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MEDIAÇÃO: A FERRAMENTA SALVADORA DO SÉCULO XXI (VINTE E UM). I – HISTÓRICO : Confúcio , filósofo chinês, defendeu com veemência ao longo de toda sua trajetória (551 a 479 AC), os princípios da moralidade pessoal e governamental, buscando o ideal de Justiça, por meio da ética na conduta individual. Afirmava que cada um deve ser responsável por fazer o bem e respeitar o próximo (e aqui reside a virtude humana). Se -- e somente se – esses valores não pudessem ser alcançados, é que se buscaria o direito positivo através da judicialização, situação essa que beirava a desonra. A virtude é um hábito e, portanto, deve ser exercitada frequentemente. O indivíduo que está em contato com suas virtudes, sempre estará forte para tomar decisões justas, conscientes e acertadas. Referindo-se à nossa cultura demandista, o professor e desembargador aposentado Aloísio de Toledo César, quando Secretário da Justiça no Estado de São Paulo, teve a oportunidade de recepcionar no

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MEDIAÇÃO:

A FERRAMENTA SALVADORA

DO SÉCULO XXI (VINTE E UM).

I – H ISTÓRICO :

Confúcio , f i lósofo chinês, defendeu com veemê ncia

ao longo de toda sua trajetória (551 a 479 AC), os

princípios da moralidade pessoal e governamental,

buscando o ideal de Justiça, por meio da ética na

conduta individual. Afirmava que cada um deve ser

responsável por fazer o bem e respeitar o próximo (e

aqui reside a virtude humana). Se -- e somente se –

esses valores não pudessem ser al cançados, é que se

buscaria o direito posit ivo através da judicialização,

s ituação essa que beirava a desonra.

A virtude é um hábito e, portanto, deve ser

exercitada frequentemente .

O indivíduo que está em contato com suas virtudes ,

sempre estará forte para tomar decisões justas,

conscientes e acertadas.

Referindo-se à nossa cultura demandista, o

professor e desembargador aposentado Aloísio de

Toledo César, quando Secretário da Justiça no Estado

de São Paulo, teve a oportunidade de recepcionar no

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gabinete do Excelentíssimo Governador, o ministro

japonês e dele apreendeu algo surpreendente: “ para um

japonês, . . . é motivo de humilhação ter de recorrer ao

Judiciário e fazer o Estado gastar, porque representa a

confissão de que não teve competência para resolver o

seu problema pessoalmente. Fiel a essa conduta e a essa

cultura, o japonês se esforça para obter conciliação e,

assim, evitar a vergonha de ter de acion ar juízes e

provocar trabalho e despesas para o Estado. A

dignidade, no caso, está em evitar o processo judicial, e

não em provoca- lo” .1

Não é o conflito que gera a discórdia; o conflito tem

origem antecedente repousando na inveja, no ódio, na

miséria e na ambição.

Não é por outra razão que já nas Ordenações

Fil ipinas, de 1603, clamou-se pela prática da mediação

processual , já no início da causa , com a seguinte

recomendação: “E no começo da demanda dirá o juiz a

ambas as partes que, antes que façam despezas e se

s igam entre el les os ódios e dissensões, se devem

concordar, e não gastar suas fazendas por seguirem suas

vontades, porque o vencimento da causa he sempre

duvidoso. . . ” (grafia da época ) .

1 “ O E s t a d o d e S ã o P a u l o ” , E sp a ç o a b e r t o , A 2 , a r t i g o c o m o t í t u l o : “ S e m

f i m o a t o l e i ro d e p r o c e s s o s ” , e d i ç ã o d e 2 8 d e j u l h o d e 2 0 1 6 .

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Ao depois, na Constituição outorgada de 1824, o

artigo 161 ditou regra de adoção da mediação pré-

processual com a seguinte dicção: “Sem se fazer constar

que se tem intentado o meio da reconcil iação (rectius:

mediação) não se começará processo algum” .

Tivemos um hiato lamentável, de mais de século e

meio, que só veio a ser suprido pela adoção da

conci l iação na Lei dos Juizados Especiais (nº9.099/95),

criando a f igura do conci l iador como auxil iar do Juízo

(artigo 7º) .

E, como num passe de mágica, de forma inolvidável,

nos três últimos diplomas reguladores da mediação e da

conci l iação e das funções do concil iador e do mediador :

Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de

Justiça2; Lei de Mediação nº13.140 3, e o Novo

Código de Processo Civil , Lei nº13.105 4, fomos

agraciados com normas regulamentares e legislativas do

mais alto nível .

Essa é, na l inha do tempo, o histórico da mediação

e da conci l iação dentro do nosso sistema do direito

posit ivado.

Passemos à análise da mediação como af irmação , na

nossa Carta Magna de 1988, de método da solução

pací fica das controvérsias.

2 C o m a s E m e n d a s n º s 1 , d e 3 1 / 1 / 2 0 1 3 e 2 , d e 8 / 3 / 2 0 1 6 . 3 D e 2 5 d e j u n h o d e 2 0 1 5 , q u e e n t r o u e m v i g o r e m 2 6 d e z e m b r o d a q u e l e

m e s m o a n o . 4 D e 1 6 / 3 / 2 0 1 5 q u e e n t r o u e m v i g o r e m 1 8 d e m a r ç o d e 2 0 1 6 .

