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I Seminário de Direito Administrativo - TCMSP “Processo Administrativo” De 29 de setembro a 3 de outubro de 2003 01/10 AS “PARTES” NO PROCESSO ADMINISTRATIVO E A LEGITIMAÇÃO DOS INTERESSADOS Dr. Flávio Luiz Yarshell (Mestre e Doutor em Direito Processual pela USP/Prof. Do Complexo Jurídico Damásio de Jesus/Advogado) Excelentíssimo Sr. Dr. Antonio Carlos Caruso, o Senhor que preside estes trabalhos e na pessoa de quem tomo a liberdade de saudar os demais Ilustres membros desta mesa, Srs. Conselheiros, Srs. Advogados, Juízes, Promotores, Srs. Estudantes, Senhoras e Senhores. É com grande alegria e com grande honra que compareço nesta data a este Tribunal, cujas dependências tive a honra e o prazer de conhecer apenas nesta data. Quero registrar, de início, a calorosa acolhida que aqui recebi, o que, por si só, já é para mim, motivo de grande alegria e confirma a minha expectativa em relação ao convite que me foi amavelmente dirigido e que agradeço. Apenas estou um tanto quanto preocupado pela, talvez, imprudência na aceitação do convite dada a excelência da platéia. Eu me recordo uma certa ocasião em que fui convidado a dar uma palestra no STJ e tinha o receio de dizer: “- Bem, o STJ entende a respeito da matéria, isso ou aquilo”, e alguém abrir uma porta e dizer: “- Não, não, nós não entendemos isso”. Então, falar sobre Processo Administrativo nesta Casa é algo tão temerário quanto isso. Falar de Processo Administrativo aos Senhores, que conhecem muito bem Processo Administrativo, é uma tarefa árdua. Eu disse aqui aos Senhores Conselheiros que me receberam que eu vim aqui muito mais para aprender, mas, digamos assim, para não frustrá-los desde logo, vim para trocarmos experiências a respeito de um tema que acho difícil. Acho difícil, não apenas pelo aspecto do processo administrativo, mas porque o tema é difícil sob o ângulo do Processo Civil. Na verdade, se há um tema que é difícil é o tema que envolve partes, que envolve litisconsórcio, que envolve intervenção de terceiros, porque se pararem para pensar, e eu acho que vale a pena pensar assim, este tema, na verdade, está entrelaçado com vários aspectos do Direito Processual. Seja processual no âmbito jurisdicional, seja administrativo, porque na porta de entrada do processo, nós cogitamos de quem é parte legítima. Para cogitarmos de quem é parte legítima, temos que examinar a relação de direito material, para saber quem é titular da relação material e, assim, quem está habilitado a participar do processo. Em contrapartida, nós devemos saber perante quem se produzirão os efeitos da decisão, seja administrativa ou seja jurisdicional, razão pela qual o tema das partes e da legitimidade das partes e do terceiro acaba se ligando ao tema da eficácia da decisão e, consequentemente, da coisa julgada, ainda que no âmbito administrativo falemos desse tema de forma diferenciada do que falamos no âmbito jurisdicional.

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I Seminário de Direito Administrativo - TCMSP “Processo Administrativo”

De 29 de setembro a 3 de outubro de 2003

01/10 – AS “PARTES” NO PROCESSO ADMINISTRATIVO E A

LEGITIMAÇÃO DOS INTERESSADOS

Dr. Flávio Luiz Yarshell (Mestre e Doutor em Direito Processual pela

USP/Prof. Do Complexo Jurídico Damásio de Jesus/Advogado)

Excelentíssimo Sr. Dr. Antonio Carlos Caruso, o Senhor que preside estes trabalhos e na

pessoa de quem tomo a liberdade de saudar os demais Ilustres membros desta mesa, Srs.

Conselheiros, Srs. Advogados, Juízes, Promotores, Srs. Estudantes, Senhoras e Senhores.

É com grande alegria e com grande honra que compareço nesta data a este Tribunal, cujas

dependências tive a honra e o prazer de conhecer apenas nesta data.

Quero registrar, de início, a calorosa acolhida que aqui recebi, o que, por si só, já é para

mim, motivo de grande alegria e confirma a minha expectativa em relação ao convite que me

foi amavelmente dirigido e que agradeço.

Apenas estou um tanto quanto preocupado pela, talvez, imprudência na aceitação do convite

dada a excelência da platéia.

Eu me recordo uma certa ocasião em que fui convidado a dar uma palestra no STJ e tinha o

receio de dizer: “- Bem, o STJ entende a respeito da matéria, isso ou aquilo”, e alguém abrir

uma porta e dizer: “- Não, não, nós não entendemos isso”. Então, falar sobre Processo

Administrativo nesta Casa é algo tão temerário quanto isso. Falar de Processo Administrativo

aos Senhores, que conhecem muito bem Processo Administrativo, é uma tarefa árdua.

Eu disse aqui aos Senhores Conselheiros que me receberam que eu vim aqui muito mais para

aprender, mas, digamos assim, para não frustrá-los desde logo, vim para trocarmos

experiências a respeito de um tema que acho difícil. Acho difícil, não apenas pelo aspecto do

processo administrativo, mas porque o tema é difícil sob o ângulo do Processo Civil.

Na verdade, se há um tema que é difícil é o tema que envolve partes, que envolve

litisconsórcio, que envolve intervenção de terceiros, porque se pararem para pensar, e eu

acho que vale a pena pensar assim, este tema, na verdade, está entrelaçado com vários

aspectos do Direito Processual. Seja processual no âmbito jurisdicional, seja administrativo,

porque na porta de entrada do processo, nós cogitamos de quem é parte legítima.

Para cogitarmos de quem é parte legítima, temos que examinar a relação de direito material,

para saber quem é titular da relação material e, assim, quem está habilitado a participar do

processo.

