HOMENS SECOS PARTE III · Debaixo de uma grande ingazeira: pequena cruz tosca, num total ......

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HOMENS SECOS PARTE III

O RETORNO

A VINGANÇA DE ENANIAS VIEIRA

Naqueles dias corria o ano de 1942.

A casa era grande e toda alpendrada, fora construída na parte mais baixa do terreno, numa planície. Ao seu redor, crescia um grande número de árvores frutíferas de diversas espécies. Passando em frente ao terreiro estava à estrada coberta por uma extensa camada de ervas daninhas devido ao longo período sem uso; a gitirana avançava adentrando no alpendre e trepando por várias partes das paredes e nas vigas de sustentação do teto. Parte do telhado ruíra até o chão, portas e janelas estavam podres, quebradas e deixando a ação do tempo lhes corroer. Por trás da vivenda passava o rio, que com as suas águas cristalinas parecia imutável no decorrer dos anos; mesmo hoje, podem ser vistos cardumes de peixes a nadar sossegadamente no fundo, através do espelho d’água.

Debaixo de uma grande ingazeira: pequena cruz tosca, num total de quatro tomadas de musgos, pôde ser vistas, fincadas no chão, pelo solitário visitante; estas completavam o quadro de abandono e desolação em que estavam aquelas terras.

Foi há vinte anos e as pessoas diziam ser possível, ainda hoje, ouvir os sons dos tiros, os gritos de terror e as lamentações dos antigos moradores reclamando por Justiça. Viajantes evitavam aquele cantinho e desinformados que ali passavam, contavam histórias assombrosas, aumentando cada vez mais o estado de desprezo daquele rincão. O silêncio reinante nesse ambiente só era cortado pelo cantar dos pássaros e a respiração ofegante do desconhecido personagem. Ele

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tinha o olhar triste, longe, perdido, buscando alguma coisa; acariciou a crina de sua montaria enquanto seus olhos ladeavam de canto a outro, a velha casa, o alpendre, o terreiro, as cruzes ...

"Mariana, preciso ir à cidade, o inverno está em cima e as nossas

provisões estão no fim. Precisamos nos preparar para esta temporada",

Enquanto falava, o homem dirigiu seu olhar pela janela, divisando grande parte das terras que seriam plantadas novamente. A mulher ou-viu as palavras e concordou com um gesto afirmativo. Naquele ínterim, uma cachopa de seus dezesseis anos adentrou na sala.

"Pai, me deixe ir com o Senhor. Estou precisando comprar algumas coisas pra mim".

"Claro, minha filha. Teu irmão foi pegar o cavalo, logo que ele chegar da manga, nós iremos".

O breve silêncio fui cortado pelo tropel do cavalo que se aproximava seguido de outros. O jovem cavaleiro pulou no chão defronte a casa e correu apressado para dentro; a palidez vinha estampada em seu rosto, logo atrás alguns outros o perseguiam, o mais adiantado de rifle empunhado levou-o ao ombro efetuando um disparo no instante exato em que o mancebo empurrava a porta gritando por ajuda, a bala atingiu - lhe no meio das costas impulsionando-o para frente, enquanto novos tiros eram dados.

“Meu filho, cuidado”.

Gritou a mulher ficando de pé e abraçando-o para caírem trespassados pelos projéteis. O fazendeiro no seu estupor diante da cena, não saiu de si até ser colhido por um disparo em pleno peito que o fez desandar; vários outros o jogaram de encontro à parede, onde este de olhos esbugalhados escorregou lentamente ficando sentado em uma poça do próprio sangue, vidrado na esposa e no filho.

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Quando ouviu o primeiro disparo, a rapariga saiu correndo por uma porta dos fundos da casa em direção ao rio; já alcançava a canoa, quando um dos atacantes arrodeou a vivenda e disparou sobre ela.

Na copa de uma mangueira, talvez a árvore mais velha entre as que se espalhavam em volta da casa; o único sobrevivente daquele massacre acompanhava o morticínio cruel dos seus entes, no mais completo silêncio. Lágrimas afloravam por sua face, enquanto ele, mais e mais fazia força agarrado ao galho da sombrosa fruteira.

Um matador entrou na casa e logo saiu; depois de breve diálogo com o líder do grupo, todos partiram dali.

O pequeno salvara-se por acaso, tinha subido cá para buscar um ninho de galo das campinas, foi quando tudo começou; neste local permaneceu até o fim da invasão. Assim que os invasores partiram, desceu apressado, correu feito loco, trazendo o gosto amargo na boca. Palavras não existiam. A pequena distância entre ele e a casa parecia infindável. Seu coração batia acelerado, uma enorme confusão se formava em sua mente; correu, caiu, levantou, correu, quando alcançou a casa! Tinha a respiração ofegante, a cabeça doía e girava, adentrou a tempo de ver seu pai sem morto ergue a mão para ele; de lado sua mãe e seu irmão entrelaçados num abraço mortal. Quis ir a ela, mas devido a sua morbidez. Correu ajoelhando-se junto ao pai. Tentou falar, porém não tinha voz ela sumira em sua garganta, abraçou seu genitor e este num esforço sobre-humano acariciou seus cabelos. O olhar do homem penetrava no do garoto, nesse transe, conversaram calados por um curto instante, até a vida escapar daquele ser em função dos ferimentos sofridos: sua mão foi pendendo lentamente e tocou o chão onde ficou inerte. A respiração do pequeno era dificultosa, cansada, deitando seu velho sobre o colo enquanto fechava-lhe os olhos, passava as costas da mão no próprio rosto afastando a torrente de lágrimas.

Estava só, todo o seu mundo caíra de uma única vez, era muito para carregar sozinho. Com o passar das horas chegou alguém e aí

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mais gente foi chegando; retIraram-no dali, foi levado à fazenda vizinha, de onde dias depois fugiu, para no mundo solto na vida, tornar-se homem com condições de cobra uma dívida de sangue.

Apeou o cavalo, e num gesto lento andou em direção as ruínas do casarão. Uma brisa soprava tocando seu rosto, enquanto imagens de um tempo perdido fervilhavam na sua cabeça. Entrou: mãos invisíveis pareciam puxá-lo, vozes misturadas, risos e ali estavam eles conversando animadamente reunidos em volta da mesa, fechou os olhos, passou a mão na face e as imagens sumiram assim como vieram. Uma lágrima insistiu em rolar, enxugou-a, deixando o ódio, a revolta que há muito guardava dentro de si vir à tona, era chegada a hora da vingança, e o ponto de partida tinha que ser ali mesmo, a casa de seus pais, palco de um massacre presenciado por ele há vinte anos. Saiu, montou seu cavalo e partiu com a Serra Grande, cento e trinta léguas distante dali; onde as raízes de tantas mortes de fato começaram, guardava bem na lembrança a história contada por sua mãe, quando tinha a idade de oito anos.

Era noite de forró nas terras de Oziel Severino e toda a gente da região dirigia-se para lá; a dita estava animada e o povo dançava tran-qüilo quando surgiu um bate-boca entre Francisco Severino, irmão de Oziel, e outro elemento de nome desconhecido que ali veio brincar a noite toda. Este último estava bêbado, por uma banalidade surgiu à dis-cussão. Francisco Severino sacou sua faca e partiu para cima do ébrio, foi segurado e contido por seu amigo de longas datas: João Vieira. Sere-nados os ânimos, o bêbado foi embora e a festa continuou altiva; desta feita foi Francisco Severino quem se embriagou indo tomar satisfações com o Vieira, que a todo custo evitava o vozerio, inconformado, Fran-cisco sacou de novo a faca e botou se para cima do amigo, que foi esquivando-se dos golpes jogados contra ele, quando sentiu estar encurralado e não podendo evitar o desfecho, sacou sua pistola e disparou no atacante, foi um só tiro, mas que ceifou a vida de Francisco Severino. Em questão de segundos a parentada toda se reuniu apenas

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por milagre João Vieira escapou com vida da chuva de balas disparadas contra ele. “Fugiu dali, passando em casa, juntou os trapos numa carroça e levou a todos para as novas terras onde agora estavam morando”.

Fixaram-se, compraram terras e construíram uma nova vida. A agri-cultura era a fonte de rendas dos Vieiras, assim, viveram em suas incan-sáveis labutas durante o período de quatro anos, quando um dia, localizados por seus inimigos, o pequeno viu sua gente tombar morta por tiros assassinos.

...

Cavalgou dias e noites, a vida lhe ensinou ludo que precisava, era agora homem com idade e condições de cobrar sua vingança; certamente alguns dos Severinos já poderia ter batido com a caçoleta, todavia! Os remanescentes teriam que se ver com ele.

Uma semana depois chegava ao final da jornada. Lá estava Serra Grande, às vistas, logo à frente, esporeou o cavalo adentrando a galope no lugarejo, bastante modificado pelo tempo: passava do meio dia. Parou embaixo de um juazeiro bem defronte à capela local, única construção que parecia manter o aspecto da sua memória de menino. Amarrou o animal, localizou um boteco aberto e para lá caminhou. Além do botequineiro havia outro homem dentro do recinto. Foi direto ao balcão.

- Me bota uma branquinha aí amigo! E me traga algo para comer estou com muita fome.

O vendeiro lhe mediu de alto a baixo.

- Aguarde um pouco e já será servido - respondeu apontando uma mesa vazia ao lado.

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AJUDA AO ACASO

O viandante caminhou até ela e sentou-se, ficando a esperar. Dentro em breve foi atendido, almoçando até desafaimar; nisto, alguém, entrou cambaleando e foi também ao balcão, esse era um sujeito magro, alto, a aparência física e a brancura de sua pele lhe davam um aspecto cadavérico. Pediu uma dose. e foi satisfeito, pediu outra, mas desta vez foi ignorado pelo vendedor.