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I I – AF IRMAÇÃO DE NOBREZA CONST ITUCIONAL NA

CARTA MAGNA DE 1988 , DA BUSCA INCESSANTE PELA

PACIF ICAÇÃO SOCIAL :

Preâmbulo : “Nós, representantes do povo brasi l e i ro ,

reunidos . . . para inst i tui r um Estado Democrát i co , dest inado a

assegurar . . . a just i ça fundada na harmonia socia l e

comprometida , na ordem interna e internacional , COM A

SOLUÇÃO PACÍFICA DAS CONTROVÉRSIAS, promulgamo s . . . . ”

(as versais não são do original) .

Assim, a Carta Magna de 1988 tem nos incitado a

modalidades de prevenção dos confl itos e promoção de

interações interindividuais e sociais, a modalidades de

educação para a mudança social e cultural e , acima de

tudo, para o exercício da cidadania, forte no princípio

básico de nobreza constitucional do respeito ao cidad ão.

É preciso disseminar essa cultura da mediação, com

a mudança de mental idade.

Só a prática da mediação, com muito

profissionalismo e tenacidade, será capaz de retirar do

Judiciário a resolução dos confl itos que se adequam a

essa “ justiça reconfortante” ( justice douce – do francês ) ,

deixando para os magistrados, reconhecidamente

assoberbados com a l it igiosi dade crescente, os casos que

exigem a resolução adjudicada por sentença.

Essa deve ser a meta, util izando -se de polít icas

públicas do adequado tratamento do s conflitos.

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I I I - CARÁTER PRINCIP IOLÓGICO NO NOVO C ÓDIGO DE

PROCESSO CIVIL DE 2015 5:

“Das Normas Fundamentais do Processo Civil :

Art. 3º , § 3º A conciliação, a mediação e outros

métodos de solução consensual de confl itos deverão ser

estimulados por juízes, advogados, defensores públicos

e membros do Ministério Público , inclusive no curso

do processo judicial.

Norma idêntica foi inscrita na Resolução 125, do

Egrégio Conselho Nacional de Justiça , com a

modificação introduzida pela Emenda nº2, de 8 de março

de 2016, no seu artigo 1º , parágrafo único. 6

A última década tem exigido particular atenção e

incidência na noção e nas práticas denominadas de

mediação e concil iação, atribuindo -lhes características

diversas e, por vezes, propriedades mágicas.

Acesso à Justiça não se confunde com acesso ao

Judiciário, tendo em vista que não visa apenas a levar

as demandas dos necessitados àquele Poder, mas

realmente incluir os jurisdicionados que estão à

margem do sistema.7

5 L e i F e d e r a l n ú m e r o 1 3 . 1 0 5 , d e 1 6 d e m a r ç o d e 2 0 1 5 . 6 “ A o s ó r g ã o s j u d i c i á r i o s i n c u m b e , n o s t e r m o s d o a r t . 3 3 4 d o N o v o C ó d i g o

d e P r o c e s so C i v i l c o m b i n a d o c o m o a r t . 2 7 d a Le i d e Me d i a ç ã o , a n t e s d a

s o l u ç ã o a d j u d i c a d a m e d i a n t e se n t e n ç a , o f e r e c e r o u t r o s m e c a n i sm o s d e

s o l u ç õ e s d e c o n t r o v é r s i a s , e m e s p e c i a l o s c h a m a d o s m e i o s c o n se n su a i s ,

c o m o a m e d i a ç ã o e a c o n c i l i a ç ã o , b e m a s s i m p r e s t a r a t e n d i m e n t o e

o r i e n t a ç ã o a o c i d a d ã o ” . 7 ( G E N R O , T a r s o , Pr e f á c i o d a p r i m e i r a e d i ç ã o d o Ma n u a l d e Me d i a ç ã o

J u d i c i a l – B r a s í l i a / D F , Mi n i s t é r i o d a J u s t i ç a e P r o g r a m a d a s N a ç õ e s

U n i d a s p a r a o D e s e n v o l v i m e n t o – PN U D , p g . 1 3 . G r i f o s n o s s o s ) .

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Nota-se assim que o acesso à Justiça está mais

l igado à sat isfação do usuário (ou jurisdicionado) com o

resultado f inal do processo de resolução de confl ito do

que com o mero acesso ao Poder Judiciário, a uma

relação jurídica processual ou ao ordenamento jurídico

material aplicado ao caso concreto. 8

Na fel iz conceituação do juiz André Gomma de

Azevedo 9, pode-se afirmar, portanto, que o nosso

ordenamento jurídico-processual é composto,

atualmente, de vários processos distintos. Esse

espectro de processos (e.g. processo judicial ,

mediação, avaliação neutral preliminar, negociação

direta, entre outros – inclusive práticas

autocomposit ivas inominadas), forma um mecanismo

denominado sistema pluri -processual. (Grifos

nossos) .

Inicialmente o movimento de acesso à justiça

buscava endereçar conflitos que ficavam sem solução

em razão da falta de instrumentos processuais

efetivos ou custos elevados, voltando-se a reduzir a

denominada l it igiosidade contida. Contudo,

atualmente, a administração da justiça volta -se a

8 I n “ P o l í t i ca s P ú b l i ca s e m R A D – A R e s o lu ç ã o 1 2 5 e s e u s

o b je t i v o s ” , “ i n ” “ M a n u a l d e M e d i a ç ã o J u d i c i a l ” , p g . 3 5 – E g r é g i o

C o n s e l h o N a c i o n a l d e J u s t i ç a ) .

