Human Rights Watch - Relatório Mundial, Brasil 2015

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    JANEIRO DE 2015 RESUMO DO PAS

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    rasil

    O Brasil est entre as democracias mais influentes em assuntos regionais e globais. Nos

    ltimos anos, tornou-se uma voz cada vez mais importante nos debates sobre as

    respostas internacionais a problemas de direitos humanos. No plano domstico, o pas

    continua a enfrentar srios desafios relacionados aos direitos humanos, incluindo o uso

    de tortura e maus-tratos, execues extrajudiciais cometidas por policiais, superlotao

    das prises e impunidade para abusos cometidos durante o regime militar do pas (1964-

    1985).

    Faces criminosas violentas e prticas policiais abusivas so problemas significativos

    em muitas cidades brasileiras. Nos ltimos anos, os governos dos estados de So Paulo e

    Rio de Janeiro adotaram medidas para melhorar o desempenho das polcias e diminuir os

    abusos, mas falsos registros policiais e outras formas de acobertamento persistem.

    Durante o ano que antecedeu a Copa do mundo de 2014, houve grandes manifestaes emtodo o pas. Dezenas de pessoas foram feridas em confrontos entre manifestantes e a polcia,

    incluindo jornalistas. Em vrios incidentes, a polcia fez uso excessivo da fora, inclusive

    espancandomanifestantes que no resistiam priso e lanando bombas de gs

    lacrimogneocontra manifestantes a curta distncia.

    Segurana Pblica e Conduta Policial

    A polcia foi responsvel por 436 mortes no estado do Rio de Janeiro e 505 mortes no

    estado de So Paulo, nos primeiros nove meses de 2014. No estado de So Paulo, istorepresenta um aumento de 93 por cento em relao ao mesmo perodo de 2013. De

    acordo com as informaes mais recentes disponveis, compiladas pelo Frum Brasileiro

    de Segurana Pblica, uma organizao no-governamental (ONG), mais de 2.200

    pessoas foram mortas em operaes policiais em todo o Brasil em 2013, uma mdia de 6

    pessoas por dia.

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    A polcia frequentemente registra essas mortes como resultantes de confrontos com

    criminosos. Enquanto algumas mortes resultam do uso legtimo de fora pela polcia, outras

    no, um fato documentado pela Human Rights Watch e outros grupos e reconhecido pelosagentes da justia criminal brasileira.

    Em um esforo para evitar acobertamentos de execues extrajudiciais cometidas por

    policiais, o governo do estado de So Paulo editou uma resoluo em janeiro de 2013 que

    probe a polcia de remover corpos de vtimas de confrontos das cenas do crime.

    Entretanto, ainda h obstculos significativos para a responsabilizao de policiais por

    execues extrajudiciais em So Paulo, incluindo falhas na preservao de evidncias

    forenses fundamentaise falta de profissionais e recursos para que o Ministrio Pblico

    possa cumprir sua tarefa constitucional de exercer o controle externo da polcia.

    Em maio de 2014, no estado do Rio de Janeiro, cerca de 2.900 policiais e outros servidores

    pblicos receberam compensao financeira por alcanarem metas de reduo de

    criminalidade, inclusive redues no nmero de mortes em decorrncia de ao policia.

    Condies das Prises, Tortura e Maus-Tratos a Detentos

    Muitas prises e cadeias enfrentam problemas de grave superlotao e violncia. A taxade encarceramento do pas subiu 45 por cento entre 2006 e 2013, de acordo com Sistema

    Integrado de Informao Penitenciria do Ministrio da Justia (InfoPen). A populao

    carcerria adulta supera meio milho de pessoas 37 por cento alm da capacidade do

    sistema prisional, de acordo com dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justia em

    junho de 2014. Alm disso, mais de 20.000 adolescentes esto cumprindo medidas que

    implicam privao de liberdade. Os atrasos no sistema de justia contribuem para a

    superlotao. Mais de 230.000 indivduos so presos provisrios. No estado do Piau, 68

    por centodos detentos custodiados no sistema penitencirio so presos provisrios, a

    maior taxa do pas. A superlotao e a falta de higiene facilitam a propagao de doenas,

    e o acesso dos presos assistncia mdica continua sendo inadequado.

