Ideia de Corporalidade Em Hegel
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A Idia de Corporalidade na Esttica de Hegel
Mrcia C. F. Gonalves
A insero da filosofia de Hegel na ampla corrente filosfica denominada
idealismo conduz, em geral, pressuposio de que em todo o sistema filosfico
hegeliano haveria basicamente um predomnio do valor atribudo idealidade em
detrimento daquele dado materialidade. De fato, s possvel superar esse e outros
pressupostos reducionistas que cercam as opinies superficiais sobre o hegelianismo,
quando se alcana uma compreenso mais completa do conceito hegeliano de idia
sem dvida, um dos mais difceis e complexos de todo o sistema. Tradicionalmente
associado ao pensamento subjetivo, esse conceito filosfico toma na filosofia de
Hegel um sentido inteiramente novo, que enfatiza exatamente sua efetividade
concreta. Entretanto, mesmo quando conseguimos atingir essa compreenso,
superando completamente o preconceito que associa imediatamente a idia
subjetividade abstrata ou ao pensamento subjetivo independente do mundo sensvel
exterior, resta sempre como tarefa ainda mais complexa entender a importncia da
materialidade para o sistema filosfico de Hegel. Em outras palavras: entender que a
idia, de acordo com a concepo hegeliana, deve necessariamente objetivar-se, no
exclui a dificuldade em descobrir que papel representa a matria sensvel nesse
processo de objetivao da idia. Felizmente podemos contar com uma ajuda
fundamental para o cumprimento desta difcil tarefa: o fato de Hegel ter elaborado e
exposto - em alguns cursos universitrios ministrados ao longo da dcada de vinte do
sculo dezoito, principalmente em Berlim uma Filosofia da Arte, a qual temos
acesso principalmente atravs da edio de Hotho intitulada Vorlesungen ber die
sthetik1. A importncia do estudo da Filosofia da Arte de Hegel para se entender a
relao entre o conceito hegeliano de idia com a materialidade, ou antes, para
1 Como se trata aqui to somente de avaliar de modo o mais essencial possvel a importncia da materialidade e, mais especificamente, da corporalidade no contexto da filosofia da arte de Hegel, com argumentos muitas vezes encontrados em obras outras alm dos Cursos sobre a Esttica, no nos ocuparemos com a discusso sobre a total autenticidade das vrias teses expostas no conjunto da obra editada por Hotho a partir de manuscritos de Hegel (hoje perdidos) e de transcries de alguns de seus alunos que tem sido levantada enfaticamente ao longo do desenvolvimento da pesquisa de nova editorao da Esttica coordenada pela professora Gethmann-Siefert. Utilizaremos portanto a edio ainda aceita da Esttica de Hegel, que serve de base para a recente e cuidada traduo brasileira de Marco Werle, com trs de quatro volumes j editados pela EdUSP.
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entender que a filosofia de Hegel no se reduz a um mero idealismo subjetivo, se
afirma em primeiro lugar porque a esttica por si s a esfera de reflexo filosfica
melhor capacitada a abrir as portas do pensamento especulativo para a materialidade,
para sensibilidade e em ltima, mas no menos importante instncia para a
corporalidade propriamente dita.
A descrio hegeliana sobre o corpo (Krper), que diga-se aqui ainda s
de passagem essencialmente o corpo humano, toma na filosofia da arte de Hegel
uma dimenso inesperadamente importante. Mas essa descrio deve ser
gradativamente acompanhada aqui, a partir de uma formulao mais universal, ou
seja, a partir da anlise da relao da forma corprea com sua prpria materialidade
sensvel.
Para compreender a questo da corporalidade no contexto da esttica
hegeliana necessrio iniciarmos pela anlise da relao dialtica entre dois elementos
fundamentais de toda a obra de arte: de um lado a chamada forma sensvel, de outro o
contedo da arte. O primeiro desses dois elementos constitui para empregarmos j
uma linguagem originalmente hegeliana o momento (ou seja: o plo
intrinsecamente articulado com seu plo dialeticamente oposto) da materialidade. O
segundo desses elementos significa o momento do conceito mesmo da arte, ou
melhor: da idia propriamente dita, que longe de ser um simples projeto pensado pelo
artista o contedo universal de toda a obra de arte ou da arte em geral. De um lado,
a forma de uma obra de arte est relacionada sua manifestao sensvel, enquanto
que, do outro lado, o contedo seria algo ligado idia que a obra manifesta.
A relao dialeticamente perfeita entre estes dois momentos da arte o
momento da forma e o momento do contedo descrita atravs do conceito
hegeliano de ideal - uma espcie de equilbrio real e efetivo entre a idia e sua forma
sensvel. O ideal , segundo Hegel, a manifestao adequada da idia no meio sensvel
e essa harmonia ou adequao desses dois momentos essenciais obra de arte
define inicialmente o conceito de belo na Esttica de Hegel. Obviamente, quando
falamos aqui em definio do conceito de belo, no nos expressamos em um sentido
estrito, posto que esse conceito (como, alis, todos os conceitos hegelianos
fundamentais) est longe de poder ser limitado atravs de uma ou vrias definies,
j que o belo, assim como o verdadeiro, expressa, acima de tudo, segundo Hegel, o
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absoluto ou o infinito, que, enquanto tal, (e isto para ns o mais importante!) no
perde sua absolutidade ou infinidade nesse ato de se determinar sensivelmente.