9 “ P e r sp e c t i v a s m e t o d o l ó g i c a s d o p r o c e s s o d e m e d i a ç ã o , a p o n t a m e n t o s

s o b r e a a u t o c o m p o s i ç ã o n o d i r e i t o p r o c e s su a l ” i n “ E s t u d o s e m

A r b i t r a g e m , Me d i a ç ã o e N e g o c i a ç ã o ” , v o l . 3 , p . 1 5 1 – B r a s í l i a , E d . G r u p o s

d e Pe s q u i sa , 2 0 0 5 .

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melhor resolver disputas afastando -se muitas vezes de

fórmulas exclusivamente positivadas e incorporando

métodos interdisciplinares a fim de atender não

apenas aqueles interesses juridicamente tut elados

mas também outros que possam auxiliar na sua

função de pacificação social. 10 (Grifos não são do

original) .

Com a Resolução 125 do Conselho Nacional de

Justiça, começa-se a criar a necessidade de

tribunais e magistrados abordarem questões como

solucionadores de problemas ou como efetivos

pacificadores – a pergunta recorrente no Poder

Judiciário deixou de ser “como devo sentenciar em

tempo hábil” e passou a ser “como devo abordar essa

questão para que os interesses que estão sendo plei teados

sejam real izados de modo mais ef iciente, com maior

satisfação dos jurisdicionados e no menor prazo”. 11

Com muita propriedade a professora Márcia

Ferreira Alves Pereira , anota que: “a própria correria

de todos os dias, o ri tmo acelerado faz com que as

pessoas desenvolvam a impaciência, a intolerância nos

vários t ipos de relacionamentos, fato este que leva ao

aumento de confl itos se jam sociais, familiares, no

trabalho, consumeristas, enfim, o diálogo e a busca

10 “ M a n u a l d e M e d i a ç ã o ” , o b . c i t . , p g . 3 6 .

11 “ M a n u a l d e M e d i a ç ã o ” , o b . c i t . , p g . 3 7 .

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amigável por ambos os lados me parece que está se

distanciando, de maneira que o processo ainda é visto

como solução. . . . Como dito, apesar de ser direito de

todos acessar a Justiça, há que se colocar em mente que

a cultura de levar “quase tudo ” ao juiz deveria ser

substituída, sempre que possível , pela pacificação, meios

amigáveis de solucionar confli tos, pois no f im o objet ivo

maior de um processo judicial é justamente este: o

alcance da paz social, assegurando a segurança

jurídica”.12

A mediação é justiça reconfortante que acalma

o conflito, através do resgate das próprias virtudes

dos mediados que, empoderados, são os

verdadeiros construtores da autocomposição.

IV – D IST INÇÃO ENTRE MEDIADOR E CONCIL IADOR :

O conci l iador , que a tuará preferencia lmente nos casos em

que não houver v ínculo anteri or entre as partes , poderá

sugeri r so luções para o l i t íg i o , sendo vedada a ut i l i zação de

qualquer t ipo de constrangimento ou in t imidação para que as

partes conci l iem. 13

12 “ I n ” A d a m N e w s – C o n i m a , “ C o n f l i t o d e i n t e r e s s e s q u a n d o q ua s e

t u d o é l e v a d o à J u s t i ç a ” , F o n t e : O e s t e M a i s – 2 6 / 2 / 2 0 2 0 . 13 A r t i g o 1 6 5 , § 2 º d o C ó d i g o d e P r o c e s s o C i v i l .

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O mediador, que atuará pre ferencia lmente nos casos em que

houver v ínculo anterior entre as partes , auxi l iará aos

interessados a compreender as questões e os interesses em

conf l i to , de modo que e l es possam, pelo r estabelec imento da

comunicação , ident i f i car , por s i próprios , so luções

consensuais que gerem benef í c i os mútuos . 14

A atividade do concil iador revela -se mais

superf icial e relacionada intimamente aos elementos

objetivos do processo, ou seja, o concil iador não busca

nem mesmo investiga aspectos subjetivos e/ou

emocionais.

As questões pontuais é que são submetidas à

conci l iação, assim aquelas que não evidenciam vínculo

continuado entre as partes.

O Manual de Mediação do Conselho Nacional de

Justiça prescreve que: “A conciliação pode ser

definida como um processo autocompositivo breve,

no qual as partes ou os interessados são auxiliados

por um terceiro, neutro ao conflito, ou por um

painel de pessoas sem interesse na causa, para

assisti -las, por meio de técnicas adequadas, a

chegar a uma solução ou a um acordo”.

Podemos pontuar algumas distinções entre a

mediação e a concil iação , dentro do quadro abaixo:

14 A r t i g o 1 6 5 , § 3 º d o C ó d i g o d e P r o c e s s o C i v i l .

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A mediação visa àresolução do conflito,

enquanto que aconciliação buscaapenas o acordo.

A mediação visa àrestauração da relaçãosocial subjacente aocaso,

enquanto aconciliação busca ofim do litígio.

A mediação parte deuma abordagem deestímulo (ou facilitaçãode entendimento),

enquanto aconciliação permite asugestão de umaproposta de acordofeita pelo conciliador.

A mediação é, em regra,mais demorada e envolvediversas sessões,

enquanto a conciliação éum processo mais brevecom apenas uma sessão.

A mediação é voltada àspessoas e tem o cunhopreponderantemente denatureza subjetiva,

enquanto a conciliação évoltada aos fatos edireito e com enfoqueessencialmente objetivo.

