Idade Avançada

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 DOSSIER COMORBILIDADE DE DOENÇAS CRÓNICAS EM MGF Rev Port Clin Geral 2007;23:191-5 191 *Prof. Auxiliar de Fisiologia, Investigadora em Gerontologia M. AMÁLIA BOTELHO* Idade avançada – características biológicas e multimorbilidade  A idade cronológica constitui uma referência sobre os in- divíduos que está inevitavel- mente ligada ao seu enve- lhecimento, sendo 65 anos a idade con- sensualmente indicada para a designa- ção de idoso. 1,2  A sua consideração tem as vantagens de esta ser isenta de con- dicionalismos grupais como o sexo, a raça ou a condição social. No entanto, o percurso de vida individual pode con- duzir a diferenças substanciais entre indivíduos que sejam da mesma coorte de nascimento. Em abordagens populacionais é co- mum fazer o agrupamento dos indiví- duos, em relação à idade, segundo gru- pos etários. Uma separação frequente- mente encontrada em estudos e em es- tatísticas internacionais em idosos compreende os grupos: dos 65 aos 74 anos, dos 75 aos 84 anos e com 85 ou mais anos. 3 Em relação à longevidade humana , a prevalência de indivíduos que actual- mente atinge idades avançadas tem sido crescente, principalmente desde a segunda metade do século passado. 3 Este facto deve-se essencialmente ao declínio da taxa de fertilidade, que se evidencia numa elevada média da ida- de populacional, e da taxa de mortali- dade, a que corresponde o aumento da sobrevida dos mais velhos. Uma vez que a longevidade humana está intimamente ligada ao processo de envelhecimento e à vulnerabilidade para doença e morte, a existência de uma elevada percentagem de pessoas idosas numa população constitui um índice de progresso e desenvolvimento da sociedade em que está inserida. Como não é possível medir o envelhe- cimento directamente, existe a necessi- dade de identificar parâmetros que o possam sinalizar, e que são apresenta- dos como marcadores biológicos do en-  vel hecimento do org an ismo hum ano. 4,5 Surge, assim, a noção de idade bio- lógica , associada ao conhecimento das alterações que diversos parâmetros or- gânicos e funcionais sofrem à medida que se envelhece. 5  A sua mediç ão p er- mite conhecer aspectos do envelheci- mento a nível individual, e assim carac- terizar e distinguir indivíduos e grupos. 5 No entanto este conceito tem limita- EDITORIAIS  I DADE A VANÇADA RESUMO A idade cronológica está inevitavelmente ligada ao envelhecimento; no entanto, devido à diver- sidade de expressão do envelhecimento humano e à necessidade de identificar parâmetros que o  poss am s inal iza r, s urgiu a noç ão de idad e bioló gica, co mo melho r tradu tora do estado or gânico e funcional dos organismos envelhecidos. A conceptualizaç ão sobre envelhecimento passa pela caracterizaçã o de um conjunto de alterações que ocorrem nos seres vivos à medida que progridem no seu tempo de vida. O processo é consi- derado ser fisiológico, atingir todos os níveis da organização biológica, evoluir gradualmente e estar sujeito a determinantes de origem genética e ambiental. Devid o à precocidade e coexistência das alterações próprias do envelhecimento fisiológico e das que são devidas a doença crónica, há defensores e oposit ores à possibili dade de separa ção entre estas duas entidades. Pode dizer-se que há comprovativos para qualquer destas duas acepções, o que  p rovave lmente se d eve a p adrõe s de en velhe cimen to dive rgente s entre pop ulações en vel hec ida s. No entanto, podemos constatar ser grande a vulnerabilidade nos organismos envelhecidos para a ocorrência de doença, sendo múltiplas, e ao nível dos diversos órgãos e sistemas, as possibilida- des de manifestação disfuncional das alterações consideradas como fisiológicas, assim como a sua eventual correspondência para diversas patologias. Palavras-Chave: Envelhecimento; Comorbilidade; Multimorbilidade.