    A tortura um problema crnico em delegacias de polcia e centros de deteno. Entre

    janeiro de 2012 e junho de 2014, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos recebeu 5.431

    denncias de tortura e de tratamento cruel, desumano ou degradante (cerca de 181

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    denncias por ms) de todo o pas por meio do Disque Direitos Humanos (Disque-100). Um

    total de 84 por cento dessas denncias se referiam a a abusos em presdios, cadeias

    pblicas, delegacias de polcia, delegacias que operam como unidades prisionais eunidades de medida scio educativa.

    Um vdeo publicado online pelo jornal Folha de So Pauloem 7 de janeiro de 2014

    mostrou os corpos decapitados de trs dos quatro detentos que foram mortos por outros

    presos no complexo prisional de Pedrinhas no estado do Maranho, em 17 de dezembro

    de 2013. Um total de 60 detentos foram mortos no estado em 2013, de acordo com o

    Conselho Nacional de Justia (CNJ), que conduziu uma investigao em cinco presdios do

    Maranho, concluindo que h uma "absoluta falta de segurana" para os detentos no

    estado. Em abril de 2014, o CNJ publicou uma recomendao aos tribunais, estabelecendo

    medidas bsicas que os juzes devem adotar quando recebem denncias fundadas da

    prtica de tortura e maus tratos.

    Agentes da segurana pblica ou da administrao penitenciria que cometem abusos

    contra presos raramente so levados justia. Em uma notvel exceo, um total de 73

    policiais foram condenados por homicdio em 2013 e 2014 por sua participao no

    massacre de 111 detentos na priso de Carandiru em 1992, no estado de So Paulo.

    Em julho de 2014, a presidente Dilma Rousseff nomeou os 23 membros do Comit

    Nacional de Preveno e Combate Tortura, que faz parte do Sistema Nacional de

    Preveno e Combate Tortura, criado por lei em agosto de 2013. Em novembro, a

    Comisso selecionou os 11 peritos que tero autoridade para realizar visitas peridicas e

    regulares a locais de privao de liberdade civis e militares, requerer a abertura de

    investigaes sobre possveis casos de tortura e fazer recomendaes s instituies

    pblicas e privadas.

    Liberdade de Expresso, Liberdade na Internet e Privacidade

    De acordo com a Associao Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), as polcias

    estaduais feriram ou prenderam 178 jornalistas que faziam a cobertura das manifestaes

    em diversas regies do pas no ano que antecedeu a Copa do Mundo 2014.

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    Uma lei federal de acesso informao entrou em vigor em 2012. A maioria dos estados

    passou ento a aprovar legislaes para implementar a legislao federal. A lei determina

    que o pblico deve ter acesso irrestrito a informaes sobre violaes de direitosfundamentais.

    O Brasil deu um passo importante ao aprovar o Marco Civil da Internet em abril de 2014,

    que prev a proteo dos direitos privacidade e liberdade de expresso online e serve

    para reforar a aplicao da lei no mundo digital. A lei estabelece o apoio brasileiro ao

    princpio da neutralidade da rede, como uma diretriz para o desenvolvimento futuro da

    Internet. Alguns aspectos do marco civil ainda devem ser regulamentados com vistas a

    sua integral implementao.

    Direitos Reprodutivos

    O cdigo penal brasileiro probe o aborto, exceto em casos de estupro ou quando

    necessrio para salvar a vida da mulher. Em 2012, o Supremo Tribunal passou a incluir

    casos de anencefalia, ou seja, quando o feto apresenta uma anomalia cerebral congnita

    fatal. Mulheres e meninas que fizerem um aborto fora dessas excees esto sujeitas a

    penas de at trs anos de priso, enquanto aqueles que realizam abortos podem receber

    sentenas de at quatro anos de priso.

    Abortos realizados em clnicas clandestinas colocam mulheres em grande risco, como

    exemplificado no famoso caso de Jandira dos Santos Cruz, que a polcia suspeita que

    morreu em decorrncia de um aborto ilegal mal conduzido no final de agosto de 2014 e cujo

    corpo foi mutilado para ocultar sua identidade.

