Idade Média e Igreja Católica - Oque Não Nos Ensinaram

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    COLÉGIO SINODAL DA PAZ

    VINÍCIUS ENDRES SANDER

    CARLA CRISTINA PEDROZO DA SILVA

    IDADE MÉDIA E IGREJA CATÓLICA: O QUE NÃO NOS ENSINARAM

     Analisando a Inquisição, a Terra quadrada, a Venda de Indulgências, e outrasestórias.

    Novo Hamburgo

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    VINÍCIUS ENDRES SANDER

    IDADE MÉDIA E IGREJA CATÓLICA: O QUE NÃO NOS ENSINARAM

     Analisando a Inquisição, a Terra quadrada, a Venda de Indulgências, e outrasestórias.

    Trabalho de conclusão apresentado ainsituição de ensino Colégio Sinodal da Pazcomo requisito parcial para finalização dosegundo grau (ensino médio)

    Orientador: Carla Cristina Pedrozo da Silva

    Novo Hamburgo

    2015

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    Dedico este trabalho a dois grupos de pessoas: aqueles que se empenhamem mostrar e estudar a verdadeira história, e aos que se empenham napropagação de mentiras ou simplesmente negam a verdade. Aos primeiros,o mundo precisa de mais pessoas que ajam assim. Aos outros, que a luzque o conhecimento proporciona possa ser maior do que a vontade de

    manter seus paradigmas e crenças. O verdadeiro trabalho do historiadornão é manipular a história para defender ideologias ou crenças de suapreferência, mas estudar os acontecimentos e entendê-los em seu cursonatural.

    “A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original.” –   Albert Einstein.

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    RESUMO

     A Idade Média é um período importantíssimo da história humana (do século V aoséculo XV, ou seja, 1000 anos), no qual a Igreja Católica Apostólica Romana foi a

    personagem mais importante do mundo ocidental. Ao longo da história, essesséculos foram difamados pelos mais diversos motivos, normalmente com o intuito deatacar a Igreja ou as religiões em conjunto. Atualmente, estudos já mostraram averdade sobre as mais diversas farsas contadas acerca do tempo medieval, e osfatos mostram que esse período teve grande importância, beleza, e contribuiçãopara a humanidade. Infelizmente, esses estudos ainda não chegaram ao meiopopular. Diante disso, este trabalho reúne as pesquisas de diversos historiadores eestudiosos, e apresenta de maneira simples explicações sobre o que é mito e o queé verdade (e no caso do mito, porque ele foi criado).

    Palavras-chave: Idade Média – Igreja - mitos

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    RESUMÉN

    La Edad Media es un periodo importantísimo de la historia humana (del siglo V hastael siglo XV, o sea, mil años), en el cual la Iglesia Católica Apostólica Romana fue el

    personaje más importante del mundo occidental. A lo largo de la historia, eses siglosfueron difamados por los más distintos motivos, normalmente con la meta de atacarla Iglesia o las religiones en general. Actualmente, estudios mostraron la verdadsobre las diversas farsas contadas sobre el tiempo medieval, y los factos muestranque ese periodo tuvo gran importancia, belleza y contribución para la humanidad.Infelizmente, eses estudios todavía no llegaron al conocimiento popular. Así, esetrabajo reúne las pesquisas de muchos historiadores y estudiosos y presenta demanera sencilla explicaciones sobre lo que es mito y sobre lo que es verdad (y en elcaso del mito, porque fue creado).

    Palabras llaves: Edad Media- Iglesia- mitos

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     ABSTRACT

    The Middle Ages is a very important period of human history (the fifth century to thefifteenth century, i.e. 1000 years), where the Roman Catholic Church was the most

    important character of the Western world. Throughout history, those centuries werevilified for various reasons, usually in order to attack the Church or the religions ingeneral. Currently, studies have shown the truth about the various farces told aboutthe medieval time, and the facts show that this period was very important, beauty andcontribution to mankind. Unfortunately, these studies have not yet reached thepopular media. Thus, this work brings together the research of many historians andscholars, and presents simple explanations of what is myth and what is true (and inthe case of myth, why it was created).

    Keywords: Middle Ages – Church - Myths

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    SUMÁRIO

    1.  INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 8

    2. LANÇANDO LUZ SOBRE A “IDADE DAS TREVAS” ............................................................ 9

    2.1. A MULHER MEDIEVAL ......................................................................................................... 172.2. O SERVO MEDIEVAL............................................................................................................ 20

    2.3. O PERÍODO RENASCENTISTA .......................................................................................... 22

    3.  VENDA DE INDULGÊNCIAS ............................................................................................... 28

    4. GALILEU GALILEI E A TERRA PLANA ................................................................................. 33

    4.1. A VERDADE SOBRE GALILEU ........................................................................................... 35

    4.2. O HELIOCENTRISMO ........................................................................................................... 36

    4.3. O “JULGAMENTO” ................................................................................................................. 40

    4.4.   A CONSEQUÊNCIA DA MENTIRA ................................................................................. 43

    5. A SANTA (?) INQUISIÇÃO ....................................................................................................... 45

    5.1.  OS ANTECEDENTES DA INQUISIÇÃO: O CAMINHO ROMANO ............................ 46

    5.2.   A HERESIA CÁTARA ........................................................................................................ 50

    5.3.   A CRIAÇÃO DA INQUISIÇÃO .......................................................................................... 55

    5.4.   A QUESTÃO DA BRUXARIA ........................................................................................... 60

    5.5.  O DISSOLVIMENTO DA INQUISIÇÃO ........................................................................... 65

    5.6.   A (NADA FAMOSA) INQUISIÇÃO PROTESTANTE .................................................... 66

    7.  IGREJA E ESCRAVIDÃO ..................................................................................................... 74

    7.1.  CRIATURAS SEM ALMA? ................................................................................................ 74

    7.2. A POSIÇÃO DA IGREJA CONTRA A ESCRAVIDÃO ...................................................... 78

    7.3. A ESCRAVIDÃO NO BRASIL E A ATUAÇÃO DO CATOLICISMO................................ 80

    8.  PORQUE MENTIR SOBRE HISTÓRIA .............................................................................. 83

    8.1. A CULPABILIDADE ILUMINISTA ........................................................................................ 87

    8.2. A SOLUÇÃO ............................................................................................................................ 90

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    1. INTRODUÇÃO

    Neste trabalho será explanada a importância do período medieval e

    desmentidos os diversos mitos acerca deste tempo e também acerca da Igreja

    Católica. Simultaneamente, será explicado o início de cada uma das mentiras, e

    o motivo pelo qual foram criadas ou acreditadas.

     A escolha deste assunto se deu pela necessidade de expor a verdade, visto

    que apesar de existir grande material sobre o assunto e de que a verdade já é

    conhecida no meio acadêmico, o meio popular e escolar continuam carentes de

    atualização sobre estes tópicos.

    Cada capítulo trata sobre uma das polêmicas medievais ou católicas (ou

    como no caso de alguns mitos, episódios que são associadas ao catolicismo ou

    ao tempo medieval, mesmo sem pertencerem a estes), que diariamente são

    reafirmadas e acreditadas até mesmo por pessoas com formação e instrução.

    Será trabalhada também a extensão das mentiras e também a possibilidade

    de solução dessa problemática.

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    2. LANÇANDO LUZ SOBRE A “IDADE DAS TREVAS” 

    Quando se fala em idade média, o mais comum a se esperar de pessoas que

    não estudaram a fundo esse período é o pensamento de um tempo de trevas, onde

    a Igreja Católica Apostólica Romana dominava toda sociedade, desde o estado

    (reinado, nesse caso) até a ciências e toda produção cultural, e portanto as coisas

    não ganhavam espaço para a evolução. O período que vai do século V ao século

    XV, ou seja, mil anos, mas que não tiveram nenhum avanço significativo. A maior

    parte do mundo acredita que os fatos acima sejam verdade, e as produções

    cinematográficas, literárias, entre outras do século XXI, não conseguem desmentir

    os mitos criados sobre a dita “Idade das Trevas” (essas produções só agravam e

    reafirmam as mentiras).

     Ainda assim, grandes autores se dedicaram a estudar a fundo esses séculos

    e não só repetir que eram tempos obscuros, e estes surpreenderam não só a eles

    mesmos, mas também ao resto do mundo acadêmico com suas descobertas (comoDaniel Rops, Régine Pernoud, Thomas Woods, Jacques Le Goff, e outros, que

    chegaram a ganhar prêmios pelos seus trabalhos excepcionais e únicos).

    Tendo em vista que mesmo hoje (na era da informação) a maior parte da

    sociedade continua sem saber a verdade, é preciso expor os fatos, pois a grande

    crença é de que a culpa de toda essa época de ignorância (se é que existiu) é daIgreja Católica, que teria reprimido o homem e o avanço da sociedade.

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    “É difícil para o homem de hoje compreender como era a vida na IdadeMédia. Em meio aos escombros da queda do Império romano, a Igreja setornou o único refúgio para as populações desorientadas, feridas,

    amedrontadas, a única fonte de cultura, de progresso, de proteção, demoral, de esperança, de vida. Sem a tutela da Igreja havia um vácuo e odesamparo. Basta percorrer a Europa ainda hoje para se ver nas ruas, nascatedrais, nas universidades, nas praças, nos castelos, nos mosteiros, aherança da Igreja mostrada nas artes, na arquitetura, na cultura, na música,etc. Essa fé religiosa profunda e esse amor fiel à Igreja fez multidões demoças e rapazes deixarem seus lares para viver a vida religiosa emmosteiros e se alistarem nas Cruzadas e nas sagradas Cavalarias.”(AQUINO, 2009, p. 38)

    Em primeiro lugar, a respeito da sociedade medieval, é preciso descontruir o

    pensamento comum de que todos viviam em um enorme convento e eramtotalmente fanáticos, que os cidadãos não podiam sequer pensar sobre ciência,

    filosofia ou sexualidade, somente religião. Algumas das produções poéticas da

    época, já servem para mostrar a verdade, como o poema III de Guillerme IX da

     Aquitânia. O escrito fala sobre a vagina, “que deve ser bem tratada e muito utilizada,

    pois é como o bosque podado: sempre cresce com renovado vigor”. O pensamento

    comum é de que as produções poéticas ou avanços significativos eram feitos só por

    pagãos (muito se fala no avanço dos árabes, mas se menospreza os avançoseuropeus durante a Idade Média, que são muito maiores do que o do mundo

    ocidental), mas isto não é verdade. No caso da sexualidade, o poema de Guilherme

    IX já mostra que a situação não é exatamente essa, mas que na verdade a

    população era cristã, e se não falava de sexo da maneira que se falou nos séculos

    que sucedem o tempo medieval, é por que agir dessa forma não estava de acordo

    com a ética e moral dos cidadãos, e não por que seriam mortos pela Igreja caso

    abrissem as bocas para falar sobre sexo. De fato, a própria sociedade desaprovaria

    quem agisse dessa forma.

