Ideologia de elite osso duro de roer: análise sobre aspectos ideológicos presentes no filme...

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Universidade de São Paulo Escola de Comunicações e Artes Ideologia de elite osso duro de roer Análise sobre aspectos ideológicos presentes no filme “Tropa de Elite” São Paulo Abril/2010

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Trabalho apresentando na disciplina de Propaganda Ideológica, ministrada pelo Profº Dr. Leandro Leonardo Batista, na Escola de Comunicações e Artes da USP, durante o primeiro semestre de 2010.

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Universidade de São Paulo

Escola de Comunicações e Artes

Ideologia de elite osso duro de roer

Análise sobre aspectos ideológicos presentes no filme “Tropa de Elite”

São Paulo

Abril/2010

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Fernando Carvalho Tabone

Nº USP: 6805440

Ideologia de elite osso duro de roer

Análise sobre aspectos ideológicos presentes no filme “Tropa de Elite”

Trabalho apresentado à disciplina

CRP0171 ‐ Propaganda Ideológica,

ministrada na Escola de Comunicações

e Artes da Universidade de São Paulo.

Professor Dr. Leandro Leonardo Batista

São Paulo

Abril/2010

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“o cinema é um dos meios mais modernos e científicos de influenciar as massas”

Joseph Goebbels, Ministro do Povo e da Propaganda na Alemanha Nazista.

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Apresentação

O presente trabalho tem por objetivos analisar os possíveis aspectos

ideológicos presentes no longa metragem intitulado “Tropa de Elite”, dirigido

por José Padilha, 2007, e propor a discussão do potencial poder de influência

ideológica do filme na sociedade.

Introdução

Acostumados a assistir milionárias produções de Hollywood de filmes

que exibem a eficiência e compromisso da polícia americana em defender o

país, inconscientemente, logo a identificamos como uma polícia de qualidade,

que defende realmente o cidadão americano. Por outro lado, no Brasil,

acostumados a assistir, seja nos telejornais ou na mídia impressa, dezenas de

reportagens relatando casos de corrupção, ineficiência e péssimas condições

de trabalho da polícia brasileira, inconscientemente, logo a identificamos como

falha e pouco segura. Não raramente, ainda, vemos no cinema ou na televisão

filmes e séries que exibem o crime brasileiro como protagonista ou tem como

cenário principal as favelas e subúrbios urbanos e sua criminalidade. As

estórias, ou roteiros, por sua vez promovem na maioria dos casos maior

credibilidade ao bandido do que ao policial.

Diante desse cenário, é lançado em 2007 nos cinemas brasileiros o filme

“Tropa de Elite”, dirigido por José Padilha, longa metragem que retrata o dia-dia

estressante de Nascimento, capitão da Tropa de Elite do Rio de Janeiro. O

personagem, interpretado pelo ator Vagner Moura, vive dias de extrema

pressão nos quais além de ter que realizar missões nas favelas da cidade, tem

também que encontrar um substituto para seu posto na tropa, já que sua

mulher encontra-se grávida e ele pretende tirar licença.

Com auxílio da “pré-estréia” promovida pela pirataria, apenas duas

semanas após o lançamento o filme já era considerado como o mais visto e

mais comentado da história do cinema brasileiro (A realidade, só a realdiade,

Veja, 13/10/2007). Estima-se que 11 milhões e pessoas tenham assistido o

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filme somente por meio de DVDs piratas (idem). A repercussão foi enorme e o

filme foi exaustivamente discutido na mídia e no convívio social. Tal

repercussão, grande parte motivada justamente pela estória relatada, gerou

uma inquietação na crítica e na população.

O assunto proposto pelo filme é a guerra que a polícia carioca move

contra os traficantes de drogas encastelados nos morros favelizados da cidade.

Tráfico de drogas é de certa forma tema comum na cinematografia nacional

recente, entretanto, “Tropa de Elite” propõem uma abordagem diferente:

colocando bandidos como realmente bandidos, não como os ”protetores” da

favela; retrata que há policiais corruptos, mas que há aqueles que são

honestos e compromissados; justifica que se existem traficantes é porque há

milhares de consumidores que os bancam; evidencia que a população muitas

vezes compactua com o tráfico; retrata também a situação de pressão e

estresse que o estado permite a seus policiais; exibe a tortura como a favor da

civilização; entre outras essas são apenas algumas das abordagens das quais

promoveram discussões e debates.

Quando falamos em polícia norte americana, os filmes de Hollywood

logo nos trazem uma imagem de credibilidade e prestígio na memória. Quando

falamos de polícia brasileira, a imagem que nos suscita na memória

provavelmente é outra. E, ainda, quando pensamos em favela e tráfico de

drogas, a imagem que nos vem à cabeça, se for próxima a que a televisão e o

cinema brasileiro têm abordado recentemente, talvez não seja a mais fiel a

realidade. É justamente nesses pontos que o filme “Tropa de Elite” se insere. E

tem, certamente, objetivos de provocar certos efeitos na sociedade.