    Em agosto de 2013, a presidente Dilma sancionou uma lei que exige que hospitais

    pblicos forneam cuidados integrais para vtimas de violncia sexual, incluindo

    profilaxia da gravidez a vtimas de estupro, bem como informaes sobre o direito aoaborto nos casos permitidos por lei. Em 2014, o Ministrio da Sade editou uma portaria

    para incluir as hipteses de aborto legal na Tabela de Procedimentos do Sistema nico de

    Sade, mas revogou a normativa uma semana aps sua edio, em resposta presso

    poltica.

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    Orientao Sexual e Identidade de Gnero

    A Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos recebeu mais de 1.500 denncias de violncia

    e discriminao contra lsbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) em 2013.

    No primeiro semestre de 2014, a Ouvidoria registrou mais de 500 dessas denncias. A

    Ouvidoria tambm registrou um aumento significativo nas denncias recebidas aps um

    candidato s eleies presidenciais ter recomendado, em um debate televisivo, que

    pessoas LGBT faam tratamento psicolgico.

    Direitos Trabalhistas

    Os esforos do governo federal para erradicar o trabalho forado resultaram em mais de

    46.000 trabalhadores libertados de condies anlogas escravido desde 1995segundo

    dados oficiais. No entanto, a Comisso Pastoral da Terra, uma ONG catlica, recebeu

    denncias de que mais de 3.600 pessoas foram vtimas de trabalho forado em 2013. A

    responsabilizao criminal para os empregadores que recorrem a essa prtica continua

    sendo relativamente rara.

    Em junho de 2014, o Congresso aprovou uma emenda constitucional que permite ao

    governo expropriar propriedades nas quais for constatada explorao de trabalho escravo,

    sem fornecer indenizao para o proprietrio,. Os legisladores ainda tem que aprovar umalei que defina o significado de trabalho escravo e que explique como a expropriao ser

    realizada nesses casos.

    O Brasil aprovou uma emenda constitucional em maro de 2013 que garante aos cerca de

    6,5 milhes de trabalhadores domsticos do pas o direito ao recebimento de hora extra,

    seguro desemprego, aposentadoria, e jornada mxima de trabalho dirio de 8 horas e 44

    horas semanais. Uma proposta de legislao para implementao desta emenda

    constitucional ainda est pendente no Congresso brasileiro.

    Violncia no Campo

    Ativistas do campo e lderes indgenas envolvidos em conflitos de terra continuam

    enfrentando ameaas e violncia. De acordo com os nmeros mais recentes da Comisso

    Pastoral da Terra, 34 pessoas envolvidas em conflitos de terra foram mortas e 15 foram

    vtimas de tentativa de homicdio em todo o pas em 2013. At agosto, a Comisso j havia

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    relatado 23 pessoas mortas em conflitos de terra em 2014. Cerca de 2.500 ativistas rurais

    receberam ameaas de morte durante a ltima dcada.

    De acordo com o Conselho Indigenista Missionrio da Igreja Catlica (Cimi), 53 ndios

    foram mortos no Brasil em 2013, 33 deles s no estado do Mato Grosso do Sul, o estado

    com a maior taxa de homicdios dos povos indgenas no Brasil. Trinta e trs das vtimas

    eram membros do grupo indgena Guarani-Kaiow e dois do grupo indgena Terena.

    Confrontando os Abusos do Passado

    Em maio de 2012, a Comisso Nacional da Verdade comeou a investigar as violaes

    sistemticas dos direitos humanos ocorridas durante o regime militar de 1964 a 1985,incluindo execues extrajudiciais, desaparecimentos forados, tortura, detenes

    arbitrrias e restries liberdade de expresso. Em fevereiro, a Comisso Nacional da

    Verdade apresentou um relatrio preliminar identificando sete instalaes das foras

    armadas onde presos polticos foram torturados e morreram durante o perodo da ditadura.

    No momento de elaborao deste relatrio, o relatrio final da Comisso da Verdade

    estava para ser publicado em dezembro de 2014.

    A Lei da Anistia de 1979 tem impedido que os autores desses crimes sejam processados e

    punidos. Em abril de 2010, o Supremo Tribunal Federal confirmou o entendimento dos

    tribunais inferiores de que a anistia impedia a persecuo penalcontra os agentes do

    Estado por crimes cometidos durante o perodo da ditadura. No entanto, seis meses

    depois, a Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu que esta interpretao

    violava as obrigaes do Brasil no mbito do direito internacional e que a anistia no

    deveria obstacularizar a punio dos responsveis por graves violaes dos direitos

    fundamentais cometidas durante o regime militar.