A mediação é puramenteconfidencial,

enquanto a conciliação éeminentemente pública.

A mediação é prospectiva, comenfoque no futuro e em soluções,

enquanto a conciliaçãorepousa no enfoqueretrospectivo e voltado àculpa..

A mediação é um processo onde osinteressados encontram suaspróprias soluções,.

enquanto a conciliação évoltada a esclarecer aoslitigantes pontos (fatos,direitos ou interesses) aindanão compreendidos poreles.

A mediação é um processo comlastro multidisciplinar e envolve asmais distintas áreas doconhecimento como administração,direito, psicologia, matemática,comunicação, dentre outras,

enquanto a conciliação temcaráter unidisciplinar (oumonodisciplinar), com baseno direito.

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V – D IFERENÇA ENTRE CONFLITO SOLUCIONADO PELO

MEIO PACÍF ICO E CONFL ITO RESOLVIDO POR SENTENÇA:

Examinemos este quadro d i ferencia l :

Cul tu ra da Sentença

Cul tura da Paz

Decisão imposta pe lo Ju iz Decisão cons t ru ída pe las

par tes

As par tes enf rentam-se As par tes cooperam

Formal In fo rmal

A l to cus to Gratui ta

Agrada uma par te e

desagrada a out ra ( s e h o u v e r

m u i t a d e m o r a d e s a g r a d a a s d u a s )

Ambas as par tes saem

sat is fe i tas ( p o r q u e e l a s é q u e

c o n s t r o e m a d e c i s ã o )

O resu l tado pode não

resolver o conf l i to ; só

resolve o processo

O resu l tado reso lve o

conf l i to de forma ampla,

a té porque pode abarcar

p re tensões não deduz idas

no processo

Centra-se no passado T ra ta do presente e do

fu turo

Segundo John Clifford Wallace 15, para que a

implantação da cultura da mediação seja bem sucedida

15 I n “ P r o c e d i m e n t o R e c u r s a l G l o b a l e Ma x i m i z a ç ã o d o s R e c u r s o s

J u d i c i a i s ” , ( Fa c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e V a n d e r b i l t , 2 0 0 5 ) .

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é preciso fazer com que os advogados acreditem em sua

eficácia, inclusive como fonte de melhora de

rendimentos.

V I – TEMPO RAZOÁVEL DO PROCESSO:

Vivemos num País extremamente demandista;

tanto é assim que no ano de 1992, tramitavam 3,5

milhões de processos na esfera estadual do Estado de

São Paulo; em 2002 esse número ascendeu a casa dos 10

milhões de processos e em 2016, o registro foi de 26

milhões de processos.

É certo que a adoção dos meios tecnológicos e a

ascensão dos casos resolvidos pelos métodos adequados

da mediação e concil iação, principalmente no campo pré -

processual, reduziram sensivelmente aquele

crescimento quase geométrico e, hoje, estamos na casa

dos vinte (20) milhões de processos.

Porém é preciso registrar que o aumento do número

de processos está na razão direta das conturbações

econômico-sociais e , principalmente nesta quadra, da

fase endêmica que estamos vivendo no cenário mundial,

e mais intensamente no nosso País.

E, como professa o juiz norte americano, John

Clifford Wallace 16, “não é a ampliação do quadro de

juízes que resolve o problema dos gargalos no serviço da

prestação jurisdicional e torna o Judiciário mais célere

16 “ O p . c i t . ”

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e ef icaz, mas a combinação entre mediação e

gerenciamento, adaptada à cultura de cada país” .

Ele afirmou que, nos EEUU, na Corte do 9º Circuito

da Flórida, onde ele exercia suas funções, de cada dez

(10) casos, nove (9) eram resolvidos pela mediação .

A exigência para que o processo se desenvolva

dentro de prazo razoável, vem ditada como p rincípio de

nobreza constitucional insculpido no artigo 5º , inciso

LXXVIII, afirmando que a “todos , no âmbito judicial e

administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os

meios que garantem a celeridade de sua tramitação”.

O Código de Processo Civil de 2015, também trouxe

inscrito o caráter principiológico do processo, ao

prescrever no artigo 4º : “As partes têm o direito de

obter em prazo razoável a solução integral do

mérito, incluída a atividade satisfativa”.

“Permitir que l it ígios se eternizem no Judiciário é

um ato atentatório à dignidade da pessoa humana e

viola o princípio da razoável duração dos processos” 17.

O escritor e conselhe iro francês Jean de La

Bruyèr, que viveu de 1645 a 1696, deixou inscrita frase

lapidar a respeito da demora no processo como causa de

f lagrante injustiça: “Uma condição essencial da justiça

que devemos aos outros é fazê - la prontamente e sem

demora; fazer esperá- la é injustiça”.

17 ( F á b i o M e di n a Os ó r i o , P re s i d e n t e do I n s t i t u to I n t e r n a c i o n a l d e

E s tu d o s do D i re i to do E s ta d o ) .

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E o art igo 6º do Código de Processo Civil de 2015,

dissemina dever dos partic ipantes do processo: “Todos

os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que

se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e

efetiva”.

VI I - A MUDANÇA DE MENTAL IDADE :

O que é necessário fazer para diminuir esse número,

que representa verdadeira progressão geométrica?

E a resposta é simples: recorrermos à mudança de

mental idade e exigir que cada operador do direito se

imbuia do dever de estimular a solução dos confl itos

através do mecanismo pré-processual.