    Outra grande questão que está sempre repercutindo é de que “a Igreja

    privava as pessoas do conhecimento”. Escuta-se ainda, que se não fosse pelo

    catolicismo o homem já estaria na era espacial. Este é talvez o maior mito acerca da

    Igreja Católica, mas também o mais fácil de refutar, pois basta olhar para o mundo

    atual e enxerga-se o reflexo do mundo medieval, pois boa parte do conhecimentoque temos hoje sobre o mundo antigo foi nos trazido pelo zelo da Igreja. Foi durante

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    o período medieval que os monges criaram as bibliotecas em seus mosteiros, e com

    grande esforço copiaram textos e livros tanto cristãos quanto pagãos, para que se

    conservassem. Acredita-se que nem todos entendiam o que copiavam, e se isso for

    verdade, revela que estes monges eram movidos acima de tudo por uma vontade de

    preservar o patrimônio do conhecimento, longe de depreciar o saber, como muitos

    acreditam. Uma figura que é prova disso é Flávio Magno Aurélio Cassiodoro, escritor

    e estadista romano que se recolheu no mosteiro romano de Vivarium no século VI, e

    encorajou a cópia de manuscritos religiosos e seculares, dando instruções

    importantes na maneira de como deveria ser feito esse trabalho, para que não se

    perdesse nada na transcrição dos escritos. Dentro desses mesmos mosteiros

    surgiram escolas para a educação de leigos no período da Alta Idade Média, quandomonges e freiras se viram obrigados a exercer papéis que não estavam previstos,

    tais como enfermagem e treinamento de lavradores em novas técnicas agrícolas. De

    fato, os primeiros farmacêuticos ocidentais foram os monges, devido ao cultivo de

    ervas medicinal nos jardins dos mosteiros. Em pouco tempo, conventos e mosteiros

    criavam enfermarias, orfanatos e escolas.

     A Idade Média se divide em dois períodos de tempo, respectivamente: alta e

    baixa Idade Média (alguns historiadores consideram um terceiro período no meio

    destes, a “média Idade Média”). Os primeiros passos em direção ao sistema de

    universidades que existe hoje foram dados na Baixa Idade Média (séculos XI a XV),

    quando os bispos começaram a criar as escolas das catedrais, que se diferenciavam

    das escolas dos mosteiros por terem um conhecimento mais avançado a oferecer. A

    PhD em história Diane Moczar (2012), explica que esse desenvolvimento só foi

    possível com o fim das invasões estrangeiras e o renascimento econômico do

    século XI. Essas universidades das catedrais atraíam estudantes de lugares

    distantes por oferecem um currículo mais avançado. Diferente do que se acredita,

    não era ensinada só teologia nas universidades (em Paris houve de fato uma

    universidade voltada para estudo teológico, porém todas incluíam gramática, lógica,

    retórica, matemática, música e astronomia). O jornalista Rodrigo Constantino

    observa em uma matéria publicada na revista VEJA (03-04-2015) sobre o período

    medieval, que se a população fosse puramente supersticiosa como alguns afirmam, jamais iria se reunir em grupos para debater sobre os mais diversos temas, em

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    busca da verdade e de mais conhecimento. O saber era tão valorizado que

    grandes inovadores surgiram no período medieval, e nunca foram proibidos pela

    Igreja de prosseguir seus estudos ou trabalhos, exemplos como Duns Scott, São

    Tomás de Aquino, São Boaventura (que criticou o sistema monárquico, e em vez de

    ser reprendido pela igreja, foi canonizado), Pedro Abelardo, Roger Bacon

    (franciscano desenvolvedor da ciência de ótica), Santo Alberto Magno (primeiro

    botânico desde os tempos antigos), Nicolau Copérnico (que desenvolveu a teoria

    heliocêntrica, e fio encorajado pelo clero a escrever um livro explanando a mesma),

    e outros. Diferente do que se acredita os medievais não viam problema na filosofia e

    na ciência, pois acreditavam que o intelecto é a faculdade mais elevada da alma, e

    as verdades que o intelecto discerne não podem contradizer as da fé (já que na óticadeles, Deus criou ambas).

    Durante o século XIII surgiram as grandes universidades: Bolonha, Paris,

    Oxford, Sorbone, La Sapienza, entre outras não tão famosas, todas fundadas pelo

    catolicismo. Já no ano de 1608, haviam mais de cem Universidades na Europa,

    sendo mais de oitenta fundadas na Idade Média.

     A primeira fundada foi a de Bolonha na Itália, fundada em 1111, com 10.000estudantes (italianos, lombardos, francos, normandos, provençais,espanhóis, catalães, ingleses, germanos, etc.). Depois veio a Sorbone deParis (1157), fundada pelo confessor de São Luiz IX, rei de França, Sorbon;Oxford, na Inglaterra foi apoiada pelo Papa Inocêncio IV (1243  – 1254) em1254. Na Espanha, nasceu a de Compostela (1346), Valadolid, Salamanca,etc. (AQUINO, 2009, p. 30).

    Há inúmeros exemplos de importantes contribuições históricas da Igreja para

    o mundo. Primeiramente a filosofia escolástica elaborada por São Tomás de Aquino,

    que mudou a maneira de se ver fé , e conciliou a mesma com a razão. Os Jesuítas

    por sua vez, foram tão exímios nas ciências que, neste exato momento, 35 crateras

    lunares têm o nome de cientistas jesuítas e dentre esses, o padre J.B. Macelawane

    destaca-se, pois foi quem escreveu o primeiro livro sobre Sismologia nos Estados

    Unidos, sendo que todo ano, a União Geofísica Americana premia uma medalha

    com o nome deste padre a um jovem geofísico inspirador. Ele também foi o primeiro

    presidente da União Geofísica Americana, e por isso o estudo dos terremotos é

    conhecido como “A Ciência Jesuíta”. O também jesuíta Secchi descobriu a análise

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    espectral, e a ordem ainda se destaca por ser a descobridora do gás. O padre

    Cavalieri, também jesuíta, inventou a policromia.

     Além da ordem jesuítica, há inúmeros exemplos importantes a serem citados:

    os católicos escolásticos criaram a ciência econômica moderna, muito importante

    nos últimos séculos; os padres Oton, São Mesrob e Ardoíno, aperfeiçoaram o

    alfabeto; São Cirilo e Metódio, no século IX, desenvolveram um alfabeto para o

    velho idioma eslavo, que depois se tornou o precursor do alfabeto russo “cirílico”, e

    em 885, São Metódio traduziu a Bíblia inteira neste idioma; o Papa Silvestre II fez o

    primeiro relógio de rodas; o padre Pacífico, de Verona, inventou o relógio de bolso;

    padre Welogord, em 1316, fez o primeiro relógio astrológico; padre Alexandre Spina,

    dominicano, inventou no século XIII o óculos; padre Magnon inventou o

    microscópio; padre Embriaco descobriu o hidro-cronômetro e o sismógrafo; o padre

    Procópio Divisch, em 1759, descobriu o para-raios, e não Franklin, que apenas

    aplicou à proteção das casas; o doutor da Igreja Beda descobriu as leis das marés;

    padre Gilbert introduziu os algarismos arábicos; padre Guido d’Arezzo inventou o

    nome das sete notas musicais; padre José Joaquim Lucas (brasileiro) inventou o

    melógrafo, ou modo de escrever as notas e sinais que correspondem à escrita

    musical; padre Alberto, saxônio, imaginou as leis da navegação aérea; padre

    Bartolomeu de Gusmão, em 1720, fez a aplicação destas leis aos aeróstatos, 60

    anos antes de Mongolfier; padre Amaro, monge, foi o desenhador da célebre carta

    marítima, em 1456, que inclinou Colombo às suas explorações; padre Gauthier, em

    1753, aproveitando as experiências de Papin, Dickens e Watt, inventou o moderno

    funcionamento da navegação; padre Nollet inventou as máquinas elétricas e

    descobriu a eletricidade nas nuvens; padre Raul, vigário de Sfax, é o verdadeiro

    inventor do submarino moderno; padre Duen fundou, em 1715, a primeira fábrica de

    gás; padre Barrant, monge, descobriu o freio das locomotivas; bispo

    Regiomontanos, de Ratisbona, descobriu a teoria da imobilidade do sol e do

    movimento da terra em redor dele (em 1470), isto é, 10 anos antes do padre

    Copérnico, e padre Copérnico, polaco, achou o duplo movimento dos planetas sobre

    si mesmos e em volta do sol; os padres Ponce e Epée, beneditinos, criaram o

    método da educação dos surdos-mudos, e fundaram a primeira escola para surdos;padre Fegenece foi o primeiro a praticar a gravura nas vidraças; cardeal Mezzofanti

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    foi o maior conhecedor de línguas do século passado; bispo Virgílio, de Salzburg, foi

    o descobridor da existência dos antípodas; padre Alberto Magno, dominicano,

    descobriu o zinco e o Arsênico; cardeal Régio Fontana inventou o sistema métrico;

    padre Lucas de Borgo é o inventor da Álgebra.

