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Historiografia e pós-modernismo * F. R. Ankersmit M eu ponto de partida neste artigo é a atual superprodução dentro de nossa disciplina. Estamos familiarizados com a idéia de que, den- tro de qualquer área de historiografia que possamos imaginar, em qualquer especialização, uma quantidade superabundante de artigos e livros é pro- duzida anualmente, tornando conhecê-los todos tarefa impossível. Isto é válido até mesmo para as diferentes áreas dentro de uma só especialização. A título de ilustração, darei um exemplo na área de teoria política, com a qual estou bem familiarizado. Quem quisesse adentrar a filosofia política de Hobbes, uns vinte anos atrás, precisava apenas de dois comentários im- portantes sobre sua obra: os estudos de Watkins e de Warrrender. É claro que havia outras obras, mas após a leitura destes dois livros poder-se-ia estar razoavelmente bem “situado”. Porém, qualquer um que, em 1989, tenha a coragem de tentar dizer algo significativo a respeito de Hobbes terá de ter lido uma pilha de vinte a vinte cinco estudos tão cuidadosamente escritos quanto abrangentes; lhes pouparei enumerá-los. Ainda mais, estes estudos são via de regra de tão alta qualidade que não podemos nos dar ao luxo de não lê-los. Existem dois aspectos desta superprodução não-intencional. Em pri- meiro lugar, a discussão sobre a obra de Hobbes torna-se uma discussão sobre a interpretação da obra de Hobbes, em vez de ser uma discussão so- bre a obra em si. O texto original às vezes parece ser pouco mais do que a quase esquecida razão da guerra de interpretações de hoje em dia. Em se- gundo lugar, por evidentemente prestar-se a múltiplas interpretações, o texto original de Hobbes perdeu sua capacidade de funcionar como árbi- tro no debate dentro da História. Devido a tantas interpretações, o texto em si tornou-se vago, uma aquarela na qual as linhas se fundem. Isto signi- fica que a ingênua crença de que o texto poderia oferecer uma solução para nossos problemas de interpretação tornou-se tão absurda quanto crer em sinalização de rosa-dos-ventos. O resultado paradoxal desta situação é que Topoi, Rio de Janeiro, mar. 2001, pp. 113-135.

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Historiografia e pós-modernismo*

F. R. Ankersmit

Meu ponto de partida neste artigo é a atual superprodução dentro de nossa disciplina. Estamos familiarizados com a idéia de que, den-

tro de qualquer área de historiografia que possamos imaginar, em qualquerespecialização, uma quantidade superabundante de artigos e livros é pro-duzida anualmente, tornando conhecê-los todos tarefa impossível. Isto éválido até mesmo para as diferentes áreas dentro de uma só especialização.A título de ilustração, darei um exemplo na área de teoria política, com aqual estou bem familiarizado. Quem quisesse adentrar a filosofia políticade Hobbes, uns vinte anos atrás, precisava apenas de dois comentários im-portantes sobre sua obra: os estudos de Watkins e de Warrrender. É claroque havia outras obras, mas após a leitura destes dois livros poder-se-ia estarrazoavelmente bem “situado”. Porém, qualquer um que, em 1989, tenha acoragem de tentar dizer algo significativo a respeito de Hobbes terá de terlido uma pilha de vinte a vinte cinco estudos tão cuidadosamente escritosquanto abrangentes; lhes pouparei enumerá-los. Ainda mais, estes estudossão via de regra de tão alta qualidade que não podemos nos dar ao luxo denão lê-los.

Existem dois aspectos desta superprodução não-intencional. Em pri-meiro lugar, a discussão sobre a obra de Hobbes torna-se uma discussãosobre a interpretação da obra de Hobbes, em vez de ser uma discussão so-bre a obra em si. O texto original às vezes parece ser pouco mais do que aquase esquecida razão da guerra de interpretações de hoje em dia. Em se-gundo lugar, por evidentemente prestar-se a múltiplas interpretações, otexto original de Hobbes perdeu sua capacidade de funcionar como árbi-tro no debate dentro da História. Devido a tantas interpretações, o textoem si tornou-se vago, uma aquarela na qual as linhas se fundem. Isto signi-fica que a ingênua crença de que o texto poderia oferecer uma solução paranossos problemas de interpretação tornou-se tão absurda quanto crer emsinalização de rosa-dos-ventos. O resultado paradoxal desta situação é que

Topoi, Rio de Janeiro, mar. 2001, pp. 113-135.

