IEL produção da fala
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Alain Marchal César Reis
Belo Horizonte Ed. UFMG
2012
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A respiração e a iniciação pulmonar
Introdução
A compreensão do processo da produção da fala requer um bom
conhecimento dos mecanismos que atuam na respiração normal, pois
a fala se sobrepõe à respiração, modificando-a, uma vez que o ar é a
energia utilizada na produção dos sons da fala.
Até o século 17, o conhecimento do homem sobre a respiração se limitava à crença segundo
a qual a respiração servia principalmente para resfriar o sangue. Somente no início do século
20 aparecem os primeiros trabalhos sobre a mecânica ventilatória. Em 1925, F. Rohrer
publica seu tratado sobre os movimentos da respiração que lançam as bases da fisiologia
respiratória. Esses trabalhos serão aprofundados por W. Fenn nos anos 1940.
Deve-se a Stetson1 e Ladefoged, Draper e Whitteridge2 os primeiros estudos fonéticos que
examinam as relações entre fala e respiração. Pela primeira vez é, então, claramente evocada
a maneira como a respiração é modificada para permitir a produção da fala.
A respiração tem por função vital possibilitar a troca gasosa entre o ar e o sangue. O ciclo
respiratório constitui-se de duas fases: inspiração e expiração. A inspiração permite armazenar
uma quantidade de ar nos pulmões e abastecer o organismo de oxigênio. A expiração tem
por função esvaziar os pulmões e expulsar para o exterior os detritos gasosos e em particular
livrar o sangue do dióxido de carbono. Na fala, a grande maioria dos sons utiliza-se do ar na
fase da expiração. Entretanto, a fase da inspiração participa da produção de vários sons e de
pausas.
O sistema respiratório é composto, de forma esquemática, da caixa torácica, dos pulmões e das
vias respiratórias, constituídas pelo conduto traqueobrônquico, da laringe e das vias
respiratórias superiores (faringe, nariz, boca).
1 STETSON, 1951. 2 LADEFOGED; DRAPER; WHITTERIDGE, 1957.
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Figura 1.1 – Sistema respiratório: a. Cavidade bucal; b. Cavidade nasal; c. Faringe; d. Laringe; e. Traqueia.; f. Pulmões; g. Diafragma.
A caixa torácica
As estruturas responsáveis pela respiração são:
1. o tórax ósseo 2. o tórax visceral 3. os músculos torácicos e abdominais
A caixa torácica com seus músculos se comporta como uma bomba que aspira e expulsa o ar
do sistema respiratório através das vias respiratórias superiores e inferiores. É formada por
doze vértebras dorsais, doze pares de costelas e o esterno. É limitada na parte superior pelo
pescoço e na parte inferior pelo diafragma.
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caixa torácica
Figura 1.2a
Figura 1.2c
Figura 1.2b
Figura 1.2d
5
Figura 1.2 – Os pulmões e a caixa torácica.
O conjunto das costelas forma a estrutura de uma cavidade protetora em forma de barril
(Figura 1.2b). Na sua face posterior, a cabeça de cada costela é ligada à coluna vertebral
através de articulações deslizantes. Na face anterior, as sete primeiras costelas inserem-se
diretamente no osso esterno através das cartilagens costais. A oitava, a nona e a décima
costela não terminam no esterno, mas na borda inferior da costela imediatamente acima. As
duas últimas costelas ou costelas flutuantes não têm ligação com o externo, mas estão
encobertas de fibras musculares.
Por causa de sua forma e de seu modo de inserção anterior e posterior, um movimento de
elevação das costelas provoca um aumento do volume torácico nas duas dimensões: a
dimensão transversal e lateral (devido à forma curva das costelas) e o diâmetro ântero-
posterior em razão de um movimento simultâneo para o alto e para frente do esterno. A
dimensão vertical pode finalmente ser modificada pelo deslocamento do diafragma que
empurra as vísceras abdominais para baixo (Figura 1.3).
Figura 1.3 – Dimensões ântero-posterior e transversal da caixa torácica na inspiração.
Os pulmões
Os pulmões são duas estruturas irregulares, de forma piramidal, de cada lado da caixa
torácica, separados um do outro pelo mediastino, onde se encontra o coração (Figura 1.2b).
São compostos por tecido esponjoso e altamente elástico. Juntamente com as vias
respiratórias inferiores, apresentam uma estrutura que se assemelha a uma árvore invertida,
por causa das inúmeras ramificações, pois o conduto traqueal (mais ou menos 2,5 cm de
diâmetro) divide-se em dois brônquios que se subdividem em brônquios secundários, estes
6
em brônquios terciários, que por sua vez se subdividem em bronquíolos até chegarem aos
alvéolos (aproximadamente 300 milhões para uma área de 75m2) (Figura 1.2a).
Os dois pulmões são envolvidos por uma membrana cerosa: a pleura (Figura 1.2c). São, na
verdade, duas membranas: a membrana interna ou pleura visceral que recobre e adere aos
pulmões; a membrana externa ou pleura parietal que está fixada na face interna da caixa
torácica e na face superior do diafragma. A cavidade pleural é preenchida por uma película
líquida de espessura capilar que facilita a mobilidade das duas membranas, uma sobre a
outra. A pleura possibilita a solidariedade funcional do conjunto tórax-pulmões. O tecido
pulmonar apresenta uma grande elasticidade e pode por isso acompanhar os deslocamentos
da caixa torácica.
Os pulmões e o tórax são em grande parte elásticos, sendo submetidos a uma elongação na
fase inspiratória, devido a uma força externa (atividade muscular). Quando essa força cessa,
retoma a forma e a posição primitivas; o que tem como efeito comprimir os pulmões,
diminuindo o volume pulmonar e expulsando o ar inspirado anteriormente.
Essa propriedade de elasticidade tem um papel importante na respiração normal. Além
disso, como a elasticidade pulmonar nunca é inteiramente satisfeita em condições normais,
os pulmões exercem na face interna do tórax uma força de aspiração contínua. Pode-se
avaliar essa força elástica, em pessoa viva, introduzindo-se, entre as duas membranas
pleurais, uma agulha ligada a um manômetro. Constata-se a existência de uma pressão
negativa, isto é, inferior à pressão atmosférica, que é devida à tração elástica exercida pelo
pulmão sobre a pleura visceral; seu valor varia de acordo com os momentos do ciclo
respiratório. Essa pressão intrapleural, que se pode também chamar de pressão intratorácica,
é a que se exerce sobre as vísceras do tórax, em particular o coração, o canal torácico, o
esôfago, onde é mais facilmente medida.
A pressão do ar contido nos pulmões ou pressão intrapulmonar depende da força exercida
sobre as paredes pelas moléculas de ar dentro dos pulmões. Quando as dimensões de uma
cavidade aumentam, seu volume cresce, distanciando-se as partículas de ar umas das outras,
provocando uma baixa na pressão. Ao contrário, quando as dimensões da cavidade
diminuem, o volume da cavidade decresce, as moléculas de ar se aproximam umas das
outras, aumentando a pressão (lei de Boyle).
Para que o ar entre e saia dos pulmões, é preciso criar uma diferença de pressão entre o ar
que eles contêm e a atmosfera externa. Um aumento do volume pulmonar provoca uma
depressão que tem como consequência a entrada do ar externo. Uma diminuição do volume
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pulmonar provoca por sua vez um aumento de pressão que expulsa o ar para o exterior.
A respiração vegetativa
A inspiração A inspiração é o resultado de uma elevação e de um alargamento da caixa torácica
produzida pela contração dos músculos intercostais externos e pelo diafragma que abaixa e
empurra as vísceras abdominais para baixo. Essa ação, como consequência da solidariedade
tórax-pulmões, provoca uma baixa de pressão intrapleural. Quando a força exercida é
suficientemente forte para vencer a resistência elástica dos tecidos pulmonares, o volume
pulmonar aumenta e os pulmões se enchem por aspiração. O volume corrente inspirado
situa-se em torno de meio litro.
A expiração Quando as forças inspiratórias cessam, os pulmões retornam à sua posição de repouso,
esvaziando-se, ocorrendo, assim, um retorno a sua posição de equilíbrio. A expiração
normal é um fenômeno inteiramente passivo ligado às forças elásticas de retração dos
tecidos pulmonares, das costelas, do seu peso e da pressão exercida pelas vísceras
abdominais ou pressão abdominal. Esse conjunto de forças constitui o que se convencionou
chamar de pressão de relaxamento. A pressão de relaxamento é a pressão do ar que se poderia
medir nos pulmões inflados se os intercostais estivessem relaxados e que o ar estivesse
impedido de escapar dos pulmões.
A expiração, na respiração calma, é uma atividade inconsciente. A proporção entre a
inspiração e a expiração é de 1:1. A respiração calma é caracterizada por uma frequência de
12 a 18 ciclos por segundo. No adulto, os valores médios de ar expirado são de 0,3 a 0,5 l/s;
para um volume de 500 cm³ e uma pressão de 1 a 3 cm/H2O. Esses valores variam e
aumentam com o trabalho. Desta forma, após uma inspiração forçada e com uma ação forte
dos músculos da expiração, o fluxo de ar pode elevar-se a mais de 50 l/s e a pressão
intrapulmonar a 100 cm/H2O.
Os músculos da respiração
Os músculos respiratórios podem ser examinados de um ponto de vista funcional,
inspiração/expiração, ou anatômico, torácicos/abdominais. Vamos utilizar aqui o ponto de
vista funcional. As três dimensões da caixa torácica (vertical, transversal, ântero-posterior)
aumentam durante a inspiração e diminuem durante a expiração. Dois grupos de músculos
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estão implicados nas diferentes etapas da respiração: os músculos da inspiração e os
músculos da expiração.
Os músculos da inspiração
O diafragma O diafragma é o principal músculo da inspiração. É um músculo em forma de cúpula cujas
fibras inserem-se respectivamente na base do esterno, nas vértebras lombares e nas
superfícies das cartilagens das costelas inferiores. Separa a cavidade torácica da cavidade
abdominal. A contração do diafragma nivela a forma da cúpula, empurrando para baixo as
vísceras abdominais: o que aumenta a cavidade torácica na dimensão vertical. O diafragma
pode, também, ncerta medida, contribuir para elevar as costelas inferiores.
Os intercostais externos Os intercostais externos inserem-se entre as costelas e ligam obliquamente a borda inferior de
uma costela à borda superior da costela inferior. Sua função é de tornar rígida a parede
torácica. Sua ação visa a contrabalançar as forças de relaxamento. Por causa dos seus pontos
de inserção, sua contração provoca um movimento de rotação das costelas para o exterior e
para o alto, aumentando assim a dimensão ântero-posterior.1
Na respiração calma, a expansão dos pulmões é obtida pela contração do diafragma e dos
intercostais externos. Na respiração forçada, outros músculos suplementares podem
complementar a ação desses músculos e ampliar o movimento de elevação das clavículas,
modificando a curvatura das costelas e aumentando mais ainda sua elevação. Trata-se
principalmente dos músculos peitorais maiores e menores e dos músculos escalenos.
1 DICKSON; DICKSON, 1995.
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Figura 1.4 – Músculo da inspiração: intercostal externo.
Os músculos da expiração Na expiração calma, a expiração é um fenômeno inteiramente passivo. Quando as forças de
inspiração cessam, o conjunto das forças responsáveis pela pressão de relaxamento é
suficiente para fazer com que os pulmões voltem à posição de repouso, desinflando-se.
Para prolongar a fase expiratória na respiração forçada, exerce-se uma pressão suplementar
sobre a caixa torácica. Isso acontece pela ação de três grupos de músculos:
- os músculos torácicos como os intercostais internos, os subcostais e o torácico transverso. - os músculos abdominais como o transverso do abdômen, o oblíquo interno, o oblíquo externo e o reto do abdômen. - os músculos dorsais como o grande dorsal e o iliocostal.
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Figura 1.5 – Músculo da expiração: intercostal interno.
Os intercostais internos Nesse conjunto de músculos respiratórios, o papel dos intercostais internos é primordial.
Esses músculos situam-se abaixo dos intercostais externos e suas fibras são orientadas
perpendicularmente a dos intercostais externos. Originam-se na margem inferior da costela
superior, inserindo-se na região interna da costela imediatamente inferior. Essa orientação
provoca pela sua contração um abaixamento das costelas. Os músculos intercostais internos
e externos apresentam-se como um agrupamento de onze músculos de um lado e do outro
da caixa torácica. A contração dos oblíquos internos e externos ajuda a reforçar essa ação e a
provocar a compressão do abdômen, fazendo subir o diafragma, diminuindo assim a
dimensão vertical da caixa torácica.
A respiração na fonação
Os sons da fala são o produto de uma utilização rigorosa e precisa da corrente de ar gerada
pelos pulmões. Enquanto a respiração normal é um fenômeno aerodinâmico automático, a
respiração no ato de fala é controlada e organizada de forma muito fina. É necessário obter
uma produção de ar suficiente para permitir ao mesmo tempo a respiração e a pronúncia de
uma frase completa sem retomar o ar num momento impróprio. A expiração deve
possibilitar o fornecimento de um fluxo de ar suficiente, assim como a manutenção de uma
pressão subglótica estável durante toda a duração da fase elocutiva. A produção da fala
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pode ser considerada como uma resistência ao escoamento do ar expirado. A respiração
deve ser, pois, modificada para aumentar o volume de ar disponível por meio de um
aumento da inspiração e através de um controle da expiração para prolongar a duração e
para regular o fluxo de ar.
O ciclo respiratório O ciclo respiratório é profundamente modificado pela produção da fala. A proporção entre a
inspiração e a expiração que, na respiração normal, é de 1 para 1, passa normalmente para
uma proporção de 1 para 4, podendo mesmo chegar a 1 para 10 na produção da fala.
Figura 1.6 – Inspiração e expiração na respiração calma, na fala e na respiração forçada.
A inspiração ocorre muito mais rapidamente para evitar as interrupções prolongadas da
fala. Para isso, a inspiração ocorre em boa parte pela boca e mobiliza, além do diafragma, os
músculos intercostais externos. O volume pulmonar para o início da fala é
aproximadamente duas vezes superior ao da respiração calma e corresponde à metade da
capacidade vital, isto é, aproximadamente 2,5 litros.
A expiração não é mais automática, mas controlada. O período fica mais longo, passando de
2-3 segundos para 15-20 segundos. A duração vai variar de acordo com o comprimento da
frase. O volume pulmonar empregado não é distante da capacidade residual funcional.
O controle da expiração Segundo Ladefoged,2 o controle da expiração se dá da seguinte forma: no começo da fase
expiratória, os músculos da inspiração (intercostais externos) continuam a trabalhar para
conter a descida da caixa torácica que, em razão da sua massa e das forças elásticas do
pulmão, teria uma tendência a voltar muito rápido sobre si mesma. A atividade dos
músculos intercostais externos decresce progressivamente em função do volume pulmonar,
2 LADEFOGED, 1967.
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cessando no momento em que passa a impedir o fornecimento da quantidade de ar
necessária à fonação. Os músculos da expiração entram então em ação. A contração cada vez
mais forte dos intercostais internos comprime a caixa torácica e expulsa o ar contido nos
pulmões. Essa ação é reforçada no final da fase expiratória pelo trabalho dos músculos
oblíquos e do diafragma.
A atividade muscular e a sílaba
A relação da sílaba com a respiração é tão estreita e até mesmo intuitiva que é reconhecida
pela tradição gramatical greco-latina, que define a sílaba como “o fonema ou grupo de
fonemas emitidos num só impulso expiratório”. Noção essa reelaborada por Sievers3
(schallsilbe/drucksilbe) e testada experimentalmente por Stetson, que descrevia assim a
existência de atividades alternadas dos intercostais internos e externos, delimitando as
sílabas. Segundo esse autor, a sílaba seria iniciada por uma contração dos intercostais
internos. Estes provocariam a geração de um jato de ar que seria interrompido por uma
contração dos intercostais externos. Essa atividade antagonista dos intercostais internos e
externos seria utilizada para criar, através de um mecanismo de alternâncias, uma série de
jatos torácicos, de pulsações balísticas coextensivas às sílabas. Essa teoria motora da sílaba é
compartilhada por Pike4 e por Durand: “A sílaba é um conjunto de fonemas articulados em
uma mesma contração realizada pelos músculos intercostais internos e externos.”5
Há, sem dúvida, certa dificuldade em estabelecer uma relação unívoca entre sílaba e
atividade muscular e o próprio Stetson admitia que essa correspondência não é sistemática e
que havia casos em que o número de sílabas e o número de picos de atividade diferiam.
Conclusão
O ar que respiramos é a energia básica utilizada na produção da fala. A compreensão do
mecanismo de produção da fala requer a compreensão do mecanismo da respiração e de sua
interação com a atividade de fala e do controle de fluxo e pressão de ar na produção da fala.
Encontramo-nos ainda no limiar dos estudos aerodinâmicos da fala do português brasileiro.
Tratamos aqui dos fundamentos do mecanismo de respiração, da teoria respiratória da
sílaba e da pressão subglótica em particular. Voltaremos a tratar de fluxo e pressão no
3 SIEVERS, 1876. 4 PIKE, 1943. 5 La syllabe est un ensemble de phonèmes articulés dans une même contraction de la double série des muscles intercostaux. DURAND, 1954, p. 528
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último capítulo, em que apresentamos as diferentes técnicas instrumentais para o estudo da
produção dos sons da fala.
A laringe
Introdução
A laringe ocupa a parte média e anterior do pescoço, correspondendo às quatro últimas
vértebras cervicais. Situada no extremo superior da traqueia, é limitada na parte superior
pelo osso hioide, comunicando-se com a faringe.
Pela sua posição e sua configuração, a laringe constitui a encruzilhada das vias aéreas
(traqueia-laringe-faringe-fossas nasais) e das vias digestivas (cavidade bucal-faringe-laringe-
esôfago). A laringe é um esfíncter que, pela ação de fechamento da traqueia, protege as vias
aéreas e impede que a água, alimentos ou um corpo estranho penetrem nos pulmões.
A laringe é também uma válvula que regula os volumes de pressão de ar nas vias
respiratórias inferiores. É essa faculdade em fazer variar a abertura das vias aéreas e em
modular a energia acústica que é explorada na fonação, nome dado aos múltiplos ajustes da
laringe na produção de fala. A laringe é constituída de cinco cartilagens principais, onze
músculos intrínsecos, três lâminas aponeuróticas, irrigada por três artérias e três veias e
inervada por dois nervos. Além disso, dezesseis músculos extrínsecos e três ligamentos a
ligam aos órgãos vizinhos,6 como veremos a seguir em detalhe.
Configuração exterior
Face anterior No alto, ultrapassando o corpo do osso hioide, aparece a face anterior da epiglote; depois,
mais embaixo, a face anterior da cartilagem tireoide, com as inserções dos músculos
esternotireóideo e tireo-hióideo. O espaço cricotireóideo é preenchido por uma membrana e
os músculos cricotireóideos. Na base, encontra-se a cartilagem cricoide (Figura 2.2).
6 LE HUCHE; ALLALI, 2001.
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Figura 2.1 – Sistema fonatório: a laringe.
Face posterior O orifício superior da laringe, de forma oval, visto de trás e do alto, é delimitado, na frente,
pela epiglote, atrás pela saliência das cartilagens aritenoides e corniculadas, dos lados pelas
pregas aritenoepiglóticas (Figura 2.2).
Figura 2.2 – Laringe.
A extremidade posterior desse orifício prolonga-se embaixo através de uma fenda. De cada
lado desta, podem-se distinguir duas saliências: as cartilagens corniculada e cuneiforme.
Encontra-se, na base, a lâmina da cartilagem cricoide, uma saliência formada pela face
posterior das cartilagens aritenoides, músculos interaritenóideos e cricoaritenóideos com
inserção na lâmina da cartilagem cricoide.
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Configuração interior
Pode-se, a partir das pregas vocais, dividir a cavidade laríngea em três estágios (Figura 2.3).
Figura 2.3 – Vista coronal da laringe: a. pregas ventriculares; b. pregas vocais; c. traqueia.
Estágio superior ou vestíbulo Este estágio superior da laringe, também chamado de vestíbulo tem forma de um triângulo
com a base voltada para cima, terminando nas pregas vocais. A epiglote e os ligamentos
epiglóticos formam a parede anterior. A face interna das pregas aritenoepiglóticas no alto e a
face superior interna das pregas vestibulares em baixo formam as paredes laterais. A parte
posterior é constituída pelas aritenoides e o espaço entre essas cartilagens.
Estágio médio ou glote
Os espaços glóticos O estágio médio corresponde a um espaço compreendido entre as bordas livres das pregas
vocais. Compreende a glote e dois prolongamentos laterais, os ventrículos de Morgani. A
glote é o espaço delimitado pelas bordas das pregas vocais inferiores e, posteriormente, o
processo vocal das cartilagens aritenoides. Pode-se funcionalmente distinguir duas glotes:
1. A glote membranosa ou vocal que corresponde ao espaço delimitado pelas bordas livres das pregas vocais, situa-se nos dois terços anteriores. Contém o músculo tíreoaritenoídeo inferior, o músculo vocal que constitui a camada interna, além de um ligamento, o ligamento vocal. 2. A glote cartilaginosa ou glote respiratória, situada no terço posterior, correspondendo ao espaço entre os processos vocais das cartilagens aritenoides.
Os ventrículos de Morgani situam-se entre as pregas vocais e as pregas ventriculares.
Constituem uma cavidade mais ou menos profunda. O tamanho e a forma da fenda glótica
variam de acordo com o estado dos diferentes grupos de músculos que atuam nos
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movimentos de deslocamento das cartilagens da laringe e, sobretudo, dos movimentos de
adução, abdução e tensão das pregas vocais.
A glote membranosa é onde acontecem as principais mudanças provocadas pelos
deslocamentos das pregas vocais. As dimensões da glote cartilaginosa variam pouco, com
exceção de ações violentas de constrição e compressão do esfíncter, como, por exemplo, na
tosse. Quando se abre a glote ao máximo, sua seção de área é mais ou menos igual à metade
da seção da traqueia. A glote oferece assim uma resistência permanente à saída de ar.
As pregas vocais ou cordas vocais As pregas vocais são pregas músculo-membranosas fixadas na parte anterior do ângulo
constituído pela cartilagem tireoide e posteriormente no processo vocal das aritenoides. O
comprimento médio das pregas vocais é de 2 cm no homem e de 1,5 cm na mulher.
Apresentam uma estrutura complexa.7 Mais do que um ligamento e um músculo, trata-se de
um conjunto de camadas musculares, ligamentosas e membranosas possuindo, cada uma,
propriedades mecânicas e vibratórias diferentes (Figura 2.4).
Figura 2.4 – Estrutura das pregas vocais
Embora a mucosa represente apenas uma pequena parte da massa total das pregas vocais,
filmes ultrarrápidos mostraram que tem um papel crítico. O revestimento mucoso exterior
apresenta maior compliância, isto é, maior flexibilidade, que o corpo muscular interno e é
responsável por grande parte do movimento vibratório. A flexibilidade do epitélio e dos
tecidos conjuntivos em que se sustenta (lâmina própria) é responsável pela complexidade
dos movimentos vibratórios da fonação. A lâmina própria é um tecido conjuntivo que liga o
epitélio aos músculos subjacentes. Com uma espessura total de 1,2 mm, comporta três
camadas: superficial, intermediária e profunda:
- o plano superficial é um conjunto frouxo de fibras elásticas e de fibras colágenas. É mais móvel que as camadas inferiores. Define o espaço de Reinke. Este tem a função de isolar a
7 HIRANO, 1981
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mucosa do músculo subjacente, permitindo uma vibração da mucosa independente do movimento muscular. - as fibras colágenas da camada intermediária constituem o essencial do conus elástico, a principal membrana fibrosa da glote interior. - a camada mais profunda da lâmina própria constitui o ligamento vocal. O músculo tireoaritenóideo forma a porção muscular da prega vocal. É orientado de frente para trás desde a superfície profunda da cartilagem tireoide até as cartilagens aritenoides. As fibras mais centrais constituem o músculo vocal.
Estágio inferior ou subglótico Essa região situa-se abaixo das pregas vocais até o início do primeiro anel da traqueia.
As cartilagens da laringe
A laringe é constituída por uma armação esquelética composta de cinco cartilagens
principais. (Figura 2.5). Tecidos conjuntivos fibrosos, flexíveis e elásticos cobrem as paredes
da cavidade laríngea. As cartilagens estão unidas entre si por meio de articulações e de
ligamentos, sendo mobilizadas por um conjunto de músculos.
a 2.5 – Cartilagens da laringe.
A cartilagem cricoide A traqueia canaliza o ar que entra ou sai dos pulmões. É constituída por uma pilha de anéis
cartilaginosos. O último anel é diferenciado, mais maciço e móvel, constituindo o primeiro
componente da laringe. Trata-se da cartilagem cricoide (do grego cricos, isto é, anel). A
cartilagem cricoide situa-se na base da laringe. Tem a forma de um anel com o engaste na
parte de trás. Duas partes se distinguem: a parte posterior que tem o nome de lâmina da
cricoide e a parte ântero-lateral ou arco cricoide, cuja altura diminui progressivamente de
trás para frente.
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A cartilagem cricoide sustenta a cartilagem tireoide e as aritenoides (Figura 2.6). Estas
últimas se articulam com sua borda superior que apresenta quatro superfícies articulatórias:
duas laterais para a tireoide e duas superiores e posteriores para as aritenoides. Na borda
superior do arco cricóideo, prendem-se de cada lado o músculo cricoaritenóideo lateral. Na
face posterior da placa cricóidea, prendem-se os músculos cricoaritenóideos posteriores.
A cartilagem tireoide A cartilagem tireoide (do grego tureos ou escudo) tem a forma de um escudo. É formada por
duas lâminas quadriláteras que se unem na borda anterior constituindo um ângulo diedro
aberto na parte posterior. Essa saliência é mais conhecida como pomo de Adão ou gogó. As
duas lâminas prolongam-se na borda posterior através de dois cornos. Os cornos superiores,
ou cornos tireóideos, são mais longos e servem de ponto de inserção para o ligamento tireo-
hióideo. Nos cornos inferiores, menores, a cartilagem tireoide encaixa-se e articula-se na
borda superior da cartilagem cricoide no nível das facetas articulatórias.
As cartilagens aritenoides As cartilagens aritenoides são duas peças cartilaginosas simétricas. Têm forma piramidal. As
aritenoides se articulam na borda superior do arco da cartilagem cricóide. A base inferior da
aritenoide é côncava para se encaixar com a forma convexa da superfície cricóidea
correspondente. Na base anterior da cartilagem, destaca-se uma saliência em forma de
pirâmide: é a apófise vocal, na qual se insere a parte posterior da prega vocal inferior.
A cartilagem epiglótica Esta cartilagem é constituída por uma pequena lâmina de cartilagem elástica, fina e flexível.
De forma oval, com a extremidade superior mais espessa, a cartilagem epiglótica encontra-se
na parte anterior superior da laringe. Situa-se atrás da cartilagem tireoide na qual está presa
por um ligamento, ultrapassando-a no alto. Prende-se à língua através de três ligamentos.
Durante a deglutição, a epiglote executa um movimento de báscula para trás e obstrui as
vias respiratórias.
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Figura 2.6 – Cartilagens da laringe (vista posterior): a. tireoide; b. aritenoides; c. cricoide.
As articulações e ligamentos
As diferentes cartilagens são unidas entre si por articulações e ligamentos.
As articulações e ligamentos intrínsecos Articulações e ligamentos responsáveis pela articulação das cartilagens laríngeas entre si. As
articulações da laringe ocorrem entre as cartilagens tireoide e cricoide (articulação
cricotireóidea) e entre as cartilagens cricoide e aritenoide (articulação crico-aritenoide).
As articulações cricotireóideas As articulações cricotireóideas ligam os pequenos cornos da cartilagem tireoide às facetas
articulatórias do anel cricóideo. Permitem assim os movimentos de báscula em torno de um
eixo transversal que passa pelas duas articulações, provocando a tensão das pregas vocais
(Figura 2.7).