Entretanto, essa harmonia do belo descrita, por Hegel no significa uma
espcie de neutralizao de ambos os momentos constitutivos da obra. No se trata
de um encontro neutro, ou de uma mtua perda de identidade de ambas as partes;
tampouco (como pode facilmente parecer), de uma perda qualitativa da idia em sua
essencialidade, no momento de sua manifestao sensvel. certo que a idia se
transforma, mas essa transformao muito mais de ordem estrutural, e mesmo
quantitativa, do que propriamente qualitativa. Pois a manifestao da idia no sensvel
(que a tese fundamental da esttica hegeliana para descrever o fenmeno da beleza)
significa sua determinao ou sua objetivao como ser-a, que necessariamente
mltiplo. Enfim: no existe o belo sem manifestao; o belo portanto sempre obra
de arte bela, e conseqentemente beleza concreta.
Por outro lado, contudo, a adequao inerente ao fenmeno do belo, descrita
pelo conceito de ideal, nem sempre historicamente verdadeira ou completa. Isto
significa dizer que na histria da arte h tambm momentos de desequilbrio ou
desarmonia entre os dois elementos constitutivos da obra de arte, podendo existir
assim o predomnio ora de um, ora de outro.
deste modo descontnuo sem deixar de ser dialtico que acredito que se
deva ler a descrio histrico-conceitual sobre o fenmeno da arte exposta na
Esttica de Hegel. A partir dessa tese de que o belo no um fenmeno constante e
acabado na histria da arte, mas um processo que ora se realiza por completo, ora
no, conseguimos melhor compreender a descrio hegeliana do movimento dialtico
da arte no mundo real e fenomnico, de modo a estabelecer como parmetro um
muito especfico ponto de interseo entre a linha que aponta para a manifestao da
idia e o plano que sustenta o fenmeno da forma sensvel ou de toda a instncia da
materialidade. Esse parmetro do belo , entretanto, sujeito novamente a uma
relativizao, a partir do momento em que Hegel descobre que a relao de harmonia
ou de adequao, com a qual ele definiu inicialmente o ideal, de fato tambm
relativa. Essa relatividade do belo fundamentalmente histrica e ser assim
responsvel pela compreenso que Hegel constri das diferentes formas de arte.
Assim, por exemplo, na forma de arte que ele denomina simblica, Hegel
aponta para o predomnio da forma sensvel ou da materialidade sobre a idia, de
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modo que essa no pode manifestar-se de forma adequada e clara, mostrando-se
assim apenas indiretamente, de forma velada e obscura, atravs de smbolos. O
exemplo histrico mximo tomado por Hegel para descrever esse tipo de
manifestao de arte a pirmide egpcia2, que, em sua arquitetura de dimenses
gigantescas, possuiria a sobre-medida da matria em sua forma mais bruta a pedra
sobre a idia que ela misteriosamente oculta. A forma piramidal , por um lado,
reduzida, em sua pureza e simplicidade geomtricas, ao sentido que se eleva e aponta
para o alto, para o cu, para a luz, para o espao infinito; ao mesmo que, ao contrrio,
oculta, subterraneamente e no interior de sua imensa estrutura, um lado misterioso,
sombrio, labirntico. A pirmide o tmulo dos faras mumificados esses seres
materiais e materialistas, que mantm junto a si os bens e fortunas acumulados
durante suas vidas e, at mesmo, alimentos e objetos prosaicos utilizados para a
simples manuteno do corpo biolgico esse mesmo corpo que se pretende ento
preservar, a comear pela tcnica da mumificao. Tambm como exemplo
paradigmtico dessa forma de arte, pertencente mesma cultura e perodo histrico,
Hegel faz referncia a uma outra importante obra: a esfinge3.
Misturando o corpo humano ao corpo animal, a
esfinge exemplo tambm mximo da arte simblica,
por manter a idia do humano, ainda presa ao
aspecto natural e animal de sua corporalidade. Na
postura tpica da esfinge, como se a metade
humana, sua cabea e seios femininos, tentasse
elevar-se, descolar-se e libertar-se de sua metade ainda selvagem. Em uma passagem
da Filosofia da Histria de Hegel que descreve essa obra de arte simblica podemos
ver exposta a tese sobre o incio da evoluo histrica, cultural e poltica da espcie
humana como um esforo por elevar-se acima de seus instintos puramente animais:
Pode-se considerar a esfinge como um smbolo do esprito egpcio: a cabea humana, que olha para fora do corpo animal, representa o esprito em seu comeo, como elevando-se acima do natural, para arrancar-se do mesmo e olhar em torno de si, j mais livre, sem entretanto libertar-se por completo da priso.4
2 Cf. G.W.F. Hegel: Vorlesungen ber die sthetik, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1989, vol. I, p. 448ff; Cursos de Esttica (trad. Marco Aurlio Werle), EdUSP: So Paulo, 2000, vol. II, p. 78ff. 3 Cf. Idem, vol. I, p. 465; vol. II, p. 84f.4. G.W.F. Hegel: Philosophie der Geschichte. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1990, p. 246.