    O monge matemático Jordanus Nemorarius, que, além dos conhecimentos

    que contribuiu à matemática introduzindo os sinais de “mais” e de “menos”, iniciou a

    investigação dos problemas da mecânica, superando a visão dos problemas do

    equilíbrio, também foi o fundador da escola medieval de mecânica, o primeiro em

    formular corretamente a “lei do plano inclinado”, e pesquisou sobre a conservação

    do trabalho nas máquinas simples. O padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, foi

    um cientista e inventor nascido no Brasil Colônia, famoso por ter inventado o

    primeiro aeróstato operacional, era chamado de “o padre voador”, e é uma das

    maiores figuras da história da aeronáutica mundial. Ele também é o inventor de uma

    “máquina para a drenagem da água alagadora das embarcações de alto mar.”; Papa

    Gregório XIII, foi quem nos deu o Calendário Gregoriano, que é o calendário

    utilizado na maior parte do mundo, e em todos os países ocidentais; Jean Buridan foi

    um filósofo e padre francês, que desenvolveu e popularizou a “teoria do Ímpeto”, que

    explicava o movimento de projéteis e objetos em queda livre. Essa teoria

    pavimentou o caminho para a dinâmica de Galileu e para o famoso princípio da

    Inércia, de Isaac Newton.

    Merece destaque o bispo de Lisieux, um gênio intelectual e talvez o pensador

    mais original do século XIV. Foi um dos principais propagadores das ciências

    modernas. Na“Livre du ciel et du monde” (1377), Oresme se opôs à teori a de uma

    Terra estacionária como proposto por Aristóteles e, neste trabalho, ele propôs a

    rotação da Terra, cerca de 200 anos antes de Copérnico. No entanto, ele estragou

    um pouco este belo pedaço de pensamento, rejeitando suas próprias ideias, no final

    dos trabalhos e assim, como Clagett escreve, não pode ser considerada como a

    reivindicação de que a Terra girava antes de Copérnico. Ele escreveu “Questiones

    Super Libros Aristotelis de Anima lidar”, com a natureza da luz, reflexão da luz e da

    velocidade da luz, discutidos em detalhes; o monge Luca Bartolomeo de Pacioli é

    considerado o pai da contabilidade moderna, sendo Leonardo da Vinci um de seus

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    alunos; padre paraibano Francisco João de Azevedo, é reconhecido como inventor e

    construtor da máquina de escrever, a máquina foi exposta ao público, ganhou

    medalhas em dezembro de 1861, portanto antes que Samuel W. Soule e seus dois

    parceiros, em 1868, recebessem a formalização da patente nos Estados Unidos;

    padre Nicolas Steno é considerado o pai da Estratigrafia, que estuda as camadas de

    rochas sedimentares formadas na superfície terrestre, e ainda teve estudos

    significativos em anatomia; Jean-Antoine Nollet, foi abade e físico francês, se

    constitui como um grande divulgador da física e da eletricidade em particular; o

    padre Giabattista Riccioli foi a primeira pessoa a calcular a velocidade com que um

    corpo em queda livre acelera até o chão; padre Francesco Grimaldi descobriu e

    nomeou o fenômeno de difração da luz, e também participou de uma descriçãodetalhada de um mapa da superfície da lua. Esse mapa chamado de Selenógrafo

    adorna até hoje a entrada do Museu Nacional do Ar e Espaço, em Washington D.C;

    padre Roger Boscovich, falecido em 1787, é louvado por cientistas modernos por ter

    apresentado a primeira descrição coerente de teoria atômica, bem mais de um

    século antes que a teoria atômica moderna emergisse, considerado “o maior gênio

    que a Iugoslávia produziu”. 

    Vale citar padre Athanasius Kircher, que é considerado o pai da Egiptologia.

    Foi graças ao trabalho deste padre que encontrou-se a Pedra Rosetta, que decifrou

    os símbolos egípcios. Ele foi chamado de “Mestre das cem artes”, e seu trabalho em

    química ajudou a desbancar a alquimia, que era um tipo de falsa ciência, que até

    Isaac Newton e Boyle levavam a sério; o astrônomo católico Giovanni Cassini usou

    a Catedral de São Petrônio, em Bolonha, para verificar as teorias de movimentos

    planetários de Johannes Kepler.

    Limitando-se agora a era medieval, foi nesse período que se registrou vários

    dos inventos mais importantes da humanidade, e novamente é valido citar alguns

    exemplos como: a bússola, as lentes de óculos, a roda com aros, o relógio mecânico

    com pesos e rodas ("invenção mais revolucionária do que a da pólvora e a da

    máquina a vapor", conforme o autor Ernst Junger), o canhão (em 1327), a caravela

    (em 1430), a imprensa, a ferradura de cavalo (que permitiu ao animal correr sobre

    terrenos inóspitos, antes impossível), os moinhos de água, de maré e de vento,

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    entre outras coisas. Tudo isso fez com que o Ocidente se encontrasse em melhores

    condições de civilização do que outras partes do mundo no século XVI.

     Até pouco tempo atrás, acreditava-se que a primeira dissecação de um

    cadáver humano tivesse ocorrido só em 1315, pelo famoso professor Mondinho de

    Luizzi, na universidade católica de Bolonha. Isso teria demorado à ocorrer pelo

    suposto fato de a Igreja proibir a dissecação de cadáveres. Porém, pesquisas

    recentes e fatos históricos brandamente conhecidos mudaram esse conceito.

     Arqueólogos descobriram o mais antigo corpo humano dissecado,  e este data

    de 1200  (mais de 100 anos antes dos estudos de Mondino) e foi dissecado demaneira experiente, o que revela indícios de um projeto de educação médica

    contínua, e não de um fato isolado. O historiador James Hannam afirma que a Igreja

    medieval não só não proibia autópsias, como até mesmo as ordenava, o que ocorria

    eventualmente com a finalidade de procurar sinais de santidade no corpo de uma

    pessoa (isso porque várias vezes confirmou-se orgãos em perfeito estado, como

    corações, em corpos de pessoas que estavam em processo de canonização, e

    quando essas conservações se dão de maneira milagrosa a Igreja leva isso emconsideração no processo; houveram também casos onde se acharam cruzes

    dentro do coração de uma pessoa já morta, que obviamente não poderiam ter sido

    colocadas por meios humanos). Em 1308, por exemplo, foi dissecado o corpo da

    abadessa Clara de Montefalco, que seria canonizada em 1881. Também era prática

    comum embalsamar os corpos dos papas e autoridades civis (e para embalsamar

    um corpo é preciso abrir e retirar diversos órgãos). Outro fato é que em 1286 um

    médico italiano também realizou autópsias a fim de identificar a origem de uma

    epidemia. Quem afirma isso é Philippe Charlier, médico e cientista forense do

    Hospital Universitário R. Poincaré, na França. Assim, é provável que Mondino tenha

    feito a primeira dissecação pública de um cadáver humano, em 1315; porém, as

    dissecações sistemáticas para fins educacionais já aconteciam em Bolonha muito

    tempo antes.

     A Idade Média teve muitas pragas e dificuldades. A população de fato vivia

    em condições difíceis e esse povo sofreu muito mais do que qualquer outro naquelaépoca. Ainda assim, isso não segurou o progresso, a produção poética, a pintura, a

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    escultura, e tantas coisas desenvolvidas nesse meio tempo. A população abraçou a

    fé católica em meio a tanto sofrimento, e através dessa pode fazer muitas inovações

    (daí que se dá o grande progresso da Igreja durante o tempo medieval).

    2.1. A MULHER MEDIEVAL

     A situação da mulher medieval é assunto relativamente novo em questões de

    pesquisa, mas que vem sendo estudado mais afundo. A sociedade francesa de Jean

    Bodin editou em 1959 -1962 (respectivamente 347 e 770 paginas) um trabalho

    interessante sobre a mulher medieval, e a também francesa Régine Pernoudcontribuiu muito para esse aspecto da história medieval. Estes e outros grandes

    historiadores, já proporcionaram descobertas que mostram a importância da mulher

    na sociedade medievalista.

    Muito se diz que a igreja católica privou e priva as mulheres até hoje da

    mesma dignidade que o homem, entre outras acusações. Por vezes é comum

    escutar nos dias de hoje coisas como “A maneira que as mulheres muçulmanas são

    tratadas no ocidente é medieval!”, insinuando que a “maneira medieval” de tratar

    uma mulher é bárbara e repressiva. Não poderia haver erro maior.

     A época medieval foi onde houve a grande promoção de dignidade e direitos

    dignos entre mulher e homem. O lugar que elas ocupavam na sociedade era de

    influência, exercendo exatamente um traçado paralelo com o dos homens. Muitos

    por vezes se contradizem, dizendo “o que dominava a cabeça de toda população era

    a Igreja”, e em seguida “por isso a mulher não tinha voz na idade medieval”. Ora, a

    Igreja seguia o Direito Canônico durante todo o período medieval, e a população

    seguia a Igreja, sendo que esse mesmo conjunto de regras e leis garantia a

    dignidade e igual valor de importância entre os sexos. Como poderia então a igreja

    ser uma entidade que fez a mulher perder a voz e ficar em segundo plano?

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    Os registros da cidade de Paris do século XIII deixam claro: mulheres não

    ficavam somente em casa ou nos conventos como nos séculos seguintes. Havia

    professoras, médicas, boticárias, tintureiras, copistas, miniaturistas, encanadoras,

    arquitetas, e também abadessas e rainhas (PERNOUD, 1994). Exemplos como

    Eleonora de Aquitânia, ou Branca de Castela, dominaram realmente seus séculos,

    exercendo poder sem contestação na ausência do Rei, tendo suas chancelarias e

    alfândegas, e seus campos de atividade pessoal. As coroações de rainhas tinham o

    mesmo prestígio e pompa das coroações de reis, e certas abadessas (madres

    superioras) eram tão influentes que administravam vastos territórios, incluindo

    aldeias e paróquias. Muitas abadessas usavam báculo, tal como um bispo, pois

    eram consideradas pela Igreja como pastoras supremas do território sobre o qualgovernavam. No século XII, o célebre pregador Robert d’Arbrissel fundou um

    mosteiro feminino e um masculino na cidade de Fontevrault, e esse mosteiro duplo

    foi posto sob a autoridade de uma abadessa: a nobre viúva Petronilla de Chemillé.

    Esse caso não foi único: houveram outros mosteiros colocados sob gestão feminina.

    Figura 1. 