Figura 2.7 – Articulação cricotireóidea das pregas vocais.
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A membrana cricotireóidea A membrana cricotireóidea se estende da borda inferior da cartilagem tireoide à borda
superior do anel cricóideo.
As articulações cricoaritenóideas As articulações cricoaritenóideas ligam a base da cartilagem aritenoide à borda superior da
lâmina cricóidea. Têm um papel primordial no controle da fenda glótica. A forma das
superfícies articulatórias permite que as cartilagens aritenoides, por translação lateral,
executem a adução (aproximação) e abdução (afastamento) das pregas vocais.
O ligamento tireoepiglótico O ligamento tireoepiglótico liga a base inferior da epiglote ao ângulo da cartilagem tireoide.
Os músculos tireoaritenóideos (ou membrana elástica da laringe) Os músculos tireoaritenóideos, em número de dois, ligam a cartilagem aritenoide ao ângulo do
escudo tiroídeo e emprestam à cartilagem tireoide uma forma de funil. O músculo inferior é
o músculo da prega vocal verdadeira; o músculo superior se estende até a prega ventricular
e o músculo lateral atinge as pregas aritenoepiglóticas.
As membranas e os ligamentos extrínsecos Interligam as cartilagens laríngeas com as estruturas que lhe dão sustentação.
A membrana e os ligamentos tireo-hióideos A membrana e os ligamentos tireo-hióideos ligam a borda superior da cartilagem tireoide à
borda interna dos grandes cornos do osso hioide.
A membrana hioepiglótica A membrana hioepiglótica se estende da face anterior da epiglote à borda posterior superior do
osso hioide.
A membrana cricotraqueal A membrana cricotraqueal liga a borda inferior do anel cricóideo à traqueia.
Os músculos da laringe
Dois grupos de músculos devem ser distinguidos: os músculos responsáveis pela fixação da
laringe nos órgãos vizinhos, os chamados músculos extrínsecos, e os músculos que
mobilizam diretamente as peças cartilaginosas da laringe ou músculos intrínsecos.
Os músculos intrínsecos Os músculos intrínsecos são mobilizados para deslocar as cartilagens da laringe e modificar a
21
configuração glótica (Figura 2.8). Contribuem para determinar a forma, a posição, o
comprimento, a tensão e a rigidez das pregas vocais. Distinguem-se, segundo sua função
principal, três grupos de músculos intrínsecos:
- os músculos tensores das pregas vocais, os músculos cricotireóideos; - os músculos dilatadores da glote, o cricoaritenóideo posterior; - os músculos constritores da glote. Compreendem os músculos cricoaritenóideos laterais, tireoaritenóideos inferiores, tireoaritenóideos superiores e interaritenóideo. Todos esses músculos são pares, com exceção do interaritenóideo.
Figura 2.8 – Músculos intrínsecos da laringe: a. CAP, IA; b. CAL, TA, IA, CAP; c. TA.
O músculo cricotireóideo (CT) Este músculo é par e simétrico. Recobre o músculo cricoaritenóideo lateral. Insere-se por fora
dele na face externa do arco cricóideo e se prende na borda inferior da face interna da
cartilagem tireoide, avançando até a borda anterior do pequeno corno tireóideo. O
cricotireóideo é o músculo intrínseco mais importante e age diretamente na articulação
cricotireóidea. Hong, Kim e Kim.8 distinguem os feixes reto e oblíquo do CT: a pars recta e a
pars oblíqua.
A pars recta superficial provoca um movimento de báscula, para frente, da cartilagem
tireoide sobre a cartilagem cricoide. A pars obliqua é responsável pelo movimento de
translação anterior.9 A ação dos músculos cricotireóideos provoca um aumento do diâmetro
ântero-posterior da laringe e um alongamento das pregas vocais. Os ligamentos e os
músculos da prega vocal são tensionados. Esses músculos são, então, chamados de músculos
tensores das pregas vocais.
De todos os músculos intrínsecos, o CT é o que mais está em relação com as variações e
8 HONG, KIM E KIM, 2001. 9 O movimento de báscula e de rotação pode chegar a cinco graus e o movimento de translação pode atingir 1 mm (TAKANO et al., 2003).
22
regulação da frequência fundamental. Uma contração contínua do CT provoca uma elevação
de f0. Uma relaxação abaixa o nível da frequência fundamental.10
f0 não depende mais do CT em apenas uma única ocasião: quando a f0 já é baixa e quando
baixa gradualmente a um nível de 15 Hz/s.11 No registro de peito, o cricotireóideo contribui
para controlar a intensidade.12 Um aumento de atividade do CT acompanha a produção de
vogais acentuadas.13
O músculo cricoaritenóideo posterior (CAP) Par e simétrico, este músculo é o mais poderoso e o mais volumoso dos músculos da laringe.
Estende-se da face posterior da lâmina cricóidea até a apófise muscular da aritenoide
correspondente. A contração do músculo cricoaritenóideo posterior determina o movimento de
translação que afasta as apófises vocais. O resultado é a abdução ou afastamento das pregas
vocais inferiores, cuja parte posterior insere-se na apófise vocal. É um músculo dilatador da
glote.
Hirose e Gay, Larson, Kempster e Kistler14 estabeleceram que a ausência de vozeamento é
determinada pela atividade do CAP, que afasta as pregas vocais uma da outra. A atividade é
fraca e dura pouco tempo durante a fonação. Nas consoantes não vozeadas, há um aumento
da atividade do CAP. Esse fenômeno é ainda mais notável em posição final. Em uma vogal
em início de palavra, há uma baixa na atividade do CAP. A atividade é a mesma se a palavra
começa por uma consoante não vozeada.
O músculo cricoaritenóideo lateral (CAL) Par e simétrico, este músculo liga a parte lateral da borda superior do arco cricóideo e a face
externa anterior da apófise muscular da aritenoide. O músculo cricoaritenóideo lateral é o
menor dos músculos intrínsecos. Sua contração provoca o giro das aritenoides sobre si
mesmas. O resultado é a adução ou aproximação das apófises vocais e uma diminuição do
comprimento da parte vibrante das pregas vocais.15 Esse músculo é um músculo constritor
da glote. O CAL é ativo para as vogais e inativo para as consoantes. Sua atividade começa
antes do início do vozeamento.16 No registro de peito, o controle da intensidade resulta em
10 GAY et al., 1972; SHIPP; DOHERTY; MORRISSEY, 1979; HONDA, 1988 11 COLLIER, 1975. 12 GAY et al, 1972. 13 HIROSE; GAY, 1972. 14 LARSON; KEMPSTER; KISTLER, 1987. 15 HONDA, 1983. 16 HIROSE; GAY, 1972.
23
parte de um aumento de atividade do CAL.17
O músculo tireoaritenóideo inferior (TA). Par e simétrico, este músculo é fino no alto e espesso em baixo. Insere-se na frente no ângulo
da cartilagem tireoide e atrás nas aritenoides. O músculo tireoaritenóideo inferior é um
músculo muito rápido. É antagonista do cricotireóideo e sua ação tem por principal efeito
encurtar as pregas vocais, modificando-lhe a tensão pela mudança das propriedades de sua
camada profunda. Distinguem-se duas camadas no TA:
- uma camada externa, que se divide em vários feixes, sendo que um se prende à cartilagem epiglote para formar o músculo tireoepiglótico. -uma camada interna, que constitui o verdadeiro músculo da prega vocal, prendendo-se posteriormente à apófise vocal das cartilagens aritenoides.
A camada externa do músculo tireoaritenoide inferior puxa a epiglote para trás reduzindo o
orifício superior da laringe. A camada interna ou músculo vocal (VOC, para vocalis) é
responsável pelo volume das pregas vocais, pela sua consistência e sua rigidez e tensão. Um
aumento da atividade do TA está correlacionada a um aumento da f0.18 Inversamente, uma
baixa atividade do TA corresponde a uma diminuição da frequência fundamental.19
O músculo tireoaritenóideo superior (TAS) O músculo tireoaritenóideo superior, par, se estende da parte superior do ângulo da cartilagem
tireoide até a apófise muscular da aritenoide. É constritor da glote. Seu papel na fonação está
pouco documentado.
O músculo interaritenoídeo (IA) É o único músculo ímpar da laringe. Este músculo se estende entre as duas aritenoides na
sua face posterior. É constituído de uma camada transversal e de uma camada oblíqua que
se entrecruzam em X com as do lado oposto. A contração do músculo interaritenóideo
provoca a aproximação das cartilagens aritenoides e o fechamento da glote. Sua atividade é
antagonista da do cricoaritenóideo posterior. Certas fibras do feixe oblíquo se fixam na
cartilagem epiglote. São os músculos aritenoepiglóticos. Sua contração puxa a epiglote para
baixo e para trás, diminuindo o orifício superior da laringe.
Lee et al.20 observam um aumento da atividade de IA nas consoantes vozeadas. Esta
atividade é particularmente notável, quando a vogal está precedida de uma consoante não
17 GAY et al., 1972. 18 GAY et al., 1972. 19 ARNOLD, 1961. 20 LEE; KIM; SUNG; KIM; SUNG; PARK, 2001.
24
vozeada, em que as aritenoides estão afastadas uma da outra. Para uma consoante vozeada,
IA é menos ativo do que para uma vogal. Isso poderia ser uma indicação do menor grau de
fechamento da glote na realização da consoante vozeada do que na vogal.
Figura 2.9 – Ação dos músculos intrínsecos da laringe.
25
Quadro 2.1 Músculos intrínsecos da laringe
Músculos Origem Percurso Inserção Função
Aritenoepiglótico
Ápex de cada aritenoide. Para cima e para frente. Nas laterais da epiglote. Puxa a epiglote para trás. Esfíncter. Abaixa a articulação faríngea.
Tireoepiglótico
Superfície interna da cartilagem tireoide. Próximo do ângulo da tireoide (Parte do TA).
Para cima e para trás. Prega ariteno-epiglótica. Abaixa a epiglote. Fecha a entrada da laringe. Papel na deglutição
Cricoaritenóideo posterior
Depressão na parte posterior da lâmina da cartilagem cricoide.
Para cima e lateralmente.
Parte posterior do processo muscular de cada aritenoide.
Faz girar as aritenoides na articulação cricoaritenoidea. Puxa-as para baixo e medialmente. Abdução. Amplia a glote. Não vozeamento e desvozeamento.
Cricoaritenóideo lateral
Parte de cima do arco da cartilagem cricoide
Na parte de cima e para trás.
Processo muscular das aritenoides.
Faz girar as aritenoides para dentro e medialmente. Adução. Aproxima os processos vocais. Vozeamento e f0.
Interaritenóideo Transverso/oblíquo
Processo muscular da aritenoide oposta. Superfície posterior e inferior de cada aritenoide.
Horizontalmente, para cima e obliquamente.
Superfície posterior e borda lateral de cada aritenoide. Ápex e parte lateral da aritenoide oposta.
Aproxima as aritenoides. Vozeamento e elevação de f0. Adução das pregas vocais. Aproxima as pregas vestibulares. Qualidade de voz.
Tíreoaritenoídeo
Face interna do ângulo da cartilagem tireoide (músculo das pregas vocais).
Vertical inicialmente e em seguida horizontal, margeando o ligamento vocal.
Região lateral e inferior do processo vocal da cartilagem aritenoide.
Regulador da tensão longitudinal Adução. Relaxador.
Cricotireóideo
Arco ântero-lateral da cargilagem cricoide.
Para cima e para trás (parte oblíqua); percurso quase vertical (parte reta)
Corno inferior da cartilagem tireoide e região interna da margem inferior da lâmina tireoide.
Tensão
Os músculos extrínsecos Além de fixar a laringe nos órgãos vizinhos, os músculos extrínsecos são responsáveis pelos
deslocamentos verticais da laringe (Figura 2.10). A elevação como o abaixamento da laringe
têm consequências indiretas sobre o grau de tensão das pregas vocais e, portanto, sobre o
modo de fonação.
26
a b c
Figura 2.10 – Músculos extrínsecos da laringe: a. esterno-hióideo; b. esternotireóideo; c. omo-hióideo.
Os músculos elevadores Ação direta
O estilofaríngeo
O músculo estilofaríngeo, com origem na apófise estilóide, se prende por:
- um feixe na faringe, - um feixe na borda lateral e anterior da epiglote, - um feixe no corno superior da cartilagem tireoide, - um feixe na borda superior da cartilagem cricoide.
O estilofaríngeo é um músculo elevador da faringe e da laringe.
O faringoestafilino
O faringoestafilino é um músculo do véu palatino. Um ramo que se confunde com o
estilofaríngeo e se estende até a parte lateral e posterior da borda superior da cartilagem
tireoide. Esse músculo provoca o estreitamento do istmo faringonasal, abaixa o véu palatino
e eleva ao mesmo tempo a faringe e a laringe.
Ação indireta
Um grande número de inserções musculares realiza-se no osso hioide, conferindo-lhe, pelas
relações que mantêm com a base da língua, a faringe e a laringe, um papel complexo. Pode,
assim, contribuir para a elevação ou abaixamento da laringe, o abaixamento da mandíbula,
ou o abaixamento, com um leve movimento de recuo, da raiz da língua.21
O osso hioide
O osso hioide é uma estrutura um tanto particular (Figura 2.11). Trata-se do único osso no
corpo humano a estar de alguma forma “em suspensão”, ligando-se ao resto do esqueleto
por músculos e ligamentos. O osso hioide é um osso médio em forma de ferradura. Situa-se
acima da laringe, na altura da terceira vértebra cervical. Podemos distinguir três partes no
21 MACNEILAGE; SHOLES, 1964.
27
osso hioide: o corpo que ocupa a parte média e quatro cornos: dois grandes, superiores, e
dois pequenos, inferiores.
Figura 2.11 – Osso hioide. a. corno maior; b. corno menor; c. corpo.
O corpo do osso hioide é constituído por uma lâmina óssea quadrilátera, que apresenta duas
faces:
- a face anterior, onde estão inseridos os músculos genio-hióideo, genioglosso, hioglosso, milo-hióideo, digástrico e estilo-hióideo. - a face posterior, onde estão inseridos os músculos tireo-hióideo, esterno-cleido-hióideo e omo-hióideo.
Os grandes cornos prolongam o corpo do osso hioide. Nesses se prendem os músculos
hioglosso e tireo-hióideo.
Os pequenos cornos são ossículos de forma ovóide que se articulam com os grandes cornos.
Neles se prendem os músculos longitudinal inferior, longitudinal superior e constritor
médio.
Quadro 2.2 Interações entre o osso hioide, a raiz da língua, a mandíbula, a laringe e a faringe.
Inserção Raiz da língua Laringe Mandibula Faringe Função hioglosso tireo-hióideo
esterno-hióideo tíreo-hióideo omo-hióideo
genio-hióideo milo-hióideo abaixador
hioide longitudinal superior
genio-hióideo milo-hióideo
digástrico constritor médio levantador
Os músculos supra-hióideos Este grupo de músculos insere-se, na parte inferior, no osso hioide e em outras estruturas
situadas acima dele. Mantendo-se fixas as inserções superiores, a contração dos músculos
supra-hióideos vai puxar o osso hioide para o alto e provocar a elevação da laringe.
- O genioglosso se insere nos músculos intrínsecos da raiz à ponta da língua e no osso hioide. Puxa a língua para frente e eleva o osso hioide.
28
- O hioglosso se insere no grande corno do osso hioide e nas partes laterais da língua. Abaixa a língua, puxando o osso hioide para o alto.
A ação desses músculos foi invocada para explicar as diferenças de frequência intrínseca
entre vogais altas e vogais baixas. Desta forma, para a vogal [i] a frequência fundamental é
ligeiramente superior à frequência fundamental de qualquer outra vogal na mesma sílaba e
no mesmo contexto fonético. A interação entre a língua e a laringe deu origem à teoria da
tração lingual (pull tongue theory) que associa movimento da língua e variação da tensão das
pregas vocais.
- o genio-hióideo e milo-hióideo se insere na mandíbula. Sua contração eleva o osso hioide, a mandíbula estando fixa. - o estilo-hióideo que se insere na base do crânio e eleva diretamente o osso hioide. - o músculo constritor médio tem dois feixes que partem do grande corno e do corno pequeno do osso hioide. Prende-se por um feixe à face externa da cartilagem tireóide e por outro ramo à arcada fibrosa que liga a cartilagem tireóide e a borda inferior da cartilagem cricóide e, finalmente, por um feixe na borda inferior da própria cartilagem cricóide. A contração desse músculo provoca o encurtamento ântero-posterior e transversal da faringe. Eleva também a laringe. Sua atividade resulta na elevação da frequência fundamental.22
O músculo digástrico (ventres anterior e posterior) que se inserem na base do crânio e na
mandíbula abaixam a mandíbula e puxam o osso hioide para o alto. A contração do
digástrico provoca uma expansão da cavidade faríngea, permitindo manter por mais tempo
uma diferença de pressão transglótica suficiente para alimentar a vibração das pregas vocais
e contribuir desta forma para o prolongamento do vozeamento durante a produção das
oclusivas vozeadas.
Os músculos infra-hióideos
O esternotireóideo O músculo esternotireóideo se estende do esterno até à cartilagem tireoide. Sua contração
abaixa a laringe e fixa o ponto de inserção do tireo-hióideo, provocando uma baixa de f0.23
O tireo-hióideo O músculo tireo-hióideo prolonga o esternotireóideo até o osso hioide. Depois de abaixar a
laringe, puxa o osso hioide para baixo. Não se observou efeito sistemático sobre a altura de
f0,24 a não ser um prolongamento do vozeamento. Masaki et al25 observam assim por meio
da RMN (Ressonância Magnética Nuclear) que a laringe ocupa uma posição mais baixa para
22 ERIKSON; LIBERMAN; NIIMI, 1977; HONDA, 1983; HONDA; HIRAI; MASAKI; SHIMADA, 1999. 23 SAWASHIMA; KAKITA; HIKI, 1973; SAWASHIMA; HIROSE, 1980. 24 KAKITA; HIKI, 1974. 25 MASAKI; TIEDE; HONDA; SHIMADA; FUJIMOTO; NAKAMURA; NINOMIYA, 1999.
29
o /d/ do que para o /t/.
O abaixamento da laringe pode também ser provocado, de forma indireta, pela contração do
músculo esterno-hióideo (EH). Simada, Niimi e Hirose26 notaram que a contração do EH
pode ser associada à abertura dos maxilares, ao abaixamento e à retração da língua. A
atividade do EH começa imediatamente com o início da fonação.27 Para Simada e Hirose;28
Simada29 e Erikson,30 a ativação do EH corresponde a uma baixa de f0. Atkinson31 observa
uma atividade de EH durante as consoantes não vozeadas.
Collier32 observa que as mudanças de atividades do músculo esterno-hióideo coincidem com
o início da queda de f0 na transição de f0 alto para f0 baixo. Halle33 observa que o EH está
ativo no reajuste para um valor médio baixo de f0 no início do tom 2 do chinês (médio-
ascendente). Sua atividade está frequentemente associada à baixa de f0 para o tom 4 (alto-
baixo).
A inervação da laringe
Podem-se distinguir dois nervos principais que se subdividem em vários ramos. O nervo
laríngeo superior, um dos ramos do nervo craniano X ou nervo craniano vago, tem sua origem
no gânglio plexiforme pneumogástrico. Esse nervo é geralmente reconhecido como o nervo
motor do músculo cricotireóideo. O nervo laríngeo inferior ou nervo recorrente, também um dos
ramos do nervo craniano X, vago, é o nervo de todos os outros músculos intrínsecos da
laringe.
26 SIMADA; NIIMI; HIROSE, 1991. 27 HIROSE; SIMADA; FUJIMURA., 1970. 28 SIMADA; HIROSE, 1970. 29 SIMADA; NIIMI; HIROSE, 1991. 30 ERIKSON; BAER; HARRIS, 1983. 31 ATKINSON, 1978. 32 COLLIER, 1975. 33 HALLE, 1994.
30
Quadro 2.3 Músculos extrínsecos da laringe: elevadores
Músculos Origem Percurso Inserção Ação
Digástrico
Lado interno da borda inferior da mandíbula. Processo mastóide do osso temporal.
Posteriormente para baixo.
Tendão intermediário próximo ao corno menor do osso hioide.
Eleva o osso hioide. Eleva a laringe. Ajuste da língua para a posição velar.
Genioglosso Espinha geniana da mandíbula
Para cima e para frente e para trás em forma de leque.
Longitudinal superior. Transverso.
Eleva o osso hioide e a laringe. Empurra a língua para frente.
Genio-hióideo Espinha mentual inferior da mandíbula.
Para baixo e para trás. Corpo do osso hioide. Levanta o osso hioide. Eleva a laringe.
Hioglosso
Corno maior e lados do corpo do osso hioide
Verticalmente para cima.
Margens da língua entre o estiloglosso e o longitudinal inferior.
Abaixa e retrai a língua. Contribui para o levantamento da laringe.
Milo-hióideo Superfície interna da mandíbula.
Para baixo e medialmente.
Rafe tendinosa do osso hioide.
Eleva o osso hioide. Eleva a laringe.
Constritor médio da faringe
Corno maior do osso hioide. Ligamento estilo-hióideo.
Para cima e para trás. Rafe da faringe. Diminui o diâmetro da faringe. Conribui para a elevação da laringe.
Estilo-hióideo Processo estilóide do osso temporal.
Para baixo e para frente. Corno maior do osso hioide.
Eleva e empurra para trás o osso hioide. Eleva a laringe.
Quadro 2.4 Músculos extrínsicos da laringe: depressores
Músculos Origem Percurso Inserção Ação
Omo-hióideo Borda superior da escápula
Anteriormentee para cima.
Unida à clavícula por um tendão central. Corpo do osso hioide.
Abaixa o osso hioidee a laringe.
Esterno-hióideo
Superfície superior do manúbrio e extremidade medial da clavícula.
Verticalmente para cima.
Corpo do osso hioide. Empurra o osso hioide para baixo. Empurra a laringe para frente e para baixo. Abaixamento de f0. Mecanismo glotal.
Esternotireóideo
Superfície dorsal do manúbrio do esterno.
Para cima e levemente para a direita.
Lâmina da cartilagem tireoidea.
Abaixa a laringe. Pode causar a rotação da articulação cricotireóidea. Abaixamento de f0.
Tíreo-hióideo
Lâmina da cartilagem tireoidea.
Verticalmente para cima.
Borda inferior do corpo e do corno maior do osso hioide.
Inclina o osso hioidepara trás. Deprime o osso hioide. Com o osso hioide fixo, eleva a cartilagem tireoidea, elevando f0.
A mucosa da laringe
As cartilagens, ligamentos e músculos da laringe estão cobertos por uma mucosa que se
estende da faringe até à traqueia onde se prolonga para baixo. É uma mucosa cilíndrica de
tipo respiratório, com exceção da mucosa das pregas vocais. Essa mucosa adere fortemente à
epiglote e às pregas vocais, sendo frouxa e distendendo-se facilmente nas outras regiões. A
mucosa vocal tem um papel importante na formação da voz.
31
Nesta primeira parte, apresentamos a laringe, gerador da voz, em sua constituição
anatômica, suas cartilagens e suas articulações, seus músculos intrínsecos e extrínsecos, seus
ligamentos, além do osso hióide, que exerce importante papel na interação entre mandíbula,
língua e laringe. A compreensão da anatomia da laringe possibilitará o entendimento do seu
funcionamento na fala, através dos diferentes estados da glote que entram na composição de
diferentes fones e que participam da organização prosódica dos enunciado
A fonação
No mecanismo de produção da fala, a laringe é a mais importante fonte sonora,
contribuindo não apenas para a produção dos diferentes fones da linguagem, mas
fornecendo recursos próprios para as necessidades comunicativas do homem. Exerce três
funções na produção da fala: fonação, iniciação e articulação. A interação entre o ar fonatório
e os diferentes estados da glote dá origem a diferentes tipos de configuração glotal que são
percebidos como diferentes tipos de voz ou qualidades de voz, como a voz musical do canto,
a voz grave de uma ameaça, a voz esganiçada de um insulto, a voz tremulada no medo ou
no desespero ou a voz que se reduz ao sussurro numa confidência. Ormezzano34 lista 178
expressões correntes na língua francesa em que a palavra voz aparece, o que corresponderia
a diferentes tipos de voz e considera que a lista não é exaustiva. Funcionando como iniciador
aerodinâmico, o movimento vertical da laringe é utilizado para comprimir ou causar uma
depressão do ar contido no conduto vocal, produzindo os fones ejetivos e implosivos que
descrevemos em detalhe mais adiante. Na articulação, as pregas vocais funcionam como
articuladores, produzindo fones como a oclusão glotal e a fricativa glotal.
Os primeiros estudos experimentais conhecidos sobre o funcionamento da laringe foram
realizados por Ferrein,35 a quem devemos a expressão cordas vocais.
A própria natureza do objeto de estudo e sua inacessibilidade tornaram muito difícil a
pesquisa sobre as pregas vocais. Nosso conhecimento atual não se adquiriu com a utilização
34 ORMEZZANO, 2000, p. 64. 35 FERREIN, 1741. Usa-se frequentemente a expressão cordas vocais, herança de Ferrein, o que leva à crença de que se trata de cordas finas, segundo o modelo de um violino, quando sabemos que são pregas musculares. Em português, usa-se de preferência cordas vocais entre linguistas e pregas vocais entre fonoaudiólogos e médicos.
32
de um único método, mas é a síntese de informações recolhidas por meio de várias técnicas:
a estroboscopia,36 a fotografia,37 a cinematografia, a radiologia,38 a endoscopia com fibra
ótica,39 a eletromiografia,40(EMG) a eletroglotografia41 (EGG)e, mais recentemente, a
ressonância magnética (RMN).42
Abertura e fechamento da glote Na respiração calma, as pregas vocais estão afastadas e deixam uma passagem relativamente
livre para o ar. Para que a fonação aconteça, as pregas vocais devem ser aproximadas. A
contração dos músculos tireoaritenóideos, cricoaritenóideos, interaritenóideos e
cricotireóideos é a responsável principal da disposição fonatória das pregas vocais. As
cartilagens aritenoides se dirigem uma em direção à outra num movimento de deslizamento
lateral. A aproximação e rotação das cartilagens aritenoides provoca a redução da glote,
promovendo o encontro das pregas vocais na linha média do espaço glótico. Na oclusão da
glote, a compressão pode ser muito forte, sendo uma prega vogal literalmente comprimida
uma contra a outra.
Configurações das pregas vocais ou estados da glote A abertura e o fechamento da glote dependem essencialmente dos movimentos das
cartilagens aritenoides, que são comandadas diretamente pelos músculos cricoaritenóideos. O
músculo cricoaritenóideo lateral, ao se contrair, realiza um movimento de rotação para
dentro das cartilagens aritenoides com consequente aproximação das pregas vocais. Seu
antagonista, o músculo cricoaritenóideo posterior puxa a apófise muscular para fora e para
trás, provocando uma rotação das cartilagens aritenoides, afastando assim as pregas vocais e
ampliando o espaço glotal. É o único músculo abdutor da laringe. O músculo interaritenóideo,
apesar de ser o único músculo da laringe que não é par, é um músculo complexo, pois além
das fibras transversais que unem as cartilagens aritenoides posteriormente, há também
fibras que partem da face póstero-medial do processo muscular de uma cartilagem indo até
a extremidade superior da cartilagem aritenoide oposta, formando hastes oblíquas que se
cruzam; esses músculos oblíquos podem chegar até a prega aritenoepiglótica, constituindo o
36 SCHUTTE; SVEC; FRANTISEK, 1998; LEE; KIM; SUNG; KIM; SUNG; PARK, 2001. 37 YANAGISAWA e YANAGISAWA, 1991. 38 KUSUYAMA; FUKUDA; SHIOTANI; NAKAGAWA; KANZAKI, 2001. 39 RASP et al., 2006. 40 FAABORG-ANDERSON, 1957. 41 FOURCIN, 1974; BAKEN, 1992. 42 HONDA et al., 1995a; HONDA; TAKEMOTO; KITAMURA; FUJITA; TAKANO, 2004.