É preciso que os operadores do direito e demais

responsáveis pela implementação da Polít ica Consciente

de Tratamento do Conflito se tornem o estivador , - - a

que se refere o escritor inglês Michael Oakeshott na

monumental obra 18, - - “que teria um papel

importantíssimo na condução da nau insensata do

governo ao calibrar, de forma harmoniosa, o peso de

cada compartimento da embarcação naval, sem a ajuda

de manuais ou instrumentos técnicos, apenas com

auxílio da intuição e da experiência concreta ” .

18 “ A P o l í t ic a d a F é e a P o l í t ic a d o C e t ic i s mo ” , t r a du ç ã o d e Da n i e l

L e n a M a r c h i o n i Ne t o , e di t o r a “ É R e a l i z a ç õ e s ” , re c u pe r a o ca m po

d a p ru d ê n c i a a r i s t o té l i ca n a f i g u ra do “ E S T I V A D OR ” ( t r i m m e r ) ,

r e t i r a da d o c lá s s i c o T h e C h a r a c t e r o f a T r i m m e r ” , e s c r i t o po r L o r d

H a l i fa x e n tr e 1 6 8 5 e 1 6 8 8 .

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O mais impressionante no uso dessa metáfora é o

detalhe de que, para o f i lósofo inglês, “a solução do

dilema polí tico ocidental não está nas mãos dos

estadistas e dos intelectuais que os aconselham – algo

comum para quem a inda vive segundo a “imaginação

l iberal” - - , e s im na “profissão mais humilde na

hierarquia portuária, normalmente desempenhada por

trabalhadores com menor nível de instrução formal”.

Aqui, “a polít ica estivadora procura cultivar a

prudência e a moderação . Ela se vale do conhecimento

prático não com a intenção de chegar com mais rapidez

ao destino, mas com o intuito de manter o barco

navegando com segurança durante todo o percurso.

Talvez a imagem mais bela dessa metáfora seja a de q ue

o destino de todos acaba recaindo nas mãos do mais

s ingelo dos tripulantes, provando que a virtude da

polí tica reside na experiência e no comedimento ” .

Como profetiza o escritor Martim Vasques da

Cunha19, chegará a hora em que a polít ica da fé, como

sempre, cumprirá o seu papel efetivo para que uma

administração faça o que tem de ser fei to – a saber:

governar para o bem comum . Enquanto isso o

est ivador deve continuar atento ao peso da embarcação,

de preferência lendo atentamente esses dois testamentos

19 N o b r i l h a n t e a r t i g o “ A P o l í t ic a n a s M ã o s d o I n c er t o ” , i n “ O E s t a d o

d e S ã o P a u l o ” , p g . E - 3 - A l i á s , C u l t u r a , d e 0 2 d e d e z e m b r o d e 2 0 1 8 )

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traídos da “imaginação l iberal” : experiência e

comedimento.

VI I I - MEDIAÇÃO NO TEMPO PRESENTE

A Polít ica Pública de Tratamento do Confl ito,

através da “Polí tica da Cidadania Consciente” tem que

ser estabelecida com ciência e certeza quanto aos

resultados que se pretende obter em prol dos c idadãos,

objetivando alcançar o bem comum por meios

exclusivamente técnicos, jamais l idando com a natureza

do que é o ser humano e, sim, lapidando sobre a conduta

humana.

É o Judiciário conversando com os anseios do

cidadão-jurisdicionado!

É essa mudança de mentalidade , que tanto

precisamos, para reverter a cultura extremamente

demandista para a cultura da paci ficação, recorrendo

aos ensinamentos do estivador agindo com

experiência e comedimento , dentro dos princípios da

prudência e moderação.

Oxalá consigamos num futuro breve haurir os

conhecimentos da cultura japonesa (evitar o processo

judicial e não provoca-lo) , buscando solução para os

confl itos humanos através dos mecanismos pré-

processuais.

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IX – RESOLUÇÃO DOS CONFL ITOS ENVOLVENDO ENTE

PÚBL ICO.

O artigo 32 da Lei da Mediação 20, tem a seguinte

voz:

“A União , os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios poderão criar câmaras de prevenção de

conflitos, no âmbito dos respectivos órgãos. . . . ”.

E o artigo 174 do Código de Processo Civi l 21,

prescreve: “A União, os Estados, o Distrito Federal

e os Municípios criarão câmaras de mediação e

conciliação, com atribuições relacionadas à

solução consensual de conflitos no âmbito

administrativo, tais como:

I - dirimir confl itos envolvendo órgãos e entidades

da administração pública;

II - avaliar a admissibil idade dos pedidos de

resolução de confl itos, por meio de conciliação, no

âmbito da administração pública;

III - promover, quando couber, a celebração de

termo de ajustamento de conduta ” .

O primeiro quest ionamento que se faz na leitura

conjunta desses dois dispositivos é quanto à

obrigatoriedade dos entes de direito público criarem

essas Câmaras, porque enquanto o Código de Processo

20 L e i F e d e r a l n º 1 3 . 1 4 0 , d e 2 6 d e j un h o d e 2 0 1 5 . 21 L e i F e d e r a l n ª 1 3 . 1 0 5 , d e 1 6 d e m a r ç o d e 2 . 0 1 5 .

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Civi l traz a expressão “criarão” ( taxativa), a Lei de

Mediação abranda esse comando para dizer: “poderão

criar” ( facultativa).