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COMORBILIDADE DE DOENÇAS

CRÓNICAS EM MGF

Rev Port Clin Geral 2007;23:191-5 191

*Prof. Auxiliar de Fisiologia,

Investigadora em Gerontologia 

M. AMÁLIA BOTELHO*

Idade avançada –características biológicase multimorbilidade

 A idade cronológica constituiuma referência sobre os in-divíduos que está inevitavel-mente ligada ao seu enve-

lhecimento, sendo 65 anos a idade con-sensualmente indicada para a designa-ção de idoso.1,2 A sua consideração temas vantagens de esta ser isenta de con-dicionalismos grupais como o sexo, a raça ou a condição social. No entanto,o percurso de vida individual pode con-duzir a diferenças substanciais entreindivíduos que sejam da mesma coortede nascimento.

Em abordagens populacionais é co-mum fazer o agrupamento dos indiví-

duos, em relação à idade, segundo gru-pos etários. Uma separação frequente-

mente encontrada em estudos e em es-tatísticas internacionais em idososcompreende os grupos: dos 65 aos 74anos, dos 75 aos 84 anos e com 85 oumais anos.3

Em relação à longevidade humana,a prevalência de indivíduos que actual-mente atinge idades avançadas temsido crescente, principalmente desde a segunda metade do século passado.3

Este facto deve-se essencialmente aodeclínio da taxa de fertilidade, que se

evidencia numa elevada média da ida-de populacional, e da taxa de mortali-dade, a que corresponde o aumento da sobrevida dos mais velhos.

Uma vez que a longevidade humana está intimamente ligada ao processo deenvelhecimento e à vulnerabilidadepara doença e morte, a existência deuma elevada percentagem de pessoasidosas numa população constitui umíndice de progresso e desenvolvimentoda sociedade em que está inserida.

Como não é possível medir o envelhe-cimento directamente, existe a necessi-dade de identificar parâmetros que opossam sinalizar, e que são apresenta-dos como marcadores biológicos do en-

 velhecimento do organismo humano.4,5

Surge, assim, a noção de idade bio-

lógica, associada ao conhecimento dasalterações que diversos parâmetros or-gânicos e funcionais sofrem à medida que se envelhece.5 A sua medição per-mite conhecer aspectos do envelheci-mento a nível individual, e assim carac-terizar e distinguir indivíduos e grupos.5

No entanto este conceito tem limita-

EDITORIAISI DADE AVANÇADA

RESUMO A idade cronológica está inevitavelmente ligada ao envelhecimento; no entanto, devido à diver- 

sidade de expressão do envelhecimento humano e à necessidade de identificar parâmetros que o  possam sinalizar, surgiu a noção de idade biológica, como melhor tradutora do estado orgânico e funcional dos organismos envelhecidos.A conceptualização sobre envelhecimento passa pela caracterização de um conjunto de alterações que ocorrem nos seres vivos à medida que progridem no seu tempo de vida. O processo é consi- derado ser fisiológico, atingir todos os níveis da organização biológica, evoluir gradualmente e estar sujeito a determinantes de origem genética e ambiental.Devido à precocidade e coexistência das alterações próprias do envelhecimento fisiológico e das que são devidas a doença crónica, há defensores e opositores à possibilidade de separação entre estas duas entidades. Pode dizer-se que há comprovativos para qualquer destas duas acepções, o que 

 provavelmente se deve a padrões de envelhecimento divergentes entre populações envelhecidas.No entanto, podemos constatar ser grande a vulnerabilidade nos organismos envelhecidos para a ocorrência de doença, sendo múltiplas, e ao nível dos diversos órgãos e sistemas, as possibilida- 

des de manifestação disfuncional das alterações consideradas como fisiológicas, assim como a sua eventual correspondência para diversas patologias.

Palavras-Chave: Envelhecimento; Comorbilidade; Multimorbilidade.

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CRÓNICAS EM MGF

ções, entre os quais a selecção dos mar-cadores, uma vez que sendo substân-cias orgânicas sofrem, tal como o orga-nismo em envelhecimento, a influência de factores genéticos e ambientais.6

 Também não é simples a selecção dosindivíduos para estudos desta nature-za, nomeadamente em relação à sua idade e estado de saúde.4

 Apesar destas limitações, torna-sepossível e vantajoso poder evidenciar di-

ferenças existentes entre indivíduos coma mesma idade cronológica e que apre-sentem diferente condição biológica.

Neste contexto, vale a pena lembrar os objectos de estudo da Gerontologia

e da Geriatria, ambas dedicadas às vá-rias facetas do envelhecimento huma-no, respectivamente sem doença e comdoença. Devido à existência de interac-ções entre o declínio fisiológico própriodo envelhecimento e doenças específi-cas, é de realçar a importância do co-

nhecimento gerontológico para a acti- vidade clínica.

