Humanizar a terra

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PRLOGO

PRLOGO

As trs obras que conformam o presente volume foram escritas por Silo em Mendoza (Argentina).O Olhar Interior estava concludo no fim do Outono de 1972, tendo sido corrigido em Agosto de 1988. Por sua vez, A Paisagem Interna foi terminado no Inverno de 1981 e sofreu modificaes tambm em Agosto de 1988. Por ltimo, A Paisagem Humana foi redigida completamente em Outubro do mesmo ano.Entre a primeira publicao de O Olhar Interior e a sua correco passaram dezasseis anos. Nesse lapso de tempo, o livro circulou em numerosas lnguas do Oriente e Ocidente, motivando o contacto pessoal e epistolar do autor com leitores de distintas latitudes. Esse facto contribuu certamente para decidir a modificao de vrios captulos do escrito, porque se descobriu que os diferentes substractos culturais a que chegava a obra, produziam inumerveis diferenas na interpretao dos textos. Inclusivamente, houve palavras que puseram srias dificuldades no momento da traduo e que equivocaram mesmo o sentido primitivo com que se utilizaram.O acima dito tambm se aplica para A Paisagem Interna, ainda que, neste caso, tenham mediado sete anos entre a produo original e a elaborao do texto modificado.Possivelmente, fez parte do plano do autor ter realizado esse aggiornamiento dos dois primeiros livros a fim de junt-los com o terceiro. Observe-se que em Agosto de 1988 que se efectuam as correces e, dois meses depois, o terceiro livro aparece terminado. A Paisagem Humana, apesar de manter os traos fundamentais do estilo das duas produes anteriores, destaca diferena delas particularidades do mundo cultural e social, forando uma volta no tratamento dos temas que inevitavelmente arrasta a todos os componentes deste corpo literrio, que conhecemos sob o ttulo de Humanizar a Terra.Outras produes de Silo, totalmente afastadas da forma expositiva da prosa potica, no sofrem as dificuldades que estamos a comentar, ao mesmo tempo que o seu agrupamento ou publicao individual tambm no produz com o resto da sua obra essa interaco de estilo que inegvel no caso presente.

O OLHAR INTERIOR

I. A MEDITAO

1. Aqui se conta como se converte o sem-sentido da vida em sentido e plenitude. 2. Aqui h alegria, amor ao corpo, natureza, humanidade e ao esprito. 3. Aqui renega-se os sacrifcios, o sentimento de culpa e as ameaas do alm!4. Aqui no se ope o terreno ao eterno. 5. Aqui fala-se da revelao interior, qual chega todo aquele que cuidadosamente medita em humilde busca.

II. DISPOSIO PARA COMPREENDER

1. Sei como te sentes porque posso experimentar o teu estado, mas tu no sabes como se experimenta o que digo. Por conseguinte, se te falo com desinteresse daquilo que faz feliz e livre o ser humano, vale a pena que tentes compreender.2. No penses que vais compreender discutindo comigo. Se crs que contrariando isto o teu entendimento se aclara, podes faz-lo, mas no esse o caminho que corresponde neste caso. 3. Se me perguntas qual a atitude que convm, dir-te-ei que a de meditar em profundidade e sem pressa no que te explico aqui. 4. Se replicas que tens coisas mais urgentes com que te ocupares, responderei que, sendo o teu desejo dormir ou morrer, no farei nada para me opr.5. No argumentes to-pouco que te desagrada o meu modo de apresentar as coisas, porque isso no dizes da casca quando te agrada o fruto.6. Exponho do modo que me parece conveniente, no daquele que seria desejvel para quem aspira a coisas afastadas da verdade interior.

III. O SEM-SENTIDO

Em muitos dias descobri este grande paradoxo: aqueles que levaram o fracasso no seu corao puderam iluminar o ltimo triunfo; aqueles que se sentiram triunfadores, ficaram no caminho como vegetais de vida difusa e apagada. Em muitos dias cheguei eu luz, vindo das mais obscuras escurides, guiado no por ensinamentos, mas por meditao. Eis o que disse a mim mesmo no primeiro dia:

1. No h sentido na vida se tudo termina com a morte. 2. Toda a justificao das aces, sejam estas desprezveis ou excelentes, sempre um novo sonho que deixa o vazio pela frente. 3. Deus no algo certo.4. A f to varivel como a razo e o sonho. 5. "O que se deve fazer" pode-se discutir na totalidade, e no h argumento definitivo em apoio das explicaes. 6. "A responsabilidade" de quem se compromete com algo, no maior do que a responsabilidade daquele que no se compromete. 7. Movo-me segundo os meus interesses e isto no me converte em cobarde, nem to-pouco em heri. 8. "Os meus interesses" no justificam nem desacreditam nada. 9. "As minhas razes" no so melhores nem piores do que as razes de outros. 10. A crueldade horroriza-me, mas no por isso em si mesma pior ou melhor que a bondade. 11. O dito hoje, por mim ou por outros, no vale amanh. 12. Morrer no melhor que viver ou no ter nascido, mas tambm no pior.13. Descobri, no por ensinamento, mas sim por experincia e meditao, que no h sentido na vida se tudo termina com a morte.

IV. A DEPENDNCIA

O dia segundo:

1. Tudo o que fao, sinto e penso no depende de mim.2. Sou varivel e dependo da aco do meio. Quando quero mudar o meio ou o meu "eu", o meio que me muda. Ento procuro a cidade ou a natureza, a redeno social ou uma nova luta que justifique a minha existncia... Em cada um desses casos, o meio leva-me a decidir por uma ou por outra atitude. Dessa maneira, os meus interesses e o meio aqui me deixam. 3. Digo, ento, que no importa o qu ou quem decide. Digo nessas ocasies que tenho que viver, j que estou em situao de viver. Digo tudo isto, mas no h nada que o justifique. Posso decidir-me, vacilar ou permanecer. De qualquer maneira, uma coisa melhor que outra provisoriamente, mas no h "melhor" nem "pior" em definitivo. 4. Se algum me diz que aquele que no come morre, responder-lhe-ei que assim , com efeito, e que obrigado a comer aguilhoado pelas suas necessidades, mas no acrescentarei a isso que a sua luta por comer justifica a sua existncia. Tambm no direi que isso seja mau. Direi, com simplicidade que se trata de um facto individual ou colectivamente necessrio para a subsistncia, mas sem sentido no momento em que se perde a ltima batalha. 5. Direi, alm disso, que me solidarizo com a luta do pobre e do explorado e do perseguido. Direi que me sinto "realizado" com tal identificao, mas compreenderei que nada justifico.

V. A SUSPEITA DO SENTIDO

O dia terceiro:

1. s vezes adiantei-me a factos que depois aconteceram. 2. s vezes captei um pensamento longnquo. 3. s vezes descrevi lugares que nunca visitei.4. s vezes relatei com exactido o que aconteceu na minha ausncia. 5. s vezes uma alegria imensa surpreendeu-me. 6. s vezes uma compreenso total invadiu-me. 7. s vezes uma comunho perfeita com tudo extasiou-me. 8. s vezes rompi os meus devaneios e vi a realidade de um modo novo. 9. s vezes reconheci como se visse novamente, algo que via pela primeira vez.

... E tudo isso deu-me que pensar. Dou-me conta que, sem essas experincias, no podia ter sado do sem-sentido.

VI. SONHO E DESPERTAR

O dia quarto:

1. No posso tomar como real o que vejo nos meus sonhos; nem o que vejo em semi-sono; nem o que vejo desperto, mas devaneando. 2. Posso tomar como real o que vejo desperto e sem devaneio. Isto no se refere ao que registam os meus sentidos, mas sim s actividades da minha mente quando se referem aos "dados" pensados. Porque os dados ingnuos e duvidosos so entregues pelos sentidos externos e tambm pelos internos, e tambm pela memria. O que vlido que a minha mente sabe disso quando est desperta e cr nisso quando est adormecida. Raras vezes percebo o real de um modo novo e ento compreendo que o que se v normalmente, parece-se com o sonho ou parece-se com o semi-sono.

H uma forma real de estar desperto: a que me tem levado a meditar profundamente sobre o que foi dito at aqui. E , alm disso, a que me abriu a porta para descobrir o sentido de tudo o que existe.

VII. PRESENA DA FORA

O dia quinto:

1. Quando estava realmente desperto, ia escalando de compreenso em compreenso. 2. Quando estava realmente desperto e me faltava vigor para continuar a ascenso, podia extrair a Fora de mim mesmo. Ela estava em todo o meu corpo. Toda a energia estava at nas mais pequenas clulas do meu corpo. Esta energia circulava e era mais veloz e intensa que o sangue.3. Descobri que a energia se concentrava nos pontos do meu corpo quando estes actuavam e se ausentava quando neles no havia aco. 4. Durante as doenas, a energia faltava ou acumulava-se exactamente nos pontos afectados. Mas, se conseguia restabelecer a sua passagem normal, muitas doenas comeavam a retroceder.

Alguns povos conheceram isto e actuaram restabelecendo a energia mediante diversos procedimentos, que hoje nos so estranhos. Alguns povos conheceram isto e os seus eleitos actuaram, comunicando essa energia a outros, e produziram-se "iluminaes" de compreenso e at "milagres" fsicos.

VIII. CONTROLO DA FORA

O dia sexto:

1. H uma forma de dirigir e concentrar a Fora que circula pelo corpo. 2. H pontos de controlo no corpo. Deles depende o que conhecemos como movimento, emoo e ideia. Quando a energia actua nesses pontos, produzem-se as manifestaes motrizes, emotivas e intelectuais. 3. Segundo a energia actue mais interna ou superficialmente no corpo, surge o sono profundo, o semi-sono ou o estado de desperto... Certamente, as aurolas que rodeiam o corpo ou a cabea dos santos (ou dos grandes despertos), nas pinturas das religies, aludem a esse fenmeno da energia que, em ocasies, se manifesta mais externamente. 4. H um ponto de controlo do estar-desperto-verdadeiro e h uma forma de levar a Fora at ele. 5. Quando se leva a energia a esse lugar, todos os outros pontos de controlo movem-se de modo alterado.

Ao entender isto e ao lanar a Fora a esse ponto superior, todo o meu corpo sentiu o impacto de uma energia enorme e ela golpeou fortemente a minha conscincia, e ascendi de compreenso em compreenso. Mas tambm observei que podia descer em direco s profundidades da mente se perdesse o controlo da energia. Recordei ento as lendas sobre os "cus" e os "infernos" e vi a linha divisria entre ambos estados mentais.