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Ilustrao Ilustrao 11
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Segundo Hegel, essa libertao espiritual de uma origem ainda animal que
em verdade deve ser entendida como uma unificao dialtica entre os dois momentos
elementares da obra de arte, postos ainda em tenso de oposio no simbolismo
somente ir se efetivar a partir da chamada forma de arte clssica, ou seja, na Grcia
antiga e, mais especificamente, atravs de algumas de suas importantes obras de arte.
Embora o grande exemplo escolhido por Hegel para demonstrar a efetivao histrica
do ideal na arte sejam as esculturas dos deuses olmpicos, em sua anlise sobre uma
figura da tragdia grega que encontraremos uma das mais importantes chaves para a
compreenso da idia de que a Grcia o momento histrico
propcio para a superao da obscuridade esttica presente no
smbolo e conseqentemente para a conquista inicial da
liberdade espiritual. O mito de dipo que narra o encontro
deste importante heri trgico com a esfinge um entre
outros momentos estticos clssicos que descrevem a auto-
superao do verdadeiramente humano, que sobretudo espiritual, sobre o ser
humano no incio de sua evoluo, ainda animalizado. A resposta de dipo ao enigma
proposto pela esfinge (Qual o animal que de manh tem quatro patas, tarde, duas
e noite trs?), a afirmao grega da superioridade do homem sobre a natureza5. A resposta do enigma, ao contrrio de apontar para um animal que sofreria estranhas
metamorfoses fsicas, suprimindo e adicionando patas ao seu corpo, aponta para a
espcie humana, que, ao vencer um estgio inicial de sua infncia, se eleva em sua
postura cervical ereta e, com o cansao da velhice, acaba curvando-se e necessitando
do auxlio de um cajado. A esfinge de fato anuncia a vitria do homus eretus sobre as
outras espcies e, sobretudo, do nico animal dotado de logos sobre o seu prprio
mistrio, sobre o smbolo que a esfinge incorpora.
A tenso existente no interior da obra de arte simblica to presente no
Oriente antigo, entre matria e forma, idia e manifestao sensvel, clareza e
obscuridade, e (se quisermos) finito e infinito, aparentemente suspensa pela arte
grega clssica, que alcana uma melhor harmonia entre ambos esses lados
fundamentais de toda a obra de arte.
5 Cf. G.W.F. Hegel: Vorlesungen ber die sthetik, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1989, vol. I, p. 466; Cursos de Esttica (trad. Marco Aurlio Werle), So Paulo: EdUSP, 2000, vol II, p. 85.
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Ilustrao 2
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Na denominada forma de arte clssica o corpo humano pela primeira vez
representado em sua perfeita anatomia e autonomia especialmente se compararmos a
expresso do corpo na arte grega clssica com aquela dos antigos egpcios, que
sacrificavam leis obviamente j conhecidas da anatomia humana em funo de uma
necessidade simblica de representar o homem em aes e funes determinadas.
Um bom exemplo disso so as figuras
egpcias de corpos humanos em que encontramos
algumas contradies anatmicas, como aquelas
pintadas nas paredes do tmulo de Thutakhamon
provinientes do ano de 1330 antes da nossa era.
Podemos reparar, entre outros detalhes, corpos
contendo duas mos esquerdas, troncos sempre
frontais, faces voltadas lateralmente, mas com
olhos vistos frontalmente e pernas e ps sempre
laterais6.
Nas antigas representaes gregas de figuras humanas, preservadas
principalmente nas pinturas de vasos da poca clssica, encontramos, pela primeira
vez, a arte da perspectiva, onde nem todas as partes do corpo precisam ser mostradas.
Um exemplo utilizado por Gombrich em sua Histria da Arte para ilustrar esse salto
qualitativo dado pela arte grega em relao arte egpcia antiga est no vaso assinado
por Exekias do estilo conhecido como figuras pretas de aproximandamente 540
anos antes de nossa era7. Embora os olhos de Aquiles e Ajax ainda tenham sido
pintados como vistos de frente, ao modo egpcio, observa-se j a preocupao do
artista em apresetar as figuras dos heris em uma
postura menos esquemtica e mais prxima de uma real
posio anatmica, curvadas e atentos que aparecem
sobre seu jogo de xadrez, mesmo sem abandonar suas
armas e vestimentas de guerra, pois afinal os gregos
sabiam bem a importncia da arte da estratgia
desenvolvida nesse jogo.
6 Sobre uma anlise mais detalhada do mtodo egpcio para representar a figura humana, Cf. E. H. Gombrich: The Story of Art. A Histria da Arte (trad. lvaro Cabral), LTC Editora, Rio de Janeiro 1999, p. 60 ff. 7 Cf. Idem, p. 81.