    Em abril de 2013, membros do Ministrio Pblico Federal em So Paulo promoveram aopenal contra um coronel reformado do exrcito e investigador da polcia pela ocultao do

    cadver de um estudante de medicina morto no perodo militar. O processo ainda est em

    andamento. Em junho de 2013, no entanto, um juiz no Rio de Janeiro no recebeu

    denncia do Ministrio Pblico contra agentes do estado por seus supostos

    envolvimentos no desaparecimento forado de um jornalista em 1970.

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    Principais Atores Internacionais

    Aps petio apresentada pela Comisso Interamericana de Direitos Humanos, apontando

    contnuos abusos de direitos humanos no complexo prisional de Pedrinhas no estado do

    Maranho, a Corte Interamericana de Direitos Humanos exigiu, em novembro de 2014, que

    o Brasil adote imediatamente medidas para proteger a vida e a integridade fsica de todos

    os presos do complexo prisional.

    Poltica Externa do Brasil

    Aps retornar ao Conselho de Direitos Humanos das Naes Unidas, o Brasil manteve

    uma trajetria positiva de votao em 2014, apoiando a adoo de resolues sobre

    uma srie de situaes crticas de direitos humanos. Em junho, o Brasil votou a favor de

    uma resoluo que condenava as operaes militares conduzidas pelas foras

    israelenses em Gaza, condenava os abusos contra civis por ambos os lados e

    determinava a criao de uma Comisso Internacional de Inqurito para investigar as

    violaes do direito humanitrio e do direito internacional dos direitos humanos. Em

    setembro de 2014, o Brasil foi um dos proponentes de uma resoluo do CDH no

    combate violncia e discriminao baseada na orientao sexual e identidade de

    gnero. A resoluo exigiu que o Alto Comissariado das Naes Unidas para os DireitosHumanos atualizasse um relatrio de 2012 sobre violncia e discriminao, a fim de

    compartilhar as melhores prticas para erradicar estes abusos. No entanto, em junho, o

    Brasil se absteve sobre uma controversa resoluo no Conselho que no reconhecia as

    vrias e diferentes formas de estrutura familiares.

    Na Assembleia Geral da ONU, o Brasil tem desempenhado um papel de liderana na

    promoo da privacidade na era digital. Em dezembro de 2013, a Assembleia Geral havia

    aprovado uma resoluo proposta pelo Brasil e Alemanha convocando todos os Estados

    a protegerem e respeitarem o direito privacidade e dando ao Alto Comissariado das

    Naes Unidas para os Direitos Humanos a tarefa de relatar o problema. Esse relatrio,

    publicado em julho de 2014, concluiu que a vigilncia massiva havia se tornado "uma

    prtica perigosa" em alguns pases e que muitos Estados estavam aqum em matria de

    proteo da privacidade. O Brasil continuou a pressionar por mais aes da Assembleia

    Geral em relao a estes problemas quando da elaborao deste relatrio.

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    Em novembro de 2014, o Brasil votou a favor de uma resoluo histrica, aprovada no

    mbito da Assembleia Geral ,que exigia que o Conselho de Segurana encaminhasse ocaso da Coreia do Norte para o Tribunal Penal Internacional por crimes contra a

    humanidade.

    Na Organizao dos Estados Americanos, o Brasil apresentou uma resoluo que probe

    todos os tipos de discriminao contra pessoas LGBT, incluindo a discriminao que

    limita a sua participao poltica e envolvimento em outros aspectos da vida pblica. A

    resoluo foi aprovada em junho de 2014.

    Em abril de 2014, o Brasil organizou e sediou o NetMundial, um encontro global de

    governos, organizaes no-governamentais, tcnicos e representantes de setores

    privados preocupados com o futuro da Internet. Os participantes do NetMundial

    produziram uma declarao final que priorizou os princpios dos direitos humanos e

    forneceu um roteiro para futuros dilogos sobre governana da Internet entre vrias partes

    interessadas.