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o texto em si não tem mais autoridade em uma interpretação e que nossentimos até compelidos a recomendar que nossos alunos não leiamLeviathan independentemente; é mais fácil antes tentar encontrar um ca-minho através da selva das interpretações. Resumindo — não temos maistextos, mais passado, apenas interpretações destes.

Quando leio os artigos e revisões que anunciam novos livros no Ti-mes Literary Supplement, no New York Review of Books ou nos jornaisespecializados que têm aumentado de quantidade a um passo alarmante,não duvido que as coisas são as mesmas em outras áreas de historiografia.A situação que Nietzsche temia há mais de cem anos, a situação na qual ahistoriografia em si impede nossa visão do passado, parece ter se tornadorealidade. Esta enchente de literatura histórica nos dá não somente umasensação de forte desalento, como também esta superprodução, inegavel-mente, tem algo de pouco civilizado. Associamos civilização com, entreoutras coisas, um senso de moderação, um meio-termo entre o excesso e afalta. Porém, qualquer senso de moderação parece ter se perdido no nossoatual alcoolismo intelectual. Esta comparação com o alcoolismo é tambémmuito justa porque o livro ou artigo mais recente sobre um tema qualquertambém pretende ser o mais novo drink intelectual.

Esta situação, é claro, não é novidade; portanto não foram poucas astentativas de assegurar algumas perspectivas tranqüilizadoras de futuro paraos historiadores desanimados. O historiador holandês Romein viu nestasuperprodução uma tendência à especialização e clamou por uma históriateórica que reverteria a pulverização da nossa compreensão do passado cau-sada pela especialização. A história teórica nos elevaria a um ponto de vistamais largo, do qual poderíamos vistoriar e trazer ordem ao caos causadopela superprodução e pela especialização.1 Porém o livro de Romein, divisorde águas entre duas eras, é prova de que é mais fácil dizer que fazer. Acimade tudo, o problema parece ser que neste nível mais exaltado proposto porRomein, uma real integração entre as especializações ainda é difícil de atin-gir. A historiografia integral leva à enumeração antes do que à integração.

Uma outra saída para o dilema é apontada pela Escola dos Annales.Ela tem se debruçado prioritariamente sobre a descoberta de outros obje-tos de pesquisa no passado; com esta estratégia efetivamente tem a chance

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de novamente encontrar a História em estado puro. É claro que este é umalívio temporário: dentro em breve, inumeráveis historiadores, sejam elesfranceses ou não, se apropriarão desses temas e logo eles também estarãocobertos por uma crosta espessa e opaca de interpretações. Existe mais aser dito sobre quão engenhosa a Escola dos Annales é em descobrir temasnovos e excitantes. No decorrer deste artigo voltarei ao tema.

A questão crucial agora é que atitude tomar quanto a essa superpro-dução de literatura histórica que está se espalhando qual um câncer portodas as suas áreas. O desejo reacionário pelo comportado ambiente dahistória de cinqüenta anos atrás é tão sem sentido quanto uma resignaçãodesalentada. Temos de compreender que não há retorno. Já foi calculadoque hoje em dia há mais historiadores debruçados sobre o passado do quea quantidade total de historiadores desde Heródoto até 1960. Não é preci-so dizer que é impossível proibir todos esses estudiosos de hoje em dia deproduzir novos livros e artigos. Tampouco ajudam reclamações sobre a perdade um elo direto com o passado. Porém, o que realmente ajuda e tem sen-tido é definirmos um novo e diferente elo com o passado, baseado em umreconhecimento total e honesto da posição em que nos encontramos comohistoriadores.

Existe ainda outro motivo para buscarmos essa direção. A atual su-perprodução de literatura histórica pode realmente ser considerada mons-truosa se partirmos do ponto de vista tradicional sobre a missão e signifi-cado da historiografia. Esta, hoje em dia, já se libertou do seu casulo tradi-cional, teórico e auto-regulador e está, portanto, precisando de novas rou-pagens. Não para tentar ensinar ao historiador como realizar seu trabalhonem para desenvolver uma teoria Vom Nutzen und Nachteil der Historie fürdas Leben. Quanto à primeira parte deste último enunciado, não há lugarfora da historiografia em si do qual possam ser retiradas regras para o mé-todo de trabalho do historiador; se estes considerarem um dado significa-tivo, então ele é realmente significativo e ponto. Quanto à segunda parte,não creio que a historiografia seja útil ou que tenha alguma desvantagemreconhecível. Não quero com isso dizer que ela é inútil, mas sim que oquestionamento quanto à utilidade ou desvantagens da historiografia éimpróprio — um “erro de categoria”, conforme a expressão de Ryle. A His-