Pode definir-se envelhecimento comoum processo fisiológico, gradual, previ-sível e inevitável próprio dos seres vivos,que envolve evolução e maturação, édeterminado geneticamente e modula-do ambientalmente. Decorre a todos osníveis da organização biológica com al-terações irreversíveis na estrutura efuncionamento de células, tecidos, ór-gãos e sistemas, e do organismo comoum todo.5,6

O seu decurso é lento e contínuo,conduzindo a uma diminuição progres-siva da reserva funcional dos diferentesórgãos e sistemas, podendo notar-sereacções mais lentas a estímulos, maio-res flutuações no funcionamento emaior demora em se voltar a um esta-do de repouso, que correspondem a li-

mitações na adaptação homeostática,que se podem integrar na designação de

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homeostenose.7 Declinam as capaci-dades para tolerar stress de natureza fí-sica, designadamente térmico, oxidati-

 vo, farmacológico, nutricional e hipóxi-co ou isquémico, surgindo diminuiçãodos ajustamentos moleculares necessá-rios para tolerar estes desafios, que po-dem ser apenas evidentes em períodosde esforço máximo ou de stress.7 

Existem muitas teorias que tentam

explicar os mecanismos de envelhe-

cimento, algumas das quais se sobre-põem, podendo distinguir-se dois gran-des grupos: teorias de programação,que consideram o envelhecimento de-pendente de factores genéticos, comprogramação genética da senescência celular, sendo os genes ligados ao en-

 velhecimento accionados à medida quea idade aumenta; e teorias de lesão,queadvogam a favor da existência de lesãodos sistemas homeostáticos, com acu-mulação progressiva de danos de ma-

cromoléculas, causada por outras ma-cromoléculas produzidas no decursonormal do metabolismo, tais como osradicais livres de oxigénio. Muito pro-

 vavelmente factores de ambas estas ver-tentes contribuem para o processo deenvelhecimento fisiológico.8

De acordo com estas noções, inter-pretam-se as manifestações fisiológi-

cas do envelhecimento como estandoassociadas à diminuição e mau funcio-namento celular e do tecido conjuntivode suporte.5,7,9

Estas limitações surgem a partir da terceira década de vida, com muita di-

 versidade de expressão, com ritmos dedeclínio variáveis entre vários órgãos nomesmo indivíduo e entre indivíduos.7

São influências reconhecidas a nível in-dividual, e que contribuem para a varia-

 bilidade interpessoal, factores genéticos,hábitos de vida e aspectos ambientais.6

Pode analisar-se no Quadro I uma listagem de alterações fisiológicas devi-das ao avanço da idade e suas conse-

quências ao nível de manifestações clí-nicas.7

EDITORIAISC ARACTERÍSTICAS B IOLÓGICAS 

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QUADRO I

ALTERAÇÕES FISIOLÓGICAS DEVIDAS AO AVANÇO DA IDADE E SUAS CONSEQUÊNCIASAdaptado de Resnick NM, Dosa D. Part One - Introduction to Clinical Medicine: 8.Geriatric Medicine. In: Harrison's Principles of Internal Medicine. 16th ed.(2005) McGraw-Hill

Ordenação Órgão/ICPC /sistema Alterações Consequências de alterações fisiológicas Consequências de doençaA Geral ↑ Gordura corporal ↑ Volume de distribuição de fármacos lipossolúveis Obesidade

↓ Água corporal ↓ Volume de distribuição de fármacos hidrossolúveis AnorexiaB Hematológico ↓ Reserva da medula óssea (?) Anemia

Imune ↓ Função das células T Resposta PPD falsa negativa↓ Autoanticorpos Resposta factor reumatoide e anticorpo Doença autoimune

antinuclear falsa positivaD Gastrointestinal ↓ Acidez gástrica ↓ Absorção de Ca2+ em estômago vazio Osteoporose, deficiência em vit.B12

Atrofia intestinal Dificuldade de absorção de alguns nutrientes↓ Motilidade do cólon Obstipação Impactação fecal↓ Função ano-rectal Incontinência fecal↓ Função hepática Demora no metabolismo de alguns fármacos Cirrose

F Olhos Presbiopia ↓ AcomodaçãoOpacificação das lentes ↑ Susceptibilidade à claridade/brilho CegueiraNecessidade de mais iluminação