A par da discussão doutrinária, vem prevalecendo o

entendimento de que essa criação é facultativa, porque

“ lex specialis derrogat lex generalis” . A Lei da Mediação

é especí f ica e além do mais entrou em vigor antes do

Código de Processo Civil .22

A segunda indagação diz respeito à matéria que

pode ser objeto de transação, em virtude do princípio da

indisponibi l idade que prevalece no setor público.

E aqui insta afirmar, sem rebuços, que onde houver

lugar à transação, cabe a resolução do conflito pelos

métodos consensuais.

A professora Luciane Moessa de Souza, 23 com

lucidez invejável, traz os fundamentos jurídico -

const itucionais e infraconstitucionais, para reforçar a

sua tese da possibil idade de util ização dos métodos

consensuais, quando presente a transigibil idade, ainda

que cuidando-se de direitos indisponíveis.

Assim,

22 A “ v a c a c i o l e g i s ” d a p r i m e i r a f o i d e 1 8 0 d i a s e a d a s e g u n d a

u m a n o ; a s s i m a L e i d e M e d i a ç ã o e n t r o u e m v ig o r e m 2 6 d e d e z e m b r o

d e 2 0 1 5 , e o n o v o C ó d i g o d e P r o c e s s o C i v i l p a s s o u a v i g e r a p a r t i r d e

1 8 d e m a r ç o d e 2 0 1 6 .

23 “ I n ” “ R e v i s t a d o A d v o g a d o n º 1 2 3 , p p . 1 6 2 “ u s q u e ” 1 6 9 , d e

a g o s t o d e 2 0 1 4 , n o a r t i g o s o b o t í t u l o : “ R e s o l u ç ã o C o n s e n s u a l d e

C o n f l i t o s e n v o l v e n d o o P o d e r P ú b l i c o : c a m i n h o p o s s í v e l e a d e q u a d o ,

c o m o d e v i d o r e s p e i t o à s p e c u l i a r i d a d e s d o r e g i m e j u r í d i c o -

admin i s t r a t i vo” .

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1. “Os três grandes fundamentos jur ídico -

const i tu cionais , para a adoção de métodos

consens uais na reso lução de conf l i tos em q ue se vê

envolvido o Poder Públ ico , se ja na esfera

adminis trat iva , se ja na es fera judicia l , são :

a) o princípio do acesso à

Justiça. . . que exige a d isponibi l idade de métodos

adequados ( sob os aspectos temporal , econômico e

de resul tado) de resolução de conf l i tos . . . . ;

b) o princípio da eficiência (art igo

37, “ caput” da CF) , que demanda sejam os

conf l i tos resolv idos da forma que apresente a

melhor relação entre custo e bene f í c io , ou seja ,

menores custos , menos tempo e menos desgaste

para a relação entre as partes e melhores

resultados para ambas ; e

c) o princípio democrático ,

fundamento de nossa ordem const i tucional , . . . .

que exige do Poder Públ i co , quando ele se v i r

envolvido em conf l i tos com part i culares e le se

d isponha, em primeiro lugar , a d ia logar com estes

para encontrar uma solução adequada para o

problema. . . . . .

Da mesma forma nos conf l i tos que

envolvem entes públ i cos entre s i , a solução

consensual deve ser buscada até que se tenha

sucesso , por decorrência lóg ica do princíp io da

e f i c iência .

2. Fundamentos infraconstitucionais .

A par dos fundamentos const i tuc ionais ,

nosso ordenamento in fraconst i tucional conta,

desde 1990 , com diversas previsões de resolução

consensual de conf l i tos envolvendo o Poder

Públ i co , a maior ia inclusive versando sobre

d irei tos indisponíve is :

Código de Defesa do Consumidor (Le i

n º8 .078 , de 1990, ao al terar a Le i da Ação Civ i l

Públ i ca – Lei n º 7 .347 , de 1985, ao acrescentar o

§ 6 º ao seu art igo 5 º ) . . .prevê a celebração de

“a justes de conduta” em todos os temas qu4e

podem ser ob jeto da Ação Civi l Púb l ica , vale

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dizer , meio ambiente , patr imônio cultura l ,

h istóri co e pa isag íst i co , ordem econômica, defesa

do consumidor, entre outros .

Em matér ia ambienta l , a Le i n º 9 .605/1998

– art igo 79 -A, o Decreto n º 99.274 /1990 – art . 42

e o Decreto n º 6 .514 /2 008 , art igos 139 a 148,

também admitem a celebração de compromisso de

a juste de conduta , re forçando e detalhando o

permissivo já cont ido na Lei da Ação Civi l

Públ i ca . . . . .

Não se pode , portanto, de forma a lguma,

confundir ind isponibi l idade co m

intransig ibi l idade , po is esta somente se af igura

nas s i tuações em que a le i expressamente veda a

t ransação - - - como se vê do art . 17, § 1 º , da Lei n º

8 , .429, de 1992, que versa sobre improbidade

administrat iva.

Const i tuem ainda fundamentos legais

para a ut i l ização de meios consensuais no curso

do processo administrat ivo o pr inc ípio da

proporcional idade , previsto no art igo 2 º , inciso

VI , da Lei n º 9 .784 , de 1999, e a previsão do art igo

2 º , inc iso IV, da Lei n º 9 .873 , de 1999, no sent ido

de que a instauração de a lguma espécie de

conc i l iação interrompe o curso da prescri ção para

f ins de processo administrat ivo na esfera federa l .