- Bebeu sua cota de hoje esponja. Caia fora bêbado imprestável - ordenou o comerciante.

O alcoólatra olhou de banda e foi direto para onde estava o foras-teiro, que neste momento espreguiçava-se lento. Erguendo a mão alcan-çou o copo que estava sobre a mesa e o entornou completamente. Velozmente o viajar ficou de pé, encarando o. Foi quando o dono do botequim entremeteu-se.

- Tenha calma moço! Eu vou expulsá-lo daqui. A aguardente fica por conta da casa.

Este ergueu o braço separando-o do bêbado.

- Volte para o seu local. Deixe que eu mesmo resolvo isto. Foi atendido de imediato.

- E traga-me mais um copo e uma garrafa da melhor pinga que você ti ver por aí.

- Certamente moço - respondeu o comerciante ao dar meia volta, deixando-os a sós.

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- Obrigado amigo, eu estou necessitando; é um vício miserável que já não consigo mais conter, é maior do que eu! Vai matar-me qualquer dia destes, mas e daí! Nada tenho a perder; cada qual com o seu destino.

A sorte sorria para ele, então o recém-chegado resolveu segurá-la.

- Besteira homem. Você é quem traça seu destino, às vezes, só às vezes outros o traçam por você mesmo, mais é se próprio quem o realiza.

- Aqui está à bebida e o copo, aviso o de que vai perder tempo com este imprestável - comentou ao retornar o vendeiro.

- Agradecido pelo aviso, mais não se avexe, deixe que eu mesmo resolvo com quem bebo.

O taberneiro deu de ombros e retornou para o balcão, despreocupado, ao passo que seu freguês continuou conversando com o inveterado.

Dessa forma Enanias Vieira, era este o nome daquele homem, cuja saga seria contada por muitos anos em toda aquela região, conse-guiu de maneira suscetível toda informação que precisava saber sobre os Severinos, só terminando a cavaqueira quando o viciado perdeu os sentidos.

"O destino lhe foi camarada" pensou ao sair do boteco com um sorriso nos lábios, traçando em mente um plano de ação que se quer imaginara antes.

Pela tarde ceou no mesmo local e esperou calmamente as horas passarem estumaçando um cigarro de palha. Com a fresca da noite, percebeu um grande movimento no povoado; as pessoas usavam suas melhores roupas e bom número já se dirigia estrada afora, à fazenda de

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Oziel Severino, ao forró em comemoração aos setenta anos de vida do velho fazendeiro.

A obra do destino repetia para ele a mesma situação vivida por seu pai; coincidentemente, quase nos mesmos termos da tragédia anterior.

Alisou o pescoço do cavalo, murmurando baixinho.

- De hoje não passa camarada, aquele maldito ainda é vivo, tanto melhor! Pois foi ele quem liderou o bando no dia do massacre; eu era apenas uma criança, mais me lembro muito bem. Foi amigo de meu pai e várias vezes o vi lá em casa quando ainda morávamos aqui. Ai como o tempo passa, parece que foi ontem. Bom! É chegada nossa hora, companheiro.

O cavalo trotava lento, assim Como há vinte anos seu genitor cavalgou até aquelas terras, agora fazia ele. Seu pai fora como amigo, ao passo que ele ia como inimigo.

Portava na cintura uma bela peixeira e um revólver cano longo nos bolsos grande número de cartuchos; sobre a sela da montaria um rifle papo amarelo, armas com as quais iniciaria sua peleja. Atravessando o dorso do animal, trazia, para completar sua carga, um alforje cheio com mais munição para as duas defensoras. À noite não tinha luar, o que lhe facilitou chegar à fazenda sem ser perturbado. Amarrou o animal numa certa distância, deixando-o encilhado. Feito isso caminhou até a quadra. O forró iniciara há pouco tempo; existindo boa iluminação no local à luz de lamparinas, assim, os foliões dançavam animados. inúmeras mesas espalhavam-se ao redor do salão. Do lado da casa principal, um bar fora montado, dali saia toda a bebida para a festa.

Às horas foram passando e à meia noite o sanfoneiro fez uma pausa; a família reunida então convidou todos os presentes para brindarem aquela data tão significante a clã dos Severinos. As pessoas sentadas ao redor das mesas ficaram de pé, e, em frente numa delas

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junto aos Severinos, um homem permaneceu sentado de costas a clã, alheio ao convite feito a todos.

O filho mais velho de Oziel Severino falou para este.

- Ei, rapaz! Você. Pára um pouco aí. Será que é pedir demais para brindar ao convite que foi feito?

Enanias Vieira virou-se tranquilamente, depositou o copo que segurava sobre a mesa, ao lado de um litro de aguardente pra cima de meio e baixou as mãos para baixo do móvel, só aí respondeu.

- Ouvi sim! Todavia corno posso compartilhar com seu pai desta alegria, se em tempos atrás, exatamente há vinte anos, ele foi capaz de destruir os meus de forma cruel e covarde.

Não tinha terminado a última palavra quando o revólver surgiu em sua mão cuspindo fogo; foi um corre-corre geral. O primeiro disparo atingiu o filho mais velho de seu inimigo no peito, jogando-o para trás. O segundo derrubou outro dos Severinos que corria para a casa; a bala alcançou-o entrando pelas costas na chegada da porta, tombou para dentro. Um terceiro feriu o velho patriarca no ombro, que apesar da idade avançada, era um sujeito taludo e não quedou no terreno. Outros dois filhos deste conseguiram abrigar-se por trás das mesas caídas na correria, e agachados chegaram a casa entrando por uma janela lateral. Oziel abrigou-se antes de um novo disparo protegendo sua mulher, que ao perceber o filho caído no solo, correu até ele, livrando-se das mãos do marido que a segurava. Nova detonação e a anciã pareceu chocar de encontro a uma parede transparente; foi só por uns segundos, pois logo tombou no chão. Os dois que alcançaram a casa saíram fora neste ínterim de rifles empunhados e vomitando balas contra o oponente.

Enanias Vieira já não estava mais no mesmo local, pulara sobre a mesa e rolava por terra livrando-se dos projéteis disparados contra ele.

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O filho caçula de Oziel Severino ao ver sua genitora ensangüentada no terreiro: gritou alucinado, enquanto seu irmão continuava atirando no odiado algoz. Esse por sua vez conseguiu ficar de pé após a última mesa e correu pulando a faxina, ficando fora do raio de luminosidade dos lampiões, candeeiros e lamparinas.

As balas zuniam rente ao seu corpo, mesmo desta forma, Enanias abaixou-se, recarregou o revólver e disparou no mais próximo dos manos. Errou o alvo, contudo, o disparo serviu para fazer o rapaz parar e buscar proteção. Ensandecido, o caçula correu na direção onde o adversário estava disparando enfurecido, não ouvindo o grito do irmão mandando-o parar. Na sua ira não sentiu sequer quando foi baleado, continuou avançando e disparando enraivecido até chegar junto da cerca, já sem nenhuma munição. Ali, arremessou fora o rifle e sacou do revólver; todavia não pôde usá-lo, os disparos haviam cessado e ele não conseguia divisar o caminho tomado pelo contrário no escuro. Agora chegava também junto dele seu irmão. As poucas pessoas que não tinham conseguido entrar no mato e que de alguma forma conseguiram esconder-se dos disparos, abrigados em algum lugar, saíam e prestavam socorros aos feridos.

Benjamim Severino, o caçula, continuava de pé junto da faxina, de arma empunhada olhando a negritude do lugar por onde seu carrasco embuçara. As suas costas seu irmão já ia reclamar da atitude tomada por ele, mas desistiu ao sentir que este titubeava; amparando-o, evitou a queda, vendo nele uma mancha de sangue aparecer sob a camisa em cima do peito esquerdo. Bem, como era chamado, exalou suspirando nos braços do irmão. Só aí! Eduardo Severino, último filho vivo de Oziel Severino, sentiu a tragédia que caíra sobre eles. Amigos o retiraram dali, seu pai queria vê-lo imediatamente, foram os únicos a escapar da matança. Por que sua mãe, dois irmãos e um tio estavam mortos·, tombaram pelas certeiras balas daquele maldito antagônico.

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Nesse meio tempo já tendo chegado ao cavalo Enanias Vieira par-tiu a todo galope, sabia ter deixado um rastro de sangue e muitas mortes, início de sua vingança contra os destruidores de sua família.

O sol estava para se pôr no dia seguinte, quando o funeral dos Severinos chegou ao Campo Santo acompanhado de imenso cortejo. Mesmo ferido, Oziel Severino vinha junto aos seus mortos protegido por doze jagunços, contratados para dar caça ao perigoso inimigo; mantinha-se sereno, em silêncio, sem dar o menor pio.

Eduardo não estava ali, junto a outros peões ficara em casa guardando à fazenda. Era profundo conhecedor da saga entre sua família e a dos Vieiras, sabia também ter um filho do matador de seu tio, sobrevivido ao ataque patrocinado por seu pai em vingança peja morte de seu irmão; mas jamais esperava vê-lo nas suas terras fazendo vingança como aconteceu. Entretanto! Estava redondamente enganado e o sangue derramado cobrava muito mais.

O capelão fez um breve sermão litúrgico para os caixões descerem a terra. O povo foi se dispersando e em pouco tempo só ficou o velho Oziel Severino com os seus homens. Um deles esperava lá fora guardando as montarias vieram sombrios, complacentes a dor do patrão. O cabeça do bando aproximou se do chefe.