Em contrapartida, nós devemos saber perante quem se produzirão os efeitos da decisão, seja

administrativa ou seja jurisdicional, razão pela qual o tema das partes e da legitimidade das

partes e do terceiro acaba se ligando ao tema da eficácia da decisão e, consequentemente,

da coisa julgada, ainda que no âmbito administrativo falemos desse tema de forma

diferenciada do que falamos no âmbito jurisdicional.

De tal sorte, às vezes no Curso de Graduação, vem aquela idéia de que antes de ensinar

intervenção de terceiros ou ensinar litisconsórcio, seria melhor começar ensinando sentença,

coisa julgada, porque eu só posso determinar quem deve estar no processo a partir do

momento em que eu determino os efeitos do provimento que se almeja.

Essas são considerações apenas introdutórias para demonstrar que, estudando a questão sob

o ângulo do Processo Administrativo, essas mesmas dificuldades me assaltaram e o que eu

vou fazer aqui é passar aos Senhores, um resumo das idéias que tenho sobre o tema e,

sinceramente, das dúvidas que tenho a respeito do tema.

O que proponho aos Senhores para organizar a exposição, organizar, digamos, as reflexões

sobre o tema? Proponho tratar da questão sob o ângulo do Processo Civil, partindo da idéia

de parte, parte legítima, “litisconsórcio”, terceiro, assistência, formas de intervenção de

terceiro. Feito esse panorama, espero ser breve, talvez então tenhamos condições de

projetar esses conceitos no Processo Administrativo porque, já adiantando um pouco aos

Senhores, o que pude constatar dos diversos diplomas que regulam o Processo

Administrativo é que esses diplomas, de um modo geral, são genéricos e às vezes eles

incidem, em certa medida, em petição de princípio, porque, na verdade, fico num círculo

vicioso.

Deve estar presente aquele que é interessado; o interessado deve estar presente, mas eu

não sei quem é o interessado para que ele esteja presente ou não.

Por outro lado, o que pude constatar e trago aos Senhores é que, aparentemente, os

diplomas que tratam das partes, dos sujeitos interessados, permitem sem dúvida, claro, a

intervenção das pessoas que sejam titulares de relações jurídicas passíveis de afetação pela

decisão. Mas, o que pude notar é que não há, uma disciplina de como isso deva ser feito ou

mais especificamente, salvo melhor juízo, não há um tratamento diferenciado àqueles que

são admitidos a participar da relação jurídica no processo administrativo.

Quer dizer, de duas uma, ou ele é indiferente e não pode ingressar ou ele tem interesse,

pode ingressar e é tratado como qualquer outro interessado, o que não ocorre no Processo

Civil. É perfeitamente possível imaginar no Processo Civil que alguém sofra os efeitos da

decisão, do ato final, e que possa, por esta razão, intervir no processo, mas que não seja

tratado como aquele que é titular da relação material diretamente atingida.

Então, o que proponho aos Senhores é isso. É trazer, sumariamente, os conceitos do

Processo Civil ao Processo Administrativo que não deixa, nessa medida, de ser Civil, e depois

tentar refletir criticamente sobre as distinções entre o processo jurisdicional e o processo

administrativo, considerando a natureza da decisão do ato culminante no Processo

Administrativo para saber, eventualmente, em que medida esses conceitos poderiam ser

aproveitados.

Eu parto, e espero não entediá-los com isso, da idéia do conceito de parte, porque há um

certo preconceito ou pelo menos já houve um certo preconceito com relação à denominação.

Não que ela seja relevante como denominação, porque a denominação nós escolhemos, é

uma convenção, mas os Senhores sabem que há preconceito no tocante à denominação

porque “parte” no âmbito jurisdicional ficaria tradicionalmente reservado ao sujeito da

relação jurídica processual.

No âmbito administrativo nós teríamos “sujeitos”, “sujeitos interessados” ou outras

terminologias. Eu digo isso porque os Senhores que são estudiosos, não apenas do Processo

Administrativo mas do Processo Civil, sabem que, por exemplo, quando se distingue

Jurisdição Contenciosa de Jurisdição Voluntária, uma das distinções com a qual não concordo,

gostaria de dizer, é a que contrapõe as Partes no Processo Contencioso e os interessados na

Jurisdição Voluntária, que se diz ser a Administração Pública de interesses privados, que é

típica atividade administrativa.

Quero apenas fazer um parêntese dizendo aos Senhores que quanto mais passa o tempo e

mais me dedico ao estudo dessa matéria menos me convenço da tradicional distinção entre

jurisdição contenciosa e jurisdição não contenciosa. Acho que isso é interessante porque na

medida em que Órgãos Administrativos exerçam uma função próxima da função jurisdicional,

senão idêntica quanto à função, isto passa a ser relevante porque é preciso encontrar um

regime, uma disciplina uniforme de toda a função jurisdicional, seja ou não exercida pelo

Poder Judiciário. Aliás, esse é outro preconceito, outro dogma, porque, diz a lenda que a

função jurisdicional é exercida pelo Poder Judiciário, o que aliás é uma forma orgânica e

insuficiente de definir o que é a Função Jurisdicional.

O que é função jurisdicional? É aquela exercida pelo Poder Judiciário. Não, não parece que

seja correto. Existe a Administração no Judiciário, existem atos legislativos, limitadamente,

dentro do Judiciário, assim como existe função jurisdicional fora do âmbito do Poder

Judiciário, embora saibamos que tradicionalmente a separação entre função jurisdicional e

função administrativa passe pela definitividade das decisões proferidas no âmbito

jurisdicional.

Não quero aqui me desviar, mas como percebem não adianta querer tratar de parte ou de

terceiro sem que nos preocupemos com a natureza da decisão. Aliás, Senhores, sem a

preocupação de seguir uma linha muito rigorosa, quando nós pensamos em parte, em que

deve figurar em um processo, é preciso que os Senhores tenham em mente, que nós

tenhamos em mente, que a presença de alguém dentro de um processo impõe-se na medida em que a participação legitima o ato estatal que virá afinal.

