IAC/MASP, uma escola futurista em São Paulo - mac.usp.br · sobre esta falência e a...

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MODERNIDADE LATINA Os Italianos e os Centros do Modernismo Latino-americano IAC/MASP, uma escola futurista em São Paulo Ethel Leon É mais do que conhecida, na historiografia do design, a cisão que se esta- belece entre desenho industrial baseado no styling norte americano e aquele apoiado nas lições europeias da Bauhaus. É, portanto, surpreendente que uma escola de desenho industrial, fundada em São Paulo em 1950, tenha conse- guido reunir esses dois eixos antagônicos do industrial design. Esta escola foi o IAC do MASP. Pietro Maria Bardi, diretor do MASP, foi seu mentor intelectual e diretor. As noções que fundamentavam a escola seguiam um raciocínio simples 1 : São Paulo era uma cidade industrial. Os proprietários das fábricas paulistas não sabiam o que era design, por isso copiavam e reproduziam de qualquer maneira itens antiquados, que tinham sua origem no mundo da produção artesanal. Era preciso, portanto, abrir uma escola de desenho industrial, formar profissionais de alto gabarito para trabalhar para esses empresários. Desse modo, o Brasil ganharia produtos à altura da civilização industrial que gestava. O MASP era o local perfeito para esta iniciativa. O museu fora fundado a partir de eloquente visão de crença no futuro, de síntese das artes, aggiornato com uma cidade industrial, cujos patronos potenciais precisavam, urgente- mente, mudar seu gosto, de forma a garantir apoio a iniciativas de mecenato privado, de que carecia o país 2 . Mudar o gosto significava, para Bardi, ter novas atitudes em seu quotidiano, mudar as cortinas, os estofados, as cadeiras de suas residências. Pietro Maria Bardi e Lina Bo Bardi enxergavam grande potencial pedagógico em suas ações coordenadas do Museu, da revista Habitat que fundaram e do IAC. Além de formar o acervo, o Museu, nos anos do pós-guerra, programava exposições constantes de artistas contemporâneos, entre os quais Alexander 1 Simples e ingênuo. Bardi passou a vida tentando entender porque sua iniciativa não vingou. A discussão sobre esta falência e a impermeabilidade dos empresários paulistas à iniciativa não cabe nesse artigo e está mais desenvolvida em: LEON, Ethel. IAC primeira escola de design do Brasil. São Paulo: Blucher, no prelo. 2 Assis Chateaubriand, fundador do MASP, dono da poderosa cadeia de jornais e revistas Diários Associados, obrigava muitos membros da elite brasileira a tornarem-se mecenas a contragosto, ameaçando-os velada ou abertamente com chantagens a partir de seu poder mediático. Ver a respeito: MORAIS, Fernando. Chatô, o rei do Brasil: A vida de Assis Chateaubriand, um dos brasileiros mais poderosos do século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. E também o livro de memórias do próprio Bardi, Sodalício com Assis Chateaubriand. São Paulo: MASP/ SHARP, 1982.

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MODERNIDADE LATINAOs Italianos e os Centros do Modernismo Latino-americano

IAC/MASP, uma escola futuristaem São Paulo

Ethel Leon

É mais do que conhecida, na historiografia do design, a cisão que se esta-belece entre desenho industrial baseado no styling norte americano e aquele apoiado nas lições europeias da Bauhaus. É, portanto, surpreendente que uma escola de desenho industrial, fundada em São Paulo em 1950, tenha conse-guido reunir esses dois eixos antagônicos do industrial design. Esta escola foi o IAC do MASP.

Pietro Maria Bardi, diretor do MASP, foi seu mentor intelectual e diretor. As noções que fundamentavam a escola seguiam um raciocínio simples1: São Paulo era uma cidade industrial. Os proprietários das fábricas paulistas não sabiam o que era design, por isso copiavam e reproduziam de qualquer maneira itens antiquados, que tinham sua origem no mundo da produção artesanal. Era preciso, portanto, abrir uma escola de desenho industrial, formar profissionais de alto gabarito para trabalhar para esses empresários. Desse modo, o Brasil ganharia produtos à altura da civilização industrial que gestava.

O MASP era o local perfeito para esta iniciativa. O museu fora fundado a partir de eloquente visão de crença no futuro, de síntese das artes, aggiornato com uma cidade industrial, cujos patronos potenciais precisavam, urgente-mente, mudar seu gosto, de forma a garantir apoio a iniciativas de mecenato privado, de que carecia o país2. Mudar o gosto significava, para Bardi, ter novas atitudes em seu quotidiano, mudar as cortinas, os estofados, as cadeiras de suas residências.

