Ian Adams e R.W. Dyson - Thomas Hobbes

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Leia também: 50 PENSADORES CONTEMPORÂNEOS ESSENCIAIS Do Estruturalismo à Pós-Modernidade /: I CINQQENTA PENSADORES POLÍTICOS ESSENCIAIS Da Grécia antiga aos dias atuais Ian Adams e R.W. Dyson Tradução Mario Pontes [] I

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Referência básica de Thomas Hobbes

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  • Leia tambm:

    50 PENSADORES CONTEMPORNEOS ESSENCIAISDo Estruturalismo Ps-Modernidade

    /:I

    CINQQENTA PENSADORESPOLTICOSESSENCIAISDa Grcia antiga aos dias atuais

    Ian Adams e R.W. Dyson

    TraduoMario Pontes

    []I

  • 1I0UUES

    livro de More no seja o primeiro a retrataruma sociedade ideal (outros exemplospodem ser encontrados, particularmentena literatura da Antigidade clssica), foiele que cunhou a palavra "utopia" e deuincio a uma tradio consciente de escri-tos utpicos que se prolonga at os diasatuais. Em conformidade com o prpriocarter de More, trata-se de uma tradiocomplicada e ambgua. Tanto a naturezaquanto o propsito da literatura utpicaso questes em aberto, que, sempregerando polmicas, continuam a ser discu-tidas pelos estudiosos.

    Outras leiturasFonte primria

    Utopia (So Paulo,SP:AbrilCultural, 1972).

    Fontes secundrias

    Cousins,A.O.eGrace,O.(orgs.):More 's Utopiaand the utopian inheritance (Lanham,MO:UniversityPressof America, 1995).

    Hexter, J.H.:More's Utopia: lhe biography ofan idea (Harper, 1965).

    Kenny, AJ.P.: Thomas More (Oxford: OxfordUniversityPress, 1983).

    Logan, G.M.: The meaning of More's Utopia(Princeton,NJ: PrincetonUniversityPress,1983).

    Olin, J.c. (org.): Interpreting Thomas More'sUtopia (Nova York: Fordham UniversityPress, 1989).

    Surtz, E.: The praise of wisdom (Chicago, IL:ChicagoUniversityPress, 1957).

    THOMAS HOBBES (1588-1679)

    Thomas Hobbes nasceu em Westport,porto de Malmesbury, em Wiltshire, In-lutcrru. ua educao foi paga por um tio,hll, rndo

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    cado em termos de "corpo", sem as invo-caes de coisas como mente e esprito. Atarefa da cincia, ele firma em De corpore, examinar edescrever os efeitos de vriostipos de movimento corporal; isto, elepensa, to verdadeiro na fisiologia e napsicologia quanto na fsica. Seu materia-lismo - que lhe valeu a condenao doscontemporneos por "atesmo" - est nocentro de sua concepo da conduta huma-na. O corpo de todo ser humano, ele pensa, apenas um mecanismo complexo, algoparecido com um relgio. Esta imagem foidesenvolvida nas pginas de De corpore.O corao uma corda; os nervos, fiosmetlicos; as juntas, as rodas que domovimento ao todo. Seu comportamento uma srie de respostas aos estmulos que,atravs dos sentidos, recebemos do mundoexterno. Alguns estmulos so agradveis,pois aumentam nosso "movimento vital".Desses estmulos dizemos que so bons.Nosso sentimento a seu respeito o dese-jo, e nos esforamos para maximiz-Ios eprolong-Ios. Quando nos encontramosem um estado no qual o prazer predomina,damos a tal condio o nome de "felicida-de". Outros estmulos que impedem nos-sos movimentos vitais so penosos. Aesses designamos como o "mal"; nossossentimentos em relao a eles so de aver-so, e nos esforamos para evit-Ios."Bem" e "mal" no significam nada maisque "prazeroso" e "penoso"; so estes osn mes dados quilo que respectivamentedesejamos ou rejeitamos. (No geral,Ilobbes um nominalista em seu modo dever a linguagem: "As palavras so usadaspelos homens sbios como instrumentosde clculo, e com elas raciocinam; mastambm so usadas por muitos loucos."(Leviat. 1:4 [NT: Hobbes completa suar f1exo com as seguintes palavras: "queIS avalizarn com a autoridade de um Aris-tot .cs, de um Ccero ou de um Toms. outi outro doutor qualquer, todos nada mais1J1I' homens"] "Razo" a faculdade cal-

