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Mais Superior Tiragem: 50000 País: Portugal Period.: Mensal Âmbito: Saúde e Educação Pág: 20 Cores: Cor Área: 20,88 x 29,39 cm² Corte: 1 de 6 ID: 43937145 01-09-2012 LER PARA CRER Ei-los que chegam de todo o país, trazendo consigo sotaques, alguns medos, muitos sonhos, mudas de roupa q.b. e dicas de receitas práticas e saudáveis das mães mais preocupadas. Rebolam na relva, vi- ram a roupa ao contrário, sabem os cancioneiros de curso na ponta da língua e esboçam os primei- ros sorrisos para as novas amizades que fazem na fila da praxe e que cuja imagem imortalizarão até ao final do seu percurso académico que ago- ra começa graças a umas simpáticas e opulentas orelhas de burro. A Mais Superior andou à boleia dalgumas das mais genuínas tradições académicas portuguesas e concluiu que “Uma vez caloiro, sem- pre caloiro!”, palavra de Doutores e Engenheiros. Texto: Bruna Pereira e João Diogo Correia Fotos: Duarte Fortunato e Paulo Fortunato Caloirada À SOLTA Lisboa, menina e moça... Caloira A mochila trazida às costas parece herdada ain- da do Secundário, mas o espírito é agora outro. O Metropolitano de Lisboa anuncia às 8:30h, em ansiosos néones verdes, a estação da Cidade Uni- versitária e todos eles saem. Lá fora, Doutores gri- tam pujantemente “Caloiros de Direito?”. E a esta pergunta vão sendo levantados dedos no ar - não vá o primeiro “caloiro não fala!” surgir da boca dos trajados. Uma vez chegados à superfície, as equipas junto do Jardim do Campo Grande parecem formadas: e se dum lado os Doutores e Veteranos se apre- sentam de preto e branco, do outro, T-shirts e calças de ganga parecem ser a indumentária mais adequada para quem joga na equipa dos caloiros. A 'guerra de sexos' entre os cursos “Tenho saudades de ser caloira todos os dias!” Vernizes, pinturas, terra, farinha... E muita risota Respeitinho à Dux! Humildade, União e Inteligência Tomás Pereira tem 18 anos e acaba de ingressar no Curso de Biologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FUCL). “Estou muito contente, porque era mesmo a minha primeira opção!”. Quanto a praxes, a experiência não po- dia estar a ser melhor: “Comecei já a semana pas- sada. Aprendi a dançar e a cantar umas músicas bastante sugestivas... (risos), sobretudo dedica- das ao Curso de Informática, cujos estudantes são maioritariamente homens, ao contrário do que se passa em Biologia, onde prevalecem as mulheres”. A Mais Superior perguntou ao Tomás pelo refrão de tamanho hit e aqui fica a amostra do que poderá ser ouvido durante as próximas semanas pelas ruas de Lisboa: “É sexta-feira! Ye! Vocês queriam brincadeira! Ye! Mas hoje é dia de picanço! Preparem-se para um enrabanço! Bom, bom, bom, bom! Já, já, já, já!...”. Quem o admite é Andreia Oliveira, membro da Comissão Organizadora da Praxe Académica (COPA) de Biologia da FCUL. “Fazemos questão de ir buscar qualquer caloiro que nos pareça mais sozinho, explicamos em que consiste a praxe, perguntamos se está interessado em participar e sublinhamos, acima de tudo, que nada nesta semana de receção ao caloiro tem a ver com humilhação. O que queremos é que se divirtam, façam novas amizades, conheçam a instituição onde vão estudar nos próximos anos e recordem com muito carinho estas semanas – eu, por exemplo, tenho saudades de ser caloira todos os dias!”, garante ‘Micro’, a Doutora que herdou este nome de praxe por ter arranjado uma madrinha com o mesmo nome que viu nela uma versão júnior (neste caso, micro) dela mesma. Mas as tradições académicas passam por muito mais do que cantarolar músicas que ninguém deverá levar a mal (pede-se o favor). Mariana Capítulo mostra, a propósito, um colar que traz ao pescoço e onde aparecem inscritos os três princípios da praxe que lhe foram já incutidos: Humildade, União e Inteligência. “Aqui ninguém humilha ninguém. Somos muito bem recebi- dos, os doutores estão sempre disponíveis para nós e princípios como estes servem para a vida toda. A praxe é uma experiência única e estou a adorar!”, explicou a também caloira de Biologia da FCUL. A euforia por ter conseguido entrar no Superior estava ao rubro – melhor, só mesmo se Rita Mar- tins tivesse conseguido entrar na sua primeira opção. “No entanto, estou muito feliz e já estou toda pintada a rigor e pronta para aproveitar o meu momento de caloira, como podem ver... (risos)”. Ver uma mulher no comando da colher de pau é uma honra, pelo menos no ver de Inês Miranda. “Eu sempre vivi muito o espírito académico, ten- do inclusivamente sido a caloira do ano no meu tempo, por ser muito participativa. E a verdade é uma: fazia de tudo para voltar a ser caloira”, refere a aluna de Ciências da Saúde e também Dux, ou seja, órgão máximo da praxe, momento antes de autorizar uma caloira a fumar... Mas só com recurso a sapatos nas mãos, nada de dedos no cigarro! O André não esconde a emoção dos tempos em que também ele rebolava na relva de roupa vira- da ao contrário. “Mas agora também me divirto, faço jogos com eles, tento integrá-los em grupo e procuro que passem a conhecer-se melhor.”, refere o Doutor do 3º ano do Curso de Ciências da Cultura, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL). É sexta-feira! Ye! Vocês queriam brincadeira! Ye!