Pietro Maria Bardi e Lina Bo Bardi enxergavam grande potencial pedagógico em suas ações coordenadas do Museu, da revista Habitat que fundaram e do IAC. Além de formar o acervo, o Museu, nos anos do pós-guerra, programava exposições constantes de artistas contemporâneos, entre os quais Alexander

1 Simples e ingênuo. Bardi passou a vida tentando entender porque sua iniciativa não vingou. A discussão sobre esta falência e a impermeabilidade dos empresários paulistas à iniciativa não cabe nesse artigo e está mais desenvolvida em: LEON, Ethel. IAC primeira escola de design do Brasil. São Paulo: Blucher, no prelo.

2 Assis Chateaubriand, fundador do MASP, dono da poderosa cadeia de jornais e revistas Diários Associados, obrigava muitos membros da elite brasileira a tornarem-se mecenas a contragosto, ameaçando-os velada ou abertamente com chantagens a partir de seu poder mediático. Ver a respeito: MORAIS, Fernando. Chatô, o rei do Brasil: A vida de Assis Chateaubriand, um dos brasileiros mais poderosos do século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. E também o livro de memórias do próprio Bardi, Sodalício com Assis Chateaubriand. São Paulo: MASP/SHARP, 1982.

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Calder, Max Bill, Le Corbusier, e Saul Steinberg. E também mostras didáticas de história das cadeiras, por exemplo. Não à toa, já no primeiro ano do Museu, Bardi instalou a Vitrine das Formas, espaço expositivo em que eram alinhados objetos utilitários egípcios e gregos e...uma máquina de escrever Olivetti, design de Marcello Nizzoli que, eventualmente, era substituída por uma máquina de costura da fábrica Vigorelli. Tratava-se de transformar o gosto da elite paulista, de modo que ela se tornasse motor de transformações no plano sociocultural da cidade e do país.3

Não à toa, a revista Habitat batia-se contra a feiura dos móveis urbanos, dos interiores residenciais burgueses, das vitrines comerciais. De nada adiantaria ter um museu com obras permanentes de Poussin, Tintoretto e Picasso se a elite continuasse a sentar-se em tronos napoleônicos e recebesse seus convi-dados em salas mobiliadas com móveis ditados por estofadores formados no ecletismo dos estilos.

O desenho industrial seria importante instrumento para combater aquele duvidoso gosto passadiço das elites brasileiras. A escola deveria se filiar ao que havia de melhor da história recente e Bardi não cansou de citar nos docu-mentos que redigia e mandava publicar nos jornais dos Diários Associados a filiação do Instituto à Bauhaus Dessau e à sua herdeira norte americana, o Institute of Design, Chicago, que fora criado e dirigido pelo ex-bauhausiano Lazlo Moholy-Nagy.

Esta linhagem enobrecedora ganhou, no IAC, estatuto mitológico. Ao formar uma congregação que dirigiria a escola, Bardi convidou para presidente o artista ucraniano/brasileiro Lasar Segall, já bastante reconhecido no modesto circuito das artes brasileiras. Lasar Segall, sabe-se, visitara a Bauhaus em sua estadia alemã e chegou a trocar algumas cartas com Wassily Kandinsky. No entanto, jamais estudou na escola de Weimar ou de Dessau. O texto que anunciava o IAC deixava presumir outra coisa. Nele, explicava-se a escolha de Segall:

não só pelos seus méritos como artista, como também pela experiência adqui-

rida na primeira escola de desenho industrial, a famosa Bauhaus de Dessau,

Alemanha. Ali Segall conviveu com os grandes renovadores e pesquisadores das

artes aplicadas e arquitetura (Breuer, Moholy-Nagy, Gropius e outros).4

Também a professora de tecelagem da escola, a alemã Klara Hartoch, era apresentada como ex-aluna da Bauhaus e, mais especificamente de Anni

3 Muitos italianos próximos do MASP contribuíram para a formação de uma cultura de design em São Paulo, entre os quais o arquiteto Gian Carlo Palanti, sócio de Lina e Pietro Maria Bardi no Studio Palma, que fabricava e vendia móveis modernos; Bramante Buffone, responsável pelas publicações e pelas aplicações da identidade corporativa da gráfica da Olivetti no Brasil e que fez catálogo da Olivetti em conjunto com Flávio Motta; desenhou máquina de escrever para a Olivetti (em equipe composta por Abrahão Sanovicz e Julio Katinsky); realizou painéis cerâmicos em edifícios de arquitetura moderna em São Paulo; Joan Vila, poeta italiano que organizou as exposições didáticas; Tito Batini, escritor; Francesco Flora, historiador da arte; Guido di Ruggero, historiador da filosofia; o pintor Gastone Novelli.