    ()

    culativa, com a qual aumentamos nossaspOSsibilidades de alcanar a felicidade eevitar a infelicidade, O que tememos erejeitamos acima de tudo a morte, ju~a-mente o evento que impossibilita a conti-nuao da felicidade. A experincia atestaa verdade de que, invariavelmente, os indi-vduos agem de modo a se manteremvivos, o quanto possvel, por todos osmeios. luz dessa observao, pensaHobbes, podemos atribuir a cada homemum "direito de natureza" - ou seja, umdireito inerente - "de usar seu pr rio \poder, como ele quiser, para a preservaode sua prpria natureza" (Leviat. 1:14).Inferir um "direito" - uma autorizao paraagir - de algo que pretende ser uma genera-lizao factual sobre como as pessoas real-mente agem pode parecer um procedimentolgico questionvel; mas a psicologia mate-rialista de Hobbes impede-o de fazer outraavaliao do que ter um direito, e ele queroperar com a idia de direito, porque , elepensa, abandonando nosso "direito deiliureZ" que criamos a sociedadeeo-governo. A psicologia materialista e hedo-nista de Hobbes manejada com notvelrigor e consistncia (embora suscite ques-tes acerca do determinismo e do Iivre-arbtrio, s quais ele nunca responde satisfa-toriamente). Em sua mente, isto se associa,embora no esteja estritamente implcito, aum destrutivo egosmo. Este aspecto de seupensamento essencial para sua compreen-so da natureza e dos propsitos do gover-no. J que cada indivduo nada mais doque m mecanismo contido em si mesmo eperado pela atrao e repulso das fora~do prazer e do sofrimento, ningum podequerer nada menos do que o prazer para si'prprio e o mnimo possvel de sofrimen-.to. Hobbes no acredita que sejamos inca-pazes de coisas como a benevolncia.Podemos, afinal de contas, sentir prazercom o prazer dos outros. Ele pensa, noentanto, que as paixes dirigidas parn'outros tendem 'a ser atropeladas p r aquc

    lns que se ccntram no eu, particularmente.em circunstncias perigosas ou em situa-!( es de carncia daquelas coisas que aspessoas querem e das quais necessitam. Seas pessoas vivessem em um mundo noqual no houvesse governo - em "umEstado de Natureza", como Hobbes desig-na -, o resultado seria o caos, ou, no mni-mo, acabariam por cair nele, caso os recur-sos do estado de natureza fossem escassos(e isto o que Hobbes presume). Em seusesforos para maximizar o prazer.evitar o -sofrimento e afastar a morte, pessoas nodisciplinadas por um governo podem'entrar em conflito entre si. Por ser possvel,viver constantemente no medo de perder oque tem, nenhum indivduo poder livrar-se da incessante urgncia de situar-se paranlm dos controles dos outros e, ao mesm>tempo, alcanar o controle sobre eles,Todos vivem naturalmente nas garras "deum perptuo e incansvel desejo de poder e-mais poder, que s termina com a morte"(Leviat, 1:11). Na ausncia de governo,m O se pode exigir de algum que aceitequalquer restrio e reconhea qualquer( brigao, seja com quem for, e cada umpoder considerar seu natural direito "deusar a prpria fora, conforme desejar, afim de preservar sua prpria natureza",istcndendo-o a todos, sem excees. Odireito de natureza poderia ser, de fato, umdireito a tudo. " por isso que dois homense tornam inimigos quando desejam amesma coisa, impossvel de ser conjunta-11I mtc desfrutada", e ento cada um "sempcnha em destruir ou subjugar o outro"

    (I -viat, I: 13).As im, o estado de natureza pode ser

    1111Ili c ndio de incessante conflito, "uma11 rru... de todos contra todos" (Leviat,I: 1.1). Mesmo na ausncia de um verdadei-I() conflito, sempre estar presente o temordo ionflito, pois ningum poder estar(' urro de no ser atacado. Ningum

    1111I110 mais forte do que os demais para1111" \I S' imune ao perigo. Aquilo que

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    falta a alguns em termos de fora fsicapode ser compensado pela astcia, e emltimo caso os fracos podero unir-se paravencer os fortes. No estado de naturezano h segurana para ningum. Dife-rentemente de outros tericos da polticaque o adotaram, Hobbes no pensa seria-mente que o estado de natureza tenha sidoalguma vez uma realidade histrica.Podemos apenas, ele opina, imaginar cla-ramente o que seria a vida sem nenhumarestrio. Mesmo em uma sociedade civi-lizada, ele' observa, ningum confia emningum: quando samos de casa, deixa-mos as portas trancadas e levamos nossasarmas; guardamos nossos pertences nocofre; e, mesmo quando dispomos de leispara nos proteger, temos como certo quequalquer um pode ser um ladro.