IX. MANIFESTACES DA ENERGIA

O dia stimo:

1. Esta energia em movimento podia "tornar-se independente" do corpo, mantendo a sua unidade. 2. Esta energia unida era uma espcie de "duplo corpo" que correspondia representao cenestsica do prprio corpo, no interior do espao de representao (da existncia deste espao, assim como das representaes que correspondiam s sensaes internas do corpo, as cincias que tratavam dos fenmenos mentais no davam notcia suficiente). 3. A energia des-dobrada (quer dizer: imaginada como "fora" do corpo, ou "separada" da base material) dissolvia-se como imagem ou representava-se correctamente, dependendo da unidade interna que tivesse quem operava assim. 4. Pude comprovar que a "exteriorizao" dessa energia (representao do prprio corpo como "fora" do corpo) produzia-se j desde os nveis mais baixos da mente. Nesses casos, sucedia que o atentado contra a unidade mais primria da vida, provocava essa resposta para salvaguardar o ameaado. Por isso, no transe de alguns mdiums, cujo nvel de conscincia era baixo e cuja unidade interna estava em perigo, estas respostas eram involuntrias e no eram reconhecidas como sendo produzidas por eles mesmos, mas sim atribudas a outras entidades. Os "fantasmas" ou "espritos" de alguns povos ou de alguns adivinhos no eram seno os prprios "duplos" (as prprias representaes) daquelas pessoas que se sentiam tomadas por eles. Como o seu estado mental estava escurecido (em transe), por terem perdido o controlo da Fora, sentiam-se manejadas por seres estranhos que s vezes produziam fenmenos notveis. Sem dvida que muitos "endemoninhados" sofreram tais efeitos. O decisivo era, ento, o controlo da Fora. Isto fazia variar por completo tanto a minha concepo da vida corrente, como da vida posterior morte. Mediante estes pensamentos e experincias, fui perdendo f na morte e desde ento no creio nela, como no creio no sem-sentido da vida.

X. EVIDNCIA DO SENTIDO

O dia oitavo:

1. A real importncia da vida desperta tornou-se-me patente. 2. A real importncia de destruir as contradies internas convenceu-me. 3. A real importncia de manejar a Fora, a fim de conseguir unidade e continuidade, encheu-me de um alegre sentido.

XI. O CENTRO LUMINOSO

O dia nono:

1. Na Fora estava a "luz" que provinha de um "centro".2. Na dissoluo da energia havia um afastamento do centro e, na sua unificao e evoluo, um correspondente funcionamento do centro luminoso. No me estranhou encontrar em antigos povos a devoo pelo deus-Sol e vi que, se alguns adoraram o astro porque dava vida sua terra e natureza, outros perceberam nesse corpo majestoso o smbolo de uma realidade maior.Houve quem fosse mais longe ainda e recebesse desse centro incontveis dons, que s vezes "desceram" como lnguas de fogo sobre os inspirados, s vezes como esferas luminosas, s vezes como saras ardentes que se apresentaram diante do temeroso crente.

XII. OS DESCOBRIMENTOS

O dia dcimo:

Poucos, mas importantes, foram os meus descobrimentos, que resumo deste modo: 1. A Fora circula pelo corpo involuntariamente, mas pode ser orientada por um esforo consciente. A consecuo de uma mudana dirigida do nvel de conscincia oferece ao ser humano um importante vislumbre de libertao das condies "naturais", que parecem impr-se conscincia. 2. No corpo existem pontos de controlo das suas diversas actividades.3. H diferenas entre o estado de desperto-verdadeiro e outros nveis de conscincia. 4. Pode conduzir-se a Fora ao ponto do real despertar (entendendo por "Fora" a energia mental que acompanha determinadas imagens e por "ponto" a colocao de uma imagem num "lugar" do espao de representao).

Estas concluses fizeram-me reconhecer nas oraes dos povos antigos, o grmen de uma grande verdade que se obscureceu nos ritos e prticas externas, no tendo eles chegado a desenvolver o trabalho interno que, realizado com perfeio, pe o Homem em contacto com a sua fonte luminosa.Finalmente, dei-me conta de que os meus "descobrimentos" no eram tais, mas sim que se deviam revelao interior a que acede todo aquele que, sem contradies, procura a luz no seu prprio corao.

XIII. OS PRINCPIOS

Diferente a atitude perante a vida e as coisas quando a revelao interna fere como um raio. Seguindo os passos lentamente, meditando no dito e no ainda por dizer, podes converter o sem-sentido em sentido. No indiferente o que faas com a tua vida. A tua vida, submetida a leis, est exposta perante possibilidades a escolher. Eu no te falo de liberdade. Falo-te de libertao, de movimento, de processo. No te falo de liberdade como algo quieto, mas sim de libertar-se passo a passo, como se vai libertando do necessrio caminho percorrido aquele que se aproxima da sua cidade. Ento, "o que se deve fazer" no depende de uma moral longnqua, incompreensivel e convencional, mas sim de leis: leis de vida, de luz, de evoluo. Eis os chamados "Princpios" que podem ajudar na busca da unidade interior. 1. Ir contra a evoluo das coisas ir contra si mesmo. 2. Quando foras algo para um fim, produzes o contrrio. 3. No te oponhas a uma grande fora. Retrocede at que ela se debilite; ento, avana com resoluo. 4. As coisas esto bem quando avanam em conjunto, no isoladamente. 5. Se para ti esto bem o dia e a noite, o Vero e o Inverno, superaste as contradies. 6. Se persegues o prazer, acorrentas-te ao sofrimento. Mas, contanto que no prejudiques a tua sade, goza sem inibio quando a oportunidade se apresente. 7. Se persegues um fim, acorrentas-te. Se tudo o que fazes realizado como se fosse um fim em si mesmo, libertas-te. 8. Fars desaparecer os teus conflitos quando os entendas na sua ltima raiz e no quando os queiras resolver. 9. Quando prejudicas os demais, ficas acorrentado. Mas, se no prejudicas outros, podes fazer tudo o que queiras com liberdade. 10. Quando tratas os outros como queres que te tratem, libertas-te. 11. No importa em que faco ou grupo te puseram os acontecimentos. O que importa que compreendas que tu no escolheste nenhum grupo. 12. Os actos contraditrios ou unitivos acumulam-se em ti. Se repetes os teus actos de unidade interna, j nada poder deter-te.

Sers como uma fora da natureza quando sua passagem no encontra resistncia. Aprende a distinguir aquilo que dificuldade, problema, inconveniente, disto que contradio. Se aqueles te movem ou te incitam, esta imobiliza-te num crculo fechado. Quando encontres uma grande fora, alegria e bondade no teu corao; ou quando te sintas livre e sem contradies, imediatamente agradece no teu interior. Quando te acontea o contrrio, pede com f e aquele agradecimento que acumulaste voltar convertido e ampliado em benefcio.

XIV. O GUIA DO CAMINHO INTERNO

Se compreendeste o que foi explicado at aqui, podes ento experimentar, mediante um simples trabalho, a manifestao da Fora. Ora bem, no igual observares uma posio mental mais ou menos correcta (como se se tratasse de uma disposio para uma actividade tcnica) do que assumires um tom e uma abertura emotiva prxima quela que inspiram os poemas. por isso que a linguagem usada para transmitir estas verdades tende a facilitar essa postura, que pe mais fcilmente em presena da percepo interna e no de uma ideia cerca da "percepo interna".Agora segue com ateno o que te vou explicar, j que trata da paisagem interior que podes encontrar ao trabalhar com a Fora e das direces que podes imprimir aos teus movimentos mentais. "Pelo caminho interno podes andar escurecido ou luminoso. Atenta s duas vias que se abrem diante de ti. Se deixas que o teu ser se lance em direco a regies obscuras, o teu corpo ganha a batalha e ele domina. Ento, brotaro sensaes e aparncias de espritos, de foras, de recordaes. Por a desce-se mais e mais. Ali esto o dio, a Vingana, a Estranheza, a Possesso, os Cimes, o Desejo de Permanecer. Se desces mais ainda, invadir-te-o a Frustrao, o Ressentimento e todos aqueles devaneios e desejos que tm provocado runa e morte humanidade. Se impeles o teu ser em direco luminosa, encontrars resistncia e fadiga a cada passo. Esta fadiga da ascenso tem culpados. A tua vida pesa, as tuas recordaes pesam, as tuas aces anteriores impedem a ascenso. Esta escalada difcil por aco do teu corpo que tende a dominar. Nos passos da ascenso encontram-se regies estranhas, de cores puras e de sons no conhecidos. No fujas da purificao que actua como o fogo e que horroriza com os seus fantasmas.Repele o sobressalto e o desalento.Repele o desejo de fugir para regies baixas e obscuras. Repele o apego s recordaes.Fica em liberdade interior, indiferente ao devaneio da paisagem, com resoluo na ascenso.A luz pura clareia nos cumes das altas cadeias montanhosas e as guas das mil-cores descem, por entre melodias irreconhecveis, para mesetas e pradarias cristalinas. No temas a presso da luz que te afasta do seu centro cada vez com mais fora. Absorve-a como se fosse um lquido ou um vento, porque nela, certamente, est a vida. Quando, na grande cadeia montanhosa, encontres a cidade escondida, deves conhecer a entrada. Mas, isto sab-lo-s no momento em que a tua vida seja transformada. As suas enormes muralhas esto escritas em figuras, esto escritas em cores, esto "sentidas". Nesta cidade guarda-se o feito e o que est por fazer... Mas, para o teu olho interno opaco o transparente. Sim, os muros so-te impenetrveis! Toma a Fora da cidade escondida. Volta ao mundo da vida densa, com a tua fronte e as tuas mos luminosas.

XV. A EXPERINCIA DE PAZ E A PASSAGEM DA FORA

1. Relaxa plenamente o teu corpo e aquieta a mente. Ento, imagina uma esfera transparente e luminosa que, descendo para ti, termina por alojar-se no teu corao. Reconhecers imediatamente que a esfera deixa de aparecer como imagem para se transformar em sensao dentro do peito. 2. Observa como a sensao da esfera se expande lentamente, do teu corao para fora do corpo, ao mesmo tempo que a tua respirao se torna mais ampla e profunda. Ao chegar a sensao aos limites do corpo, podes deter a toda a operao e registar a experincia de paz interior. Nela podes permanecer o tempo que te parea adequado. Ento, faz retroceder essa expanso anterior (chegando, como de comeo, ao corao), para te desprenderes da tua esfera e concluir o exerccio calmo e reconfortado. A este trabalho chama-se-lhe "experincia de paz".3. Porm, ao invs, se quisesses experimentar a passagem da Fora, em vez de retroceder na expanso deverias aument-la, deixando que as tuas emoes e todo o teu ser a sigam. No trates de pr a tua ateno na respirao... Deixa que ela actue por si s, enquanto segues a expanso fora do teu corpo. 4. Devo repetir-te isto: a tua ateno, em tais momentos, deve estar posta na sensao da esfera que se expande. Se no o consegues, convm que te detenhas e o tentes noutra oportunidade. De qualquer maneira, se no produzes a passagem, poders experimentar uma interessante sensao de paz. 5. Se, ao invs, foste mais longe, comears a experimentar a passagem. Das tuas mos e outras zonas do corpo, chegar-te- um tom de sensao diferente do habitual. Depois, sentirs ondulaes progressivas e, em pouco tempo, brotaro com vigor imagens e emoes. Deixa ento que se produza a passagem... 6. Ao receber a Fora, percepcionars a luz ou estranhos sons dependentes do teu particular modo de representao habitual. Em qualquer caso, importante ser a experimentao da ampliao da conscincia, um de cujos indicadores dever ser uma maior lucidez e disposio para compreender o que ocorre. 7. Quando desejares, podes terminar com esse singular estado (se que antes no se foi diluindo pelo simples decorrer), imaginando ou sentindo que a esfera se contrai e depois sai de ti, do mesmo modo que chegou ao comear tudo aquilo. 8. Interessa compreender que numerosos estados alterados de conscincia tm sido e so conseguidos, quase sempre, pondo em marcha mecanismos similares aos descritos. Naturalmente, revestidos de estranhos rituais ou s vezes reforados com prticas de esgotamento, desenfreamento motriz, repetio e posturas que, em todos os casos, alteram a respirao e distorcem a sensao geral do intracorpo. Deves reconhecer nesse campo a hipnose, a mediunidade e tambm a aco de droga que, actuando por outra via, produzem semelhantes alteraes. E, claro, todos os casos mencionados tm como signo o no controlo e o desconhecimento do que se passa. Desconfia dessas manifestaes e considera-as simples "transes", pelos quais passaram os ignorantes, os experimentadores e ainda os "santos", segundo contam as lendas. 9. Se trabalhaste observando o recomendado, pode acontecer, no obstante, que no tenhas conseguido a passagem. Isso no se pode converter em foco de preocupao, mas sim em indicador de falta de "soltura" interior, o que poderia reflectir muita tenso, problemas na dinmica de imagem e, em suma, fragmentao no comportamento emotivo... Coisa que, por outro lado, estar presente na vida quotidiana.