4 “No Museu de Arte. Instituto de arte Contemporânea. Professores que farão parte da Congregação”, Diário da Noite, 22 de março de 1950.

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Albers. Ora, Anni Albers fora aluna da Bauhaus, e não professora da escola.5 É possível reconhecer nos trabalhos feitos nos teares do IAC, operados por Klara Hartoch, uma linha de pesquisa semelhante à de Anni Albers, aquela do grau zero do ornamento, disposição das linhas da trama e do urdume. Mas Bardi a apresentava como egressa da escola alemã, do mesmo modo em que deixava no ar uma estadia bauhausiana de Lasar Segall.

A Bauhaus era, portanto, mais que uma referência, quase um mito fundador para Bardi em sua iniciativa de abrir uma escola de design em São Paulo, assim como sua sucessora norte americana, o Institute of Design, Chicago, dirigido por Moholy-Nagy ao qual Bardi sempre se referia em seus textos:

Surgiu então a famosa ‘Bauhaus’ com Gropius, Breuer e outros, a escola de

desenho industrial criadora de inúmeras soluções novas que hoje nos são fami-

liares como as cadeiras de tubo de aço, móveis de aço etc.

Depois os americanos continuaram e desenvolveram essa experiência no conhecido

Institute of Design de Chicago, chefiado por Moholy-Nagy, ex-professor da Bauhaus...

Todas essas iniciativas não podem passar ignoradas no Brasil, principalmente em

São Paulo, grande centro industrial. Hoje a arte não pode mais ser vista como espe-

cialidade de um grupo fechado. Ela tem que ir ao encontro dessa transformação da

fisionomia do mundo feita pela indústria e nas mesmas proporções. 6

No entanto, há fortes indícios que Bardi tomasse como modelo a Bauhaus Dessau do período Gropius, aquela elevada à estatura de cânone pelo MoMA. Nada do período expressionista de Weimar, muito menos do ano em que o comunista Hannes Meyer dirigiu a escola em Dessau.

Quando o IAC foi concebido em São Paulo, Bauhaus Dessau do período Gropius fora canonizada pelo MoMA, com uma exposição realizada em 1938. Desde então, Gropius, Moholy-Nagy, Herbert Bayer, Marcel Breuer, Josef Albers, Anni Albers e Mies van der Rohe já estavam radicados nos Estados Unidos. E o MoMA encon-trou nesse período da escola alemã um ideário coerente com o progresso técnico norte americano e uma identidade formal culta, que mantinha bem demarcadas as separações com as formas produzidas pelos designers adeptos do chamado styling e que logravam muito êxito nas lojas de departamentos.

Surgido na indústria norte americana de automóveis GM, o styling se carac-terizara como procedimento capaz de reciclar produtos industriais, de modo que seu poder de novidade deixasse os antecessores com a marca simbólica do

5 Os arquivos de Weimar e Dessau foram consultados pela autora, que não encontrou referências de Hartoch. No entanto, não se descarta a possibilidade de ela ter estudado na escola alemã com outro nome.

6 “No Museu de arte. Instalação do Instituto de arte contemporanea.”, Diário de São Paulo, 8 de março de 1950. Muitos dos artigos escritos à mão por Bardi e que se encontram catalogados na biblioteca do MASP se veem reproduzidos nas páginas dos jornais dos Diários Associados. Em alguns casos, os escritos de Bardi são verdadeiros press-releases, publicados na íntegra.

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ultrapassado.7 Opondo-se a ele, os herdeiros da Bauhaus mantiveram a visão de que um produto industrial só poderia ser redesenhado ou substituído por outro, a partir de sua obsolescência técnica. O mercado, para estes, não era motivo ou motor de mudanças. Os torneios entre os defensores de uma e de outra visões eram sanguíneos e a separação entre ambos os grupos pretendia pureza química.