Já na esfera jud ic ial , t emos , a lém da já

c i tada leg is lação dos Juizados Espec ia is

Federais , a l e i que cr i ou os Juizados Especiais da

Fazenda Públ i ca , d ispondo sobre o processamento

especial dos l i t íg ios de pequena monta

envolvendo os Estados, Distr i to Federa l e

Municípios – Lei n º 12.153, de 2009. Note-se que

esta le i necess ita de complementação por

leg is lação de cada unidade da Federação , nos

termos de seu art . 8 º . E, na es fera federal , a

l eg is lação bás ica sobre t ransações é a Lei n º

9 .469 , de 1997, que admite t ransação sem

d i ferenciar ou restr ingir a matéria , para os

l i t íg ios que envolvem a União ou outro en te

federal . Esta norma está regulamentada por

d iversas portar ias da Advocac ia -Geral da União e

mencionar que o Código Tr ibutário Nacional

admite a t ransação como forma de ext inção do

créd ito t r ibutário (art . 156, inciso I I I ) ” .

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Também é de se invocar ensina mentos

irrespondíveis do brilhante artigo sob o t ítulo: “Uma

reflexão sobre a autocomposição e

indisponibilidade dos direitos do Estado” 24, : com a

seguinte voz:

“A mediação e a conci l iação são métodos

consensuais que a lcançam a própria reso lução de

conf l i tos . . . . Em todas essas medidas consensuais ,

é possível a part i c ipação do poder públ i co .

A fal sa compreensão da indisponibi l idade do

direi to , no entanto , é um empeci lho à apl i cação

desses inst i tutos e procedimentos a esses atores .

Tanto isso é verdad e que poucas procuradorias

regulamentaram os negócios jurídico -processuais

e em número menor ainda de unidades federat ivas

houve a instalação de câmaras privadas de

conci l iação e mediação .

. . . .

O poder públ i co t em como uma de suas

caracterís t i cas cruciais a indisponib i l idade , por

t er sua atuação pautada no interesse públ i co . A

indisponibi l idade do in teresse públ i co t em origem

no princípio republ i cano de que os bens públ icos

pert encem a toda população e não aos

part iculares .

Contudo a indisponibi l idade do di rei to não

s igni f i ca imposs ib i l idade de composição. A

autocomposição s igni f i ca uma possibi l idade de

voluntari edade re lacionada a a lgum dos

e l ementos de uma relação jurídica . As re lações

jurídicas são compostas por c inco e l ementos :

sujei to , ob jeto , fato jurí d ico , v ínculo jur ídico e

garant ia . Isso f i ca c laro em relação a direi tos

indisponívei s l igados ao Dire i to Civi l , como

24 “ R e v i s t a d o C O N I M A ” , N o t í c i a s , A d a m N e w s d e 3 1 / 0 1 / 2 0 2 0 , p g s . 1 a

9 , a r t i g o s u b s c r i t o p e l o s p r o f e s s o r e s V e n c e s l a u T a v a r e s C o s t a F i l h o ,

S i l v a n o J o s é G o m e s F l u m i g n a n e A n a B e a t r i z F e r r e i r a d e L i ma

F l u m i g n a n

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ocorre com a relação de al imentos em que exi st e

indisponibi l idade , mas é possíve l a composição

em relação ao valor da pres tação.

No caso do poder públ i co , em grande parte das

s i tuações , é possível a composição em re lação ao

objeto , seja pela sua ident idade , se ja pela sua

quantidade, garant ia e , a té mesmo, em aspectos

re lacionados ao vínculo juríd ico . É justamente por

i sso que se af i rma ser possível a composição em

re lação ao valor , à f orma de sat i s fação, ao

vencimento e ao modo de cumprimento. Basta ,

para tanto , que haja autor ização normativa.

O grande problema é que a ausência de

compreensão sobre a possibi l idade e ut i l idade de

so luções consensuais para o poder públ i co faz com

que se cri em empeci lhos para a sua ut i l i zação nos

próprios atos normat ivos que o autorizam. Isso

decorre da ausência de conhec imento ou má

compreensão entre os concei tos

“ indisponibil idade do i nteresse público” e

“autocomposição”.

E, recentemente, foi promulgada a Lei Federal nº

13.988, de 14 de abril de 2020, que estabelece os

requisitos e as condições para que a União, as suas

autarquias e fundações e os devedores ou as partes

adversas realizem transação resolutiva de litígio

relativo à cobrança de créditos da Fazenda

Pública, de natureza tributária e não tributári a e,

assim, altera as Leis nºs 13.464, de 10 de julho de 2017

e 10.522, de 19 de julho de 2002.

Essa lei contém 32 artigos e só estabelece a “vacacio

legis” de 120 dias, para os casos previstos no inciso I ,

do “caput” e ao parágrafo único do artigo 23 .

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IX -O RECURSO ÀS SOLUÇÕES PRÉ -PROCESSUAIS NA

FASE DA PANDEMIA .

Proficuamente , dentro da orientação ditada pelo

Conselho Nacional de Justiça, a Egrégia Corregedoria

Geral da Justiça de São Paulo, editou o Provimento

CGJ nº 11/2020, dispondo sobre a criação de projeto

piloto de conciliação e mediação pré -processuais

em disputas empresariais decorrentes dos efeitos

do CODIV-19.