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tória e a consciência histórica pertencem, junto com a poesia, literatura epintura entre outros, à cultura, e não se pode fazer perguntas significativasquanto à utilidade da cultura. A cultura, da qual faz parte a historiografia,é antes o pano de fundo do qual ou contra o qual podemos formar nossasopiniões, por exemplo, quanto à utilidade de certas formas de pesquisacientífica ou de certos objetivos políticos. Por esta razão a política e a ciên-cia não fazem parte da cultura; se algo pode ser usado, ter desvantagens ouainda ser utilizado para manipular o mundo, este não é parte da civiliza-ção. A cultura e a história definem formas de uso, mas não podem elasmesmas ser definidas em termos de utilidade. Pertencem aos domínios dos“pressupostos absolutos”,2 tais como os define a terminologia de Colling-wood. Este é também o porquê de a política não dever interferir na cultura.

Portanto, se quisermos encontrar nova roupagens para a historiogra-fia, como considerado necessário acima, o problema mais importante se-ria situá-la na civilização atual, como um todo. Este problema não é denatureza histórico-cultural ou interpretativa, e poderia ser comparado como tipo de problema que nos colocamos quando consideramos o lugar ousignificado de determinado evento no curso de nossas vidas. Em geral, éestranho que os historiadores e os filósofos da história tenham prestadotão pouca atenção nos últimos quarenta anos aos paralelos apresentadosentre o desenvolvimento da atual historiografia e o da literatura, críticaliterária — resumindo, da civilização. Aparentemente, o historiador nãopercebeu ter nenhuma razão a mais que o químico ou o astrônomo parasuspeitar da existência desses paralelos.

Não pretendo aqui determinar o lugar da historiografia desta forma.Irei, ao invés disso, afastar-me ainda mais para certificar-me se a superpro-dução historiográfica tem sua contrapartida em uma parte considerável dasociedade e civilização atuais. Quem já não ouviu o clichê de que vivemosem uma era de excesso de informação? No decorrer de toda essa teorizaçãosobre a informação — que por vezes é mais profunda que por outras —dois dados importantes para este artigo se destacam. Em primeiro lugar, éestranho que se fale freqüentemente da informação como se fosse algo quasefísico. A informação “flui’’, “se move”, “se espalha”, “é trocada”, “é guarda-

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da” ou “é organizada”. Lyotard fala do Estado como de um corpo que re-tém ou dispensa fluxos de informação.3 A informação parece ser um líqui-do de baixa viscosidade, somos inundados por ele e perigamos nos afogar.Em segundo lugar, quando falamos de informação, a própria idéia de in-formação assumiu um lugar conspícuo em relação ao conteúdo mesmo dessainformação. Essa relação era normalmente inversa. Tomemos como exem-plo uma alegação informando que “Em 1984 Ronald Reagan foi eleitopresidente dos EUA”. O enunciado informativo em si era encoberto pelosfatos que ele descrevia. Porém, na nossa atual forma de falar sobre infor-mação, a realidade sobre a qual versa a informação tende a ser relegada apano de fundo. A realidade é a informação em si e não mais a realidade portrás desta informação. Isso dá à informação uma autonomia própria, umasubstância própria. Assim como existem leis que descrevem o funciona-mento real das coisas, parece também poder haver um sistema científicoque descreva o funcionamento deste líquido singular que chamamos in-formação. Gostaria também de agora dizer que, sob a perspectiva da teoriade Austin sobre o ato da fala, a informação poderia ser tanto consideradaatuante quanto não atuante. Esse é sem dúvidas um dos aspectos mais fas-cinantes do fenômeno da informação.4

Ultimamente, muitos têm percebido essa mudança de atitude quan-to ao fenômeno da informação. Teorias têm sido propostas e os teóricosenvolvidos têm, via de regra, feito renome. Neste contexto, comumentefalamos de pós-modernistas ou de pós-estruturalistas que são, compreen-sivelmente, contrastados com os modernistas e estruturalistas do passadorecente. Em 1984, uma conferência muito interessante em Utrecht dedi-cou-se ao pós-modernismo, mas qualquer um que tenha comparecido àsexposições concordará que não é fácil definir satisfatoriamente os concei-tos de pós-modernismo ou de pós-estruturalismo.5 Mesmo assim, é possí-vel discernir suas linhas gerais, como o fez Jonathan Culler em um livrorecente.6 A ciência era o alfa e o ômega dos modernistas e dos estruturalis-tas; estes a viam não somente como o mais importante produto mas con-comitantemente como o máximo produto da modernidade. Tal raciona-lismo científico não é um problema para os pós-modernistas e pós-estru-turalistas; eles a vêem como por fora ou por cima. Nem criticam nem re-

