta para a importância de a universidade possibilitar aos alunos

em formação uma formação teórica articulada a experiências com a realidade

concreta. Aponta ainda para a necessidade de (re)pensar as políticas de

educação do campo no sentido de contemplar as singularidades de escolas

situadas a margem dos rios da Amazônia.

Nosso olhar voltou-se para a importância da articulação de saberes, a partir

de diálogo entre os saberes da terra e os saberes construídos cientificamente.

Esse diálogo não trata um saber como superior ao outro, mas como uma

ponte de equilíbrio para compreensão/intervenção na realidade concreta. Os

textos lidos, discutidos em sala de aula, as dúvidas que geraram nos alunos

em formação, as práticas de campo experienciadas no contexto de escolas

do campo, fortalecidas no diálogo nos incentivam ainda mais a creditar que a

luta, a perseverança, a atitude, a vontade de transformar nos fazem “sair da

roda” e ajudam a escrevermos outra cena, outra história.... Mudar o percurso

do destino ao qual “fatalmente” nos encontramos é possível, porém, depende,

em grande parte de condições necessárias que o meio nem sempre nos

oferece. As interações com os outros, as vivências, a consciência podem

contribuir para alterar o nível de desenvolvimento humano que podemos

atingir e os professores tem importância vital nessa tarefa. Daí nosso

compromisso, nossa busca!!!

REFERÊNCIA: ARROYO, Miguel; CALDART, Roseli; MOLINA, Mônica (Org). Por uma educação do campo. 5. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. CANDAU, Vera Maria (org). A didática em questão. 28. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

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