33
músculo aritenoepiglótico, sendo também responsável pelo abaixamento da epiglote e pelo
estreitamento do ádito da laringe. A função principal do músculo interaritenóideo é a
aproximação das pregas vocais. É, portanto, um músculo adutor.
Além da articulação cricoaritenoidea, que regula a abertura glotal, aproximando ou afastando
as pregas vocais, a articulação cricotireoidea, é responsável pelo controle de tons melódicos
altos, pela contração e relaxação do músculo cricotireóideo, considerado o músculo do canto.
Com a ação do músculo cricotireóideo, a cartilagem tireoide executa um movimento de
báscula, que a aproxima do arco da cartilagem cricoide, provocando um alongamento das
pregas vocais43 e, consequentemente, o estreitamento da glote.
Toda essa estrutura laríngea tem por objetivo controlar a entrada da traqueia. Ou seja, trata-
se de uma válvula, cuja função primitiva é permitir a passagem do ar e impedir a passagem
de qualquer outra substância, como água e alimentos. São as chamadas pregas vocais ou
cordas vocais que regulam a abertura da glote, que é o espaço entre as pregas vocais.44 Mas,
aqui, interessa-nos não a função esfincteriana das pregas vocais, mas a sua função na
fonação. As pregas vocais são, do ponto de vista anatômico, uma estrutura bastante
complexa. Tão complexa que dão origem a quatro músculos distintos: o vocal, músculo mais
importante para a fonação, o tireoaritenóideo lateral, o tireoepiglótico e o músculo ventricular.
Todos esses músculos têm origem num músculo tireoaritenóideo que se origina na incisura
interna da cartilagem tireoidea, inicia um trajeto para cima na tireoide e, em seguida, toma a
direção ântero-posterior rumo às aritenoides. O músculo vocal é a estrutura mais complexa,
pois é constituído de três camadas: mais externamente a mucosa; a camada seguinte,
constituída de colágeno, é chamada de lâmina própria, mais conhecida como ligamento
vocal, e, mais profundamente, o músculo vocal, que tem inserção no processo vocal da
cartilagem aritenoide. As fibras mais superiores do músculo tireoaritenoideo inserem-se no
processo muscular das cartilagens aritenoides, fundindo-se com as dos músculo
cricoaritenóideo lateral. É o tíreoaritenoídeo lateral. Outras fibras dirigem-se verticalmente
para cima, a partir do ângulo da cartilagem tireoide. Dessas fibras, uma toma a direção da
prega ariteno-epiglótica, constituindo o músculo ventricular, enquanto outras continuam 43 Esse processo é diferentemente descrito pelos autores. Segundo alguns autores, é o arco da cartilagem cricoide que se aproxima da cartilagem tireoide, provocando um afastamento das cartilagens aritenoides da cartilagem tireoide, o que também provoca alongamento das pregas vocais. Velayos e Santana (2004) sugerem que um ou outro movimento pode acontecer, dependendo de que cartilagem foi fixada. 44 As pregas vocais têm, em média, 2cm de comprimento no homem e 1,5cm na mulher (Ormezzano, 2000, p. 99). Em repouso, a largura da glote, no nível do processo vocal, é de aproximadamente 8mm no homem (Zemlin, 2000, p. 137).
34
nas margens laterais da epiglote, formando o músculo tireoepiglótico. Ao contrair-se o
músculo tireoaritenoídeo aproxima as cartilagens aritenoides da cartilagem tireoide,
encurtando as pregas vocais. Tem, portanto, importante papel no controle da frequência
fundamental, sendo, também um músculo adutor.
A vibração das pregas vocais segundo a teoria mioelástica A geração do som laríngeo é o resultado de uma combinação complexa de forças
aerodinâmicas, musculares e elásticas que provocam a vibração das pregas vocais (figura
2.12). Por causa da aproximação das pregas vocais, o ar vindo dos pulmões encontra um
obstáculo à sua saída normal. Cria-se sob as pregas vocais uma pressão que lhes é
perpendicular, isto é, a pressão subglótica. Esta aumenta regularmente até igualar-se à força
oposta pelas pregas vocais. Quando a pressão subglótica torna-se suficientemente forte, as
pregas vocais são jogadas para os lados pelo jato de ar. Por isso, a pressão de ar subglótico
cai. Como a força que havia provocado a abertura cessa, as pregas vocais retornam para a
linha média, por causa de sua elasticidade. Esse fechamento é muito favorecido pelo efeito
retroaspiratório, chamado efeito de Bernoulli, que é produzido quando o ar passa entre as
pregas vocais.
O efeito Bernoulli, que participa da volta das pregas vocais à sua posição fonatória neutra, é
uma das manifestações do princípio de conservação da energia. Na passagem pela glote, a
velocidade do fluxo de ar aumenta, enquanto que a pressão entre as pregas vocais diminui.
Esta pode chegar abaixo da pressão atmosférica. Esta pressão negativa provoca a sucção das
duas pregas vocais para a linha média. Quanto mais o espaço glótico é reduzido, mais a
velocidade aumenta e mais esse efeito é observado. Há, no entanto, um limite que é causado
pelo atrito do ar, que provoca uma resistência. Uma vez que atingiram a linha média, as
pregas vocais exercem uma força que se opõe à passagem do ar. A pressão subglótica
aumenta. O ciclo descrito anteriormente se reproduz. Essas aberturas e fechamentos
ritmados são responsáveis pelo tom glotal. A frequência laríngea é igual ao número de
aberturas e fechamentos ou ciclos por segundo.
Para gerar a voz, uma pressão subglótica de 2 a 3 cm H2O e um volume de fluxo de ar
transglótico de 50cm³ são suficientes. Na fala normal, esses valores variam entre 8 a 15 cm
H2O e 100 a 300 cm³.
A frequência fundamental depende essencialmente da pressão subglótica ou mais exatamente
da diferença de pressão transglótica, do volume de fluxo de ar que atravessa a glote e da
tensão das pregas vocais. A tensão das pregas vocais é função de um conjunto de
35
parâmetros: seu comprimento, o comprimento da massa vibrante e a tensão do músculo
vocal. Esses parâmetros são controlados principalmente pelos músculos intrínsecos da
laringe e em menor grau pelos movimentos verticais da laringe, a posição do osso hioide e
da raiz da língua.
A teoria mioelástica foi completada para se levar em conta os movimentos que ocorrem no
nível da mucosa da prega vocal e suas interações com o ligamento vocal e a camada
profunda das pregas vocais.45
Figura 2.12 – Representação da vibração das pregas vocais: as setas indicam a variação
de pressão subglótica e a linha curva a variação do fluxo de ar transglótico.
As funções comunicativas da atividade laríngea
A laringe constitui o primeiro lugar em que o ar que sai dos pulmões pode sofrer
modificações importantes. A passagem do ar pode ser relativamente livre, completamente
obstruída ou modificada por diferentes graus de estreitamento. Vimos como é fino e
complexo o ajuste laríngeo. Todas as línguas fazem um amplo uso das oposições ligadas às
modificações da corrente de ar no nível da laringe.
Catford46 descreve dez estados da glote que teriam uma função linguística. Ladefoged47 pensa
que sete estados da glote e da laringe são suficientes para que se possa dar conta das
oposições linguísticas observadas nas línguas.
Os estados da glote e os modos fonatórios Ladefoged identifica os seguintes estados da glote ou modos fonatórios:
- o vozeamento - o não vozeamento - a aspiração - o murmúrio
45 TITZE, 1994. 46 CATFORD, 1964. 47 LADEFOGED, 1971.
36
- a laringalização - a oclusão glotal - o sussurro
O vozeamento Não há necessidade de se alongar sobre a presença em todas as línguas de fones vozeados: a
voz é produzida pela vibração das pregas vocais que se aproximam e se afastam de forma
quase periódica.
O não vozeamento Tão frequente como o estado precedente, o não vozeamento caracteriza-se pela posição de
afastamento das pregas vocais da linha média e a ausência de vibrações.
A aspiração Durante e após a soltura de uma articulação oclusiva ou fricativa seguida de uma vogal
pode acontecer de as pregas vocais não se porem a vibrar imediatamente. Esse fenômeno de
aspiração é bastante difundido, ocorrendo, por exemplo, em tailandês (ex.: /paa/ significa
floresta e /paa/significa separar).
Para um segmento aspirado, as pregas vocais ficam afastadas durante a soltura: trata-se do
estado de não vozeamento. Para um som não aspirado não vozeado, as pregas vocais
vibram imediatamente após o relaxamento da obstrução. Para um som não aspirado
vozeado, as pregas vocais vibram durante a fase de tensão ou obstrução e após o
relaxamento da obstrução.
A aspiração é, pois, incompatível com o vozeamento. Certas descrições fonéticas postulam a
existência de uma série de oposições com quatro termos que inclui uma sonora aspirada. É o
caso, por exemplo, do hindi. Pandit48 prefere classificar esse tipo de fonemas como
produzidos com o estado de murmúrio. O regime vibratório das pregas vocais é específico
desse tipo de som e não pode em nada se comparar com o ciclo vibratório das pregas vocais,
habitualmente encontrado nos sons sonoros.
O murmúrio Ladefoged propõe essa distinção, insistindo na necessidade de distinguir essa classe de sons.
As aritenoides encontram-se afastadas, apenas o ligamento da prega vocal pode vibrar. O
som é designado como soprado. Falar de aspirada vozeada nesses casos é duplamente falso:
fazendo isso, não utilizamos nem o termo aspirado, nem o termo vozeado na acepção que
lhes é dada na descrição de outros fonemas. Essa classe de sons é encontrada nas línguas
48 PANDIT, 1957.
37
bantus, como em numerosas línguas da Índia. Em gujarati [bar] significa doze, enquanto que
[bar] significa fardo.
A laringalização As cartilagens aritenoides estão fortemente aproximadas. Dirigidas para o interior de forma
que só uma pequena parte do ligamento vocal seja suscetível de vibração. Trata-se desse
som rouco que é também conhecido e definido como vozeamento crepitante (creaky voice ou
vocal fry).
A laringalização pode ser um estado da glote, uma qualidade de voz ou um traço fonético
de um fone. Em jalapa mazateco, língua falada no México, por exemplo, distinguem-se
vogais com diferentes qualidades de voz: [tæ] semente, com vozeamento modal, [ndæ] bunda,
laringalizada, e [ndæ] cavalo, com murmúrio. Em fula, língua da Guiné, tem-se a oclusiva
vozeada [odari] ficou de pé e a oclusiva laringalizada [odanike] ele dormiu.
A oclusão glotal As pregas vocais estão bem aproximadas em todo seu comprimento de forma a realizar uma
articulação oclusiva. Em tagalog, esse estado das pregas vocais possui um status fonológico,
pois /kazon/ palha se opõe a /kaon/ caixa. Em português, como em francês, trata-se
somente de um efeito paralinguístico: o golpe de glote. É encontrado diante de vogais
iniciais: /aa/, no português, e /alt/ (“halte!”), “pare!”, no francês.
O sussurro Na parte anterior, as pregas vocais estão aproximadas. Entretanto, as aritenoides estão
afastadas e a glote intercartilaginosa está aberta. O sussurro só pode ter papel fonológico
quando se opõe ao estado de não vozeamento. Parece ser o caso em posição final no wolof.
Tom e entonação Além de associar um traço fonético ao fone, como vozeamento e não vozeamento, a laringe
produz a variação melódica da fala, que, além de participar da organização prosódica da
língua, exerce importante papel na comunicação de atitudes e emoções. No que se refere à
organização prosódica, a melodia tem a função de segmentar enunciados, pôr em relevo
uma sílaba por unidade prosódica, e, finalmente, dar à unidade prosódica uma configuração
melódica específica. Essas diferentes funções exercidas pela entonação são denominadas
fraseamento, tonicidade e perfil melódico, respectivamente.49 Além desses fenômenos,
49 HALLIDAY, 1970; LIBERMAN, 1978; REIS, 1984, 1995; HIRST, DI CRISTO, 1998.
38
considerados pós-lexicais, a melodia exerce também papel fonológico no nível do léxico, em
um número considerável de línguas asiáticas, africanas e línguas indígenas brasileiras, como
o pirahã e o sabané. Nessas chamadas línguas tonais, a variação melódica no nível da
palavra, o tom, é suficiente para mudar o significado de palavras.50
Mecanismo aerodinâmico glotal Como vimos no capítulo sobre o sistema respiratório, o mecanismo básico que garante o
fornecimento de ar para a produção de fala é o aerodinâmico pulmonar. Entretanto, a
laringe pode funcionar como mecanismo iniciador aerodinâmico. Pelas suas possibilidades
de movimento no eixo vertical, abaixando-se ou elevando-se, pode provocar a compressão
ou descompressão do ar que se encontra acumulado no conduto vocal. Nesses casos, há uma
obstrução na laringe, pela aproximação das pregas vocais, e uma obstrução na cavidade
bucal. A laringe funciona como um pistão, que, ao elevar-se, comprime o ar contido entre as
pregas vocais e a obstrução oral. Com o relaxamento da obstrução oral o ar provoca um
ruído semelhante ao do fone oclusivo não vozeado, produzindo os fones conhecidos como
ejetivos, que ocorre no quéchua, na América do Sul e no hausa, na África, por exemplo. Da
mesma forma, ao abaixar-se, aumenta as dimensões do conduto vocal, provocando uma
baixa de pressão. Com o relaxamento da obstrução oral, o ar atmosférico penetra na
cavidade oral, produzindo ruído semelhante ao das oclusivas vozeadas, conhecido como
implosivos. Esses dois processos de iniciação da laringe são conhecidos com o nome de
mecanismo aerodinâmico glotal.
50 LADD, 1996; HIRST, DI CRISTO, 1998; GUSSENHOVEN, 2004, CAGLIARI, 2007.
39
Articulação: as cavidades supraglóticas
Introdução
Vimos anteriormente como a corrente de ar gerada pelo sistema respiratório podia ser
transformada no nível da laringe por diversos ajustes das pregas vocais. É no nível das
cavidades supraglóticas que os órgãos articuladores vão dar aos sons suas características e
propriedades definitivas.
Todos os órgãos utilizados nesta etapa da produção da fala têm primitivamente uma função
biológica: a absorção, a mastigação, transporte de alimentos e a sensação do paladar. Sua
utilização na fala é uma função desenvolvida tardiamente na evolução da espécie. A
propriedade comum a todos esses órgãos é sua grande mobilidade e, portanto, a
possibilidade que têm de fazer variar a configuração do trato vocal: modificação de volumes
da cavidade oral, da cavidade faríngea, acoplamento com a cavidade nasal, acréscimo de
uma cavidade labial.
A ação dos articuladores modula a corrente de ar, possibilitando uma combinatória de
ressonâncias nas cavidades supraglóticas ou, através de constrições diversas, interrupções
no fluxo de ar, turbulência ou simplesmente modificação de uma ressonância.
A cavidade bucofaríngea ou orofaríngea situa-se acima da laringe e se estende até os lábios
(Figura 3.1). É delimitada na parte superior pelo osso palatal, atrás pela parede faríngea e na
base pela mandíbula e pelo osso hioide. Vamos examinar sucessivamente os papéis das
diferentes estruturas e órgãos da cavidade bucal e da faringe na articulação.
40
Figura 3.1 – Sistema articulatório: cavidades supraglóticas.
41
A cavidade bucal
A cavidade bucal é delimitada anteriormente pelos lábios e posteriormente pelo istmo das
fauces, formado pelo músculo palatoglosso. A região palatina forma a parede superior da
cavidade bucal e a separa das fossas nasais. Lateralmente, a cavidade bucal é delimitada
pela região geniana (bochechas). A região palatina, que apresenta maior interesse para a
classificação fonética, é constituída pela abóbada palatina e termina no véu palatino. Tem a
forma de uma abóbada côncava, dividindo-se, geralmente, em três zonas principais: os
alvéolos, o palato duro e o palato mole (Figura 3.2). Essas zonas podem por sua vez ser
divididas em três partes (da frente para trás: pré, médio, pós). Não há fronteiras anatômicas
precisas que correspondam a essas divisões fonéticas tradicionais.
Figura 3.2 – Articuladores passivos dos pontos de articulação: a. lábios; b. dentes; c. alvéolos; d. palato duro; e. palato mole; f. parede da faringe.
Os alvéolos correspondem à zona coberta de sulcos que se encontra imediatamente atrás dos
dentes incisivos superiores. O palato duro se estende logo após os alvéolos e corresponde ao
osso palatal. É a parte central da abóbada palatina. A parte posterior do palato, denominada
palato mole ou véu palatino, prolonga-se até a úvula.
Quando o véu palatino é abaixado, o ar pode escapar pelo nariz, permitindo assim a criação
de uma ressonância nasal. Quando o véu palatino está levantado, há o contato firme com a
parede faríngea e o conduto rinofaríngeo fica obstruído, permitindo assim o caráter oral dos
sons. A base da cavidade bucal é ocupada por 2/3 da língua.
A língua A língua é um órgão muscular que ocupa a parte média do chão da cavidade bucal. De
forma ovóide, a língua é mais fina na parte anterior e mais larga e mais espessa na parte
posterior. Possui uma estrutura osteofibrosa. Seu esqueleto compreende o osso hioide e duas
membranas fibrosas: o septo lingual que separa a língua em duas metades no eixo
longitudinal e a membrana hioglossa. A face dorsal da língua pode ser dividida em duas
partes: a raiz e o corpo. A raiz, que constitui sua base, recebe vasos e nervos; o corpo, por
42
sua vez, pode ser dividido em duas seções: a seção faríngea e a seção bucal. A seção faríngea
da face dorsal da língua é praticamente vertical, posicionando-se frente à parede faríngea.
Apresenta pequenas saliências, a tonsila lingual. A seção bucal inicia-se no ápice, que
constitui sua parte mais anterior e mais flexível, e vai até o sulco terminal.
Do ponto de vista fonético, Hardcastle,1 seguindo a tradição, considera que não há divisão
discreta satisfatória nem da língua nem do palato. Dispensa mesmo a divisão aproximada de
ponta, lâmina, dorso e raiz, para se ater apenas ao que chama de apicalidade, ou seja, o ápice
e a lâmina. Acreditamos, entretanto, que a classificação acima, com a úvula como ponto de
referência entre dorso e raiz, pode ser útil. Desta forma, a raiz corresponderá à porção
faríngea da língua.
A parte bucal da língua é percorrida por um sulco médio. É recoberta por uma mucosa
espessa que adere à rede muscular subjacente. A parte central do dorso da língua é mais
rombuda, sendo um pouco menos flexível que o ápice. Embora não exista fronteira
anatômica precisa, essa região da língua é comumente dividida em três zonas, ou seja, indo
da frente para trás, a zona pré-dorsal, a médio-dorsal e a pós-dorsal. Sua superfície é
irregular, pois é recoberta em toda sua extensão de pequenas saliências: as papilas, sede do
paladar. A raiz constitui uma parte praticamente fixa ósteo-fibrosa, sendo o osso hioide sua
base óssea na qual se inserem a membrana hioglossa e o septo lingual.
A rede complexa de músculos imbricados que a constitui permite-lhe adotar configurações
variáveis ou deslocar-se muito rapidamente no interior da cavidade bucal. A língua
intervém na mastigação, no paladar, na deglutição e na articulação. É esta última função que
orienta nossa apresentação da atividade lingual. Pela sua posição e forma, a língua define no
essencial a forma do trato vocal durante a produção de sons da fala. Os dois parâmetros
(forma da cavidade bucal e posição da língua) são utilizados pela fonética articulatória para
descrever os fones das diferentes línguas.
Os músculos da língua Os músculos da língua são em número de dezenove (nove pares). Suas fibras orientam-se no
sentido longitudinal, vertical e transversal, muitas vezes interdigitando-se. Os músculos
extrínsecos, que têm origem fora da língua propriamente dita, isto é, no osso hioide, na
epiglote, no palato mole, na mandíbula, na apófise estilóide (base do osso temporal), com
inserção nos chamados músculos intrínsecos, são responsáveis pela mobilidade da língua.
Os músculos intrínsecos, dispostos de cada lado do septo lingual, com origem e inserção na
1 HARDCASTLE, 1976.
43
própria língua, modificam a forma da língua. Essa mobilidade e plasticidade são exploradas
na produção de sons da linguagem (Figura 3.3).
ra 3.3 – Subdivisões do articulador ativo: a língua (Catford2).
Músculos intrínsecos
Longitudinal superior
O músculo longitudinal superior é um músculo superficial da língua situado imediatamente
sob a lâmina própria do dorso da língua. Algumas fibras podem alcançar os pequenos
cornos do osso hioide e o ligamento epiglótico. Estende-se por todo o comprimento da
língua, da raiz à ponta, onde se insere na membrana mucosa. Lateralmente, suas fibras
juntam-se às do estiloglosso, hioglosso e longitudinal inferior. A ação do longitudinal
superior tem por efeito encurtar a língua e elevar o ápice para /l/ e // e a lâmina para o
/t/ e o /n/ em sinergia com o longitudinal inferior.3
Longitudinal inferior
O longitudinal inferior insere-se, com fibras do genioglosso e do hioglosso, no pequeno
corno do osso hioide. Estende-se por toda a superfície da língua nas partes lateral e ventral,
terminando, na frente, na mucosa da ponta da língua ou se mistura às fibras do genioglosso,
hioglosso e estiloglosso. O longitudinal inferior retrai e abaixa a língua. Sua ação coordenada
com a do genioglosso e do hioglosso contribui para o movimento de recuo da língua,
característica do relaxamento de uma oclusiva apical. Tem também participação na
articulação das vogais altas anteriores e das consoantes velares, abaixando a ponta da língua
e abaulando o dorso da língua.
2 CATFORD, 1977. 3 HARDCASTLE, 1976, p. 93
44
Transverso
O músculo transverso percorre o septo lingual médio até o corpo da mucosa das bordas
laterais da língua entre o longitudinal superior, o longitudinal inferior e o genioglosso. O
transverso eleva as bordas da língua e contribui para a formação de um canal central na
articulação de /s/ e //. Stone4 identifica dois segmentos funcionais no músculo transverso:
um segmento anterior e um segmento posterior que auxiliam na ação do genioglosso. Para
Wilhelms-Tricarico,5 o transverso é responsável, em associação com o vertical e o
longitudinal superior, pelo gesto de protrusão nas oclusivas e fricativas alveolares.
Vertical
O nome do músculo vertical vem da orientação de suas fibras que tomam uma orientação
vertical de um lado e de outro do septo lingual, da submucosa do dorso da língua à parte
inferior, entre o longitudinal superior e o inferior, constituindo com o transversal, parte
considerável da massa central da língua. Fibras laterais se mesclam com as do músculo
transversal. O músculo vertical tem por função tornar a língua plana. É ativo para a vogal
/i/ e participa das articulações oclusivas alveolares.
ra 3.4 – Músculos verticais e transversais da língua.
O amigdaloglosso
O músculo amigdaloglosso, muito fino, tem origem na face externa da cápsula da amígdala.
Suas fibras descem profundamente no corpo da língua. O amigdaloglosso eleva a raiz da
língua.
O faringoglosso
Feixe do constritor superior da faringe, as fibras do músculo faringoglosso se confundem na
borda lateral da língua com as do estiloglosso, do longitudinal inferior e do genioglosso.
Puxa a língua para trás e eleva o dorso da língua em direção ao palato mole. Mantém os
4 STONE; EPSTEIN, ISKAROUS., 2004. 5 WILHELMS-TRICARICO, 1996.
45
apoios laterais da língua no palato nas oclusivas alveolares e palatais.
Músculos extrínsecos
O genioglosso
O músculo genioglosso, o mais volumoso dos músculos da língua, tem origem na espinha
geniana superior. Suas fibras anteriores dirigem-se para o alto e para frente até a ponta da
língua, misturando-se com o longitudinal inferior, o hioglosso e algumas fibras do
estiloglosso. As fibras médias vão até a mucosa da face dorsal da língua e a membrana
hioglossa. As fibras posteriores percorrem horizontalmente para trás e inserem-se na
superfície anterior do osso hioide e a superfície interna da base da epiglote.
A ação do genioglosso é complexa na medida em que cada série de fibras tem uma função
particular.6 As fibras posteriores elevam o osso hioide e puxam a língua para o alto e para
frente para o /l/.7 As fibras médias levam a língua para frente e afinam a língua na região
velar. As fibras anteriores puxam a ponta da língua para baixo e para trás em sinergia com o
longitudinal inferior.8
O palatoglosso
O músculo palatoglosso tem origem no véu palatino na face inferior da aponeurose palatina.
Suas fibras descem lateralmente na coluna anterior antes das amígdalas. É geralmente
descrito como um músculo abaixador do véu palatino.
O palatoglosso contribui, em sinergia com o estiloglosso e de maneira antagonista com o
hioglosso na elevação e abaulamento da parte posterior da língua na produção das
articulações velares. Por causa da relação mecânica que estabelece entre o véu palatino e a
língua, os movimentos da língua podem influenciar a posição do véu palatino. Uma posição
baixa da língua pode provocar uma abertura da passagem velofaríngea e contribuir para a
nasalização, por exemplo, de vogais abertas.
O estiloglosso
O músculo estiloglosso desce da apófise estilóide do osso temporal para a borda lateral da
língua. Os dois feixes desse músculo ligam assim as faces laterais da língua à base do crânio.
As fibras inferiores se dirigem para o septo lingual, atravessando o hioglosso e o
longitudinal inferior. As fibras superiores constituem a parte mais importante do
estiloglosso, acompanhando o corpo da língua até sua ponta, onde se fundem com as fibras
6 MIYAWAKI,1974. 7 PERKELL, 1974 8 PERRIER; PAYAN; ZANDIPOUR; PERKELL, 2003.
46
do longitudinal inferior.
O estiloglosso é o principal músculo elevador da língua, puxando a língua para trás e para o
alto.9 Age em sinergia com o genioglosso para as articulações velares como o [k] e o []. O
músculo hioglosso é seu antagonista para ajustar a apertura vocálica.
O hioglosso
O músculo hioglosso é um músculo elevador do osso hioide. Tem sua origem na parte
lateral da superfície anterior do corpo do osso hióideo e do grande corno. As fibras
anteriores dirigem-se para o alto e para frente, inserindo-se na membrana mucosa da ponta
da língua. As fibras médias e posteriores dirigem-se para a raiz da língua e fundem-se com o
estiloglosso e a parte lateral do longitudinal inferior. Quando o osso hioide está fixo, a ação
do hioglosso abaixa e retrai a língua. Em sinergia com o estiloglosso, participa da produção
das vogais posteriores.
9 PERRIER et al., 2003.
47
Figura 3.5 – Músculos extrínsecos da língua: a. estiloglosso; b. hioglosso; c. genio-hióideo; d. genioglosso.
Controle da atividade lingual A língua é uma estrutura anatômica muito particular na medida em que, com exceção do
coração, é um dos únicos órgãos compostos de maneira quase exclusiva de tecidos
musculares, o que lhe confere bastante mobilidade e uma grande flexibilidade nos seus
movimentos, permitindo-lhe determinar variações na configuração do trato vocal na parte
bucofaríngea.10
Como pudemos ver, também, a estrutura muscular da língua é extremamente complexa:
músculos extrínsecos ligados a estruturas externas diversas permitem a modificação de sua
posição, enquanto que músculos intrínsecos modificam sua forma. Por causa do
emaranhado dos músculos linguais,11 é difícil relacionar uma forma dada da língua ao
resultado de uma atividade muscular específica.
Figura 3.6 – Ação dos músculos da língua: a. estiloglosso; b. palatoglosso; c. longitudinal superior; d. longitudinal inferior; e. hioglosso; f. genioglosso.