- E agora seu Oziel! Vamos dar umas buscas nas redondezas?

O velho assentiu com um gesto de cabeça, montando no seu animal Não tinha mais sol, esse sumira atrás das serras. Foi quando ele surgiu como vindo do nada; entrou no povoado galopando ele rifle empunhado. A certa distância do bando começou a disparar, esses em grande parte não haviam montado ainda.

- Seu Oziel cuidado!

Gritou um dos que acabara de montar, o velho agachou-se na sela e o disparo atingiu a quem deu o alerta arremessando-o no chão. Outros

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dois tombaram ante o ataque inesperado do vingador; os demais, já empunhavam as suas armas. Oziel Severino saltou do cavalo de rifle na mão. Inúmeros tiros buscaram o atacante não acertando a alvo, pois ele cobrira-se na esquina adiante. Moradores da ruela onde acontecia o tiroteio fechavam as portas. Ao ficar coberto, Enanias pulou do cavalo e o fez seguir galopando, na seqüência encostou se na parede. Foi só por uns segundos e o grupo de busca passou galopando em disparada. Soaram novas detonações fazendo cair os homens da retaguarda como o trigo ceifado na colheita. Foram quatro os que tombaram ali; os outros continuaram galopando, alguns ainda responderam aos disparos, no en-tanto sem precisão.

Dando a volta na rua reapareceram comprovando que o Vieira ca-valgava montado num dos cavalos de suas vítimas, abrindo grande van-tagem sobre eles.

O ferimento no ombro de Oziel Severino doía bastante, o que o fez desistir da perseguição pelo menos por algum tempo, retornando para a fazenda, tendo, pois o seu ombro voltado a sangrar em conseqüência dos movimentos realizados bruscamente.

No rancho um pinto foi colocado vivo no pilão, logo, ficou só a pasta sangrenta, que preparada em água fervida estava feito o chá caseiro para aquele tipo de ferida. Oziel Severino ingeriu a mistura lentamente, enquanto Eduardo lhe fazia uma compressa.

- É pai! Apesar de sua idade, vai ver! Logo o senhor estará curado; mas até isso acontecer, quem vai dar umas batidas na região é eu. Amanhã, Tio Teodoro e os primos com alguns homens estarão aqui, devem chegar com a madrugada, dessa forma vamos ter mais condições de dar cabo daquele maldito. Sim! Segundo me disseram, através de comentários, um peão ouviu dizer que provavelmente o maldito está escondido na casa de Emanuel Lourenço.

- O bêbado filho! Tem certeza? – Exclamou saltando da cadeira.

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- Não. Mais pelo menos foram vistos juntos, parece que na quitanda de Pedro Reginaldo.

- Desta eu não sabia. Oxente! Se for verdade aquele mestre do cu sujo vai receber seu quinhão.

- Deixe comigo pai, eu vou pegá-los; o sangue dos nossos mortos reclama por vingança.

O velho assentiu com a cabeça.

-Tenha cuidado, meu filho: aquele homem é um demônio de arma na mão. Eu não quero perdê-lo como já perdi seus irmãos. E lembre-se:

- Ele também quer vingança, o miserável é frio e decidido nas suas ações, isso o torna mais perigoso ainda. Seja cauteloso e não deixe o ódio lhe subir à cabeça.

- Eu serei meu pai, não se preocupe. Amanhã sem mais tardar, trago num saco a cabeça dele e a penduro numa árvore bem à vista de todos. Agora o Senhor descanse, relaxe e durma.

Pela madrugada, Teodoro Severino com seus filhos, Marcos e Chico Severino, acompanhados de mais nove jagunços, chegaram à fazenda. Teodoro participara, comandado pelo irmão, do extermínio a clã dos Vieiras; Eduardo que os aguardava, recebeu a todos sorridente.

- Sejam bem vindos, Tio, primos, Senhores. Aguardava ansioso por vossas chegadas. Mais vamos, desmontem e entrem para cá! Precisam descansar um pouco, pois a jornada foi longa e logo mais teremos um serviço a fazer.

Teodoro desmontou sendo imitado pelos demais acompanhantes; quis ver seu irmão imediatamente e foi levado até ele. Seus filhos ficaram de prosa com o primo, enquanto os outros foram descansar no alojamento dos vaqueiros, já reservado para este fim. Afinal a viagem tinha sido comprida e enfadonha.

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...

Um cheiro de café quente invadiu o recinto entrando pelas narinas do homem, que o absorveu por algum tempo.

- Amigo! Não sei se você veio para o meu inferno ou se caiu do céu: o certo é que já faz muito tempo, vai até pra mais de ano, que eu não tomo café, e pode crer! Antes do álcool era o meu único vício.

O que escutava sorriu antes de responder.

- Ora! Então sirva se à vontade Lourenço. Hoje pode ser o seu dia de sorte e quem sabe você não deixa a cachaça de lado.

- Eu bem que já tentei muito, mais não consigo. “O único jeito de não mais beber é morrendo e eu sei que o meu dia está próximo.” Contudo isto de forma nenhuma me assusta; faz, ou já fez! Não sei de certo vinte anos que cheguei a essa região; na época eu tinha vinte e um anos, desde então me enterrei nessas brenhas, morando cá e acolá. Todavia! O certo foi que saí da cidade, mais que a cidade, essa nunca saiu de mim. Também sou culpado do que acontece comigo e que não posso mudar isso.

- Besteira homem! Não pense assim.

- Não pensar é? Seria bom. Você diz isso só por que não tem conhecimento do meu passado. Mais quem sabe eu não lhe conte ele outro dia, porque agora eu estou pensando é no que os Severinos vão fazer comigo quando descobrirem que fui eu quem lhe ajudou dando todas as informações sobre eles e ainda abrigo na minha morada.

- Não tinha pensando nisto; agora você me botou um monte de sal na moleira. Mais sossegue, quando eu partir daqui não haverá um único Severino por estas quebradas e ainda hoje à noite vou botar fogo naquela fazenda. Porém para a sua melhor segurança vou me esconder no mato, até o sol se pôr.

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-Não! Agora não. Saia só depois deu lhe preparar um pão de milho, a massa tá pronta, só falta água para botar na pãozeira, mais já vou pegá-la no rio - concluiu com um balde na mão e andando para a porta Emanuel Lourenço, "O bêbado" Enanias acompanhou-o com o olhar.

O rio passava a uma centena de metros da casa, esse trazia ao Vieira, lembranças de sua infância em função de que na sua antiga vivenda existia também um parecido com aquele, no qual aprendera a nadar ensinado por seu pai. Espiando para adiante percebeu que para alguém chegar até ali a cavalo, tinha que ser por uma pequena trilha, e esta só daria passagem a um cavaleiro por vez. Dificilmente um Severino ousaria aparecer por cá. Primeiro pelo risco que seria vir a procurá-lo naquele local, e segundo por não terem certeza de sua real posição dentro dos limites daquela região "Pensou". Ainda pela janela viu o amigo abaixar se para encher a vasilha; estranhou ao perceber quando esse deslizou para dentro dágua como num mergulho. Imediatamente sacou sua arma e acercou-se da janela. Soaram vários disparos arrancando pedaços do caixilho desta, isto o fez recuar até a porta dos fundos que dava para a mata virgem. Saindo rastejando foi embuçar-se por trás de uma árvore grossa, tentando localizar seus adversários.

No rio o corpo de Lourenço boiava com uma faca encravada nas costas. Certamente fora jogada de uma curta distância, pois só se era possível ver o cabo da mesma no corpo do infeliz. Acocorou-se novamente de arma engatilhada e percebeu o farfalhar de folhas numa moita próxima às águas onde flutuava o cadáver de seu amigo. Disparou com ódio; por trás dela um elemento levou as mãos ao rosto e rolou caindo na ribanceira, ali esperneou por uns segundos, ficando parte do corpo na beira da água para dentro do rio. Na seqüência uma saraivada de tiros encheu o ambiente vindo contra ele atingindo ao oitizeiro velho, pois ali, já não o estava mais. Enanias rastejara para outro Local, atento aos movimentos pela mata. Percebeu um na porta da

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cozinha e disparou contra ela. Igual a detonação saiu o grito de dor do jagunço ao ser atingido; também a porta escangalhou deixando mostrar aquele que estivera por trás dela. O homem rastejava arrastando-se com uma mão no solo e outra fazendo pressão no abdômen, retomando para a ante-sala. O rifle do dito ficara caído no chão da cozinha sem mais serventia para ele.

Enanias levou a sua arma ao ombro e mirou preciso puxando o gatilho. A cabeça do baleado foi empurrada com violência trazendo o corpo num puxão com o impacto do projétil.

Um terceiro saiu de onde estava para uma árvore a sua esquerda; foi pego por uma bala no meio do caminho e estendeu-se caindo baleado. A pipoqueira dos disparos seguintes foram ensurdecedores e feitos na direção do Vieira, que com toda cautela locomovia-se rente ao chão afastando-se do local, não tendo a mínima idéia do quantitativo de seus atacantes. Numa certa lonjura ficou de pé e correu embrenhando-se mata adentro.

Deixara seu chapéu preso em um galho de mato mais apropriado aos seus planos, esse foi totalmente estraçalhado pelos disparos do inimigo. Na posição frontal dava a cobertura impressão enganosa aos caçadores do último Vieira. Quando cessaram os tiros, reinou silêncio. Eduardo, os primos e outros seis jagunços protegendo-se uns aos outros em cobertura, vieram até o local onde deveria estar o corpo do rival, constatando desolado o ardil que o outro usara enganando-os. No entanto, havia sangue gotejado pelo solo no exato lugar onde ele tinha estado e pendurado o chapéu. Com precaução, deram umas voltas pelos arredores, mas nada encontraram. Enanias Vieira sumira sem deixar rastro visto que nem um pingo de sangue fora o do local achado foi encontrado. Fosse como fosse, a verdade é que o caçado escapulira ao ataque.