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Ilustrao 3
Ilustrao 4
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Mas o que est em jogo nessa nova imagem do corpo humano presente na arte
grega clssica - do ponto de vista no apenas da histria da arte, mas da histria da
humanidade em geral sob a perspectiva filosfica sustentada por Hegel - diz respeito
afirmao dos gregos antigos do homem como medida de todas as coisas.
Nesse sentido, devemos observar que aquela importante resposta que dipo
d esfinge significa muito mais do que uma afirmao da autonomia do corpo
humano; ela apresenta esteticamente uma antiga sabedoria divina dos gregos que ser
mais tarde adotada pelo filsofo, fortalecendo definitivamente o incio da filosofia:
trata-se da mxima apolnea conhece-te a ti mesmo!8. O que se inicia na tragdia
grega e se desenvolve com a filosofia antiga , exatamente, o processo da
autoconscincia. Esse processo transcende, por um lado, a conscincia meramente
corprea de si mesmo, ao mesmo tempo em que por outro lado se inicia com a
conscincia de que essa corporalidade humana se difere e muito da corporalidade
animal.
Mas antes que nos atemos ao entusiasmo de ver na Grcia antiga uma espcie
de pice da evoluo espiritual, importante dizer que a arte clssica ainda no ,
segundo Hegel, o momento onde o contedo da idia predomina sobre a forma
sensvel, ou onde a subjetividade atinge um nvel de interioridade, capaz de quase
dispensar a forma sensvel objetiva. Na verdade, do ponto de vista esttico, essa
possibilidade est longe de significar o ponto mais elevado da arte. Ao contrrio, o
predomnio da idia sobre a forma sensvel significa um novo desequilbrio, uma nova
ruptura da harmonia conquistada pela arte clssica.
De fato, esse momento do desenvolvimento da arte ser identificado
historicamente por Hegel a partir do perodo medieval cristo at a modernidade,
incluindo os movimentos artsticos de seu prprio tempo. Hegel denomina essa ltima
forma de arte, historicamente to persistente, atravs do adjetivo romantisch,
provavelmente para provocar em seus contemporneos alemes fundadores do
movimento esttico que intitularam Romantik9 a reflexo de que a pretensa
8 Cf. G.W.F. Hegel: Vorlesungen ber die sthetik, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1989, vol I, p. 466; Cursos de Esttica (trad. Marco Aurlio Werle), So Paulo, 2000: EdUSP, vol II, p. 85. 9 Hegel mantinha com o movimento esttico da escola romntica de Jena, especialmente com seus fundadores, os irmos Schlegel, uma relao no mnimo tensa, tendo expresso alguns comentrios crticos nada amistosos sobre eles. Talvez o mais incisivo seja o de sua Histria da Filosofia, onde, referindo-se a pretenso tipicamente romntica de inovar a filosofia dando-lhe uma linguagem potica, escreve sobre Friedrich Schlegel, que ele, ao contrrio de atingir a verdade, oscilaria entre a universalidade do conceito e a determinidade e indiferena de figuras que (transcrevendo aqui suas
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revoluo que acreditavam promover na histria da arte no passaria de uma
continuidade da tendncia iniciada com a ruptura da harmonia do ideal conquistada na
arte grega clssica.
Na chamada forma de arte romntica, o corpo humano novamente reduzido,
no ao esquema funcional do simbolismo, presente, por exemplo, na arte egpcia
antiga, mas bi-dimensionalidade sem volume de uma pintura crist que tem como
um de seus principais cones a figura de Jesus, cujo corpo representado acima de
tudo como expresso suprema da espiritualidade.
A arte passa quase que predominantemente a
servir como instrumento religiosidade10, e essa
integrao entre arte e religio se difere essencialmente
daquela que ocorria na forma de arte clssica, posto que
o corpo do deus grego era contedo da arte por sua
fora, beleza e infinidade, enquanto que o corpo do
deus cristo esteticamente exposto como um corpo
finito, um corpo que morre, e que atravs dessa sua
negatividade e finitude afirma a espiritualidade invisvel,
em uma dimenso alm da matria sensvel e
conseqentemente alm da obra de arte.
A arte romntica d inicio assim ao processo de subjetivao da arte, que
envolve necessariamente sua desmaterializao11. No por acaso que um tipo de
obra de arte romntica descrita por Hegel como mais caracterstica a msica12, onde
todo o material, todo corpreo parece dar lugar pura idealidade, extrema
espiritualidade.