     Ao falar do papel da mulher na Idade Média, Régine Pernoud ainda faz uma

    crítica aos movimentos feministas da época: diferente das mulheres medievais, que

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Escolahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Medicinahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Botic%C3%A1riohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Tinturariahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Copistahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Miniaturismohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Abadessahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Rainhahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Rainhahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Abadessahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Miniaturismohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Copistahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Tinturariahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Botic%C3%A1riohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Medicinahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Escola

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    tinham suas próprias áreas de atuação e vivência, as atuais se admiraram tanto pelo

    mundo masculino que querem ser e atuar de maneira idêntica aos homens,

    perdendo assim a identidade do sexo feminino.

    O historiador Jacques Le Goff (francês, ateu, especialista em Idade Média)

    explica: devemos à Idade Média a emancipação da mulher. No tempo feudal era

    grande o número de uniões arranjadas. As numerosas “uniões de berço” servem

    para mostrar como os moços estavam “no mesmo barco” que as moças: ambos não

    podiam questionar essas imposições vindas de seus superiores. A Igreja nesse

    cenário lutou contra essas uniões impostas, multiplicando no Direito Canônico ascausas da nulidade, reclamou a liberdade para os que se unem e com frequência se

    mostrou indulgente ao tolerar a ruptura de laços impostos. Podemos perceber que

    hoje em países cristãos, essa liberdade é justamente reconhecida pelas leis,

    enquanto nos países não cristãos, como no extremo oriente, ela não existe, ou foi só

    recentemente concedida.

    Há algumas afirmações ainda mais ilógicas a respeito da ligaçaõ entre o sexo

    feminino e o catolicismo, como a de que “a Igreja dizia nos primórdios que a mulher

    não tinha alma”. Observa-se que os primeiros mártires honrados como santos foram

    mulheres, como Santa Agnes, Santa Cecília, Santa Ágata e tantas outras. A Igreja

    então teria dado a eucaristia (corpo de Cristo na crença católica) para seres sem

    almas durante muito tempo, e até mesmo a mãe de Jesus Cristo (sempre honrada

    pelos católicos) não teve alma nessa lógica.

     A arte medieval também promoveu a exaltação do feminino. O romantismo

    (período literário medieval) idealizava a mulher como musa, criatura inspiradora da

    perfeição. Surpreendente constatar também que a mais conhecida enciclopédia do

    século XII é da autoria de uma religiosa, a abadessa Herrade de Landsberg (Hotus

    Deliciarum), o que também desmente a crença de que a primeira enciclopédia foi

    organizada pelos iluministas, somente séculos mais tarde.

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     A independência e valorização da mulher foi lhe retirada a partir da Baixa

    Idade Média, com a vinda do Renascimento, que acarretou na volta do DireitoRomano. O Direito Romano não é favorável à mulher, nem tampouco à criança. Ele

    defende o direito de Pater Familias, pai, proprietário, e em sua casa, grande-

    sacerdote e chefe da família com poderes sagrados, que tem sobre seus filhos

    direito de vida e morte, assim como sob sua mulher. Apoiando-se nisso, juristas

    estenderam o poder do estado centralizado e também restringiram a liberdade da

    mulher e sua capacidade de ação. A influência desse direito é tão forte que no

    século XVI a maioridade que era aos 12 para meninas e 14 para meninos, é

    transferida para a mesma idade de Roma, ou seja, 25. Vale observar que é só no fim

    do século XVII é que a mulher passa a tomar obrigatoriamente o nome do marido no

    casamento.

    Infelizmente tudo isso foge do conhecimento popular, e acredita-se que a

    Idade Média tenha sido tão machista quanto o Renascimento, ou até mais. “Idade

    das trevas”. 

    2.2. O SERVO MEDIEVAL

     A escravidão é a prática social em que um ser humano

    assume direitos de propriedade sobre outro, que é chamado então de escravo. Tal

    condição é imposta por meio da força, e em algumas épocas e locais da história os

    escravos eram legalmente definidos como uma mercadoria.  Os preços variavam

    conforme as condições físicas, habilidades profissionais, a idade, a procedência e o

    destino. O dono ou comerciante pode comprar, vender, dar ou trocar por uma dívida,

    sem que o escravo possa exercer qualquer direito e objeção pessoal ou legal

    (retirado de Wikipédia, a enciclopédia livre, baseado em BARROS, 2009).

     A partir do século IV, a escravidão foi desaparecendo progressivamente. Ela

    foi substituída por servidão a partir do feudalismo. Quando Salviano de Massília

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Ser_humanohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Direitohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Propriedade_privadahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Mercadoriahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pre%C3%A7ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pre%C3%A7ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Mercadoriahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Propriedade_privadahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Direitohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ser_humano

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    (escritor cristão do século V) escreveu a queda do império romano, diz “o único voto

    que os romanos fazem é não ter jamais que recair sob o jugo de Roma”, ele

    exprimiu um sentimento de liberação muito próximo aos dos povos descolonizados

    de hoje.

    O servo medieval é tratado como pessoa, e assim sendo, seu senhor não tem

    direito sobre a vida e morte dele. Mais do que uma categoria jurídica, a servidão

    medieval era um estado, intimamente ligado a um modo de vida rural e que obedece

    aos imperativos agrícolas, e a estabilidade necessária ao seu cultivo. O servo tem

    todos os direitos do homem livre: pode casar, fundar família, e a sua terra passarápara seus filhos na morte, assim como seus bens. Aí se vê um dos grandes avanços

    sociais da época medieval, quando a situação de servo é radicalmente diferente da

    de escravo, que não podia se casar, nem fundar família, nem possuir nada (objeto

    algum), afinal ele próprio era visto como um item a ser vendido e trocado.

     A relação de servo com o senhor feudal era totalmente diferente da relaçãode senhor e escravo. A imagem construída a respeito da época feudal muitas vezes

    é a de os senhores feudais estragando as plantações dos pobres servos só por

    diversão e crueldade, os trabalhadores sofrendo para sustentar não só a si mesmo

    mas também ao seu tirano senhor. Imagem retorcida, pois na verdade o que ocorria

    era uma troca: o senhor oferecia as vantagens do feudo, e o servo podia usufruir

    destas coisas dando em troca parte da sua produção para o senhor feudal. Na

    época feudalista não se tem a ideia de possuir como hoje: o ter ou possuir era o

    mesmo que usufruir, ou seja, um servo usufruir da terra do senhor, era como ter a

    terra do senhor, afinal o sentido de ter era poder gozar e aproveitar de algo, e isso

    os servos podiam.

    Uma certidão antiga, exposta no Museu de História da França, mostra a

    evolução da servidão quando posta em jogo com a escravidão. No documento se

    veem duas servas, Auberede e Romelde, que no fim do século XI compraram sua

    liberdade em troca de uma casa que possuíam em Beauvais (Paris). Esse simples

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    documento serve para provar que os servos poderiam possuir bens próprios,

    negociar, vender, etc. Infelizmente, ainda se tem a forte crença de que na época

    feudal não havia possibilidade de mobilidade social. A Igreja entrou nessa história

     justamente como a fonte de mobilidade social, encorajando a libertação dos servos.

    O perfeito exemplo é Abade Suger (1081  – 1151), um filho de servo que se tornou

    ninguém menos do que colega do futuro rei Luís VI, na abadia de Saint-Denis. Nos

    bancos escolares nasceu entre eles uma amizade que só terminou com a morte, e

    sabe-se como, tornando-se abade de Saint-Denis, Suger governou o reino durante a

    cruzada de Luís VII, que ao retornar o proclamou “Pai da Pátria”.

     A escravidão ressurgiu nas colônias da América no século XVI, e novamente

    a volta do Direito Romano e as mudanças sociais ocorridas com a Baixa Idade

    Média e o Renascimento contribuíram para a defesa dessa prática. Estima-se que

    em Roma mais de trinta por cento da população detinha a condição de escravo, e o

    escravismo sempre foi defendido como direito pelos romanos. Qualquer advogado

    ou estudante de direito sabe que o Direito Romano exerceu e ainda exerce forte

    influência sobre as ações jurídicas. Na época renacentista, isso foi tirado como viade regra, e aí gerou-se tantas das regressões que são pouco sabídas do período de

    “trevas” para o renascimento. 

    2.3. O PERÍODO RENASCENTISTA

     A injúria de que a Idade Média é tempo de trevas começou a ser proferida

     justamente no tempo que a sucedeu: o Renascimento.

    O Renascimento do século XIV precisou criar uma imagem falsa sobre a

    Idade Média, uma imagem de que aquela população vivia na ignorância, e que eles

    é que dotavam do verdadeiro conhecimento, para promover-se e ajudar na

    divulgação de suas ideias. O Iluminismo tem a maior parcela de culpa, pois achando

    que o centro da arte, ciência, e de tudo deveria ser o homem e não Deus, rejeitou a

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    visão teocêntrica medieval, e criou o mito de “Idade das Trevas” para denegrir a

    imagem de tudo que viesse do tempo medieval e da Igreja.

    O Renascimento é caracterizado pela imitação do mundo clássico. Já se

    cultuava o conhecimento desse mundo, pois durante toda a Idade Média foram

    valorizados os avanços antigos, como a filosofia aristotélica no século XIII. O

    simples bom senso na verdade, basta para raciocinar que o Renascimento não

    poderia produzir nada embasado no conhecimento clássico se os textos antigos não

    tivessem sido conservados em manuscritos recopiados durante os séculos

    medievais, justamente pelo valor que era dado à esse conhecimento. Todavia, oRenascimento exprime a imitação doentia pelo mundo antigo, e por isso acarreta em

    toda a mudança cultural de direitos (já citada anteriormente) e de cultura, que serão

    vistas aqui.

    Em questão de arte, é comum na época renascentista a repetição. Para

    exprimir a admiração que o Renascimento experimentava pelos filósofos antigos,

    basta citar Bernardo de Charters, que o século XII, exclama “Somos anões

    montados nos ombros de gigantes”. Ele se refere aos gigantes do mundo antigo: aos

    romanos e gregos. Já começava a se pensar que não era possível ver mais longe do

    que esses gigantes, mas que de fato, o mundo clássico tinha feito o trabalho com a

    beleza de modelo para passado, presente e futuro, e portanto bastava copiar a

    cultura dele. Tudo que estivesse em desacordo com a plástica grega e latina era

    impiedosamente recusado. Para os renascentistas, tudo precisava ser regrado

    novamente, de acordo com os artistas antigos, de acordo com Vitrúvio e Vasari.

