Iara e os Eucaliptos - Parte 01

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Primeira parte da crônica que conta a estória de Iara e sua amiga Magnólia...

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Prólogo

16 de Julho – 15:55 p.m.

Iara sabia que essa hora iria chegar.

Junto com mais um dia de trabalho com seu

pai, veio a despedida de sua querida amiga

Magnólia. Sua maior confidente estava prestes

a perder suas raízes. Mesmo triste pela chegada

desse dia, um pequeno respiro de esperança

pairava pelo coração da jovem. Naquela

manhã, Samir se redimiu diante da filha e

prometeu trazer Maggy de volta.

A pequena morena com nome de sereia

ainda ficava espantada por conseguir ouvir tão

claramente sua, agora gigante, amiga Magnólia

– um dos milhares de eucaliptos da área

reflorestada da família. Já desistira de entender

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como, desde muda, esse pequeno vegetal

poderia lhe dar seus melhores conselhos.

De dentro do carro, vendo aquele

enorme jardim, ela recobrava momentos até

então esquecidos. Agora, com seus treze anos,

conseguira se lembrar daquela tarde em que

ouvia atentamente seu pai contar a história de

como aquela floresta perfumada havia alegrado

sua vida e de como um simples presente se

transformara em uma grande amizade...

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I - O presente

01 de Abril – 09:17 a.m.

A percepção das crianças é algo

realmente admirável. Mesmo com seus poucos

cinco aninhos, Iara conseguiu ver a tristeza que

seu pai trazia naquela manhã. Dessa vez, o

carro estava como num passeio paralelo

àqueles eucaliptos, guiado lentamente por

Samir. Sem tirar os olhos da estrada, a pequena

conversa:

- A mamãe disse que o senhor veio se

despedir...

- Verdade, Filha. Hoje, um grande

amigo meu irá se transformar. Cuidei dele

durante muito tempo, mas agora, não posso

mais deixá-lo assim.

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Há algum tempo Iara já presenciara

aquela amizade entre Samir e um belo

eucalipto que se escondia naquele bosque, atrás

da fábrica de celulose da família. Aline, sua

mãe, explicara-lhe que aquele gigante,

carinhosamente chamado de Magno, fora um

presente que seu pai havia ganhado, ainda em

forma de mudinha, de sua avó Sophia.

Há vários anos sua família vinha sendo

uma pequena produtora de celulose. O curto

tempo de rotação – cerca de sete anos – foi

fundamental para a escolha dos eucaliptos.

Desde o início, o reflorestamento foi uma

alternativa para reduzir o impacto desse

empreendimento sobre a natureza. Certamente

essa sensibilidade por parte de seus

idealizadores foi capaz de criar laços ainda

mais fortes entre essa família e seus queridos

amigos vegetais.

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Da temporada passada, poucas

lembranças lhe restaram, mas a imagem

daquelas grandes e barulhentas máquinas

arrancando as toras dos eucaliptos fazia sentido

para Iara. Somente agora ela entendia a

angústia de seu pai.

- Que triste, papai... elas vão sentir dor?

– pergunta Iara, inocentemente.

- Espero que não, querida.

Chegada essa hora, Samir se perguntava

a mesma coisa. Mas depois de todos esses anos

de amizade com sua árvore, não restavam mais

dúvidas sobre o que deveria ser feito, mesmo

com muito pesar. Ele sabia que sua pequena

garota iria obter a mesma resposta à custa de

semelhante amizade; logo vem à lembrança o

presente recém dado à filha.

- Trouxe a mudinha que te dei hoje

cedo, filha?

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- Essa aqui...?

Pelo retrovisor, Samir pisca

afirmativamente para a filha, que logo começa

a observar aquele pequeno galho embrulhado

num plástico cheio de terra. Cuidadosamente,

põe sua futura companheira no colo e logo é

indagada:

- Já escolheu o nome pra ela?

- Mas ela é só uma plantinha, não é

gente!

- E o Magno? O amigo do papai fala

como gente, sabia...?

- Hun, nunca escutei nada!!!

- Tenho certeza que você vai conseguir

ouvir sua nova amiga – Samir acaba a frase

com uma risada, ao ver, novamente pelo

retrovisor, a pequenina encostar o ouvido em

seu recém presente.

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- Eu também duvidei disso quando

ganhei a mudinha do Magno – Continuou

Samir. Sua vó Sophia me entregou um presente

igual a esse quando eu tinha 15 anos. Nessa

época, achava estar bastante crescidinho pra

acreditar nisso, mas pra minha sorte, aquele

pequeno pezinho haveria de fazer uma grande

diferença em minha vida.

A maioria dos adultos não percebe o

quanto uma criança presta atenção em seus

assuntos. Com Iara não era diferente; sempre

foi fascinada em acompanhar silenciosamente

seus pais, com olhos e ouvidos atentos. Mesmo

sem compreender muito do que se passava

entre uma conversa e outra, imaginava mil

coisas à sua maneira.

Mas dessa vez era diferente; Iara

compreendeu que seu pai começara uma

história nunca antes revelada a ela. Tanto

Magno, quanto sua avó Sophia lhe interessava

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bastante. O primeiro, pela sua mágica posição

diante do pai; a segunda, pela grande figura

materna que só conhecera através das

lembranças póstumas de seus pais.

- Quando sua vó me deu o Magno de

presente – continuou Samir –, fiquei muito

chateado pelo fato de ganhar uma plantinha

sem graça no meu aniversário. Recoloquei

meus fones de ouvido e passei o tempo de ida à

fábrica calado, esperando para me desfazer

daquele embrulho.