XVI. PROJECO DA FORA

1. Se experimentaste a passagem da Fora, poders compreender como, baseando-se em fenmenos similares, mas sem nenhuma compreenso, distintos povos puseram em marcha ritos e cultos que depois se multiplicaram sem cessar. Assim, quando, por experincias antes comentadas, as pessoas sentiram o seu corpo "desdobrado" e a experincia da Fora lhes deu a sensao de que (ao ampliar-se a representao) esta energia estava "fora", acreditaram que podiam project-la para fora de si. 2. A Fora foi "projectada" para outros e tambm para objectos particularmente "aptos" para receb-la e conserv-la. Confio em que no te ser difcil entender a funo que tiveram certos sacramentos em distintas religies e, igualmente, o significado de lugares sagrados e de sacerdotes supostamente "carregados" com a Fora (com especiais "dons"). Quando alguns objectos foram adorados com f nos templos e rodeados de cerimnia e rito, certamente "devolveram" aos crentes a energia acumulada por meio de orao repetida. E uma limitao ao conhecimento do facto humano que, quase sempre, se tenha visto estas coisas pela explicao externa, segundo cultura, espao, histria e tradio; quando a experincia interna bsica um dado essencial para entender tudo isto. 3. Este "projectar", "carregar" e "restituir" a Fora, voltar a ocupar-nos mais adiante. Mas desde j te digo que o mesmo mecanismo continua a operar ainda em sociedades dessacralizadas, onde os lderes e os homens de prestgio esto nimbados de uma especial representao para aquele que os v, que gostaria mesmo de "tocar-lhes" ou apoderar-se de um fragmento das suas roupas ou dos seus utenslios. 4. Porque qualquer representao do "alto" vai do olho para cima da linha normal do olhar. E "altas" so as personalidades que "possuem" a bondade, a sabedoria, e a fora. E no "alto" esto as hierarquias e os poderes e as bandeiras e o Estado. E ns, comuns mortais, devemos "ascender" na escala social e aproximarmo-nos do poder a todo o custo. Que mal estamos, manejados ainda por esses mecanismos (que coincidem com a representao interna, com a nossa cabea no "alto" e os nossos ps colados terra). Que mal estamos, quando se cr nessas coisas (e cr-se porque tm a sua "realidade" na representao interna). Que mal estamos, quando o nosso olhar externo no seno projeco ignorada do interno!

XVII. PERDA E REPRESSO DA FORA

1. As maiores descargas de energia produzem-se por actos descontrolados. Estes so: a imaginao sem travo, a curiosidade sem controlo, a conversao desmedida, a sexualidade excessiva e a percepo exagerada (olhar, ouvir, degustar, etc., de maneira desbordada e sem objectivo). Mas deves reconhecer tambm que muitos procedem desse modo, porque descarregam as suas tenses, que de outro modo lhes seriam dolorosas. Considerando isto e vendo a funo que cumprem tais descargas, convirs comigo que no razovel reprimi-las, mas sim que melhor orden-las. 2. Quanto sexualidade, deves interpretar correctamente isto: tal funo no deve ser reprimida, porque nesse caso cria efeitos mortificantes e contradio interna. A sexualidade orienta-se e conclui no seu acto, mas no conveniente que continue a afectar a imaginao ou a procurar novo objecto de possesso de modo obsessivo. 3. O controlo do sexo por uma determinada "moral" social ou religiosa, serviu desgnios que nada tinham a ver com a evoluo, antes pelo contrrio. 4. A Fora (a energia da representao da sensao do intracorpo) desdobrou-se rumo ao crepuscular nas sociedades reprimidas e ali multiplicaram-se os casos de "endemoninhados", "bruxos", sacrlegos e criminosos de toda a espcie, que gozaram com o sofrimento e a destruio da vida e da beleza. Em algumas tribos e civilizaes, os criminosos estiveram repartidos pelos que ditaram a justia e os justiados. Noutros casos, perseguiu-se tudo o que era cincia e progresso, porque se opunha ao irracional, ao crepuscular e ao reprimido. 5. em certos povos primitivos, existe ainda a represso do sexo, assim como noutros considerados de "civilizao avanada". evidente que, nuns e noutros, o signo destrutivo grande, ainda que nos dois casos a origem de tal situao seja diferente. 6. Se me pedes mais explicaes, dir-te-ei que o sexo na realidade santo e o centro a partir do qual se impulsiona a vida e toda a criatividade; assim como desde ali se impulsiona toda a destruio, quando o seu funcionamento no est resolvido. 7. Jamais creias nas mentiras dos envenenadores da vida, quando se referem ao sexo como algo desprezvel. Pelo contrrio, nele h beleza e no em vo est relacionado com os melhores sentimentos de amor. 8. S cuidadoso ento e considera-o como uma grande maravilha que se deve tratar com delicadeza, sem convert-lo em fonte de contradio ou em desintegrador da energia vital.

XVIII. ACO E REACO DA FORA

Expliquei-te anteriormente: "Quando encontres uma grande fora, alegria e bondade no teu corao ou quando te sintas livre e sem contradies, imediatamente agradece no teu interior."

1. "Agradecer" significa concentrar os estados de nimo positivos, associados a uma imagem, a uma representao. Esse estado positivo, assim ligado, permite que em situaes desfavorveis, por evocar uma coisa, surja aquela que a acompanhou em momentos anteriores. Como, alm disso, esta "carga" mental pode estar elevada por repeties anteriores, ela capaz de desalojar emoes negativas que determinadas circunstncias puderam impr. 2. Por tudo isso, do teu interior voltar ampliado em benefcio aquilo que pedires, sempre que tiveres acumulado em ti numerosos estados positivos. E j no necessito de repetir que este mecanismo serviu (confusamente) para "carregar fora" objectos ou pessoas, ou ento entidades internas que se externalizaram, crendo-se que atenderiam rogos e pedidos.

XIX. OS ESTADOS INTERNOS

Deves adquirir, agora, suficiente percepo dos estados internos em que te podes encontrar ao longo da tua vida e, particularmente, ao longo do teu trabalho evolutivo. No tenho outra maneira de fazer a descrio que no seja com imagens (neste caso, alegorias). Estas, segundo me parece, tm por virtude concentrar "visualmente" estados de nimo complexos. Por outro lado, a singularidade de encadear tais estados, como se fossem distintos momentos de um mesmo processo, introduz uma variante nas descries sempre fragmentadas a que nos habituaram aqueles que se ocupam destas coisas.

1. O primeiro estado, no qual prevalece o sem-sentido (aquele que mencionamos ao princpio), ser chamado "vitalidade difusa". Tudo se orienta pelas necessidades fsicas, mas estas so confundidas amide com desejos e imagens contraditrias. Ali h escurido nos motivos e nas actividades. Permanece-se nesse estado vegetando, perdido entre formas variveis. Desse ponto, pode-se evoluir s por duas vias: a via da morte ou a da mutao. 2. A via da morte pe-te em presena de uma paisagem catica e escura. Os antigos conheceram esta passagem e quase sempre a situaram "abaixo da terra" ou nas profundezas abismais. Tambm alguns visitaram esse reino, para depois "ressuscitar" em nveis luminosos. Capta bem isto de que "abaixo" da morte existe a vitalidade difusa. Talvez a mente humana relacione a desintegrao moral com posteriores fenmenos de transformao e, tambm, talvez associe o movimento difuso com o prvio ao nascimento. Se a tua direco de ascenso, a "morte" significa uma ruptura com a tua etapa anterior. Pela via da morte ascende-se rumo a outro estado. 3. Chegando a ele, encontra-se o refgio da regresso. Dali abrem-se dois caminhos: o do arrependimento e aquele outro que serviu para a ascenso, quer dizer: o caminho da morte. Se tomas o primeiro, porque a tua deciso tende a romper com a tua vida passada. Se regressas pelo caminho da morte, recais nos abismos, com essa sensao de crculo fechado. 4. Ora bem, disse-te que havia outro caminho para escapar da vitalidade abismal, esse era o da mutao. Se escolhes essa via porque queres emergir do teu penoso estado, mas sem estar disposto a abandonar alguns dos seus aparentes benefcios. , pois, um falso caminho, conhecido como o da "mo torcida". Muitos monstros tm sado das profundezas desse sinuoso corredor. Eles tm querido tomar os cus de assalto sem abandonar os infernos e, portanto, tm projectado no mundo mdio infinita contradio.5. Suponho que, ascendendo do reino da morte e pelo teu consciente arrependimento, alcanaste j a morada da tendncia. Prticamente, no te podes deter. Duas finas cornijas sustentam a tua morada: a conservao e a frustrao. A conservao falsa e instvel. Caminhando por ela iludes-te com a ideia de permanncia, mas na realidade desces velozmente. Se tomas o caminho da frustrao, a tua subida penosa, ainda que a nica-no-falsa. 6. De fracasso em fracasso, podes chegar ao prximo descanso que se chama "morada do desvio". Cuidado com as duas vias que tens agora pela frente: ou tomas o caminho da resoluo, que te leva gerao, ou tomas o do ressentimento, que te faz descer novamente para a regresso. Ali ests posto diante do dilema: ou te decides pelo labirinto da vida consciente (e o fazes com resoluo) ou regressas ressentido tua vida anterior. So numerosos os que, no se tendo conseguido superar, cortam a as suas possibilidades. 7. Mas tu, que ascendeste com resoluo, encontras-te agora na pousada conhecida por "gerao". Ali tens trs portas: uma chama-se "Queda", outra "Tentativa" e a terceira "Degradao". A Queda leva-te directamente s profundezas e s um acidente externo poderia empurrar-te para ela. difcil que escolhas essa porta. Enquanto a porta da Degradao te leva indirectamente aos abismos, desandando caminhos numa espcie de espiral turbulenta, em que continuamente reconsideras tudo o que perdeste e tudo o que sacrificaste no altar de um deus ignoto. Este exame de conscincia que leva Degradao , decerto, um falso exame, no qual subestimas e desproporcionas algumas coisas que comparas. Tu cotejas o esforo da ascenso com aqueles "benefcios" que abandonaste. Porm, se olhas as coisas mais de perto, vers que no abandonaste nada por este motivo, mas sim por outros. A Degradao comea, pois, por falsear os motivos que, ao que parece, foram alheios ascenso. Eu pergunto agora: O que atraioa a mente? Talvez os falsos motivos de um entusiasmo inicial? Talvez a dificuldade da empresa? Talvez a falsa recordao de sacrifcios que no existiram ou que foram impelidos por outros motivos? Eu digo-te e pergunto-te agora: a tua casa ardeu h algum tempo. Por isso, decidiste pela ascenso, ou agora pensas que por teres ascendido aquela se incendiou? Olhaste um pouco, por acaso, para o que aconteceu s outras casas dos arredores...? No restam dvidas de que deves escolher a porta mdia.8. Sobe pela escalinata da Tentativa e chegars a uma cpula instvel. Desde a, desloca-te por um corredor estreito e sinuoso que conhecers como a "volubilidade", at chegar a um espao amplo e vazio (como uma plataforma), que tem por nome "espao-aberto da energia".9. Nesse espao, podes espantar-te com a paisagem deserta e imensa, e com o aterrador silncio dessa noite transfigurada por enormes estrelas imveis. Ali, exactamente sobre a tua cabea, vers, cravada no firmamento, a insinuante forma da Lua Negra. Ali, deves esperar a alvorada, paciente e com f, pois nada de mau pode acontecer se te mantiveres calmo. 10. Poderia suceder em tal situao, que quisesses arranjar uma sada imediata dali. Se isso acontece, poderias encaminhar-te s apalpadelas para qualquer lugar, para no ter de esperar o dia prudentemente. Deves recordar que ali (na escurido), qualquer movimento falso e genericamente chamado de "improvisao". Se, esquecendo-te do que agora menciono, comeasses a improvisar movimentos, tem a certeza que serias arrastado num turbilho, por entre sendas e moradas, at ao fundo mais escuro da dissoluo. 11. Que difcil compreender que os estados internos esto encadeados uns nos outros! Se visses que lgica inflexvel tem a conscincia, notarias que, na situao descrita, quem improvisa s cegas fatalmente comea a degradar e a degradar-se; surgem depois nele os sentimentos de frustrao e vai caindo a seguir no ressentimento e na morte, sobrevindo o esquecimento de tudo o que algum dia chegou a percepcionar. 12. Se, na planura, consegues chegar ao dia, surgir ante os teus olhos o radiante sol, que te h-de alumiar pela primeira vez a realidade. Ento, vers que em tudo o que existe vive um Plano. 13. difcil que caias dali, salvo se voluntariamente quiseres descer para regies mais escuras, para levar a luz s trevas.