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LER PARA CREREi-los que chegam de todo o país, trazendo consigo

sotaques, alguns medos, muitos sonhos, mudas de

roupa q.b. e dicas de receitas práticas e saudáveis

das mães mais preocupadas. Rebolam na relva, vi-

ram a roupa ao contrário, sabem os cancioneiros

de curso na ponta da língua e esboçam os primei-

ros sorrisos para as novas amizades que fazem

na fila da praxe e que cuja imagem imortalizarão

até ao final do seu percurso académico que ago-

ra começa graças a umas simpáticas e opulentas

orelhas de burro. A Mais Superior andou à boleia

dalgumas das mais genuínas tradições académicas

portuguesas e concluiu que “Uma vez caloiro, sem-

pre caloiro!”, palavra de Doutores e Engenheiros.

Texto: Bruna Pereira e João Diogo Correia

Fotos: Duarte Fortunato e Paulo Fortunato

CaloiradaÀ SOLTALisboa, menina e moça... CaloiraA mochila trazida às costas parece herdada ain-da do Secundário, mas o espírito é agora outro. O Metropolitano de Lisboa anuncia às 8:30h, em ansiosos néones verdes, a estação da Cidade Uni-versitária e todos eles saem. Lá fora, Doutores gri-tam pujantemente “Caloiros de Direito?”. E a esta pergunta vão sendo levantados dedos no ar - não vá o primeiro “caloiro não fala!” surgir da boca dos trajados. Uma vez chegados à superfície, as equipas junto do Jardim do Campo Grande parecem formadas: e se dum lado os Doutores e Veteranos se apre-sentam de preto e branco, do outro, T-shirts e calças de ganga parecem ser a indumentária mais adequada para quem joga na equipa dos caloiros.

A 'guerra de sexos' entre os cursos “Tenho saudades de ser caloira todos os dias!”

Vernizes, pinturas, terra, farinha... E muita risota

Respeitinho à Dux!

Humildade, União e Inteligência

Tomás Pereira tem 18 anos e acaba de ingressar no Curso de Biologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FUCL). “Estou muito contente, porque era mesmo a minha primeira opção!”. Quanto a praxes, a experiência não po-dia estar a ser melhor: “Comecei já a semana pas-sada. Aprendi a dançar e a cantar umas músicas bastante sugestivas... (risos), sobretudo dedica-das ao Curso de Informática, cujos estudantes são maioritariamente homens, ao contrário do que se passa em Biologia, onde prevalecem as mulheres”. A Mais Superior perguntou ao Tomás pelo refrão de tamanho hit e aqui fica a amostra do que poderá ser ouvido durante as próximas semanas pelas ruas de Lisboa: “É sexta-feira! Ye! Vocês queriam brincadeira! Ye! Mas hoje é dia de picanço! Preparem-se para um enrabanço! Bom, bom, bom, bom! Já, já, já, já!...”.