Na forma de arte clssica, ao contrrio por situar-se no meio termo entre as
duas formas extremas de desequilbrio dos elementos fundamentais da obra de arte,
ou seja: entre o simblico, presente na arte oriental antiga, e o romntico, presente
nas obras de arte medievais e modernas no haveria, segundo Hegel, nem o
irnicas e conhecidas palavras) no so nem peixe, nem carne, nem poesia, nem filosofia (... die weder Fisch noch Fleisch, weder Poesie noch Philosophie sind") (G.W.F. Hegel: Geschichte der Philosophie, vol. III. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1993, p. 417). 10 Cf. G.W.F. Hegel: Vorlesungen ber die sthetik, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1989, vol II, p. 142ff; Cursos de Esttica (trad. Marco Aurlio Werle), So Paulo, 2000: EdUSP, vol. II, p. 265ff. 11 Cf. Idem, vol. II, p. 127ff; vol. II, p. 249ff. 12 Cf. Idem, vol. III, p. 131ff; vol. III, p. 277ff.
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Ilustrao 5
Ilustrao 6
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predomnio da matria sensvel sobre o contedo da idia, nem a sobre-medida da
idia ou da interioridade subjetiva sobre a forma material. A arte clssica constitui
ento, segundo Hegel, a perfeita realizao do ideal, enquanto unidade adequada
entre idia e forma sensvel13. E por isto que a representao esttica do corpo
humano to importante na arte clssica.
No perodo histrico da arte grega, acontece um fenmeno fundamental que
ainda estaria ausente na arte simblica e que caracteriza para Hegel o incio da arte
propriamente dita. Trata-se da antropomorfizao da divindade14 um processo que
s pode ser plenamente compreendido atravs do simples, mas definitivo, fato de que
o deus grego possui - ao menos em suas representaes estticas (e elas so de fato a
nica e verdadeira fonte de acesso ao divino) um corpo humano15. Isto se efetiva
especialmente quando essas representaes estticas ganham o espao tridimensional
da obra de arte plstica16, ou seja: quando o deus esculpido, ou quando as esculturas
dos deuses ao contrrio das formas corpreas mistas com a animalidade dos deuses
antigos orientais, e mesmo das figuras divinas gregas mais primitivas se erguem
firmes e altivos com seus individualizados corpos humanos, sejam eles masculinos ou
femininos.
Quando Hegel faz referncia arte plstica dos antigos
gregos, como realizao do belo, ele tem em mente basicamente
um perodo especificamente clssico da histria da escultura grega
antiga - um perodo que produziu principalmente as mais
conhecidas esttuas de mrmore dos deuses olmpicos. O corpo
material do deus grego pensado por Hegel o corpo de mrmore.
E o mrmore imediatamente a matria mais bruta existente; a
mais dura; a mais fria; a mais imediatamente distinta do corpo
orgnico do homem. Entretanto, o fascnio desperto por essas
imagens concretas est exatamente na possibilidade que elas nos
oferecem de suspender a apreenso sensvel imediata da pedra e imaginar no corpo de
mrmore o mesmo calor e maciez do corpo humano. A suavidade de cada gesto, ou
13 Cf. G.W.F. Hegel: Vorlesungen ber die sthetik, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1989, vol II, p. 25ff; Cursos de Esttica (trad.Marco Aurlio Werle), So Paulo, 2000: EdUSP, vol. II, p. 166ff. 14 Cf. Idem, vol. II, p. 73; vol. II, p. 205. 15 Cf. Idem, vol. II, p. 84; vol. II, p. 214.16 Cf. Idem, vol. II, p. 366ff; vol. III, p. 114ff.
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Ilustrao 7
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mesmo a energia de cada ato de luta representado por essas esttuas to realista que
nos faz superar a imediatidade de uma percepo sensvel, dando a impresso de que
esses corpos esculpidos pulsam e vivem.
A arte bela ento para Hegel a arte realista, a arte que nos leva a crer que
aquilo que representado o corpo humano real, vive. Por outro lado, esse
perfeito realismo, s possvel, porque ele constitudo atravs de um processo de
formao da prpria idealidade. Esse processo denominado por Hegel de
idealizao do sensvel. A arte bela ento, para Hegel, arte ideal. Mas preciso
compreender exatamente o que significa idealizao do sensvel. No caso da
escultura, a idealizao pode ser compreendida em duas dimenses. A primeira a
prpria espiritualizao da matria sensvel, ou seja, uma espcie de transformao,
no sentido do termo Umbildung, empregado por Hegel, que, alm de mudana de
forma, significa reorganizao, mudana estrutural, mudana de ordem. Assim, a
mudana da forma bruta da pedra em forma humana da escultura, que a prpria
formao da obra, a reorganizao da matria sensvel em esprito. Vale aqui ainda
lembrar que os termos Bilden ou Bildung, usados por Hegel para descrever o
trabalho do artista muitas vezes traduzido como formao e cultura. Desse modo, o
trabalho do escultor clssico muito mais do que uma mera mediao na mudana de
forma da pedra, pois essa transformao de fato espiritualizao da matria,
idealizao. E esse artista, por sua vez, s capaz de realizar tarefa to grandiosa e
importante, porque ele o prprio esprito, o esprito de seu prprio povo, o esprito
da Grcia antiga:
O esprito grego o artista plstico, que forma (bildet) a pedra em obra de arte. Nesse formar (Bilden), a pedra no permanece mais uma mera pedra e no traz em si mesma apenas exteriormente a forma (Form), ela , ao contrrio de tal modo (so) transformada (umgebildet) e tornada (gemacht) - tambm contra a sua natureza - em expresso do esprito.17
A outra dimenso da idealizao ou espiritualizao da matria sensvel
atravs da plstica clssica diz respeito prpria corporalidade j formada, pois o
corpo humano do deus grego j um corpo ideal, ou seja, um corpo apresentado
livre das contingncias naturais que afetam um corpo humano vivo contingente.
como se, ao esculpir a esttua do deus, o artista no estivesse apenas lapidando os
17 G.W.F. Hegel: Vorlesungen ber die Philosophie der Geschichte. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1990, p. 293 f.
