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i Fundação Oswaldo Cruz Instituto Fernandes Figueira Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher A VÍDEO HISTEROSCOPIA NO TRATAMENTO DA RETENÇÃO DE TECIDO TROFOBLÁSTICO PÓS ABORTAMENTO Simone Westarb Rio de Janeiro Abril de 2010

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Fundação Oswaldo Cruz Instituto Fernandes Figueira

Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher A VÍDEO HISTEROSCOPIA NO TRATAMENTO DA RETENÇÃO DE TECIDO

TROFOBLÁSTICO PÓS ABORTAMENTO

Simone Westarb

Rio de Janeiro Abril de 2010

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Fundação Oswaldo Cruz Instituto Fernandes Figueira Pós-Graduação em Saúde da Cri ança e da Mulher

A VÍDEO HISTEROSCOPIA NO TRATAMENTO DA RETENÇÃO DE TECIDO

TROFOBLÁSTICO PÓS ABORTAMENTO

Simone Westarb

Dissertação de mestrado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher para obtenção do título de Mestre

Orientador: Marcos Augusto Bastos Dias

Rio de Janeiro Abril de 2010

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SIGLAS E ABREVIATURAS

AMIU – ASPIRAÇÃO MANUAL INTRA-UTERINA

D&C – DILATAÇÃO E CURETAGEM UTERINA

HSE-RJ – HOSPITAL DOS SERVIDORES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

MS – MINISTÉRIO DA SAÚDE

RTT – RETENÇÃO DE TECIDO TROFOBLÁSTICO

SUS – SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

VH – VÍDEO-HISTEROSOPIA

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Estudos sobre a VH na RTT ............................................................22

Tabela 2. Características sócio-demográficas e de antecedentes

obstétricos das 78 mulheres com RTT ...........................................30 Tabela 3. Proporção de mulheres com história de manipulação

uterina anterior à abordagem por VH...............................................31 Tabela 4. Complicações pré VH além da RTT nas 78 mulheres .....................32 Tabela 5. Aspectos do tipo de anestesia e da técnica de VH utilizada nas 78 mulheres com RTT ................................................35 Tabela 6. Características dos 44 exames de revisão pós tratamento por VH...............................................................................................37

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RESUMO

Objetivo: Avaliar o uso da vídeo-histeroscopia como método coadjuvante no tratamento da retenção de tecido trofoblástico. Métodos: Estudo retrospectivo descritivo, baseado nos dados coletados dos prontuários de 78 mulheres atendidas com diagnóstico de retenção de tecido trofoblástico (RTT) pós-aborto e submetidas a vídeo histeroscopia (VH) para tratamento desta intercorrência em um serviço público de referência e em um serviço privado de diagnóstico e tratamento de vídeo histeroscopia, na cidade do Rio de Janeiro, no período compreendido entre janeiro de 2007 e setembro de 2009. Resultados: Do total de 78 mulheres incluídas neste estudo 18 (22%) foram atendidas no hospital público e 60 (78%) no serviço privado. A faixa etária variou de 17 a 49 anos com uma média de 32 anos. A História Obstétrica demonstrou que 33 mulheres eram primíparas (42,30%) e que 52 (66,66 %) não tinham história de abortamento anterior. Vinte e quatro mulheres (35,70%) apresentavam história de cirurgia uterina anterior, sendo que em 20 delas (80%) a cirurgia anterior era cesariana. Quando da indicação da VH, vinte e oito mulheres (35,89%) tinham sido submetidas a uma ou mais curetagens uterinas sem sucesso, permanecendo com restos. Nove mulheres (12,53 %) apresentavam algum outro tipo de complicação pré VH, como infecção, sinéquia e perfuração uterina. O tipo de anestesia mais freqüentemente utilizado para a realização da VH em mulheres com RTT foi a anestesia geral (96,20%). O tratamento da RTT foi orientado previamente pela VH, realizado por AMIU e revisado posteriormente pela VH em 37 mulheres (47.43%). O tratamento utilizando somente VH com alça de ressectoscópio ocorreu em 35 mulheres (46,70%) Em seis mulheres (7,70%) a retirada dos restos se deu por VH, com pinça endoscópica de pequeno calibre. A sobrecarga hídrica foi a única complicação relacionada ao tratamento por VH e ocorreu em uma paciente (0,78%). Conclusão: A VH demonstrou ser um método seguro e eficaz para o tratamento da RTT, entretanto tem limites para sua realização e não deve ser indicada em úteros de grande volume. Porém o seu principal uso deve ser na falha do tratamento convencional atual (D&C e AMIU) e em situações especiais onde esta falha, tem maior probabilidade de acontecer como nos casos de úteros malformados, miomatosos e implantações ectópicas e/ou acréticas do tecido trofoblástico. Palavras-chave: Histeroscopia, tecido trofoblástico retido e curetagem uterina

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ABSTRACT Objective: To evaluate the use of video-hysteroscopy as a supporting therapy in the treatment of trophoblastic tissue retention. Methods: Retrospective descriptive study, based on data collected from medical records of 78 women treated with a diagnosis of retained trophoblastic tissue (RTT) post-abortion care and submitted a video hysteroscopy (VH) for treatment of this complication in a public reference and a private service for the diagnosis and treatment of video hysteroscopy, in Rio de Janeiro, in the period between January 2007 and September 2009, Results: This study included 78 women. Eighteen (22%) were treated in public hospital and 60 (78%) in a private service. The ages ranged from 17 to 49 years (mean: 32 years). Obstetric history has shown that 33 women were primiparous (42.30%) and 52 (66.66%) had no previous history of miscarriage. Twenty-four women (35.70%) had a history of previous uterine surgery, and in 20 of them (80%) the previous surgery was cesarean section. At the moment of the indication of VH, twenty-eight women (35.89%) had undergone one or more a uterine curettage without success remaining with debris. Nine women (12.53%) had some other type of pre VH complication such as infection, uterine perforation and uterine adhesion. The most frequent type of anesthesia most often used to perform the VH in women with RTT was general anesthesia (96.20%). The treatment of RTT was previously driven by VH, conducted by MVA (escrever MVA por extensor antes de colocar a sigla) and subsequently revised by VH in 37 women (47.43%). The treatment using only VH resectoscope loop occurred in 35 women (46.70%). In six women (7.70%) removal of debris occurred in VH, with endoscopic forceps and small arms. The fluid overload was the only complication related to treatment by VH and occurred in one patient (0.78%). Conclusion: The VH proved to be a safe and effective method for the treatment of RTT, however there are limits to its implementation and should not be given in uteri of large volume. The main use of VH is when the failure of the current conventional treatment is present (D & C and MVA) and in special situations where this complication is more likely to happen as in cases of malformed uterus fibroid and ectopic deployments and / or earnings accretive from the trophoblastic tissue. Keywords: Hysteroscopy, trophoblastic tissue and curettage

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SUMÁRIO

Introdução ....................................................................................................... 09

Justificativa ...................................................................................................... 12

Objetivos ......................................................................................................... 14

Revisão bibliográfica ....................................................................................... 15

Pressupostos ................................................................................................... 23

Método ............................................................................................................ 24

Sujeitos da pesquisa ............................................................................... 25

Campos de pesquisa ............................................................................... 26

Técnica do procedimento ........................................................................ 27

Análise de dados ..................................................................................... 28

Aspectos éticos ....................................................................................... 28

Resultados ...................................................................................................... 29

Discussão ........................................................................................................ 38

Considerações finais ....................................................................................... 44

Apêndice ......................................................................................................... 46

Apêndice 01- Instrumento de coleta de dados ........................................ 46

Apêndice 02- Imagens de Instrumentos de VH ....................................... 48

Apêndice 03- Imagens de RTT ................................................................ 49

Apêndice 04- Imagens de RTT ................................................................ 50

Apêndice 05- Aprovação do Comitê Ética .................................................51

Referências bibliográficas ................................................................................ 53

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INTRODUÇÃO

Segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde, no Brasil, 31%

das gravidezes termina em abortamento, de modo que, anualmente, ocorrem

aproximadamente 1,4 milhões de abortamentos espontâneos e inseguros

(provocados), com uma taxa de 3,7 abortos para 100 mulheres de 15 a 49 anos

(Ministério da Saúde, 2004).