Os padrões elementares motores parecem corresponder a uma seleção de dois dos quatro
músculos extrínsecos. Assim, de acordo com os dados de Baer, Alfonso, Honda12 os grupos
de músculos seguintes participam da realização das seguintes vogais: 10 ISKAROUS, 2005. 11 TAKEMOTO, 2001. 12 BAER; ALFONSO; HONDA, 1988.
48
/i/: coativação da parte posterior do genioglosso e genioglosso anterior
/æ/: coativação do genioglosso anterior e do hioglosso
/u/: coativação do genioglosso posterior e do estiloglosso
//: coativação do hioglosso e do estiloglosso
Quadro 3.1 Músculos da língua
Músculo Origem Direção Inserção Função
Longitudinal superior
algumas fibras médias na epiglote; fibras laterais os pequenos cornos do osso hioide
para o alto e para cima face profunda da mucosa abaixa e encurta a língua
Genioglosso espinha mandibular
Irradia-se em direção à ponta da língua, ao dorso da língua, à membrana hioglossa e a borda superior do corpo do osso hioide.
músculos intrínsecos, músculos extrínsecos e osso hioide
puxa para frente e torna a língua mais fina
Longitudinal inferior algumas fibras emergem do pequeno corno do osso hioide
para cima e para frente face profunda da mucosa da ponta da língua abaixa e retrai
Hioglosso borda superior do corno maior e do corpo do osso hioide
para cima e para frente membrana mucosa da ponta da língua abaixa e retrai
Estiloglosso
processo estilóide do osso temporal e ligamento estilo mandibular
para baixo e para frente lateralmente
algumas fibras se mesclam no longitudinal inferior; outras com o hioglosso
puxa para cima e para trás e alarga.
Transverso face lateral do septo bordas face profunda da mucosa nas bordas da língua
estreita e participa na projeção
Vertical submucosa do dorso para baixo lâmina própria dorsalmente e a submucosa ventralmente
torna plana a língua
Palatoglosso face ventral da aponeurose palatina
para baixo, formando o arco palatoglosso
face lateral e raiz da língua, nas fibras do músculo vertical
levanta a língua em direção ao palato mole
Faringoglosso constritor superior da faringe para baixo genioglosso e hioglosso retrai a língua
Amigdaloglosso face lateral da tonsila palatina para baixo raiz da língua recua a língua
A faringe
A faringe é uma espécie de vestíbulo que faz a comunicação da cavidade bucal com o
esôfago e as fossas nasais com a laringe. É na faringe que se realiza o cruzamento das vias
aéreas e das vias digestivas, tendo importância crucial na deglutição.
A faringe é um conduto músculo-membranoso que se estende verticalmente da base do
crânio à borda inferior da sexta vértebra cervical. Tem a forma de um tubo cônico cujo
diâmetro varia, alargando-se na orofaringe e estreitando-se na faringolaringe. Seu
comprimento médio é da ordem de 13 cm. Quando a faringe se contrai, sua extremidade
inferior se eleva, diminuindo em 2 cm o seu comprimento. Seu diâmetro é de 4 cm na parte
49
alta, 5 cm na altura dos grandes cornos do osso hioide, estreitando-se em seguida
regularmente, chegando a 2 cm na extremidade inferior. A faringe se divide, no eixo vertical,
em três estágios: a rinofaringe, a orofaringe e a hipofaringe.
Figura 3.7a – Vista posterior da faringe. Figura 3.7b – Músculos da faringe:
a. constritor superior; b. constritor médio c. constritor inferior
A rinofaringe A rinofaringe ou nasofaringe é limitada no alto e posteriormente pelo osso esfenóide e pela
protuberância faríngea do osso occipital. O limite inferior é o palato mole e, lateralmente, é o
óstio faríngeo da tuba auditiva. Anteriormente, comunica-se com as coanas posteriores da
cavidade nasal.
O conduto nasal A importância do nariz e das fossas nasais para a produção da fala aparece de maneira
bastante evidente, quando acontece uma alteração nasal: voz nasalizada por causa de gripe,
dificuldade na organização temporal do discurso por dificuldade em inspirar pelo nariz,
entre outras.
O conduto nasal se estende das narinas até a rinofaringe. É dividido longitudinalmente em
duas partes separadas pelo septo nasal. Apresenta uma constrição estreita a partir das
narinas e, em seguida, uma passagem principal com maior diâmetro. Do ponto de vista da
ventilação pulmonar, a passagem nasal oferece uma resistência importante à saída do ar.
Sua função é, essencialmente, aquecer, umidificar, e filtrar o ar inspirado. Enquanto o
volume de ar inspirado oral é de 10 a 12 l/s, o volume de ar inspirado nasal não ultrapassa 2
l/s. A velocidade do ar na constrição nasal anterior é de 12 a 15 m/s, caindo para 1 m/s na
passagem principal.
A ação do véu palatino controla, ao mesmo tempo, o funcionamento paralelo das cavidades
oral e nasal e a comunicação da cavidade nasal com o restante das vias respiratórias. O
50
acoplamento das fossas nasais e do conduto vocal produz a nasalização que é explorada por
várias línguas, como o português, o francês ou o iorubá, por exemplo, para distinguir duas
classes de vogais e de consoantes: [± nasal].
O véu palatino O véu palatino é um prolongamento membranoso e flexível do palato duro. É constituído de
uma estrutura esquelética, sob a forma de uma lâmina fibrosa, de músculos e de uma
mucosa. Insere-se, anteriormente, na extremidade posterior dos ossos palatinos; no alto, na
base no crânio, por dois conjuntos de músculos cujas fibras descem de cada lado da
cavidade nasal até as bordas laterais do véu palatino e, embaixo, na língua e na faringe. Na
extremidade posterior do véu palatino, há um pequeno apêndice muscular, a úvula.
Os músculos do véu palatino
Os músculos da faringe são responsáveis pelos movimentos de contração da faringe e de
elevação da laringe. Esses movimentos fazem parte do processo de deglutição, permitindo a
passagem do bolo alimentar até o esôfago. As modificações dos eixos vertical e ântero-
posterior são também exploradas para fins fonéticos e linguísticos. Pela sua situação, entre a
cavidade bucal e nasal, de um lado, e a laringe, de outro, a faringe tem a forma de um tubo
de comprimento e seção variáveis, constituindo-se no primeiro ressoador do tom laríngeo.
O abaixamento do véu palatino na rinofaringe possibilita o acoplamento em paralelo do
ressoador bucofaríngeo com o ressoador particular que são as fossas nasais. Os movimentos
do véu palatino são provocados por três grupos de músculos: os músculos elevadores, os
músculos tensores e os músculos abaixadores.
Músculos elevadores
O levantador do véu palatino
O levantador do véu palatino é o músculo mais importante e o mais forte dos músculos do
véu palatino. Tem sua origem na face interior da parte petrosa, no ápice do osso temporal e
na extremidade posterior da borda inferior da cartilagem tubária. As fibras descem ao longo
da parede faríngea superior e se entrecruzam no véu palatino para formar a rafe média do
véu palatino. Como mostraram numerosos estudos EMG,13 endoscópicos, RMN14 e EMMA,
é responsável pela elevação do véu palatino e pelo fechamento da passagem velofaríngea.15
13 FRITZELL, 1969; HORIGUCHI; BELL-BERTI, 1987. 14 ETTEMA; KUEHN; PERLMAN; ALPERIN, 2002. 15 KATZ; MACHETANZ; ORTH; SCHÖNLE, 1990.
51
Kuenzel16 como Benguerel,17 observaram que o véu palatino elevava-se mais nas oclusivas
não vozeadas do que nas oclusivas vozeadas, confirmando assim os primeiros resultados de
Bell Berti e Hirose.18 Vaissière19 mostrou, com a ajuda do X- ray microbean que a altura do
véu palatino e a organização temporal de seus movimentos estavam influenciadas pela
prosódia, tanto pela estrutura acentual como pelo fluxo de ar.
O músculo da úvula
O músculo da úvula é um pequeno músculo em forma de fuso. Emerge da espinha nasal e
de parte da aponeurose do palato mole e dirige-se até a margem livre da úvula. Sua
contração provoca a retração da úvula e contribui, em sinergia com o levantador do véu
palatino e os músculos constritores da faringe no fechamento da passagem da orofaringe
para a nasofaringe.
Músculo tensor
O músculo tensor do véu palatino
O músculo tensor do véu palatino é um músculo de forma triangular que se origina na
superfície inferior do osso esfenóide, no rochedo e na parede lateral vizinha da tuba de
Eustáquio. Suas fibras descem para o gancho da apófise pterigóide e se prolongam através
de um pequeno tendão que vai se confundir com a aponeurose palatina. Auxilia no
fechamento da passagem velofaríngea.
Músculos abaixadores
O palatoglosso
O músculo palatoglosso foi descrito de maneira detalhada na parte consagrada aos
músculos da língua. Origina-se na parte inferior da aponeurose palatina, desce na coluna
anterior do véu palatino e termina na espessura da língua. Quando a língua está fixa, a
atividade do palatoglosso vai contribuir para puxar o véu palatino para baixo. Assim, por
causa do acoplamento entre a língua o véu palatino, não é de se estranhar que a apertura das
vogais tenha um efeito sobre a altura do véu palatino, como relataram Moll20 e Fritzell,
Ushijima e Sawashima21 e Bell-Berti.22 Isso deve ser relacionado ao fato de as vogais altas
apresentarem menor tendência a serem nasalizadas.
16 KUENZEL, 1977. 17 BENGUEREL; HIROSE; SAWASHIMA; USHIJIMA, 1977. 18 BELL BERTI; HIROSE, 1975. 19 VAISSIERE, 1988. 20 MOLL, 1962. 21 USHIJIMA; SAWASHIMA, 1972. 22 BELL-BERTI et al., 1979.
52
O palatofaríngeo
O músculo palatofaríngeo, longo, origina-se na face superior da aponeurose palatina abaixo
do levantador do véu palatino. Suas fibras inserem-se na borda posterior da cartilagem
tireoide e se espalham sobre a parede lateral da faringe. Funciona em sinergia com o
palatoglosso. A partir de uma posição fixa da laringe e da parede faríngea, ele abaixa o véu
palatino. A partir de uma posição fixa do véu palatino, contribui para elevar a cartilagem
tireoide e pode ser considerado um músculo extrínseco da laringe.
O acoplamento das cavidades orofaríngea e nasal O abaixamento do véu palatino provoca o acoplamento das cavidades orofaríngea e nasal. O
resultado é a ressonância nasal associada aos diferentes fones produzidos. Pode ser
observada, tocando-se externamente a narina com um dedo. A qualidade nasal que se pode
perceber auditivamente é bastante característica, pois a cavidade nasal não muda de
tamanho.
Figura 3.8 – Músculo da passagem velofaríngea: a. palatoglosso; b. palatofaríngeo.
A hipofaringe e a orofaringe A hipofaringe ou laringofaringe vai da cartilagem cricoide ao ápice da epiglote, contendo o
dispositivo laríngeo e a comunicação com o esôfago. É o cruzamento das vias aéreas e
digestivas. A orofaringe estende-se do istmo das fauces, arco formado pelo músculo
palatoglosso, até o ápice da epiglote. A porção faríngea da língua, onde se encontra a tonsila
lingual, constitui a parede anterior da orofaringe, enquanto a parede posterior corresponde
ao corpo da segunda vértebra cervical e à parte superior do corpo da terceira vértebra
cervical. Lateralmente, encontram-se a tonsila palatina (mais conhecidas como amígdalas)
entre os pilares do músculo palatoglosso e os pilares do músculo palatofaríngeo.
A musculatura da orofaringe e da faringolaringe As dimensões ântero-posterior e vertical da faringe podem ser modificadas pela ação de dois
grupos de músculos: os músculos constritores e os músculos elevadores.
53
Os músculos constritores
São três músculos em forma de calha que se imbricam um no outro como cornetas. Todas as
fibras chegam e se cruzam na linha média, terminando numa rafe média posterior. A função
desses músculos é de fazer avançar a parede posterior da faringe e de aproximar uma da
outra as duas paredes laterais. Podem-se distinguir o músculo constritor superior, o
músculo constritor médio e o músculo constritor inferior. Este último possui:
1. um feixe tireóideo que se insere na face externa da cartilagem tireoide. 2. um feixe cricotireóideo que se prende sobre uma arcada fibrosa entre a borda inferior da cartilagem tireoide e a borda inferior da cartilagem cricoide. 3. um feixe cricóideo que se insere sobre a borda inferior da cartilagem cricoide, na união do arco e da lâmina. Este músculo tem a particularidade de ser ao mesmo tempo um músculo constritor da faringe e um músculo elevador da laringe. Participa indiretamente do ajuste da tensão das pregas vocais.
Os músculos elevadores
A faringe comporta seis músculos elevadores: três de cada lado, que são o estilofaríngeo, o
retrofaríngeo e o palatofaríngeo.
O estilofaríngeo
O músculo estilofaríngeo se insere na base da apófise estilóide e se divide em vários feixes.
1. feixe faríngeo se dispersa sobre a aponeurose intrafaríngea da orofaringe. 2. feixe epiglótico que atinge a face anterior da epiglote, formando a prega faringoepiglótica. 3. feixe tireóideo se fixa sobre o corno superior da cartilagem tireoidea e sobre a borda superior dessa cartilagem. 4. feixe cricóideo se insere sobre a borda superior da cartilagem cricoide.
A contração desse músculo provoca uma elevação da faringe e da laringe.
O retrofaríngeo
O músculo retrofaríngeo se insere na face inferior do rochedo e se encontra com o constritor
médio. Suas fibras terminam na aponeurose intrafaríngea. O retrofaríngeo eleva e dilata a
faringe.
O palatofaríngeo
O músculo palatofaríngeo é constituído de três feixes:
1. feixe palatino se prende na face superior da aponeurose palatina, 2. feixe pterigóideo 3. feixe tubar
Estes se reúnem, descendo na coluna posterior do véu palatino e atingem as paredes laterais
da faringe. É um músculo responsável pelo retraimento da úvula.
Deve-se ressaltar que os músculos constritores como os elevadores, além de suas funções
próprias, são, também, responsáveis, direta ou indiretamente, pela ligação mecânica entre o
54
véu palatino, as paredes faríngeas, a língua e a laringe, de tal forma que existem fortes
interdependências mecânicas entre essas estruturas. Uma ação particular sobre uma delas é
suscetível de afetar as outras.
Figura 3.9 – Ação dos músculos que controlam a passagem velofaríngea: a. tensor do véu palatino; b. levantador do véu palatino; c. palatoglosso; d. palatofaríngeo; e. constritor faríngeo médio.
A nasalidade Diferentemente de outros processos implicados na produção da fala, o processo oronasal é
simples: repousa na capacidade de deslocamento do véu palatino para cima e para baixo.
Quando o véu palatino está levantado, apoiando-se na parede da faringe, fecha o canal
velofaríngeo e forma uma oclusão. A totalidade de ar fonatório passa pela boca e os sons da
fala são ditos orais. No caso das oclusivas orais, uma dupla oclusão é produzida: uma
oclusão no lugar de articulação lingual e uma oclusão velofaríngea. Quando o véu palatino
está abaixado, o ar pode escapar pelo nariz. Dois casos podem então ocorrer: se existe uma
oclusão completa na cavidade bucal, o ar escapa unicamente pelo nariz, o som é nasal. Na
ausência de oclusão, o ar escapa ao mesmo tempo pelo nariz e pela boca, o som é dito
nasalizado.
As vogais
A apertura velofaríngea nas vogais nasais é menor do que durante a respiração, quando o
véu palatino se abaixa na proximidade do dorso da língua. A posição que ele ocupa na fala é
aproximadamente a meio caminho entre a posição durante a respiração e a oclusão
completa. A apertura velofaríngea varia em função da apertura das vogais. Nas vogais mais
fechadas, como /i u/o véu palatino é mais levantado do que nas vogais mais abertas como
/e o/. A hipótese mais aceita considera que esse fato se explica por razões mecânicas.
Apenas a diferença de apertura velofaríngea não pode explicar as diferenças de percepção
55
do grau de nasalização das vogais. O volume de ar oral, a pressão do ar e a tensão das
paredes são outros fatores que intervêm na excitação do ressoador nasal. A cronologia dos
acontecimentos articulatórios que promovem o acoplamento das cavidades oral e nasal é
igualmente determinante em certas línguas23 e talvez, por isso, mais crítica que o grau de
abertura. Amelot e Michaud24 mostram que existe uma relação direta entre os movimentos
do véu palatino e o volume do fluxo de ar nasal. O volume do fluxo de ar nasal é
condicionado pela impedância relativa do conduto nasal e do conduto oral.
Os movimentos do véu palatino são relativamente lentos com relação aos movimentos da
língua, podendo haver certa defasagem entre eles, o que pode provocar diversos fenômenos
de assimilação parcial ou total. Em certo número de casos, a nasalidade vocálica prolonga-se
em direção à consoante seguinte e dá um segmento nasal na fase inicial. Esse fenômeno é
atestado para o português brasileiro.25 Esse apêndice encontra-se também em provençal
como a persistência, conhecida no francês antigo, de um apêndice consonantal homorgânico.
Ohala26 observou em hindi a presença de um segmento nasal epentético entre uma vogal
final de palavra seguida de uma oclusiva inicial na palavra seguinte.
Pode ocorrer, também, que o caráter nasal de um segmento se transmita de um segmento a
outro em uma sequência fonética: trata-se de um fenômeno de assimilação cujos efeitos são
variáveis. Muitos trabalhos examinaram a coarticulação da nasalidade,27 utilizando técnicas
tão variadas como a eletromiografia, a aerofonometria, o X-ray microbeam, os ultrassons e,
mais recentemente, a RMN. Esses trabalhos examinaram a organização no espaço e no
tempo da coarticulação. Compararam principalmente seus efeitos em línguas cujos
inventários fonológicos são diferentes.28 Clumeck,29 em um estudo comparativo desse
fenômeno em seis línguas, observou que o véu palatino se abaixa mais cedo no inglês
americano e no português do Brasil que em francês, chinês, sueco e hindi. Esses estudos
contribuíram, sobretudo, para mostrar a importância do sistema fonológico de cada língua
na distinção oral/nasal. Em inglês, não havendo distinção entre vogais orais e nasais, a
presença na cadeia falada de uma consoante nasal pode provocar, por antecipação e por
efeito de inércia, o espalhamento do traço de nasalidade sobre uma longa sequência,
23 LACERDA; HEAD, 1963; ROSSATO; TEIXEIRA; FERREIRA, 2006. 24 AMELOT; MICHAUD, 2006. 25 MATTA MACHADO, 1981. JESUS, 2000. 26 OHALA, 1996. 27 CHAFCOULOFF; MARCHAL, 1999. 28 SOLÉ, 1992. 29 CLUMECK, 1976.
56
podendo afetar à distância várias vogais que vão ser nasalizadas. No francês, a coarticulação
está limitada pela necessidade de preservação da distinção fonológica entre vogais orais e
vogais nasais. A organização prosódica tem, aliás, um papel determinante, uma vez que os
fonemas que ocupam posições fortes nas sílabas estão menos sujeitos a assimilarem-se.30
Com exceção de uma única língua, o chinantec d’Oaxaca, falada no México,31 um sistema de
oposição gradual entre vogais orais, vogais fracamente nasalizadas e vogais fortemente
nasalizadas não parece suficientemente estável para garantir status fonológico nos sistemas
vocálicos das línguas.
As consoantes
As oclusivas
Todas as consoantes orais podem, a priori, contrastar com uma consoante homorgânica
nasal. Essa oposição é muito produtiva, já que abarca 97% das consoantes oclusivas contidas
na base UPSID. Assim, à série muito frequente /p, b/, /t, d/, /k, / corresponde a série /m,
n, / para a qual a abertura do canal rinofaríngeo constitui a única distinção de tipo
articulatório.
Existe uma oclusão na cavidade bucal no mesmo lugar de articulação: os dois lábios para
/m/, a região dental para /n/ e o palato mole para //. A passagem pelas fossas nasais
constitui a única diferença. Essas consoantes são tradicionalmente classificadas como
oclusivas. Isso é verdade, como dito acima, no que se refere à cavidade bucal, mas seria mais
exato considerá-las como contínuas, uma vez que não há interrupção da ressonância nasal.
O português tem no seu sistema consonantal o fone dorsopalatal //, como em /bao/.
Também o francês tem no seu sistema consonantal a dorsopalatal //, como em /ao/, que
se distingue da sequência /n + j/, como sendo uma única e mesma unidade fonológica
realizada em um único movimento articulatório na mesma sílaba. O fone dorsovelar //,
que existiu no francês, só é ouvido nos empréstimos do inglês, bowling, parking e na sua
variante regional do sul, como, por exemplo, no contexto de // nasalizado, como em
mangue mûre.
Um caso particular se refere ao /n/ dito silábico que se encontra em inglês em palavras
como button ou sudden. A oclusão velofaríngea pode ser mantida até [n]. O relaxamento da
oclusiva é realizado pela abertura do canal rinofaríngeo que permite ao ar passar pelas 30 FARNETANI, 1999. 31 MERRIFIELD, 1963.
57
fossas nasais, escapando assim pelo nariz. Trata-se de um relaxamento da oclusiva que se
parece a uma “explosão” nasal.
O wolof e certas línguas da Austrália como o aranda, arapana e o wailpi32 distinguem
fonologicamente consoantes oclusivas segundo o relaxamento oral ou nasal (Ex.: [lapm ]
‘afogar’; [lap] ‘ser magro’).
As fricativas
Não existe uma série de consoantes fricativas nasais que correspondam a uma série de
consoantes fricativas orais. A nasalização das fricativas é essencialmente ligada ao contexto e
não tem valor distintivo. Catford33 observa que as narinas são móveis e podem constituir um
articulador. O estreitamento do canal nasal pode provocar a criação de um fluxo turbulento
no nível das narinas. O tibetano distingue uma fricativa “narinal” vozeada e não vozeada.
A pré-nasalidade
A existência de um apêndice consonantal nasal precedendo a realização de um fonema nasal
é atestada em numerosas línguas. A pré-nasalização pode estar ligada a um fenômeno de
antecipação da abertura do canal rinofaríngeo por um fonema nasal subsequente.
Numerosos estudos sobre a coarticulação examinaram as condições em que o abaixamento
do véu palatino pode intervir sem provocar confusão fonética, de acordo com a organização
sonora das diferentes línguas.
Situação distinta é aquela em que a pré-nasalização caracteriza uma classe de fonemas em
que a sequência nasal/oclusiva homorgânica se realiza na mesma sílaba e o som produzido
constitui um único e mesmo fonema. Este tipo de consoante pré-nasalizada é bastante
frequente e é encontrado principalmente em línguas polinésias. Ladefoged34 propõe, assim
como a defasagem no início de vozeamento, um traço de pré-nasalização de tipo gradual.
As cavidades supraglóticas – cavidade bucal, cavidade nasal e cavidade faríngea –
participam, pela forma e pelo volume, assim como pelo acoplamento ou não da cavidade
nasal, da produção dos diferentes sons da fala. Além disso, a língua, cuja mobilidade e
plasticidade são determinadas pela diversidade dos músculos intrínsecos e exytrínsecos que
a constituem, multiplica as possibilidades articulatórias. A cavidade faríngea, cuja
importância na produção de vários sons é conhecida, merece mais estudos para o melhor
32 WURM, 1972. 33 CATFORD, 1977. 34 LADEFOGED, 1971.
58
entendimento de sua participação na fala expressiva e no canto.
Articulação: o sistema labiomandibular
Introdução
Entre os traços utilizados para especificar as vogais, dois são fornecidos pelo sistema lábio-
mandibular. Trata-se da apertura e da labialidade. A apertura, determinada basicamente
pela distância língua-palato, acompanha, normalmente, o movimento vertical da mandíbula.
Quanto ao traço de labialidade, utilizado também para especificar certas classes de
consoantes e vogais, recobre várias dimensões articulatórias.
Os lábios podem tomar configurações variadas, tendo em vista suas múltiplas funções, como
na deglutição, na fala, na expressão de atitudes e emoções. A priori, e na medida em que
esses dois articuladores são independentes, qualquer posição dos lábios pode coexistir com
qualquer posição da língua. Na realidade, em razão de um conjunto de restrições
anatômicas, fisiológicas e aerodinâmicas, as línguas naturais privilegiam um conjunto
particular de configurações labiais.35 Neste capítulo, vamos lembrar as condições anatômicas
que regulam a atividade dos lábios e da mandíbula e identificar os grupos de músculos
responsáveis por esses movimentos.
Os lábios inferior e superior são mobilizados por conjuntos de músculos independentes e
podem se deslocar separadamente. O lábio inferior que segue os movimentos da mandíbula
é mais móvel. O conjunto dos trabalhos mostra certa variabilidade interindividual.
Relataremos aqui apenas as principais tendências gerais.
Os lábios: descrição anatômica e funcional
Os lábios são duas pregas músculo-membranosas móveis que circunscrevem o orifício bucal.
Cada lábio apresenta uma face anterior ou face cutânea, uma face posterior ou mucosa e
uma borda livre. Suas extremidades reunidas formam as comissuras. Sob a pele, encontram-
se músculos estreitamente unidos à derme cutânea na qual se inserem. Do ponto de vista da
fala, os lábios podem aproximar-se de forma variável ou, então, serem comprimidos um
35 LINKER, 1982.
59
contra o outro; podem ser projetados para frente numa protrusão labial, alongando o
conduto vocal; os lábios tomam, também, uma configuração circular, um arredondamento;
finalmente, os lábios podem ser estirados, recuando-se o ângulo das comissuras.
Distinguem-se dois grupos de músculos: os músculos dilatadores e os músculos constritores
(Figura 4.1a). Vamos descrever os principais músculos dos lábios, para nos atermos,
posteriormente, à sua função na produção da fala (Figura 4.1b).
Figura 4.1a – a. nasal; b. levantador do lábio e da asa do nariz; c. levantador do lábio inferior; d. zigomático menor; e. zigomático maior; f. risório; g. depressor do ângulo da boca; h. depressor do lábio inferior; i. mentual; j. orbicular da boca; k. levantador do ângulo da boca; l. temporal; m.masseter; n. platisma. Figura 4.1.b – Ação dos músculos faciais inseridos no orbicular da boca.
A adução dos lábios
O orbicular da boca
60
O músculo orbicular da boca mais importante dos lábios, organizado em duas camadas de
fibras: uma camada mais profunda, na forma de anéis concêntricos, uma camada mais
superficial, para a qual convergem fibras de outros músculos da face. Embora sua principal
função seja a de esfíncter, sua composição muscular, com fibras em várias direções,
empresta-lhe uma mobilidade particular. A camada mais profunda responde pela adução
dos lábios, abaixando o lábio superior e elevando o lábio inferior.
Contribuem, também, em sinergia, na atividade de fechamento dos lábios o masseter, o
temporal e o pterigóideo interno, assim como o levantador do ângulo da boca. O depressor
do ângulo da boca abaixa o lábio superior.
Essas ações combinadas são observadas no fechamento do canal bucal na realização das
oclusivas labiais /p b m/.
O músculo compressor dos lábios O músculo compressor dos lábios deve seu nome à sua função. Constituído de fibras
musculares orientadas da frente para trás em torno do orifício labial, esse músculo
comprime os lábios da frente para trás, na direção dos dentes incisivos. Seu papel na
articulação ainda não foi estudado.
A protrusão dos lábios A protrusão dos lábios é produzida pela atividade do orbicular da boca (camada periférica)
e pelo mentual.
O mentual O músculo mentual é um feixe em forma de cone situado ao lado do frênulo do lábio
inferior. Emergem da fossa incisiva da mandíbula e dirigem-se para baixo, inserindo-se na
pele do mento. Levanta o lábio inferior, comprimindo-o contra o lábio superior, dando
origem a uma leve protrusão.
O arredondamento dos lábios O arredondamento é produzido pela aproximação das comissuras dos lábios. Esse gesto é
realizado basicamente para as vogais [u o ], no português, pela ação de esfíncter do
orbicular da boca. O arredondamento não implica necessariamente a protrusão. Esta pode
ser variável e limitada pela ação do bucinador, do zigomático maior e do risório. O grau de
arredondamento vai também depender do movimento de elevação e abaixamento da
mandíbula.