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jeitam a ciência; não são irracionalistas, mas sim lhe demonstram a mesmaindiferença que observamos anteriormente nas atitudes de hoje em dia sobrea informação. Não é uma questão de metacrítica da pesquisa científica oudo método científico como a conhecemos na filosofia da ciência. Esta úl-tima permanece inerente ao cientificismo dos modernistas; os filósofos daciência seguem as linhas de raciocínio dos cientistas e estudam seus cami-nhos, desde a descoberta de dados empíricos até a teorização. Para os pós-modernistas, tanto a filosofia da ciência quanto a própria ciência formamo produto, o ponto de partida para suas reflexões. E os pós-modernistastambém estão pouco interessados na questão sociológica de como os cien-tistas pesquisadores reagem uns aos outros ou sobre como se relacionamciência e sociedade. A atenção do pós-modernista não está focada nem napesquisa científica nem na maneira como a sociedade digere os resultadosdesta pesquisa científica, mas tão-somente no funcionamento da ciência eda informação científica em si.

Para o pós-modernismo, a ciência e a informação são objetos de estu-do independentes, que obedecem às suas próprias leis. A primeira regraprincipal da teoria da informação pós-moderna é a lei que reza que a infor-mação se multiplica. Uma das características mais importantes da infor-mação é que informação realmente importante nunca está no fim de suagenealogia, mas que a sua importância reside realmente na posteridadeintelectual que ela outorga. A própria historiografia é uma excelente ilus-tração disto. As grandes obras da história da historiografia, como as deTocqueville, Marx, Burckhardt, Weber, Huizinga ou Braudel têm provadoser os maiores estimulantes de uma nova onda de publicações, em vez deconcluir uma genealogia de informação como se o problema em questãotivesse sido definitivamente solucionado. “Paradoxalmente, quanto maispoderosa e autoritária a interpretação, mais análises ela suscita”.7 Do pon-to de vista modernista, a forma pela qual justamente a informação maisinteressante gera ainda mais informação é, obviamente, incompreensível.Para estes, informação significativa é exatamente aquela que põe fim àsanálises; não conseguem explicar porque justamente o que pode ser discu-tido é o fundamental para o progresso da ciência, por que, como dizBachelard, os fatos que podem gerar discussão são os fatos reais.

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É importante, dentro do arcabouço deste artigo, ver com maioresdetalhes este pós-modernismo que é acientífico antes de anticientífico. Emprimeiro lugar, ele pode nos ensinar o que deveríamos compreender comohistoriografia pós-moderna e que, em segundo lugar, a historiografia sem-pre teve algo de pós-moderna. Um bom exemplo do critério pós-modernode ciência é a “descontrução” — para usar o termo correto — da causalida-de por Nietzsche, que muitos consideram ser um dos mais importantespilares do pensamento científico. Na terminologia da causalidade, a causaé a origem e o efeito, o produto secundário. Nietzsche então demonstraque procuramos as causas apenas baseados em nossas observações dos efei-tos e que, portanto, o efeito é, de fato, o produto principal e a causa, osecundário. “Se o efeito é o que causa que a causa seja uma causa, então oefeito, não a causa, deve ser tratado como a origem”.8 Quem discordardizendo que Nietzsche confundiu a ordem dos fatores respectivamente dapesquisa e da realidade não estará percebendo o cerne de sua linha de pen-samento, pois este é precisamente o artificialismo da hierarquia tradicio-nal de causa e efeito. Nosso treinamento científico, por assim dizer, “esta-bilizou-nos” em uma aderência a essa hierarquia tradicional, mas além destetreinamento intelectual não há nada que nos obrigue a continuar dessaforma. O mesmo, se não mais ainda, pode ser dito da inversão desta hie-rarquia.