Disso falou a doutrina; Nicolas Luman falou sobre o contraditório, a participação como fator

de legitimição das decisões. O contraditório é uma exigência constitucional, sob o ângulo

jurídico, e é também uma exigência política de participação. Então, quando você se pergunta,

quando nós nos perguntamos, quem deve participar do processo? Eu devo perguntar quem

ficará vinculado pela decisão ?

Claro que no âmbito Administrativo a circunstância de não haver vinculação também não

justifica menosprezo à participação de determinados sujeitos, porque dizer que eu não

permito a participação deles ao argumento de que não ficam vinculados, porque o Processo

Administrativo não vincula, é desmerecer o Processo Administrativo, é desmerecer o exercício

que o Estado desempenha dentro da atividade Administrativa.

Mais uma coisa, Senhores, é importante que, não sob o ângulo romântico, mas sob o ângulo

pragmático, nós entendamos o contraditório não apenas como uma exigência formal ou de

participação de pessoas dentro de um processo.

Eu sei que nem sempre alguém tem algo a falar, portanto, se a pessoa não tem algo a falar a

gente também não tem muita disposição de ouvir, e espero que isso não se aplique a esta

palestra. Mas, de qualquer modo, o que eu quero dizer é que o contraditório é diálogo. Eu sei

que isso parece um pouco romântico, mas, o contraditório é diálogo. O contraditório

pressupõe que o Órgão que preside o Processo Administrativo tenha subsídios, tenha

elementos a receber daqueles que participam do processo e que devem ser vinculados.

Portanto, então, o contraditório não é apenas uma exigência política de participação, não é

apenas uma exigência jurídica que decorre da Constituição e que se justifica porque alguém

será vinculado ou sofrerá efeitos na sua esfera jurídica, mas, também, porque pelo

contraditório há, digamos assim, um aperfeiçoamento do ato final.

Eu sei que do ponto de vista, volto a dizer, de quem julga, muitas vezes não há nada que

possa ser agregado ao juízo da parte de quem é destinatário, mas supondo que sempre haja

um elemento, um elemento instrutório ou uma alegação, o contraditório, é visto como fator

de aperfeiçoamento da decisão final.

Invertendo um pouco, e não me penitencio por isso, quando pensamos no Processo

Administrativo, ainda que partamos da premissa de que no Processo Administrativo não haja,

como há no jurisdicional, a vinculação, no sentido de que o ato, em certa medida, poderia ser

revisto pelo Poder Judiciário, embora não ocorra sempre como sabemos, ainda que se parta

da premissa da não vinculação que caracterizaria classicamente o Processo Administrativo em

contraposição ao jurisdicional, é inegável que a atividade administrativa, que o exercício da

função Administrativa, que o exercício do Poder no âmbito Administrativo, produz

conseqüências na esfera na vida das pessoas.

Não é apenas a litispendência, no âmbito jurisdicional, que é um ônus para as pessoas. Não é

apenas o processo penal que é trancado através de habeas corpus porque a pendência do

processo penal é onerosa para a parte.

Devemos também entender todo o exercício de poder, de forma, pelo menos unitária sob

este aspecto.

Quem exerce poder deve exercê-lo com responsabilidade. A simples investigação de uma

pessoa, sabem os Senhores, o país em que vivemos, é algo extremamente relevante. Então,

ainda que a conclusão da investigação não seja vinculante, porque, por exemplo, será

dirigida ao Órgão responsável pela acusação que pode ou não acusar, que pode ou não tomar

determinadas medidas, o simples exercício do Poder, o simples fato de se submeter o

indivíduo ao Processo Administrativo significa uma forma de constrangê-lo diante do Estado e

essa constatação leva à idéia de que, do ponto de vista do cidadão, é preciso dar

oportunidade de manifestação.

Mais uma coisa ainda, e volto a dizer que não me penitencio por falar isso, pouco

sistematicamente, porque os conceitos talvez até sejam menos importantes do que isso eu

diria que no Processo Administrativo a participação dos interessados, vamos falar por

enquanto em interessados, também deve ser vista sob a ótica do interesse público,

principalmente sob a ótica do interesse público, porque naquela perspectiva de contribuição

que os sujeitos possam dar ao Órgão que preside o Processo Administrativo, na perspectiva

do resultado do Processo Administrativo que possa eliminar qualquer atuação estatal

posterior, jurisdicional ou não, isso interessa ao Estado.

Então, não interessa ao Estado que o Processo Administrativo, seja ele qual for, e por favor

me perdoem por falar em Processo Administrativo sem distinguir, já que há os mais variados

tipos de Processo Administrativo, os que envolvem a Administração e Cidadão, os que

envolvem Servidor e Administração, mas dizia eu, não interessa à Administração um

Processo Administrativo inútil, um Processo Administrativo para cumprir tabela, para saber

que depois a questão será discutida eventualmente no Poder Judiciário. Primeiro, há casos

em que questões não serão rediscutidas perante o Poder Judiciário que excluirá não a

apreciação da alegação de lesão a direito, mas porque por sua função não poderá penetrar

sob pena de violar a função e a repartição de poderes, do poder atribuído, da função

atribuída a outro ente estatal, ou então, em outros casos, exercerá de forma mais limitada

este controle. Agora, mesmo nos casos em que haja controle, é preciso ter a visão unitária

do Estado. O Estado que desempenha poder, que exerce poder, desempenha uma função

enquanto Administrador, no Processo Administrativo, não é outro Estado que não o mesmo

Estado que desempenha a função jurisdicional.