No valioso desenvolver mais estes temas, porque sem experincia enganam, transportando para o campo do imaginrio aquilo que realizvel. Que valha o que se disse at aqui. Se o que se explicou no te fosse til, que poderias objectar, j que nada tem fundamento e razo para o cepticismo, prximo da imagem de um espelho, do som de um eco, da sombra de uma sombra.

XX. A REALIDADE INTERIOR

1. Repara nas minhas consideraes. Nelas no havers de intuir seno alegricos fenmenos e paisagens do mundo externo. Mas tambm nelas h descries reais do mundo mental. 2. Tambm no deves crer que os "lugares" por onde passas no teu andar, tenham algum tipo de existncia independente. Semelhante confuso fez amide obscurecer profundos ensinamentos e assim, at hoje, alguns crem que cus, infernos, anjos, demnios, monstros, castelos assombrados, cidades remotas e outras coisas mais, tm realidade visvel para os "iluminados". O mesmo preconceito (mas com interpretao inversa) apresou cpticos sem sabedoria, que tomaram essas coisas por simples aluses ou alucinaes padecidas por mentes febris. 3. Devo repetir, ento, que em tudo isto deves compreender que se trata de verdadeiros estados mentais, ainda que simbolizados com objectos sem existncia independente. 4. Tem em conta o que se disse e aprende a des-cobrir a verdade por detrs das alegorias que, em ocasies desviam a mente, mas noutras traduzem realidades impossveis de captar sem representao. Quando se falou das cidades dos deuses, aonde quiseram chegar numerosos heris de diferentes povos; quando se falou de parasos, onde deuses e homens conviviam em original natureza transfigurada; quando se falou de quedas e dilvios, disse-se grande verdade interior. Depois, os redentores trouxeram a Palavra e chegaram a ns em dupla natureza, para restabelecer aquela nostlgica unidade perdida. Tambm, ento, se disse grande verdade interior. No entanto, quando se disse tudo aquilo, colocando-o fora da mente, errou-se ou mentiu-se. De modo inverso, o mundo externo confundido com o interno olhar obriga este a percorrer novos caminhos. Assim, hoje voa em direco s estrelas o heri desta idade. Voa atravs de regies antes ignoradas. Voa para fora do seu mundo e, sem sab-lo, vai impelido at ao interno e luminoso centro.

A PAISAGEM INTERNA

I. A PERGUNTA

1. Eis a minha pergunta: medida que a vida passa, cresce em ti a felicidade, ou o sofrimento? No peas que defina estas palavras. Responde de acordo com o que sentes...

2. Ainda que sbio e poderoso, se no crescem em ti e em quem te rodeia a felicidade e a liberdade, rejeitarei o teu exemplo.

3. Aceita, em troca, a minha proposta: segue o modelo daquilo que nasce, no o do que caminha para a morte. Salta por cima do teu sofrimento e ento, no crescer o abismo, mas sim a vida que h em ti.

4. No h paixo, nem ideia, nem acto humano, que se desentenda do abismo. Portanto, tratemos do nico que merece ser tratado: o abismo e aquilo que o ultrapassa.

II. A REALIDADE

1. Que queres tu? Se dizes que o mais importante o amor ou a segurana, ento falas de estados de nimo, de algo que no vs.

2. Se dizes que o mais importante o dinheiro, o poder, o reconhecimento social, a causa justa, Deus ou a eternidade, ento falas de algo que vs ou imaginas.

3. Pr-nos-emos de acordo, quando disseres: "quero a causa justa porque rejeito o sofrimento!"... "quero isto porque me tranquiliza; no quero aquilo porque me desconcerta ou me violenta".

4. Ser ento que toda a aspirao, toda a inteno, toda a afirmao e toda a negao, tm por centro o teu estado de nimo? Poderias replicar que tanto triste como alegre, um nmero sempre o mesmo e que o sol o sol, ainda que no exista o ser humano.

5. Dir-te-ei que um nmero distinto de si mesmo, segundo tenhas que dar ou receber, e que o sol ocupa mais lugar nos seres humanos do que nos cus.

6. O fulgor de um filamento aceso ou de uma estrela, dana para o teu olho. Assim, no h luz sem olho, e se outro fosse o olho, distinto efeito teria esse fulgor.

7. Portanto, que o teu corao afirme: "amo esse fulgor que vejo!", mas que nunca diga: "nem o sol, nem o filamento, nem a estrela, tm a ver comigo".

8. De que realidade falas ao peixe e ao rptil, ao grande animal, ao insecto pequeno, ave, criana, ao ancio, ao que dorme e ao que frio ou febril, vela no seu clculo ou no seu espanto?

9. Digo que o eco do real murmura ou retumba segundo o ouvido que percebe; que se outro fosse o ouvido, outra melodia teria o que chamas "realidade".

10. Portanto, que o teu corao afirme: "Quero a realidade que construo!"

III. A PAISAGEM EXTERNA

Olha como lentamente caminha esse casal. Enquanto ele enlaa a cintura dela, ela reclina suavemente a cabea sobre o ombro amigvel. E avanam no Outono das folhas que revolteiam crepitantes... na expirao do amarelo, do vermelho e do violeta. Jovens e formosos avanam, porm, para a tarde da nvoa cinzenta. Um chuvisco frio e os jogos das crianas, sem crianas, em jardins desertos.

1. Para alguns, isto reaviva suaves e talvez amveis nostalgias. Para outros liberta sonhos; para alguns mais, promessas que sero cumpridas nos dias radiantes que viro. Assim, perante um mesmo mar, este angustia-se e aquele, reconfortado, expande-se. E mil mais, intimidados, contemplam os penhascos gelados; enquanto outros tantos admiram esses cristais talhados em gigantesca escala. Uns deprimidos, outros exaltados, perante a mesma paisagem.

2. Se a mesma paisagem diferente para duas pessoas, onde est a diferena?

3. H-de acontecer o mesmo com aquilo que se v e aquilo que se escuta. Toma como exemplo a palavra "futuro". Este crispa-se, aquele permanece indiferente e um terceiro sacrificaria o seu "hoje" por ela.

4. Toma como exemplo a msica. Toma como exemplo as palavras com significado social ou religioso.

5. s vezes acontece que uma paisagem reprovada ou aceite pelas multides e pelos povos. Porm, essa reprovao ou aceitao, est na paisagem ou no seio das multides e dos povos?

6. Entre a suspeita e a esperana, a tua vida orienta-se para paisagens que coincidem com algo que h em ti.

7. Todo este mundo que no escolheste, mas que te foi dado para que humanizes, a paisagem que mais cresce quando cresce a vida. Portanto, que o teu corao nunca diga: "Nem o Outono, nem o mar, nem os montes gelados tm a ver comigo", e sim que afirme: "Quero a realidade que construo!"

IV. A PAISAGEM HUMANA

Se at uma estrela longnqua est ligada a ti, o que devo pensar de uma paisagem viva, na qual os veados se esquivam das rvores velhas e os animais selvagens lambem os seus filhotes suavemente? O que devo pensar da paisagem humana, na qual convivendo a opulncia e a misria, umas criancas riem e outras no encontram foras para expressar o seu pranto?

1. Porque se dizes: "Chegmos a outros planetas", deves declarar tambm: "Massacrmos e escravizmos povos inteiros, atestmos as prises com gente que pedia liberdade, mentimos desde o amanhecer at noite... falsemos o nosso afecto, a nossa aco. Atentmos contra a vida a cada passo, porque crimos sofrimento".

2. Nesta paisagem humana conheo o meu caminho. O que acontecer se nos cruzarmos em direco oposta? Eu renuncio a todo o bando que proclame um ideal mais alto do que a vida e a toda a causa que, para se impr, gere sofrimento. Assim, antes de me acusares de no fazer parte de faces, examina as tuas mos, no vs nelas descobrir o sangue dos cmplices. Se crs que valente comprometer-se com aquelas, que dirs desse a quem todos os bandos assassinos acusam de no se comprometer? Quero uma causa digna da paisagem humana: a que se compromete a superar a dor e o sofrimento.

3. Nego todo o direito acusao que provenha de um bando em cuja histria (recente ou antiga) figure a supresso da vida.

4. Nego todo o direito suspeita que provenha daqueles que ocultam os seus rostos suspeitos.

5. Nego todo o direito a bloquear os novos caminhos que o ser humano necessita percorrer, mesmo que se ponha como mximo argumento a urgncia actual.

6. Nem mesmo o pior dos criminosos me estranho. E se o reconheo na paisagem, reconheo-o em mim. Assim, quero superar aquilo que em mim e em todo o homem luta por suprimir a vida. Quero superar o abismo!

Todo o mundo a que aspiras, toda a justia que reclamas, todo o amor que buscas, todo o ser humano que quiseres seguir ou destruir, tambm esto em ti. Tudo o que mude em ti, mudar a tua orientao na paisagem em que vives. De maneira que se necessitas de algo novo, devers superar o velho que domina o teu interior. E como fars isso? Comears por perceber que ainda que mudes de lugar, levas contigo a tua paisagem interna.

V. A PAISAGEM INTERNA

1. Tu procuras o que acreditas que te far feliz. Isso em que acreditas, porm, no coincide com o que outro procura. Poderia acontecer que tu e aquele almejassem coisas opostas e que chegassem a acreditar que a felicidade de um se ope do outro, ou ento, que almejassem a mesma coisa e sendo esta nica ou escassa, chegassem a acreditar, da mesma forma, que a felicidade de um se ope do outro.