A elevação do lábio superior
61
O levantador do lábio superior O músculo levantador do lábio superior emerge da margem inferior da órbita. Suas fibras
dirigem-se para baixo, inserindo-se no lábio superior. A partir da posição inicial dos lábios
comprimidos verticalmente, eleva o lábio superior, sem abrir a boca (gesto típico de quando
se sente mau cheiro).
O levantador do lábio superior e das asas do nariz O músculo levantador do lábio superior e das asas do nariz forma uma faixa estreita, que
emerge da margem infraorbital do maxilar, fazendo trajeto para baixo e ligeiramente para
lateral, dividindo-se no percurso em duas tiras: uma que se insere na estrutura cartilaginosa
lateral do nariz e a outra no orbicular da boca. Ao contrair-se, eleva o lábio superior e dilata
as narinas. Este músculo é ativo na fase de soltura das oclusivas bilabiais.1
O zigomático menor Paralelo ao levantador do lábio superior, o músculo zigomático menor insere-se na face
externa do osso malar e se fixa na face profunda da pele do lábio superior. Age em sinergia
com o bucinador, o zigomático maior e os músculos elevadores das comissuras dos lábios
para ajustar a constrição entre o lábio inferior e os incisivos superiores e tem também um
papel importante na produção das labiodentais /f v/.
O abaixamento do lábio inferior
O depressor do lábio inferior O músculo depressor do lábio inferior é constituído por dois pequenos feixes situados em
uma camada muscular profunda de um lado e do outro da linha média do queixo. Emerge
da linha oblíqua da mandíbula nas proximidades do forame mentoniano com inserção na
derme do lábio inferior e no orbicular da boca. É o principal músculo abaixador do lábio
inferior, que puxa para baixo e para fora. Tem um papel importante na soltura das
consoantes bilabiais como /p b m/, com diferenças de ativação de acordo com a consoante.
Giot2 observa, para o francês, uma atividade mais importante em /p/ do que em /b/, o que
considera uma diferença de força de articulação. O depressor do lábio inferior é assistido na
sua ação pelo depressor do ângulo da boca e os músculos abaixadores do maxilar, como os
músculos supra-hióideos anteriores.
O estiramento das comissuras
1 ÖHMAN; LEANDERSON; PERSSON, 1965. 2 GIOT, 1977.
62
O bucinador O bucinador é um músculo fino de forma quadrilátera irregular. Este músculo insere-se
atrás na borda anterior do ligamento pterigomaxilar, na borda alveolar superior e inferior
dos maxilares. Suas fibras entrecruzam-se no nível da comissura dos lábios. É um músculo
poderoso cuja função principal é a de comprimir as bochechas e os lábios contra os dentes,
esticando a fenda bucal, mantendo as comissuras inclinadas para baixo. Gesto característico
de sorriso de aprovação, satisfação. É antagonista do orbicular e do músculo depressor do
lábio inferior. Tem um papel na produção das vogais /i/, //, /e/ e nas consoantes /f v/.
O risório O músculo risório da face é conhecido como músculo do riso. É um músculo achatado que
se origina no nível do masseter dirigindo-se até os lábios, fixando-se na comissura. Retrai as
comissuras dos lábios, esticando-os. O bucinador e o risorio combinam sua ação na
produção das consoantes fricativas pós-alveolares / /, agindo em sinergia com o
zigomático maior.
O abaixamento das comissuras
O depressor do ângulo da boca De forma triangular, o músculo depressor do ângulo da boca origina-se na parte anterior da
mandíbula e insere-se no orbicular no nível das comissuras. O depressor do ângulo da boca
abaixa as comissuras e tem certamente papel de controle da apertura da fenda bucal na
produção das vogais altas em contexto de consoantes oclusivas.3 Age também nas fricativas
como antagonista do levantador do ângulo da boca.
O platisma O músculo platisma é um músculo muito largo e fino que se estende da região anterior do
esterno à mandíbula inferior e à face. Ao contrair-se deprime o lábio inferior, agindo em
sinergia com o depressor do ângulo da boca para abaixar as comissuras. Pode intervir na
protrusão das vogais fechadas [u y].
A elevação das comissuras
O levantador do ângulo da boca O músculo levantador do ângulo da boca, profundo, achatado, de forma triangular, desce da
fossa canina para o lábio superior e insere-se no orbicular no nível das comissuras. Sua ação
eleva as comissuras, dando uma forma horizontal aos lábios, esticando-os. É conhecida sua 3 ÖHMAN; LEANDERSON; PERSSON, 1965.
63
participação na constrição das labiodentais, como antagonista do depressor do ângulo da
boca em um ajustamento fino, tendo, também, um papel no fechamento das oclusivas
bilabiais.
O zigomático maior Como o risório, o músculo zigomático maior é conhecido como músculo do riso, da alegria,
pela expressão facial que provoca, uma vez que se combina com o orbicular do olho. O
zigomático maior é um músculo alongado, achatado, superficial, que se estende atrás do
pequeno zigomático, do osso malar à comissura dos lábios. Sua função principal é de esticar
as comissuras lateralmente. O movimento de elevação das comissuras é sinérgico do
movimento do músculo levantador do ângulo da boca. No plano fonético, tem um papel na
projeção dos lábios e contribui na produção das vogais /i e/ e de consoantes como /f v/.
O exame da atividade dos músculos dos lábios indica que existem grandes
interdependências entre eles na busca de um ajustamento fino da posição dos lábios
necessária à produção de diferentes fones. De fato, embora seja possível associar tal ou tal
músculo a um movimento dos lábios ou das comissuras numa direção dada, a verdade é que
os padrões de atividade de tipo sinérgico e antagonista devem ser estreitamente controlados
para se chegar a um resultado articulatório desejado. Múltiplas influências são exercidas,
que se devem tanto à posição de partida dos articuladores como a restrições relacionadas à
antecipação de fonemas ou aos efeitos da permanência, relacionados, em particular, à inércia
dos órgãos que participam do gesto articulatório. Isso explica, também, porque resultados
de numerosos estudos eletromiográficos dedicados aos músculos labiais puderam chegar a
resultados bastante diferentes e até mesmo em certo número de casos contraditórios. Os
estudos sobre a coarticulação da labialidade são, a esse respeito, bem reveladores da
complexidade desses acontecimentos articulatórios, variando também em função do
inventário fonológico das línguas examinadas. Entre o conjunto desses fatores, a mandíbula
e a posição do maxilar têm um papel particularmente crucial.
64
Quadro 4.1 Músculos dos lábios, organizados de acordo com a inserção, ação e inervação.
Inserção Músculo Ação Inervação orbicular da boca protrui e comprime os lábios NC VII – Facial – ramo mandibular
marginal bucinador comprime os lábios NC VII – Facial -ramo bucal levantador do ângulo da boca levanta o ângulo da boca NC VII – Facial -ramo zigomático depressor do ângulo da boca deprime o ângulo da bo ca NC VII – Facial -ramo mandibular zigomático maior leva o ângulo da boca para cima e
para lateral NC VII – Facial -ramo bucal e zigomático
Mondíolo
risório retrai o ângulo da boca NC VII – Facial -ramo bucal levantador do lábio superior levanta o lábio superior NC VII – Facial -ramo bucal levantador do lábio superior e da asa nasal
auxilia levantamento do lábio superior e dilata as narinas
NC VII – Facial -ramo bucal Lábio Superior
zigomático menor auxilia levantamento do lábio superior
NC VII – Facial -ramo bucal
depressor do lábio inferior puxa o lábio inferior para baixo e para lateral
NC VII – Facial -ramo mandibular
mentual levanta o lábio inferior NC VII – Facial -ramo mandibular Lábio Inferior platisma direciona o lábio inferior para
lateral e para inferior NC VII – Facial -ramo cervical
A mandíbula
A mandíbula, único osso móvel da face, é constituída por uma base em forma de ferradura,
onde estão implantados os dentes inferiores, prolongando-se, posteriormente, num ângulo
de quase 90°, em duas hastes ósseas, os ramos, que permitem a articulação com o osso
temporal, conhecida como articulação temporomandibular. Seus movimentos possibilitam
uma abertura bucal de mais de 50 mm. Na fala essa abertura situa-se entre 7 e 18 mm.4 As
articulações temporomandibulares podem executar três movimentos principais:
1. movimento de elevação e abaixamento da mandíbula. 2. movimento de protrusão e retração. 3. movimento lateral.
A mandíbula mantém ligações musculares estreitas com o osso hioide e a língua. Seus
movimentos podem, portanto, afetar a posição da língua e, de forma menos importante, a da
laringe.
Os músculos da mandíbula Os músculos da mandíbula têm, primitivamente, a função de permitir a mastigação. Suas
ações consistem em elevar, projetar, retrair, abaixar ou mover para lateral a mandíbula
(Figura 4.2). Os chamados músculos da mastigação que deslocam a mandíbula em diferentes
direções são: o temporal, o masseter, os pterigóideos externo e interno e músculos supra-
hióideos.
4 ZEMLIN, 2000.
65
Figura 4.2 – Mandíbula: a. processo condilar; b. processo coronóide; c. ramo; d. corpo; e. protuberância mentural.
O pterigóideo lateral O músculo pterigóideo lateral é um músculo curto, espesso e achatado que vai da apófise
pterigoídea e da grande asa do esfenóide até a articulação temporomaxilar. Sua ação
provoca um movimento de abaixamento e de protrusão da mandíbula, explorada na
articulação do /s/.5
O pterigóideo interno O músculo pterigóideo interno é um músculo espesso, quadrangular, situado dentro do
pterigóideo externo. Estende-se entre a fossa pterigoídea do osso esfenóide do crânio até a
face interna do ângulo da mandíbula. Suas fibras têm um curso para baixo e para trás.
Trabalha em sinergia com o masseter e o temporal (ver supra) para levantar o maxilar.
Antagonista dos músculos supra-hióideos anteriores. É ativo na produção de /f/ e /v/.
O temporal O músculo temporal é um músculo da fronte longo, par e triangular. Tem origem nas partes
laterais e inferiores do crânio, correspondendo à zona das têmporas e se estendendo até
atrás da orelha. Suas fibras descem para frente e convergem perto de seu ponto de inserção
no nível da apófise coronóide. O temporal age em sinergia com o masseter e o pterigóide
interno para puxar para o alto a mandíbula. É antagonista dos depressores da mandíbula na
produção de /f/ e // e das vogais anteriores.
O masseter O músculo masseter é um músculo superficial curto, espesso e poderoso. Tem origem na
arcada zigomática e dirige-se obliquamente para baixo e para trás. Juntamente com o
pterigóideo interno, eleva a mandíbula.
5 VAN RIPER; IRWIN, 1958.
66
Os músculos supra-hióideos A ação dos músculos da mastigação pode ser completada pela atividade dos músculos
supra-hióideos: digástrico, milo-hióideo e genio-hióideo. Esses músculos levantam,
normalmente, o osso hioide e, consequentemente, a laringe, podendo contribuir, também,
para o abaixamento e retração da mandíbula.6
O digástrico (ventre anterior) O músculo digástrico, que tem um ventre anterior e um ventre posterior, emerge da face
interna da margem inferior da sínfise mandibular, fazendo trajeto para trás, inserindo-se no
corpo e no corno maior do osso hioide. A contração desse músculo levanta o osso hioide ou,
com o osso hioide fixo, deprime a mandíbula.
O milo-hióideo O músculo milo-hióideo forma o assoalho muscular da boca. Tem origem na linha milo-
hioídea da mandíbula, fazendo trajeto inferior e medialmente, unindo-se ao par oposto na
rafe mediana. As fibras mais posteriores inserem-se no osso hioide.
O genio-hióideo O músculo gênio-hióideo situa-se acima do milo-hióideo e emerge da espinha mentoniana
inferior, fazendo trajeto posterior e inferior, inserindo-se na face anterior do osso hioide.
Pode levantar a laringe ou deprimir a mandíbula.
Quadro 4.2 Direção dos deslocamentos da mandíbula em função da atividade muscular
Elevação Depressão Protrusão Retração Lateralidade Pterigóideo interno + + Masseter + Temporal + + + Pterigóideo lateral + + + Genio-hióideo + + Digástrico + + Milo-hióideo + +
Todos esses músculos são inervados pelo ramo mandibular do nervo craniano NCV, o
trigêmeo.
Funções linguísticas da atividade dos lábios
Os movimentos de protrusão e de arredondamento dos lábios são utilizados na produção de
classes de vogais e consoantes distintas. Vamos ver abaixo que, do ponto de vista fonético e 6 WESTBURY, 1988.
67
mesmo fonológico, a contribuição dos lábios pode ser mais complexa, considerando-se as
diferentes línguas naturais. Catford,7 por exemplo, já propunha uma divisão nos contatos
dos lábios entre exolabial, quando o contato se realiza com as bordas livres dos lábios, e
endolabial, quando o contato ocorre com a borda normalmente em contato com os dentes
incisivos. Os lábios podem constituir o articulador principal ou secundário.
As vogais As vogais podem ser especificadas com a ajuda de quatro traços: a apertura, a nasalidade, a
anterioridade e a configuração dos lábios. No que se refere mais especificamente à
participação dos lábios, observa-se nas línguas do mundo que as vogais mais fechadas
apresentam uma tendência maior a serem labializadas do que as vogais abertas. Essa
tendência se encontra nas vogais posteriores que são mais frequentemente labializadas do
que as vogais anteriores. Keyser e Stevens8 veem aí um efeito para reforçar a discriminação
perceptiva entre as vogais. Essa regra não é, entretanto, absoluta: o francês, por exemplo,
diferencia-se nesse aspecto, pois /i/, vogal anterior, não arredondada, vai se opor a /y/,
vogal anterior arredondada, sem, entretanto, haver projeção labial. Da mesma forma, o
sistema fonológico do sueco possui um par de vogais altas posteriores que se distinguem
pela labialidade, /u/, [+ arredondado] se opõe a /o/, [- não arredondado]. As comissuras
dos lábios são comprimidas verticalmente e a articulação é evertida.
As consoantes Os processos articulatórios utilizados na produção de consoantes bilabiais ou que incluem
em sua realização a participação dos lábios como articulador secundário são complexos, pois
repousam na utilização de vários subsistemas articulatórios relativamente independentes.9
Segundo o modo e o lugar de articulação, distinguem-se sucessivamente as oclusivas, as
fricativas e, também, semivogais.
As oclusivas Articuladores primários
As bilabiais
A oclusão realizada por um gesto de adução dos lábios produz uma série de consoantes
oclusivas atestada em quase todas as línguas do mundo. Essas consoantes podem ser orais e
7 CATFORD, 1977. 8 KEYSER; STEVENS, 2006. 9 LÖFQVIST, 2005.
68
vozeadas como /b/ ou não vozeadas como /p/ ou ainda nasalizadas como /m/. A adução
dos lábios realiza-se basicamente pela ação do orbicular da boca, assistido pelo masseter, o
temporal, o pterigóideo interno e o levantador do ângulo da boca. A fase de fechamento é
mantida tipicamente durante uma duração que pode variar de 50 a 150 ms. Ocorre, durante
a oclusão oral para /p/ e /b/, um aumento da pressão intraoral. Esta, entretanto, é
insuficiente para provocar o relaxamento da oclusão, que resulta de um gesto específico
comandado principalmente pelo depressor do lábio inferior, assistido pelo depressor do
ângulo da boca e o platisma. Os músculos levantadores do lábio superior intervêm
igualmente no gesto de abdução ou abertura.10
Labiodentais
Hockett,11 Ladefoged12 relatam a existência de oclusivas realizadas com um gesto de
fechamento do lábio inferior nos incisivos superiores. Essas consoantes labiodentais
contrastariam em algumas línguas com oclusivas bilabiais. Parece que esse tipo de oposição,
aliás, pouco documentada, indicaria antes uma distinção entre uma oclusiva bilabial e uma
africada.
Articuladores secundários
Na medida em que os lábios são capazes de se deslocar de maneira relativamente
independente da língua, podem, pela sua configuração, modificar a articulação principal. De
acordo com o lugar de articulação da língua, pode-se, assim, distinguir oclusivas
labiodentais, labioalveolares, labiopalatais e labiovelares.
As fricativas Articuladores primários
As bilabiais
Os lábios inferior e superior são muito aproximados e a constrição criada pela fenda labial
dá origem a um ruído de fricção. Em espanhol, há a consoante // como alofone de /b/ em
posição intervocálica. Nas línguas africanas, como o ewe, // contrasta com /v/ e /f/ e //
são homorgânicas não vozeadas; // encontra-se igualmente em línguas do Cáucaso.
As labiodentais
Nas consoantes labiodentais, o lábio inferior é ligeiramente levantado e sua superfície
10 LEANDERSON; SUNDBERG; VON EULER, 1987. 11 HOCKETT, 1955. 12 LADEFOGED, 1971.
69
interna entra em contato com a ponta dos incisivos superiores. O ar escapa lateralmente.
Intervêm nesse movimento a aproximação do orbicular inferior da boca, o bucinador e o
risório. Para Gentil e Boë,13 a compressão do lábio inferior contra os dentes incisivos
superiores conta, também, com a participação do orbicular do lábio superior, o zigomático
menor, o levantador do ângulo da boca e o zigomático maior que levantam as comissuras
dos lábios. Essa articulação é muito difundida. Ocorre em português, francês e inglês, onde
/f/ e /v/ se opõem entre si e a /p/ e /b/. A forma invertida/evertida dos lábios permite a
realização de distinções finas exploradas por certas línguas.
As labiopalatais e labiovelares
/w/ é uma semiconsoante labiovelar que é encontrada no inventário fonológico de um
grande número de línguas, entre as quais o português, o francês e o inglês. Em francês, o
//, semiconsoante labiopalatal, contrasta com a labiovelar /w/. A protrusão dos lábios é
similar a das vogais arredondadas altas.
Articuladores secundários
As pós-alveolares
Nas consoantes pós-alveolares, o orbicular da boca é o principal responsável pelo
movimento de protrusão na produção de // e //. O afastamento dos lábios é ajustado
pelo zigomático menor, pelos levantadores superficiais e profundos do lábio superior e pelo
mentual.
As alveolares
Na produção de /s/ e /z/, consoantes alveolares, entram em ação, para retrair as
comissuras labiais, o bucinador e o risório.
13 GENTIL; BOË, 1979.
70
Quadro 4.3 Músculos dos lábios e de suas funções
Movimento Protagonista Sinérgico Antagonista Depressor do ângulo da boca Levantador do ânbulo da boca Depressor do lábio inferior
1
Oclusão bilabial Abaixamento do lábio superior e elevação do lábio inferior1
Orbicular
Elevadores da mandíbula
Depressor do lábio inferior
Depressor do lábio inferior Platisma 2
Protrusão dos lábios Orbicular
Bucinador Bucinador Risório
3 Arredondamento dos lábios
Orbicular
Elevadores da mandíbula Levantador do lábio superior
Zigomático maior 4 Elevação do lábio superior
Zigomático menor Levantador do ângulo da boca
Depressor do ângulo da boca 5 Abaixamento do lábio inferior
Depressor do lábio inferior Abaixadores da mandíbula
Bucinador 6 Tração para trás das comissuras Risório
Zigomático maior
7 Abaixamento das comissuras
Depressor do ângulo da boca
Platisma
Levantador do ângulo da boca
8 Elevação das comissuras
Zigomático maior
1 A oclusão labial é acompanhada de uma ligeira protrusão
Os lábios poderiam ter sido incluídos no capítulo anterior, uma vez que podem constituir
uma cavidade suplementar na produção da fala, a cavidade labial. A participação dos lábios
na produção da fala vai, entretanto, muito além da constituição de uma cavidade, pois
participam da articulação de vários fones como articulador principal ou secundário e
constituem informação importante para interpretação da fala, principalmente em indivíduos
surdos e na interpretação da fala à distância, na chamada leitura labial. A mandíbula, cujos
movimentos parecem apenas acompanhar os movimentos de apertura da língua, tem
despertado cada vez mais o interesse dos pesquisadores, tendo dado origem a uma teoria da
sílaba em que essa unidade básica da fala se fundamenta na oscilação mandibular
(McNeilage14). Além do papel linguístico que desempenham na produção de fones, os lábios
e a mandíbula se envolvem de forma ainda pouco conhecida na expressão de atitudes e
emoções.
14 MACNEILAGE, 1998
71
Elementos de tipologia articulatória
Nos capítulos precedentes, expusemos as bases anatômicas e
fisiológicas da produção da fala. Descrevemos como os sistemas
respiratório, laríngeo e digestório se organizam para a emissão de sons da fala. Neste
capítulo, vamos expor, de forma sintética, como as línguas exploram esses recursos para fins
linguísticos. Vamos dar indicações de como, a partir da produção da fala, organizar
sistematicamente a descrição dos sons produzidos nas diferentes línguas. Como se baseiam
na articulação, esses elementos de descrição fonética são igualmente úteis no estudo das
variações idiossincráticas, interindividuais, expressivas e das patologias. Constituem as
bases para uma teoria fonética do desempenho. Vamos tratar em seguida dos mecanismos
aerodinâmicos, dos modos fonatórios e da articulação.
Os mecanismos aerodinâmicos
O iniciador pulmonar
Corrente de ar egressiva A corrente de ar utilizada na produção dos sons da fala é iniciada por um órgão ou
articulador. O iniciador principal é constituído pelos pulmões. Durante a expiração, a coluna
de ar dirige-se para o exterior e o fluxo de ar é controlado pelo conjunto dos músculos da
respiração. É a corrente de ar egressiva. A grande maioria dos fones é produzida pela
modulação da corrente de ar pulmonar egressiva.
A corrente de ar ingressiva Pode-se encontrar, excepcionalmente, a produção de sons nessa fase de inspiração, como é o
caso do ah! de espanto. Neste caso, a corrente de ar vai do exterior para o interior da
cavidade bucal, sendo chamada de corrente de ar pulmonar ingressiva. Esse uso ingressivo
do iniciador pulmonar não é explorado pelas línguas; é uma manifestação sonora
extralinguística, que pode acontecer nos estados de surpresa, de grande emoção ou no
soluço.
Mecanismos aerodinâmicos não pulmonares Apesar de ser a maior reserva de ar no sistema de fonação, certos sons da fala são
produzidos com uma corrente de ar que não tem origem nos pulmões. A realização de uma
72
oclusão dupla no trato vocal permite a criação de uma cavidade fechada. Ao se fazer variar o
volume dessa cavidade, duas coisas podem acontecer:
- uma expansão do volume pode provocar uma diminuição da pressão no interior dessa cavidade. No momento da soltura, ocorre uma entrada de ar, dirigindo-se este para o interior da cavidade, isto é, uma corrente de ar ingressiva. - inversamente, ocorrendo uma diminuição no volume da cavidade, acontece um fenômeno de compressão, de forma que, no momento da soltura da oclusão, uma corrente de ar egressiva é gerada. Dois mecanismos aerodinâmicos não pulmonares são observados na produção de sons da fala: o mecanismo aerodinâmico glotal e o mecanismo aerodinâmico vélico.
Mecanismo aerodinâmico glotal O mecanismo aerodinâmico glotal é um dos mecanismos aerodinâmicos não pulmonares,
cuja produção se baseia numa combinação de elevação ou abaixamento da laringe, com a
direção ingressiva ou egressiva do ar e com a produção de pressão ou depressão no conduto
vocal.
As ejetivas
A laringe é móvel e pode elevar-se ou abaixar-se como um pistão. A ação de elevação da
laringe tem por efeito, em caso de oclusão oral, comprimir o ar contido atrás da barragem,
resultando em um aumento da pressão intraoral, tornando, assim, possível reforçar o ruído
de explosão no momento da soltura da oclusão. Esse mecanismo de ejeção é menos
frequente com as oclusivas labiais e alveolares e mais frequente nas oclusivas velares e
uvulares não vozeadas. Chegam a 18% nas línguas do mundo.1 Pode, também, ocorrer nas
fricativas, africadas. Ocorre em línguas indígenas das Américas e em línguas africanas. No
Quechua, por exemplo, falada em regiões do Peru e Bolívia, há uma série de oclusivas
ejetivas, além de uma africada ejetiva.
As implosivas
O abaixamento da laringe durante a fase de tensão oral de uma oclusiva tem por efeito o
aumento do volume da cavidade bucofaríngea e consequente abaixamento da pressão
intraoral, provocando, assim, uma entrada de ar, no momento da soltura da oclusão.
O sindhi apresenta uma série de consoantes oclusivas homorgânicas vozeadas, não
vozeadas, aspiradas não vozeadas, vozeadas sopradas e implosivas. O uduk, uma língua do
sahara, contrasta oclusivas implosivas e ejetivas vozeadas, não vozeadas, não vozeadas
aspiradas bilabiais e alveolares.
Além de ser responsável pelo mecanismo aerodinâmico glotal, o movimento vertical da
1 LADEFOGED; MADDIESON, 1996.
73
laringe é responsável por modificações da forma e volume da faringe, podendo, também,
auxiliar no controle da tensão das pregas vocais, contribuindo, assim, no controle de f0.2
À função fonatória e de iniciação da laringe, acrescente-se a função de articulador. Uma
obstrução no nível da laringe pode produzir tanto fone oclusivo, quando as pregas vocais
comprimem-se uma contra a outra, como fone fricativo, quando há grande aproximação das
pregas vocais, provocando, assim, um fluxo turbulento de ar.
Mecanismo aerodinâmico vélico
No mecanismo aerodinâmico vélico, em que uma obstrução é fixa, determinada pelo contato
firme entre o palato mole e o dorso da língua, o que varia é o local da obstrução mais
anterior, que pode ser labial, alveolar, pós-alveolar e palatal. Este é o mecanismo conhecido
como mecanismo vélico.3
Figura 5.1a – Cliques: a. dois contatos simultâneos; b. expansão do espaço delimitado; c. contato anterior se solta.
Figura 5.1b – Mecanismo aerodinâmico glotal: a. movimento para cima da laringe, fone ejetivo e b. movimento para baixo da laringe, fone implosivo.
A corrente de ar, normalmente ingressiva, produzida no momento da soltura da oclusão, é
seguida de um ruído de fraca amplitude, cujas características espectrais vão depender do
ponto de soltura da oclusão.
Os sons produzidos por este mecanismo são conhecidos como cliques. Pode-se distinguir, de
acordo com a zona em que se realiza a oclusão e sua soltura, clique bilabial (ruído sonoro do
beijo), clique dental e alveolar (usado para indicar contrariedade e, quando produzido
repetidas vezes, na expressão de uma negação, sobretudo com crianças) clique alveolar
lateral (serve para indicar deleite), clique pós-alveolar não vozeado, vozeado e nasalizado. 2 CLARK; YALLOP, 1995. 3 Propomos denominar vélico e não velar, como é comumente conhecido o mecanismo associado à produção de cliques, para bem distingui-lo da denominação das articulações velares, nas quais o véu palatino tem participação efetiva.
74
Esses fones têm um status fonológico nas várias línguas da África do Sul, como o zulu, o
nama e o xhosa.
Esses sons são, também, familiares, embora não tenham status fonológico, em francês e em
inglês. Na verdade, são comumente produzidos, no encadeamento de duas consoantes
oclusivas, como /tk/ ou /kt/, como em quat(re) quarts ou tactique. Neste caso ocorre uma
dupla oclusão durante a parte da fase de tensão coproduzida pelas duas oclusões.
Os modos fonatórios
A laringe constitui o primeiro lugar em que o ar que sai dos pulmões pode sofrer
modificações importantes, constituindo-se na mais importante fonte de energia do
mecanismo de produção da fala. Dependendo do estado da glote, a passagem do ar pode ser
relativamente livre, completamente obstruída ou modificada por diferentes graus de
estreitamento. Vimos como é fino e complexo o ajustamento laríngeo. Todas as línguas
fazem um amplo uso das oposições ligadas às modificações da corrente de ar no nível da
laringe. Além disso, são inúmeros os modos de fonação de que o locutor se utiliza para fins
paralinguísticos ou extralinguísticos.