É claro que cada uma das funções se caracteriza por elementos distintos. É claro que o efeito

da decisão Administrativa, é um. É claro que a imutabilidade da decisão Administrativa é

uma, mas isso não significa dizer que nós não possamos e devamos pensar o Processo

Administrativo como um processo exercido pelo Poder Estatal, através do qual se exerce o

Poder Estatal e cujo resultado deve ser o mais útil possível, para o Estado e,

consequentemente, para o indivíduo, de tal sorte que barre a instauração de novos Processos

Administrativos ou Jurisdicionais, por inúteis, ou que resulte na instauração de outros

processos jurisdicionais ou não e que possam levar em conta aquilo que foi produzido, aquilo

que foi decidido, aquilo que foi debatido na fase Administrativa e, na medida em que as

pessoas participam elas legitimam a decisão. Aliás, essa é a contrapartida da participação. Na

verdade, aqui faço esse comentário, se os Senhores pegarem, por exemplo, a regra do artigo

55 do Código de Processo Civil, vão ver que o assistente, no processo do qual tenha

participado, não poderá depois rediscutir a justiça da decisão. Ora, por que ele não pode

rediscutir a justiça da decisão? Porque ele participou. Se ele participou, ele fica vinculado.

Então, é claro que os Senhores devem pensar, bom, mas, se aquele Processo Administrativo

é do tipo que não vinculará porque a questão pode ser reapreciada em outra seara, quiçá

jurisdicional, a participação não vincula porque o provimento final não vincula, ainda que

alguém participe. Mas, repito, a visão talvez deva ser esta, de permitir participação para

legitimar a decisão, ainda que o próprio Estado deva continuar a exercer o seu Poder e

desempenhar outras funções, a propósito da mesma situação. É preciso que o Estado

prestigie a própria decisão estatal, embora com funções ou com papéis relativamente

diferentes.

Senhores, voltando então àquilo que prometi e me desviei um pouco, o que os Senhores

querem ouvir não é a questão das partes ou do terceiro no Processo Jurisdicional, é a

questão das partes, do terceiro no âmbito Administrativo e, portanto, se eu puder estimular

nos Senhores esse raciocínio que expus talvez esses conceitos surjam com maior clareza,

com maior utilidade.

Dizia eu, há pouco tempo atrás, sobre a questão da terminologia. O que é parte? Nós temos

dois conceitos no Processo Civil e agora começo a acelerar um pouco mais a exposição para

falar dos conceitos, apenas lembrando aos Senhores: parte é todo aquele que pede contra

quem se pede. Esse é o conceito Kelvendiano, que é um conceito interessante mas um

conceito limitado.

O conceito mais correto e mais moderno, que pode ser aplicado com maior utilidade ao

Processo Administrativo, é àquele que diz que parte é todo aquele que está em contraditório

perante o Juiz. Claro que aqui ainda estamos falando como processualistas civis que pensam

no processo jurisdicional, mas, num certo sentido, já fica mais fácil e mais amplo falar como

parte, não apenas em relação àquele que pede ou contra quem se pede, mas daquele que

está em contraditório, perante..., vamos substituir, melhorar a definição, perante um órgão

do Estado, perante alguém que exerce, não precisa ser nem do Estado, perante alguém que

exerce Poder, porque aquele sócio, daquela agremiação privada, particular, que é excluído

dos quadros da agremiação, deve ser submetido ao devido processo legal e deve ter suas

razões ouvidas. Isso, aliás, está no Novo Código Civil em relação às Sociedades, na exclusão

de sócios da Sociedade.

Então, a idéia é quem é parte? Parte é todo aquele que está em contraditório perante o Juiz,

se pensarmos no Processo Jurisdicional, ou perante o órgão da Administração, o Órgão do

Estado que presida determinado processo.

Por outra forma, parte é aquele que é titular de posições jurídicas ativas e passivas perante o

Estado, de deveres, ônus, sujeições, faculdades, poderes, poder de requerer a instauração do

processo administrativo. O poder, a faculdade, o ônus de se defender, o dever de atuar com

probidade, com lealdade, vale, sem dúvida, para o processo jurisdicional e para o Processo

Administrativo, porque aqui o princípio é rigorosamente o mesmo, independentemente do

resultado. Então, são titulares de posições jurídicas no processo as chamadas partes.

Prosseguindo, parte é um conceito formal, Senhores, porque para ser parte, eu não preciso

nada além de estar integrado ao contraditório.

No Processo Civil os Senhores devem saber que alguém adquire a qualidade de parte por

quatro formas básicas: ou ajuizando uma demanda ou sendo citado para os termos de uma

demanda, ou intervindo na qualidade de terceiro, por assistência ou por outras formas de

intervenção ou, ainda, por sucessão processual.

Vejam Senhores, o que proponho nesta manhã é a aplicação desses conceitos ao Processo

Administrativo porque, por exemplo, sucessão processual é um tema que cabe direitinho no

Processo Administrativo. Eu diria mais, me permito aqui refletir, fazer digressões aqui com os

Senhores, eu diria: alienação da coisa litigiosa é tema para Processo Administrativo, os

Senhores sabiam, não é mesmo?

O artigo 42 do Código de Processo Civil diz: a alienação da coisa litigiosa não altera a

legitimidade das partes. O adquirente poderá suceder o alienante se com isso concordar o

adversário. Adversário fica meio difícil no Processo Administrativo, mas essa é a idéia.

Depois, o adquirente pode atuar no processo para ser assistente do alienante e assim por

diante. Então, para ser parte, basta que eu esteja dentro do processo, é um conceito formal.

Agora, diferente do conceito formal de parte é o de parte legítima e aqui os conceitos

começam a ficar menos claros. Aqui é preciso separar a legitimação ordinária da legitimação

extraordinária, ambas válidas e aproveitáveis ao Processo Administrativo, no meu modo de

ver. Na legitimação ordinária eu diria que é Parte legítima aquele que é titular da relação

jurídica material controvertida. Para usar a palavra de Chiovenda, depois repetida por Buzaid,

a legitimação ordinária é a pertinência subjetiva para a ação. Sei que isso fica meio difícil de

aplicar no Processo Administrativo porque não tem propriamente ação no Processo

Administrativo, mas o que proponho aos Senhores é que realmente reflitam sobre isso.