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inmeros ngulos obtusos e imperfeitos da pedra, dando a ela suavidade, esfericidade
e maciez, mas tambm lapidando as imperfeies caractersticas de um corpo humano
em sua constituio natural.
As maiores provas encontradas por Hegel do processo de idealizao do
natural realizado intencionalmente pelo prprio artista ao esculpir o deus esto em
certos detalhes da forma, localizados (no por acaso) na face - espao fsico que
concentra os rgos mais espirituais do corpo humano. O primeiro desses detalhes a
linha quase vertical do nariz das esculturas gregas clssicas, que muitas vezes foi
interpretada como um trao natural especfico de um grupo tnico supostamente
predominante entre os gregos. Mas segundo Hegel, ao representar a cabea humana
com esse trao, o artista estaria reforando a diferena entre o ser humano (em geral)
e o animal, pois uma das grandes diferenas entre a cabea humana e a cabea de
grande parte dos animais exatamente a horizontalidade desse trao18.
Outra prova da idealidade do corpo do deus esculpido encontrada por Hegel
na forma da boca dessas esttuas. Segundo ele, mesmo quando o artista a representa
de forma entreaberta, nunca permite que se mostrem os dentes, o que significa que
sua inteno era revelar no a funo animal desse rgo - a mastigao, ou o ato de
comer -, mas a sua funo exclusivamente espiritual, para a qual a boca se abriria: a
fala19.
Um terceiro detalhe para demonstrar a idealidade do
corpo do deus esculpido, e ainda localizado na face, so os olhos.
Segundo Hegel os olhos dos deuses de mrmore so cegos20. Ele
at considera a possibilidade histrica de que as esttuas gregas
teriam sido originalmente pintadas ou incrustadas com pedras
preciosas, mas prefere considerar que o aspecto dos olhos das
esculturas gregas pertencentes ao perodo propriamente clssico
sugere a ausncia de um sentido em sua forma meramente externa, promovendo assim
um afastamento do deus esculpido em relao prprio mundo sensvel em sua
imediatidade. Alm disso, ele percebe um certo recuo anti-natural dos olhos na face, o
18 Cf. G.W.F. Hegel: Vorlesungen ber die sthetik, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1989, vol II, p. 383f; Cursos de Esttica (trad. Marco Aurlio Werle), So Paulo, 2000: EdUSP, vol. III, p. 127f. 19 Cf. Idem, vol. II, pp. 387 e 393f; vol. III, pp. 129 e 134f.20 Cf. Idem, vol. II, p. 388f; vol. III, p. 130f.
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Ilustrao Ilustrao 88
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que demostraria a necessidade de acentuar um carter de interioridade. como se o
deus esculpido no olhasse para fora, mas voltasse o seu olhar para si mesmo, como
se ele refletisse:O perfil grego no pode ser considerado como uma forma (Form) apenas exterior ou contingente, ao contrrio: o ideal de beleza se faz presente em e para si, primeiro, porque ele apenas aquela formao do rosto (Gesichtsbildung), na qual a expresso do espiritual coloca o mero natural totalmente em segundo plano, e, segundo, [porque] na maioria das vezes, se retira da contingncia da forma (Form), sem mostrar uma mera conformidade a leis (Geseztmaigkeit), nem excluir toda e cada individualidade21.
Os trs exemplos so obviamente questionveis como provas histricas
concretas para demonstrar a aparente tese sobre a intencionalidade do artista.
Poderamos at afirmar que eles no passariam de projees do prprio filsofo da
arte. Mas justamente nesse sentido, que eles so extremamente interessantes como
ilustrao da compreenso hegeliana sobre a idealidade do corpo representado de
forma bela pela arte. O corpo s pode ser belo se ele for representado idealmente, ou
seja: artisticamente, j que o conceito mais forte de beleza da filosofia da arte de
Hegel se concentra na esfera espiritual e absoluta da arte e no no nvel da natureza
imediata. Essa ltima definio parece ento fechar um certo crculo dialtico,
iniciado com aquela primeira definio de ideal. Vejamos se conseguimos
reproduzir esse crculo atravs de uma descrio simplificada do desenvolvimento
dialtico desse conceito em cinco momentos:
a) O belo ideal a manifestao sensvel adequada da idia; b) A nica forma
material sensvel existente no mundo capaz de revelar imediatamente o esprito ou a
idia o corpo humano; g) O ideal s se realiza completamente atravs da
corporificao antropomrfica da idia ou do contedo divino, ou seja, na bela
escultura do deus, que transpe a forma natural viva e espiritual por excelncia para a
natureza imediatamente inanimada; d) O corpo humano s belo, quando apresentado
de forma ideal, ou seja, no como corpo natural, mas como corpo espiritualizado,
unificado e harmonizado com a idia; e) O ser humano realiza o ideal quando sua
natureza alcana a unificao entre corpo e idealidade, tornando-se esprito
autoconsciente que intui arte, ou seja, que transforma ou idealiza a forma natural em
obra de arte.