Catford,4 numa versão modificada de uma classificação anterior,5 e Ladefoged6 foram os
primeiros a propor uma classificação de modos fonatórios com função linguística.
Na sua classificação, Ladefoged se baseia no nível de constrição do espaço glótico,
apresentando, assim, cinco modos fonatórios que vão da configuração mais aberta ou
abduzida da glote, o não vozeamento, até a configuração mais fechada ou aduzida, a oclusão
glotal, conforme representado no gráfico abaixo:
4 CATFORD, 1977. 5 CATFORD, 1964. 6 LADEFOGED, 1971.
75
Figura 5.2 – A gradação dos modos fonatórios segundo Ladefoged.7
A laringe toma duas configurações básicas na produção da fala: as pregas vocais vibram ou
as pregas vocais não vibram. Além disso, uma terceira configuração resulta da combinação
dessas configurações básicas, considerando-se o grau de aproximação das pregas vocais, a
tensão das pregas vocais, seu comprimento, a parte das pregas vocais que entram em
vibração, o que dá origem a uma grande diversidade de tipos diferentes de fonação.
Considerando-se um dos parâmetros que controlam o modo de fonação, ou seja, a distância
das pregas vocais com relação à linha média, pode-se dizer que as configurações extremas
das pregas vocais são, por um lado, um grande afastamento da linha média, como ocorre na
respiração, ou, por outro lado, uma forte aproximação, que provoca uma compressão de
uma sobre a outra. Nesses dois casos, não se pode falar de fonação propriamente dita. Isso
porque, no caso do afastamento extremo, há uma ausência de energia e, no caso de
compressão de uma sobre outra, a laringe funciona como articulador, que é o que acontece
na oclusão glotal.
O não vozeamento Partindo da definição de fonação de Catford: “qualquer atividade laríngea que não tenha
função de iniciação ou de articulação”8 e tendo em vista que o afastamento das pregas vocais
ou a ausência de fonação participa do processo de produção da fala nas línguas naturais, o
afastamento das pregas vocais, que impossibilita sua vibração, é considerado, em oposição
ao modo de vibração das pregas vocais, chamado de modo de vozeamento, como um modo
de fonação, sendo denominado modo de não vozeamento.
Neste modo de fonação, as pregas vocais encontram-se, portanto, afastadas uma da outra, de
forma que o ar, passando entre elas a uma velocidade de volume inferior a 200-300 cm3/s é
laminar, não provocando turbulência. Para não fugir à tradição linguística que considera,
por exemplo, os fones [p t k f s ] como não vozeados, adotaremos, também, essa
denominação, não utilizando, pois, a expressão de Catford e Laver9 de fonação nula,
7 LADEFOGED, 1971. 8 CATFORD, 1977, p. 93. 9 LAVER, 1994.
Maior abertura glótica
Menor abertura glótica
não vozeamento vozeamentocom fricção
vozeamento modal
vozeamentocrepitante
oclusãoglotal
76
embora, do ponto de vista da descrição fisiológica, o que ocorre é uma ausência de sinal
glótico.
Diferentemente do não vozeamento acima, existe um não vozeamento com ruído. Basta para
isso que a velocidade de volume do ar transglótico supere os 200-300 cm3/s. Neste caso, as
pregas vocais podem funcionar como articuladores, na produção do fone [h], ou como modo
de fonação, na produção de vogais não vozeadas. Para simplificar a classificação
articulatória, vamos considerar como não vozeamento apenas o não vozeamento sem ruído.
O não vozeamento com ruído será incorporado ao modo de fonação, que veremos abaixo, o
sussurro, pela semelhança auditiva, embora, do ponto de vista da fisiologia da produção da
fala possam ser considerados dois modos de fonação distintos.
O sussurro O sussurro distingue-se do não vozeamento, por uma maior tensão das pregas vocais, com
diminuição do orifício glotal, que pode reduzir-se ao espaço intercartilaginoso das
aritenoides. A velocidade de volume do ar transglótico é, consequentemente, bem mais
baixa que no não vozeamento, ficando em torno de 25-30 cm3/s.10
Na nossa classificação articulatória, vamos ampliar a noção de sussurro, considerando-o
como o modo de fonação em que não ocorre vozeamento e no qual a aproximação das
pregas vocais provoca o surgimento de ruído. Sendo assim, o não vozeamento com ruído e o
sussurro propriamente dito passam a constituir o modo de fonação sussurro. Catford11
observa que na fala sussurrada os sons normalmente vozeados são sussurrados e os
normalmente não vozeados permanecem não vozeados. Desta forma, no enunciado faz, as
consoantes são não vozeadas e a vogal é sussurrada. Já no enunciado bobo, todos os fones
são sussurrados. No enunciado ele falou tudo, pronunciado com vozeamento modal, é
comum acontecer um sussurro na última sílaba. Já no enunciado ele falou que topa, o que
pode acontecer na última sílaba é uma vogal sussurrada, mas a consoante conserva o não
vozeamento. Há registro de vogais sussurradas na língua indígena cheyenne (EUA)
[m men otse ] milho e, em malaio, (Madagascar, Ilhas Comoras) [boti ] botão e [maso ] olho.12
No português, no francês e no inglês, em posição pré-pausal, podem, também, acontecer
vogais não vozeadas ou sussurradas. O sussurro só pode ter papel fonológico ao opor-se ao
10 CATFORD, 1977, p. 96. 11 CATFORD, 1977, p. 96. 12 LAVER, 1994, p. 297.
77
não vozeamento, como parece acontecer, em posição final em wolof.
O vozeamento No modo de vozeamento, as pregas vocais vibram, obedecendo à combinação de
parâmetros que basicamente controlam a pressão subglótica e a elasticidade dos músculos
das pregas vocais, provocando a entrada de uma sequência rápida de pulsos de ar nas
cavidades supraglóticas. Esse modo de fonação, chamado de vozeamento modal, participa
do processo de produção da maioria dos fones de uma língua, além de constituir-se no
correlato fisiológico da variação melódica da fala. Caracteriza-se por um coeficiente de
abertura (duração da abertura glotal em um ciclo dividida pela duração do ciclo completo)
de aproximadamente 0.5.13 O contraste fonológico vozeado/não vozeado é bastante
produtivo na maioria das línguas naturais, principalmente nas obstruintes. Nas soantes,
torna-se mais raro. Em birmanês, [ma] difícil, [ma] notícia. No que se refere às vogais, apenas
duas línguas são citadas por Ladefoged e Maddieson,14 embora o contraste alofônico seja
mais comum, como, no japonês, nas palavras [kii] beira do mar [kui] pente.
O vozeamento não modal O vozeamento modal é o modo de fonação mais frequente na fala. Chamaremos de
vozeamento não modal todos os outros modos de fonação em que há vozeamento, mas que
não são frequentes na fala, podendo, também, combinar-se com outros modos de fonação.
Vamos destacar aqui o vozeamento falsete, o vozeamento crepitante e o vozeamento
soproso.
O vozeamento de falsete e o vozeamento crepitante Ainda dentro do modo de vozeamento, o que poderia ser considerado dois registros
extremos do vozeamento modal, são, na verdade, tidos como dois modos de fonação, talvez
pela complexidade dos ajustes necessários a sua produção. Trata-se, no “registro” alto, do
vozeamento de falsete, e no “registro” baixo, do vozeamento crepitante.
No falsete, as pregas vocais encontram-se estiradas, tornando mais delgadas suas bordas
livres. Aproximam-se, frequentemente, com uma leve abertura glotal, sendo a pressão
subglótica bem inferior à do vozeamento modal.15 Um dos objetivos do treino no canto é a
13 CLARK; YALLOP, 1995, p. 189. 14 LADEFOGED; MADDIESON, 1996, p. 315. 15 LAVER, 1994, p. 197.
78
passagem mais suave do vozeamento modal ao vozeamento de falsete. Hollien e Michel16
observaram que o intervalo melódico médio do falsete no locutor masculino situa-se entre
275-634 Hz, estimando que no vozeamento modal esse intervalo é de 94-287 Hz. Seu uso no
português é paralinguístico, sendo observado, sobretudo, na fala mais animada de
adolescentes.
No vozeamento crepitante, também conhecido como laringalização, contrariamente ao
falsete, as pregas vocais estão mais relaxadas, restringindo-se o movimento vibratório a uma
pequena porção situada na parte anterior das pregas vocais, uma vez que as aritenoides
encontram-se firmemente unidas e a pressão subglótica é bem baixa. A frequência
fundamental situa-se entre 25 e 50 Hz.17 O hausa, o bura e o margi possuem em seu
inventário fonológico semivogais e oclusivas vozeadas e laringalizadas (ex.: [el] descobri-lo
[l] espalhá-lo). Em lango, uma série de vogais vozeadas se opõe a uma série de vogais
laringalizadas.18 Na língua indígena americana Kwakw’ala, há nasais laringalizadas
(ex.:[nanma] nove).
Em algumas línguas, o vozeamento crepitante pode ter um valor estilístico, como expressão
de tédio ou de desespero. Pode, também, resultar de transtorno fonatório. Isso mostra que
um aspecto fonético pode funcionar perfeitamente na comunicação, quando adequadamente
utilizado, ou como transtorno, quando o indivíduo não é capaz de controlá-lo.
O vozeamento com sopro As aritenoides estão afastadas uma da outra. O fluxo de ar é importante, e a tensão das
pregas vocais é pequena. A aproximação das pregas vocais na linha média é incompleta. O
tom glotal vozeado é acompanhado de ruído. Ladefoged,19 que chama esse modo fonatório
de murmúrio, indica que a maioria das línguas indoeuropeias possui uma série de oclusivas
com uma soltura soprosa, além das séries que se caracterizam pelo vozeamento, pelo não
vozeamento e pela aspiração. Essas consoantes encontram-se também em línguas bantos.
Em shona, há nasais vozeadas e nasais soprosas.
O vozeamento soproso é um modo fonatório bastante ineficaz do ponto de vista do
rendimento, pois uma importante parte do ar escapa sem ser modulado. A amplitude desse
tipo de voz é pequena.
16 HOLLIEN; MICHEL, 1968. 17 LAVER, 1994, p. 195; LADEFOGED, 1975, p. 123. 18 LADEFOGED, 1964. 19 LADEFOGED, 1971.
79
A articulação
Vimos anteriormente como a corrente de ar gerada pelo sistema respiratório podia ser
transformada no nível da laringe por diversos ajustes das pregas vocais. No nível das
cavidades supraglóticas acontece o processo articulatório, em que os articuladores vão dar
aos sons suas características e propriedades definitivas. A propriedade comum a todos esses
articuladores é a grande mobilidade e, portanto, a possibilidade que têm de variar a
configuração do trato vocal, pela modificação dos volumes da cavidade oral, da cavidade
faríngea e pelo acoplamento da cavidade nasal e pelo acréscimo do ressoador labial.
As dimensões da descrição articulatória dos sons da fala Os sons da fala podem ser descritos através de sete dimensões principais:
- Uma dimensão operativa, para descrever a forma como os articuladores controlam a passagem do ar fonador no trato vocal, ou seja, o modo de articulação; - Uma dimensão vertical para dar conta do grau de abertura e de fechamento do trato vocal, ou seja a apertura; - Uma dimensão horizontal para designar a zona em que a maior constrição, de um ponto de vista fonético, se realiza, isto é, o ponto de articulação; - Uma dimensão transversal para assinalar a forma do canal aerífero e a forma como o ar contorna um obstáculo no trato vocal, no centro ou pelos lados; - Uma dimensão temporal; - Uma dimensão cinética para dar conta da dinâmica das articulações; - Uma dimensão para descrever a energia utilizada pelo sistema de produção, ou seja, a força de articulação.
O modo de articulação O modo de articulação se refere ao tipo de obstrução realizado por órgãos articuladores, o
que determina a resistência à saída do ar fonador. A configuração da cavidade orofaríngea
serve de referência para a identificação dos diferentes modos de articulação. Três casos
podem ser distinguidos: passagem livre do ar, passagem parcialmente livre e, enfim,
passagem totalmente interrompida.
80
Passagem livre do ar
Quando a passagem do ar não é entravada, a configuração do trato vocal tem por único
efeito a modulação do ar fonador, favorecendo a ressonância de certas frequências de
harmônicos. A cavidade orofaríngea “filtra” a fonte laríngea e dá origem aos sons ressoantes
e, em particular, às vogais.
Presença de um obstáculo parcial
No caso de obstáculo parcial, o ar não pode escapar livremente. Ou ocorre um estreitamento
de tal forma que o ar deve passar com alta pressão ou ocorre uma obstrução parcial, que o ar
pode contornar com facilidade. No primeiro caso, o ar turbilhona ao passar pela passagem
estreita. Esse modo dá origem aos sons conhecidos como fricativos. No caso de uma
obstrução parcial, podendo ser central ou lateral, o ar não pode ser interrompido passando
pelas bordas da língua ou por uma de suas bordas de forma laminar. Neste caso, o fone é
chamado de lateral.
Presença de um bloqueio completo
No caso em que a saída do ar é totalmente interrompida pela presença de um bloqueio no
trato vocal, o som é interrompido. As consoantes caracterizadas por uma oclusão completa
são chamadas de oclusivas. Essa classe de consoantes encontra-se em todas as línguas, como
a série /p, t, k/. Nas nasais, a saída do ar não é totalmente interrompida, pois a passagem
velofaríngea, com o abaixamento do véu palatino, permite o escoamento do ar fonador,
ocorrendo assim acoplamento da cavidade nasal, que ressoa juntamente com a cavidade
orofaríngea. Entretanto, como o ar é interrompido na cavidade oral, são também
consideradas como oclusivas.
A apertura A noção de apertura – do latim aperire (abrir) – designa a largura mínima do canal aerífero no
ponto de articulação. É definida de forma ligeiramente diferente, de acordo com a classe de
referência, vogais ou consoantes. Para as vogais, a apertura descreve normalmente a
distância que separa o ponto mais elevado da cúpula da língua até o palato. Para as
consoantes, a apertura refere-se à seção de área do trato vocal, isto é, são consideradas na
definição da apertura para as consoantes tanto a dimensão vertical como a transversal do
estreitamento do canal em qualquer ponto do trato vocal. Na ordem de apertura crescente,
encontram-se as oclusivas de apertura nula, depois as fricativas (caracterizadas pelo ruído
de fricção), depois as aproximantes soantes (sem ruído audível) e, finalmente, as vogais, que
81
vão das vogais altas, às vogais semialtas, vogais semibaixas e vogais baixas. Essa
classificação é utilizada por teorias da sílaba para determinar escalas de apertura ou escalas
de sonoridade.
O ponto de articulação O sistema articulatório compreende a mandíbula, os lábios, os dentes, o ápice, a ponta, o
dorso e a raiz da língua, o véu palatino, a úvula, a faringe e a laringe. Distinguem-se,
tradicionalmente, os articuladores ativos, cujos movimentos modificam a configuração do
trato vocal e articuladores passivos, que constituem o alvo dos gestos articulatórios. Os
movimentos dos articuladores ativos têm o efeito de provocar uma variação na forma e no
volume do canal de ar, criando as condições aerodinâmicas e acústicas para a produção de
sons da fala.
A noção de ponto de articulação está associada à de articulador passivo ou ainda de alvo. A
noção de ponto não deve ser tomada no sentido estrito, mas corresponde melhor a uma zona
para a qual o articulador se dirige. Os articuladores são descritos por referência às seis partes
móveis principais do trato vocal (articuladores ativos) e aos seus alvos.
1. lábios participam da produção dos gestos labiais. 2. ápice e a lâmina da língua são responsáveis pelas articulações coronais. 3. dorso da língua, pelas articulações dorsais. 4. raiz da língua, a faringe e a epiglote são associadas às articulações faríngeas. 5. pregas vocais, que podem ser mobilizadas como articuladores, nas articulações glotais.
Os articuladores passivos constituem o alvo dos gestos articulatórios. Doze alvos ou zonas
de articulação podem ser distinguidos com base em critérios anatômicos, morfológicos e
funcionais (Figura 5.3). Essas zonas podem por sua vez ser subdivididas em pontos mais
estreitos, para se chegar a uma localização mais precisa das articulações na dimensão
horizontal.
1. lábios ou ponto labial 2. dentes ou ponto dental 3. alvéolos ou ponto alveolar 4. curva dos alvéolos, entre alvéolos e palato duro, ou ponto pós-alveolar 5. parte inicial do palato duro ou ponto pré-palatal 6. parte central do palato duro ou ponto palatal 7. parte final do palato duro ou ponto pós-palatal 8. véu palatino ou ponto velar 9. úvula ou ponto uvular 10. faringe ou ponto faríngeo 11. epiglote ou ponto epiglotal 12. glote ou ponto glotal
82
Figura 5.3 – Pontos de articulação: 1. labial; 2. dental; 3. alveolar; 4. pós-alveolar; 5. palatal; 6. velar; 7. uvular; 8. faríngeo; 9. epiglotal; 10. glotal
A dimensão transversal A configuração neutra da língua corresponde a uma curva regular convexa do corpo da
língua. A superfície da língua pode ser ajustada para criar uma depressão local no nível da
lâmina da língua, criando-se, assim, um canal estreito. Esse estreitamento do canal aerífero
provoca uma aceleração da saída do ar fonador e gera a aparição de jatos turbulentos. Essa
configuração da superfície da parte anterior da língua é característica da produção do [s].
Uma curvatura côncava sobre a parte anterior do dorso da língua é também observada para
o [].
O ar pode passar no centro de uma passagem estreita, como no caso do [s] ou []. Pode,
também, ocorrendo um contato na linha média da língua, escapar pelos lados, formando
uma articulação lateral como é no caso do [l] e do [].
De acordo com estudos realizados com RMN, sabe-se que a atividade dos múculos da língua
tem um papel importante na configuração do canal lingual característico de certas fricativas.
A forma dessa depressão no centro da língua permite distinguir mais em detalhe fones de
uma série de articulações que parecem muito próximas vistas de perfil. Note-se, também,
que os contatos da língua no palato são raramente simétricos.20
A dimensão temporal das articulações A produção dos sons da fala ocorre no tempo. Podem-se identificar, basicamente, três
planos: uma fase inicial, uma fase central e uma fase final ou de transição para o segmento
20 MARCHAL; ESPESSER, 1989; REIS; ANTUNES, 2002; REIS, 2007.
83
seguinte. Isso significa que falar de uma articulação como um estado dos articuladores em
um momento dado no tempo é uma visão bastante redutora da realidade. Seria mais
conveniente se falar em alvo articulatório, noção que dá conta de forma mais adequada do
caráter dinâmico da produção.
A duração dos movimentos articulatórios vai depender da distância que os grupos de
articuladores, que produzem uma articulação dada, devem percorrer, desde o ponto de
partida, assim como da velocidade dos articuladores. A duração vai variar de acordo com a
inervação do músculo, o tipo e o número de fibras musculares utilizados pelo movimento. A
ponta da língua tem grande mobilidade e pode deslocar-se rapidamente, enquanto que o
véu palatino, por exemplo, possui uma mobilidade mais lenta. Da mesma forma, os lábios e
a mandíbula, embora pertencendo ao mesmo sistema que participa do fechamento dos
lábios, possuem velocidades de deslocamento específicas diferentes. Finalmente, a
velocidade dos articuladores é, por sua vez, amplamente condicionada pela organização
prosódica. Por isso, a sobreposição de gestos articulatórios é uma consequência dessas
diferenças de velocidade.
Segundo Hardcastle21 a taxa de mobilidade dos diferentes articuladores é a seguinte:
Ponta da língua 7.2 a 9.6 (movimentos por segundo) Mandíbula 5.9 a 8.4 Dorso da língua 5.4 a 8.4 Véu palatino 5.2 a 7.8 Lábios 5.7 a 7.722
A duração pode, também, ser explorada para distinguir classes de sons. Existem, assim, sons
prolongáveis e outros que não podem ser prolongados. As vogais, por exemplo, podem ser
prolongadas livremente até um limite que depende, sobretudo, da reserva expiratória
disponível. Os fones vozeados também podem, na medida em que a diferença entre a
pressão intraoral e a pressão subglótica pode ser suficientemente controlada para manter a
vibração das pregas vocais. Isso explica por quê os fones não vozeados podem ser mais
prolongados do que os fones vozeados. Uma oclusão não vozeada pode ser prolongada
bastante tempo, o que não pode ocorrer com a oclusão vozeada. Nas fricativas, a consoante
pode ser prolongada pelo tempo que o ruído característico de fricção, que está normalmente
associado a ela, possa durar de maneira perceptiva.
As vogais nasais são, normalmente, mais longas que as vogais orais. Entre estas, pode-se
estabelecer uma ordem que está relacionada à apertura. Essas diferenças de duração são de
21 HARDCASTLE, 1976. 22 HUDGINS; STETSON, 1937; KAISER, 1941.
84
natureza intrínseca.
Existe, por outro lado, certo número de fones para os quais a duração constitui um
parâmetro distintivo essencial. As semiconsoantes, por exemplo, não podem ser
prolongadas sem perder sua identidade. O tapa, []23, ou as vibrantes, como [r] ou [],
podem ser consideradas oclusivas, sendo o tapa caracterizado por um único movimento
balístico que tem como consequência uma breve obstrução.
A força de articulação É muito difícil medir objetivamente a força de articulação, às vezes confundida com a noção
de tensão articulatória.24 Não pode ser correlacionada com segurança à ação de um músculo
ou mesmo de um conjunto bem definido de músculos dados. Trata-se de uma noção
bastante fluida que dá conta da atividade fisiológica maior ou menor investida na produção
de um som da fala. A força articulatória de um fone tem consequências fonéticas sobre os
fones que o circundam. Foi a partir do efeito medido de um fone sobre seus vizinhos que se
pôde estabelecer uma ordem de força articulatória dos fones.
Classificação articulatória das vogais e consoantes As línguas do mundo fazem um uso específico das possibilidades fisiológicas e anatômicas
dos órgãos articuladores e exploram apenas uma parte dos movimentos e posições
articulatórias que o homem pode produzir. Sem pretender ser exaustivos, vamos nos limitar
a descrever algumas articulações, dos lábios à glote, que são utilizadas mais comumente
para fins distintivos. Um quadro mais completo pode ser visto na obra de Ladefoged e
Maddieson25 ou de Laver.26 Por convenção, as articulações são designadas, associando-se o
nome do articulador ao lugar de articulação.
As vogais O modo
Não existe critério absoluto para se distinguir vogais de consoantes. Desta forma, é difícil,
com base em um único critério, apesar dos numerosos esforços nesse sentido,27 distinguir,
23 O termo tapa, mais conhecido como tepe, origina-se da palavra inglesa tap. Preferemos o termo tapa por existir essa palavra no português, cujo significado é ilustrativo desse modo de articulação. 24 Podem ser consultados os artigos de Malécot (1955, 1966, 1970) sobre esse assunto. O autor procura diferentes métodos de avaliação da força articulatória. Tentou-se, também, (McGlone e Proffit, 1972), a partir de eletrodos sensíveis à pressão colocados em um palato artificial, a medida do contato da língua no palato e na arcada dentária. 25 LADEFOGED; MADDIESON, 1996. 26 LAVER, 2002. 27 STRAKA, 1965.
85
por exemplo, entre [i] e [j], indicando com precisão por onde passa a fronteira articulatória
entre a vogal e a semiconsoante. A distinção essencial e evidente para os locutores de uma
língua dada baseia-se na função exercida por essa classe de fones nessa língua particular. A
vogal constitui o núcleo de uma sílaba. Enquanto uma vogal pode constituir, sozinha, uma
sílaba, isso não acontece com a consoante. Esta deve ser associada a uma vogal que ”soa
com” ela. A vogal é produzida com um canal aerífero aberto, sem constrição maior e na
ausência de geração de ruído de fricção. Trata-se de um som prolongável com uma
articulação primária que pode ser central, oral, dorso-palatal e linguofaríngea.
A zona articulatória
A fonética clássica classifica as vogais de acordo com a posição da língua na cavidade bucal,
levando, também, em conta para caracterizá-las a posição e a forma dos lábios. A zona de
articulação das vogais, definida numa dimensão horizontal, faz referência à localização do
pico da cúpula da língua com relação à abóbada palatina, que se situa mais para frente ou
para traz na cavidade bucal. Por isso, é comum a distinção entre vogais anteriores, como [i]
ou [], vogais centrais, como o [] e vogais posteriores, como [u] e [].
Quanto aos lábios, podem estar mais ou menos afastados, esticados, arredondados e
projetados em diversos graus. O parâmetro da labialidade é, ao mesmo tempo, o mais
visível e o mais fácil de controlar. Pode-se, assim, facilmente passar de [i] a [y], apenas
projetando os lábios. Note-se que existe certa correlação entre a altura da língua e a
labialidade. As vogais altas são consideradas menos arredondadas do que as vogais baixas.
O arredondamento do [u] é menos importante do que o que caracteriza o []. Além disso,
nas vogais posteriores, as comissuras dos lábios são puxadas para o interior, como quando
fazemos beiço, enquanto que nas vogais anteriores, o arredondamento se traduz mais por
um movimento de compressão vertical. Vogais anteriores labializadas ocorrem na fonologia
de algumas línguas, como o francês e o alemão. No português, vogais anteriores labializadas
não são fonológicas e ocorre, sobretudo, em situações de demonstração de afetividade.
A apertura vocálica
A apertura vocálica designa a distância vertical que separa o pico da cúpula da língua e o
palato. Refere-se ao grau de curvatura da superfície da língua e a sua altura relativa na
cavidade bucal. Com esse parâmetro, podemos distinguir vogais altas como [i] e [u], meio-
altas, como [e] e [o], meio-baixas, como [o] e [ɔ] e baixas como [a] e [æ]. Trata-se, pois, de
86
uma classificação que se baseia em uma dimensão vertical e não sobre a área no ponto de
articulação, como nas consoantes.
A apertura das vogais é ajustada, ao mesmo tempo, pelos deslocamentos da língua, em
altura, e pelos movimentos de elevação e abaixamento da mandíbula. Podem ocorrer
fenômenos de sinergia, e até mesmo de compensação entre os dois articuladores para
controlar com precisão a altura da língua em função do contexto fonético e de limitações
internas e externas que podem estar ligadas a ambos articuladores.
A Figura 5.4 representa os parâmetros apertura e zona de articulação.
Figura 5.4 – Abertura e zona de articulação
O espaço vocálico: as vogais cardeais
Jones,28 da mesma forma que Bell,29 teve a ideia de definir um espaço vocálico teórico, cujos
limites correspondessem às posições articulatórias, além das quais nenhum som vocálico
pode ser produzido. Esse espaço delimitado pelas vogais chamadas de cardeais é
comumente considerado como referência teórica para a especificação do lugar e das
propriedades das vogais realizadas nas diferentes línguas por determinado locutor em um
momento dado. Do mais alto na frente ao mais baixo atrás, o espaço é delimitado pelas
vogais [i] e []. Partindo-se de [i], aumentando-se a apertura, de forma equidistante,
encontramos na parte anterior as vogais [e], [] e [a]. Esse primeiro conjunto periférico é,
assim, constituído de cinco vogais, às quais podemos acrescentar, fazendo-se gestos de
levantamento do dorso da língua, a partir da posição de [], as vogais equidistantes [], [o] e
28 JONES, 1962. 29 BELL, 1879.
87
[u]. As oito vogais assim identificadas na periferia do espaço vocálico constituem as vogais
cardeais primárias30 (Figura 5.5).
Figura 5.5 –Vogais cardeais primárias
Um conjunto suplementar de vogais cardeais pode ser constituído, invertendo-se a posição
dos lábios, isto é, anteriores labializadas e posteriores não labializadas, e acrescentando-se
uma série central. Esse conjunto suplementar constitui as vogais cardeais secundárias. O
conjunto completo das vogais cardeais é representado na figura 5.6.