    Se os seres humanos no fossem real-mente governados, sua condi seria a Ciomedo e da selvajaria. Segundo a frase maiscitada de Hobbes, "a vida do homem solitria, pobre, perigosa, embrutecida ebreve" (Leviat, 1:13). Em si mesmo, essefato suficiente para garantir que as pes-soas em estado de natureza sejam levadaspelo seu poderoso instinto de preservaoa buscar o meio mais rpido e mais efetivode sair dele. Cada indivduo compreenderque o nico meio de escapar dos perigosdo estado de natureza ser agir de acordocom certas mximas racionais que Hobbeschama de "leis da natureza". Cada umadessas leis definida como

    um preceito, uma regra geral estabele-cida pela razo, em virtude do qual umapessoa proibida de fazer aquilo quepode destruir sua prpria vida ou noassegurar os meios de preserv-Ia; eomitir aqueles mediante os quais elapoder ser mais bem preservada.

    (Leviat. 1:14)

  • 110111I1'.

    () indlvfduo dever compreender: I) que 111 'I nalmcnte necessrio procurar a paz;) que o meio de garantir a paz entrar em

    11 .ordo com outros no sentido de no se01 .ndcrcm mutuamente; e 3) que, uma vezIl\ilo cs e acordo, ser irracional - no sen-tido da autodestruio - quebr-lo enquan-'to os outros ainda o mantm. Por esta viati ' raciocnio, a sociedade seria criada.S 'ria criada mediante um contrato - um'ompact (acordo, ajuste], como Hobbes diz1111 original - feito por indivduos, desinte-I 'ssudos nos bens per se, embora cada umperceba que seu prprio bem s pode serlI~serurado ao se concordar em no ofenderos outros em troca da concordncia destes'11Itambm no ofenderem.

    Mas "(a] fora das palavras [] derna-IIIUO fraca para levar os homens a cumprirl'IIS contratos" (Leviat, 1:14). Um merocontrato. Um contrato cuja aplicao con-1111 algum no pode ser forada pode norc I nenhum valor porque nenhuma das par-k, ter certeza de que os outros no iro01 mder. "Contratos que no se apiam nal', puda so apenas palavras e no tm fora(111m dar segurana a um s homem"il cviat. 2: 17). As partes necessitam asse-urar-se contra essa possibilidade, me-

    di une a incluso, no contrato, de um acor-do destinado a apontar um poder soberanoque as defenda coletivamente e promova apuni] o dos que violarem seus termos. Ocoutrato no qual Hobbes imagina os ho-IIIl'I1S aderindo toma a seguinte forma:

    edo e transfiro a esse homem outssernblia de homens meu direito deiovernar a mim mesmo, com a condi-l o de que transfirais a ele vosso direi-to e, de igual maneira, autorizeis todosn, S 'us atos,

    1 dito isso, pross 'gue:

    " til l' 1\ 'l'llIe; o duqu ,1, rrunde Le-.t 1111IlIlt' (I' 11I ulur l'UIII 1I11lL

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    reverncia), daquele Deus Mortal, aquem, abaixo do Deus Imortal, deve-mos nossa paz e nossa tranqilidade.

    (Leviat.2:17)

    Antes de tudo e mediante a elaborao e aaplicao das leis, o poder soberano assimcriado estabelecer e manter o trpdeordem pblica, com seu sistema de segy~rana, que no poderia ser usufrud.a...uoestado de natureza. Essa ordem no alcan-ar seus fins apenas' por meio da coe-; o(como Hobbes s vezes parece ac~).Ter tambm de inculcar um senso monos cidados por meio da educao. NoLivro 11 do Leviat, intitulado "DoEstado", Hobbes descreve as vrias e pos-sveis formas constitucionais. Em princ-pio, o poder soberano poder ser outorga-do em qualquer forma de governo, mas,Hobbes pensa, ser mais bem exercidopela monarquia, designao que noLeviat implica um monarca absoluto. Porser indivisvel, o poder monrquico efi-ciente e duradouro. Considerando-se o que a natureza humana, onde o poder fordividido, todos aqueles que tiverem umafatia dele desejaro fatias maiores do queas dos outros e logo tentaro arrebatar-lheso poder, e assim se perdero a segurana epermanncia que o poder soberano prome-te garantir.