Quem o admite é Andreia Oliveira, membro da Comissão Organizadora da Praxe Académica (COPA) de Biologia da FCUL. “Fazemos questão de ir buscar qualquer caloiro que nos pareça mais sozinho, explicamos em que consiste a praxe, perguntamos se está interessado em participar e sublinhamos, acima de tudo, que nada nesta semana de receção ao caloiro tem a ver com humilhação. O que queremos é que se divirtam, façam novas amizades, conheçam a instituição onde vão estudar nos próximos anos e recordem com muito carinho estas semanas – eu, por exemplo, tenho saudades de ser caloira todos os dias!”, garante ‘Micro’, a Doutora que herdou este nome de praxe por ter arranjado uma madrinha com o mesmo nome que viu nela uma versão júnior (neste caso, micro) dela mesma.

Mas as tradições académicas passam por muito mais do que cantarolar músicas que ninguém deverá levar a mal (pede-se o favor). Mariana Capítulo mostra, a propósito, um colar que traz ao pescoço e onde aparecem inscritos os três princípios da praxe que lhe foram já incutidos: Humildade, União e Inteligência. “Aqui ninguém humilha ninguém. Somos muito bem recebi-dos, os doutores estão sempre disponíveis para nós e princípios como estes servem para a vida toda. A praxe é uma experiência única e estou a adorar!”, explicou a também caloira de Biologia da FCUL.

A euforia por ter conseguido entrar no Superior estava ao rubro – melhor, só mesmo se Rita Mar-tins tivesse conseguido entrar na sua primeira opção. “No entanto, estou muito feliz e já estou toda pintada a rigor e pronta para aproveitar o meu momento de caloira, como podem ver... (risos)”.

Ver uma mulher no comando da colher de pau é uma honra, pelo menos no ver de Inês Miranda. “Eu sempre vivi muito o espírito académico, ten-do inclusivamente sido a caloira do ano no meu tempo, por ser muito participativa. E a verdade é uma: fazia de tudo para voltar a ser caloira”, refere a aluna de Ciências da Saúde e também Dux, ou seja, órgão máximo da praxe, momento antes de autorizar uma caloira a fumar... Mas só com recurso a sapatos nas mãos, nada de dedos no cigarro!

O André não esconde a emoção dos tempos em que também ele rebolava na relva de roupa vira-da ao contrário. “Mas agora também me divirto, faço jogos com eles, tento integrá-los em grupo e procuro que passem a conhecer-se melhor.”, refere o Doutor do 3º ano do Curso de Ciências da Cultura, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL).

É sexta-feira! Ye! Vocês queriam brincadeira! Ye!

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Aveiro, Pás, lenços e papiros para contar a históriaO relógio ainda não marcava 9h da manhã e já o aglomerado de alunos à porta de um dos blocos do campus da Universidade de Aveiro (UA) fazia parar quem por ali passava. Os alunos mais expe-rientes preparavam as boas-vindas aos que ainda só conseguiam apalpar terreno. Por entre os notáveis, trajados a rigor, sobressai Paulo Pintor ou, como passará a ser conhecido, Mestre Salgado. Uma enorme ‘pá do sal’ distin-gue-o dos que na praxe são seus súbditos. É ele o principal orientador da semana de receção aos caloiros - “se eu tiver de faltar, por algum motivo, substitui-me o Mestre Pescador, que usa um len-ço, e em último caso o Mestre Escrivão, que leva um papiro”. Mestre Salgado segue com a pá, que usa para indicar o caminho aos que o vão seguin-do: “a pá representa a nossa história, a história da cidade, dos pescadores e das salinas da cida-de de Aveiro”.Na UA, o primeiro dia não inclui praxe e o mais importante é a ambientação ao campus. “Vamos fazer um peddy-paper pela Universidade, para eles conhecerem alguns pontos”, com direito a perguntas e desafios, garante Mestre Salgado, en-quanto aponta a direção do Pavilhão Polidespor-tivo Prof. Dr. Aristídes Hall. É lá que está Manuel António Assunção, Reitor da UA desde 2010, que os espera para uma primeira saudação.