Impõe-se fazer resumo dos artigos importantes

desse Provimento:

Artigo 1º - destinação aos empresários ,

sociedades empresariais e demais agentes

econômicos, envolvidos em negócios jurídicos

relacionados à produção e circulação de bens e

serviços.

Artigo 2º - formulação de requerimento por

e .mail institucional, contendo pedido e causa de

pedir, relacionada à pandemia.

Artigo 4º - recebido o pedido será designada

audiência de conciliação, cabendo à autora

providenciar ciência à part e contrária, pelo

e .mail indicado no requerimento.

Artigo 5º - audiência designada para no

máximo 7 dias do protocolo do pedido, instalada

por juiz de direito participante do projeto. Se

infrutífera – expediente será encaminhado a um

mediador, escolhido de comum acordo pelas

partes , ou designado pelo magistrado, acaso não

haja consenso.

Esse projeto -piloto funcionará até 120 dias

após o encerramento do “Sistema Remoto de

Trabalho”, com viabil idade de prorrogação através

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da integração e submissão ao sistema já existente

no NUPEMEC (Núcleo Permanente de Métodos

Consensuais e Solução de Conflitos) .

E a recente Lei nº 13.994, de 24 de abril de

2020, alterou a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de

1996, modificando os artigos 22 e §§ e o artigo 23,

para possibil itar a concil iação não presencial no

âmbito dos Juizados Especiais Cíveis. 25

A preocupação com esta fase endêmica

pelo Judiciário é patente!

O escritor Sérgio Augusto 26, com

percusciência, escreveu: “Nunca pensei que um dia

fosse experimentar na vida real o que tão

marcadamente me intrigou ao ver, em criança, “ O

Dia em que a Terra Parou” , a versão original ,

dirigida por Robert Wise. Como seria se nosso

planeta fosse, como no fi lme, inteiramente

paralisado por uma força superior, no caso, a mente

de um ET benigno, chamado Klaatu? Todos os

aparelhos domésticos são súbita e misteriosamente

25 A r t . 2 2 , § 1 º O b t i d a a c o n c i l i a ç ã o , e s t a s e r á r e d u z i d a a e s c r i t o e

h o m o l o g a d a p e l o J u i z t o g a d o m e d i a n t e s e n t e n ç a c o m e f i c á c i a d e

t í t u l o e x e c u t i v o .

§ 2 º É c a b í v e l a c o n c i l i a ç ã o n ã o p r e s e n c i a l c o n d u z i d a p e l o J u i z a d o

m e d i a n t e o e m p r e g o d o s r e c u r s o s t e c n o l ó g i c o s d i s p o n í v e i s d e

t r a n s m i s s ã o d e s o n s e i m a g e n s e m t e m p o r e a l , d e v e n d o o r e s u l t a d o

d a t e n t a t i v a d e c o n c i l i a ç ã o s e r r e d u z i d o a e s c r i t o c o m o s a n e x o s

p e r t i n e n t e s .

A r t . 2 3 . S e o d e m a n d a d o n ã o c o m p a r e c e r o u r e c u s a r - s e a p a r t i c i p a r

d a t e n t a t i v a d e c o n c i l i a ç ã o n ã o p r e s e n c i a l , o J u i z t o g a d o p r o f e r i r á a

s e n t e n ç a ” . 26 C o l u n i s t a s e m a n a l d o p e r i ó d i c o “ O E s t a d o d e S ã o P a u l o ” , c o m o

t í t u l o “ 1 1 , 0 4 . 0 1 d . c . ” , C a d e r n o E s p e c i a l , f o l h a H8 , d e 1 1 / 4 / 2 0 2 0 .

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desligados, exceto os dos hospitais e aviões em voo,

resultando num breve mas incisivo apagão global,

para que os terráqueos aprendam a viver em

harmonia, em paz permanente. Não

aprendemos”.

E, prossegue, mais adiante esse articulista:

“A Codiv-19 é um Klaatu em forma de microorganismo;

quem sabe não iremos tirar proveitosas l ições de sua

disseminação. Já aprendemos a revalorizar a

sol idariedade, o papel da imprensa e o heroico SUS;

pouca coisa não foi . Mas ainda é pouco”.

Oxalá, depois desta quadra da pandemia, possamos

nos valer de l ições positivas do comportamento humano,

tornando-nos mais preocupados com a convivência

solidária, com a elevação dos nossos valores espirituais

e morais e, acima de tudo, com a desigualdade reinante!

Iremos, por certo, aprender a deixar para trás esse

mundo cheio de fanat ismos, injustiças, ecocídios,

desigualdades sociais e polarizações polít icas.

X - CONCLUSÃO FINAL .

A mediação aplicada profissionalmente por pessoas

plenamente capacitadas salvará grandes e médias

empresas; salvará sociedades e grupos familiares; irá

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salvar empresas e entidades públicas e, acima de tudo,

salvará vidas humanas da doença interior altamente

traumática (o desespero, o ódio, as dissenções , a dor, o

sofrimento) e , quiçá, os conflitos relacionais humanos.

Para tanto é preciso que, paralelamente, haja

mudança de mentalidade lutando todos ferrenhamente

pela diminuição das desigualdades, pelas l iberdades de

cunho constitucional e , acima de tudo, praticando a

fraternidade, buscando incessantemente a pacif icação

jurídica!

Esse é o remedium juris milagroso do Século

XXI!

Vanderci Á lvares – OAB/SP 27 .164.

Desembargador aposentado e

Advogado em São Paulo.