    O soberano criado pelo contrato, masno faz parte dele. Mas o soberano nopode ser descartado como um elemento deruptura do contrato. Se fosse, seu poderno seria, afinal, soberano. Em certo senti-do, no entanto, seu poder condicional.Seu poder continuamente condicionadopela sua vontade e sua eficcia em relao defesa e proteo de seus sditos. Pormais que essa situao pese, ningum temdireito de desobedecer e resistir; mas o"direito de natureza" que o sdito tem dedefender reafirma-se qUlIlldo ) soberanoameaa sua vida 011I .11r 111Iproteg-Ia.N. o 'e pode eSpl11l1111" I1 11rn abdique

    Inteiramente de seu direito natural. Afinal,f i antes de tudo para terem suas vidas sobpr tco que os homens submeteram-se ao, vemo. O sdito que v sua vida ameaa-da pelo soberano est autorizado - mesmoque seja um criminoso sentenciado mor-te - a escapar e resistir, se puder faz-lo,De igual maneira, os sditos perdem aobrigao de obedecer quele governanteque foi derrotado por um invasor inimigo.Em tal situao, o soberano deixar de sersoberano, e os sditos tero pleno direitode transferir sua lealdade para o conquista-dor, ou seja, para algum mais apto aproteg-Ios do que o soberano derrotado.

    O fato de querer, como qualquer outro,preservar naturalmente uma situao favo-rvel a si mesmo pode prevenir a transfor-mao do soberano em tirano. Assim, eleconceder aos seus sditos um grau deliberdade compatvel com sua proteodas ameaas internas ou das desordensexternas. Ele perceber igualmente quebens materiais e outros benefcios devemser distribudos de modo a reduzir ao mni-mo a margem de descontentamento. Tudona comunidade deve ser organizado com oobjetivo de diminuir as possibilidades dedesencadeamento dos conflitos semprelatentes nos negcios humanos. Para Hob-bes particularmente importante que hajauma religio oficial e que o chefe do Estadoseja tambm o chefe da Igreja. Qualquerutra disposio - e, claro, ele est opi-

    nando com base em sua experincia daiucrra civil inglesa -levar diviso e aoc nflito. Em termos estritos, a crena reli-gi sa assunto pessoal, mas o lado pblicod" religio deve ser completamente subor-dinudo autoridade pblica. Naquelas pas-1'11 icns em que a Bblia mostra-se ambgua,fi palavra final ser a interpretao do sobe-I 111 ,/\ 'Ic caber decidir como ser a pol-tlcu r 'li i sa: e decidir tambm como aI H'lu, ()I' IIllizIr .

    A Igreja Catlica Romana - para a qualHobbes volta suas atenes na Parte IV doLeviat, significativamente intitulada"O Reino das Trevas" - contrria auto-nomia da sociedade, justamente pelo fatode exigir de seus membros uma lealdademaior que a lealdade deles ao Estado.

    Hobbes encontra-se na curiosa situaode quem desenvolveu uma teoria de gover-no absoluto com base no consentimentoracional dos sditos e tendo por finalidadeo bem de todos eles. A clareza, a fora e aprofundidade dessa obra, bem como aacuidade de seus argumentos, impressio-nam estudiosos da poltica h mais de trssculos. Reduzida s linhas essenciais, a~rina hobbesiana do governo extre:-~ente simples. Em sua verso comple-taf!lente negativa do comportamentohumano, ela nos afirma que os homens',quando em grande nmero e tendo em vistalirilPerodo extenso, s podero viver jun-tos caso sejam submetidos a um governocom fora suficiente para controlar suastendncias destrutivas. A salvao est nofato de sermos racionais o bastante parasabermos disso. As tentativas de refutaodo Leviat - umas bem-fundamentadas,outras com pouco fundamento, algumassimplesmente cmicas - comearam qua-se imediatamente aps a sua publicao:mas parece altamente improvvel quealgum consiga desaloj-lo de seu lugar jcannico. Hobbes permanece como umos mais distintos e influentes tericos

    polticos ingleses. tambm, embora svezes se retrasse por causa de sua timidez,um escritor de muita coragem intelectual,que expressou pontos de vista impopularesnuma poca em que express-Ios era peri-goso, ou melhor, mortalmente perigoso.Na verdade, todas as tentativas posterioresde tratar filosoficamente a poltica e ocomportamento poltico, de algum modo,tiveram de levar Hobbes em conta.