21 Cf. G.W.F. Hegel: Vorlesungen ber die sthetik, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1989, vol II, p. 387; Cursos de Esttica (trad. Marco Aurlio Werle), So Paulo, 2000: EdUSP, vol. III, p. 131.
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Embora o desenvolvimento do conceito de belo ao longo da filosofia da arte
de Hegel seja um complexo processo dialtico que envolve muitas contradies, cuja
descrio mais profunda no caberia aqui22, possvel concluir que a interpretao
mais completa do conceito de obra de arte bela presente na esttica hegeliana consiste
no que eu denomino de co-presena do espiritual e do natural, uma estrutura que
aparentemente contradiz uma certa lgica exposta inicialmente na esttica, cujo
sentido principal aponta para um processo fortemente hierrquico, enquanto
suprassuno gradativa do nvel menos espiritual pelo mais espiritual, ou, ao menos,
enquanto elevao a um nvel superior de conciliao dessa contradio. Na forma de
arte clssica descrita como momento de realizao do ideal, h - a meu ver - um
convvio no hierrquico dos dois elementos, o que insurge na prpria contradio do
conceito hegeliano de belo ideal. Essa contradio, longe de ser um erro lgico
racionalmente apresentada como constituinte do prprio fenmeno do belo. Na
verdade, a convivncia harmnica do divino e do sensvel no fenmeno mesmo da
obra de arte ideal comporta, contraditoriamente, tambm uma espcie de tenso
interna entre a espiritualidade e a matria, o que por sua vez constitui o que eu
denomino de uma dupla natureza, a qual caracteriza no apenas a obra de arte em
geral, mas tambm e acima de tudo a prpria essncia humana. O conceito hegeliano
de Trauer - que pode ser traduzido como luto ou simplesmente tristeza -
utilizado para descrever uma espcie de essncia pr-trgica do deus esculpido, revela
essa tenso interna ou contradio imanente ao ideal. Os deuses bem-aventurados se entristecem (trauern), ao mesmo tempo, com a sua bem-aventurana e a sua corporalidade (Leiblichkeit), l-se em sua figurao (Gestaltung) o destino que se lhes antecipa e cujo desenvolvimento - enquanto penetrao efetivamente real daquela contradio (Widerspruchs) entre a elevao (Hoheit) e a particularidade; entre a espiritualidade e o ser-a sensvel (sinnlichen Dasein) - conduz a arte clssica de encontro sua decadncia.23
A interiorizao do deus esculpido na matria sensvel descrita por Hegel
ora como sinal de sua espiritualidade, ora como um modo de aprisionamento do
esprito infinito na natureza to finita da pedra. O deus esculpido assim a
repetio esttica da imagem mitolgica de Prometeu acorrentado: um deus
22 De fato, essa foi uma das tarefas de minha pesquisa de doutorado desenvolvida em Berlim sob orientao do Prof. Walter Jaeschke e publicada com o ttulo de O Belo e o Destino, em 2001, pelas Edies Loyola. 23 Cf. G.W.F. Hegel: Vorlesungen ber die sthetik, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1989, vol II, p. 86; Cursos de Esttica (trad. Marco Aurlio Werle), So Paulo, 2000: EdUSP, vol. II, p. 216.
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eternamente aprisionado na rocha. como se, atravs do fenmeno da beleza, a
divindade, ou logicamente falando a idia, perdesse a alegria ou a bem-
aventurana de sua abstrao eterna (enquanto mera idia de deus, ou como sua
representao religiosa), ganhando por outro lado e ao mesmo tempo em beleza
infinita. desde modo, que eu acredito ver surgir na esttica de Hegel a primeira e
mais fundamental transformao do conceito de belo ideal: a partir do surgimento do
que eu denomino de belo triste um precursor do belo trgico. Pois o deus
esculpido assim como o deus Prometeu j o germe do heri trgico, que, ao
elevar ao mximo o processo de antropomorfizao do contedo divino da arte,
torna-se homem em seu sentido mximo enquanto ser submetido ao destino de ter
em si uma dupla natureza (a espiritual e a sensvel) , penetrando e inaugurando na
arte o processo de autoconscincia do esprito em sua manifestao no mundo.