Esta é a maneira de se colocar os fatos no pós-modernismo. A ciênciaé “desestabilizada”, colocada fora de seu próprio centro, a reversibilidadede padrões de pensamento e de categorias de pensamento é enfatizada, sema sugestão de uma alternativa definida. É uma forma de crítica desleal daciência, um golpe abaixo da linha da cintura que talvez não seja justo, masque por esta mesma razão realmente atinge a ciência onde ela é mais sensí-vel. A racionalidade científica não é aufgehoben de uma forma hegelianaem relação a uma outra coisa, nem é verdade dizer que toda forma de visãoevoca automaticamente a sua antítese; antes, é o reconhecimento que todoponto de vista tem, além de seu interior cientificamente aprovado, umexterior que não é percebido pela ciência. Em seu Tractatus, Wittgensteinjá havia sugerido algo similar para todas as linhas de pensamento válidas.De fato, esta vem a ser a linha válida de pensamento que almeja tornar-se

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supérflua, o que portanto é sempre uma viagem através do território dainverdade — isto é, a viagem desde o equívoco inicial até o insight correto.Conseqüentemente, o que é verdadeiro estará sempre maculado pelo quenão é verdadeiro.

Uma conclusão tanto lógica quanto ontológica pode ser ligada a esteinsight; juntas elas dão uma idéia da natureza revolucionária do pós-mo-dernismo. Vamos primeiro analisar a lógica. Para o pós-modernista, ascertezas científicas sobre as quais os modernistas sempre trabalharam sãotodas como que variantes do paradoxo do mentiroso. Isto é, o paradoxodo cretense que afirma que todos os cretenses são mentirosos; ou, paracolocá-lo mais sucintamente, o paradoxo do enunciado “este enunciado éfalso”, onde este enunciado é um enunciado sobre si mesmo. É claro quetodo o drama do pós-modernismo está contido no insight de que todosesses paradoxos podem ser vistos como insolúveis. Aqui devemos lembrarque a solução para o paradoxo do mentiroso que Russell, através de suateoria dos tipos e da distinção entre predicados e predicados de predicados,propôs no Principia Mathematica, é até hoje reconhecida como uma dasmais fortes bases da lógica contemporânea.9 A meta dos pós-modernistasé, portanto, tirar o tapete debaixo dos pés do modernismo e da ciência.Também aqui a melhor ilustração da tese pós-moderna é providenciadapela historiografia. Interpretações históricas do passado primeiramente setornam reconhecíveis, primeiramente adquirem suas identidades atravésdo contraste com outras interpretações; elas são o que são somente na basedo que não são. Qualquer um que conheça apenas uma interpretação, porexemplo, da Guerra Fria não conhece nenhuma interpretação deste fenô-meno. Todo insight histórico tem, portanto, intrinsecamente uma nature-za paradoxal.10 Sem dúvida, Hayden White, em seu livro Metahistory — omais revolucionário em filosofia da história nos últimos vinte e cinco anos—, estava pensado dessa mesma forma quando caracterizou toda historio-grafia como fundamentalmente irônica.11

Vamos agora pensar em ontologia. Em sua desconstrução da hierar-quia de causa e efeito, Nietzsche opunha nossa maneira de falar da realida-de aos processos dentro da realidade em si. A distinção atual entre lingua-gem e realidade perde então sua raison d’être. A linguagem científica, par-ticularmente, não é mais um “espelho da natureza”, mas é uma parte do

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inventário da realidade, tanto quanto os objetos reais que a ciência estuda.A linguagem é usada na ciência como uma coisa12 e, como defendeu HansBertens na Conferência de Utrecht sobre pós-modernidade,13 coisas narealidade adquirem uma natureza “semelhante à linguagem”. Mais uma vez,a historiografia apresenta a melhor ilustração para tal. Como veremos dentroem breve, é a linguagem histórica que apresenta a mesma opacidade queassociamos às coisas na realidade. Além do que, tanto White como Ricoeur(a quem eu certamente não estou chamando de pós-modernista) gostamde dizer que a realidade passada deve ser vista como um texto formuladoem língua estrangeira, com as mesmas dimensões léxicas, gramaticais, sin-táticas e semânticas que qualquer texto.14 É também característico que oshistoriadores demonstrem em suas reflexões teóricas uma tendência acen-tuada de falar sobre a linguagem histórica como se esta fizesse parte da rea-lidade em si e vice-versa. Portanto, Marx falou da contradição entre forçasprodutivas e relações de produção como se estivesse discutindo afirmaçõessobre a realidade em vez de aspectos desta realidade. De forma similar, oshistoriadores freqüentemente gostariam de ver esta mesma singularidaderealizada para a linguagem histórica, como o são caracteristicamente osfenômenos históricos.15 Resumidamente, a resistência latente e freqüente-mente inconsciente à dicotomia linguagem/história que os historiadoressempre demonstraram teve sua origem no desconsiderado, mas ainda as-sim correto, insight destes sobre a natureza fundamentalmente pós-modernade sua disciplina.