A Bauhaus Dessau/Gropius era uma escolha de distinção do MoMA, que se afastava de qualquer veleidade socialdemocrata da Alemanha dos anos 1920 e que repercutiria fortemente na construção do chamado International Style. No entanto, na escola de Chicago, Lazlo Moholy-Nagy tentava manter o ideário bauhausiano. Durante os oito anos em que dirigiu o Institute of Design, ele resistiu às muitas pressões para aproximar a escola, de forma subordinada, ao mercado. Seu encontro com o filósofo John Dewey, em terras norte americanas, só reforçou a escolha pedagógica, afastada de visão profissionalizante ou voca-cional.8 Tratava-se para ele, de formar cidadãos abertos ao novo mundo das possibilidades técnicas, avessos ao capitalismo, conscientes de sua humanidade.

Moholy-Nagy morreu em 1946, pouco tempo depois de ter participado de um debate na sede do MoMA em Nova York no qual também figuraram o curador do departamento de design Edgar Kaufmann Jr. e os designers que dominavam o mercado americano da época, Raymond Loewy e Walter Teague. Nesse encontro, Loewy e Teague defenderam o design como a prática de ajudar os industriais a venderem seus produtos, enquanto Moholy-Nagy e Kaufmann Jr. afirmaram a base ética da atividade projetual, independente da indústria.

O MASP foi aberto em 1947, quando o Institute of Design era dirigido por um herdeiro de Moholy-Nagy, o designer Serge Chermayeff, indicado por Gropius para o cargo. Em 1949, graças às negociações comandadas pelo industrial Walter Paepcke9, o Institute se vinculou ao Illinois Institute of Technology, no qual Mies Van der Rohe dirigia a escola de arquitetura. Chermayeff demitiu-se em 1951 e até 1955 a escola ficou sem diretor. Só em 1955, a escola nomeou Jay Doblin, designer e antigo colaborador de Raymond Loewy, nome não aprovado por Gropius e por muitos professores e alunos da escola, como diretor da escola.10

7 A GM encontrou nos anos 1920 esta estratégia que a fez deixar para trás seu concorrente Ford. Os automóveis GM afastaram-se do discurso da engenharia em seus produtos e trouxeram nos novos modelos atributos herdados do futurismo italiano, como a forma de gota alongada nas carrocerias e uma série de elementos como os streamlines que sugeriam a velocidade. Ao longo dos anos seguintes, características formais dos veículos GM migraram para as indústrias de outros bens de consumo. Entre os principais, além das streamlines, estão o próprio discurso dos comandos de máquinas nos paineis e as formas alongadas de gota. Ver a respeito desse processo de adoção do styling e de sua aceitação na sociedade norte americana pré-crise de 1929 o artigo de: David Gartman “Harley Earl and the Art and Color Section: The Birth of Styling at General Motors”, in DOORDAN, Dennis P. (org.) Design History an Anthology. Cambridge/London: The MIT Press, 1995, pp.122-144.

8 Ver a respeito: FINDELI, Alain. “Moholy-Nagy’s Design Pedagogy in Chicago (1937-1946)”, In: The Idea of Design: A Design Issues Reader. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 1995, pp. 29-55.

9 Walter Paepcke era o diretor-presidente da Container Corporation of America (CCA), fábrica de embalagens. Estabeleceu relações comerciais e também de amizade com artistas modernos – entre eles Fernand Léger, Walter Gropius e Herbert Bayer a partir dos contatos abertos por Moholy-Nagy. Gropius e Bayer se tornaram consultores da CCA. Gropius fez o projeto das fábricas em Columbia e em North Carolina, além de ter sido convidado para discutir o projeto urbanístico de Aspen, no Colorado, que Paepcke estava desenvolvendo como estação de esqui e onde lançaria as grandes Conferências sobre Design e Tecnologia, as TEDs.

10 Em sua obra The Struggle for Utopia, Victor Margolin afirma que a aproximação da escola de Moholy-Nagy com o IIT foi dificultado pelas relações azedas entre Moholy-Nagy e Mies van der Rohe, já docente da escola.

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As decisões de montar o IAC, de transformá-lo em escola de desenho indus-trial11, de ver sua realização, sua crise e seu fechamento se realizaram sem qualquer vínculo com o debate realizado em Chicago e que reproduzia, de certa forma, candentes polêmicas da Bauhaus em seus 13 anos de existência.