O Ministério da Saúde em 2004 elaborou uma Norma Técnica de

Atenção Humanizada ao Abortamento, com o intuito de qualificar a assistência

à saúde da mulher e de reduzir a mortalidade materna associada a esta

entidade (Ministério da Saúde, 2004).

O tratamento convencional dos abortamentos sejam eles retidos,

incompletos, infectados e da retenção de tecido trofoblástico (RTT) pós-parto é

a Dilatação e Curetagem Uterina (D&C) ou a Aspiração Manual Intra-uterina

(AMIU).

Esses tratamentos não são isentos de intercorrências, apresentando

uma taxa de complicações que pode variar de 0,01 a 9,2%, conforme vários

autores (Soulat C e Gelly M, 2006, Leon et al, 2001, Heisterberg L e

Kringelbach M, 1987, Nesheim BI, 1984 e Flaming C e Schneck P, 1969).

A principal intercorrência tanto da D&C quanto da AMIU é o

esvaziamento incompleto do útero, ou seja, a permanência ou retenção de

tecido trofoblástico após um destes procedimentos, sendo responsável por

mais de 50% de todas as complicações (Leon et al, 2001).

A vídeo-histeroscopia (VH) é um método de visualização direta da

cavidade uterina através de um endoscópio. Nos últimos anos, este

procedimento, vem sendo utilizado cada vez mais frequentemente em

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ginecologia para realização de diagnóstico e tratamento de patologias intra-

uterinas tais como miomas, pólipos, tumores, sinéquias, malformações e etc.,

mas pode ser utilizado também nos casos de complicações da RTT.

O uso da VH como método auxiliar no tratamento das complicações pós-

aborto e pós-parto, quando ocorre a RTT, tem um papel especial,

principalmente quando ocorre falha do tratamento convencional (Cohen et al,

2001 e Goldenberg et al, 1997).

A VH contribui nesses casos, para que seja direcionando o

esvaziamento uterino que será realizado pela D&C ou pela AMIU ou até

mesmo fazê-lo diretamente, utilizando um equipamento especial como as alças

de ressectoscópio, conforme a necessidade de cada caso (Cohen et al, 2001).

A possibilidade da visualização direta da cavidade uterina e do local preciso

onde está localizado o tecido trofoblástico retido, cria uma opção a mais de

tratamento, no caso de ocorrer a necessidade de um novo esvaziamento

uterino, quando o primeiro procedimento teve insucesso (Cohen et al, 2001).

O completo esvaziamento da cavidade uterina com o menor número de

procedimentos de manipulação da mesma previne seqüelas futuras como a

formação de sinéquias (aderências intra-uterinas) que poderão causar dano a

fertilidade da mulher (Salzani, 2006 e Ascherman, 1950).

Procedimentos cirúrgicos traumáticos, como a dilatação forçada e às

cegas do colo uterino geram complicações per-operatórias com prejuízo para a

vida reprodutiva futura da paciente (Nesheim BI, 1984).

A VH poderia ser, portanto, uma nova opção segura e eficaz, pois é

capaz de realizar ou orientar o esvaziamento uterino sob visão direta,

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diminuindo as complicações cirúrgicas e promovendo a manutenção da

fertilidade com a diminuição da formação de sinéquias.

O uso da VH como método auxiliar no tratamento das complicações pós-

aborto e pós-parto, quando ocorre a retenção de tecido trofoblástico é,

entretanto, um tema ainda pouco conhecido entre os profissionais de saúde e

pouco estudado no meio médico mundial. Até mesmo, alguns especialistas na

realização deste exame desconhecem ou subestimam a potencialidade desse

método, na condução de casos complicados de RTT, sejam eles provenientes

de um abortamento ou após um parto vaginal ou mesmo uma cesariana.

Conhecer o papel da VH nos casos de RTT pode facilitar a decisão dos

profissionais pela adoção deste método e diminuir as complicações operatórias

e clínicas desta intercorrência, principalmente quando já ocorreu uma falha do

tratamento inicial com uma curetagem uterina.

Portanto, o objeto de estudo deste trabalho é o uso da VH no tratamento

das complicações da retenção de tecido trofoblástico pós-abortamento.

O objetivo do nosso estudo é descrever os resultados da utilização da

VH para a resolução dos casos de complicação com retenção de tecido

trofoblástico pós-abortamento.

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JUSTIFICATIVA

Trabalhando em Hospitais e Maternidades da rede pública do Rio de

Janeiro e com atuação clínico-obstétrica e histeroscópica, tivemos a

oportunidade de perceber o quanto a VH, uma técnica habitualmente usada em

ginecologia, pode contribuir na resolução dos casos da permanência da

retenção de tecido trofoblástico após curetagens uterinas convencionais ou

AMIU sem sucesso.

Na nossa prática diária, tivemos a oportunidade de tratar através da VH,

diversos casos de complicações obstétricas tais como: restos placentários e

ovulares retidos após mais de uma curetagem uterina; úteros perfurados em

curetagens ainda com material retido a ser retirado; abortamentos incompletos

ou retidos em úteros malformados tipo septado, bicorno ou didelfo e até

abordando alguns casos de acretismo parcial e de gestações cervicais.

Importante ressaltar que em todos estes casos a VH foi sempre solicitada na

tentativa de resolução de complicações das técnicas convencionais de

esvaziamento uterino utilizadas anteriormente.

Podemos, com esse estudo, conhecer as características das mulheres

atendidas em nosso serviço; criando subsídios para que os serviços de saúde

da cidade do Rio de Janeiro se organizem para atender de forma mais

sistematizada a demanda desses casos especiais (tecido trofoblástico retido

após curetagens ou AMIUs).

Quando se realiza pesquisa nos principais bancos de dados,

encontramos poucos artigos médicos científicos sobre a utilização da VH para

o diagnóstico ou tratamento dos casos de RTT, sendo a maioria das

publicações apenas de relatos de caso. Além disto, há poucos estudos

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específicos do tema na literatura médica, onde o nosso estudo também pode

contribuir. Em pesquisa nas bases de dados Medline (1966-1996; 1997-2009),

PubMed e Lilacs (através da BVS), utilizando os descritores hysteroscopy and

trophoblastic and tissue, e Hysteroscopy and Abortion and Evacuation Uterine

no período de 1997 a 2009, encontramos 16 referências. Deste total sete era

estudos descritivos e nove eram relatos de casos. Toda a pesquisa

bibliográfica foi feita nos idiomas inglês, espanhol e português.

O fato de encontrarmos na literatura poucos estudos sobre o tema e até

o momento, nenhum estudo brasileiro, motivou-nos a realizar esse trabalho.

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OBJETIVO GERAL:

O objetivo do nosso estudo é avaliar os resultados da utilização da VH

para a resolução dos casos de complicação com retenção de tecido

trofoblástico pós-abortamento.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

Descrever os antecedentes obstétricos das mulheres que apresentaram

complicações relacionadas a retenção do tecido trofoblástico.

Descrever as complicações do tratamento convencional realizado antes

da VH feita para o tratamento de cada paciente.

Descrever os resultados do tratamento histeroscópico da retenção de

tecido trofoblástico e suas complicações.

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REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Tecido Trofoblástico é um tecido proveniente de uma gravidez (da

placenta, suas membranas ou tecido de abortamento), que deve ser eliminado

do útero após o parto ou aborto. A persistência desse tecido dentro do útero

após um abortamento ou parto, pode gerar complicações que necessitam de

intervenção/tratamento cirúrgico. Leon et al (2001) demonstraram que os

principais fatores que exigem internação hospitalar em casos de aborto são o

sangramento anormal, a dor e a febre (infecção).