Figura 5.6 – Vogais cardeais primárias e secundárias
O sistema das vogais cardeais representa um instrumento para a descrição das vogais com
base articulatória e auditiva. Não se trata de uma teoria, como lembra bem Abercrombie,31
mas de uma forma prática de comunicação entre foneticistas que trabalham com línguas
diferentes.
No ensino de línguas estrangeiras, o sistema das vogais cardeais pode ser substituído com
vantagem pelo sistema vocálico da língua materna.
A dimensão temporal
As vogais podem diferir em sua duração intrínseca pelas próprias condições de produção e
30 Para uma representação alternativa das vogais baseadas na descrição das consoantes, ver Catford (1977). 31 ABERCROMBIE, 1967.
88
por fatores aerodinâmicos variados. Desta forma, nas mesmas condições, a vogal [i] é mais
breve do que [e] e [], que, por sua vez, são mais breves que o conjunto de vogais [æ], [a] e [].
A duração é, também, condicionada pelo seu contexto fonético, sua posição na sílaba, o tipo
de sílaba e o lugar da sílaba na estrutura prosódica da frase.32
As vogais podem ser prolongadas livremente até um limite de duração que depende,
sobretudo, da reserva expiratória e da capacidade de manter uma pressão transglótica
suficiente para manter a vibração das pregas vocais. Certo número de línguas faz um uso
fonológico do parâmetro de duração nas vogais.
A distinção entre vogais breves e longas é uma oposição de quantidade. A relação de
duração entre os dois tipos de vogais pode variar de acordo com as línguas num intervalo
que vai de 30 a 60%. O sistema fonológico pode comportar, assim, como em tcheco e em
servo-croata,/i i: e e: o o: a a: u u:/, vogais longos e breves.
Deve-se ressaltar que a oposição de quantidade é frequentemente acompanhada de uma
diferença no timbre das vogais. Assim, quando Lehiste33 cita uma oposição ternária de
duração nas vogais do estoniano, pode-se perguntar sobre o papel que tem o timbre vocálico
no caráter distintivo de um ponto de vista perceptivo da duração entre vogais breves,
normais e longas.
Aspectos dinâmicos
As mudanças de configuração vocálica: os ditongos
Os ditongos são vogais longas que mudam de timbre no curso da emissão. Constituem um
único e mesmo segmento produzido com dois alvos sucessivos. Os ditongos podem ser
caracterizados segundo a direção do deslizamento articulatório, a variação de apertura do
primeiro para o segundo alvo e segundo a importância perceptiva dos dois timbres:
Ditongo que fecha: a apertura diminui /a////a//o/; ditongo decrescente, em que a
primeira qualidade vocálica é mais importante.
Ditongo que abre: a apertura aumenta /ja/ /wa/ /j/; ditongo crescente, em que a segunda
qualidade vocálica é mais importante.
Ditongos aparecem no inventário fonológico de 30% das línguas. Entre estas [a] e [a] são os
ditongos mais frequentes e aparecem, respectivamente, em 75% e 65% dos casos.
O francês perdeu seus ditongos nos séculos 12 e 13. Conservaram-se apenas em algumas
32 NISHINUMA; BARBER; HIRST, 1981. 33 LEHISTE, 1970.
89
variedades regionais do francês, como alofones de vogais longas. No francês do Québec,
observa-se frequentemente uma ditongação das vogais longas e das vogais alongadas por /r
z v/ em sílaba fechada, como /a/, /œ/, / /, nas palavras [par], père, [bœ] beurre,
[pt]pâte.
Os tritongos são vogais cuja configuração muda rapidamente, de forma importante, no curso
da emissão e para as quais podem-se identificar três timbres distintos. Esse tipo de vogal é
bastante raro como fonema e aparece quase sempre como uma variante estilística de
ditongo.
As articulações secundárias
Certo número de articulações secundárias pode acompanhar a realização das vogais. Trata-
se principalmente da nasalização, da retroflexão, da faringalização e da tensão.
A nasalização
O abaixamento do véu palatino permite que o ar fonador escape ao mesmo tempo pela
cavidade oral e pela cavidade nasal, ao atravessar as fossas nasais. A ressonância nasal assim
criada caracteriza em algumas línguas, como o português, o francês e o polonês, uma classe
de vogais nasais que se opõe a uma classe de vogais orais. No português, podem-se
distinguir cinco vogais nasais: uma vogal anterior alta, [i], uma vogal anterior média alta, [e],
uma vogal posterior alta, [u], uma vogal posterior média alta, [o] e uma vogal central, []. No
francês, são quatro vogais nasais: uma vogal anterior média baixa [], uma vogal central
média baixa labializada [œ], uma vogal média baixa posterior labializada [] e uma vogal
baixa posterior não labializada [].
A retroflexão
A retroflexão consiste em uma articulação aproximante aberta, realizada pela ponta e a
lâmina da língua, que apresentam uma forma côncava, retroflexa. Trata-se de articulação
ápico-pós-alveolar e sublâmino-pré-palatal. No português, aparece no chamado dialeto
caipira34 (Figura 5.7a e 5.7b).
34 AMARAL, 1920; HEAD, 1973; AMARAL, 1982.
90
Figura 5.7a – Consoante retroflexa
Figura 5.7b – Aproximante retroflexa do português (o chamado “R caipira”)
A faringalização
A faringalização corresponde a um estado de compressão da faringe realizada ao mesmo
tempo que a articulação vocálica primária. Trata-se de um estreitamento da faringe na
dimensão ântero-posterior que dá um caráter “esprimido” ou “estrangulado” à vogal.
A tensão
A distinção tenso/relaxado, muitas vezes utilizada nas descrições fonológicas e fonéticas, é
difícil de definir. Não se deve confundi-la, como frequentemente acontece, com a distinção
vozeado/não vozeado, nem com a distinção forte/fraco, muito citada para se dar conta de
fenômenos aparentemente identificados como próximos.
Não se baseia nem numa diferença de pressão intraoral, nem numa maior atividade
muscular, tal como aparece nos dados eletromiográficos. Foi, primeiramente, definida como
a distinção estreito/largo, isto é, as vogais “estreitas” são as mais convexas. A fonologia
gerativa padrão considerava a pressão subglótica mais elevada como um correlato da
tensão.
Vários trabalhos recentes consideraram as variações da posição da raiz da língua, em
particular, o seu avanço, como indicador da tensão. O avanço da raiz da língua tem o efeito
de elevar a curvatura da parte posterior da língua e aumentar o diâmetro da hipofaringe e
da orofaringe. Para a mesma posição do corpo da língua, certas línguas distinguem duas
classes de vogais em função da distância que separa a raiz da língua da parede faríngea.
91
Esse processo é descrito na literatura fonética como harmonia vocálica. Ladefoged35 dedicou a
esse assunto um estudo com raios X, sobre as vogais do igbo, língua da África do oeste,
propondo a distinção estreito/largo.
As consoantes Por causa da consoante que não pode ser pronunciada isoladamente, a consoante oclusiva,
que os gregos chamavam de consoante muda, toda a classe dos fones produzidos com
algum tipo de obstáculo à passagem do ar fonador é denominada de consoante. Consoante e
vogal são termos utilizados no quotidiano, pois constituem a base do sistema de escrita
alfabético, o que não acontece com os conceitos consoante e vogal na área da fonética e
fonologia. Para dirimir as dificuldades com esses conceitos, Pike36 propôs reservarem-se os
termos consoante e vogal para a função do fone na sílaba, introduzindo os termos contóide e
vocóide para o uso fonético desses termos. A maioria dos autores não seguiu Pike,
preferindo-se a utilização do conceito de aproximante, que identifica a classe dos fones que
se situam na fronteira entre consoante e vogal.
O modo de articulação
As oclusivas
As oclusivas são caracterizadas por uma interrupção total da passagem do ar pelo conduto
vocal. Estando, também, a passagem velofaríngea fechada, nenhum som é produzido.
Existe, assim, uma fase de silêncio durante a fase de tensão da oclusão. Quando o véu
palatino está abaixado, o ar pode escapar pelas fossas nasais e a fase de tensão da oclusiva
vem acompanhada de uma ressonância ou de um murmúrio nasal. Deve-se, então,
distinguir oclusivas orais não vozeadas e vozeadas, como [b, d, , b, p, t, k, q] e oclusivas
nasais, como [m, n, , ], que são, na verdade, contínuas.
As contínuas
Diferentemente das oclusivas, as contínuas são produzidas no momento de um
estreitamento parcial do canal aerífero. Dois casos podem ser distinguidos, de acordo com o
grau de constrição. Quando o obstáculo é fraco, a saída do ar é essencialmente laminar e esta
configuração é favorável à ressonância. Fala-se, então, de aproximantes soantes. Todas as
consoantes realizadas com esse grau de aproximação dos articuladores não são
necessariamente vozeadas, não apresentando ruído de fricção perceptível. É o caso, por
35 LADEFOGED, 1964. 36 PIKE, 1943.
92
exemplo, das semiconsoantes [j, w, ] ou das líquidas [l, , r, ].
Quando o obstáculo à saída livre do ar é importante, o fluxo de ar torna-se turbulento,
aparecendo um ruído de fricção audível. As características finais do ruído de fricção
dependem do grau de constrição, da forma da constrição, do volume de ar expirado, da
velocidade do fluxo do ar, da natureza mais ou menos absorvente ou reverberante do
obstáculo, dos tecidos que se encontram próximos e da configuração da cavidade
atravessada pelo ar turbulento posteriormente ao ponto de constrição. É por causa da
impressão auditiva que essas consoantes podem produzir é que são chamadas de consoantes
fricativas. É o caso das consoantes [f, v, s, z, , , x, , , , h, ].
A descrição das articulações consonantais Apresentaremos a descrição das articulações consonantais, partindo dos articuladores ativos
e indicando os alvos que podem atingir.
Os lábios
O lábio superior e o lábio inferior constituem estruturas anatômicas bem visíveis, facilmente
observáveis, tendo, por isso, as articulações labiais recebido uma atenção particular dos
foneticistas. Catford37 distingue a parte mais externa dos lábios (exo) da parte que, em
repouso, corresponde aos alvéolos e aos dentes (endo), sendo, respectivamente,
responsáveis pelas articulações endolabiais e exolabiais.
Endo-labial
Estas articulações correspondem à aproximação das bordas externas dos lábios inferiores e
superiores que estão envolvidas na produção das fricativas bilabiais, [] [], e das oclusivas
bilabiais [p, b, m]. A aproximante labial [] constitui a forma mais corrente da realização do
[b] em posição intervocálica em espanhol.
Exo-labial
Os lábios inferiores e superiores estão projetados para frente e arredondados para as vogais
posteriores labializadas e para [w].
Endo-lábio-dental
A face interna do lábio inferior faz contato com a extremidade dos dentes superiores para a
articulação de [f, v].
Exo-lábio-dental
37 CATFORD, 1977.
93
A metade exterior do lábio inferior faz contato com a extremidade dos dentes superiores.
Observa-se esta articulação na aproximante [] do hindi. Ladefoged e Maddieson38 duvidam
da existência de verdadeiras oclusivas labiodentais, embora sua existência tenha sido,
ocasionalmente, relatada em tonga.
Os dentes
Bidental
Os dentes inferiores entram em contato com os dentes superiores. A língua fica plana e os
lábios não são envolvidos ativamente nessa articulação. A corrente de ar escapa entre os
dentes. Aproximantes vozeadas e não vozeadas podem ser produzidas assim. Uma fricativa
não vozeada bidental é atestada em shapsugh, um dialeto do Cáucaso.
A língua
A língua constitui o articulador principal. Três partes da língua constituem articuladores
largamente independentes: a parte anterior, que compreende o ápice e a lâmina, o dorso da
língua e a raiz da língua.
O ápice
O ápice constitui a ponta vertical extrema da parte anterior da língua, encontrando-se face
aos dentes e, como a ponta da língua é extremamente móvel, articulações como o tapa no
português, [], são muito breves.
Apicolabial
O ápice faz contato com o lábio superior para realizar uma oclusão apicolabial. Esta foi
observada por Ladefoged39 em uma língua da América do Sul, o umotina. Registre-se,
também, o flape labial descrito por Everett para a língua indígena amazônica pirahã.
Apicodental
A ponta da língua faz contato com a borda dos dentes superiores. Esta articulação encontra-
se em um grande número de línguas como fonema, como [ ], em inglês, e, também, como
alofone de oclusivas alveolares.
Apico-alveolar
O ápice da língua toca a zona dos alvéolos imediatamente atrás dos incisivos superiores. É a
articulação mais comum para as consoantes [t d n] em inglês.
Ápico-pós-alveolar
38 LADEFOGED; MADDIESON, 1996. 39 LADEFOGED, 1971.
94
O ápice da língua se aproxima da parte mais posterior dos alvéolos. Um som característico
dessa articulação é o [] do inglês. As oclusivas [t, d], realizadas nessa região são retroflexas,
isto é, com a ponta da língua recurvada. São encontradas em hindi.
As articulações da lâmina
A lâmina
A lâmina da língua está situada na parte anterior da ponta da língua. Estende-se para trás do
ápice por volta de 10 mm. A lâmina da língua é, também, uma parte que dispõe de grande
mobilidade. As articulações realizadas com a lâmina da língua são chamadas de laminais. O
ápice e a lâmina formam as articulações coronais.
Laminodental
Essa articulação é realizada com a lâmina da língua atrás dos incisivos superiores e a ponta
abaixo da borda dos incisivos inferiores. Fones alveolares e dentais podem ter variantes
laminodentais, como é o caso das oclusivas alveolares no português.
Laminodentoalveolar
A ponta da língua entra em contato com a borda dos incisivos inferiores e a lâmina se dirige
para os alvéolos para produzir as oclusivas [t, d, n], em francês, e [l s z]. As oclusivas
laminodentoalveolares são facilmente africatizadas, o que pode ser observado no francês do
Québec, em que [t d] transformam-se nas africadas [ts dz], diante de [i] e [y]. Embora não
haja ainda estudos sobre o português brasileiro, pode-se observar que a africada pós-
alveolar apresenta variantes alveolares, em particular em sílabas fracas em posição final de
unidade prosódica.
Lamino-pós-alveolar
Os fones [, ] do inglês e do francês são descritos com a lâmina da língua realizando a
articulação na parte mais posterior da zona alveolar. No português essa articulação é mais
comumente pré-dorso-pós-alveolar.
Sublamino-pós-alveolar; sublamino-pré-palatal
A parte de baixo da lâmina da língua se encurva em direção da zona pós-alveolar, ou
mesmo pré-palatal, na realização das oclusivas retroflexas [ ], por exemplo, na língua
tamil e em várias línguas dravídicas.40
O corpo ou o dorso da língua
O dorso da língua corresponde à parte que começa após a lâmina, estendendo-se até a
40 BALASUBRAMANIAN, 1972.
95
úvula. Em posição de repouso, a parte anterior do dorso da língua encontra-se em face do
palato duro e a parte posterior, em face do véu palatino. Essas duas partes, anterior e
posterior do dorso da língua, são solidárias em seus movimentos.
Dorso-pré-palatal
O dorso da língua se aproxima do arco anterior do palato até a realização de uma oclusão.
Todas as categorias de consoantes, oclusivas, fricativas e aproximantes, nasais e laterais,
podem ser realizadas pelo dorso da língua nessa zona do palato, como, por exemplo, as
fricativas do polonês [ ].
Dorso-palatal
A articulação realiza-se na parte mais alta do palato duro e produz as oclusivas [c ], as
fricativas [ ], a lateral [], a nasal [] e as aproximantes [j] e [j].
Dorso-velar
O dorso da língua se dirige para o palato mole, fazendo um contato para a realização das
oclusivas [k, ], atestadas em um número muito grande de línguas e a nasal dorso-velar [],
que aparece no inglês em palavras como thing. Quando o dorso da língua apenas se
aproxima do palato mole, são, então, produzidas as fricativas não vozeada [x] e vozeada [],
e a semiconsoante [w].
Dorso-uvular
Essa articulação é característica da oclusiva não vozeada do árabe [q] e faz parte da série não
vozeada/vozeada/aspirada do buruchaski: [q q]. As fricativas [ ]. O [] corresponde ao
R em alguns dialetos do português brasileiro e, também, ao chamado “R parisiense” no
francês. A vibrante [] realiza-se pela vibração da úvula contra o dorso da língua, sendo
comum no alemão.
A raiz da língua
A raiz da língua corresponde à parte faríngea da língua, que vai da úvula ao osso hioide. Em
seu movimento, desloca também a epiglote.
Rádico-faríngeo
O recuo da raiz da língua em direção à parede faríngea provoca um estreitamento do
conduto faríngeo. O dinamarquês utiliza essa articulação no som R faríngeo. O recuo da raiz
da língua está, também, associado à faringalização de diferentes fones. Inversamente, o
movimento da raiz da língua para frente pode ser considerado como um parâmetro da
tensão articulatória.
96
A faringe
Faringofaríngeo
A ação dos músculos constritores da faringe pode fazer variar a seção da orofaringe,
realizando uma compressão lateral e fazendo avançar os pilares da faringe. A laringe pode
ser, também, puxada para o alto, correspondendo esse gesto ao da articulação das fricativas
[ ].
A laringe
A laringe, além de sua função fonatória, pode, também, ser mobilizada para realizar dois
tipos de articulação: no nível dos ventrículos e no nível da glote.
Glotal
As pregas vocais aproximam-se e comprimem-se fortemente uma contra a outra para
realizar uma oclusão, sendo esta seguida de uma soltura brusca do bloqueio. Esse tipo de
oclusão glotal é conhecido como golpe de glote. Em geral, ocorre em situações de muita
tensão, quando a palavra se inicia por vogal (ex.: [ ates], atenção).
Em um grande número de línguas, o golpe de glote ou oclusiva glotal faz parte do
inventário fonológico e é utilizada para fins distintivos, como em tagalog em que [kaon],
relatar, se opõe a [kahon], caixa.
As articulações duplas
Certos fones são produzidos por duas articulações realizadas em zonas distantes por
articulações diferentes. São as chamadas consoantes de dupla articulação. Assim, [w] é
realizado por um gesto de projeção e de arredondamento labial e por um movimento de
elevação do dorso da língua na zona velar. [] é caracterizado por uma projeção labial e por
uma aproximação do dorso da língua na zona palatal.
Os aspectos dinâmicos
A dinâmica dos gestos articulatórios deve assim ser levada em conta nas distinções de modo
articulatório. Vimos que certas consoantes são realizadas por uma oclusão completa do canal
aerífero. Existe uma categoria de sons cuja produção se baseia em uma série de oclusões
momentâneas, podendo ocorrer em vários pontos do trato vocal, na úvula, na ponta da
língua e nos lábios. É o caso, por exemplo, em certos dialetos do português do extremo sul
do Brasil, em que a ponta da língua efetua uma série de oclusões nos alvéolos, uma vibrante
apical [r]. No caso do [], a úvula vibra contra o dorso da língua. Outros fones podem ser
igualmente produzidos por uma série de oclusões breves realizadas por um articulador. No
97
nível da oclusão bilabial, por exemplo, a pressão de ar contida pelos lábios pode variar,
provocando o afastamento dos lábios, iniciando um movimento de vibrações dos lábios,
reforçada, também, pelo efeito de Bernoulli, que, por depressão, provoca sua reaproximação.
Outros fones são produzidos por um contato breve, momentâneo e único, entre dois
articuladores. Diferentemente dos vibrantes, a batida é única. Esse tipo de articulação é
caracterizado por um aspecto dinâmico. Não pode ser prolongado. Trata-se do mais breve
fone consonantal do português, o tapa (ex.: [pa]. É mais frequente nos dialetos em que
aparece também em posição de coda, como em certos dialetos de São Paulo. O R do inglês
da pronúncia cuidada é realizado dessa forma. É o caso, também, da oclusiva intervocálica
[t] do inglês americano, que se pode encontrar em button ou sudden.
Esse tipo de fone pode ser realizado em diferentes pontos da parte anterior do trato vocal e
envolve articuladores diferentes. O margi, uma língua da África do oeste, contém, por
exemplo, um flape labiodental. Existem, também, flapes retroflexos.
Uma série de semiconsoantes caracterizam-se também pelo aspecto temporal: [j w], que
formam ditongos crescentes no português brasileiro (ex.: [sj] [kwat]). No francês,
ocorre o [] (ex.: [mt]). Finalmente, uma categoria de fones em que o caráter dinâmico é
essencial é a das africadas.
As africadas
As oclusivas são caracterizadas no momento da fase de soltura da oclusão por um ruído de
explosão ou ruído de fricção gerado no lugar de articulação. Este é em geral breve. Existe
uma categoria de oclusivas em que a fase de soltura da oclusão é prolongada e em que o
ruído de fricção pode dar a impressão que se tem, na verdade, uma sequência de dois fones:
uma oclusiva seguida de uma fricativa. É bastante difícil, unicamente com base em
considerações temporais, distinguir entre um e dois fonemas. Considerações fonológicas
devem ser levadas em conta para se distinguir entre uma oclusiva seguida de uma fricativa
de uma africada, como [pf], em alemão, o [ts] e [dz] em um grande número de línguas. No
português, em que a fricativa seguida de oclusiva, como [t] e [d], são africadas (ex.: [ti] e
[di]), nas palavras [mots] e [taks] constituem sequência de consoantes. Neste último caso,
pela simples razão que os componentes oclusivo e fricativo não ocorrem no mesmo ponto de
articulação.
O termo africada designa fones produzidos através de dois gestos articulatórios consecutivos
de oclusão no início e de constrição no fim, realizados nos limites da produção de uma única
98
unidade fonológica. Pode-se, também, descrever esse fone como uma oclusiva com soltura
fricativa homorgânica no interior da mesma sílaba. Esse conceito pode se estender aos casos
em que a soltura é lateral [tl] e [dl] ou ainda nasal [tn] e [dn].
A dimensão temporal
Lembramos anteriormente que as vogais e as consoantes podiam diferir em sua duração
intrínseca, por causa das próprias condições de produção e de limitações articulatórias e
aerodinâmicas variadas. Vimos, também, que existem variações contextuais relacionadas
com a posição do fone na frase, com o seu contexto fonético e com a estrutura prosódica.
Algumas línguas fazem um uso fonológico do parâmetro de duração para as consoantes e
vogais.
Desta forma, podemos distinguir, de um ponto de vista fonológico, séries de vogais normais
e vogais longas, consoantes normais e consoantes longas. As consoantes longas podem dar a
impressão auditiva de terem sido duplicadas de um ponto de vista articulatório. Por isso, a
utilização do termo geminadas para designá-las. Uma questão que se pode colocar consiste
em saber se são somente fones mais longos ou se são articulados, também, de maneira
específica.
A oposição de quantidade nas consoantes
Várias línguas como o estoniano, o italiano, o japonês ou ainda o bretão exploram a oposição
de quantidade nas consoantes. A relação entre a duração da constrição e a fase de tensão
para as fricativas e oclusivas breves e longas pode variar de 50% a 300% na fala cuidada. É
motivo de polêmica a questão se uma consoante longa ou geminada na mesma sílaba
(excluindo-se o caso do encontro de duas consoantes idênticas em fronteira de morfema), é
realizada em um único ou em dois movimentos articulatórios.
A força de articulação
O conceito de força de articulação é frequentemente invocado para explicar mudanças fonéticas
ou para dar conta de diferenças na produção de segmentos. Assim, as consoantes vozeadas são
muitas vezes consideradas como fracas e as consoantes não vozeadas como fortes.
Entretanto, o sentido dado a esse termo varia muito de um autor a outro. Para alguns, trata-
se do esforço respiratório global, para outros da tensão com a qual a fonação ou uma
articulação é realizada. O próprio termo tensão é bastante ambíguo, remetendo tanto à
sensação de esforço como ao grau de atividade de um músculo ou de um grupo de
músculos envolvidos em uma articulação dada.
99
Para Jakobson, Fant e Halle,41 os fones tensos são articulados de maneira mais distinta e com
mais pressão do que os fones frouxos correspondentes. Indicam que os fones fortis são
caracterizados por uma pressão de ar mais forte atrás do ponto de articulação e por uma
duração mais longa em decorrência da amplitude do movimento articulatório.
Conclusão
Propomos, no quadro abaixo, um sistema de classificação articulatória dos sons da fala.
Quadro xx. Dimensões da classificação articulatória dos sons da fala
41 JAKOBSON; FANT; HALLE, 1952.
100
Figura 5.8 – Consoantes produzidas com mecanismo aerodinâmico pulmonar
Figura 5.9 Vogais
Figura 5.10 – Consoantes produzidas com os mecanismos vélico e glotal
101
Figura 5.11 – Diacríticos
Figura 5.12 – Símbolos suplementares
102
Descrição articulatória do português
Introdução
Há poucas descrições articulatórias do português brasileiro, baseadas em técnicas
instrumentais. Entre outras, podemos citar Casaes, Cagliari, Matta Machado, Reis e Antunes,
Reis e Espesser e Reis, 2007.143 Apresentamos em seguida uma classificação articulatória dos
fones do português brasileiro e discussão de alguns processos fonéticos e fonológicos.
As vogais do português
O sistema fonológico do português possui doze vogais: sete vogais orais /a, e, , a, o, , u/ e
cinco vogais nasais /a, e, i, o, u/. Ao contrário do francês, em que a nasalidade ocorre em
vogais mais baixas, /œ, , , /, no português, as vogais nasais são preferencialmente mais
altas. Por essa razão, as vogais médias baixas não se nasalizam e a vogal baixa é a única que
sofre forte modificação na apertura, quando nasalizada, aproximando-se do nível de apertura
das vogais médias altas.
Figura 6.1 – Representação da apertura, zona de articulação e labialização dos sons vocálicos.
143 CASAES, 1993; CAGLIARI, 1974; CAGLIARI, 1977; MATTA MACHADO, 1981; REIS; ANTUNES, 2002; REIS; ESPESSER, 2006; REIS, 2007.
103
As vogais orais
Zona de articulação As vogais orais do português podem ser classificadas, do ponto de vista fonético, no eixo
horizontal, de acordo com a elevação máxima da língua, em vogais anteriores [i e ], vogais
centrais [a ] e vogais posteriores [u o ] ou, com referência explícita a uma zona anatômica,
em vogais palatais [i e ] e vogais velares [u o ]. A chamada vogal central baixa pode ser
produzida na região palatal, como na palavra [mat] e na região velar, como em [m] e, em
alguns dialetos, como naqueles em que há a aproximante retroflexa [mk]. Pode-se dizer que
há uma simetria no sistema vocálico, quanto à zona de articulação.
A apertura No português, no eixo vertical, há quatro aperturas. A apertura é definida tradicionalmente
como a distância entre o ponto mais alto da língua, no momento da articulação da vogal, e o
palato, no local em que o canal bucal é mais estreito. As vogais podem assim ser classificadas,
do ponto de vista fonético, em baixas [a, ], semibaixas [ ], semialtas [e o e o ] e altas [i u
u i ]. A apertura é fortemente controlada pelo acento primário, que provoca neutralização de
oposição de apertura tanto em posição pretônica como postônica.144 As vogais altas apresentam
assim alofones mais baixos em posição átona. Da mesma forma a vogal mais baixa [a] sofre,
inversamente, diminuição da apertura em posição átona e, em particular, quando nasalizada.145
(Figuras 6.2 e 6.3)
Figura 6.2 – Alofones das vogais altas.
144 CÂMARA JR., 1970. 145 CALLOU; MORAES; LEITE, 2002.
104
Figura 6.3 – Alofones da vogal baixa [a].
A posição dos lábios
Três graus de labialidade são suficientes para classificar as vogais do português. As vogais [i e
i e] são produzidas com os lábios estirados. Esses fones são considerados não labializados;
as vogais [ o u o u ] são protrusas, porque os lábios estão projetados para frente, tomando
uma forma arredondada pela aproximação das comissuras labiais; nas vogais baixas [a ] não
há participação ativa dos lábios. A labialidade pode ser considerada, do ponto de vista
fonológico, um traço redundante no português, enquanto que, no francês, é fonologicamente
distintiva, podendo-se distinguir três graus de labialidade: [i e a], produzidas com os lábios
estirados, [ø œ ], com ligeira projeção labial e [y o u], com avanço e arredondamento
importante dos lábios.