Depois de varrerem palmo a palmo toda extensão da briga num raio de quarenta metros, tomando por referência a casa do ébrio,

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resolveram retomar a fazenda; agora com mais três baixas e a dúvida de terem ou não ferido o oponente. Consigo trouxeram o corpo de Emanuel Lourenço, e quando ao passarem pelo centro do lugarejo, penduraram o morto pelo pescoço em uma corda deixando-o enforcado em uma árvore no adro da Igreja.

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DESTINO CAMARADA

Na fuga foi que Enanias Vieira veio perceber estar baleado. Após atravessar o rio e de sangue frio, passou a sentir o estômago em brasa, mesmo assim, caminhou entre quatro a cinco horas seguidas na direção oposta às terras dos Severinos. Começou em dado momento a sentir-se zonzo, os corpos como: pedras, árvores, aves, moitas e outros giravam a sua vista. Cambaleante, esforçou-se para continuar em linha, sabendo que sem ajuda iria sucumbir fatídico. Passou a mão no rosto, enxugando o suor corrente, gélido, e aí! Exangue, apoiou-se, encostando-se a um tronco de pata de vaca. "Mororó", Transcorridos alguns minutos em determinada direção divisou um vulto que bem poderia ser de uma casa, como de outra formação qualquer. Apertou os olhos fortemente e mirou bem o ângulo avistado, demoradamente. Passado certo tempo em conseqüência da sua elevada fraqueza não distinguiu o que seria, mas assim mesmo, juntou todas as suas forças restantes e andou para lá sem esperança de assistência.

Uma voz de menino soou distante aos seus ouvidos e ali tombou fora dos sentidos já no terreiro do vulto na verdade uma casinhola de taipa.

Acordou pela madrugada, percebendo um curativo na barriga feito à base de folhas piladas a espalharem-se por todo o tórax e um bálsamo morno repousando untado à testa. O cheiro das ervas lhe causavam um excelente bem estar, além de elas provocarem uma profunda dormência. Olhando para os lados, notou, recordando os últimos acontecimentos, que estava bem acomodado sob uma cama de palhas num recinto muito pobre. Verificou curioso, existir no cômodo um baú no pé da parede lateral e outro móvel de madeira bastante tosco; na

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parede, pendurado a meio pau, um candeeiro lúgubre luzia clareando o ambiente por inteiro. De repente! A cortina de fazenda armada na entrada do aposento foi afastada por uma mão magérrima, dando passagem à dona da casa, uma anciã de sorriso largo. Esta lhe entregou nas mãos um prato de barro, contendo uma sopa fina a qual tomou pausadamente.

- Já estou me sentindo melhor. Obrigado. Mas gostaria de saber onde estou minha boa Senhora?

Perguntou com a voz sumida, o acamado. A setuagenária sorriu antes de responder.

- Entre amigos, meu filho. Agora quero que volte a dormir; vá recuperar suas forças que depois teremos tempo de prosear. Vossemecê perdeu muito sangue - completou, levantando-se e saindo do quarto.

Ao ficar sozinho, o homem mergulhou em seus pensamentos de olhar fixo na chama da lamparina, embriagado com o dançar do finíssimo véu de fumaça a sair do pavio desta. Logo chegou o sono apoderando-se dele e levando-o ao mundo dos sonhos.

Despertou na metade da manhã quando o sol caminhava alto, mal abriu os olhos já deparou com sua salvadora cuidando lhe da ferida.

- Vosmecê é mesmo um sujeito de sorte, a bala que entrou em tu, pegou em cima do umbigo saindo abaixo no pé da barriga - revelou à velha.

- Então devo ter sido baleado ao levantar, estava deitado no chão e ao me apoiar nas mãos para ficar de pé uma bala qualquer deve ter passado por baixo de mim entrando e saindo rasgando as minhas carnes em linha reta. Graças a Deus foi minha sorte do contrário teria ficado lá mesmo; mais também se não fosse por sua ajuda a estas horas eu já tinha "abotoado o paletó" fazia tempo. Agora já me sinto com

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forças para lhe dizer que desde aquele momento que vossemecê me recolheu lhe serei eternamente grato e enquanto vida tiver terei sempre esta dívida para com a Senhora e sua família.

- Não foi nada meu filho; você não me deve nada e não tem com o que se preocupar estando aqui. Eu estou apenas cumprindo com a minha obrigação logo não se avexe com coisa alguma que vossemecê está entre amigos.

- Como assim? - ficou curioso o enfermo "Pois tinha absoluta convicção de não conhecer ninguém naquele sertão".

Ao ver o semblante pesado do homem a mulher esclareceu a questão - Calma, que vou explicar agorinha mesmo. José Venâncio! Venha cá, meu filho.

Um menino de doze anos no máximo aproximou-se da cama, tinha o rosto redondo parecido com o da genitora.

- Veja! Este é o meu filho caçula; tenho outros três que já não moram mais comigo são casados e vivem lá no arraial. Foi um deles que veio cá no dia seguinte ao ocorrido na fazenda de Oziel Severino e nos avisou do que sucedeu àquela noite, ainda disse como vosmecê era. Assim, quando chegou aqui foi fácil reconhecê-lo, e é claro! Tá ferido ajudou também - o Vieira interveio ainda sem compreender.

- Mais o que é que tem esse fato com a sua ajuda?

A Velha sorriu para responder.

- Tudo. Sou viúva, meu marido morreu a alguns anos, de doença, mais sem ele não teria tido os filhos que tenho. José é meus pés e mãos e se o tenho é porque graças ao seu pai o dos meus meninos há mais de vinte anos não foi covardemente assassinado pejo irmão de Oziel Severino; então se desde esse dia nós temos esta gratidão para qualquer um dos Vieiras e se pude lhe ajudar agora me sinto feliz, como sei que o falecido lá onde estiver se encontra também.

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Após esta explicação Enanias Vieira sorriu consigo, estava em boas mãos; repetidamente, como que estava predestinado, o destino o ajudara.

Cinco dias depois se sentia bem melhor já fazendo inúmeros movimentos sem sentir dores. No sexto dia a sua protetora trouxe notícias de que os Severinos estavam a sua procura, caçando-o, revirando casa por casa onde passavam em toda àquela vasta região.

Diante das alvíssaras esse achou por bem partir, para melhor segurança daquelas pessoas. Agradeceu comovido pelo apoio recebido de mãe e filho, cujos nomes guardaria sempre na memória, e, partiu entrando na mata pelos fundos da casinhola.

A presença daquele homem durante estes dias passou despercebida dos vizinhos mais perto da velha Senhora; dessa forma pessoa alguma imaginava onde o vingador Vieira andava, ou sequer que fora ajudado por alguém.

De volta à mata Enanias tomou a direção da casa de Emanuel Lourenço. Andava desarmado, tinha certeza de encontrar alguma arma que fosse no local do conflito e de dar ao corpo do amigo um justo enterro. Sujeito a quem havia conquistado a amizade para sem querer levá-lo à morte. Preso a esse pensamento, certas horas depois na entrada da noite chegou ao seu destino. A lua clara facilitou lhe encontrar seu revólver perdido na beira do rio por onde escapulira naquela noite. O fedor de carne podre chegou às suas narinas irrompendo nos ares. Amarrou um lenço no pescoço tapando o nariz e atravessou o rio.

A cena era por demais desagradável de ser vista; os corpos em decomposição e faltando partes comidas por algum animal, continuavam no mesmo local! Os outros se quer enterraram seus comparsas, negando-lhes um justo sepultamento. Quão cruéis eram seus adversários "Pensou",

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Volteou de lado a outro do rio nos dois sentidos e não encontrou o corpo do ébrio. Mas! Nos arbustos onde ficara o suposto elemento esfaqueador de Lourenço, encontrou um rifle escorado nos cipós entre as folhas viçosas da moita. Comprovou que a arma estava carregada e que não fora usada. Depois, revistou os cadáveres conseguindo mais de vinte cartuchos em ótimo estado, prontos para uso. Agora, já não estava de mãos abanando, só lhe faltava à montaria, pois iria precisar de uma para continuar sua luta.

Depois de refletir bastante entrou na trilha tomando a direção de Serra Grande, decidido a encontrar um bom cavalo. Certo comerciante seria visitado por ele na certa foi quem o delatara da conversa que teve com Emanuel aos Severinos e por isso seu infeliz amigo perecera "Matutou”.

O dia vinha amanhecendo quando entrou no arraial. Procurando não ser visto, com um chapéu de abas largas caindo sobre a testa, avançou até alcançar a Quitanda Bar. Não existia movimento pela ruela, isto facilitou chegar despercebido. Bateu à porta e uma voz veio lá de dentro.

- Calma que já vou abrir. Mais quem diachos é nesta hora?

- É da parte do Seu Oziel Severino, bodegueiro Pedro - mal terminou a frase a porta do boteco foi aberta para ele.

- Bom dia seu, Pedro Reginaldo. Lembra-se de mim?

Perguntou apontando seu revólver para o comerciante e fechando a porta atrás de si. Pedro Reginaldo desandou a tremer.