Apesar da retenção de tecido trofoblástico acontecer também após parto

vaginal ou cesáreo, vale dizer que a mesma ocorre com maior freqüência após

um abortamento (van den Bosch, 2008), seja ele espontâneo ou provocado.

Conseqüentemente são encontrados na literatura científica muito mais

estudos, dados e referências sobre complicações de RTT e alternativas

terapêuticas, relacionadas ao abortamento. Conforme o estudo de van den

Bosch (2008), a taxa de ocorrência de RTT após abortamento e parto foi de

6,3%, diagnosticada através de USG com Doppler realizada de rotina. Nesse

mesmo estudo a presença de RTT foi mais freqüentemente relacionada ao

pós-abortamento, onde 61% das pacientes foram curetadas e o exame

histopatológico confirmou a RTT em praticamente todas as mulheres.

O tratamento da retenção dos tecidos trofoblásticos é o esvaziamento

uterino, que pode ser feito através de intervenção cirúrgica (esvaziamento

instrumental do útero-curetagem uterina) ou clínica através de medicações que

provoquem a eliminação desse tecido pelo útero.

Kulier et al (2004) realizaram uma revisão sistemática dos principais

métodos medicamentosos, utilizados para o esvaziamento uterino em casos de

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aborto. Esses métodos clínico-medicamentosos para tratamento de abortos

foram utilizados principalmente nas décadas de 70 e 80, sendo as principais

drogas empregadas as prostaglandinas, o mifepristone, e o methotrexate, que

eram utilizadas isoladas ou em associação, sendo esta mais efetiva. O objetivo

destes métodos era provocar dilatação e sangramento uterino com posterior

eliminação do material retido.

O método cirúrgico acaba sendo o mais utilizado, porque com a

utilização dos métodos medicamentosos nem sempre a eliminação do material

retido é feita de forma completa exigindo muitas vezes um esvaziamento

cirúrgico posterior, além do fato das medicações apresentarem alguns efeitos

colaterais indesejáveis. (Lohr PA et al, 2008 e Say L et al, 2005).

O tratamento cirúrgico da retenção dos tecidos trofoblásticos é o

esvaziamento uterino, que pode ser realizado através de dilatação do colo

uterino (quando o mesmo ainda não se encontra dilatado) e curetagem da

cavidade uterina (D&C), feita com instrumentais metálicos tradicionais ou,

quando possível tecnicamente, com a aspiração desse material retido. A

aspiração pode ser feita de forma manual realizada com seringas de vácuo

(AMIU) ou com aspirador elétrico (Kulier et al, 2001).

Um estudo cubano (León, 2001) fez uma avaliação prospectiva,

descritiva de 1.273 internações por abortamento submetidas a curetagens

uterinas tradicionais e demonstrou uma prevalência total de complicações da

ordem de 4,87% (62 casos). Descreveu como as principais complicações

desse esvaziamento cirúrgico do útero a perfuração uterina, o aborto

incompleto (retenção de tecido trofoblástico), o sangramento anormal, a

laceração do colo uterino e a infecção.

17

A manutenção de restos ovulares após a curetagem uterina (retenção de

tecido trofoblástico), ou seja, o esvaziamento incompleto foi a principal

complicação (52 dos 62 casos totais), tendo uma incidência de 4,08 %. A

perfuração uterina (três casos) teve uma incidência de 0,23% e a endometrite

ocorreu em seis casos (0,47%).

As lesões causadas pelo esvaziamento cirúrgico do útero vêm sendo

estudadas de longa data. Um estudo realizado por Flaming e Schneck (1969)

demonstrou taxas elevadas de complicações pós-curetagens uterinas com uma

taxa geral de complicação de 15,7% em curetagens instrumentais contra 5,1%

a favor da aspiração por vácuo-extrator, que na época passou a ser apontado

como o método mais seguro para o tratamento destes casos.

Atualmente, a aspiração manual intra-uterina (AMIU) realizada por

profissionais médicos experientes, e em ambiente hospitalar, é considerada o

procedimento de menor risco e mais seguro para esvaziamento uterino pós

aborto, com uma taxa geral de complicações per-operatórias, girando em torno

de 0,01 a 1,16 % (Soulat C e Gelly M, 2006, Pereira PP et al, 2006 e Kulier R,

2004).

Contudo, um estudo realizado por Goldberg (2004), numa coorte

retrospectiva durante 3,5 anos, onde foram avaliadas as complicações per-

operatórias entre os dois tipos de aspiração, utilizadas em abortamentos de

gestações com até 10 semanas, não encontrou diferenças significativas entre

as mesmas (2,5% para aspiração manual x 2,1 % para aspiração elétrica à

vácuo). Aqui também as taxas de re-aspiração (manutenção de tecido pós a

primeira aspiração) giraram em torno de 2,1 % para AMIU contra 1,7 % para

aspiração elétrica. Portanto, qualquer que seja o método de aspiração utilizado,

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esta técnica tem taxas menores de complicações que a curetagem uterina

tradicional (Goldberg AB et al, 2004, Schweppe KW et al, 1980 e Flaming C e

Schneck P, 1969).

Heisterberg e Kringelbach (1987) fizeram uma avaliação de 5.851

abortamentos induzidos. Nesse estudo a taxa geral de complicação foi de

6,1%. O mais interessante é que eles conseguiram traçar um perfil das

pacientes que tinham mais chance de complicar em um procedimento de

esvaziamento uterino por aspiração a vácuo: mulheres mais jovens entre 19 e

24 anos, que estavam na primeira gestação e com cerca de oito semanas de

idade gestacional. Esse dado foi observado em outro estudo onde Nesheim

(1984) demonstrou também que nulíparas tem maior taxa de complicação que

multíparas (9,2% x 5,1 %), porém não concordou quanto a idade gestacional de

maior risco, pois refere que complicações maiores ocorrem em abortos com

mais de 14 semanas e a retenção de tecido após o esvaziamento costuma

ocorrer, principalmente, em abortos com até 6 semanas.

Complicações maiores também são descritas na literatura, onde

curetagens por aspiração em abortos de primeiro trimestre provocaram re-

internações prolongadas por diversas causas como quadros de infecção

necessitando de antibioticoterapia, hemotransfusões, laparotomias ou

sucessivas recuretagens (Nesheim BI, 1984).

A VH, método utilizado em nosso estudo, poderia ser uma alternativa à

re-curetagem uterina, quando da falha da mesma. Como a maioria das

curetagens uterinas é realizada por abortamento, é de importância situar o

tema, dentro da realidade brasileira.

19

Conforme o Ministério da Saúde em 2003, 236.365 internações no

Sistema Único de Saúde, foram motivadas por curetagens pós-aborto,

correspondentes aos casos de complicações decorrentes de abortamentos

espontâneos e/ou inseguros (realizados sem as devidas condições de assepsia

ou por profissional não capacitado adequadamente). As curetagens uterinas

são o segundo procedimento obstétrico mais praticado nas unidades de

internação, superadas apenas pelos partos normais (Ministério da Saúde,

2004).

As complicações clínicas decorrentes do manuseio operatório do

abortamento são a 4a causa de óbito materno no país. Em 2001, segundo

dados do Ministério da Saúde, ocorreram 9,4 mortes de mulheres por aborto

por 100 mil nascidos vivos. Por sua relevância e impacto na saúde pública em

nosso país a assistência aos casos de abortamento vem sendo amplamente

debatida.

Em suma, conforme a literatura, as taxas de complicações totais da

curetagem uterina, podem variar de 0,01 até 6,1 %. Quando associamos um

fator como a nuliparidade a taxa pode subir para 9,2%. Avaliando a falha do

método (persistência de material intra-uterino) isoladamente, temos uma

variação na prevalência de 1 até 4,08%, sendo esta a principal complicação da

curetagem uterina (León,L. et al, 2001 e Cohen SB et al, 2001).