Apesar de declarar sua filiação à Bauhaus Dessau e ao Institute of Design Chicago, no IAC os designers norte americanos acusados de styling não eram demonizados. Ao contrário. Bardi era admirador de Raymond Loewy e mostrava, em suas aulas, alguns dos produtos desenvolvidos pelo escritório do franco americano, como o automóvel Studebaker.12

O IAC realizou uma espécie de pacificação de visões conflitantes, ao enal-tecer, simultaneamente, o alto modernismo, nutrido a partir da domesticação ou norte americanização da Bauhaus Dessau e de seus inimigos declarados, os designers consultores norte americanos. Raymond Loewy, cuja declaração “o feio não se vende” soava como ultraje ao templo, para os bauhausianos, era uma espécie de herói moderno dentro do IAC.

Como entender esta dupla filiação?

Certamente o fato de o IAC ter sido criado dentro do MASP, alheio a qual-quer pressão institucional ou empresarial pode explicar o terreno aberto para tal conciliação. Na Alemanha, a Bauhaus era vistoriada de perto pelos governos de Weimar e de Dessau. Em Chicago, Walter Paepcke, proprietário da pode-rosa Container Corporation of America, acompanhava cada passo da escola e compreendia o design como ferramenta de negócios, interpelando o Institute of Design para que assumisse a mesma posição.

Em São Paulo não havia qualquer pressão sobre o Instituto. Bardi acreditara que tanto o município quanto os industriais aplaudiriam a escola do Museu e levariam adiante a iniciativa. Enganou-se. Ele mal conseguiu convênios para que os estudantes do IAC estagiassem nas indústrias13. Um dos poucos está-gios acertados pela escola para Alexandre Wollner, um de seus estudantes, foi feito com a filial do escritório de Raymond Loewy, que abriu suas portas em São Paulo, em 1949, com a mesma crença de Bardi, de que as indústrias paulistas fariam fila para contratar os serviços do industrial designer, o homem que fora capa da Time naquele mesmo ano.14

A conciliação das vertentes bauhausianas com os stylists não foi determi-nada nem sugerida por qualquer agente externo, mas fazia parte do ideário

11 O IAC foi preliminarmente pensado por Bardi para ser uma escola de formação de historiadores de arte.

12 No livro de Pietro Maria Bardi Excursão ao território do design (São Paulo: Sudameris, 1986, p.104), Raymond Loewy comparece como designer de identidade corporativa.

13 Os acordos do IAC foram realizados com as empresas Lanifício Fileppo e Cristais Prado e diziam respeito à marca e cartaz, respectivamente. Nada ligado ao chamado chão de fábrica.

14 Isso não só não ocorreu, mas a filial rapidamente fechou suas portas. O engenheiro californiano Charles Bosworth, que se mudou para o Brasil para chefiar o escritório aqui permaneceu até o fim de sua vida, dedicado à construção de imóveis e não a desenho industrial.

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de Bardi e se deve, muito provavelmente, à sua formação modernista italiana, herdeira do futurismo. O anticlassicismo, postura que assumiu na defesa de uma nova arquitetura racionalista e fascista na Itália, se renovou no Brasil. Aqui, no lugar de Mussolini estava Assis Chateaubriand, chefe autoritário, violento e modernizador. Em vez de Marcello Piacentini e de Giuseppe Terragni encon-travam-se acadêmicos e um jovem grupo de arquitetos modernos que dialo-gavam com Le Corbusier.

Mas não havia entre nós um Giò Ponti no design de produtos, capaz de projetar uma máquina de café alinhada à expressividade futurista, com suas gigantescas válvulas e pistões metálicos, desenhada como instrumento musical para um conjunto da nova música, aquela dos rumores de Luigi Russolo. O mesmo Giò Ponti com quem Lina trabalhara em Milão e que encarnava a figura do arquiteto que desenhava ‘da colher à cidade’, passando pelo design editorial na revista Domus e por seu interesse por figurinos e cenários no teatro.

A linhagem intelectual e política de Pietro Maria Bardi e também de Lina Bo Bardi podem explicar o IAC. Ademais, não havia no Brasil uma escola de desenho industrial, ou seja, não havia modelos a seguir ou a afrontar. Também na Itália, a formação daqueles que trabalhavam para as indústrias era de arquitetos, artistas, engenheiros ou autodidatas, pois não havia, então, escolas de design no país. O IAC tornou corpóreo um conjunto de conhecimentos mobilizados para aqueles que projetavam para as empresas italianas naquele período, em que a Bota emergia com um ‘renascimento’ industrial de produtos de consumo indi-viduais/familiares, que seria abençoado pelo MoMA15 e configuraria um estan-darte das liberdades individuais em pleno período da Guerra Fria.16

O IAC do MASP apresentou um currículo amplo, com noções de arquitetura, botânica17, oficinas de tecelagem, maquetes, aulas de pintura e gravura, acesso aos laboratórios de fotografia, linguagem gráfica, composição, sociologia e mate-riais, programa próximo daquele do Institute of Chicago. Entre seus professores figuravam o próprio Pietro Maria Bardi, Lina Bo, Jacob Ruchti, Oswaldo Bratke, Roberto Sambonet, Flávio Motta, Leopold Haar, Roger Bastide, entre outros. Como na Bauhaus, os estudantes eram escolhidos a dedo e passavam por curso básico.