H Ouvidos ↓ Acuidade de alta frequência Dif iculdade de discr iminação de palavras com Surdezruído de fundo

K Cardiovascular ↓ Distensibilidade arterial ↑ PA sistólica→↑VE→↓VS→↓DC↓ Automatic idade do nódulo SA Alterações da r itmicidade cardíaca↓ Sensibilidade baroreceptora Deficiente resposta tensional ao ortostatismo Bloqueio cardíaco

e à depleção de volume↓ Resposta β adrenérgica ↓ FC em resposta ao stress  Insuficiência cardíaca↓ Aporte circulatório a diversos órgãos ↓ Funcional de vários órgãos

L Músculo- ↓ Massa muscular, fibrose, atrofia Perda de força contráctil Incapacidade funcional-esquelético ↓ Densidade óssea Osteopenia Fractura da anca

N Sistema Nervoso Atrofia cerebral Dismnésia benigna da senescência Demência, delírio↓ Síntese catecolaminas cerebrais Depressão↓ Síntese dopaminérgica cerebral Marcha mais rígida Doença de Parkinson↓ Reflexos posturais ↑ Balanço corporal Quedas↓ Estadio IV do sono Acordar precoce; insónia Apneia do sonoDesregulação térmica Menor temperatura de repouso Hipotermia, hipertermia

R Respiratório ↓ Vascularização e elasticidade pulmonar Desequilíbrio ventilação/perfusão e ↓ PO2 Dispneia, hipóxia↓ Reflexo da tosse Microaspiração Pneumonia de aspiração↑ Rigidez parede torácica ↓ Expansão torácica, respiração abdominal

S Pele ↓ Espessura e ↓ filme lipídico superficial ↑ cinturaRedistribuição centrípeta da gordura

 T Endócrino Resistência à insulina Tendência para ↑glicémia Diabetes MellitusAlteração da produção e Tendência para ↓ tiroxina Disfunção tiroideia

depuração da tiroxina↓ Absorção e activação da vit. D Osteopénia Osteomalácia, fractura↑ ADH, ↓ renina e ↓ aldosterona ↓ Na+, ↑ K+

U Renal ↓ Taxa de fi ltração g lomerular Perturbação da excreção de alguns fármacos ↑ Creatinina plasmática↓ Concentração/diluição da urina Resposta retardada à restrição/sobrecarga ↓↑ Na+

de sódio ou fluidos; nictúriaEnfraquecimento músculos vesicais Dificuldadea na retenção e esvaziamento da bexigae esfíncteres

XY Genital ↓ Estrogénios Menopausa, esterilidade e atrofia dos órgãossexuais 2ºs

Atrofia vaginal e uretral Dispareunia; bacteriúria Infecção urinária sintomática↑ Próstata ↑ volume residual de urina Incontinência / retenção urina

Alterações geralmente observadas em pessoas idosas saudáveis, livres de sintomas e de doença detectável nos órgãos/sistemas estudados. As alterações geralmente só são importantes quando o sistema está emstress ou se somam outros factores; raramente causam sintomatologia. Abreviaturas: ADH - hormona antidiurética; Ca2+ - cálcio; DC - débito cardíaco; FC - frequência cardíaca; ICPC - International Classification of Primary Care; K+ - potássio; Na+ - sódio; PA - pressão arterial; PO2 -pressão parcial de oxigénio; PPD - proteína purificada derivada; SA - sino auricular; VE - ventrículo esquerdo; vit. - vitamina.

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 Tendo em conta que o modo como se vive determina o modo como se enve-lhece, é reconhecida a existência de al-guns padrões de envelhecimento.

Define-se comoenvelhecimento ac-

tivo o processo de optimização de opor-tunidades de saúde, participação e se-gurança, no decurso da vida, para pro-mover a qualidade de vida à medida quese envelhece.10 Este conceito, que sur-ge como um novo modelo de abordagem

do envelhecimento, aplica-se a indiví-duos e a grupos e, sob esta perspecti- va, uma pessoa tende a realizar o seupotencial para um envelhecimento com

 bem-estar físico, social e mental ao lon-go da vida, ter participação continuada na sociedade de acordo com as suasnecessidades e capacidades, assimcomo acesso a protecção, segurança ecuidados adequados quando requisitar assistência. Considera-se, ainda, quehá diversos determinantes da saúde

que moldam o processo individual deenvelhecimento, entre os quais o sexo,a cultura, e factores relacionados coma saúde e com aspectos sociais, com-portamentais, ambientais e pessoais.