Qual a relação jurídica de direito material que é objeto daquele processo administrativo? A

obtenção do alvará, a licitação, o processo disciplinar, todas as formas de processos

administrativos que os Senhores conhecem que envolva a Administração e o servidor, que

envolva a Administração e o Particular, que envolva dois particulares em confronto com a

Administração ou dois ou mais servidores em confronto com a Administração.

Quem é o titular da relação jurídica de direito material? Porque o titular da relação jurídica de

direito material, esse deve estar necessariamente presente? Depois eu faço alguma

consideração acerca disso, porque seria interessante propor aos Senhores que refletissem,

ainda que brevemente, sobre a aplicação da idéia de litisconsórcio necessário e facultativo no

Processo Administrativo. São idéias pouco desenvolvidas, mas que talvez haja um mérito e

esse mérito seja propor este raciocínio aos Senhores.

Extraordinariamente, está legitimado aquele que, embora sem ser o titular da relação de

direito material, está autorizado pela Lei a falar em nome próprio por direito alheio.

Não vou eu aqui entediá-los com as discussões acerca de substituição processual. Agora, que

no Processo Administrativo isso se põe, é claro que se põe. Da mesma forma, Senhores, que

no Processo Jurisdicional, se cogita do substituto Processual da mesma forma que no

Processo Jurisdicional se cogita do adequado representante, como o MP é na Ação Civil

Pública, como as Associações são na Ação Civil Pública, também se cogita disso no Processo

Administrativo. Mais de um diploma legal menciona a intervenção de entidades que

congreguem interesses de terceiras pessoas e, vista sob um ângulo molecularizado, para

usar a expressão do Professor Kazuo Watanabe, sob a ótica de seus interesses todos

interligados.

Então, eu diria, recapitulando, parte é aquele que está em contraditório perante o órgão do

Poder Estatal.

Parte legítima é aquele titular da relação jurídica de direito material, ordinariamente.

Extraordinariamente, é aquele que está autorizado pela Lei, em nome próprio, falar por

interesse alheio, ou, num certo sentido, a falar por interesse próprio, mas congregando o

interesse de outras pessoas que não apenas o dele próprio; apenas para fazer uma menção,

é claro que na Ação Popular o autor fala em nome próprio, por direito próprio, mas não é

próprio na medida em que o direito não é só dele e, portanto, então, há quem conteste a idéia de substituição processual, nesse caso.

Não quero me alongar nisso porque fugiríamos do objeto das nossas considerações.

Muito bem, Senhores, se definimos quem é parte, quem é parte legítima, legítima ação

ordinária, extraordinária, nós chegamos ao terceiro.

Quem é o terceiro? Eu brinco às vezes com os alunos que livros e mais livros foram escritos

para se chegar à brilhante conclusão de que terceiro é todo aquele que não é parte.

Na verdade, o que proponho é o seguinte: pensem no terceiro sob o ângulo da relação pré

processual, da relação material, e pensem no terceiro, agora, dentro do Processo, porque

fora do processo o terceiro é aquele que é titular de uma relação jurídica que não aquela que

está posta no processo jurisdicional ou administrativo, porque se ele fosse titular da relação

posta e objeto do processo jurisdicional ou administrativo ele seria parte e não seria terceiro.

Ele é titular de uma relação jurídica que, não sendo a relação que está posta em juízo ou

perante o Processo Administrativo, é, no entanto, conexa, é dependente. Pode sofrer, então,

reflexamente, efeitos da decisão a ser proferida entre outras pessoas. Então, ele não é titular

da ação jurídica, mas é titular de outra relação jurídica passível de afetação.

Ora, recordo aos Senhores os seguintes conceitos básicos: terceiro pode ser afetado pelos

efeitos da sentença e da decisão administrativa; a coisa julgada, no âmbito jurisdicional, não

atinge quem não foi parte no processo, o que não desmente a frase inicial; a parte é atingida

pelos efeitos da sentença e o terceiro também pode ser atingido pelos efeitos da sentença,

mas não é atingido pela imutabilidade da coisa julgada, salvo se deixar de ser terceiro e

ingressar no processo, porque a partir do momento em que ele ingressa no processo, exerce

o contraditório, legitima a decisão final e em princípio, fica tão vinculado pela decisão quanto

o titular da relação material.

Vejam os Senhores, que visão interessante é a de trazer alguém para dentro do processo

para legitimar a decisão e tornar eficaz esta decisão perante aquele que era terceiro e que

deixou de ser. Vejam, são os dois lados da moeda. A gente, às vezes, é terceiro e pode ser

afetado pelos efeitos de uma decisão. Às vezes, cá entre nós, falando o português claro, é

melhor ficar quieto e esperar que o processo se desenrole para que depois, quando chegar

em mim, eu diga, bom, eu não participei e como eu não participei, começo a discussão do

zero, o que é melhor do que intervir, porque se você intervém, então, a você é dado

participar. Se é dado participar, depois não venha dizer: -Ah, mas eu não fui parte; ah, mas

eu não fui ouvido.

Eu chamo a atenção dos Senhores para isso e mais uma vez, embora seja Processo

Administrativo, eu volto a chamar a atenção para a regra do artigo 55 do Código de Processo

Civil que diz lá: O assistente fica vinculado e não pode rediscutir.