- Não me mate! Não tive culpa. Eles me obrigaram a falar. Alguns jagunços andaram aqui no dia seguinte àquele forró e fui obrigado a contar o que sabia; ou seja, quase nada, porque não sabia o que conversaram, não é do meu costume ficar escutando a conversa dos outros. Acredite moço.

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- Sei! Sei, bom! Vou fazer de conta que acreditei. Pelo menos por enquanto; no entanto há uma forma de reparar seu erro.

- Qual? Me diga. Faço qualquer coisa mais não atire em mim.

- Quero munição, um bom cavalo, querosene e fogo. Concorda?

- Sim! Claro. Como não?

- E vá me dizendo do que foi feito com o corpo de Emanuel Lourenço? Pois ele foi morto por aqueles pistoleiros caindo na água do rio; pelo que tinha me feito.

- Eduardo Severino com mais alguns peões trouxeram o corpo dele e penduraram na marizeira para amedrontar quem pensasse em lhe ajudar; porém, devido à decomposição, o velho que veio à cidade anteontem permitiu que o infeliz fosse enterrado.

- Melhor assim. Agora vamos ao que interessa moço. Preciso de montaria e como estou vendo uma sela pendurada ali na parede, sei que tem cavalo. Onde ele está?

- No muro da casa. O que pretende você com os demais objetos pedidos?

Enanias sorriu.

- Não é lá da sua conta. Quando eu sair daqui sei que irá correndo para as terras dos meus inimigos contar-lhes tudo. Pensando bem! Acho que você não vai poder abrir seu boteco hoje.

- Seu menino! O Senhor acha que sou louco? Se eu fosse falar com eles não seria acreditado nem que quisesse; da forma que estão com ódio de você, acabariam achando que lhe ajudei de gosto, por causa de ser a segunda vez que você vem aqui, e aí! Quem acabaria levando a pior seria eu. Bah! Vê se logo que conhece muito pouco os inimigos que tem.

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- Pode ser. Eu até acredito em você, no que acaba de dizer, só que se eu descobrir que me tapeou, acho-o, e mato-lhe antes que a eles. Entendeu?

-Sim. Totalmente - respondeu o vendeiro, vencido pela promessa do outro. Terminada a conversa Enanias pegou a munição, o querosene, e no muro fez o quitandeiro selar o baio. Após, saiu por uma porteira na parte traseira do quintal indo embora despercebido, pois as demais residências permaneciam fechadas por medo aos últimos acontecimentos.

Pedro Reginaldo respirou aliviado recobrando a cor quando seu indesejável visitante partiu. Fechando a porteira, voltou aos seus afazeres. Tinha esperança dos Severinos não descobrirem de ter sido forçado a municiar aquele homem. Preocupado, balançou a cabeça murmurando compenetrado.

- Seja o que Deus quiser!

O moleque capinava um tanto afastado de casa, no entanto de onde estava a via bem. Largou da enxada e correu para ela quando da aproximação de um grupo de jagunços fortemente armados. Estes desmontaram já parados na frente da mesma, e alguns entraram empolgados porta adentro. Chegou a tempo de ver sua mãe empurrada para fora por um homem daqueles; levantou-a e ficou abraçado a ela enquanto o homem retornava ao interior da tapera. Pouco depois, todos saiam frustrados, cheios de zanga.

O líder do bando em pessoa era o velho Oziel Severino, com ele estava seu irmão Teodoro, fazendo-se acompanhar de mais cinco peões; este primeiro fitando à anciã indagou-a.

- Velha! Não teria passado por aqui algum homem ferido pedindo ajuda?

- Não Senhorzinho. Não que eu tenha visto.

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-Veja bem velha! Queremos esse homem e ao que tudo indica ele veio para esses lados. Se o vir ou souber do paradeiro dele! Avise-nos ou será pior para você e seu frangote. Fui claro?

- Como o sol. Mais já lhe disse que não vimos ninguém. Todos deste vale sabem do ocorrido à vossa família e não vão querer saber de se meter em estender a mão pra esse sujeito.

- Corretos estão. Só assim viverão mais tempo. Porém tenho que certificar-se pessoalmente com os meus olhos e homens, pode ser que alguém não pense como tu velha.

- Eu sei e entendo. Mesmo agente dizendo que ele não está vossamecê vai entrar em nossas casas “esburafacando” tudo, só pra ter certeza. Não é isto seu Oziel?

- Verdade velha; pois ele estando quem vai ter a coragem de dizer que sim? E quanto a você moleque! Não cruzou com algum estranho por aí?

- Não Senhor. Não pessoa desconhecida.

- Praga dos infernos! Parece que aquele maldito escafedeu se. Mas ainda iremos achá-lo, isto eu garanto que vamos.

Desabafou para Teodoro completar.

- Pode apostar que sim, mano – completou aquele até ali calado, e tomando a palavra.

- Montem homens, aqui não achamos nada, vamos adiante.

Já montados todos partiram dali. Outras casas seriam revistadas naquele dia com a mesma energia antes da chegada da noite.

Quando saíram, a velha sorriu consigo mesma; não tinham desconfiado de nada. Por sorte, não chegaram a virar o colchão onde às manchas de sangue, únicas marcas deixadas pelo ferido ainda existiam

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acolá. Apertando o corpo do filho contra o seu, foram arrumar os troços revirados pela tropa, e para a sua total segurança, ninguém ligara a história do seu falecido marido com a de José Vieira; isto era fato esquecido até pelos Severinos, "Pensou".

Durante os sete dias seguintes, Enanias Vieira "O cavaleiro da vindicta" escondeu-se numa serra nos arredores locais, conhecida por Serra do Vital. Esta possuía um rincão de mata virgem seguida por uma cadeia de elevações rochosas estendendo-se por quilômetros de extensão. Além das árvores e das formações, outra riqueza natural era a variedade de cavernas inexploráveis existentes ao longo da cordilheira. Numa dessas o vingador ficou embuçado, elaborado o próximo passo.

Depois de duas tentativas furtivas na calada da noite, concluiu que sozinho não teria condições de invadir a fazenda, pois essa encontrava se formidavelmente vigiada.

No aconchego da toca, resolveu por contratar três ou quatro matadores de aluguel em outra região, e já decidido aonde ir procurá-los, partiu para Santa Cruz de Fora, antes mesmo do amanhecer do dia a fim de ajustar com os que pudesse contar. Na saída verificou o querosene cobrindo-o de ramos, deixando-o protegido.

Santa Cruz de Fora ficava situado na direção Leste, muna distância aproximada de trinta e duas léguas e apesar do nome bíblico, sua gente compunha-se da mais variada e pior espécie; desde o ladrão simples ao mais temível matador, era a escória das outras, pois para ali convergia lodo tipo de elemento temente a Justiça, isto se dava em função da citada ter sido fundada por um célebre aventureiro, líder de um bando de quadrilheiros e também por sua isolada posição às demais cidades sertanejas iguais a ela. Até aqueles meados o braço da lei não adentrara naquele torrão, como tantas similares; já era difícil subsistir as comandadas por Coronéis, então impossível a Santa Cruz de Fora, onde o mal parecia fluir da terra.

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OS QUATRO DA VINDITA

Cavalgou um dia e uma noite até chegar àquela cidade. No decorrer desse tempo, os Severinos alargaram suas buscas aumentando cada vez mais o raio de procura na caça ao último dos Vieiras; entretanto estas batidas estavam dando em nada assim resolutos, após perceberem o fiasco nas diligências, promoveram uma reunião na fazenda afim de discutirem as novas medidas a serem tomadas.

Santa Cruz, manhã, um trio da pior espécie era contratado por Enanias Vieira: homens sem alma, matadores de aluguel, que a troco de alguns tostões topavam toda e qualquer parada, com estes, formou um quarteto.

Cavalgavam em silêncio no retorno à Serra Grande em pares, Enanias na parte detrás acompanhado do mais moço matador, um rapaz moreno de cabelos lisos, olhos de uma cor esverdeada, nariz afilado, lábios carnosos, sobre os quais aparecia uma ligeira penugem; estatura mediana, de nome Francisco do Nascimento Luiz, atendia pela alcunha de "Marisco" Estava sempre sedento por uma boa peleja.

Os dois à frente formavam uma dupla semelhante ao que um dia foram no passado. Um ex-padre excomungado da Igreja Católica em função dos incontáveis abusos praticados por ele nas diversas paróquias onde passou. Era de elevada estatura, pele branca, trazendo no rosto um sinal ao lado do bigode na parte direita da face; seu verídico nome ninguém sabia, nem lho dava ao conhecimento de outrem, atendia simplesmente por Vigário.

O segundo fora pastor de uma irmandade religiosa independente da Igreja Católica, tido como protestante à Sé de Roma. Abandonara sua fé pegando em armas depois de certa ocasião em que um latifundiário mandou destruir o seu Santuário de pregação; nessa

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derrocada perdeu a esposa fiel companheira de jornada no recinto que lhes servia de morada. Coincidentemente na noite da tragédia havia saído de casa para prestar auxílio religioso a um irmão de fé, prostrado no leito de morte, conseguindo dessa forma escapar da insânia cruel. Seus camaradas lhe tratavam por Pastor, tinha mais ou menos a mesma altura do companheiro ao lado, sendo seu legítimo nome José Maria do Parto.

Vieram por Serra do Vital, onde no esconderijo da caverna fizeram breve parada para repouso, e, traçando planos de ação a serem empregados de imediato partiram para o povoado; a caminho, Enanias estancou a montaria embaixo de um jatobá, cuja raiz se apresentava coberta por uma extensa camada de ervas emaranhadas ao tronco da mesma e a subir-lhe para os galhos, ali colocou camuflado o galão de querosene com o qual guardava a esperança de arder à casa de Oziel Severino, mesmo que em último ato. Na continuidade voltou a galgar a sela de sua montaria assistido por seus comparsas. Reiniciando marcha levantaram uma nuvem de poeira pela estrada velha, para dentro de pouco tempo atingirem ao vilarejo.