2. Ao que parece, poder-se-ia disputar tanto por um mesmo objecto quanto por objectos opostos entre si. Estranha lgica a das crenas, capaz de mobilizar um comportamento similar com respeito a um objecto e ao seu oposto! 3. H-de estar na medula do que acreditas, a chave do que fazes. To poderosa a fascinao do que acreditas, que afirmas a sua realidade ainda que s exista na tua cabea. 4. Porm, voltando ao ponto inicial: tu procuras o que crs que te far feliz. Aquilo que acreditas das coisas, no est nelas mas sim na tua paisagem interna. Quando tu e eu olhamos essa flor, podemos coincidir em muitas coisas. Porm, quando dizes que ela te dar a felicidade suprema, dificultas-me toda a compreenso, porque j no falas da flor mas sim do que acreditas que ela far em ti. Falas de uma paisagem interna que talvez no coincida com a minha. Bastar que ds mais um passo para que tentes impr-me a tua paisagem. Mede as consequncias que podem derivar desse facto. 5. claro que a tua paisagem interna no apenas o que acreditas das coisas, mas tambm o que recordas, o que sentes e o que imaginas sobre ti e os outros, sobre os factos, os valores e o mundo em geral. Talvez devssemos compreender isto: paisagem externa o que percepcionamos das coisas; paisagem interna o que filtramos delas com a peneira do nosso mundo interior. Estas paisagens so uma s e constituem a nossa indissolvel viso da realidade.

VI. CENTRO E REFLEXO

"Paisagem externa o que percepcionamos das coisas; paisagem interna o que filtramos delas com a peneira do nosso mundo interior. Estas paisagens so uma s e constituem a nossa indissolvel viso da realidade". E por esta viso que nos orientamos numa ou noutra direco.

1. Porm, est claro que, segundo avanas, se modifica a tua viso. 2. No h aprendizagem, por pequena que seja, que se cumpra s a contemplar. Aprendes porque algo fazes com o que contemplas e quanto mais fazes mais aprendes, j que medida que avanas modifica-se a tua viso.

3. Que tens aprendido sobre o mundo? Tens aprendido o que tens feito. O que queres do mundo? Queres conforme o que te tenha sucedido. O que no queres do mundo? No queres de acordo com o que te aconteceu. 4. Escuta-me, cavaleiro que cavalgas montado no tempo: podes chegar tua paisagem mais profunda por trs diferentes sendas. E que encontrars no seu interior? Situa-te no centro da tua paisagem interna e vers que toda a direco multiplica esse centro. 5. Rodeado por uma muralha triangular de espelhos, a tua paisagem reflecte-se infinitamente, em infinitos matizes. E ali, todo o movimento se converte e se recompe uma e outra vez, conforme orientes a tua viso pelo caminho de imagens que tenhas escolhido. Podes chegar a ver diante de ti as tuas prprias costas, e ao mover uma mo direita, esta responder esquerda. 6. Se ambicionas algo no espelho do futuro, vers que corre em direco oposta no espelho do hoje ou do passado. 7. Cavaleiro que cavalgas montado no tempo: que coisa o teu corpo seno o prprio tempo?

VII. DOR, SOFRIMENTO E SENTIDO DA VIDA

1. A fome, a sede, a doena e toda a injria corporal, so a dor. O temor, a frustrao, a desesperana e toda a injria mental, so o sofrimento. A dor fsica retroceder na medida em que avancem a sociedade e a cincia. O sofrimento mental retroceder na medida em que avance a f na vida, isto , na medida em que a vida adquira um sentido. 2. Se por acaso te imaginas como um blido fugaz que perdeu o seu brilho ao tocar esta terra, aceitars a dor e o sofrimento como a prpria natureza das coisas. Porm, se crs que foste lanado ao mundo para cumprir a misso de humaniz-lo, agradecers aos que te precederam e construram trabalhosamente o teu degrau para continuar na ascenso. 3. Nomeador de mil nomes, fazedor de sentido, transformador do mundo... os teus pais e os pais dos teus pais continuam-se em ti. No s um blido que cai, mas sim uma brilhante seta que voa em direco aos cus. s o sentido do mundo e quando aclaras o teu sentido, iluminas a terra. Quando perdes o teu sentido, a terra escurece-se e abre-se o abismo. 4. Dir-te-ei qual o sentido da tua vida aqui: humanizar a Terra! O que humanizar a Terra? superar a dor e o sofrimento, aprender sem limite, amar a realidade que constris. 5. No posso pedir-te que vs mais alm, mas tambm no ser ultrajante que eu afirme: "Ama a realidade que constris e nem mesmo a morte deter o teu vo!" 6. No cumprirs a tua misso se no deres o teu melhor para vencer a dor e o sofrimento daqueles que te rodeiam. E se consegues que eles, por sua vez, empreendam a tarefa de humanizar o mundo, abrirs o seu destino para uma vida nova.

VIII. O CAVALEIRO E A SUA SOMBRA

Quando o sol resplandeceu no caminho, a silhueta alongou-se por entre pedras e severos matagais. E o cavaleiro foi diminuindo a marcha at que parou muito perto de um fogo jovem. E um homem velho, que com as suas mos acariciava as chamas, cumprimentou o cavaleiro. Este desmontou e ambos falaram. Depois, o cavaleiro continuou o seu caminho.Quando a sombra caiu sob os cascos do cavalo, o cavaleiro parou um instante e trocou palavras com um homem que o deteve beira do caminho.Quando a sombra se alongou nas costas do cavaleiro, ele j no diminuu o passo. E um jovem que quis det-lo, chegou a gritar: "Vais em direco oposta!"Mas a noite desmontou o cavaleiro, e este s viu a sombra na sua alma. Ento, suspirando para si e para as estrelas, disse: "Num s dia, um velho falou-me da solido, da doena e da morte; um homem, acerca de como so as coisas e as realidades da vida. Finalmente, um jovem nem sequer me falou, mas, gritando, quis desviar o meu caminho para uma direco, para ele, desconhecida."O velho sentia temor de perder as suas coisas e a sua vida; o homem, temor de no chegar a ter o que cria que fossem as suas coisas e a sua vida; e o jovem, temor de no poder escapar das suas coisas e da sua vida."Estranhos encontros estes, em que o ancio sofre pelo curto futuro e se refugia no seu longo passado; o homem sofre pela sua situao actual, procurando abrigo no que aconteceu ou vir a acontecer, segundo se lhe ajuste pela frente ou por trs; e o jovem sofre porque um curto passado morde os seus calcanhares, impelindo a sua fuga em direco ao longo futuro."Porm, reconheo no rosto dos trs o meu prprio rosto, e parece-me notar que todo o ser humano, seja qual for a sua idade, pode transitar por esses tempos e ver neles fantasmas que no existem. Ou existe hoje aquela ofensa da minha juventude? Ou existe hoje a minha velhice? Ou aninha-se hoje nesta escurido a minha morte?"Todo o sofrimento vem pela recordao, pela imaginao ou por aquilo que se percepciona. Todavia, graas a essas trs vias existe o pensamento e o afecto e a aco humana. Sendo, ento, essas vias necessrias, tambm so condutas de destruio se as contamina o sofrimento."Porm, no ser o sofrimento o aviso que nos d a vida, quando a sua corrente invertida?"A vida pode ser invertida por algo (para mim desconhecido) que se faz com ela. Assim sendo, esse ancio, esse homem e esse jovem, algo tm feito com as suas vidas para que elas se invertam."Ento o cavaleiro, que meditava na escurido da noite, adormeceu. E ao dormir sonhou, e no seu sonho iluminou-se a paisagem.Ali estava, no centro de um espao triangular amuralhado por espelhos. Os espelhos reflectiam a sua imagem, multiplicando-a. Segundo escolhesse uma direco via-se como ancio; ao tomar outra, o seu rosto era de homem, ou finalmente, de rapaz...Mas ele semtia-se como uma criana no centro de si mesmo.Ento, sucedeu que tudo comeou a escurecer e quando no pde reconhecer mais do que uma pesada escurido, acordou. Abriu os olhos e viu a luz do sol. Depois, montou o seu cavalo e ao ver que a sombra se alongava, disse para si: " a contradio que inverte a vida e gera sofrimento... O sol pe-se para que o dia seja noite; mas o dia ser segundo o que eu faa com ele."

IX. CONTRADIO E UNIDADE

1. A contradio inverte a vida. a inverso dessa corrente crescente da vida o que se experimenta como sofrimento. Por isso, o sofrimento o sinal que adverte sobre a necessidade de mudana na direco das foras que se opem.

2. Aquele que se encontra detido na caminhada pela sua repetida frustrao, est aparentemente detido (porque na verdade regressa). E uma e outra vez, os fracassos passados fecham o seu futuro. Quem se sente frustrado v o futuro como repetio do seu passado, ao mesmo tempo que experimenta a necessidade de se separar dele.

3. Quem, prisioneiro do ressentimento, encara o futuro, o que no far para vingar em intrincada desforra o seu passado?

4. Na frustrao e no ressentimento, violenta-se o futuro para que curve o seu dorso em sofredor regresso.

5. s vezes, os sbios recomendaram o amor como escudo protector dos sofridos embates... Porm a palavra "amor", enganosa palavra, significa para ti a desforra do passado, ou uma original, lmpida e desconhecida aventura lanada ao porvir?

6. Assim como tenho visto o solene cobrir grotescamente o ridculo, assim como tenho visto a vcua seriedade enlutar o grcil do talento, tenho reconhecido em muitos amores a auto-afirmao vindicativa.

7. Que imagem tens dos sbios? No verdade que os concebes como seres solenes, de gestos pausados... como quem tem sofrido enormemente e, em funo desse mrito, te convida das alturas com suaves frases, nas quais se repete a palavra "amor"?

8. Eu, em todo o verdadeiro sbio, tenho visto uma criana que brinca correndo no mundo das ideias e das coisas, que cria generosas e brilhantes borbulhas que ele prprio faz estourar. Nos faiscantes olhos de todo o verdadeiro sbio tenho visto "danar rumo ao futuro os ps ligeiros da alegria". E muito poucas vezes tenho escutado da sua boca a palavra "amor"..., porque um sbio verdadeiro nunca jura em vo.

9. No acredites que pela vingana purificas o teu passado sofrido, nem to-pouco por usar o "amor" como toda poderosa palavra, ou como recurso de uma nova armadilha.

10. Verdadeiramente amars quando construres com a mira posta no futuro. E se recordas o que foi um grande amor, s devers acompanh-lo com suave e silenciosa nostalgia, agradecendo o ensinamento que chegou at ao teu dia actual.

11. Assim sendo, no rompers com o teu sofrimento passado falseando ou aviltando o futuro. F-lo-s mudando a direco das foras que provocam em ti contradio.

12. Creio que sabers distinguir entre o que dificuldade (bem vinda seja, j que podes super-la), e o que contradio (solitrio labirinto sem ponto de sada).