Ora, o que é o assistente, Senhores? É um terceiro que tem uma relação material conexa

àquela que está posta em Juízo. Ele pode continuar como terceiro e não ficará vinculado pela

autoridade da coisa julgada, mas, a partir do momento em que ele vem, a lei diz: não pode

mais discutir. Claro, seria um desprestígio para o próprio Estado, a não ser nas duas

exceções que são extremamente didáticas: o assistente poderá rediscutir a justiça da

decisão, a senso contrário do que está no caput, quando pela fase em que toma o processo

não puder ter produzido provas suficientes para convencer o órgão judicante. Faz sentido, faz

absoluto sentido porque se a vinculação decorre do contraditório, quando o contraditório é

imperfeito, não vincula. É mais ou menos se eu dissesse assim: Olha, a matéria de hoje será

objeto de uma prova. Quem chegou na hora e assistiu a aula, faz a prova, quem chegou no

final, não faz porque não teve a oportunidade de participar; ou como aquele aluno que chega

atrasado no dia da prova é eu digo: -Olha, quer entrar pode entrar e pode fazer, mas se

entrar vai fazer a prova e não pode reclamar de nada. Se achou que pelo horário que chegou

já não tem mais como fazer uma boa prova então não entre, espere outro processo, espere

outra prova para participar. Me desculpem a imagem tolinha, boba, mas, de qualquer modo,

é mais ou menos esta a idéia que, volto a dizer, prestigia a intervenção. Façamos um

parêntese aqui Senhores. O que é que nos leva a ver com restrições a intervenção de um

terceiro num dado processo? Pensemos, aproveitemos as lições do Processo Jurisdicional

para o Processo Administrativo.

Eu diria assim: No Processo Jurisdicional a visão restritiva à intervenção do terceiro decorre

da idéia de que a intervenção do terceiro prejudica a celeridade. Essa é uma visão; por isso

que denunciação da lide é tão limitada, por isso que no Código do Consumidor não se permite

denunciação da lide, chamamento ao processo, salvo no caso de seguro. Por isso que no

sumário não se admite intervenção de terceiros; por isso que no sumaríssimo da 9.099 não

se admite intervenção de terceiros, porque o terceiro é visto como alguém que vai retardar o

curso do processo e não se tolera, do ponto de vista do Estado, que alguém intervenha,

desculpe a expressão, para bagunçar o meu processo. Eu também não vou ficar permitindo

que qualquer um intervenha no meu processo porque se qualquer um quiser intervir no meu

processo isso vai retardar e desprestigiar minha própria atividade.

Eu quero dizer aos Senhores que esta visão é correta. Esta visão é correta não porque o

processo é público e porque qualquer cidadão deve ter conhecimento do Processo

Administrativo ou Jurisdicional, que a ele seja dado intervir para fazer as suas alegações; não

é a simples qualidade de cidadão que o legitima a qualquer Processo Administrativo. Eu diria

que há processos Administrativos em que eu possa intervir pela simples invocação da minha

qualidade de cidadão, mas nem todo Processo Administrativo funciona desta maneira e não é

interessante que seja.

Agora, Senhores, passar pelo outro lado do preconceito com relação ao terceiro que não pode

intervir é, num certo sentido, desconsiderar que o terceiro pode ser afetado pela decisão do

ponto de vista pragmático ou do ponto de vista jurídico. Segundo, é desconsiderar que ele

pode trazer elementos positivos para uma mais ampla resolução da controvérsia.

Senhores, quando para pegar o exemplo do ponto de vista do Processo Civil, eu permito que

venha a seguradora no processo, os Senhores concordam comigo que a tendência é de um

resultado mais positivo para o Estado, porque eu já condeno alguém a pagar e já tenho o

regresso contra a seguradora e não tenho o risco de um novo processo e de decisões

conflitantes?

Senhores, porque é que nós admitimos, via litisconsórcio facultativo, mais de uma pessoa

dentro do processo? Por economia, para evitar decisões conflitantes. Isso tudo deve estar

presente ou pelo menos deve ser objeto de reflexão no Processo Administrativo. Não se deve

admitir a intervenção de toda e qualquer pessoa. Eu diria que é preciso perguntar:

Primeiro: Ele é titular de uma relação Jurídica? Qual a natureza da relação jurídica?

Dependendo da natureza da relação jurídica ele deve figurar como parte no processo, e me

permitam usar esta terminologia. Ele é titular de uma relação jurídica conexa, acessória,

dependente, que pode sofrer reflexamente os efeitos da decisão?

Então, eventualmente eu analiso o interesse, e vamos aproveitar novamente o Processo Civil,

que não deve ser o interesse meramente fático, mas o interesse jurídico e o interesse jurídico

pressupõe afetação da relação de direito material e não apenas o processo visto como um

fato em relação ao terceiro e, então, vamos admiti-lo.

Me permitam também aqui, um parêntese, acerca do interessado e, talvez agora as coisas talvez fiquem mais fáceis de serem entendidas.

Eu dizia agora há pouco que não é desenvolvido, pelo menos eu não conheço, o

desenvolvimento da idéia de litisconsórcio facultativo e necessário no âmbito do processo

administrativo. Eu quero lembrar aos Senhores que o litisconsórcio, quanto à formação, pode

ser necessário ou facultativo.

Ele é necessário basicamente em duas situações e acho interessante lembrar isso no

Processo Administrativo. Ele é necessário primeiro por força de Lei. Se a Lei diz que certas

pessoas devem figurar no processo o litisconsórcio é necessário. Até aí está fácil, não é?

Entre aspas, eu brinco com os alunos: “Só precisa conhecer a lei”, mas, de qualquer modo, a

lei se encarregou de estabelecer quando certas pessoas devam estar presentes.

Eu penso Senhores que isso é menos importante no Processo Administrativo. Importante no

Processo Administrativo, sempre lembrando que não desconheço que há Processos

Administrativos das mais variadas espécies, é pensar na necessariedade, fruto da

unitariedade.

Então, o litisconsórcio é necessário quando por força de lei se determina a presença de certas

pessoas ou ele é necessário quando for unitário, significa dizer: quando a relação de direito

material for incindível.