Ovações a encher a casa

De ilustres desconhecidos a convictos aveirenses

“Queria dar as boas-vindas não a todos, mas a cada um”. O Reitor da Universidade de Aveiro ainda mal tinha fala-do e já o Pavilhão estremecia ao som dos aplausos. Ma-nuel António Assunção não deixou de destacar o papel da inovação dentro de uma universidade cinquentenária e a importância dos novos alunos: “vocês são o maior impulso de renovação, por isso são tão importantes para nós”.Sobre a educação resumiu: “fará sempre de cada um de nós melhor pessoa”, não esquecendo que permite “maior liberdade de escolha para aquilo que queremos que seja a nossa vida”. E para a maior ovação deixou um voto de esperança: “es-pero que tenham um sonho que vos trouxe até aqui”.Com espaço para outras intervenções, como a do presidente da Associação Académica da Universi-dade de Aveiro, Tiago Alves, ou a da Tuna Universi-tária de Aveiro, a TUA, os alunos despediram-se do Pavilhão com alguns ‘gritos de guerra’ na cabeça. “Aveiro é nosso/ e há-de ser/ Aveiro é nosso até morrer” marcou as despedidas.Cá fora, Francisco Carvalho, natural de Famalicão, ouve as explicações dos veteranos e vai tirando conclusões: “sinto que vai ser fácil integrar-me, estou a gostar muito desta receção”. A experiência do irmão, que estudou na UA, trouxe-o à cidade de Aveiro e os pais já sentem a “pena de ‘perder’ mais um filho”. Depois deste dia de adaptação, espera com entusiasmo as praxes que aí vêm.“A praxe é o que nos distingue, até porque ves-timos de maneira diferente de toda a gente”. Mestre Salgado aponta para o traje que ostentam veteranos e doutores. O gabão, em vez da tradi-cional capa, a gola e o capuz, são marcas da indu-mentária académica da UA desde 1996.

A acompanhar os primeiros passos dos novos alu-nos está Carlos Oliveira, já com alguns anos dis-to a que chamamos receção aos caloiros. Carlos chama-lhe também o início do “ano da inocên-cia”. Natural de Oliveira de Azeméis, agora no 5º ano de Engenharia Mecânica, vem acompanhar a chegada de novos alunos para “matar o bichi-nho”, e atira com certeza: “por mim era caloiro todos os anos”. Fala, por experiência própria, da dificuldade inicial perante a cidade desconhecida. Mas enaltece as capacidades de Aveiro como fator de integração: “é uma cidade acolhedora, onde toda a gente se conhece, o que facilita a adap-

“É a primeira vez que tento fumar com os té-nis... (risos)”, explica a caloira Íris Galvão, vinda da Amadora diretamente para o Curso de Ciências da Saúde, onde já fez algumas amizades.

Do Alentejo veio Tiago Botelho. Com apenas 17 anos, este benjamim de Ciências da Saúde anseia ingressar em Medicina, mas para já repete várias vezes as palavras “adorar” e “muito fixe” quando se lhe pergunta o que pensa das praxes académi-cas e dos Doutores que o acompanham pela relva afora em altura de operação ‘croquete de lama’.

Aveiro é nosso/ e há-de ser/ Aveiro é nosso até morrer

tação”.Ana Caetano ainda não o descobriu e, por isso, sente o receio natural de quem enfrenta “uma nova experiência”. Colocada na terceira opção, Administração Pública na UA, Ana abandonou a Guarda, cidade natal, para se entregar à vida académica aveirense, do campus universitário aos bares do bairro dos pescadores. Esta foi só a primeira noite na nova casa, mas as expetativas são já elevadas: “está a correr bem e as pessoas estão a ser muito simpáticas”. “Aveiro é bonito”, remata.