13. Todo o acto contraditrio, que por qualquer circunstncia tenhas efectuado na tua vida, tem um inequvoco sabor de violncia interna e de traio a ti mesmo. E no importar por que motivos te encontraste nessa situao, mas sim como organizaste a tua realidade, a tua paisagem, naquele preciso instante. Algo se fracturou e mudou o teu rumo. Isso predisps-te para uma nova fractura. Assim sendo, todo o acto contraditrio orienta-te para a sua repetio, do mesmo modo que todo o acto de unidade interna tambm procura flutuar novamente mais adiante. 14. Nos actos quotidianos vencem-se dificuldades, alcanam-se pequenos objectivos ou colhem-se minsculos fracassos. So actos que comprazem ou desagradam, mas que acompanham o viver dirio como os andaimes de uma grande construo. Eles no so a construo, mas so necessrios para que esta se efectue. Talvez estes andaimes sejam de um material ou de outro; no importar isso, conquanto sejam idneos para o seu objectivo.

15. Quanto construo em si, onde puseres material defeituoso, multiplicars o defeito e onde o puseres slido, projectars a solidez.

16. Os actos contraditrios ou unitivos dizem respeito essencial construo da tua vida. No momento em que te encontres defronte deles, no te deves enganar, porque se o fizeres comprometers o teu futuro e inverters a corrente da tua vida... Como sairs depois do sofrimento?

17. Mas, acontece que nestes momentos, so j numerosos os teus actos contraditrios. Se desde os alicerces tudo est falseado, que resta fazer? Desmontar por acaso toda a tua vida para comear de novo? Permite-me dizer-te que no creio que toda a tua construo seja falsa, por conseguinte abandona ideias drsticas que possam acarretar-te males maiores do que aqueles de que hoje padeces.

18. Uma vida nova no se baseia na destruio dos "pecados" anteriores, mas sim no seu reconhecimento; de modo que se torne clara da em diante a inconvenincia daqueles erros.

19. Uma vida comea quando comeam a multiplicar-se os actos unitivos, de maneira que a sua excelncia v compensando (at finalmente desequilibrar favoravelmente) a relao de foras anterior. 20. Deves ser muito claro nisto: tu no ests em guerra contigo mesmo. Comears a tratar-te como a um amigo com quem deves reconciliar-te, porque a prpria vida e a ignorncia afastaram-te dele.

21. Necessitars de uma primeira deciso para te reconciliares, compreendendo as tuas contradies anteriores. Depois, uma nova deciso para querer vencer as tuas contradies. Por ltimo, a deciso de construir a tua vida com actos de unidade, rejeitando os materiais que tanto prejuzo tm atrado sobre a tua cabea.

22. conveniente, com efeito, que clarifiques no teu passado e na tua situao actual quais os actos contraditrios que verdadeiramente te aprisionam. Para reconhec-los, basear-te-s nos sofrimentos acompanhados de violncia interna e do sentimento de traio a ti mesmo. Eles tm claros sinais.

23. No estou a dizer que te devas mortificar com exaustivos inventrios sobre o passado e sobre o momento actual. Recomendo simplesmente que consideres tudo aquilo que mudou o teu rumo em direco desafortunada e que te mantm ligado com fortes ataduras. No te enganes uma vez mais, dizendo-te que aqueles so "problemas superados". No est superado nem compreendido adequadamente aquilo que no se cotejou com uma nova fora que compense e ultrapasse a sua influncia. 24. Todas estas sugestes tero algum valor se estiveres disposto a criar uma nova paisagem no teu mundo interno. Mas, nada poders fazer por ti, pensando s em ti. Se queres avanar, ters que admitir algum dia que a tua misso humanizar o mundo que te rodeia.

25. Se queres construir uma nova vida livre de contradies, crescentemente superadora do sofrimento, ters em conta dois falsos argumentos: o primeiro apresenta-se como a necessidade de solucionar os ntimos problemas, antes de acometer qualquer aco construtiva no mundo. O segundo, aparece como um total esquecimento de si mesmo, como um declamativo "compromisso com o mundo".

26. Se queres crescer, ajudars a crescer aqueles que te rodeiam. E isto que afirmo, estejas ou no de acordo comigo, no admite outra sada.

X. A ACO VALIDA

1. Toda a inverso na corrente crescente da vida, experimenta-se como sofrimento. Por isso, no s a contradio que fonte de injria mental. Porm, enquanto numerosas formas de sofrimento podem ser ultrapassadas por fora das circunstncias, a contradio permanece tecendo a sua escura rede de sombras.

2. Quem no sofreu a perda de afectos, de imagens, de objectos? Quem no temeu, quem no desesperou, quem no se compadeceu e quem no se agitou em irritada rebelio contra os homens, a natureza ou os fatais desenlaces no desejados? Porm, aquilo que se temeu na escurido, esfumou-se com o dia e muito do perdido foi esquecido. Mas, aquela ntima traio a si mesmo, perdura no passado e envenena o futuro.

3. O mais importante da vida humana constri-se com materiais de unidade ou de contradio. E essa a profunda memria que continua a projectar a existncia alm de todo o aparente limite, ou que a desintegra no preciso umbral. Caiba a todo o ser humano na sua reviso final, a rememorao da sua unidade interna!

4. E qual o sabor do acto de unidade? Para reconhec-lo, basear-te-s na profunda paz que, acompanhada de uma suave alegria, te pe de acordo contigo mesmo. Este acto, tem por sinal a verdade mais ntegra, porque nele se unificam em estreita amizade o pensamento, o sentimento e o fazer no mundo. Indubitvel aco vlida que se afirmaria mil vezes mais, se se vivesse outras tantas vidas!

5. Todo o fenmeno que faz retroceder o sofrimento nos outros, regista-se em quem o produz como acto vlido, como acto de unidade.

6. Entre duas tendncias limita-se o fazer: ali, o abismo que cresce na contradio, e por cima, o vo que permite ultrapass-lo em acto vlido.

7. E a corda da vida toma a sua singular modulao, segundo se afrouxe ou se tense, at atingir a nota a que se aspira. Deve haver uma nota e um ajuste e um especial procedimento, de maneira que a vibrao se desenrole e depois se multiplique de modo conveniente.

8. A moral dos povos balbuciou com o homem medida que este se ergueu na paisagem. E a moral assinalou o "sim" e o "no" da aco, reivindicando o "bom", perseguindo o "mau". Continuar o bom sendo bom, nesta paisagem to diversa? Se um imutvel Deus assim o afirma, seja! Mas se Deus desapareceu para muitos, a quem cabe j julgar? Porque a lei muda com a opinio dos tempos.

9. Esta a questo: aqueles princpios de aco vlida que permitam a todo o ser humano viver em unidade interna, sero fixas imagens que devero ser obedecidas, ou correspondero ao que se experimente quando so rejeitados ou cumpridos?

10. No discutiremos aqui a natureza dos princpios de aco vlida. Em todo o caso, teremos em conta a necessidade da sua existncia.

XI. PROJECO DA PAISAGEM INTERNA

Falmos da paisagem, do sofrimento, da contradio e daqueles actos que do unidade corrente da vida. Poder-se-a crer que tudo isso permanece fechado no interior de cada ser humano ou, em todo o caso, que se exterioriza como aco individual sem outra consequncia. Pois bem, as coisas so de modo oposto.

1. Toda a contradio inverte a vida, comprometendo o futuro de quem a padece e daqueles que esto em contacto com esse agente transmissor de infortnio. Toda a contradio pessoal contamina a paisagem humana imediata, como invisvel doena que se detecta s pelos efeitos.

2. Antigamente, culpava-se demnios e bruxos por toda a praga que assolava as regies. Mas com o tempo, o avano da cincia fez mais pelos acusadores e acusados do que o milenrio clamor irresponsvel. Em que bando terias comprometido a tua opinio? Tanto do lado dos puros como dos rprobos, ter-te-ias smente enredado na tua torpeza.

3. Ainda hoje, quando procuras os culpados das tuas desgraas, somas-te longa cadeia da superstio. Reflecte, portanto, antes de levantares o teu dedo, porque talvez o acidente ou, noutros casos, a projeco das tuas contradies, tenham provocado os tristes desenlaces.

4. Que os teus filhos se orientem em direco oposta aos teus desgnios tem mais a ver contigo do que com o teu vizinho, e por certo, do que com o terramoto acontecido noutra latitude do mundo.

5. Assim sendo, se a tua influncia chega a um povo, trata muito bem de superar a tua contradio, a fim de no envenenares com ela o ar que todos os outros respirem. Tu sers responsvel por ti e por aqueles que reunires ao teu redor.

6. Por tudo isto, se a tua misso consiste em humanizar a Terra, fortalece as tuas mos de nobre lavrador.

XII. COMPENSAO, REFLEXO E FUTURO

1. Ser que a vida por acaso s aco e reaco? A fome devaneia com a saciedade, o aprisionado com o solto, a dor procura o prazer e o prazer farta-se de si mesmo.

2. Se a vida s perseguio de segurana para quem teme o futuro; afirmao de si mesmo para o desorientado; anseio de vingana para a frustrao passada... que liberdade, responsabilidade e compromisso se podero sustentar como invicta bandeira?

3. E se a vida s o espelho que reflecte uma paisagem, como poder mudar aquilo que reflecte?

4. Entre a fria mecnica de pndulos, ou a fantasmal ptica dos espelhos, que afirmas tu que afirme sem negar? Que afirmas sem regresso ou sem aritmtica repetio?

5. Se afirmas aquilo que se procura a si mesmo, isso cuja natureza transformar-se, que no tem saciedade e que por essncia est aberto ao futuro, ento amas a realidade que constris. Essa pois a tua vida: a realidade que constris!

6. E haver aco e reaco e tambm reflexo e acidente, mas se abriste o futuro no haver nada que te pare.

7. Que pela tua boca fale a vida e ela diga: "No existe nada que me possa parar!"

8. Intil e malvada profecia que anuncia a hecatombe do mundo. Eu afirmo que o ser humano continuar no s a viver como tambm a crescer sem limites. E tambm digo que os negadores da vida desejam roubar toda a esperana: palpitante corao do acto humano.

9. Queira a tua futura alegria, que nos momentos mais sombrios recordes esta frase: "A vida procura o crescimento, no a compensao do nada!"

XIII. OS SENTIDOS PROVISRIOS

1. Quando, movido pela pendular compensao, procuro os sentidos que justifiquem a minha existncia, dirijo-me para o que necessito ou creio necessitar. Em todo o caso, se no consigo aquilo, ou ento, se o consigo, o que acontecer com o meu sentido (enquanto movimento numa direco)?

2. Estes sentidos provisrios, necessrios para o desenvolvimento da actividade humana, no fundamentam a minha existncia. Por outro lado, se me afirmo numa particular situao, que suceder quando o acidente a desarticule?

3. A menos que se queira reduzir a existncia ao esgotamento ou frustrao, ser mister descobrir um sentido que nem sequer a morte (se fosse o acidente) possa esgotar ou frustrar.

4. No poders justificar a existncia, se pes como o seu fim o absurdo da morte. At agora fomos companheiros de luta. Nem tu nem eu quisemos dobrar-nos perante deus algum. Gostaria de te recordar assim para sempre. Porque me abandonas ento quando vou desobedecer morte inexorvel? Como que dissemos: "Nem mesmo os deuses esto por cima da vida!" e agora ajoelhas-te perante a negao da vida? Tu fazes como quiseres, porm, eu no baixarei a cabea perante nenhum dolo, mesmo que se apresente "justificado" pela f na razo.

5. Se a razo deve estar em funo da vida, que sirva para nos fazer saltar por cima da morte. Que a razo, ento, elabore um sentido isento de toda a frustrao, de todo o acidente, de todo o esgotamento.