    Portanto, não fica difícil entender por que a arte medieval foi tão rejeitada e ignorada

    durante tanto tempo. A visão era tão bitolada, que o francês André Malraux escreve:

    “Pré-julgava-se que o escultor gótico (medieval) desejara esculpir uma estátua

    clássica, e que não o conseguira pois não soube fazer”.

     A pintura medieval causava tanta repulsa nos séculos clássicos, que os

    renascentistas não encontraram outra solução se não cobrir os afrescos românticosou góticos com massa e quebrar os vitrais para substituí-los por vidros brancos. Isto

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    ocorreu em basicamente toda a parte e apenas alguns poucos lugares

    permanecerem com seus vitrais e artes medievais intactas, e permitem que hoje em

    dia tenhamos uma ideia da beleza medieval. Régine Pernoud explica em seu livro

    “Idade Média: o que não nos ensinaram”  (1994): “As rosáceas do transepto de

    Notre-Dame de Paris foram conservadas somente porque se receava ser difícil

    refazê-las”. Os historiadores de arte tiveram de se esforçar para encontrar de onde

    veio a arte medieval, e durante um bom tempo ninguém duvidava que a arte gótica

    tivesse sido trazida pelos árabes ou coisa do gênero, pois foi tão comum durante

    tanto tempo somente copiar e recopiar, que ao olhar para a arte medieval os

    estudiosos pensavam “De onde copiaram isto?”. Durante quatro séculos é a arte da

    cópia que impera, junto com a desvalorização da invenção e criação. A Idade Médiatambém se inspirava na antiguidade, a diferença é que fazia isso como modelo, não

    como imitação.

    Já na questão da literatura, foi na “barbárie” onde nasceu o sentimento de

    extrema delicadeza que fará da mulher suserana de todos os poetas. O romance é

    uma invenção da época feudal, pela cultura de senhor e vassalo: um prometendoproteção, outra fidelidade. A mulher nessa história, torna-se “senhor”, a suserana do

    poeta à qual ele deve sua fidelidade.

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    Vitral da igreja Matriz de Espinho, Portugal. Figura 2. 

    É igualmente nesta época que foi elaborada a linguagem musical usada no

    ocidente até hoje. A atividade poética e musical é intensa com a criação de múltiplos

    hinos e cantos litúrgicos, e sabe-se que o cantochão ou canto gregoriano (atribuído

    durante um bom tempo ao papa Gregório Magno) data do século VII. Até mesmo os

    nomes das notas da escala musical foram tirados de um hino do século VIII, em

    homenagem a São João Batista, Ut Queant Laxis,  pelo já citado italiano Gui d’

     Arezzo. A nossa civilização deve a música a esses tempos “obscuros”, que

    inventaram a escala. Nem todos sabiam ler, mas todos sabiam cantar, pois não se

    separava a música da poesia.

     Até mesmo a arte teatral sofreu regresso depois da Idade média. O teatro no

    período medieval era para toda gente e recrutava pessoas de toda profissão e

    trabalho. Porém, no século XVI do Renascimento, já não havia mais espaço para

    essas pessoas terem cultura teatral. Ocorreu que em 1542 na França, o parlamento

    proibiu os confrades da paixão de continuar a representar no palácio de Borgonha

    os mistérios medievais que eram encenados para o povo. “Esta confraria produziu

    artistas medíocres. Que em consequência são incapazes de honrarias. faziam

    caminhar lado a lado escravos e artesãos”, disse o parlamento.

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    . O preconceito contra o tempo medieval não foi só gerado no Renascimento.

    Muitas vezes e em tempos diferentes, a Idade Média foi alvo de injúrias por diversosmotivos. Um dos mais claros é o ataque à Igreja Católica Apostólica Romana, pois

    sendo ela o personagem principal da Idade Média, ataca-se esse período com o

    intuito de manchar a imagem da Igreja ou mesmo das religiões em geral. Estes

    obtiveram sucesso, afinal, por mais que se tenham estudos suficientes hoje para

    saber que a Igreja não matou Galileu, que a Inquisição não foi uma instituição de

    intolerância e irracionalidade, e que a venda de indulgências não aconteceu de

    maneira aceita pela Igreja, esses e tantos outros mitos e mentiras foram difundidos

    na mente popular por pseudo-historiadores, de maneira que até os dias atuais são

    ensinadas mentiras em universidades e escolas, pois são raros os historiadores que

    estudam o suficiente para fugirem dos anti-medievais e conseguirem descobrir a

    verdade. Mesmo entre os próprios católicos, dentro da Igreja, é comum que não

    conheçam a história verdadeira. “Uma mentira contada  mil vezes, torna-se uma

    verdade”, como disse Joseph Goebbels. 

    Entre os culpados por criar a mentira medieval, também se encontram os

    cristãos protestantes. Desde o fim da Idade Média e até os dias atuais, toda e

    qualquer igreja se empenha em fazer uma propaganda anticatólica, e para isso não

    mede esforços ao falar dos “regressos medievais” (mesmo que eles não tenham

    existido). O historiador, Jacques Heers, atual diretor do Departamento de Estudos

    Medievais da Universidade de Paris-Sorbonne, destaca que os revolucionários

    franceses de 1789 também souberam orquestrar muito bem a propaganda anti-

    medieval para cumprir seus interesses.

    O próprio nome que foi dado à Idade Média é um perfeito exemplo: “Média”.

    Justamente para dar a ideia de que no tempo Clássico o homem evoluiu, de que a

    antiguidade é uma época bela e importante, mas então houve um grande sono, uma

    grande noite de trevas, mas que depois terminou com o “Renascimento”. Um

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    período “médio”, que de nada serve se não para estar no meio dos séculos que

    realmente servem para a humanidade.

    “Mil anos sem produção poética ou literária digna desse nome, éconcebível? Mil anos vividos pelo homem sem que se tenha exprimido nadade belo, de profundo, de grande, sobre ele mesmo? Quem acreditaria nisto?No entanto, fizemos acreditar nisto pessoas muito inteligentes [...]”   – (PERNOUD, 1909, p.49).

    Por todos esses motivos, nos próximos capítulos serão tratadas as mentiras

    mais famosas sobre a Igreja Católica e o período medieval, a fim de separar a

    verdade do mito.

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    3. VENDA DE INDULGÊNCIAS

     A famosa Venda de Indulgências é conhecida por ter sido um dos maioresescândalos da história da Igreja Católica. Conta-se aos quatro ventos que foi umperíodo medieval em que a Igreja teria vendido para os fiéis lugares no céu, graças,perdão dos pecados, entre outras coisas, mediante o pagamento de uma taxa,sendo esse pagamento a garantia de que todas essas dádivas aconteceriam.

     A referida venda ocorreu, mas como já se tem brando conhecimento pelos

    historiadores medievais, não foi da maneira como se conta e tampouco propostapela Igreja, mas sim uma forma de heresia que surgiu na Alemanha, e que maistarde veio a ser atribuída ao catolicismo por aqueles que não simpatizavam com omesmo.

    Para entender como se deu o mito da Venda de Indulgências, precisa-seentender o que são as indulgências de fato. Elas passaram a fazer parte da doutrinacatólica junto com o florescer do cristianismo e perduram até os dias de hoje. Deacordo com a Igreja Católica, quando o ser humano peca ele sofre duas

    consequências: a perda da comunhão com Deus (o afastamento que o seu pecadogerou, pois Deus nunca se afasta do homem, mas sim o homem que se afasta deDeus quando opta pelo pecado), e uma “marca” na alma, chamada de penatemporal. A comunhão com Deus pode ser reatada pelo sacramento da confissão,onde os católicos primeiro se arrependem de seus pecados, depois os admitemperante um padre (que no momento da confissão age como intermediador, sendoentão o próprio Cristo ao qual é necessário pedir perdão), e por último fazem umaboa ação, rezam, ou outro tipo de ato para tentar compensar seus erros para comDeus. É muito questionado de onde vem o poder de um padre para perdoar os

    pecados de uma pessoa. O Catolicismo afirma que o poder não vem do padre em si,pois esse só age como meio para manifestar o poder de Jesus Cristo, que é quemde fato perdoa os pecados dos homens. Isso teria sido confirmado por Jesus na

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    bíblia no livro de João, capitulo 20 e versículos 21  – 23, onde Cristo aparece aosseus apóstolos e diz que recebam o Espírito Santo, e a quem eles perdoarem ospecados, eles lhes serão perdoados, e a quem reterem, eles lhes serão retidos. Issoseria válido para os padres pela sucessão apostólica católica.

    Não se alongando mais na parte referente a confissão, é necessário entendero que são as penas temporais citadas acima. Elas são penas que não podem serretiradas pelo sacramento da confissão, mas exigem uma purificação, que pode serem vida ou em morte. Exemplifica-se como um filho, que perde a confiança do paiapós fazer alguma besteira: o pai o perdoa, mas depois ele mesmo tem dereconquistar a confiança do pai. Assim, o homem deixa de ser santo quando peca, emesmo depois de receber o perdão dos pecados pela confissão, precisa correr atrás

    da santidade pelos seus méritos. A Igreja Católica justifica isso através de váriosversículos bíblicos, como Isaias 43:24-26 (entre outros).

    O Catecismo da Igreja Católica explica, a partir dos números 1472l, que asantificação pode ocorrer totalmente ou parcialmente de várias maneiras: quando ofiel cumpre a penitência estabelecida pelo sacerdote no ato da confissão; quandoaceita os sofrimentos da vida como forma de se santificar, sem queixar-se; quandopersevera em oração constante; quando pratica obras de caridade; quando pratica

    gestos de mortificação; ou quando recebe indulgências.