O lado mais rural deCoimbra

Coimbra da Sé, Coimbra do Mondego, Coimbra das ruas polvilhadas de capas pretas, qual carreiro de formigas unidas por uma tradição académica secular... E Coimbra da Escola Superior Agrária (ESAC), onde impera a pompa e a circunstância para receber todos os ilustres convidados. A Mais Superior beneficiou duma ‘comitiva’ de boas vin-das onde estiveram presentes, por exemplo, a Pro-fessora Leila Rodrigues, coordenadora do projeto “Praxe que eu quis, Praxe feliz”, que averiguou jun-to dos caloiros do ano letivo 2011/12 que “sujar o corpo com lama”, “estar de quatro” ou “molhar o corpo com água” fazem parte das atividades que

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Orgulho em ser caloiro AGRÁRIO!

Um traje de fazer inveja

“Isto ainda está a aquecer”

Amigos para sempre

Caloiro não morre à fome...Porque há febras e muita bebida

Porcos, burros, vacas, ovelhas... Os caloiros da ESAC podem ser várias espécies animais, como comprova o seu BI Agrário colocado ao pescoço. “Há várias atividades coletivas onde os novos estudantes são reunidos de acordo com a sua espécie, promovendo as novas amizades, inde-pendentemente do curso em que se matricula-ram”, explica Beatriz Bessa, a caloira de Penafiel prestes a estudar Biotecnologia com toda a garra do mundo. O BI apresenta até um campo para observações, onde o caloiro pode escrever que usa lentes de contacto, se for o caso, para haver mais cuidado com o tipo de atividades a ser su-jeito.Nuno Santos ri-se sozinho antes de ser entrevis-tado, pois acha engraçado isto da praxe. “Estou radiante! Entrei em Agricultura Biológica, era a minha primeira opção e é isto que eu quero fa-zer pela minha vida fora. Sobre a praxe... Estou a adorar!”, refere o caloiro, algo rouco devido aos treinos intensivos de canto, mas com ‘o freio à mostra’ para a fotografia.“Já me apresentaram as instalações e gostei bastante. Os Engenheiros pareceram-me mui-to simpáticos e acho que vão continuar assim”, espera Tiago Lima, o lisboeta recém-chegado ao curso de Biotecnologia da ESAC com muito or-gulho.

Até ao dia do batismo, estes caloiros terão a árdua tarefa de encontrar uma madrinha (os rapazes) e um padrinho (a Beatriz), “alguém que os vai acompanhar sempre e que, por isso, convém ser alguém responsável e com quem haja afinida-des”, sustenta Catarina Félix, que dá o seu próprio exemplo, referindo que já foi com pais de caloiros ver quartos e falar com senhorios, pois “os padri-nhos servem para isso mesmo: ajudar em tudo o que puderem”.

Com os seus seis anos que leva de implementação, o traje azul-escuro da ESAC ainda cheira a novo. Carlos Gonçalves, Estudante de Agricultura Bioló-gica e Presidente da mesa do Senado, sublinha que é este traje de monta o 'oficial' dentro da escola e enumera os motivos por que se tem tornado tão popular entre os os alunos que o envergam: “Os homens usam calças, camisa branca com um laço, colete, jaqueta, chapéu e capote. Para as raparigas, a moda ordena que não usem laço na camisa, que enverguem uma saia de monta e que o capote apresente as golas mais arredon-dadas, em detrimen-to das golas bicudas masculinas”.

“Os Exames Nacionais não foram lá muito aces-síveis e o número de caloiros parece ter baixa-do”, acredita Tiago Pinto, estudante do 2º ano de Engenharia de Ambiente, muito bem-disposto e sorridente, ou não estivesse “isto ainda a aque-cer”, como diz ele, ansioso por que cheguem mais caloiros. “Não estamos aqui para gozar os caloi-ros, é para os bem receber e mostrar que on-tem fomos nós, hoje são eles e amanhã haverá mais caloiros a quem praxar”.

Julien dos Prazeres estuda Engenharia Eletrotéc-nica e, juntamente com o seu compincha João Marques, não falham uma festa... E não deixam um coração feminino por partir. “É o convívio entre todos, as novas amizades, a festa da cele-bração na entrada no Superior... Estamos felizes e gostamos de celebrar isso entre amigos”, diz Julien, sublinhando que o espírito académico de Coimbra não tem igual no país... E, quem sabe, em todo o mundo.