Ideologia, eu quero uma para viver

Diariamente somos bombardeados pela publicidade que nos ataca

verozmente onde quer que estejamos. Na televisão, 1/3 ou 1/4 do tempo que

passamos diante do televisor contemplamos comerciais, no rádio, as inserções

são constantes, nas ruas, mesmo amenizados com a proibição de outdoores

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em São Paulo, nos deparamos com anúncios onde menos esperamos, como

nas catracas do metro paulista. Nos cinemas, momentos após nos ajeitarmos

nas poltronas começam as propagandas. Mas, e quando começa o filme, a

propaganda para? Muito provavelmente, não. E, na maioria das vezes,

juntamente com o filme a propaganda continua, só que mais especificamente,

assume outra forma, a forma de propaganda ideológica.

A publicidade, apesar de muitas vezes nos aparecer de surpresa, atua

explicitamente e nós a identificamos como tal. Observamos um anúncio e

sabemos que sua intenção é de vender algo. Percebemos a existência de um

fim específico de gerar predisposição para a compra e ainda, tratando-se de

comercial eleitoral, sabemos que a intenção é criar uma imagem favorável ao

candidato e obter votos. Já, quando o filme começa, a propaganda começa de

outra maneira, sutilmente, e sua função não é mais de vender ou ganhar

votos,”sua função é a de formar a maior parte das idéias e convicções dos

indivíduos, e, com isso, orientar todo o seu comportamento social” (Garcia,

1982, p. 3). O “prévio aviso” já não é perceptivo e a propaganda, é propaganda

ideológica.

“Não é mais tão fácil perceber que se trata de propaganda e que há

pessoas tentando convencer outras a se comportarem de determinada maneira.

As idéias difundidas nem sempre deixam transparecer sua origem nem os

objetivos a que se destinam.” (Garcia, 1982, p. 3)

Cada indivíduo necessita de uma ideologia, “necessita ter concepções a

respeito do meio em que vive, dos objetivos que devem ser atingidos e do seu

papel no conjunto das relações sociais” (Garcia, 1982, p. 8). A propaganda que

se insere com esse objetivo, de suprir essa necessidade, buscando

conscientização de idéias a respeito da realidade social, profere então

ideologia, ou seja, é a propaganda ideológica. Sua absorção pelo indivíduo, por

conta da necessidade “fisiológica” de obter concepções, se faz, portanto,

sutilmente.

Nesse objetivo, de formular ideologia ao indivíduo, as idéias podem ser

expressas de maneiras distintas com objetivos de mobilização distintos. São

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elas: representações, valores e normas (Garcia, 1982, p. 4). Em “Tropa de

Elite”, José Padilha, Rodrigo Pimentel e Bráulio Mantovani, fazem no roteiro

presença das três.

Tropa de representações, valores e normas

“Representações são idéias a respeito de como é a realidade (...). Valores

são idéias a respeito de como deve ser a realidade (...). Finalmente, normas são aquelas

idéias a respeito do que deve ser feito para transformar a realidade ou mantê-la nas

condições em que se encontra.” (Garcia, 1982, p. 4)

Em “Tropa de Elite” podemos chegar à percepção das três maneiras

definidas por Garcia de ideologia. O filme transmite em diversos momentos

representações, nas quais busca-se retratar ideologicamente como é a

realidade. Podemos dizer que o pano de fundo do filme é predominantemente

real. Retrata a organização social da favela, o dia-dia das organizações

policiais no Rio de Janeiro, a situação de abandono dos policiais pelo estado, o

estresse vivido pelos policiais com a pressão da profissão e da família, a

população em determinados momentos compactuando com o tráfico, policiais

corruptos e honestos, entre outras. Todas situações de retrato da realidade que

o filme busca conscientizar e que muitas vezes, por deturpação de outros

meios, a sociedade já não os enxerga dessa maneira, de acordo com a

realidade.

As representações da realidade chegam a se confundir com a intenção

de transmissão de valores, de algo que deve ser. Por serem realidades, mas

na verdade, realidades que não estão claras, o filme busca não só esclarecê-

las e afirmá-las, mas também confirmar como devem ser. Como no trecho

descrito pelo jornalista Marcelo Carmeiro, em reportagem do filme:

“A diferença é que esse filme o aborda pondo os pingos nos is. Bandidos

são bandidos, e não "vítimas da questão social". Há policiais corruptos, mas

também muitos que são honestos. Se existem traficantes de cocaína e maconha,

é porque há milhares de consumidores que os bancam. Muitos desses

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consumidores, aliás, são aqueles mesmos que fazem "passeatas pela paz" e

compactuam com a bandidagem para abrir ONGs em favelas. Por último, a

brutalidade de alguns policiais pode ser explicada pelo grau de penúria e

abandono que o estado lhes reserva. Ditas de maneira tão simples, essas

verdades parecem de uma obviedade ululante. E são.” (A realidade, só a

realidade, Veja, 13/10/2007)

Os valores citados pelo jornalista são exemplos de alguns que o filme

transmite, e transmite com intenção de que se confirmem como realmente

verdades, assim como o jornalista assimilou, dizendo primeiro que “parecem de

uma obviedade” e posteriormente confirmando que “são”. Confirmar o que já é

realidade com o que realmente deve ser compreendido como realidade, os

bandidos como bandidos, a existência sim de policiais honesto e não só de

policiais corruptos, entre outros.