    Em artigo no site de doutrina e história católica “O Catequista”, publicado em19/09/2014, explica-se o caso das indulgências baseado em nos autores Tuchman,Russel, Ranke, entre outros. Explica-se que a criação das indulgências aconteceuporque na antiguidade, porém, sempre foi comum que a penitência fosse mista comum ato de mortificação. Sendo assim, nem todos católicos podiam fazer essa práticapor questões de saúde (como os idosos). Então, a partir do século XI, a Igrejapermitiu que nesses casos o fiel doasse uma quantia referente a sua renda, que

    seria usada para obras de caridade (como a ajuda que a Igreja dava para as viúvas,por exemplo) ou necessidades da Igreja, visto que o fiel doar a sua renda (fruto doseu esforço) já era um ato de caridade e boa obra, e aí o fiel recebia umaindulgência, que na verdade era a substituição da penitência quando o cristão nãopodia faze-la. Todavia, a indulgência não era o perdão dos pecados, muito menosvenda de um “lugar no  céu”, como muito se ouve dizer. Essa prática foi perfeitadurante certo tempo, funcionando da maneira que fora pensada para funcionar:ajudando os fiéis que não podiam fazer os atos de penitência. Mas para entendercomo começaram as heresias referente as indulgências, precisa-se entender o

    cenário em que se desenrolou esse episódio.

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    3.1. A FRACA ALEMANHA MEDIEVAL

    No mundo medieval, os grandes estados europeus possuíam um governo

    forte. A Alemanha, porém, não o tinha. O país alemão como o conhecemosatualmente, é algo recente, um estado que surgiu no século XIX. Porém, nos temposdas famosas vendas de indulgências, durante o papado de Leão X, o que havia noterritório alemão eram duques e condes reunidos sobre o título de “Sacro ImpérioRomano-Germânico“, que por sua vez não eram  muito influentes e poderosos, eviviam um estado de penúria espiritual e econômica. Estes foram vítimas dosdemandos financeiros do desesperado Papa Leão X.

    Nesse contexto começa-se a entender porque se deram alguns abusos.Roma era antipática aos olhos do povo alemão (e talvez o seja até hoje) justamentepor conta de que para eles, a Igreja era uma força sanguessuga, mas que possuía aautoridade legada por Jesus e era a casa do Espírito Santo, portanto eles nãopodiam negar a importância e a necessidade da presença dela. Nesse contexto jáum pouco caótico, Leão X mandou Johann Tetzel (um frade dominicano) comopregador para Alemanha, dando lhe poder para conceder as indulgências.

     As indulgências, como citado acima, podem ser consideradas como uma

    dispensa da prática de boas ações, sob condições particulares, no todo ou em parte,como penalidade. Tetzel (e alguns padres que o seguiram) contrariaram a doutrinada Igreja, e passaram a pregar que as indulgências eram a libertação do pecado emsi. Depois disso, para começar a famosa “venda de graças” foi um pequeno passo. 

    Um terço do dinheiro arrecadado com a venda de indulgências por Tetzel iapara Roma, na época da reconstrução da Basílica de São Pedro. Deve-se salientarque Leão X nunca proclamou uma heresia, concordando com o que o frade herege

    dizia. O Papa inclusive puniu Tetzel, por sua pregação que ia muito além do que adoutrina católica ensinava de fato.

    Leão X vivia no seu claustro romano como seus antecessores, sem ter ideiado que ocorria na Alemanha. Antes de Lutero já haviam surgido outros protestantesno território germânico, por isso não fica difícil entender o motivo de o protestantismoter surgido na Alemanha, e não na Itália, França, ou em qualquer outro lugar doglobo.

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    Bula de indulgência como as que eram concedidas por Leão X. Figura 3.

    Os diversos abusos que a prática das indulgências sofreu não foram nadaqueridos pela Igreja, e então essa modalidade de concessão de indulgência foicancelada pelo Concílio de Trento no século XVI, justamente por causa das

    heresias. Como é comum na história, é próprio do homem distorcer algo que foiestabelecido para o bem de muitos.

    Nos dias de hoje, a indulgência só é concedida pela Igreja nas raríssimasocasiões em que ela considera que o esforço de uma pessoa para viver a fé lheredime dos pecados já perdoados. Sendo assim só podem receber as indulgênciasos que já estão sem pecados, depois de se arrepender e confessar-se.

    O Catecismo da Igreja Católica esclarece sobre as Indulgências que podemser alcançadas:

    §1479  – Uma vez que os fiéis defuntos em vias de purificação também sãomembros da mesma comunhão dos santos, podemos ajudá-los obtendopara eles indulgências, para libertação das penas temporais devidas porseus pecados.§1498  – Pelas indulgências, os fiéis podem obter para si mesmos e tambémpara as almas do Purgatório, a remissão das penas temporais, seqüelasdos pecados.§1032  –  A Igreja recomenda também as esmolas, as indulgências e as

    obras de penitência em favor dos defuntos… “Não hesitemos emsocorrer  os que partiram e em oferecer nossas orações por eles.” (S. JoãoCrisóstomo, Hom. In 1Cor 41,5)

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    §1471  –  A doutrina e a prática das indulgências na Igreja estãoestreitamente ligadas aos efeitos do Sacramento da Penitência.“Indulgência é a remissão, diante de Deus, da pena temporal devida aospecados já perdoados quanto à culpa, que o fiel, devidamente disposto eem certas e determinadas condições, alcança por meio da Igreja, a qual,

    como dispensadora da redenção, distribui e aplica, com autoridade, otesouro das satisfações de Cristo e dos Santos” (Paulo VI, Const. Apos t.,Indulgentiarum doctrina, 2)“A indulgência é parcial ou plenária, conforme libera parcial ou totalmenteda pena devida pelos pecados (Indulgentiarum Doctrina,2 ). Todos os fiéispodem adquirir indulgências (…) para si mesmos ou para aplicá-las aosdefuntos” (CDC, cân 994). §1472  –  As penas do pecado. Para compreender esta doutrina e estaprática da Igreja, é preciso admitir que o pecado tem dupla conseqüência. Opecado grave priva-nos da comunhão com Deus e, consequentemente, nostorna incapazes da vida eterna; esta privação se chama pena eterna dopecado. Por outro lado, mesmo o pecado venial, acarreta um apegoprejudicial às criaturas que exige purificação, quer aqui na terra quer depois

    da morte, no estado chamado purgatório. Esta “purificação” liberta dachamada “pena temporal” do pecado. (PAULO, 1998, p. 406, 408 e 411).

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    4. GALILEU GALILEI E A TERRA PLANA

    O caso de Galileu é uma das mais famosas estórias contadas acerca daIgreja Católica e do período medieval. Muito se ouve que Galilei foi morto por proporo sistema heliocentrista, e as versões que justificam a morte são as mais diversas:que a Igreja queria “dominar o universo”, e se a terra não estivesse no centro dele  ela não poderia dizer ter controle do universo (por mais engraçado que pareça); quea Igreja queria a Terra como quadrada para não contradizer a bíblia; que ele foiachado pela Inquisição, torturado, humilhado, e que teve de afirmar que o que disseera mentira, etc. Outras versões contam que ele recebeu sentença de prisão, foi

    queimado, ou dezenas de outras coisas horríveis para ilustrar a vilania da Igrejacontra o estudioso.

    Primeiramente, acerca da questão de que a Igreja e o povo acreditavam quea Terra era redonda antes de Galileu, é importante notar que em 1473, quase 20anos antes da viagem de Colombo, foi publicado o Tractatus de Sphaera Mundi  (sphaera = esfera), um manual de astronomia e geografia com o maior número deedições até hoje. Foi muito utilizado pelos portugueses durante a era das grandes

    navegações, e o autor deste foi John Holywood (um monge inglês). São Tomás de Aquino também já havia afirmado em sua suma teológica que a terra era esférica, eDante também havia se referido à Terra dessa forma na famosa obra “A DivinaComédia”. Na Grécia antiga já era admitido por Pitágoras (VI a.C.) e seus discípulosa esfericidade da Terra, e a prova final disso se deu com a expedição feita porFernão de Magalhães, em 1521 (que ocorreu antes mesmo de Galileu nascer).Galileu nasceu em 1564, um século após o término da Idade Média, ou seja, maisuma mentira: ele não viveu na época medieval.

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    Imagem de Nossa Senhora da Grade, padroeira de Lille (França), do século XI, onde nota-se o globonas mãos do Menino Jesus, simbolizando a Terra (esférica). Figura 4. 

    Escultura de Carlos Magno, feita por volta do ano 900, onde ele segura a Terra (esférica). Figura 5.  

    Nas últimas décadas, a versão de que Galileu foi obrigado a dizer que estavamentindo em público (para que a Igreja continuasse como sendo a conhecedora daverdade) era a aceita na maioria dos lugares, por ter ficado famosa através de obras

    populares ou mesmo livros didáticos de história. Jackson Spielvogel, autor de umtexto bastante usado em faculdades, refere-se a citações do julgamento de Galilei, ea dramatização completa do suposto julgamento estão a disposição no museuSmithsonian, de Washington D.C., mostrando um tribunal lotado, e esforçando-separa fazer a Igreja como “malvada” e o cientista como herói, criando assim o embatede religião versus ciência. É interessante observar que esta estória não existia até oséculo XVI: ela foi citada a primeira vez em 1760 (mais de um século depois damorte de Galileu, que foi em 1642), e apareceu justamente com o auge doIluminismo, onde vários filósofos atacaram a Igreja de toda forma (Voltaire a

    chamava de “a coisa infame”). Os historiadores atualmente sabem que a lenda foiinventada para difamar a Igreja e criar o embate citado acima. A Phd Diane Moczarexplica em seu livro “Sete Mentiras Sobre a Igreja Católica”: “Inventou -se a lenda de

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    Galileu para denegrir a Igreja, trazer a público os supostos males da Inquisição edemonstrar o quão anticientíficas e antiprogressivas são as religiões.”

    De fato, o Iluminismo veio propor uma nova religião: a ciência, que não

    precisa mais de Deus. E para promover essa religião, contou sobre os vários“cientistas heróis” que foram perseguidos pelo suposto “inimigo do progresso”: ocatolicismo.

    4.1. A VERDADE SOBRE GALILEU

    Mesmo sendo um dos casos históricos mais difamados, o assunto de Galileuno meio acadêmico já foi esclarecido há algum tempo, e qualquer historiadoratualizado ou mesmo apreciador de história sabe que Galileu não foi morto nemtorturado pela Igreja por defender a ideia de sistema solar que foi concebida porpadre Copérnico. Pelo contrário, ele morreu em Arcetri (Itália), rodeado de sua filhaMaria Celeste e seus discípulos, e enterrado na Basílica de Santa Cruz, emFlorença.