Em pacientes com abortamento de primeiro trimestre, especialmente nos

casos complicados com retenção do ovo (quando não há dilatação cervical e

/ou sangramento) e em pacientes nulíparas, existe, geralmente, dificuldade na

dilatação instrumental do colo uterino, com elevado risco de traumas cervicais

e perfurações uterinas (Nesheim BI, 1984). Estas complicações quando

20

ocorrem dificultam o esvaziamento do conteúdo uterino e favorecem a

permanência de fragmentos de tecido trofoblástico, que levam à persistência

de sangramentos intermitentes e, na maioria dos casos, à infecção

(endometrite e pelviperitonite), com conseqüências graves e imprevisíveis.

Com relativa freqüência, observa-se também nestes mesmos casos, ainda

como complicação grave no que diz respeito à fertilidade futura, a formação de

sinéquias ou aderências intra-uterinas. Esta complicação que foi descrita por

Asherman (1950) e é conseqüente á denudação miometrial de sua cobertura

endometrial em duas paredes opostas na cavidade uterina, levando a

aderências das mesmas. Isto geralmente é provocado por curetagens

excessivas ou pela ocorrência de infecção.

Um estudo realizado na Unicamp por Salzani (2005), computou uma

prevalência de 37,6% de sinéquias uterinas, pós-curetagem uterina pós-aborto,

o que poderia gerar uma infertilidade futura e desordens menstruais. Outro

estudo semelhante teve uma prevalência de 16,7 % desta complicação (Golan

A et al, 1992). Um estudo (Friedler, 1993) relacionou a prevalência de

sinéquias pós curetagens uterinas pós aborto, com o número de abortamentos

prévios: um aborto prévio estava associado à ocorrência de 16% de sinéquias,

dois abortos a 14%, já com três abortos anteriores a prevalência encontrada foi

de 32%, chegando ser estatisticamente significativa essa relação. O uso da VH

evitando uma segunda curetagem às cegas, poderia contribuir para a

diminuição da prevalência dessa complicação, contribuindo para manutenção

da fertilidade futura.

Como já foi dito, a curetagem por abortamento é o segundo

procedimento cirúrgico obstétrico realizado nas maternidades do SUS no

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Brasil, mas existe, com uma menor freqüência, uma miscelânea de outras

indicações de curetagens uterinas, não menos importantes e com a mesma ou,

talvez, até maior, chance de complicações.

Nessas situações a VH pode também ter seu lugar de importância. Na

literatura temos vários relatos de casos, em que a VH foi utilizada nessas

situações especiais. Rotas (2007) descreveu, um caso de coriocarcinoma

gestacional, ocorrido em gestação ectópica cornual, diagnosticado através da

VH. Ela também é importante no acompanhamento da doença Molar, na

confirmação do esvaziamento uterino completo pelo método aspirativo (Suzuki

A et al, 1984 e Barros M, 1996).

A ocorrência de gravidez cervical é rara, mas temos na literatura, alguns

casos em que a VH foi essencial para o diagnóstico e tratamento adequado,

localizando sob visão direta o sítio do tecido trofoblástico retido e removendo-o

de maneira menos agressiva e mais segura possível (vide imagens do

apêndice 04). Esse quadro se não bem tratado, pode levar a hemorragias

profusas com risco de hemotransfusões e histerectomia (Timothy J. e Hardy

M.D, 2002). Outro relato demonstrou o uso da VH na abordagem terapêutica

de uma gravidez ectópica intersticial/cornual (Meyer WR e Mitchell DE, 1989).

A VH foi também utilizada como método complementar de auxílio

diagnóstico e terapêutico em casos de RTT nos seguintes estudos: 73 casos

realizados por Morimoto (1981), 18 casos realizados por Goldenberg (1997) e

70 casos realizados por Cohen (2001), vide tabela 01.

Associado ou não ao método convencional de esvaziamento uterino, a

VH tende a diminuir consideravelmente a morbimortalidade da RTT no ciclo

gravídico-puerperal e minimizar significativamente os riscos de complicações

22

dos métodos convencionais de tratamento, como a curetagem uterina

convencional e a AMIU. (Goldenberg M. et al, 1997, Cohen SB. et al, 2001 e

Leone F. et al, 2005).

Tabela 1: Estudos sobre a VH na RTT – Revisão bibli ográfica

Autor

País - Ano

Modelo Estudo

Objetivo

Casuística

Tipo de RTT

Morimoto

Japão - 1981

Retrospectivo Descritivo

Demonstrar a VH como método de orientação para D&C na RTT

30

112 VH diag 73 RTT

Suzuki Japão - 1984 Retrospectivo Descritivo

VH diag confirmar o tratamento Mola

21

Goldenberg

Israel - 1997

Retrospectivo Descritivo

Tratamento VH na RTT

18

16 pós aborto 02 pós parto

Cohen Israel - 2001 Retrospectivo Descritivo

Comparar Tto VH x D&C na RTT

70 (45 pós D&C ) 25 sem D&C prévia

Leone Itália - 2005 Prospectivo Não Randomizado

Comparar VH x D&C no tto RTT

44 Todos pós D&C 18 D&C 26 VH

Faivre

França - 2008

Prospectivo Descritivo

Avaliar Fertilidade no TTO por VH na RTT

50

42 pós aborto 08 pós parto 13 pós D&C prévia

Dankert

Holanda - 2009

Prospectivo Descritivo

Tratamento VH Na RTT

10

10 pós parto

23

PRESSUPOSTO

Nosso pressuposto é de que a indicação da VH para o tratamento das

complicações da RTT contribui para que a atenção à saúde da mulher ocorra

de forma mais qualificada porque o procedimento possui um baixo risco de

complicações.

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MÉTODO

Trata-se de um estudo retrospectivo descritivo, baseado nos dados

coletados dos prontuários das pacientes internadas com diagnóstico de

retenção de tecido trofoblástico (RTT) pós-aborto e submetidas à VH para

tratamento desta intercorrência em um serviço público de referência e em um

serviço privado de diagnóstico e tratamento de VH, no período compreendido

entre janeiro de 2007 e setembro de 2009. Todos os procedimentos em ambos

os serviços foram realizados pela mesma equipe de cirurgiões ou sob sua

supervisão direta.

No período de janeiro de 2007 a setembro de 2009, foram atendidas 88

mulheres com o diagnóstico ultrassonográfico de RTT, porém, deste total,

somente 78 eram pós- aborto e as restantes eram por retenção após o parto.

Critérios de inclusão e exclusão

Todos os diagnósticos de RTT foram confirmados através de ultra-

sonografia e/ou histeroscopia diagnóstica prévia. As mulheres com o

diagnostico de RTT incluídas neste estudo foram ou não submetidas

anteriormente a tratamento convencional (curetagem uterina ou AMIU).

Foram considerados critérios de exclusão, as pacientes que não

apresentavam RTT pós-abortamento, todos os casos de RTT pós-parto vaginal

ou cesárea.

Foi considerado padrão ouro para confirmar o diagnóstico de RTT o

exame histopatológico do material retirado da cavidade uterina.

25

Sujeitos da pesquisa

Mulheres atendidas em um serviço privado de VH e no setor de VH do

Serviço de Ginecologia do HSE-RJ, de janeiro de 2007 a setembro de 2009,

que foram submetidas a este procedimento para tratamento da retenção de

tecido trofoblástico (RTT) pós-abortamento.

Foram avaliados os seguintes dados segundo sua disponibilidade no

prontuário das mulheres incluídas no estudo (vide instrumento de coleta de

dados no apêndice 01).

1- Dados clínicos e obstétricos: idade e paridade. Foi avaliada também a

realização ou não de tratamento convencional (D&C ou AMIU) prévio, o

número de vezes que o mesmo foi realizado e se houve alguma complicação

relacionada ao tratamento convencional.

2 - Dados ultrassonográficos: presença de tumorações ou malformações

associadas e diagnóstico de tecido trofoblástico retido.