Nas terras dos Severinos, ficou decidido ao término da reunião que Eduardo mais oito homens passariam uma temporada na Vila, Marcos e Chico, desconhecidos na região, sairiam percorrendo todo o rincão, indo inclusive às terras do finado Zé Vieira; se preciso contratariam mais gente já que os dois irmãos permaneceriam na fazenda com a proteção de vários peões, isto até a eliminação do antagônico. Separados em grupos, acreditavam serem maiores as possibilidades de derrotarem o inimigo, pois tinham certeza de que na hora menos esperada ele reapareceria.

O grupo destacado ao povoado, depois de providenciar os acertos finais deixou à fazenda partindo para Serra Grande.

Pedro Reginaldo empalideceu bruscamente ao perceber a entrada daqueles homens em seu estabelecimento.

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- Deus do céu! Você é louco. O que é que ainda está fazendo neste lugar. Não sabe que os Severinos montaram um verdadeiro exército para capturá-lo?

Enanias Vieira sorriu seguro de si.

- Tenha calma homem não esquente esta cachola, pára ela um pouco; isto que eles têm já se era de esperar, mais por outro lado, eu também possuo o meu e assim fica tudo igual. Agora ver lá àquela caninha que vosmecê guarda por ai, e sirva aos meus novos camaradas.

Falou reunindo-se ao trio junto dele; estes se sentaram ao redor de uma mesa olhando em conjunto para o boquiaberto botequineiro e aos demais fregueses. Enquanto aguardavam, depositaram suas armas sobre a mesa bem a vista dos que estavam ali, e um a um, os presentes foram deixando o ambiente. Nesta mesma hora, o bando comandado por Eduardo Severino apontava na rua principal, quase chegando ao bar. Já aí! O último freqüentador do boteco a deixar o recinto, chegava à porta ficando entre os lados opostos. Assombrado, correu gritando em busca de proteção.

- Saiam da rua que a bala vai rolar!

O grito serviu de alerta para ambos os lados. Eduardo e os seus foram às armas saltando dos animais. Os do botequim, com as suas em mãos iniciaram o festim de chumbo atirando primeiro. Pedro Reginaldo pulou para trás do balcão ficando agachado enquanto as detonações ecoavam em larga escala. Dois na rua foram alvejados quando buscavam posição, despencando mortos. Um terceiro desses foi jogado fora da sela pelo cavalo ao cair ferido na passagem peja frente das portas, sacudido para diante, rolou na terra e rapidamente se levantou sem ter sofrido nada grave. Eduardo com dois jagunços ficou dividido dos demais disparando coercitivos; os disparos causavam um

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verdadeiro pandemônio no interior da venda, mas não conseguia acertar nos alvos.

- Não se arrisquem demasiado, pois o miserável agora conta com ajudantes também - gritou possesso a cria de Oziel Severino aos quatro no outro extremo.

Vieira, Marisco, Pastor e Vigário, postados no forro de tábuas, ficaram limitados a efetuar um ou outro disparo que só servia para manter os algozes em distância. Pedro Reginaldo estava apavorado rezando coeso a sua fé, amparado por trás do balcão de tijolos, comum à época, não conseguindo, contudo pronunciar corretamente uma oração. Os tiros passavam por cima dele espatifando as garrafas da prateleira e danificando outras mercadorias quando atingidas.

Enanias conhecedor da saída traseira da Quitanda Bar rastejou até a porta que dava acesso ao quintal do estabelecimento, acompanhado de Vigário; saindo pelo muro, arrodearam caminhando por trás das muradas vizinhas vindo Enanias sair no beco do lado esquerdo, e o ex religioso no lado oposto, ao passo que os dois posicionados no bar continuaram efetuando disparos sem a mínima precisão para manter voltadas à frente do ambiente, as atenções.

Um jagunço foi autorizado por Eduardo a ir buscar reforços decorridos os primeiros momentos de fuzilaria compacta. Levantando-se da posição onde estava, correu para os cavalos soltos adiante. Enanias Vieira chegava naquele momento em posição de fogo, acontecendo o mesmo com Vigário; nestes ângulos, ficaram nas costas dos adversários, encontrados decúbitos no chão disparando contra as entradas da venda. Eduardo Severino era o único deles protegido amparado ao tronco de uma algaroba na terceira casa frontal à bodega, quando veio lembrar-se de ordenar o cerco ao local, já era demasiado tarde, e constatou isto no exato instante em que seu peão montava no cavalo saindo galopando rumo ao rancho. O viu levar às mãos a cabeça degringolando da montaria.

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Vigário foi o autor do disparo, Enanias aproveitando a oportunidade saiu em aberto caminhando para cima da jagunçada, ao tempo que disparava repetidas vezes manobrava seu rifle com magnífica velocidade e destreza. Copiando-o, Vigário também movimentou-se em aberto, estatuindo há hora de muitos morrerem.

Ao perceberem os gritos na ruela, Marisco e Pastor correram saindo do bar, consolidando a força do quarteto. Eduardo disparou contra Enanias, errou o tiro por que precisou jogar-se no solo no segundo que acionava o percussor de sua arma, evitando assim, projéteis direcionados a ele. Colhidos de surpresa, os adeptos do clã dos Severinos não tiveram a menor oportunidade e condições de resistir ao fogo cruzado; tombaram um após outro. O último a cair conseguiu ainda ficar de pé frente ao inimigo mais próximo, porém antes de disparar, foi alvejado duas vezes por outro antagônico.

Eduardo não percebendo está só, rolava no chão buscando distanciar-se dos balázios levantando pó junto a si; acaso sua arma favorita ficara perdida no solo afastada de seu alcance, ao passo que, despercebido da realidade açulava gritando pelo nome os seus partidários de campanha. Subitamente! Sobreveio um silêncio sinistro e junto à compreensão dos latos. Inativo, grassado a terra, tentou puxar o revólver de dentro da camisa, firmado na braguilha, quando já! Ciente do seu desastre.

Impedindo-lhe o complemento da ação, o bico de uma bota acertou-lhe no meio das costas, fazendo largar da arma pela dor sentida.

- Levante-se moço! E não tente nenhuma proeza.

Vigário apontando o rifle para este, foi quem o chutara e ordenara ficar de pé. Adiante Enanias o contemplava de víeis passando suas armas às mãos de Pastor e Francisco, recomendando para não interferirem.

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Eduardo Severino respirou fundo enchendo os pulmões de ar, e vagarosamente escoltado pelo pistoleiro encurtou os metros de separação dele ao famigerado oponente.

Frente a frente, se contemplaram rodeados do trio mercenário. Em silêncio, repentinamente um punho iniciou a quebra da pausa reinician-do o combate.

Enanias foi soqueado no rosto caindo para trás, sem perda de tempo seu rival saltou sobre ele, encontrando na defensiva um par de pernas que lhe arremessou longe. Reconstituídos, se estudaram em movimento giratório circular. Eduardo olhando nos olhos do algoz abaixou o corpo inclinando-se o suficiente para retirar do cano da bota um punhal de fabricação artesanal. Nesse instante, Pastor fez menção de disparar nele foi impelido por Vigário que conduzindo um idêntico, arrastou-o da bainha e arremessou ao seu chefe. '

O tilintar das lâminas uma contra a outra, podia ser ouvido por toda extensão da pequena rua. Brigavam movidos por um ódio incontrolável que lhes dava maior vigor. Um bote desequilibrou o Vieira, e, Eduardo sorriu ao meter sua arma na direção da jugular do êmulo; este virou se de lado movendo o corpo por puro reflexo; todavia a lâmina não foi totalmente desviada passou abrindo um talho no ombro esquerdo, errando a direção por muito pouco. Novo bote e desta feita o contendor Vieira teve o braço fendado; o corte obrigou-o a soltar a arma perdendo pela segunda vez o equilíbrio físico, aproveitando a vantagem, o filho remanescente de Oziel Severino ergueu os braços para o alto empunhando sua lâmina com segurança, Entrementes! Antes da arma descer num último lance, Enanias arrojou-se contra o adverso caindo ambos ao chão, agaturrados rolando pejo terreno. Eduardo tentando cravar seu instrumento nas carnes do antagonista, que segurando o punho do aço evitava o desfecho, transcorridos alguns minutos a situação continua inalterável com os dois começando a dar sinais de

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cansaço. Vigário, Pastor e Francisco, assistiam passíveis, encorajando seu líder com gritos de incentivo.

Foram orientados a não auxiliá-lo fisicamente em qualquer briga corporal entre este e algum membro que fosse da mesma linhagem dos Severinos caso viesse acontecer como aquela.

A ponta do punhal tocou o rosto de Enanias Vieira reacendendo sua ira. Sempre segurando o braço do rival, forçou-o para cima num movimento seguido desviando o gume de lado, e, rolando agarrado com este ficou por sobre ele; torcendo a mão do mesmo direcionou a lâmina contra o corpo do próprio. Agora! Era o jovem Severino quem fazia força evitando o golpe contra si. Em dado momento não mais suportou a crescente pressão exercida nos braços do outro, deixando esgotado a arma branca descer de vez rasgando-lhe as entranhas. Sentado sobre o corpo do moribundo, Enanias ergueu os braços por sobre a cabeça fechando nas mãos O cabo da arma e os baixou com raiva em derradeiro golpe. Sentindo o agonizante estremecer esvaído em sangue, rapidamente saiu de cima dele. Eduardo Severino estava morto; ficou ali mesmo no meio da rua com sua arma cravada no corpo, enquanto o trio contratado festejava o vencedor.