Esta linha de raciocínio foi precedi-da de conceptualizações afins, taiscomo: a noção de envelhecimento bem

sucedido,11 em que se considera poder haver adaptação ao envelhecimento demodo a manter ou alcançar satisfaçãocom a vida, estado de espírito elevado e

 bem-estar psicológico, com alteraçõesmínimas de declínio, tendo factores ex-trínsecos, como determinados hábitosmantidos ao longo da vida, um papelpositivo; o envelhecimento com opti-

mização selectiva com compensa-

ção,12 em que a adaptação às mudan-ças se vai fazendo com opções conscien-tes e estratégias eficazes; ou o enve-

lhecimento com vitalidade,13 queincentiva a autosuficiência em envelhe-cer bem, cuidando do corpo e da men-te, mediante o treino de estratégias de

aquisição de competências de vária or-dem.

É difícil distinguir entre as alteraçõespróprias do envelhecimento fisiológicoe as que são patológicas.

Há defensores da existência de umenvelhecimento natural, sem doen-

ça, como um processo relativamente benigno em que o declínio das reservashomeostáticas não se manifesta sinto-

maticamente nas actividades corren-tes.11 Nesta concepção, as alteraçõesconsideradas próprias do envelheci-mento são vistas como percursoras de

 vulnerabilidade para a expressão dedoença, incapacidade e efeitos adversosde fármacos.

Os defensores da não separação en-

tre envelhecimento e doença, cha-mam a atenção para o longo períodosub-clínico das doenças crónicas, quepode corresponder ao período das alte-

rações da senescência, e que algumasdessas alterações que hoje são conside-radas normais, podem vir a ser tidascomo patológicas, tal como sucedeucom a arteriosclerose.14

Sob o ponto de vista epidemiológico,duas visões opostas abordam a rela-

ção entre o aumento da longevidade

e a prevalência de doença. Por umlado, a noção de haver maior prevalên-cia de doença e de incapacidade asso-ciadas ao aumento da longevidade, aoque os autores chamaram «pandemia de incapacidade».15 Por outro, a noçãode que o aumento da longevidade po-dia ser acompanhado por um aumen-to do tempo de vida sem manifestaçõesde doença, designado como «compres-são da morbilidade».16,17

Pode dizer-se que há comprovativospara qualquer destas duas acepções, oque provavelmente se deve a padrões deenvelhecimento opostos entre popula-ções envelhecidas, a percursos de vida mais, ou menos, deletérios e adaptados

aos desafios do avanço em idade. Apresenta-se no Quadro I uma lis-

MULTIMORBILIDADE 

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tagem das consequências quanto a ex-pressões de doença 7de alterações fisio-lógicas devidas ao avanço da idade.

Pela sua análise podemos constatar ser grande a vulnerabilidade nos orga-

nismos envelhecidos à ocorrência de

doença, tanto sob a forma da presença de patologias cuja expressão esteja fre-quentemente associada, ou comorbili-dade, como traduzida pela coincidência de doenças aparentemente não rela-

cionadas entre si, cormobilidade/mul-timorbilidade.São doenças geriátricas comuns a 

resistência à insulina e intolerância à glucose, a dislipidémia, a hipertensãoarterial, a doença arteriosclerótica car-diovascular e cerebrovascular, a artritee a osteoporose.18,19

É de notar que a presença de doen-

ça nos idosos conduz com facilidade

a situações de incapacidade com de-

pendência funcional de terceiros,20

mas que, apesar de uma correlação po-sitiva entre morbilidade e incapacidade,a maioria dos indivíduos idosos apre-senta autonomia ou independência fun-cional.3,7,21

1. World Health Organization. The WorldFactbook. Geneva: WHO; 2003.

2. OECD. OECD Health Data 2006. Paris:OECD: 2006.

3. Mittelmark MB. The Epidemiology of 

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 York: McGraw-Hill; 1994. p. 135-151.4. Rendas AB. Adaptações normais e

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Endereço para correspondência 

M. Amália BotelhoDepartamento de Fisiologia Faculdade de Ciências MédicasCampo dos Mártires da Pátria, 1301169-056 Lisboa E-mail: [email protected] 

R EFERÊNCIAS B IBLIOGRÁFICAS