Então, Senhores, se o Processo Administrativo envolve contrato é difícil imaginar, em

princípio, que possa se desenvolver sem a presença de quem figurou no contrato. Vejo que o

horário passa; vamos então tentar começar a amarrar um pouco a finalização. Não podemos

prescindir no Processo Administrativo do mesmo raciocínio que temos, ou que deveríamos

ter, no Processo Jurisdicional porque, sigam o raciocínio comigo: para saber quem será

vinculado pela decisão, além de saber quem é titular da relação de direito material, devo me

perguntar: qual a natureza da decisão final?

Essa pergunta tem a ver com o Processo Administrativo porque posso ter uma decisão de um

Tribunal de Contas que forme um título executivo e, portanto, nessa medida, tem um caráter

condenatório; alguém pode até contestar isso, mas é imposição de uma sanção, é um título

executivo por força do texto constitucional. Posso imaginar que eu tenha uma decisão

Administrativa que tenha caráter constitutivo, positivo ou negativo, porque redunda na

revogação de um ato administrativo, redunda na anulação de um ato administrativo, redunda

na concessão de um alvará, constitutivo positivo neste último caso. Eu posso ter,

eventualmente, a eficácia declaratória.

Então, Senhores, acho que estes conceitos dão alguma luz ao Processo Administrativo para

que o órgão que preside o processo diga com maior tranqüilidade que admite ou que não

admite certa pessoa no processo porque considera, no momento pré-processual, a natureza e

a titularidade da relação de direito material e considera no momento pós processual, se é que

eu posso falar desta forma, a eficácia da decisão. Por exemplo, na doutrina, entre os

italianos, prevalece a idéia de que todas as decisões meramente declaratórias conduzem ao

litisconsórcio necessário, porque eu não posso estabelecer a certeza decorrente de uma

sentença declaratória para uns e não estabelecer para outros que são titulares da mesma

relação material. Nos provimentos constitutivos, isso fica ainda mais evidente. Eu diria que

nos provimentos condenatórios, e aqui falo mais do jurisdicional e menos do Administrativo,

nós temos aquela idéia da facultatividade, normalmente. No condenatório, normalmente, é

facultativo, porque eu escolho quem responderá. Mas, percebam que isso aplicado ao

Processo Administrativo perde um pouco da sua razão de ser porque via de regra, e repito

mil vezes que sei que há vários tipos de Processos Administrativos, o caráter é indisponível, a

prevalença do interesse público dá ao Órgão da Administração muito menos margem de

escolher, para não dizer que não dá nenhuma margem, mas, podemos até pensar que, em

certos casos, onde a iniciativa é do próprio interessado, há a margem de disposição do

direito, que ele próprio reivindica perante a Administração, não no contrário, provavelmente,

mas, nessa circunstância sim. Portanto, apenas para fechar esse parêntese, eu sugiro aos

Senhores que reflitam sobre o tema da necessariedade, da unitariedade no Processo

Administrativo, impondo a presença de certas pessoas. Aí não é mais dado facultar a

presença dessas pessoas, o órgão que preside deve determinar a presença porque a regra no

jurisdicional, aplicável ao administrativo, é: se o litisconsórcio é necessário a sentença dada

sem a presença do litisconsorte necessário é inútil; não produz efeitos. Então, para que ela

seja dada de forma útil é preciso que eu dê oportunidade do contraditório, o que me parece

válido para o Processo Administrativo de um modo geral. Não desconheço que nesses

processos, de um modo geral, não se dá a eficácia, propriamente a inércia, não há um

conceito de revelia ou de efeitos da revelia como há no Processo Civil, embora isso aqui dê

margem a um Seminário por si só, já que a questão da inércia da parte no Processo

Administrativo pode ter, sim, conseqüências desfavoráveis à própria parte que depois não

poderá alegar a sua própria inércia, a sua própria falta de ação no Processo Administrativo.

Como disse aos Senhores, então chegamos ao terceiro, e aqui prometo que já estou me

aproximando do final, porque sei que a paciência dos Senhores tem limite.

O terceiro, quando intervém, se pegarmos aquele conceito de parte mais amplo, passa a ser

parte, mas ainda continua a ser útil que você distinga aquele que deveria estar no processo

ou que poderia estar no processo porque é titular da relação material e daquele que pode

estar no processo porque é titular de uma relação jurídica ligada àquela que é objeto do

processo jurisdicional ou, o que nos interessa aqui, do administrativo. Por que? Porque

penso, sinceramente, que seja útil que desenvolvamos, que os Administrativistas

desenvolvam, e eu sou um processualista na verdade, a idéia do tratamento diferenciado de

terceiros no Processo Administrativo. Não é pelo fato de que, atenção, peço a atenção dos

Senhores para isso, não é pelo fato de que eu admito um terceiro no Processo Administrativo

que ele deva, necessariamente, exercer todas as prerrogativas, me permitam usar essa

palavra, daquele que é parte, que é titular da relação material e que deve figurar no Processo

Administrativo, necessariamente, ou pelo menos como titular da relação material.

Senhores, no Código de Processo Civil nós temos a assistência simples e a assistência

litisconsorcial. Nós sabemos que a assistência simples é caracterizada pela circunstância de

que há um mero interesse jurídico, não há uma relação com o adversário do assistido.

Pragmaticamente nós costumamos dizer assim: na assistência litisconsorcial o assistente

poderia ter sido parte, portanto é uma forma de litisconsórcio ulterior, aquele que ingressa

como assistente na litisconsorcial, na verdade, poderia ter sido litisconsorte desde logo.

Como é que acho que se aplica isso ao processo Administrativo? Aplica-se da seguinte forma:

dependendo da titularidade da relação jurídica deste terceiro, é sim caso de admiti-lo no

processo, mas como coadjuvante do assistido, porque ele não pode ir além dos poderes

exercidos pelo assistido, pelo coadjuvado, porque coadjuvante não é ator principal e ator

principal é quem determina o andamento do processo.