- Agradeço a vocês por não terem interferido. Matar este homem não me deu prazer, mais aplacou um tanto a minha sede de vingança; foi como se a minha família estivesse assistido a tudo, talvez por isso tenha conseguido vencer.

Explicou um tanto tácito.

Francisco trouxe os cavalos e Vigário entrou na taberna acompanhado por Pastor; foi logo gritando ao vendeiro.

- Levante homem! A festa chegou ao término. Olhe aí se sobrou alguma garrafa inteira pra lavarmos o ombro do nosso chefe. Sim! Antes bote duas pequenas doses, estamos com uma sede endiabrada.

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O comerciante saiu de sua posição obedecendo descorado a determinação do aventureiro. Logo a dupla deixava o recinto reunindo-se de volta na ruela aos dois camaradas.

Após lavarem o ombro ferido de Enanias Vieira discutiram brevemente a seqüência dos seus planos, já que este encontro fora uma casualidade oportuna. Concorde, montaram e partiram esporeando suas montarias no sentido da fazenda de Oziel Severino, crentes de encontrarem-na vulnerável

Momentos antes, um morador local amigo dos Severinos saiu às escondidas do povoado galopando acelerado com destino à residência desses, para avisar dos fatos acontecidos no vilarejo. Conseguindo as-sim, vencer mais da metade do caminho em dianteira aos quatro infernais cavaleiros da amargura, vindo muito atrás, alheios a esse fato no intuito de arrasarem a propriedade do inimigo assassínio da família Vieira; e à frente destes, o último dessa descendência.

Pararam no local onde estava camuflado o querosene, voltando rapidamente à marcha inicial carregando o produto; favorecendo inconscientes ao portador do aviso que lá chegando comunicou o ocorrido prevenindo o ataque do quarteto.

"Retornarei por outro caminho arrodeando por dentro da mata, apesar de mais longe, mais seguro". Raciocinou.

Oziel Severino não teve tempo de lamentar a perda do filho, sabedor que estava da investida oposta. Teodoro o lembrou.

- Apesar de nossas perdas, a sorte ainda não nos abandonou completamente, este aviso é prova disto. Seja forte que já! Já! Teremos esse filho de uma rangueira em nossas mãos.

- Tem razão mano! Agora não é hora para choro; vamos primeiro pegar este maldito e depois o faremos morrer mais de uma vez.

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Posicione seus homens para tocaiá-los quando estiverem totalmente ao nosso alcance, que eu já estou pronto.

- Sossegue que já o fiz, passei todas as informações necessárias aos nossos capangas. Pajeú o meu capataz está agora mesmo posicionado a peãozada da seguinte forma. Cinco peões ficarão no celeiro, três no alojamento dos vaqueiros; eu, você e mais dois sendo um Pajeú e o outro a escolha dele, ficaremos aqui no alpendre. Com isso, tenho certeza de que os pegaremos de modo fácil, fácil, pois eles estão vindo entrar numa ratoeira que será à última de suas vidas.

- Assim espero. Agora fale um pouco desse tal Pajeú, ouvi alguém comentando certas coisas desse moço que me intrigaram bastante; Também pudera! Essa caboclada é fã de dar com a língua nos dentes, e por muito pouco aumentam uma conversa a ponto de transformar uma chuvinha de nada na maior tempestade.

- Disto eu sei! - interrompeu Oziel - Mas acontece que um dos seus filhos foi quem me falou desse mestiço ter parte com a coisa ruim, e que tiro, faca ou outra coisa não lhe entram na pele, pois o homem tem o corpo fechado.

- Oziel olhe! De fato eu ali outro qualquer a meu serviço já viu tal feito acontecer. Mais! Essa história a respeito desse rapaz corria de boca em boca, inclusive com o causo, lá na região dele pras bandas do rio Pajeú. Veja: lá vem ele voltando, vamos encerrar este assunto que depois procuraremos saber dele se isto é verdade ou não, se de fato essa história lhe interessar. Agora é melhor nós nos concentrarmos na espera do inimigo.

- Claro! Claro, quanto isto mais rápido terminar, muito mais rápido daremos um decente enterro a Eduar...

A emoção não deixou Oziel prosseguir.

Esmerindo Pajeú meteu-se pelo alpendre acompanhado de outro jagunço, informando aos patrões! "Que tudo estava preparado e que só restava esperar".

1.

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FRENTE AO PACTOÁRIO

Há primeira hora passou sem novidades, deixando os jagunços apreensivos. Uma segunda também transcorreu-nos mesmos padrões, aumentando o estado de enervamento da espera; no meio da terceira, um dos peões saiu da tocaia e veio até a casa principal.

- Senhorzinho Teodoro! Deve de ter acontecido alguma coisa, eles já deviam de ter chegado aqui pelo menos há duas horas. Será que não foi alarme falso? - perguntou estando na frente do casarão.

- É claro que não foi. Mariano da Vila não brincaria com assunto tão sério; agora volte à sua posição.

- Já estou voltando, só vim mesmo porque estava preocupado com alguns dos nossos meios nervosos - alertou o cabra.

Pajeú ficou cismado ao ouvir as informações, e assim avisou para este acautelar aqueles.

- Pois diga lá praqueles cagões, que se tranqüilizem, ou vou eu lá pra ter com eles.

Olhando com temor para Esmerindo Pajeú, o peão balançou a cabeça num sinal de afirmação retomando ao seu lugar.

A demora dos quatro se dava em função de súbita vontade nos ex-religiosos ao atingirem mais de três quartos do caminho, de pararem para realizar certas preces que julgavam poderosas no fechamento do corpo a facas e tiros: Com isto, mais de hora passaram realizando suas penitências em íntimas súplicas, se guardando e recomendando os parceiros menos crentes. Após este tempo seguiram marcha adiante.

Aquele sicário voltava à sua posição, quando os quatro invadiram a fazenda disparando para todos os lados num ataque genérico; sem proteção caiu varado por vários projéteis atravessarem-lhe as carnes do

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tórax, sem disparar um único tiro. Para atingirem à casa-grande do fazendeiro, o vingador Vieira junto aos seus camaradas, teriam que passar entre o celeiro e o alojamento da vaqueirada, e isso foi o que fizeram no galope que vinham. Teodoro, Oziel, Pajeú e o quarto no alpendre em posição de fogo, dispararam suas armas ao ficarem de frente com os invasores, vencido sobre intenso tiroteio o primeiro obstáculo não esperado, fazendo ai, duas baixas nos ocupantes do celeiro. Já neste segundo não tiveram a mesma sorte, perderam Marisco atirado fora da sela por um balaço de Pajeú, caindo, porém sem largar o rifle. José Maria recebeu uma bala no ombro, mas não quedou. Enanias e Vigário atravessaram ilesos disparando todo tempo, eliminando na troca de tiros o peão junto a Esmerindo, alvejando-o na cabeça. Saindo em campo livre os atiradores de tocaia correram atirando nas costas do trio adiante, inclinados nas selas a ouvir o zim-zim do chumbo sibilando sobre eles, disparados por todos os inimigos nas suas retaguardas,

No pátio da fazenda, Francisco elo Nascimento Luiz "Marisco" fez um gigantesco esforço e conseguiu ficar de pé atirando no homem que julgava Oziel Severino, voltado para os seus amigos, bem como os demais.

Atingido no pescoço Teodoro Severino tombou para frente já sem vida. Incrédulos! Oziel e Esmerindo voltaram-se surpresos para trás, onde viram neste ponto o ferido ensangüentado disparar novamente; a bala entrou nas costas de outro peão jogando-lho de encontro ao parapeito. Dois disparos instantâneos estouraram a cabeça do jovem mercenário em seguida a este último ato.

A duzentos metros da casa grande ficava o curral do gado, e por trás deste o trio se acobertou. Cá, um peão foi ligeiramente buscar os cavalos; enquanto arrodeado dos remanescentes, Oziel Severino refazia sobre o corpo do irmão as juras de vingança. Acreditava ter os três adversos passados direto, cavalgando fugindo, como Enanias fizera em

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outra oportunidade parecida. Triste engano! Pastor disparou várias vezes em algumas reses causando o estouro da manada de cerca de duzentas cabeças. O gado quebrou o curral e partiu arrebentando tudo pelo caminho seguido do trio atirando para cima, fazendo com isto, aumentar a correria do rebanho. Ao perceberem a manobra, os seguidores de Oziel Severino pularam para o alpendre buscando proteção. Nesta hora o som das detonações era abafado pelo estrondar dos cascos dos animais na terra.

Alguns cavalos trazidos pelo vaqueiro livram se de suas mãos e fugiram assustados. A pé, sozinho não muito longe do estouro, o peão entrou em choque, sem definir para onde correr; num último segundo, voltando-lhe a razão em função do crescente perigo, tentou alcançar o celeiro. Tarde demais, as reses mais adiantadas O estraçalharam pisoteado, as próprias que caíram durante o trajeto foram sendo esmagadas pelas posteriores. Rapidamente desde o início da estourada, uma nuvem avermelhada do pó da terra foi se formando e velozmente se expandiu tapando a visão dos combatentes.

Ao aproximar-se da casa do fazendeiro, vindo na cauda da boiada com seus ajudantes, Enanias Vieira abandonou-a e veio dar na porta da cozinha; entrando na casa derramou o querosene e ateou fogo, saindo depressa sem ser percebido voltando para onde estava seus simpatizantes.