Figura 6.4 – Vogais orais
Colocando-se num gráfico as vogais segundo sua disposição nos eixos ântero-posterior e
vertical, obtém-se o trapézio articulatório das vogais. As três vogais mais extremas, /i a u/,
105
constituem o “triângulo de Hellwag”. Considera-se que essas três vogais são existentes em
todas as línguas do mundo.
Essas diferenças articulatórias podem ser também representadas acusticamente (Figura 6.5). F1
está correlacionado com a apertura e F2 com a zona de articulação146
Figura – 6.5 Espectrograma das vogais orais do português brasileiro. (1 locutor masculino).
Quadro XX. Formantes147 (F1, F2 e F3, valores em Hz) das vogais orais da Figura 6.5 acima.
As vogais nasais Figura 6.6 Diagrama das vogais nasais (adaptado de Matta Machado, 1981)
Quando o véu palatino se abaixa, uma parte do ar fonatório passa pela cavidade nasal,
acrescentando uma ressonância nasal à ressonância orofaríngea. Contrariamente ao francês, em
que a posição da língua é aproximadamente a mesma tanto para vogais orais como para vogais
nasais, no português, isso vale para as vogais altas e semialtas, mas a vogal baixa sofre uma
importante modificação na sua apertura, passando de baixa [kat] para uma qualidade
146 Para outros processos fonológicos do português, consultar MAGALHÃES, 1990. 147 Segundo a classificação articulatória, as diferentes dimensões do conduto vocal para a produção dos fones vocálicos são determinadas pela apertura e zona de articulação, ou seja, configurações das cavidades supraglóticas obtidas por posições muitas vezes sutis da língua. Na fonética acústica, essas diferentes configurações das cavidades supraglóticas determinam diferentes ressonâncias ou zonas de freqüências em que os harmônicos que têm origem na vibração das pregas vocais se tornam mais intensos. Cada configuração das cavidades supraglóticas tem essas zonas de freqüência características, chamadas de formantes.
106
próxima da semialta [kt]. Cagliari148, Matta Machado149, Medeiros e Demolin150, realizaram
estudos articulatórios sobre a nasalidade do português, havendo também estudos fonológicos
sobre as vogais nasais do português (Mattoso Câmara Jr,151; Mattoso Câmara Jr152; Abaurre153;
Nobling154; Bisol155) . (Figura 6.6)
Além da nasalidade fonológica que opõe os pares [mud]\[mud] (mudo/mundo), [lid]\[lid]
(lido/lindo), [sed]\[sed] (cedo/sendo), [lob]\[lob] (lobo/lombo), [bab]\[bb] (babo/bambo),
uma nasalidade fonética nasaliza vogais que precedem consoantes nasais. Ainda aqui o acento
primário pode intervir, distinguindo dialetos que só nasalizam vogal em posição tônica
daqueles em que o acento não restringe a aplicação da regra. Sendo assim, em alguns dialetos,
teremos [m][fmoz][bnn] (chama, famoso, banana), noutros [m], [bnn], [fmoz].
Em um único condicionamento morfofonológico, numa assimilação progressiva, a vogal pode
nasalizar a consoante oclusiva alveolar vozeada. Isso acontece no gerúndio: [fld], [mkd]
(falando, mancando) que são pronunciadas [fln], [mkn]. Também numa assimilação
progressiva, a consoante nasal pode nasalizar a vogal que se segue, normalmente antes de
pausa (ex.: [um]).156
148 CAGLIARI, 1977. 149 MATTA MACHADO, 1981. 150 MEDEIROS; DEMOLIN, 2006 151 MATTOSO CÂMARA JR., 1953. 152 MATTOSO CÂMARA JR., 1970. 153 ABAURRE, 1973. 154 NOBLING, 1974. 155 BISOL, 2002. 156 MORAES; WETZELS, 1992; WETZELS, 1997; JESUS, 2000; JESUS, 2002a; JESUS e REIS, 2002b.
107
Figura 6.7 – Vogais nasais.
Observa-se uma variação dialetal da nasalidade no português do Brasil, em que os dialetos do
sul, provavelmente a partir de São Paulo, apresentam uma ressonância nasal mais breve ou
completa desnasalização. Cagliari157 registrou, no dialeto paulista, a pronúncia da palavra
[km], no lugar de [km] (cama), isto é, conserva-se a qualidade da vogal, desnasalizando-a.
Fenômeno semelhante, ou um período reduzido de nasalização, que ainda não foi estudado,
pode ser uma característica de dialetos do sul do Brasil. Em dialetos de São Paulo, observa-se,
também, a ditongação da vogal nasal anterior semifechada, [ted] (entendo). Não há ainda
uma descrição fonética dessa ditongação das vogais nasais do português brasileiro.
As vogais nasais são de difícil descrição acústica. Apresentam queda global de intensidade,
enfraquecimento de F1 e a presença de formantes nasais (Figura 6.8).
157 CAGLIARI, 2007.
108
Figura 6.8 – Espectrograma das vogais nasais do português brasileiro. (1 locutor masculino)
Além do deslocamento de formantes das vogais orais correspondentes, podem-se observar três
outros fenômenos na espectrografia das vogais nasais: a) baixa na intensidade global dos
formantes da vogal; b) presença de zonas de antirressonância (por ex.: na vogal [o], formante
nasal na altura dos 2000 Hz e, logo acima, uma antirressonância na altura de 2490 Hz; na vogal
[i], formante nasal na altura de 1070 Hz) e c) presença de formantes nasais.
Quadro XX – Formantes (F1, F2 e F3, valores em Hz) das vogais nasais da Figura 6.8 acima.
Os ditongos Além das vogais com uma única qualidade, os monotongos, o português possui, também,
vogais com duas qualidades, os ditongos. Há restrições quando a possíveis combinações de
qualidades vocálicas para os ditongos: a qualidade vocálica inicial ou a final deve tender para
uma apertura menor. Sendo assim, pode-se ter um início alto palatal (ex.: [estasjonah]
(estacionar)) ou um início alto velar (ex.: [ewah] (enxaguar)). Da mesma forma, o final pode
tender para uma apertura alta palatal (ex.: [pa] (pai)) ou para uma apertura alta velar (ex.: [pa]
(pau)). Os ditongos que se iniciam com uma qualidade fechada são chamados de ditongos
crescentes e os ditongos que terminam com uma qualidade fechada são chamados de
109
decrescentes. Mattoso Câmara Jr.158 e Bisol159 consideram que os verdadeiros ditongos são os
decrescentes, pois os crescentes variam livremente com o hiato (ex.: [vjad]\[vad]
(vigiado), [atws]\[tus] (atuação)). Deve-se, entretanto, observar que os ditongos
decrescentes também variam com os monotongos (ex.: [kde]\[kde], [hop]\[hop]
(cadeira, roupa)) e que alguns monotongos também tendem a variar com ditongos, sobretudo em
palavras oxítonas, em alguns dialetos (ex.: [os]\[os], [tes]\[tes], [nseh]\[naseh],
[doz]\[doz] (arroz, três, nascer, doze). Além disso, tanto o ditongo decrescente pode variar
com hiato como o ditongo crescente variar, embora raramente, com monotongo (ex.:
[ts]\[ts]; [kwst]\[kst] (traição, questão)).160161
Há, também, ditongos nasais decrescentes, [m], [fej], [po], [se], [mut] (mãe, feijão, põe,
sem) e crescentes, [kwd], [wet] (quando, aguenta).162 São considerados tritongos sequências
de semivogal + vogal + semivogal (ex.: [kww]; [sw] (qual, saguão)). (Figura 6.9)
[e] [a] [a] [u] [wa] Figura 6.9 – Ditongos orais, nasal e tritongo do português brasileiro. (1 locutor masculino).
Quadro XX. Formantes (F1 e F2, início e final) dos ditongos orais, nasal. Para o tritongo, F1 e F2 inicial, medial e final. Valores para os ditongos orais e nasal e tritongo da Figura 6.9 acima.
As consoantes do português
As consoantes são produzidas pela realização de algum obstáculo à passagem do ar fonatório.
Obstáculo esse que pode ser total ou parcial. Quando a passagem do ar é completamente
entravada, ocorre um tipo de consoante denominado de oclusiva. Num outro modo de
produção, em que a obstrução não é total, não havendo interrupção da passagem do ar, a classe
de fones produzida depende do tipo de obstrução e de fatores aerodinâmicos, conforme 158 MATTOSO CÂMARA JR. 1970. 159 BISOL, 1989. 160 LEE, 2008. 161 GONÇALVES, 1997. 162 SILVA, 1992.
110
veremos abaixo.
As consoantes oclusivas
No nível fonológico, existem dez consoantes oclusivas em português: sete oclusivas orais [p t k
b d ] e três oclusivas nasais [m n ]. As consoantes [p b m], [t d n] e [k ] são chamadas de
consoantes homorgânicas porque são articuladas pelo mesmo órgão, no mesmo ponto de
articulação. As consoantes do primeiro grupo são bilabiais, as do segundo grupo, dentais ou
alveolares e, finalmente, as do último grupo são dorso-velares. As dentais ou alveolares podem
ser apicodentais, laminodentais ou interdentais, apicoalveolares, laminoalveolares.
As consoantes oclusivas apresentam três fases articulatórias: a intensão, a tensão e a distensão.
A intensão corresponde aos movimentos dos articuladores na direção do alvo, que é uma
obstrução; a tensão, ao intervalo de tempo durante o qual os articuladores mantêm uma
obstrução total e a distensão corresponde ao afastamento brusco dos articuladores em busca de
novo alvo articulatório ou do repouso. Do ponto de vista da aerodinâmica, em decorrência da
obstrução no conduto vocal, o ar acumula-se durante o período de tensão, provocando um
aumento da pressão intraoral. Com a soltura brusca, o movimento do ar fonatório provoca um
ruído de explosão.
Dependendo da sua posição na palavra e do contexto fonético, certas consoantes oclusivas não
possuem necessariamente as três fases. No português, ao contrário do inglês e do francês, por
exemplo, há uma tendência para se manter as três fases da oclusiva. O caso mais comum, em
que a fase de distensão pode desaparecer, é quando a oclusiva se encontra no meio da palavra,
seguida por outra oclusiva [apt].
As oclusivas orais
[p t k] e [b d ] distinguem-se pelo vozeamento. Durante a tensão de [b d ], as pregas vocais
vibram, enquanto que em [p t k], o ar passa entre as pregas vocais afastadas. No caso do tapa,
[],163 o vozeamento não é distintivo e depende do contexto fonético. Trata-se de um fonema
que possui, normalmente, uma variante aproximante e uma variante fricativa.
As oclusivas nasais
Na realização de oclusivas nasais, como [m n ], o véu palatino está abaixado. Como há oclusão
do conduto vocal no nível da cavidade bucal, o ar fonatório escapa pela cavidade nasal,
163 Incluímos entre as oclusivas o tapa (mais conhecido como tepe), porque é normalmente produzido com o bloqueio total do ar fonatório, embora o tempo de tensão seja aproximadamente um terço do tempo de tensão das outras oclusivas.
111
provocando uma ressonância nasal. Isso impede a ocorrência do ruído de explosão, uma vez
que, com a abertura da passagem velofaríngea, a pressão intraoral é muito fraca. As oclusivas
nasais são normalmente vozeadas.
Da série de oclusivas nasais, a consoante [] é a menos frequente e a que mais sofre
modificações articulatórias. Palatal na articulação cuidada, é normalmente pronunciada pós-
alveolar ou pré-palatal [n] (ex.: [ko pni]) ou aproximante palatal nasal [j ] (ex.: [ni j ]), por um
processo de enfraquecimento.
As fricativas
Em português, existem sete consoantes fricativas, fonologicamente distintas [f s v z ] e o R. O
R representa uma classe de sons fricativos, que se estende do ponto velar até o glotal, incluindo-
se, também nessa categoria, o tapa e sua variante fricativa. A escolha do ponto de articulação e
do estado da glote vai depender de fatores contextuais ou dialetais. O traço de vozeamento
distingue as fricativas labiodentais /f v/ (ex.: [fak]\[vak] laminoalveolares /s z/
[sel]\[zel] (selo, zelo) e as pós-alveolares / /. [at]\[at] (chato, jato). As fricativas / /
são as únicas que apresentam projeção dos lábios. Em posição de coda, há neutralização do
vozeamento. (ex.: [sksts]\[zals]\[tu]\[du] (as costas, as alas, as tuas, as duas). Nas
fricativas do grupo , o vozeamento é contextual (ex.: [mhtl]\[ma]\[kaxp]\[ka]
(martelo, amargo, carpa, carga).
As laterais
As consoantes /l / são descritas como laterais, porque, embora haja uma obstrução central, o
ar escapa pela borda da língua. A lateral ápico-alveolar apresenta duas variantes contextuais,
na posição de coda: na maioria dos dialetos, é a semivogal posterior (ex.: [mals]/[m]) (males,
mal)), mas sobretudo em dialetos do sul, é uma lateral velarizada (ex.: [slist]/[sul] (sulista,
sul)). Assim como acontece com a nasal palatal, [], também a lateral palatal, possui variantes:
uma alveolar palatalizada, que corresponde a uma produção lâmino-pós-alveolar (ex.: [fila],
uma variante aproximante palatal (ex.: [fij] (filha), variante social, a lateral ápico-alveolar (ex.:
[ml], além da lateral palatal, no estilo culto ou formal [mx] (mulher)).
As semivogais As semivogais correspondem à apertura mais fechada do ditongo. Nos ditongos decrescentes,
vamos preferir o termo semivogais, enquanto que nos ditongos crescentes, semiconsoantes, em
razão das características fonéticas desses segmentos. As semiconsoantes [j w] constituem, numa
112
terminologia mais recente, a classe das aproximantes.164 Pela sua apertura (apertura 4)
encontram-se na fronteira entre o som vocálico e o som consonantal. Correspondem
articulatoriamente às vogais [i] e [u], isto é, [j] é produzida com uma rápida aproximação do
dorso da língua no nível do palato duro, enquanto [w] é produzida com uma rápida
aproximação do dorso da língua no nível do palato mole, ocorrendo, neste último caso,
simultaneamente, uma projeção dos lábios. Constituem variantes das vogais altas (ex.:
[pedad]\[pjedad], [vdoh]\[kwdoh] (piedade, voador, coador). O acento secundário pode
ser um fator nesse processo de variação. A semiconsoante velar ocorre normalmente precedida
de oclusiva velar. (Figura 6.10)
Figura 6.10 – Imagens palatográficas de fones consonantais do português (Reis e Antunes165).
A apertura
Nas vogais, a apertura é determinada pelo ponto mais elevado da língua, definida pelos eixos
horizontal e vertical. Nas consoantes, a apertura designa a largura mínima do canal no ponto
de articulação.
164 LADEFOGED, 1975; CATFORD, 1977. 165 REIS; ANTUNES, 2002
113
Seguindo essas definições, propomos abaixo um quadro com os graus de apertura de vogais e
consoantes do português.
114
0. [p] [t] [k] [b] [d] []
1. [m] [n] [] 2. [f] [s] [] [] [h] 3. [v] [z] [] [] [] 4. [] [r] 5. [l] [] 6. [j] [w] 7. [i] [u] [i] [u] 8. [e] [o] [e] [o] [] 9. [] []
10. [a] []
A força articulatória
Uma consoante pronunciada energicamente apresenta um contato mais largo que a mesma
consoante pronunciada fracamente. Isso porque a língua se levanta mais, aderindo mais
intimamente à abóbada palatina. Ao contrário, na consoante pronunciada com mais frouxidão,
o contato no palato se estreita, a língua sobe menos, de forma que a pressão contra a região
alveolar e palatal diminui.
Classificação das consoantes. Vários foneticistas166 propõem uma classificação das consoantes, de acordo com a força de
articulação. Trata-se de uma noção de difícil definição,167 referindo-se, segundo os autores, à
energia muscular, à tensão dos órgãos fonadores ou ainda à energia total mobilizada na sua
produção. Como essa classificação não foi feita para o português, apresentamos a classificação
feita para o francês, que serve, pelo menos, como uma primeira proposta para o português.
Variação da força articulatória consonântica A posição inicial de sílaba é a mais forte; a posição intervocálica é menos forte, em razão da
assimilação de apertura das vogais adjacentes. A posição final de sílaba é fraca, e se a consoante
é implosiva, é ainda mais fraca.
166 DELATTRE,1966; STRAKA, 1963. 167 MALÉCOT, 1970; MARCHAL, 1983.
115
Força articulatória vocálica Os palatogramas mostram que uma vogal pronunciada com energia abre-se com relação à
vogal pronunciada mais fracamente: isto é o contato observado no palato diminui. O
abaixamento da língua na vogal forte opõe-se diametralmente ao comportamento da língua na
pronúncia de consoantes fortes. Podemos, então, concluir que sons vocálicos são sons da fala
que tendem à abertura, enquanto que os sons consonantais tendem ao fechamento. (Figura
6.11)
Figura 6.11 – Comportamento das vogais e consoantes sob o efeito da força de articulação.
As modificações das articulações
Apresentamos até aqui os diferentes fones do português pronunciados isoladamente. Não se
deve concluir, entretanto, que os fones do português serão sempre idênticos à descrição
proposta, pois, quando se encontram na cadeia falada, sofrem certo número de modificações,
em decorrência da vizinhança fônica, de aspectos prosódicos, sociolinguísticos, dialetais e
individuais. Parte desses fenômenos é tratada com mais detalhe no capítulo sobre a produção
da fala. Próximos ou em contato direto, por exemplo, os fones influenciam-se mutuamente,
podendo trocar ou modificar uma ou várias de suas características. É o caso da oclusiva velar,
que tem o seu ponto de articulação velar avançado para a região pós-palatal, quando seguida
da vogal anterior [i].
O estudo dos fatos fonéticos que ocorrem na cadeia da fala recobre os fenômenos de
coarticulação, estudados pela fonética, e pelos fenômenos fonotáticos, que interessa à fonologia.
Quando as modificações são causadas por razões físicas (inércia dos órgãos articulatórios,
tempo de reação dos comandos e tempo de deslocamento dos articuladores), trata-se de
mecanismos essencialmente fonéticos, enquanto que as mudanças linguísticas serão expressas
por meio de formalizações fornecidas pela fonologia.
Na prática, é muitas vezes difícil delimitar os domínios respectivos da fonética e da fonologia,
porque uma restrição de tipo articulatório pode acabar sendo explorada para fins linguísticos
(como é o caso das vogais nasais em português e em francês).
116
Trataremos abaixo dos principais fenômenos de modificação das articulações em razão da força
de articulação e do contexto.
Papel da força de articulação
Força Oclusivas
A elevação da língua é mais importante e traduz-se por um fortalecimento e alargamento do
contato na oclusão. Nas consoantes anteriores, a maior força provoca um alargamento na
direção posterior, havendo tendência à palatalização. Nas consoantes posteriores, o movimento
se traduz pelo avanço da oclusão, o contato se desloca para a região do palato duro.
Fricativas
A maior força de articulação provoca um maior estreitamento da constrição. Quando a força é
muito grande, os contatos laterais podem se unir, tendo como resultado uma verdadeira
oclusiva ou africada.
O enfraquecimento Oclusivas
O enfraquecimento da articulação tem como resultado um abaixamento da língua. Na
consoante anterior, o contato da oclusão diminui na frente; na consoante posterior, o contato da
oclusão recua. O enfraquecimento do contato da oclusão pode chegar à ruptura da oclusão.
Fricativas
O abaixamento da língua provoca um estreitamento dos contatos laterais nas fricativas
produzidas com a língua.
Nos casos de um enfraquecimento maior, pode haver o desaparecimento dos contatos e de toda
a articulação consonântica.
Quadro 6.1 – Fonemas consonantais do português.
A influência do contexto vocálico
Velarização A velarização consiste em um recuo da articulação da consoante que pode ocorrer no contexto
de uma vogal posterior. Em alguns casos, o contato para a consoante se faz simultaneamente
117
com uma ligeira elevação do dorso da língua.
Labialização A projeção e arredondamento dos lábios ou labialização que acompanha a produção de vogais
arredondadas provocam a labialização da consoante ou consoantes que se encontram na
mesma sílaba. As consoantes fricativas / / são as únicas que labializam a vogal que se segue.
Palatalização A palatalização é um alargamento do contato do dorso da língua na direção do palato duro seja
para consoantes anteriores como posteriores, o que pode resultar em mudança do ponto de
articulação na direção do palato duro.
No português, o processo de palatalização das oclusivas alveolares no contexto da vogal alta
anterior é que iniciou o processo de africatização: ([tl] [tud], [del], [dk] (tela, tudo, deli,
doca), mas [ti] e [di] (tia, dia). O que ocorre também a partir de processos morfológicos (ex.:
[mxt]\[mxt] e [kd]\[kdi] (morta, morte, corda, cordinha)). Os processos de
palatalização mais frequentes ocorrem com a nasal e lateral pós-alveolares, que substituem as
palatais correspondentes [l] em vez de [] [kopni] (olho, companhia) em vez de
[kopi], surgindo daí uma oposição entre alveolar e pós-alveolar. Ocorre, também com a
fricativa alveolar, em posição de coda, seguida por africadas e fricativas pós-alveolares [pst],
[savs]168 (poste, as chaves) e em posição postônica seguida de vogal alta ([ps] (posse)).
Como mostramos acima para o português, o processo de palatalização pode ser o início de um
processo de mudança sonora. No caso do português, as oclusivas alveolares mudam para
africadas, quando seguidas de vogal alta. No francês canadense acontece fenômeno parecido:
há também africatização, mas o ponto permanece alveolar [ts] (tu), [dzkte] (dictée).169
As assimilações consonânticas
A assimilação consonântica designa a mudança fonética que sofre uma consoante em contato
com outra consoante. A consoante mais forte transmite, parcialmente ou totalmente, uma ou
várias de suas particularidades fonéticas.170 Essa mudança assimilatória pode se exprimir pela
transferência de traços fonéticos ou de traços fonológicos. A assimilação consonântica
168 OLIVEIRA, 2004; REIS, 2007. 169 CHARBONNEAU, 1955. 170 Distinguimos entre particularidade fonética e traço fonético. O traço fonético é escolhido pelo observador dentre uma massa de especificações fonéticas. Para o traço de vozeamento, por exemplo, pelo menos uma dúzia de particularidades fonéticas são índices associados à distinção vozeado/não vozeado (SLIS; COHEN, 1969).
118
caracteriza-se pelo tipo de assimilação e pela direção do processo assimilatório.
A direção da assimilação
A assimilação progressiva A assimilação se produz da esquerda para a direita, isto é, um fone modifica o fone que se
segue imediatamente. Nos dois primeiros exemplos, trata-se de assimilação de vozeamento e,
nos dois últimos, de nasalidade.
Ex. [blk], [plak], [um], [dn] (bloco, placa, uma, andando).
Assimilação regressiva A assimilação pode ser o resultado de uma antecipação articulatória. A consoante
“programada” influencia a consoante realizada antes dela. A modificação acontece então da
direita para a esquerda. É o processo assimilatório mais frequente no português. Assimilação
de vozeamento no primeiro par de palavras e de nasalidade no segundo, sendo que a
assimilação de nasalidade acontece apenas na sílaba tônica na maioria dos dialetos.
Ex.: [mzm]\[sest] e [kana]\[kn] (mesmo, cesto e canal, cano).
No primeiro caso, há uma assimilação de vozeamento e, no segundo, assimilação de
nasalidade.
Assimilação retro-progressiva Quando uma consoante influencia tanto a consoante que precede quanto a consoante que se
segue, fala-se, então, de assimilação retro-progressiva, como no caso de [asklas] (as claras) em
que a consoante oclusiva determina o vozeamento ou não do fone que precede e que se segue.
Tipos de assimilação A natureza do traço modificado pela assimilação define o tipo de assimilação. Os tipos mais
comuns são de nasalidade, desvozeamento e vozeamento.
A assimilação de vozeamento A assimilação de vozeamento consiste na transferência do traço de vozeamento de uma
consoante vozeada para uma consoante não vozeada ou uma consoante não marcada para o
traço de vozeamento. No português, esse fenômeno é regressivo no contexto da fricativa em
posição de coda e é progressivo em grupo consonantal em posição de ataque.
Ex.: [kd] [blk] corda, bloco
A assimilação de não vozeamento ou desvozeamento Quando a consoante não vozeada e uma consoante vozeada ou não marcada para o traço de
vozeamento estão em contato, fala-se de assimilação de não vozeamento ou de
119
desvozeamento.171
Ex.: [fst] [tat] (festa, trato).
A assimilação de nasalidade Na produção da consoante nasal, o véu palatino se abaixa. Se esse abaixamento acontece mais
cedo, ocorre a nasalização parcial ou total da consoante que precede a consoante nasal. É a
assimilação regressiva de nasalidade. Observa-se uma assimilação de nasalidade no francês,
[kadna] (cadenas), que se pronuncia [kanna] e [mtn], que se pronuncia [mnn] (maintenant).
No português ocorre uma assimilação progressiva, principalmente no dialeto mineiro, da
consoante alveolar [d], no contexto sufixo de gerúndio (ex.: [fld]\[fln]; [dd]\[dn]
(falando, andando)).
A assimilação vocálica
A nasalização O fenômeno de nasalização não afeta apenas as consoantes. As consoantes podem infuenciar as
vogais. Uma das características mais significativas do português é a assimilação de nasalidade.
A vogal assimila a nasalidade da consoante nasal que se segue. Dialetos do português
distinguem-se quanto à generalidade desse processo. Em alguns dialetos, apenas a vogal tônica
se nasaliza (ex.: [bnn] (banana)), enquanto em outros dialetos não há restrição ao processo
de nasalização (ex.: [bnn]).
O desvozeamento Quando em posição postônica, antes de pausa, ocorre muito frequentemente o desvozeamento
da vogal ou da sílaba, podendo mesmo ser sussurrada (ex.:[mut]/[nov] (muito, novo)).
A harmonia vocálica Na cadeia da fala, as vogais podem exercer influência sobre a qualidade de vogais vizinhas ou
próximas. Esse fenômeno é conhecido como harmonia vocálica e é normalmente tratado pelos
fonólogos como alçamento de vogal pretônica.172 (Ex: [pedid]\[pdid]; [toxsid]\[txsid]
(pedido, torcida)).
171 Alguns autores afirmam que quando a consoante vozeada perde por assimilação sua característica de vozeada, mantém sua característica de consoante fraca. (FOUCHÉ, 1959) enquanto que a não vozeada que se vozeia mantém-se forte. 172 BISOL, 1981; VIEGAS, 1987; OLIVEIRA, 1991; OLIVEIRA, 1992.
120
Processos fonéticos
Resumindo, alguns processos fonéticos são bem conhecidos no português, como a nasalização
de vogais seguidas de consoantes nasais [lm]\[lms] (lama, lamaçal); a ditongação
[buljzu] (bule azul) e a elisão vocálica [kazsku] (casa escura)173 na fronteira de palavras; a
assimilação do estado da glote da consoante em posição de ataque pela fricativa em posição de
coda, [sts]/[zduns] (as terras, as dunas) além de outros processos fonéticos, condicionados
por fatores de várias ordens, como a monotongação de ditongos [kde]\[kde] (cadeira),
[ko]\[ko] (couro)174 a ditongação de monotongos [os]\[os] (arroz), a diminuição da
apertura da vogal da sílaba pretônica, assimilando a apertura da vogal em sílaba tônica
[menin]\[mnin] (menino), [esku]\[sku] (escuro)175 e a abertura das vogais pretônicas,
[kos]\[ks] (coração). Esses processos carecem, entretanto, de uma descrição fonética.
173 LIBERATO, 1978. 174 VEADO, 1983; BISOL, 1989. 175 VIEGAS, 1987; BISOL, 1981.