Entretanto, engana-se quem pensar que a escola cumpria as doutrinas das duas escolas que Bardi declarava seguir. Muito permeado pelas atividades do Museu, o Instituto abriu as possibilidades para que seus alunos e professores trabalhassem na decoração para bailes de artistas; em estamparia têxtil com motivos brasileiros, a partir do trabalho de Luisa Sambonet. Roberto Sambonet, professor de desenho da escola, projetou vários vestidos femininos, um deles

15 A exposição dos produtos da Olivetti no MoMA data de 1953. O catálogo da mostra exalta o alto nível do gosto daquela indústria.

16 Para mais elementos sobre o design italiano nos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial e seu lugar na Guerra Fria ver: SPARKE, Penny. Italian Design, from 1870 to the present. Londres: Thames and Hudson, 1988.

17 Na verdade, Mansueto Koscinsky, engenheiro agrônomo do Horto Florestal, dava aulas sobre madeiras, de modo a que os futuros designers conhecessem a matéria prima mais empregada no fabrico de móveis.

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de inspiração mondriânica18, numa tentativa empreendida pelo museu de criar uma moda brasileira. Toda esta preocupação com moda, que não seria estranha aos artistas futuristas e modernos italianos, encontrou pouso no MASP, cujo diretor chegou a organizar desfile de moda da Christian Dior (Figs. 1-2).

O IAC durou menos de três anos. Teve duas turmas que, no final, foram reunidas numa só. Apesar da curta duração, a escola foi decisiva para profissionais que tiveram lá parte importante de sua formação: Antonio Maluf, Ludovico Martino, Emilie Chamie, Estella Aronis, Alexandre Wollner , Maurício Nogueira Lima e Irene Ruchti, entre outros.

Até o final de sua vida, Pietro Maria Bardi retomou, muitas vezes, em seus escritos, sua vontade de fazer a escola de design industrial em São Paulo. Nesses textos tentou explicar seu fracasso. Na São Paulo do IV Centenário, que se metropolizava, o desenho industrial autônomo − e uma escola para produzi--lo − ainda não tinha lugar.

Bibliografia:

BARDI, Pietro Maria. Excursão ao território do design. São Paulo, Sudameris, 1986.

___________________. Sodalício com Assis Chateaubriand. São Paulo: MASP/SHARP, 1982.

FINDELI, Alain. “Moholy-Nagy’s Design Pedagogy in Chicago (1937-1936)”, in: The Idea of Design: A design Issues Reader. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 1995, p. 29-55.

GARTMAN, David. “Harley Earl and the Art and Color Section: The Birth of Styling at General Motors”, in DOORDAN, Dennis P. (org.) Design History an Anthology. Cambridge/London: The MIT Press, 1995, p.122-144.

GUTIÉRREZ, Ramon. “Pietro María Bardi, la otra memoria”. Arquitextos 139, 12 dezembro de 2011. Disponível em http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.139/4178.Acesso em 22 de maio de 2013.

LEON, Ethel. IAC, primeira escola de design do Brasil. São Paulo: Blucher, no prelo.

MARGOLIN, Victor. The Struggle for Utopia. Chicago/London: Univ. of Chicago Press, 1997.

MORAIS, Fernando. Chatô, o rei do Brasil: A vida de Assis Chateaubriand, um dos brasileiros mais poderosos do século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

SPARKE, Penny. Italian Design, from 1870 to the present. London: Thames and Hudson, 1988.

18 Muitos anos depois, em pleno período da contestação da década de 1960, o costureiro Yves Saint Laurent proporia vestido semelhante.

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Fig. 1 Modelo com vestido de ráfia. Biblioteca e Centro de Documentação – MASP

Fig. 2 Modelos do desfile Dior ladeadas por Pietro Maria Bardi e Lina Bobardi. Biblioteca e Centro de Documentação – MASP