3 - Dados da VH: presença ou não de tecido retido, presença ou não de

lesões prévias, modo de realização do esvaziamento uterino durante o

procedimento histeroscópico (apenas vídeo-histeroscópico com alça de

ressectoscópio ou com AMIU e posterior revisão da cavidade com

histeroscopia). Também foi verificado se foi possível ou não a avaliação final da

cavidade uterina por VH, demonstrando esvaziamento total do útero. Avaliamos

também a presença de complicações per e pós-operatórias em relação ao

procedimento vídeo-histeroscópico, como perfurações, lacerações do colo

uterino, sangramento excessivo e infecção pós-operatória.

4 - Dados de seguimento das pacientes: avaliada a presença de alguma

complicação no seguimento dessas pacientes tais como sinéquias e infecção.

26

Campos de Pesquisa

Um grupo das mulheres do estudo foi atendido num serviço público da

cidade do Rio de Janeiro, o Hospital dos Servidores do Estado, no setor de VH

do serviço de ginecologia, onde os exames diagnósticos são realizados em

ambiente ambulatorial e os procedimentos cirúrgicos em ambiente hospitalar. O

encaminhamento das mulheres para a realização de VH nos casos de RTT

deste serviço é feito de maneira informal por profissionais de diferentes

serviços públicos da cidade. A referência é feita em geral por profissionais que

tem alguma forma de relacionamento com os profissionais que atuam no setor.

Outro grupo de mulheres foi atendido num serviço privado de VH, onde

os exames diagnósticos também eram realizados em ambiente ambulatorial e

os procedimentos cirúrgicos em ambiente hospitalar. Nestes casos as mulheres

foram referenciadas formalmente para serem submetidas ao procedimento,

uma vez que na maioria dos casos é preciso a aprovação prévia do plano de

saúde para a autorização da realização do procedimento. O encaminhamento

também foi feito em sua maioria por profissionais que tem alguma forma de

relacionamento com os profissionais que atuam na clinica de VH.

27

Técnica do procedimento

Foi utilizado para a VH diagnóstica ótica de 2,9 mm com camisa

cirúrgica de fluxo contínuo (Betochi) da marca Storz e como meio de distensão

o soro fisiológico a 0,9% (vide apêndice 02, imagem 04).

As pacientes submetidas ao tratamento por VH receberam

procedimentos anestésicos do tipo bloqueio paracervical e anestesia geral-

sedação.

A equipe cirúrgica em ambos os serviços foi sempre a mesma,

realizando ou supervisionando o procedimento.

A rotina para a realização da VH incluía em primeiro lugar o

procedimento anestésico seguido de uma VH para confirmação diagnostica

com ótica de 2,9 mm. Se a quantidade de material retido dentro da cavidade

uterina era de pequeno volume, ou seja, ocupando menos de um quarto da

cavidade uterina, o tratamento era realizado com pinça de apreensão (vide

apêndice 02, imagem 03).

Quando a quantidade de tecido retido era de grande volume, ou seja,

ocupando mais da metade da cavidade uterina (vide apêndice 03, imagem 01),

primeiramente era realizada a dilatação cervical com velas de Deniston e em

seguida a aspiração com seringa de Karman (Aspiração Manual Intrauterina –

AMIU). Após a AMIU era introduzido o ressectoscópio bipolar da marca

Versapoint (vide apêndice 02, imagens 01 e 02), onde se ressecava qualquer

tecido ainda retido com a alça de forma fria (sem ativação elétrica). Neste

momento, confirmava-se ou não o completo esvaziamento do útero e o

diagnóstico de alguma possível complicação (perfuração, laceração,

sangramento aumentado, etc).

28

A ativação elétrica da alça de corte bipolar somente era realizada

quando da ocorrência de tecido firmemente aderido à parede uterina,

denominado acretismo parcial, (vide apêndice 03, imagem 03).

A ressecção de restos retidos com alça de ressectoscópio sem

previamente realizar a AMIU, ocorria quando o material era de volume

moderado, ou seja, ocupando menos de um terço da cavidade uterina,

localizado em uma região segmentar e com sangramento uterino pequeno.

Todo material retirado foi encaminhado para estudo histopatológico.

Análise de dados

Os dados coletados dos prontuários das mulheres atendidas nos dois

serviços estudados foram inseridos em uma planilha e analisados pelo

programa EpiInfo, versão 3.5.1, de 13 de agosto de 2008. Os resultados estão

expressos na forma de médias e proporções.

Aspectos éticos

A pesquisa foi desenvolvida em consonância com as normas e diretrizes

regulamentares de pesquisa envolvendo seres humanos da resolução n. 196

de 10/10/1996 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), respeitando os

princípios básicos de autonomia, beneficência, não maleficência, justiça e

eqüidade. Como foi realizada a partir de dados secundários não foi utilizado

consentimento livre e esclarecido dos sujeitos da pesquisa.

O estudo foi submetido a apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP)

do Hospital dos Servidores do Estado do município do Rio de Janeiro (vide

apêndice 05).

29

RESULTADOS

No período de janeiro de 2007 a setembro de 2009, foram atendidas 88

mulheres com o diagnóstico de RTT. Após a avaliação segundo os critérios de

inclusão o número total de mulheres com diagnóstico ultrassonográfico de RTT

pós- aborto totalizou 78.

Do total de 78 mulheres incluídas neste estudo 18 (23,10%) foram

atendidas no hospital público e 60 (76,9%) no serviço privado.

Idade e história obstétrica

A média de idade das mulheres foi de 32 anos com variação na faixa de

17 a 49 anos (vide tabela 02).

A história obstétrica demonstrou que 43 pacientes eram nulíparas

(55,12%) e que a maioria das mulheres (54 - 69,23 %) não tinha história de

abortamento anterior (vide tabela 02).

A informação sobre o número de cirurgias uterinas prévias esteve

disponível para 60 mulheres. Deste total 24 (40%) apresentavam história de

cirurgia uterina anterior, sendo que em 20 delas (80%) a cirurgia anterior era

cesariana (vide tabela 02).

Vinte e quatro mulheres (30,76%) do total de 78, que fazem parte do

estudo tinham história de pelo menos um abortamento anterior, sendo que 16

(20,51%) delas tinham história de curetagem uterina (vide tabela 02).

30

Tabela 2: Características sócio-demográficas e de a ntecedentes

obstétricos das 78 mulheres com RTT

N (%)

Idade

<20 anos

20 – 35 anos

03 (3,80%)

52 (66,70%)

> 35 anos 23 (29,50%)

Número de gestações

Primigestas 33 (42,30%)

Duas ou mais gestações 45 (57,99%)

Cirurgias anteriores

Cirurgias uterinas anteriores 24 (30,70%)

Paridade

Nulíparas 43 (55,12%)

Partos normais anteriores 15 (19,23 %)

Cesarianas anteriores 20 (25,64%)

História de abortamento

Abortos anteriores 24 (30,76%)

Abortos anteriores com curetagem 16 (20,51%)

Abortos anteriores sem curetagem 08 (10,25%)

31

Dados clínicos das mulheres admitidas com diagnósti co de RTT

O sintoma mais freqüente encontrado nessas mulheres com RTT foi o

sangramento transvaginal anormal presente em 41 (70,68%) delas. O

encaminhamento para tratamento foi feito após o diagnóstico ultrassonográfico

de controle pós-abortamento em 17 mulheres (29,31%), 07 (41,17%) com

curetagem uterina prévia e outras 10 (58,83%) sem curetagem. Em cinco dos

17 casos encaminhados por USG alterada as pacientes já se encontravam em

tratamento com antibióticos para infecção uterina. Em 20 casos essa

informação não foi encontrada no prontuário médico.

Quando da indicação da VH, vinte e oito mulheres (35,89%) tinham sido

submetidas a uma ou mais curetagens uterinas sem sucesso, permanecendo

com restos (20 com uma curetagem e 08 com duas ou mais). Em três

prontuários (3,84 %), os dados não estavam disponíveis (vide tabela 03).