O Núcleo de Estudantes de Direito da Universida-de de Coimbra organizou uma festa nas antigas instalações da Faculdade de Farmácia – que agora passam a pertencer a Direito, e não faltaram atua-ções de Djs, de tunas académicas e de bandas com fartura. No que toca a assuntos de faca e gar-fo, Felipe Santos, estudante de Direito no 4º ano, garante que ninguém fica de barriga a dar horas: “o convívio é para todos os estudantes e Direito tem muita honra em convidar caloiros e Douto-res doutros cursos que se queiram juntar a nós. Temos muita carne, como podem ver!”.

Coimbracontinua difícil de resistirNão é cisma nem mania, é o coração a palpitar e Coimbra, que continua a ser a cidade-princesa das capas pretas e até as paredes e as pedras da calçada o comprovam, enquanto o passo se faz firme e os ouvidos atentos adivinham por entre ruelas ainda vazias: “Lá vêm eles, os caloiros!”.

Coimbra ao entardecer...E ao charrua eu fui ter

menos agradaram a estes alunos durante a praxe. Pelo contrário, o lançamento de tomates durante a tomatina, o “momento Real Praxe”, o “convívio do pijama” e o cantar das músicas pertencem ao gripo de atividades mais apreciadas pelos caloi-ros.Também o Presidente da ESAC, José Gaspar, e a Vi-ce-Presidente, Aida Moreira da Silva, sublinharam a importância destas dinâmicas académicas que acolhem os novos caloiros, ao mesmo tempo que Adriano Fatal, estudante do 2º ano de Agricultura Biológica e Presidente da Comissão de Praxe da ESAC, explica que, independentemente das hie-rarquias, entre Engenheiros e caloiros, “o que se procura é integrar os alunos, maioritariamente provenientes fora de Coimbra – havendo muitos vindos dos Açores, por exemplo”. Quanto a ati-vidades, a variedade é mais do que muita e para todos os gostos – sobressaindo, por exemplo, a conhecida ‘Ordem do dia’ que traz para a escola rapazes vestidos de mulher e raparigas vestidas de homem (“o dia travesti”, alguém ri). Catarina Félix, estudante do 3º ano de Engenharia dos Re-cursos Florestais, continua a palavra e acrescenta que “a praxe coletiva é a mais utilizada, até para que os caloiros não se sintam melindrados e se divirtam em conjunto”.

O caloiro Ricardo Luís concorda, autorizado a responder às nossas perguntas sob o olhar aten-to dos seus doutores, dizendo que a experiência está a ser “espetacular” e que a praxe vai ajudá--lo, certamente, a concluir “ainda com mais su-cesso” o Curso de Engenharia de Ambiente que agora ingressa.

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LER PARA CRER

Encontro marcado no Bigorna

Sem espaço para exageros

“O Bar da Associação agora vai fechar à meia--noite e o pessoal dispersa-se por outros bares, o que acho bem, porque há toda uma Coimbra repleta de monumentos que os novos estudan-tes devem ficar a conhecer enquanto cá vivem”, sustenta Ígor Moreira, estudante de Engenharia Informática “do Polo II”, como faz questão de sub-linhar efusivamente. André Gonçalves, Luís Lopes e João Oliveira, os restantes membros do grupo que encontrámos no largo do Bigorda Bar e de cara para a Sé, aparecem cá várias vezes para “ver turistas que gostam de nos tirar fotografias, porque acham que parecemos o Harry Potter” ou, simplesmente, para “conversar”. Mas no que todos estão de acordo é que a Cidade de Coimbra vive dele e eles dela. “Não dá para explicar, con-vidamos todos os finalistas de 12º a virem para Coimbra estudar e viver este espírito académi-co. Depois podemos falar sobre isso”, acrescen-tam, contentes por se terem conhecido durante o curso e para a vida, acreditam.