    Um simpósio realizado na Universidade Católica de Washington em 1982, arespeito de Galilei, ajuda no entendimento de algumas verdades sobre o caso. Osimpósio foi chamado de “Reinterpretando Galileu”. Ficou claro que ele não podiaapresentar razões convincentes na época para o heliocentrismo, e também suagrande aposta era que o fluxo das marés seria a prova da revolução da Terra emtorno do Sol, quando na verdade sabe-se que as marés se devem à força dagravidade da Lua. Sem argumentos sólidos, e mais a contrariedade da bíblia (cf Js10, 12s), é plenamente compreensível a repulsa sofrida pelo cientista na época. Osintelectuais do simpósio destacaram alguns pontos irrefutáveis:

    1. Galileu não foi acusado nem condenado por heresia. Não foi torturado, nemlhe foram mostrados os instrumentos de tortura.

    2. O ponto de debate no processo não foi estritamente de ignorância religiosaversus verdade científica: a verdade científica em si mesmo, naquela época,era obscura e equívoca.

    3. E, depois de Galileu concordar em dizer que não acreditava na terra emmovimento e no sol parado, não pronunciou, como diz a lenda, asprovocadoras palavras “E, contudo, ela se move!”.

    4. De fato, seria difícil a Igreja achar Galileu inocente. Ele foi apenas acusado de

    desobedecer a uma ordem da Igreja, e está fora de dúvida que realmentedesobedeceu (a ordem de 1616, que será vista mais a frente).

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    5. Não havia simplesmente prova de que o modelo heliocêntrico de Galileu eCopérnico fosse melhor do que o modelo popular geocêntrico de TychoBrahe. O sistema de Brahe tinha a vantagem de não se opor às Escrituras.

    4.2. O HELIOCENTRISMO

    Para entender como foi o caso de Galileu, é necessário conhecer a história dosistema heliocêntrico, para não cometer erros ou injúrias (como normalmente éfeito). A primeira questão que entrou em jogo é se a Terra está parada e os planetasorbitam ao seu redor, ou se a Terra é que orbita em torno do sol com os outrosplanetas. Naquela época, a ciência natural tornou-se paixão de muitos intelectuais,

    incluindo papas, cardeais, e monges (entre outros), então por mais que essaproblemática pareça pequena para gerar toda uma confusão dessas, ela não é.

    Diferente da crença popular, Galileu não foi o primeiro a teorizar sobre oscéus. Astrônomos da Grécia Antiga haviam desenvolvido teorias sobre o movimentoceleste, e Ptolomeu, Aristóteles e mais alguns adotaram versões da teoriageocêntrica (Terra no centro fixo ao redor do qual os outros corpos orbitam). Aversão de Ptolomeu sobre as estrelas foi tão precisa que até hoje é usada para a

    navegação. O primeiro defensor da teoria heliocêntrica (o Sol no meio do sistema)foi Aristarco no século III a.C. Seu sistema não foi aceito pois a teoria de Ptolomeuera melhor para fins práticos, e mais agradável ao pensamento grego.

    Galileu Galilei por Justus Susterman, 1636. Figura 6.

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     A teoria geocêntrica provavelmente foi questionada durante toda a IdadeMédia, embora não se tenha um trabalho concreto sobre isso. O que se sabe é queos medievais se perguntavam por que as coisas simplesmente não cairiam com amovimentação da Terra, como a Lua poderia orbitar o Sol e a Terra ao mesmotempo, entre outras coisas. Vale observar que estas não são perguntas estúpidas,prova disso é que algumas só foram respondidas no século seguinte, por Newton.

     A teoria heliocêntrica voltou a ser defendida no começo do século XVI, porCopérnico. Nicolau Copérnico foi um clérigo polonês, professor de medicina e dedireito. Nicolau e seus superiores sabiam que certas referências bíblicas aos Céuspareciam se basear na imobilidade da Terra e mobilidade do Sol e das estrelas.Uma teoria científica que contradissesse as escrituras era uma atitude polêmica, e

    poderia gerar incômodo. Para servir de exemplo, o monge Lutero foi um dos críticosmais violentos de Copérnico, que sem medir palavras chamou-o de “tolo”, e aindacomentou que “Josué ordenou que o Sol parasse, e não a Terra”, na bíblia  (MOCZAR, 2012). Teólogos protestantes da época também discordavamradicalmente da teoria heliocêntrica. Melancton, teólogo protestante e companheirode Lutero, dizia que este sistema significava o enlouquecimento das ciências.

    Johannes Kepler, famoso protestante contemporâneo de Galileu, que

    descobriu as três leis que regem os movimentos dos satélites, teve que deixarWittemberg (sua terra natal) por causa da perseguição protestante que sofreu pelasideias copernicanas. Em 1659, o Superintendente Geral de Wittemberg, Calovius,afirmou que a razão deve se calar quando a Escritura fala, e verificava com prazerque os teólogos protestantes rejeitavam até o último a teoria de que a Terra semove. Em 1662, a Faculdade de Teologia protestante de Upsala (Suécia) condenouNils Celsius por ter defendido o sistema de Copérnico. Em 1774, o pastor luteranoKohlreiff, de Ratzeburg, pregava que “a teoria do heliocentrismo era abominávelinvenção do diabo”.

    Enquanto isso, Johannes Kepler baseou-se nas observações do dinamarquêsTycho Brahe, e refinou a teoria de Copérnico para torna-la mais plausível (o quecausou a revolta dos protestantes da Universidade de Tubingen, a ponto de Keplerprecisar refugiar-se com a ajuda de jesuítas em 1596).

     A teoria de Copérnico circulou mais de sessenta anos pela Europa, sem

    qualquer desaprovação da Igreja: antes de morrer, ele havia sido encorajado pormembros do clero a divulgar seus estudos, e então escreveu o famoso “Derevolutionibus orbium coelestium” e o dedicou ao Papa Júlio III (que aceitou a

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    homenagem). Aí já se vê um problema referente a afirmação de que a Igreja negoua Galileu o direito de mostrar sua teoria. Afinal, a teoria de Copérnico havia sidoaceita e prestigiada pela Igreja. Sendo teoria do novo cientista baseada nesta,porque haveria problema? 

    De revolutionibus orbium coelestium, livro escrito por Copérnico. Figura 7. 

    É no final do século XVII que Galileu entra em cena: formado em astronomiae pouco diplomático (raramente admitia quando estava errado, a exemplo de quandoPapa Urbano, seu colega de astronomia, tentou corrigi-lo sobre a questão domovimento das marés). Existem relatos de amigos próximos ao cientista, de que eleera arrogante e egocêntrico, e os diálogos escritos pelo próprio Galileu com o clerotambém podem comprovar esta característica. Ele tinha um talento natural para oescárnio, e hoje em dia sabe-se que ele teve sorte de receber uma punição leve daIgreja por seus atos. É necessário mostrar a verdade sobre o cientista, não paradiminui-lo, mas para que saiba-se a real face desse grande personagem histórico, enão a versão distorcida que foi inventada pelo iluminismo.

     Atualmente, se tem conhecimento de que Galileu não inventou o telescópio,mas apenas o aperfeiçoou; não descobriu as manchas solares (quem o fez foi oastrônomo Johannes Frabicius); que sua opinião sobre os cometas serem umailusão de ótica estava errada, entre outras questões que ainda estão sendoestudadas (atualmente cientistas querem exumar seus restos mortais para tentar

    descobrir o quanto seu problema de visão influenciou em muitas das suas teorias).Esses fatos são importantes para que se tenha conhecimento de que ele não era umgênio imbatível, e, portanto, já foi recebido com certo ceticismo pela comunidade

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    acadêmica quando defendeu o sistema copernicano. Além disso, o problema eraagravado pelas passagens bíblicas, que (como dito anteriormente) pareciamcontradizer suas ideias.

    “Hoje já não há mais dificuldade de se conciliar a fé com a ciência, pois osestudiosos tomaram consciência de que a Bíblia não pretende ensinarciências naturais. Naquele tempo não havia essa clareza” (AQUINO, 2009,p. 230).

    Impaciente e teimoso pela reação do meio acadêmico ao seu novoestudo (que foi a de não dar a atenção esperada), o cientista foi a Roma tentar obterpatrocínio de seus admiradores, incluindo um de seus grandes amigos (por mais que

    isso possa ser difícil de conceber para a maioria das pessoas) o Papa. Este por suavez, tentou mostrar a Galileu que sua ideia era boa, porém era só uma teoria, e quepor mais que a bíblia não ensinasse ciência e sim fé, era preciso evitar contradizeras escrituras sem uma prova concreta. Outro ponto, é de que a teoria de Galileutrazia detalhes (como o movimento circular perfeito dos planetas) que nãosatisfizeram outros astrônomos. É importante lembrar que nessa época a teoria deTycho Brahe (a que permitiu Johannes Kepler descobrir as leis dos movimentos dosplanetas) não fora desaprovada, e para os medievais ela parecia muito mais próximada verdade.

    Na ida a Roma, para audiência particular com Papa Paulo V, Galileu foirecebido pelo famoso colégio de Roma com uma grande festa em sua homenagem,com a presença de vários jesuítas, condes, duques, e membros do clero em geral(isso porque alguns jesuítas gostavam muito da teoria de Copérnico, e adoraram vero cientista a defendendo).

    Todavia, Galileu ignorou o conselho do Papa, e partiu para ofensiva demaneira desastrosa. Ele mesmo relata em uma carta como havia lidado com acontrovérsia em uma festa elegante, diz ele “Comecei a bancar o teólogo”,insinuando que se as escrituras fossem usadas contra ele, ele também poderiainterpreta-las da maneira que fosse preciso.

    Ofendido pela falta de prestígio de seu estudo, Galilei se deu ao trabalho depublicar um diálogo fictício entre dois personagens, um “tolo” que apoiava Aristóteles, chamado Simplício, e outro que adotava a visão defendida por Galileu.Ele colocou as palavras do Papa Urbano na boca de Simplício, deixando claro que

    seriam tolos todos aqueles que compartilhassem da visão de Aristóteles e do Papa.Galileu simplesmente conseguiu motivos para gerar um grande conflito quandodisseram que ele não estava certo. O interessante é notar que no imaginário popular

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    é justamente o oposto que se manifesta: a Igreja que foi ignorante e não aceitouGalileu.