Oziel Severino com os seus por causa do estouro, mantinha as atenções presa na boiada, mantendo-a afastada da casa, quando esta passou completamente foi que veio perceber o fumaceiro escapando de dentro da sua residência, com chamas lambendo as janelas laterais dos cômodos na extensão final da saliência. Aperreado, interpelou Esmerindo Pajeú.

- E agora! O que é que devemos fazer? Não tarda e labaredas aparecem por cá sem que possamos combatê-las; por outro lado, se sairmos daqui vamos dar de cara com as balas daqueles miseráveis na

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espreitada ai fora. Por isso! Você de quem se fala tantas coisas Pajeú. Diga o que vamos fazer?

O caboclo olhou em silêncio a Oziel e sorriu misterioso, cheio de segurança.

Aceleradamente a casa estava se transformando numa armadilha mortal, sem que nada pudesse ser feito para evitar esse destino, e fora, outra estava armada pelo trio posicionado a gosto, afastados um do outro só esperando o início da debandada por parte dos que estavam no alpendre.

Neste momento a fumaça preta invadia ao telheiro ardendo nos olhos do grupo; Esmerindo na beirada da cobertura gargalhou diabolicamente causando arrepios até nos seus colegas.

- Agora Oziel Severino - avisou - agüente aqui durante mais uns minutos, que já não demora para seus inimigos perecerem. Completou á frase saltando para o terreiro e caminhando ao encontro dos sitiantes, de peito aberto.

Nestas alturas a poeira feita pela boiada baixara por completo, oferecendo ao caboclo ampla visão do terreno. Enanias Vieira posicionado numa cavidade terreal plana estranhou a atitude do outro, e também ficou de pé partindo ao encontro deste, ignorando os apelos de Vigário mais perto de si.

- Eita que lapa de Cabra Macho! Gosto de ver homem assim; só por isto vou lhe dar a chance de se defender em igualdade de condição.

Gritou parando a uns dez metros do desconhecido, que sorrindo estranhamente levantou sua arma bem devagar à posição de fogo. Enanias ao contrário, veloz como um tigre, posicionou a sua e disparou toda carga no antagônico. Que! Inexplicavelmente continuava de pé, como se nenhum dos projéteis lhe tivessem acertado; para a total incompreensão do Vieira, ciente de não ter falhado em um só disparo.

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Aqueles no alpendre não suportando mais a fumaça ardente, ao som da primeira detonação, passaram para o pátio da propriedade, assistindo boquiaberto a cena dos tiros e comprovando por si mesmos serem verídicos os boatos de que o Pajeú tinha de fato parte com o demo.

Vigário, profundo conhecedor de orações misteriosas sobre quem pairava certo misticismo, ao ver Enanias Vieira efetuar o primeiro disparo no inimigo e este não dar importância ao fato, imediatamente tirou um frasquinho do bolso, quebrando-o a despejar seu conteúdo em cima de sua arma. Ainda rapidamente, sacou sua lâmina e cortou o polegar direito em forma de cruz, manchando com sangue o percussor do rifle, terminando o ritual quando soava à última detonação feita por seu chefe.

No exato instante em que o caboclo ia disparar convicto de ter aterrorizado os oponentes, mostrando-se quem o era na verdade; soou a explosão do tiro feito pelo ex-padre. O impacto do balaço bento fez Esmerindo Pajeú largar sua arma libertando um urro descomunal e desandar soltando sangue pela boca aonde o balázio entrara certeiramente. Instantaneamente, os demais pontos visados pelos certeiros tiros do Vieira no corpo do pactuário começaram a fluir sangue em grande quantidade.

Ainda de pé, firmando-se, o caboclo Pajeú olhou par Enanias Vieira e gritou para cair sem vida.

- Infeliz de quem está com você e quebrou o... Não chegou a completar a frase.

Oziel Severino numa derradeira cartada ofereceu pela eliminação oposta, metade de suas posses aos seus seguidores, partindo juntos ao encontro desses.

Enanias Vieira, Pastor e Vigário, já esperando esta atitude, fizeram iguais, encurtando a distância do confronto final.

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Pararam frente a frente, quatro contra três, disparando uns nos outros a mais ou menos vinte braças. O primeiro homem a tombar foi do lado de Oziel caiu varado pelos tiros inversos; o mesmo aconteceu a Pastor, que ferido no ombro não disparava preciso como Dantes; assim sucumbiu fadado. O próximo a perecer tombou com dois balaços. Vigário terrível na pontaria O derrubara acertando-lhe uma bala na panturra e outra entre os olhos; ao mesmo tempo foi também mortalmente ferido caindo por terra. Enanias frente aos dois derradeiros êmulos disparou sedento, derrubando o último jagunço e alvejando Oziel, da mesma forma revidando o disparo, soando as duas detonações como uma só.

Enanias Vieira sentiu a cabeça entrar em parafuso e caiu no solo baleado de raspão, meio zonzo, perdendo a arma.

Oziel Severino sentiu a fisgada no braço, mas permaneceu de pé, estático, constatando que o tiro apenas roçara a pele ferindo-o superficialmente, sem largar da sua.

Passados os dois primeiros segundos, o velho soltou um grito eufórico de braços abertos a sacudir seu rifle.

- Sim! Sim, finalmente a vitória me pertence.

Falou caminhando para onde estava caído de bruços o adverso, ensangüentado, respirando pausado. Encostando sua arma engatilhada na cabeça do outro, explicou em voz baixa.

- Você perdeu, não foi fácil mais você perdeu. Agora miserável, quero ver seu rosto a expressão da derrota e a que fará quando meter-lhe a bala nos couros.

Disse empurrando com o solado da bota o corpo do Vieira. Este já recobrado os sentidos, rolou de lado fazendo aparecer seu inestimável revólver cuspindo fogo. Surpreendido, Oziel apressou-se para disparar,

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porém! Era tarde, sentiu o impacto no ombro rasgando-lhe as carnes e músculos deixando pender sua vara de fogo.

Enanias Vieira ficou de pé, olhando nos olhos do homem destruidor de sua família, homem a quem ele vivia apenas para matar, e neles viu o ódio, o medo, a dor; só então falou acalmado.

- Achava mesmo que depois de tudo, seria tão simples me matar sujeito?

Oziel baixou a cabeça derrotado, humilhado; não degringolara com o tiro sofrido.

- Você - prosseguiu Enanias - matou o meu pai, minha mãe, meu irmão e minha irmã. Eu! Só não morri também junto com eles, porque naquele momento não se encontrava em casa naquele dia. Entretanto! Não estava longe, estava perto, para ser exato, eu estava mais do que perto, estava em cima de uma mangueira tirando um ninho que lá achei, no terreiro de casa; assim, por acaso, escapei vendo os meus entes queridos morrerem, por você e seus homens. Velho maldito! Imagine o ódio que lhe tenho?

Oziel Severino permaneceu calado; sério; olhou para seu carrasco e relembrou da cena há mais de vinte anos. Foi responsável pela dizimação dos Vieiras; sabia disso, no entanto o que mais lhe doía era agora reconhecer a culpa de seus atos. Até ela responsabilidade da ruína dos seus pelas mãos daquele justiceiro. Segurando o ombro ferido esperando o tiro fatal, chegou a pedir.

- Termine com isto. Atire logo. Por favor!

Enanias agachou-se de cócoras sem perdê-lo de vista, apanhando seu rifle atirou-o longe, e afastando-se andou de costas até um cavalo bem perto, segurando-o pelas rédeas sempre mirando no fazendeiro, montou no bagual.

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- Não! - falou - seria muito bom para você. Adeus Oziel Severino, eu esperei todo esse tempo para matá-lo, agora que o tenho nas mãos, quase chego a ter pena de você. Viva. Viva! Viva para sentir o peso do remorso da culpa por todas estas e outras mortes, viva o seu tormento que para mim, você está morto em vida.

O velho continuou sisudo, as verdades daquelas palavras lhe doíam mais que o ferimento do tiro. Olhando viu quando o adversário esporeou a montaria partindo sem olhar para trás. Espiando de lado verificou sua fazenda totalmente arrasada; estava sozinho, sem os filhos, a mulher e os irmãos. Sentiu vontade de chorar, mas! Não sabia como. Assim ficou ali de pé durante horas, contemplando o fogo terminar de consumir sua morada. Desligado voltou a si ao sentir o toque de uma mão no seu ombro sã. Eram os irmãos seus sobrinhos que acabavam de voltar. O mais moço falou.

- Tio! Conte-nos o que houve aqui? Onde está o nosso pai?

- Morto. Todos morreram - murmurou.

- E o tal Enanias Vieira? - perguntou o segundo.

- Veja ele acolá - apontou para o cadáver pisoteado de marisco, transformado numa massa desconhecível - o sujeito também morreu, a luta acabou.

Os dois jovens entreolharam-se, e dando meia volta abandonaram o local. A alguns metros adiante estancaram as montarias; olhando por cima dos ombros, de lá o sobrinho mais velho falou.

- Terminou tio! Mais a que preço? Valeu à pena tudo isto? - con-cluiu esporeando o cavalo afastando se dali seguido do caçula.

Não obtiveram resposta nem se dignaram a olhar para trás novamente, a revolta por perderem o pai era bem maior que o amor ao tio.

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Enquanto isto:

Enanias Vieira cavalgava na pradaria se afastando mais e mais de Sena Grande, desde então, nunca mais alguém ouvira falar dele, o tinham como morto.

Oziel Severino permaneceu em pé, deixando o sangue escapar por seu ferimento até sentir-se fraco e deitar-se no solo, para não mais levantar.

FIM

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