6. No aceitarei ao meu lado quem projecte uma transcendncia por temor, mas sim quem se levante em rebelio contra a fatalidade da morte.

7. Por isso, prezo os santos que no temem, mas que verdadeiramente amam, e prezo os que, com a sua cincia e a sua razo, vencem diariamente a dor e o sofrimento. Na verdade, no vejo diferena entre o santo e o que alenta a vida com a sua cincia. Que melhores exemplos, que guias superiores a esses guias?

8. Um sentido que queira ir mais longe do que o provisrio, no admitir a morte como o fim da vida, afirmar sim a transcendncia como mxima desobedincia ao aparente Destino. E aquele que afirme que as suas aces desencadeiam uma srie de acontecimentos que se contimua noutros, tem nas suas mos parte do fio da eternidade.

XIV. A F

1. Sempre que escuto a palavra "f", uma suspeita saltita no meu interior.

2. De cada vez que algum fala da "f", pergunto-me para que serve isso que se anuncia.

3. Tenho visto a diferena que h entre a f ingnua (tambm conhecida como "credulidade"), e aquela outra, violenta e injustificada, que d lugar ao fanatismo. Nenhuma das duas aceitvel, j que enquanto uma abre a porta ao acidente, a outra impe a sua paisagem febril.

4. Mas algo importante ter essa tremenda fora, capaz de mobilizar a melhor causa. Que a f seja uma crena cujo fundamento esteja posto na sua utilidade para a vida!

5. Se se afirma que a f e a cincia se opem, replicarei que hei-de aceitar a cincia, contanto que no se oponha vida.

6. Nada impede que a f e a cincia, se tm a mesma direco, produzam o avano, auxiliando o entusiasmo o esforo continuado.

7. E quem queira humanizar, que ajude a levantar os nimos assinalando a possibilidade futura. Serve vida por acaso, a derrota antecipada do cptico? Poderia a cincia ter-se mantido sem a f? 8. Eis um tipo de f que vai contra a vida, esta f que afirma: "a cincia destruir o nosso mundo!". Melhor ser pr f em humanizar a cincia cada dia e actuar para que triunfe a direco com que foi dotada j desde o seu nascimento!

9. Se uma f abre o futuro e d sentido vida, orientando-a a partir do sofrimento e da contradio em direco a toda a aco vlida, ento a sua utilidade manifesta.

10. Essa f, tal como aquela que cada um deposita em si mesmo, nos outros e no mundo que nos rodeia, til para a vida.

11. Ao dizer: "A f til!", certamente incomodars algum ouvido particularmente sensvel, mas isso no te deve preocupar j que esse msico (se se examina um pouco), reconhecer o quanto til a f tambm para ele, mesmo que provenha de um instrumento diferente do que tu tocas.

12. Se consegues f em ti mesmo e no melhor das pessoas que te rodeiam, f no nosso mundo e na vida sempre aberta ao futuro, minimizars todo o problema que at hoje te pareceu invencvel.

XV. DAR E RECEBER

1. Vejamos que relao estabeleces com a tua paisagem externa. Talvez consideres os objectos, as pessoas, os valores, os afectos, como coisas que esto expostas diante de ti para que escolhas e devores de acordo com as tuas especiais apetncias. provvel que essa viso centrpeta do mundo marque a tua contradio desde o pensamento at aos msculos.

2. Se tal o caso, com certeza que tudo aquilo que se refere a ti ser muito apreciado: tanto os teus prazeres como o teu sofrimento. difcil que queiras ultrapassar os teus ntimos problemas j que neles reconheces um tom que, acima de todas as coisas, teu. Desde o pensamento at aos msculos, tudo est educado para contrair, no para soltar. E deste modo, mesmo quando procedes com generosidade, o clculo motiva o teu desprendimento.

3. Tudo entra, nada sai. Ento, tudo se intoxica desde os teus pensamentos aos teus msculos.

4. E intoxicas todos quantos te rodeiam. Como poderias depois reprovar a sua "ingratido" para contigo?

5. Se falamos do "dar" e da "ajuda", tu pensars sobre o que te podem dar, ou a respeito de como te devem ajudar. Mas, eis que a melhor ajuda que te podem dar, consiste em ensinar-te a relaxar a tua contraco.

6. Digo que o teu egosmo no um pecado mas sim o teu fundamental erro de clculo, porque acreditaste ingenuamente que receber mais do que dar.

7. Recorda os melhores momentos da tua vida e compreenders que sempre estiveram relacionados com um dar desprendido. Esta simples reflexo deveria ser suficiente para mudar radicalmente a direco da tua existncia... Porm, no ser suficiente.

8. de esperar que esteja a falar para outro, no para ti, j que ters compreendido frases como "humanizar a Terra", "abrir o futuro", "ultrapassar o sofrimento no mundo que te rodeia" e outras tantas mais, que tm como base a capacidade de dar.

9. "Amar a realidade que se constri", no pr como chave do mundo a soluo dos prprios problemas.

10. Terminemos isto: queres ultrapassar a tua contradio profunda? Ento, produz aces vlidas. Se elas so tais, ser porque ests a dar ajuda aos que te rodeiam.

XVI. OS MODELOS DE VIDA

1. Na tua paisagem interna h uma mulher ou um homem ideal (segundo seja o caso), que procuras na paisagem externa atravs de tantas relaes, sem poderes jamais tocar. Excepto o curto perodo em que o amor completo deslumbra com a sua chispa, essas pederneiras no coincidem num ponto preciso.

2. Cada um sua maneira, lana a sua vida para a paisagem externa, procurando completar os seus modelos ocultos.

3. Porm, a paisagem externa vai impondo leis prprias e quando passa um tempo, o que foi o mais acariciado devaneio torna-se uma imagem pela qual se experimenta agora vergonha, ou pelo menos uma esvada recordao. No obstante, existem profundos modelos que dormem no interior da espcie humana, esperando o seu momento oportuno. Esses modelos so a traduo dos impulsos que o prprio corpo entrega ao espao de representao.

4. No discutiremos agora a origem nem a consistncia de tais modelos; e tambm no falaremos da complexidade do mundo em que se encontram. Falaremos simplesmente de anotar a sua existncia, destacando que a sua funo compensar necessidades e aspiraes que, por sua vez, motivam a actividade em direco paisagem externa.

5. As culturas e os povos do a sua singular resposta paisagem externa, sempre tingida por modelos internos que o prprio corpo e a Histria foram definindo.

6. sbio quem conhece os seus modelos profundos e mais sbio ainda, quem pode p-los ao servio das melhores causas.

XVII. O GUIA INTERNO

1. Quem to admirado por ti, que gostarias de ter sido ele?

2. Perguntarei mais suavemente: quem te exemplar de tal maneira que desejes incorporar em ti algumas das suas particulares virtudes?

3. Por acaso alguma vez no teu pesar ou confuso, apelaste lembrana de algum que, existente ou no, acudiu como reconfortante imagem?

4. Estou a falar de particulares modelos, a que podemos chamar "guias" internos, que s vezes coincidem com pessoas externas.

5. Esses modelos que quiseste seguir desde pequeno, foram mudando somente na capa mais externa do teu dirio sentir.

6. Tenho visto como as crianas brincam e falam com os seus imaginrios companheiros e os seus guias. Tambm tenho visto pessoas (de diferentes idades) conectar com eles em oraes feitas com sincera uno.

7. Quanto mais fortemente se fizeram as chamadas, de mais longe acudiram estes guias que trouxeram o melhor sinal. Por isso soube que os guias mais profundos so os mais poderosos. Porm, s uma grande necessidade pode despert-los do seu letargo (esquecimento) milenar.

8. Um modelo desse tipo "possui" trs importantes atributos: fora, sabedoria e bondade.

9. Se queres saber mais de ti mesmo, observa que caractersticas tm aqueles homens ou mulheres que admiras. E repara que as qualidades deles que mais aprecias, operam na configurao dos teus guias internos. Considera que, ainda que a tua referncia inicial haja desaparecido com o tempo, no teu interior ficar um "rasto" que continuar a motivar-te em direco paisagem externa.

10. E se queres saber como se interpenetram as culturas, estuda, alm do modo de produo de objectos, o modo de difuso dos modelos.

11. Importa ento que dirijas a tua ateno para as melhores qualidades das outras pessoas, porque impelirs para o mundo o que hajas terminado de configurar em ti.

XVIII. A MUDANA

Olhemos para trs por um instante.Considermos o ser humano em total ligao e influncia com o mundo. Dissemos que a sua aco se manifesta na paisagem externa, de acordo com o modo como se vai formando a sua paisagem interna. Essa aco variada, mas o que define uma vida a sua actividade contraditria ou unitiva. Por outro lado, a contradio inverte a vida e produz sofrimento, contaminando com ele o mundo. Os actos de unidade abrem o futuro fazendo retroceder o sofrimento em cada um e no mundo."Humanizar a Terra" o mesmo que "dar" em actos unitivos. No pode ter sentido mais do que provisrio todo o objectivo que conclua no receber. O seu destino conduzir contradio.Existe uma grande energia que pode ser mobilizada ao servio da vida: a f. Na paisagem interna tambm se movem outras foras que motivam a actividade em direco paisagem externa: so os "modelos".

1. Definitivamente, a pergunta esta: queres superar o abismo?

2. Talvez queiras faz-lo. Porm, como tomars uma nova direco se a avalanche j foi desprendida e no seu arrastamento leva o que encontra?

3. Qualquer que seja a tua deciso, resta saber com que meios e energia contars para poder executar a mudana.

4. Ainda que a tua escolha seja muito tua, queria indicar-te que mudar a direco da tua vida no coisa que possas realizar smente com recursos de trabalho interno, mas sim actuando decididamente no mundo. Modificando condutas.

5. Soma tarefa o teu meio imediato (esse que influi decisivamente sobre ti e sobre o qual tu influis). E como o fars? No h outro meio seno este: despertar a f em que a converso da vida invertida possvel.

6. Este o ponto em que te deixo. Se te dispes a modificar a tua vida, transformars o mundo e no triunfar o abismo, mas sim aquilo que o ultrapasse.