    O grande erro de Galileu foi tentar usar das escrituras como prova de que eleestava certo, tentando fazer com que o trecho: “O sol se levanta, o sol se põe;apressa-se a voltar a seu lugar; em seguida, se levanta de novo.” (Eclesiastes 1,5),mostrasse de alguma maneira que sua teoria estava correta. Galileu quis levar adiscussão (que era científica) para o caminho teológico, usando-se das Escrituraspara provar que sua tese era real. Esse foi seu grande erro, pois além de estarsendo herético (a heresia de manipular a bíblia de maneira que ela satisfaça suasnecessidades), ele foi derrotado pelos teólogos da época.

    “Se examinarmos o processo, vemos que Galileu não foi condenado pelassuas teses científicas, mas porque tentava fazer teologia. O próprio Galileuafirmava, errando: visto que a Terra gira em torno do Sol, devemos mudar aSagrada Escritura. Nesse caso, quando Newton descobriu a gravitaçãouniversal e Einstein a relatividade, deveríamos ter mudado de novo ostextos sagrados” –  Nicolau Cabibbo, presidente do Insituto Nacional deFísica Nuclear da Itália

    São Roberto Belarmino (cardeal amigo de Galileu) esclareceu que a teoria

    não poderia ser provada, e por isso seria tratado como o que ela era: uma hipótese.Ele escreve:

    “Se houvesse uma prova concludente de que Sol está no centro do universoe a Terra está no Terceiro céu, e que o Sol não circula a Terra, mas a Terracircula o Sol, precisaríamos proceder com grande cautela ao explicarmos asEscrituras que parecem afirmar o contrário. Precisaríamos dizer que nósnão as entendemos, em vez de dizer que seu conteúdo é falso. Mas sóacreditarei em tal prova quando me for mostrada.” Carta de São Belarminoa Foscarini.

     A prova que Belarmino pediu nunca foi mostrada, pois Galileu não a tinha.

    4.3. O “JULGAMENTO” 

    Em 1616, pelo fato de Galileu não ter dado ouvidos e ter seguido em frentedefendendo sua hipótese como verdade irrefutável, o Cardeal Roberto Belarmino o

    recomendou que parasse com isso, e que a partir de agora nem sequer defendessesua teoria. Galileu prometeu que o faria, e por isso não houve nenhum processoformal. O Papa Paulo V o acolheu, e também Papa Urbano VIII. Em 1624, Paulo III

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    inclusive deu a Galileu medalhas e outros presentes, e lhe rogou que seguisserealizando seu trabalho.

    Em maio de 1630, Galileu foi a R oma novamente para obter o Imprimatur  (uma declaração da Igreja de que um livro é bom e deve ser lido por todo católico;em latim significa “deixem-no ser impresso”) do seu livro. Padre Riccardi (amigo doastrônomo) examinando o livro, concluiu que eram necessárias 3 correções:

    1. Mudar o título de “Diálogo sobre as Marés”, porque destacava demais oúnico argumento (e errado) de Galileu para o sistema copernicano.

    2. Alterar algumas passagens.3. Alterar o prefácio, de modo a não apresentar o sistema heliocêntrico como

    verdade, mas sim como hipótese.

    Diante disso, Galileu quis imprimir o livro em Florença, e Pe. Riccardiconcordou, desde que Galileu lhe trouxesse o primeiro exemplar com as correções,para receber o “Imprimatur”. O cientista argumentou que a peste da região impedia acomunicação entre as duas cidades, e então novamente Riccardi cedeu,concordando com o exame da obra em Florença, bastando enviar a Roma só o título

    e Prefácio.

    Em Florença, Galilei conseguiu outro revisor amigo seu, Stefani, que foiinduzido a pensar que a obra já tinha sido aprovada em Roma. Stefani concedeuautorização, o título e o prefácio foram enviados para aprovação, e o livro publicadoem 1631.

    Riccardi recebeu um exemplar e viu com surpresa que antes da aprovaçãoflorentina, estava a sua, e sem nenhuma correção no livro: o sistema copernicanoera apresentado em toda a obra, exceto no prefácio, como verdade incontestável.Foi aí que Papa Urbano VII passou o assunto à Inquisição.

     A comissão encarregada de examinar a obra destacou oito pontos, quedeveriam ser esclarecidos. Mas deixaram claro que a desobediência do cientista eraum agravante sério.

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    Depois de vários adiamentos (doença, velhice, peste, inundações, entreoutras alegações) Galileu foi a Roma para julgamento. Foi submetido a quatroquestionamentos. No primeiro negou que houvesse defendido o sistemaheliocêntrico no livro. No segundo disse que relendo o livro, reparou em algunstrechos onde o leitor pode pensar que ele defendia o sistema. No terceiro desculpou-se por desobedecer a proibição de 1616, afirmando que não se recordara. E noquarto e último (21/06/1633) lhe perguntaram solenemente se ele defendia o sistemacopernicano, e ele negou. No dia seguinte, foi declarado em Decreto do Santo Ofícioem sentença pública: “... é absolvido da suspeição de heresia, desde que abjure,maldiga e deteste ditos erros e heresias...” 

    Na época que o famoso “julgamento” ocorreu, Galileu estava com 70 anos, e

    uma saúde debilitada. Como já foi dito, ele não foi torturado nem preso. Enquantoestava em Roma, ficou primeiro na embaixada florentina e depois no apartamentodo palácio do Vaticano, acompanhado de um empregado, com vinho e comidafornecidos pela embaixada. Nunca houve um imenso tribunal cheio de inimigos.Estavam presentes apenas Galileu, dois oficiais e um secretário. Depois o relato dosoficiais foi submetido a um tribunal de dez cardeais, dos quais três se negaram avotar. Também é falsa a afirmação de que ele teria dito “E, no entanto, ela se move”,ao sair da sala. Essa afirmação apareceu pela primeira vez em um livro sobreGalileu, escrito dois séculos depois, sem nenhum embasamento empírico para essa

    questão (MOCZAR, 2012).

    É fato que a Igreja foi longe para obter uma retratação de Galileu, e isso sedeu por várias razões: seu escárnio público do papa, no diálogo citado anteriormente(publicado em 1632, que fazia chacota também de Aristóteles, que se é admiradonos dias de hoje, quanto mais no século XVI, renascentista); o fato de que Galileuensinou por anos sua teoria como se fosse fato, negando a todos que pudesse estarerrado; o conflito gerado com os protestantes, pelo fato de que o que o cientista fez

    (de apresentar sua teoria como fato) criou uma impressão de que os católicos nãoligavam para verdades bíblicas (e só agravou ainda mais a difícil situação que sealastrava com o protestantismo); a depreciação que ele fez por cientistas e filósofosmuito respeitados; e por fim, a possibilidade da existência de uma teoria alternativaque pudesse ser tão plausível como as outras. Sobre este último ponto, o filósofo daciência Paul Feyerabend comenta: “A Igreja no tempo Galileu mostrou-se muito maisracional do que o próprio Galileu”.

    Felipe Aquino também explica sobre a época do caso de Galileu:

    “Outro fato, para alguns teólogos, a defesa de Galileu assemelhava-se comas inovações protestantes do “livre exame da Bíblia”, defendido por Lutero

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    apartir de 1517. (...) Na época de Galileu ainda era pequeno odesenvolvimento das ciências naturais, então era normal usar as SagradasEscrituras também para explicações científicas, o que hoje não se faz mais”(AQUINO, 2009, p. 231).

    Galileu retratou-se, e recebeu detenção. Em razão de sua saúde e idade, suapena foi um tipo de prisão domiciliar: deveria permanecer na sua casa em Toscana.O famoso Descartes observa que esta foi somente uma ação disciplinar dacomissão, não ratificada por Papa Urbano. Galileu passou então os últimos dez anosde sua vida produzindo sua melhor obra: um trabalho sobre física. De fato, este foimuito melhor do que seus estudos anteriores em astronomia, e Newton aproveitouseu trabalho sobre movimento e gravidade.

    O Professor Annibale Fantoni, doutor em matemática e física pela

    Universidade de Roma, italiano, mestre em filosofia e teologia, e autor do livro“Galileu – pelo copernicanismo e pela Igreja” (um dos livros mais respeitados sobreo assunto) conclui que é irracional pensar que Galileu foi castigado por sustentarque a terra gira ao redor do sol; se assim fosse Copérnico também teria sidocastigado (afinal teve a ideia antes de Galileu, e não sofreu nenhum processo). Adiferença é que Copérnico era um cientista humilde e afirmou suas ideias comohipóteses, e Galileu foi agressivo e teimoso, mesmo sem provas.

    4.4. A CONSEQUÊNCIA DA MENTIRA

    Nos dias atuais, Galileu tornou-se um ícone: o iluminismo cumpriu suamissão. O caso de Galileu (da maneira que foi e ainda é contado em muitos lugares)serve para gerar o atrito entre ciência e religião, e despertar na mente dos cidadãosessa ideia de que essas coisas são incompatíveis (pensamento esse que o próprioGalileu desaprovaria). O Arcebispo Gianfranco Ravasi, presidente do ConselhoPontifício para a Cultura, afirma:

    “Efetivamente é necessário dizer que Galileu era um grande crente, e quedisse muitas coisas importas do ponto de vista da teologia, do métodoteológico, do método exegético. Precisamente sobre esta base, surpreendeum pouco que ainda se utilize Galileu como uma espécie de bandeira contraa Fé.” (DE LA TORRE, 24 de abril de 2009).

    Para concluir a história, vale a pena citar os comentários do Prof. JoaquimBlessmann, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Mestre eDoutor em Ciências pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica, que resumem bem ocaso:

  • 8/18/2019 Idade Média e Igreja Católica - Oque Não Nos Ensinaram

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    1. O episódio de Galileu é lamentável, mas compreensível, se levarmos emconsideração o ambiente, costumes e mentalidade vigentes naquelaépoca

    2. A imagem Galileu versus Igreja