Do ponto de vista de sua forma, a tragdia a entrada em cena do ator, do
homem vivo, que no apenas empresta o seu esprito para representar a tragdia do
destino humano em sua essencialidade, mas que est presente com seu prprio corpo,
em movimento e ao. O corpo vivo do ator trgico , em sua origem clssica,
revestido ainda por mscara, a qual promove uma continuidade da obra de arte
plstica ideal. Mas essa mscara no tem a funo de idealizar um corpo finito, e sim
contraditoriamente de exacerbar sua finitude. Por outro lado, o movimento e a
dramaticidade do corpo do ator, longe de libertar a idia de sua priso ao sensvel
que caracterizava o deus esculpido (o que se poderia supor se o processo de
idealizao fosse um progresso contnuo), agravam a sua bela tristeza, transformando-
a em beleza trgica.
Nesse sentido, possvel compreender o conceito hegeliano de belo no mais
apenas em sua estaticidade plstica, e sim como impelido dialeticamente a mover-se
atravs da historicidade revelada pelas diferentes manifestaes de obras de arte. O
reconhecimento da historicidade da arte por um lado o reconhecimento de sua
finitude, de seu fim como arte bela ou ideal; mas por outro lado tambm o
reconhecimento de seu infinito movimento no mundo real e efetivo das finitudes. Esse
duplo reconhecimento s possvel, na medida em que se aceita a transformao do
prprio conceito hegeliano de belo. Ele como o habitar do deus infinito no homem
mortal, que gera uma espcie de tristeza bela, caracterstica do incio da
autoconscincia espiritual. O fenmeno da beleza trgica significa seguindo essa
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mesma razo dialtica - o momento de superao de um ideal esttico de harmonia e
reconciliao, onde, pela primeira vez na histria da arte, se acolhe e se aceita a
contra-posio da desarmonia, da morte, do feio de forma no menos bela. Mas essa
nova forma de beleza no mais to evidente. A mscara portada pelo ator trgico
ao contrrio da face ideal do deus esculpido no imediatamente bela, j que o
espelho da dor humana, o eco do grito de um ser mortal, que reivindica sua
imortalidade. Mas essa imortalidade alcanada atravs da prpria realizao da obra
de arte.
Se, por um lado, corporalidade sensvel da escultura sobrevive alm da
corporalidade humana meramente natural pois que, afinal, a esttua no uma
mmia , a partir da tragdia (do teatro), essa corporalidade atinge um grau ainda
mais profundo de infinidade, pois a idia (o personagem) se incarna nos corpos
mltiplos dos diferentes atores, provando assim no apenas sua infinidade mais
prpria, mas tambm a infinidade da materialidade prpria (alcanada atravs) da arte.
A beleza trgica que ainda se mostra eternamente atual, na medida em que o
ser humano continua vivendo o drama de sua existncia contraditria sobrevive,
efetivando-se continuamente, como um deus imortal, atravs dos corpos mortais dos
atores do teatro.
Referncias:
Hegel, Gorg Wilhelm Friedrich: Vorlesungen ber die sthetik (I, II e III). In Werke [in 20 Bnden] (Bd. 13, 14, 15). Frankfurt am Main: Suhrkamp 1989-1990.
__________________________: Cursos de Esttica (I, II e III). Trad. Marco Aurlio Werle. So Paulo: EdUSP 2000 2001.
__________________________: Philosophie der Geschichte. In Werke [in 20 Bnden] (Bd. 12). Frankfurt am Main: Suhrkamp 1992.
__________________________: Geschichte der Philosophie (III). In Werke [in 20 Bnden] (Bd. 20). Frankfurt am Main: Suhrkamp 1993.
Gombrich, Enst H.: A Histria da Arte. Trad. lvaro Cabral, Rio de Janeiro: Livros Tcnicos e Cienficos Editora 1999.
Gonalves, Mrcia C.F.: O Belo e o Destino. Uma introduo Filosofia de Hegel. So Paulo: Edies Loyola 2001.
ndice das Ilustraes:
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Ilustrao 1: Relevo de Akhenaten como Esfinge. Relevo em pedra do perodo da 18 dinastia do Egito (1349-1336 a C). Egyptian New Kingdom Gallery.
Ilustrao 2: dipo e a Esfinge. Vaso no estilo de figura preta (470 a 460 a. C.). Museo Etrusco, Vaticano.
Ilustrao 3: Pintura de parede do tmulo de Thutakhamon do perodo de 1330 a. C. Museu Egpcio do Cairo.
Ilustrao 4: Aquiles e Ajax jogando damas. Vaso no estilo de figura preta, assinado por Exekias, do perodo clssico (aproximadamente 540 a. C.). Museo Etrusco, Vaticano.
Ilustrao 5: Alonso Cano: The Dead Christ Supported by na Angel (1646-52). Museo del Prado, Madrid.
Ilustrao 6: Apolo de Belvedere. Escultura em mrmore de c. 350 a. C. Cpia romana em mrmore segundo uma esttua grega original. Museu Pio Clementino do Vaticano.
Ilustrao 7: Cabea de Hgia (deusa da sade). Escultura de mrmore do templo de Atena Alea, em Tegea, atribuda ao escultor Scopas de Paros, de c. 360 a. C. Museu Arqueolgico National de Atenas.
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