Alguns dos senhores dirão: Professor, desculpe, mas no processo Administrativo a

indisponibilidade do Direito torna isso de relativa importância porque ou ingressa ou não

ingressa; então, aquela sua percepção de que a partir do momento em que ingressou é tudo

tratado da mesma forma deriva e resulta dessa circunstância, tudo é direito disponível, ou

deixo entrar ou não deixo. Tenho minhas dúvidas porque volto a dizer que é preciso verificar

se o processo envolve Administração e Servidor, se envolve processo disciplinar se não

envolve, se envolve a concessão de um alvará de funcionamento de um estabelecimento de

diversão que vai causar barulho na vizinhança, portanto, então, o vizinho deve acompanhar a

concessão porque ele pode, amanhã ou depois, ir ao Judiciário para caçar o alvará que foi

concedido pela Administração. Então, ainda que a gente chegue à conclusão de que não

serve para nada essa distinção, talvez fosse o caso de exaurir essa distinção, fica, então a

pergunta: Eu devo mesmo admitir o terceiro e tratá-lo sempre da mesma forma? Não haveria

um assistente litisconsorcial no processo administrativo, aquele que é equiparado à parte? Eu

dou exemplo, então: se aquele interessado desiste do processo, se é que há margem à

desistência, o processo prossegue com relação ao terceiro que foi admitido, o que é

perfeitamente possível na assistência litisconsorcial, pois na assistência litisconsorcial eu sou

o titular da relação de direito material, mas, por alguma razão, não quis vir a juízo.

Outra coisa que talvez fosse o caso de desenvolver, e uma palestra se presta a isso é a idéia

de substituição processual no contexto do processo administrativo, porque, muitas vezes,

aquele que não veio e poderia ter vindo considera-se substituído processualmente.

No caso, como exemplo, pensem em processos administrativos que envolvam co-

possuídores. Qualquer dos co-possuídores pode tutelar a integralidade da posse. Um deles

pode, todos podem. Eu diria que se o processo administrativo se desenrola por iniciativa de

um co-possuidor é razoável sustentar que no Processo Administrativo os co-possuidores

possam ser admitidos no processo, mas, se não vierem, consideram-se vinculados pela

decisão administrativa, na medida em que a Decisão Administrativa vincule, porque foram

substituídos processualmente em juízo.

Então, na verdade, o que penso é isso. Agora, com relação às demais formas de intervenção,

salvo melhor juízo, pensando e preparando esta palestra eu confesso aos Senhores que eu

não consegui aplicá-las. Certamente me faltou a ilustração de formas de Processo

Administrativo. Eu posso até imaginar alguém que promova um requerimento no Processo

Administrativo, algo próximo da oposição. Posso até imaginar.

Então vejamos, “a” e “b” litigam perante a Administração para obtenção de determinada

vaga ou determinada concessão de benefício e alguém diga: - Com licença, não é nem seu,

nem seu, é meu. Então posso até imaginar que nessas circunstâncias talvez seja útil pensar

na oposição como uma forma de intervenção de terceiros e nas regras do Código do Processo

Civil, como regras úteis a resolver determinados problemas que possam surgir. Na

denunciação da lide, sinceramente, em princípio, não consigo ver. Não consigo ver como a

Administração poderia já, desde logo, formar regressivamente título executivo, porque a

formação de título executivo pela Administração é, sabemos todos, bastante, infinitamente

limitada embora existam e possamos descortinar como acabei de falar agora há pouco de um

caso, que diz respeito exatamente à função desempenhada pelo Tribunal de Contas.

Chamamento ao processo, aquela situação pela qual eu chamo o co-obrigado, talvez também

pudesse ser verificada. Então, se pede ao Órgão Administrativo que, desde logo, se

determine a vinda, ou pelo menos a cientificação de um co-obrigado, para que amanhã ou

depois este co-obrigado não possa alegar ignorância em relação ao processo administrativo.

Senhores, na verdade, como observação conclusiva, o que tenho a dizer é o seguinte:

proponho aos Senhores é que tentem aplicar estes conceitos ao Processo Administrativo.

Eu me propus, de início, a tratar desses conceitos e depois aplicá-los. Na verdade, eu menti

aos Senhores porque ao falar dos conceitos eu mesmo já fui procurando aplicá-los ao

Processo Administrativo. A prática desta exposição revelou, a mim mesmo, que seria melhor

fazer desta forma. No que isso pode ser útil...

Já disse aos Senhores e reitero: se pensarmos no contraditório como uma forma de

aperfeiçoamento do ato estatal, se admitirmos a presença de certas pessoas no processo, ao

invés de atuar contra o interesse estatal, isso pode significar preservar o interesse do Estado.

Para admitir o ingresso de pessoas no processo, entretanto, é preciso sistematizar esta

atuação. Não adianta dizer: Ah, você tem interesse, você não tem, porque eu acho que você

tem. Portanto, proponho dois critérios que são os critérios tomados do processo jurisdicional:

verifique qual a titularidade e qual a natureza da relação de direito material e de que forma o

ato administrativo afeta a relação jurídica de direito material, porque com isso, talvez novas

luzes sejam dadas à concepção da admissão do terceiro dentro do processo, fugindo-se, por

assim dizer, dessa terminologia relativamente vaga, “data máxima vênia”, que tem a

legislação, a respeito. Não é para “badalar”, mas estudando a legislação pude ver no

Regimento Interno desta Corte, a disciplina mais cuidadosa da intervenção de terceiros que vi

em todos os diplomas de que tratamos, porque vi no Regimento Interno que há disciplina a

respeito da intervenção, da justificação do interesse jurídico e de outras formas.

É claro que isso independe, a rigor, de uma disciplina expressa se partirmos e usarmos os

princípios gerais de que falei e tenhamos em mente que o contraditório aperfeiçoa o ato estatal e é, portanto, fator, que interessa sobremodo ao próprio Estado.