Há, por fim, a presença de normas, idéias a respeito do que deve ser

feito para transformar a realidade. O filme trabalha repetidamente a exibição do

logo e símbolos do BOPE e retrata a policia militarmente organizada e

imponente. Podemos até mesmo relacionar com os mesmos meios que o

Nazismo utilizou para se firmar na Alemanha, por meio da exibição do

militarismo e utilização da simbologia. O filme busca, de maneira semelhante

ao Nazismo, transmitir a maneira com a qual a polícia pode conquistar a

imponência, respeito e reconhecimento, inclusive por parte dos traficantes.

Conclusão: ideologia, ficção e cinema, pega um pega geral

No site oficial do filme “Tropa de Elite”, em sessão de “comentários do

diretor”, José Padilha revela que é inconformado com injustiças sociais e que

tem por objetivo realizar trabalhos que, pela qualidade e tema abordados,

sejam utilizados por juízes, advogados, estudantes e outros grupos, como

instrumentos que promovam a discussão e transformação social

(tropadeeliteofilme.com.br, 2010).

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Entre tantos trabalhos, o de maior destaque, e talvez mais bem sucedido

na missão, é o próprio filme “Tropa de Elite”. O escritor e jornalista Walter

Lippman, faz a seguinte afirmação a cerca da ficção cinematográfica:

“Mas, de qualquer maneira, como Platão na discussão sobre os poetas,

sentem vagamente que os tipos adquiridos através da ficção tendem a ser

impostos à realidade. Dessa maneira, não pode haver dúvida de que o cinema

esteja construindo constantemente imagens que são, depois, evocadas pelas

palavras que as pessoas leem nos jornais. Em toda experiência da raça ainda não

houve ajuda a visualização comparável à do cinema.” (Lippmann, 1980, p. 157)

Podemos concluir a partir do que é revelado por Lippmann que “Tropa

de Elite” faz junção de combinações que podem tornar tudo bastante eficiente.

Propaganda ideológica (em sua três maneiras, representações, valores e

normas), ficção e cinema.

A propaganda ideologia, em duas das suas três vertentes, valores e

normas, que são expressões futuras, respectivamente do que deve ser e do

que deve ser feito, podem ser melhor expressadas por meio da ficção, já que

não visam representar ideais a respeito do que é realidade no momento.

Abrangendo a ficção, há então a possibilidade de um enorme campo de

trabalho, que quando utilizado sobre pano de fundo da própria realidade, ou

seja, a vertente representações, permite maior aceitação do ficcional (Eco,

1994, p. 91). Por fim, a transformação da ficção a realidade, ou, portanto, a

transformação da propaganda ideológica expressa em ficção a prática de

transformação social, dá-se eficientemente, segundo a afirmação de Lippman,

por meio do cinema, que constrói imagem que são, depois evocadas (trazidas

a realidade) como, por exemplo, pelas palavras que as pessoas leem nos

jornais. Corroborando, Garcia conclui:

“Uma vez definida, a ideologia serve como modelo para a compreensão

da realidade e guia orientador da conduta de todo o grupo e de cada indivíduo

em particular.” (Garcia, 1982, p. 4)

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O filme “Tropa de Elite” é o filme mais visto e mais comentado da história

do cinema brasileiro, consequentemente, e não por acaso, o filme de ficção

mais visto da história do cinema brasileiro. Então, pode ser que este seja, ao

menos em números, a propaganda ideológica mais eficiente do cinema

brasileiro.

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Referências

CAMEIRO, Marcelo. A realidade, só a realidade, Revista VEJA, edição 2030,

17 de outubro de 2007.

ECO, Umberto. Seis Passeios pelos bosques da ficção, São Paulo, Companhia

das letras, 1994.

GARCIA, Nelson Jahr. O que é propaganda ideológica, Abril, São Paulo, 1982.

LENHARO. O triunfo da vontade, Editora Ática, 1998.

LIPPMANN, Walter. Estereótipos. In SREIMBERG, Ch. (org.) - Meios de

Comunicação de Massa, Rio de Janeiro, Cultrix, 1980.

<www.tropadeleiteofilme.com.br> acessado em 21 de abril de 2010.