A PAISAGEM HUMANA

I. AS PAISAGENS E OS OLHARES

1. Falemos de paisagens e olhares, retomando o que se disse em algum outro lugar: "Paisagem externa o que percepcionamos das coisas; paisagem interna o que filtramos delas com a peneira do nosso mundo interno. Estas paisagens so uma e constituem a nossa indissolvel viso da realidade".2. J nos objectos externos percebidos, um olhar ingnuo pode fazer confundir "o que se v" com a prpria realidade. Haver quem v mais longe crendo que recorda a "realidade" tal como foi. E no faltar um terceiro que confunda a sua iluso, a sua alucinao ou as imagens dos seus sonhos com objectos materiais (que na realidade foram percebidos e transformados em diferentes estados de conscincia). 3. Que nas recordaes e nos sonhos apaream deformados objectos anteriormente percebidos, no parece trazer dificuldades s pessoas razoveis. Mas que os objectos percebidos sempre estejam cobertos pelo manto multicolorido de outras percepes simultneas e de recordaes que nesse momento actuam; que percepcionar seja um modo global de estar entre as coisas, um tom emotivo e um estado geral do prprio corpo... isso, como ideia, desorganiza a simplicidade da prtica diria, do fazer com as coisas e entre as coisas. 4. Acontece que o olhar ingnuo toma o mundo "externo" com a prpria dor ou a prpria alegria. Olho, no s com o olho, mas tambm com o corao, com a suave recordao, com a ominosa suspeita, com o clculo frio, com a sigilosa comparao. Olho atravs de alegorias, signos e simbolos que no vejo no olhar, mas que actuam sobre ele, assim como no vejo o olho nem o actuar do olho quando olho. 5. Por isso, pela complexidade do percepcionar, quando falo de realidade externa ou interna, prefiro faz-lo usando o vocbulo "paisagem" em vez de "objecto". E com isso dou por entendido que menciono blocos, estruturas e no a individualidade isolada e abstracta de um objecto. Tambm me interessa destacar que a essas paisagens correspondem actos do percepcionar aos quais chamo "olhares" (invadindo, talvez ilegtimamente, numerosos campos que no se referem visualizao). Estes "olhares" so actos complexos e activos, organizadores de "paisagens", e no simples e passivos actos de recepo de informao externa (dados que chegam aos meus sentidos externos) ou interna (sensaes do prprio corpo, recordaes e apercepes). Em demasia, diga-se que nestas mtuas implicaes de "olhares" e "paisagens", as distines entre o interno e o externo se estabelecem segundo direces da intencionalidade da conscincia e no como quer o esquematismo ingnuo que se apresenta aos escolares. 6. Se o anterior est entendido, quando fale de "paisagem humana", compreender-se- que estou a mencionar um tipo de paisagem externa constituido por pessoas e tambm por factos e intenes humanas plasmados em objectos, mesmo que o ser humano como tal no esteja ocasionalmente presente. 7. Convm, alm disso, distinguir entre mundo interno e "paisagem interna"; entre natureza e "paisagem externa"; entre sociedade e "paisagem humana", recalcando que ao mencionar "paisagem", sempre se est a implicar quem olha, diferena dos outros casos em que mundo interno (ou psicolgico), natureza e sociedade, aparecem ingenuamente como se existissem tal qual, excludos de toda a interpretao.

II. O HUMANO E O OLHAR EXTERIOR

1. Nada substancial nos diz aquela afirmao segundo a qual "o Homem constitui-se num meio" e que merc desse meio (natural para uns, social para outros e as duas coisas para alguns mais), o ser humano "constitui-se" (?). Tal inconsistncia agrava-se se se destaca a relao "constitui", dando por admitida a compreenso dos termos "Homem" e "meio", j que "meio" supe-se que o que rodeia ou ento submerge o ser humano e "Homem" o que est dentro ou submergido nesse "meio". Continuamos, pois, como ao princpio num circulo de vacuidades. No entanto, notamos que as duas expresses relacionadas assinalam entidades separadas e que existe a inteno de unir esta separao com uma relao ardilosa, com a palavra "constitui" que tem implicaes de gnese, quer dizer, de explicao desde o mais original (desde a sua origem). 2. O atrs dito no seria de interesse se no se nos apresentasse como um paradigma de diferentes asseres que durante milnios tm vindo a apresentar uma imagem do ser humano visto do lado das coisas e no visto do olhar que olha as coisas. Porque dizer "o Homem o animal social", ou dizer "o Homem foi feito semelhana de Deus", pe a sociedade ou Deus como quem olha o Homem, quando, afinal, a sociedade e Deus s se concebem, se negam ou aceitam desde o olhar humano. 3. E assim, num mundo em que desde muito cedo se instalou um olhar inumano, instalaram-se tambm comportamentos e instituies que diminuiram o humano. Deste modo, na observao da natureza, entre outras coisas, perguntou-se pela natureza do Homem e respondeu-se como se responde no caso dum objecto natural. 4. Mesmo as correntes de pensamento que apresentaram o ser humano como sujeito a transformao, trabalharam pensando o humano desde o olhar exterior, desde diferentes posicionamentos do naturalismo histrico. 5. a ideia subjacente de "natureza humana" aquela que correspondeu ao olhar exterior sobre o humano. Mas, sabendo que o Homem o ser histrico cujo modo de aco social transforma a sua prpria natureza, o conceito de "natureza humana" aparece sujeito actividade humana, ao existir e submetido s transformaes e desvelos que esse existir oriente. Deste modo, o corpo como prtese da inteno estende-se nas suas potencialidades humanizando o mundo. E esse mundo no pode ser j visto como simples exterioridade, mas sim como "paisagem" natural ou humana, submetida a transformaes humanas actuais ou possveis. nesse fazer que o Homem se transforma a si mesmo.

III. O CORPO HUMANO COMO OBJECTO DA INTENO

1. O corpo como objecto natural passvel de modificaes naturais e, desde j, susceptvel de transformao, no s nas suas expresses mais externas, mas tambm no seu intimo funcionamento, merc da inteno humana. Visto assim, o prprio corpo como prtese da inteno adquire a sua maior relevncia. Mas, desde o governo imediato (sem intermediao) do prprio corpo at adequao deste a outras necessidades e outros designios, medeia um processo social que no depende do indivduo isolado, mas sim que implica outros. 2. A propriedade sobre a minha estrutura psicofsica d-se graas intencionalidade, enquanto os objectos externos aparecem-me como sendo alheios minha propriedade imediata e s governveis mediatamente (por aco do meu corpo). Mas, um tipo particular de objecto o corpo do outro, o qual intuo como sendo propriedade de uma inteno alheia. E essa estranheza coloca-me "visto desde fora", visto desde a inteno do outro. Por isso, a viso que tenho do estranho uma interpretao, uma "paisagem" que se estender a qualquer objecto que leve a marca da inteno humana, mesmo quando tenha sido produzido ou manipulado por algum actual ou pretrito. Nessa "paisagem humana", posso diminuir a inteno de outros, considerando-os como prteses do meu prprio corpo, em cujo caso devo "esvaziar" a sua subjectividade totalmente ou, pelo menos, naquelas regies do pensar, do sentir ou do actuar que desejo governar de modo imediato. Essa objectivao desumaniza-me necessariamente e assim, justifico a situao pela aco de uma Fora maior no controlada por mim (a "Paixo", "Deus", a "Causa", a "Desigualdade natural", o "Destino", a "Sociedade", etc.

IV. MEMORIA E PAISAGEM HUMANA

1. Diante de uma paisagem desconhecida, apelo minha memria e noto o novo por reconhecimento" da sua ausncia em mim. Assim me acontece tambm com uma paisagem humana na qual a linguagem, vestes e usos sociais contrastam fortemente com aquela paisagem na que tenho formadas as minhas recordaes. Mas, em sociedades em que a mudana lenta, a minha paisagem anterior tende a impr-se a estas novidades que percebo como sendo "irrelevantes".2. E acontece que, vivendo em sociedades de velozes modificaes, tendo a desconhecer o valor da mudana ou a consider-la "desvio", sem entender que a perda interior que experimento a perda da paisagem social em que se configurou a minha memria. 3. Pelo que ficou dito, compreendo que uma gerao, quando acede ao poder, tende a plasmar externamente os mitos e as teorias, as apetncias e os valores daquelas paisagens, hoje inexistentes, mas que ainda vivem e actuam a partir da recordao social em que se formou esse conjunto. E essa paisagem foi assimilada como paisagem humana pelos filhos e como "irrelevncia" ou "desvio" pelos seus pais. E por mais que lutem entre si as geraes, a que chega ao poder converte-se de imediato em retardatria, ao impr a sua paisagem de formao a uma paisagem humana j modificada ou que ela prpria contribuiu para modificar. Deste modo, na transformao que instaura um novo conjunto est o atraso que arrasta da sua poca de formao. E contra esse atraso choca um novo conjunto que se est a formar. Quando falei do "poder" a que chega uma gerao, imagino que se entendeu bem; referi-me s suas diferentes expresses: polticas, sociais, culturais e assim seguindo.

V. DISTNCIA QUE IMPE A PAISAGEM HUMANA

1. Toda a gerao tem a sua astcia e no hesitar em apelar mais sofisticada renovao, se com esse recurso aumenta o seu poder. No entanto, isto leva-a a inumerveis dificuldades porquanto a transformao que ps em movimento arrasta rumo ao futuro essa sociedade que, na dinmica de hoje, j contraditria com a paisagem social interna que se queria manter. Por isso digo que "cada gerao tem a sua astcia", mas tambm tem a sua armadilha. 2. Com que paisagem humana se est a enfrentar a nula e injustificada apetncia? De imediato, com uma paisagem humana percebida diferente paisagem recordada. Mas, alm disso, com uma paisagem humana que no coincide com o tom afectivo, com o clima emotivo geral da recordao de pessoas, edifcios, ruas, ofcios, instituies. E esse "afastamento" ou "estranheza" mostra claramente que qualquer paisagem percebida uma realidade diferente e global daquela recordada, mesmo quando se trate do quotidiano ou familiar. Assim, as apetncias que, durante tanto tempo, acariciaram a posse de um objecto (coisa, pessoa, situao), acabaram defraudadas no seu cumprimento. E essa a distncia que impe a dinmica da paisagem humana a qualquer recordao sustentada individual ou colectivamente; sustentada por um ou por muitos, ou por toda uma gerao que, coexistindo num mesmo espao social, est nimbada por um fundo emotivo similar... Quanto mais afastado se torna o acordo relativamente a um objecto, quando considerado por diferentes geraes ou representantes de pocas distintas que coexistem no mesmo espao! E se parece que estamos a falar de inimigos, devo destacar que estes abismos abrem-se j entre aqules que coincidem nos seus interesses. 3. Nunca se toca do mesmo modo um mesmo objecto nem jamais se sente duas vezes uma mesma inteno. E isto que creio perceber como inteno em outros, s uma distncia que interpreto cada vez de maneira diferente. Assim, a paisagem humana, cuja nota distintiva a inteno, pe em evidncia o estranhamento, que no seu momento muitos notaram pensando que seria, talvez, produto de condies objectivas de uma sociedade no solidria que atirava para o exlio a conscincia desapossada. E, ao terem equivocado aqueles a sua apreciao com respeito essncia da inteno humana, encontraram-se com que a sociedade construda por eles com esforo, se abismou geracionalmente e estranhou-se diante de si mesma, medida que aumentou a acelerao da sua paisagem humana. Outras sociedades desenvolvidas segundo esquemas diferentes, receberam idntico impacto, com o qual ficou demonstrado que os problemas fundamentais do ser humano deviam ser resolvidos, tendo como objectivo a inteno que transcende o objecto e da qual o objecto social s a sua morada. E assim tambm, toda a natureza (includa nela o corpo do Homem) deveu ser compreendida como lar da inteno transformadora. 4. A percepo da paisagem humana cotejo de mim mesmo e compromisso emotivo, algo que me nega ou me lana para diante. E, desde o meu "hoje", agregando recordaes, sou succionado pela inteno de futuro. Esse futuro que condiciona o hoje, essa imagem, esse sentimento confundido ou querido, esse fazer escolhido ou imposto, tambm marca o eu passado, porque muda o que considero que foi o meu passado.

VI. A EDUCACO

1. A percepo da paisagem externa e a sua aco sobre ela, compromete o corpo e um modo emotivo de estar no mundo. Desde logo, tambm compromete a prpria viso da realidade, conforme comentei no seu momento. Por isso, creio que educar basicamente habilitar as novas geraes no exerccio de uma viso no ingnua da realidade, de maneira que o seu olhar tenha em conta o mundo, no como uma suposta realidade objectiva em si mesma, mas sim como o objecto de transformao a que aplica o ser humano a sua aco. Mas no estou a falar neste moment