Tabela 3. Proporção de mulheres com história de man ipulação uterina

anterior à abordagem por VH

N (%)

Sem curetagem pré VH 47 (62,66%)

Falha da 1ª. curetagem pré-VH

Falha da 2ª. curetagem pré-VH

20 (26,66%)

08 (10,68%)

Apenas duas mulheres (2,56%) não obtiveram o diagnóstico

confirmatório de RTT feito por USG anterior durante o exame por VH. Na

realidade foram feitos dois diagnósticos de endometrite, quando a USG havia

32

diagnosticado RTT, uma falha possível do método ultrassonográfico, uma vez

que as imagens são bastante semelhantes.

Do total de mulheres atendidas, nove (11,53 %) apresentavam algum

outro tipo de complicação pré VH, além da RTT. Deste grupo, cinco

apresentavam infecção pós-aborto. Duas mulheres apresentaram sinéquia

intra-uterina diagnosticada na VH e uma mulher apresentou história de

perfuração uterina na curetagem anterior. Uma das mulheres com infecção

teve também diagnosticada uma perfuração uterina em útero septado na VH,

perfuração esta não diagnosticada anteriormente (vide tabela 04).

Tabela 4. Complicações pré VH além da RTT nas 78 mu lheres

N (%)

Nenhuma 69 (88,46%)

Perfuração

Infecção

02 (2,56%)

05 (6,41%)

Sinéquia 02 (2,56%)

Características do tratamento por VH

O tipo de anestesia mais freqüentemente utilizado para a realização da

VH em mulheres com RTT foi a anestesia geral em 75 mulheres (96,15%),

nestes casos esse procedimento foi realizado em regime de hospital-dia com

menos de 24 h de permanência no hospital. Em três mulheres a anestesia

realizada foi local (cervical), utilizando-se xilocaína a 1 % e o procedimento foi

realizado em regime ambulatorial, através de pinça endoscópica de pequeno

33

calibre. Esses três tratamentos ambulatoriais foram realizados no serviço

público, que está localizado em hospital de grande porte (terciário), que permite

este tipo de abordagem num atendimento ambulatorial devido à infra-estrutura

local para casos que possam complicar e evoluir para urgência (vide tabela 05).

Em relação ao tempo de internação, todas as mulheres submetidas à

anestesia geral, ficaram internadas em regime de hospital-dia com menos de

24 h de internação, em geral de 6-8 h.

Nas mulheres em que se realizou anestesia local na cérvix uterina, o

procedimento foi ambulatorial, não houve internação.

Nos dois casos em que houve perfuração uterina como complicação

prévia à VH, as mulheres ficaram mais de 24 h internadas. Em uma das

mulheres a perfuração não causou dano maior. A RTT pôde ser resolvida

somente com alça de ressectoscópio e a alta foi dada com menos de 48 h. A

segunda mulher que já tinha se submetido a uma curetagem uterina, estava

internada há 11 dias quando houve a indicação da VH. Durante a VH, se

diagnosticou a perfuração uterina em um útero septado. A cavidade uterina

pôde ser esvaziada sob visão direta e foi indicada a realização da laparotomia

exploradora. Foi identificada uma lesão de intestino delgado e o seu tratamento

realizado adequadamente. A paciente recebeu alta em 10 dias e a USG de

controle, demonstrou útero sem sinas de RTT.

O tipo de tratamento da RTT foi escolhido através da realização prévia

de uma VH diagnóstica, que decidiu qual a melhor técnica a ser utilizada. Nos

casos onde havia de moderada a grande quantidade de material retido foi

realizada a AMIU complementada posteriormente, quando na ocorrência de

material retido pós AMIU, por VH com alça de ressectoscópio. Essa foi a opção

34

em 37 mulheres (47.43%). Já o tratamento exclusivamente por VH ocorreu em

41 (52,56%) mulheres. Nestes casos havia pequena quantidade de material e

sua ressecção foi realizada através de alça de ressectoscópio em 35 mulheres

(44,87%). Em seis mulheres (7,70%) a retirada dos restos se deu por pinça

endoscópica de pequeno calibre. Como dito anteriormente, em duas dessas

seis mulheres, não havia RTT, mas apenas a presença de endometrite, tendo

sido realizado somente a biópsia de endométrio para confirmação diagnóstica

(vide tabela 05).

35

Tabela 5. Aspectos do tipo de anestesia e da técnic a de VH utilizada nas

78 mulheres com RTT

N (%)

Tipo de anestesia

Anestesia local - ambulatorial

03 (3,80%)

Anestesia Geral – day hospital

Tipo de tratamento

Tratamento AMIU + VH (Alça)

75 (96,20%)

37 (47,43%)

Tratamento somente VH:

Somente (Alça)

Somente (pinça)

41

35 (44,87%)

06 (7,70%)

Ao final de toda VH era realizada de rotina uma revisão da cavidade

uterina para que o cirurgião tivesse a certeza de esvaziamento completo. Essa

certeza somente é obtida quando se tem boa visibilidade da cavidade uterina.

Em 73 VHs (93,58%) foi obtida uma boa visão ao final do procedimento e em

05 (6,41%) não se pode obter uma boa avaliação final da cavidade uterina, por

conta das dimensões aumentadas do útero e da presença de sangramento

aumentado.

A freqüência de complicação provocada pelo tratamento vídeo-

histeroscópico também foi avaliada. Das 78 pacientes, apenas uma teve

complicação durante a VH (1,28%). Esta complicação ocorreu em uma mulher

que chegou a apresentar sintomas de congestão pulmonar (sobrecarga hídrica)

após o procedimento. A congestão pulmonar foi tratada com diuréticos e

36

oxigênio nasal, houve monitoramento por 24 h em unidade intensiva e

observação na enfermaria por mais 48 h, quando recebeu alta.

A revisão em um segundo tempo após a VH (acima de 30 dias) foi

realizada em 44 mulheres (61,97%) que retornaram aos serviços conforme

solicitado. 27 (38,02%) não se dispuseram a realizar a revisão pós-tratamento

nem por USG, nem por VH, mas através de contato telefônico todas referiram

estar bem fisicamente e menstruando normalmente. Sete mulheres (8,97%)

que não retornaram para a revisão não puderam ser contatadas por meio

telefônico (vide tabela 06).

A revisão das 44 mulheres após o tratamento por VH foi realizada

através de consulta ginecológica e realização de USG transvaginal em 30

mulheres (68,18%) e por VH diagnóstica ambulatorial em 14 (31,82%)

mulheres (vide tabela 06).

Das 44 mulheres que fizeram revisão em 40 (90,90%) o exame foi

normal e em quatro pacientes os resultados apresentavam-se alterados

(9,10%). Houve um caso de endometrite, dois casos de sinéquias e um caso de

permanência de restos (vide tabela 06).

O exame histopatológico confirmou o diagnóstico da VH em 76 mulheres

(97,44%), e em dois exames (2,56 %) houve divergência entre o diagnóstico

histeroscópico e o diagnóstico histopatológico. (vide tabela 06). Nesses casos o

diagnóstico histopatológico foi de endométrio secretor e mioma degenerado.

37

Tabela 6. Características dos 44 exames de revisão pós-tratamento por

VH.

N (%)

Método de revisão

Revisão por USG

30 (68,18%)

Revisão por VH

Resultados da revisão

Exame normal

14 (31,81%)

40 (90,90%)

Sinéquias

Endometrite

Permanência de restos

VH e exame histopatológico

Discordância VH x histopatológico

Concordância VH x histopatológico

02 (4,54%)

01 (2,27)

01 (2,27%)

02 (2,56%)

76 (97,44%)

38

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A média de idade 32 anos é compatível com o observado em estudo

realizado na França por Faivre et al (2009), porém a variação etária em nossa

pesquisa foi de 17- 49 anos, enquanto a do estudo francês foi de 28-37 anos.

Dankert et al (2008), na Holanda, encontraram uma faixa etária em mulheres

com RTT de 25-37 anos. A diferença da nossa faixa etária para a destes

estudos provavelmente acontece porque a taxa de gestação em adolescentes

e mulheres mais jovens em nosso país é maior que em países desenvolvidos.