Abel Silva não é propriamente um novato da pra-xe. Está no 2º ano de Ciências Empresariais, mas a experiência em cursos anteriores da UFP permite--lhe dizer que a praxe “é quase um vício, como o álcool ou o tabaco”. “Eu tento fugir, mas não con-sigo”, garante. E porquê? “Temos dezenas de cur-sos e estamos aqui todos juntos, tentamos criar um bocado uma família”. Tal como Cristiano, quer apagar a imagem que, por vezes, se espalha em relação à praxe - “nós nunca os incentivamos a beber, é preciso beber com moderação”. “Pode haver aquele momento de relaxe, estar a beber um fininho, agora beber até cair não”, avisa Abel. Cristiano remata: “evitamos exageros, até por-que acabaram por estragar a festa”.

Lara Fonseca e Carolina Sarmento começam a ter fome: “vamos jantar!”, pedem aos doutores, aproveitando para contar à Mais Superior a sua aventura pela praxe coimbrã, enquanto os tra-jados se decidem a ir finalmente comer. “Já nos conhecemos desde do 5º ano de escolaridade e agora voltamos a estar juntas no Curso de Di-reito, embora houvesse alguma indecisão em seguir Jornalismo”, acrescentam, emocionadas, enquanto relatam o que fizeram neste que foi o primeiro dia ‘a sério’ como caloiras: “Foi tudo por-reiro, estivemos sempre a cantar, virámos a rou-pa do avesso... O que eu sei é que dormi muito pouco e não ‘tou com ‘moca’ de sono!”, diz Lara.

Portovozes afinadas no hino à nova vida

“A minha casa eu deixei/ E a família abandonei/ Só pra dizer/ Que até morrer/ Fernando Pessoa te amarei”. É com a adaptação de alguns hinos que costumamos ouvir às claques que enchem os estádios de futebol que os alunos introduzem a Universidade Fernando Pessoa (UFP), no Porto, aos caloiros. E estes, quando a tarde ainda nem vai a meio, parecem ter a lição bem estudada.

Já Rita Bilizário parece não deixar de conversar com as Doutoras em seu redor: “São super fixes e todas as dúvidas que tenho, tiro com elas”. Agora que se prepara para viver numa cidade nova, admite que chegou a altura de “deixar de ser criança” e enfrentar o futuro com esperança e coragem.

A minha casa eu deixei/ E a família abandonei/ Só pra dizer/ Que até

Fernando Póvoas é um dos alunos que ocupa o anfiteatro da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da UFP. Acaba de entrar em Engenharia Civil (curso lecionado na Faculdade de Ciências e Tecnologia da UFP), mas é neste polo que está a ser recebido por toda a comunidade: “acho que esta é das semanas mais importantes do ano e estou a achar fantástica a receção”. Considera a cidade do Porto “ideal” para garantir uma boa experiência académica e destaca a UFP pela repu-tação e pela qualidade de infraestruturas e aces-sibilidades.

morrer/ Fernando Pessoa te amarei

Cristiano Nogueira, há cinco anos na UFP, confirma a ideia de Fernando: “ficámos em primeiro lugar no ranking

das melhores privadas e estamos de 'peito feito', claro”. Antigo responsá-

vel pela Comissão de Pra-xes, este ano a acompanhar de forma mais informal a semana de receção, Cristia-no explica a ideia de juntar

todos os alunos no mesmo espaço: “a comunida-de da Fernando Pessoa é grande e dispersa os alunos, mas a praxe acaba por agregar”. Aponta, sem pestanejar, que os melhores amigos que fez na universidade “são de outros cursos, de outras faculdades, e se não fosse a praxe isso não seria possível”.

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Piolhices’ de quem tem a vida pela frente

A Adega dá uma ajuda

No Porto, a noite universitária pode ganhar várias formas e contornos, mas é quase garantido que vá incluir o Piolho d’Ouro. Antigo Âncora d’Ouro, o café adotou o nome por que era conhecido en-tre os estudantes. A designação é alvo de várias teorias, espalhadas no boca-a-boca, e uma de-las é a de que o espaço era demasiado pequeno para tanta gente que ali parava, o que levou os frequentadores a chamar-lhe ‘piolho’. A outra ga-nhou força por altura do centenário - em 2009, o café completou um século de existência - e reza que os estudantes apaixonados pelo espaço (a maioria do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, da Universidade do Porto, num edifício neoclássico colado ao Piolho) se cruzavam com os professores que também lá paravam para cafés e tertúlias. Como a relação entre alunos e profes-sores era, no mínimo, mais formal que a que hoje conhecemos, uns terão chamado aos outros ‘pio-lhosos’ ou dito que tudo aquilo era uma ‘piolhice’. Piolho ficou, Piolho será.