Realmente é difícil de imaginar a

empolgação de um jovem ao ganhar um

presente como esse. Muitos se contentam em

plantar e colher via internet. “Porque perder

meu tempo aqui, sujando minhas mãos com

essa terra nojenta... num clique consigo plantar

bem mais que isso lá na minha fazenda virtual”

– pensava Samir, enquanto acompanhava sua

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mãe na plantação do seu presente e das outras

mudas de eucaliptos.

“A terra é fonte de vida e de descanso...

aproveite o momento e seja forte para o que

vem pela frente, meu amigo.” – Samir narra

para a pequena Iara, como se estivesse ouvido

naquele exato momento.

- Acho que foi a primeira coisa que

Magno me disse... – continua. Naquele

momento, mamãe estava longe, ocupada com o

resto da plantação. Olhei praquela plantinha

assustado, mas logo exclui a possibilidade de

estar conversando com aquele pequenino ser.

Não perdi tempo tentando entender como havia

recebido aquela mensagem, mas segui aquele

conselho e aproveitei o maravilhoso fim de

tarde com sua avó.

Somente depois da morte de Sophia,

Samir compreendera realmente aquele

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conselho. Mesmo asmática, sua mãe insistia

com seu vício no cigarro. Felizmente, o jovem

rapaz não presenciou aquela morte sufocante.

Preferiu se isolar em um dos poucos lugares

que ninguém o procuraria. Sem saber a razão,

reconhecia sem dúvidas qual a muda – agora

uma pequena árvore – que plantara a vários

meses atrás.

- Depois que sua vó se foi, comecei uma

grande amizade com Magno. Ele foi um grande

companheiro...

E realmente, foram inúmeras as vezes

que ele procurou aquele cantinho de reflexão.

De início, ficava procurando em seus

pensamentos aquela voz que lhe aconselhara

tempos atrás. Com o tempo soube esperar e

distinguir tamanha sabedoria nas simples

palavras de seu amigo.

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- “Bobão!!! Vai desperdiçar assim o

amor daquela linda menina de olhos verdes...?

Aproveite o momento sem medo de errar”. Foi

assim mesmo que ele me mostrou que meu

medo de ficar com a sua mãe não valia pena –

explicou.

- Magno, a árvore cupido.... hihihi! –

Iara deixa escapar.

Enquanto a pequena imaginava a grande

árvore com suas asinhas, espalhando flechadas

de paixão por aí, seu pai estacionava o carro

próximo ao escritório de trabalho. Todas essas

visitas ao amigo acabaram aproximando Samir

ao processo de fabricação de celulose da

família. Agora, aos vinte e cinco anos, tinha

sua sala, de onde cuidava do contato com os

compradores da matéria-prima.

Para Iara, as visitas àquela sala era

sempre uma diversão, pois adorava passar o

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tempo observando o monótono nado dos

peixinhos do aquário decorado do pai. Mas

naquela manhã, o grande quadro com a foto

daquela floresta chamava sua atenção.

Comparou a mudinha que carregava com todas

aquelas outras árvores e perguntou baixinho à

plantinha:

- O que você tem de especial?

Sem que a filha percebesse, Samir

prestara atenção naquela pergunta e ficou

espantado por se lembrar do momento em que

fez a mesma pergunta para Magno, anos

anteriores. “Você!” - lembrou-se claramente da

resposta de seu querido amigo.

- Já sei, vou chamá-la de Magnólia!!! –

decide Iara.

Tão rápido escolhe o nome, Iara se

lembra do que está para acontecer naquela

tarde e pergunta ao pai:

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- O Magno é seu amigo, seu cupido, por

que o senhor vai deixar que essas máquinas

feiosas arranquem ele de lá...?

Essa resposta, Samir já havia recebido

do próprio Magno e compreendera que naquele

momento, somente o silêncio responderia a

pergunta de sua filha – teve certeza que aquela

mudinha, com o tempo, poderia responder

melhor àquela dúvida da filha. Pela janela do

escritório, contemplou por algum tempo a

movimentação das máquinas que arrancavam

os eucaliptos do solo; atendeu um telefonema e

saiu da sala para resolver outros problemas.

As máquinas já haviam começado o

trabalho a alguns dias; uma parte da terra já

estava pronta para ser reflorestada e foi pra lá

que Iara seguiu junto com seu pai. Todo o solo

havia sido adubado e o cheiro de terra fértil

agradava à menina que lembrara

vagarosamente da ultima vez que havia estado

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lá. Aline e outros parentes já estavam no local e

foi à ela que a pequena logo se aproximou.

- Olha só a Magnólia, mamãe! Ela não é

linda?!

- Lindíssima!!!

Mesmo com todas as histórias que seu

marido havia lhe contado, Aline dificilmente

acreditava nessa cumplicidade entre homem e

natureza, mas não deixava de admirar essa

relação, até se esforçava para poder

compartilhar esse hábito. “Vou entrar na

brincadeira” – pensou e se dirigiu à pequena:

- Maggy está linda, mas está

desconfortável nesse embrulho, querida.

Venha, separei um lugar especial pra ela...

Com a ajuda da mãe, Iara coloca a

pequena mudinha na terra. Novamente, Samir

observava de longe a delicadeza de mãe e filha

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plantando aquele presente. A tristeza que

tomara conta de seu coração naquele dia já não

existia, todo aquele “ritual” de plantio havia

renovado seu coração.

A empolgação foi tanta que Iara plantou

outras inúmeras mudas, todas com o mesmo

zelo e empolgação. Exausta, só precisou de

poucos instantes no colo de sua mãe para cair

no sono, mas antes disso ainda conseguiu

deixar claro que essa amizade não acabaria ali:

- Tchau, Maggy... – disse a pequena

Iara.

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Próxima parte

II - A amizade