O estudo demonstrou que 43 (55,12%) mulheres com RTT eram

nulíparas e a maioria das mulheres 54 (69,23 %) não tinha história de

abortamento anterior, esses dados concordam com a literatura. Heisterberg e

Kringelbach (1987) e Nesheim (1984), observaram que as nulíparas são as que

mais apresentam a possibilidade de RTT e complicações do seu tratamento.

Esse dado também é observado quando a RTT é pós-parto, conforme

relataram Dankert et al (2008).

A maioria dos casos de RTT se dá por retenção de tecido pós-

abortamento (Van den Bosch, 2008), cuja principal manifestação é o

sangramento anormal, fato também observado nas internações por RTT tanto

no serviço público quanto no serviço privado da nossa pesquisa.

O fato de que a maioria das mulheres incluídas em nosso estudo foi

proveniente de serviço privado ocorreu porque a utilização da VH nas

complicações puerperais da RTT é pouco divulgada e difundida, principalmente

nos hospitais públicos do Rio de Janeiro. Colabora com esta pouca difusão o

fato de que ainda existem poucos estudos sobre sua utilização nestes casos e

tampouco há um protocolo de atendimento melhor definido. Outra dificuldade

39

da referência das mulheres com diagnóstico de RTT para realização de VH no

serviço público é o receio dos profissionais de que a demora para a execução

do procedimento possa agravar as condições clínicas da mulher. Este exame,

embora de larga aplicação nos serviços de ginecologia, nem sempre está

facilmente acessível para utilização em casos de urgência. Já no serviço

privado a utilização da VH se difundiu mais rapidamente entre os médicos

ginecologistas e obstetras. Estes especialistas quando já têm o conhecimento

do uso da VH para abordagem na RTT, encaminhavam as suas pacientes

eventualmente antes mesmo de tentarem a realização da curetagem uterina ou

AMIU.

Na literatura especializada, o tratamento de primeira escolha para a

RTT é a AMIU (Soulat C e Gelly M, 2006, Pereira PP et al, 2006 e Kulier R,

2004,), porém, a nossa amostra contém um número elevado de mulheres com

RTT sem tratamento prévio 47 mulheres. Estas mulheres apresentavam

poucos sintomas e os médicos que as assistiam optaram por realizar a VH para

obter a certeza do diagnóstico e eventualmente seu tratamento, uma vez que

nem sempre o diagnostico ultrassonográfico é definitivo. Após a confirmação

diagnóstica foi realizado o esvaziamento monitorizado pela VH. Não obstante

tenha sido realizada a VH como primeira forma de tratamento é importante a

realização de novos estudos para avaliar a indicação da VH cirúrgica nesses

casos.

A ultrassonografia de controle pós-parto vaginal e pós-abortamento foi

estudada por Van Den Bosch (2008) que verificou uma taxa de 6,3% de RTT

com 63% das mulheres necessitando de intervenção cirúrgica. O restante dos

casos teve resolução espontânea.

40

Um terço dos diagnósticos de RTT em nosso estudo foi realizado devido

a uma ultrasonografia de controle após abortamento espontâneo. Isso

provavelmente ocorreu pela dúvida do médico assistente em relação à

presença de RTT ou por ser uma conduta de rotina do profissional a solicitação

do exame de imagem para confirmar a retirada de todo o material durante a

curetagem.

O sintoma mais freqüente da RTT encontrado em nosso estudo foi o

sangramento transvaginal anormal. O percentual observado foi semelhante ao

descrito em estudos sobre tratamento de RTT realizados por Dankert et al

(2008) e van den Bosch (2008). Inclusive a RTT foi a principal causa de

hemorragia pós-parto como relatado por Hoveyda (2001), ao avaliar a causa de

sangramentos puerperais.

A infecção do tecido endometrial também foi a complicação observada

em 9,67% das mulheres no estudo cubano de León (2001). Nesse estudo a

principal causa de re-ingresso hospitalar das pacientes já curetadas era febre e

dor, enquanto que em nossa pesquisa a principal causa de internação foi o

sangramento anormal e o diagnostico de RTT após exame ultrassonográfico de

rotina.

Durante a VH foi feito o diagnóstico de perfuração uterina pós-curetagem

por abortamento em duas mulheres (2,56%), semelhante ao estudo de León

(2001), que observou três casos em 62 mulheres (4,83%).

Duas pacientes apresentavam sinéquias uterinas diagnosticadas na VH,

nesses casos, as mulheres tinham sido submetidas a mais de uma curetagem

uterina prévia.

41

Em nosso estudo, quando da indicação da VH, havia um percentual

elevado de mulheres que tinham sido submetidas a uma ou mais curetagens

uterinas sem sucesso, permanecendo com restos. Dankert et al (2008), em seu

estudo de RTT pós-parto cita Hoveyda e Pather, referindo a necessidade de

mais de uma curetagem em 7% das mulheres com hemorragias puerperais. Já

Cohen et al (2001) refere que cerca de 20% das pacientes submetidas à

segunda curetagem pelo mesmo aborto permanecem com algum tipo de

restos. Provavelmente esse percentual alto em nosso estudo se deve ao perfil

dos serviços de VH, tanto público quanto privado, onde foi realizada a nossa

pesquisa, pois são de referência na cidade do Rio de Janeiro, aumentando

assim os casos mais complicados.

Em nosso estudo a VH funcionou como método diagnóstico em duas

mulheres que apresentavam apenas endometrite, mas cujo exame

ultrassonográfico sugeria RTT. Devido a VH foram evitadas duas curetagens

uterinas.

Um dos primeiros trabalhos descrevendo a abordagem terapêutica da

RTT foi realizado por Morimoto et al (1981), que sugeriu o uso da VH como

forma de monitoramento, antes e depois da curetagem uterina e/ou da

aspiração, referindo que estas seriam mais simples, efetivas e seguras. Foi

este tipo de abordagem que realizamos quando havia grande quantidade de

material retido. Porém, atualmente, diferente de Morimoto, quando na AMIU

e/ou curetagem ao final persistem restos, ao invés de se realizar nova

curetagem, se retira o material sob visão histeroscópica (Goldenberg M. et al,

1997, Cohen SB. et al, 2001 e Leone F. et al, 2005).

42

O tratamento exclusivo por VH, nos casos de pouca a moderada

quantidade de material, também já foi descrito por Cohen et al (2001), Dankert

et al ( 2008) e Faivre et al (2009).

Em VH a boa visibilidade da cavidade uterina ao final do procedimento é

quase essencial para determinar o sucesso do tratamento. Esta visualização foi

alcançada em 93,60 % dos casos de nosso estudo. Os cinco (6,40%) casos em

que não se conseguiu essa boa visibilidade ocorreram por conta das

dimensões aumentadas do útero e da presença de sangramento profuso.

Avaliando retrospectivamente podemos concluir que estes casos seriam uma

possível contra-indicação do tratamento vídeo histeroscópico. Não

encontramos esse dado em nenhum trabalho publicado até o momento.

Dentre todos os casos em que ocorreu dificuldade de boa visualização

da cavidade uterina ao final da VH, com má visualização da cavidade uterina

ao final da VH, três estavam com cavidade uterina normal. Uma mulher não

retornou para revisão, e apenas uma apresentou restos após a VH, sendo

resolvido com uma segunda VH. Apesar de não haver uma boa visão da

cavidade uterina ao final do procedimento, em apenas um caso dos 78 revistos,

não obtivemos sucesso na primeira VH (complicada pela ocorrência de

sobrecarga hídrica).

Apenas uma das 78 mulheres do estudo não obteve resolução completa

pela primeira VH, pois o procedimento teve de ser suspenso devido à

complicações clínicas (sobrecarga hídrica). Neste caso houve necessidade de

dois procedimentos por VH para o esvaziamento completo da cavidade uterina,

porém, era um caso já complicado por três curetagens prévias a VH.