Entre alguns outros, Cristiano refere-se à Adega Leonor. Perpendicular ao Piolho, a Adega apre-senta-se, por trás do balcão, com uma série de cachecóis de várias universidades, não deixando margem para dúvidas: “é um bom sítio para fa-zermos o ‘aquecimento’. “Hoje começamos aqui e depois seguimos para os Aliados”, conta Cris-tiano. A Adega Leonor, apesar de pequena, “tem muito espaço cá fora, à volta, e faz com que isto aconteça”. O ‘isto’ de que fala Cristiano é fácil de entender: vários grupos reunidos em amena ca-vaqueira, religiosamente acompanhados por um copo, normalmente de cerveja, numa das mãos.Joana Marques faz parte de um desses grupos e, natural de Vizela, já se sente integrada. A Adega Leonor, “pequenina, rústica e com bons preços” promete continuar a ajudar.

O certo é que a mística do Piolho nunca mais desapareceu e, como diz Miguel Teixeira, aluno da Cooperativa de Ensino Superior, Politécnico e Universitário (CESPU), sentado numa das me-sas do Piolho, “toda a gente sabe ao que vem”. As pessoas “chegam aqui, bebem o seu copito, conversam e vão à sua vida”. Há noites em que o Piolho é apenas o ponto de partida e outras “em que ninguém quer sair daqui”. Miguel é natural de Chaves e percebeu-o bem depressa. Quando a vida de universitário acabar, vai ter “saudades deste convívio”, de todas as horas que dedicou às amizades que nasceram na universidade: “ainda hoje só dormi duas horas, porque tive a prepa-rar a praxe”.Cristiano Nogueira também o fez no tempo em que liderou a Comissão de Praxes da UFP e nun-ca esqueceu o Piolho: “costumamos inclui-lo no nosso cascos-papper, um peddy-paper de tas-ca”. A carga histórica que lhe está associado e o facto de ser “um espaço agradável”, que promo-ve o convívio, fizeram dele ponto obrigatório no mapa dos caloiros e os “bares aqui à volta apro-veitaram”.

O dia para não mais esquecer

No Instituto Superior de Contabilidade e Adminis-tração do Porto (ISCAP) o dia já vai longo quando Tiago Ferreira, caloiro do curso de Comércio Inter-nacional, afirma que, apesar de cansado, se sente recompensado: “fiquei com as expetativas em alta para uma boa vida académica e praxista”. O primeiro dia de receção foi feito “com base na oratória” - segundo Joaquim Lima, Colher de Pau do ISCAP e “líder operacional da praxe” -, e Tiago mostra-se entusiasmado com a sessão de escla-recimentos, apesar do conhecimento prévio que tinha da experiência do pai, ex-aluno do ISCAP.

Tal como Tiago, Patrícia Soares conhece quem tenha estudado no Porto e estava “ansiosa” por seguir os mesmos passos. “Vivia num meio pe-queno e queria muito mudar-me para o Porto”, conta Patrícia. Joaquim Lima, como Colher de Pau, assume o papel de Veteranos e Doutores no processo de adaptação: “queremos criar redes de amizades, que os podem ajudar a arranjar casa, sair à noite...”. No fundo, “fazer desta semana um ponto de partida para as suas vidas académica e letiva”.E Ana Torres sabe bem como ela pode influen-ciar o processo: “acho que é das semanas mais importantes, porque estamos todos em pé de igualdade”. Inscrita em Comunicação Empresa-rial, Ana já teve a experiência de ser caloira noutra instituição e quer aproveitar da melhor forma “o acompanhamento” que os mais velhos lhe vão dispensando. Joaquim é um deles e conclui: “nun-ca me esquecerei do meu primeiro dia aqui no ISCAP”.

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Âmbito: Saúde e Educação

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CaloiradaÀ SOLTA

É o adeus à casa, comida e roupa lavada... Mas o abraçar da independência e dum curso Superior.