43

Comparando o resultado dos dois exames histopatológicos que não

concordaram com o exame de VH, podemos sugerir que as alterações da

gestação sobre o endométrio, sobre formações polipoides e sobre nódulos

miomatosos submucosos, além das alterações provocadas pelo tempo de

retenção dos tecidos (inflamação, degeneração, calcificação), podem parecer

sinais de restos ovulares ou placentários à VH. Também o procedimento de

lavagem e aspiração que ocorre durante a VH pode ser suficiente para retirar o

material necrótico e a fibrina que estava depositada sobre o material retido

retirado, explicando a ausência de tecido trofoblástico demonstrada no exame

histopatológico.

Quando avaliamos o resultado da revisão tardia, tivemos 04 (9,10%)

exames alterados. Dois casos de sinéquias, um caso de permanência de restos

e um de endometrite.

Analisando os dois casos de sinéquias, na revisão pós VH, observamos

que essas duas mulheres tinham sofrido mais manipulação úterina, além do

tratamento por VH: elas tinham sido submetidas a mais de uma curetagem

uterina para resolução de RTT e posteriormente foram submetidas à VH.

Nesses casos todas as sinéquias eram leves, e foram liberadas durante o

exame de revisão histeroscópico. Ou seja, os únicos casos de sinéquias pós

VH já haviam sido descritos no exame diagnóstico devido à manipulação

uterina anterior, não sendo causados pela VH. O único caso de endometrite, já

havia sido diagnosticado na primeira VH e o tratamento teve de ser repetido.

44

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em nosso estudo, a VH demonstrou ser um método seguro, eficaz e

resolutivo para abordagem dos casos de RTT complicados ou não. A VH pode

ser utilizada tanto para confirmar o diagnóstico, quanto para orientar a

realização do tratamento convencional, que é realizado pela AMIU e D&C.

O método também foi eficaz para confirmar o esvaziamento completo da

cavidade uterina após o tratamento convencional e se presta a completá-lo

caso isso não tenha ocorrido. Na revisão dos prontuários de mulheres com

diagnóstico ultrassonográfico de RTT que fizeram parte de nossa amostra,

verificamos que em uma grande proporção dos casos, a VH sozinha pode não

só confirmar o diagnóstico, mas também realizar o esvaziamento uterino

completo.

A VH foi importante ainda para acompanhamento dos casos em que

houve maior manipulação uterina, podendo fazer o diagnóstico e tratamento

precoce de possíveis danos causados ao útero, como a presença de sinéquias

e/ou infecção endometrial subclínica (endometrite).

A VH tem, entretanto, limites para a sua realização e as contra-

indicações do tratamento cirúrgico com a VH devem ser respeitadas. O exame

não deve ser indicado em úteros com histerometria superior a 12 cm e quando

a quantidade de material a ser retirada é muito grande.

O principal uso do método de VH é sem duvida na falha do tratamento

convencional com a D&C ou AMIU. Para nós, ficou evidente a importância de

sua utilização em situações especiais como, por exemplo, em úteros

malformados, miomatosos e implantações ectópicas e/ou acréticas do tecido

trofoblástico, onde a falha do tratamento convencional aconteceu.

45

A VH está disponível em diversos serviços públicos e privados da cidade

do Rio de Janeiro e é de fácil execução para médicos devidamente treinados

no método. Consideramos que o método precisa ser divulgado principalmente

nos serviços públicos e que protocolos de atendimento para os casos

complicados de RTT podem ser feitos juntamente com o estabelecimento de

um sistema de referência para que o atendimento esteja disponível em um

tempo adequado e seguro para a resolução do caso.

A utilização da VH no tratamento dos casos de RTT e mesmo o

alargamento das indicações em que pode ser empregada merece a realização

de mais estudos. Até a conclusão desta pesquisa, não havia ainda na literatura

ensaio clínico randomizado algum, nem estudo de caso controle, mas apenas

relatos de casos e estudos descritivos. Reconhecemos que estudos sobre esse

tema apresentam múltiplos fatores que podem interferir na avaliação do

resultado. Dentre eles podem ser citados a existência de alterações

anatômicas do útero, complicações prévias ao procedimento por VH e aspectos

técnicos relacionados a realização do procedimento como instrumental

específico inadequado e profissional médico pouco experiente. Todavia, este é

um desafio que deve ser enfrentado para que se possa conhecer mais

profundamente as indicações adequadas para a utilização do método.

46

APÊNDICES

1 - INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS

PLANILHA EPIINFO – VH X RTT DADOS GERAIS LOCAL: HSE ( ) CLÍNICA PRIVADA ( ) REGISTRO: INICIAIS DO NOME: IDADE: HISTÓRIA OBSTÉTRICA-GINECOLÓGICA GESTA: PARTOS NORMAIS: PARTOS CESÁREOS: ABORTOS ANTERIORES: CURETAGENS ANTERIORES: CIRURGIA UTERINA PRÉVIA (HISTEROTOMIA): MISSING/NÃO /SIM GESTAÇÃO ATUAL GESTAÇÃO ATUAL

DIAGNÓSTICO 1 DIAGNÓSTICO 2

RESTOS PÓS ABORTO ABORTO CERVICAL

ÚTERO COM MIOMA

ÚTERO MALFORMADO

OVO CEGO

DADOS CLÍNICOS DAS MULHERES ADMITIDAS COM DIAGNÓSTI CO DE RTT

SINTOMA PRÉ VH ACHADO USG EXAME FISICO ALTERADO INFECÇÃO SANGRAMENTO MISSING CURETAGEM/AMIU PRE VH COMPLICAÇÃO PRÉ VH O/1/2 OU MAIS/MISSING YES/NO CHECK LIST PARA COMPLICAÇÕES

( ) PERFURAÇÃO ( ) LACERAÇÃO ( ) INFECÇÃO ( ) SINÉQUIA

CARACTERÍSTICAS DO TRATAMENTO POR VH

VH CONFIRMA US DIAG 1 RESTOS NA VH: Yes RESTOS PÓS ABORTO ( )

47

NO CHECK LIST PARA COMPLICAÇÕES DIAGNOSTICADAS NA VH

PERFURAÇÃO

ENDOMETRITE (INFECÇÃO)

MALFORMAÇÃO

MIOMA

SINÉQUIA

TIPO DE ANESTESIA TIPO TTO VH GERAL ALÇA/ AMIU+ALÇA BLOQUEIO CURETAGEM + ALÇA LOCAL(CERVICAL) JACARÉ VH FINAL BOA VISÃO : Yes/No/Missing COMPLICAÇÃO NA VH TIPO DE COMPLICAÇÃO NA VH YES LACERAÇÃO NO PERFURAÇÃO MISSING RESTOS RETIDOS SANGRAMENTO AUMENTADO HISTOPATOLÓGICO CONFIRMA VH REVISÃO : tempo (dias) : ............ YES YES NO NO MISSING MISSING TIPO DE REVISÃO DIAG NA REVISÃO: VH ( ) ENDOMETRITE/NORMAL USG ( ) RESTOS /SINÉQUIAS GESTAÇÃO PÓS: YES/NO/MISSING MENSTRUOU NORMAL PÓS: YES/NO/MISSING MÉTODO ANTICONCEPCIONAL ? YES/NO/MISSING QUANTO TEMPO (MESES) APÓS VH ENGRAVIDOU : .........

NASCIDO VIVO: YES/NO NOVO ABORTO: YES/NO

48

2- Imagens de Instrumentos de VH

Imagem 01: Ressectoscópio Bipolar

Imagem 02: Alça do ressectoscópio

bipolar

Imagem 03: Pinça de apreensão ¨forceps¨ Imagem 04: Conjunto: Histeroscópio +

camisas de fluxo contínuo

49

3- Imagens de RTT

Tecido trofoblástico retido pós aborto Tecido trofoblástico retido pós aborto

Ressecção com alça de VH Aspecto final da cavidade uterina esvaziada

50

4- Imagens de RTT em gravidez ectópica cervical

Cavidade uterina normal - panorâmica RTT no canal c ervical

Ressecção da RTT com alça de VH Aspecto final do ca nal cervical

51

5- Documento de aprovação do Comitê de Ética

52

5- Documento de aprovação do Comitê de Ética

53

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