Quando a dicotomia entre linguagem e realidade está sendo discuti-da, o estoicismo não estará longe. Pois não nos dão ambas as linguagens doromancista e do historiador uma ilusão de realidade, seja ela de ficção ougenuína? Ainda mais importante, Gombrich já nos ensinou em vários tex-tos que a obra de arte, isto é, a linguagem do artista, não é uma reproduçãomimética da realidade, mas sim um seu substituto ou reposição.16 Lingua-gem e arte não se colocam em oposição à realidade, mas são eles mesmosuma pseudo-realidade, portanto, encontram-se dentro da realidade. A bemdizer, Merrill, em sua brilhante genealogia do pós-modernismo, já demons-trou o quanto os pós-modernistas desde Nietzsche até (incluindo) Derridabuscam estender o esteticismo sobre todo os domínios de representaçãoda realidade.17

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Este esteticismo também harmoniza-se com os insights recentementeadquiridos sobre a natureza da historiografia — isto é, o reconhecimentoda dimensão estilística no texto histórico. Para os modernistas, o estilo eraanátema ou, na melhor das hipóteses, irrelevante. Citando uma palestrarecente de C. P. Bertels: o “texto refinado, a demonstração de estilo literá-rio, não acrescenta um átimo de verdade nem à pesquisa histórica nem aqualquer outra pesquisa histórica”.18 O que importa é o conteúdo; a ma-neira, o estilo com que este é expresso, é irrelevante. Porém, a partir de Quinee de Goodman, esta agradável distinção entre forma, ou estilo, e conteúdonão pode mais ser considerada como dada. A argumentação destes podeser resumida da seguinte forma: se vários historiadores debruçam-se sobrevários aspectos do mesmo objeto de pesquisa, as subseqüentes diferençasde conteúdo podem ser descritas como diferenças de estilo ao tratar-se desseobjeto de pesquisa. “O que é dito (...) pode ser uma maneira de falar sobreoutra coisa; por exemplo, escrever sobre as batalhas renascentistas ou sobreas artes renascentistas são maneiras diferentes de falar sobre a Renascen-ça”.19 Ou, nas palavras de Gay, “maneira”, estilo, implica também umadecisão quanto a conteúdo, “material”.20 E quando se pode distinguir en-tre estilo e conteúdo, podemos até mesmo atribuir ao estilo prioridade sobreo conteúdo, pois graças ao fato dos pontos de vista historiográficos seremincomensuráveis — isto é, que a natureza das diferenças de opinião em his-tória não podem ser satisfatoriamente definidas em termos de objetos deestudo — nada podemos fazer além de concentrarmo-nos no estilo incor-porado a cada ponto de vista histórico ou olhar sobre o passado, se quiser-mos garantir um progresso significativo do debate na História. O estilo, senão o conteúdo, é o tema de tais debates. O conteúdo é derivado do estilo.

O reconhecimento da natureza estética da historiografia pelo pós-modernismo pode ser descrito mais detalhadamente da seguinte forma. Nafilosofia analítica, existe o fenômeno do chamado “contexto intensifica-do”. Um exemplo é o postulado “João acredita que x”, ou “João espera quex”, onde x representa uma alegação particular. A questão é que em umcontexto intensificado como este, x nunca poderá ser substituído por ou-tra alegação, mesmo sendo esta equivalente a x, ou resultante direta deste.Afinal, não sabemos se João está de fato ciente das conseqüências de sua

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crença ou esperança em x. É possível que João acredite que a água estejafervendo, sem acreditar que a temperatura da água é de 100 graus centí-grados. Em outras palavras, a forma exata com que uma alegação é formu-lada em um contexto intensificado é um dos pré-requisitos para a verdadedesta alegação. A frase atrai, por assim dizer, atenção sobre si mesma. Por-tanto, a forma da alegação é aqui certamente tão importante quanto o con-teúdo. Em um livro particularmente interessante, Danto demonstrou queesta natureza intensificada das alegações e textos (pelo menos em sua maio-ria) é mais patente na literatura: “podemos percebê-lo (este elemento in-tensificado) talvez em nenhum lugar tão claramente quanto nestes textosliterários, onde além de quaisquer fatos que o autor queira comunicar, eleou ela escolhe as palavras com as quais quer comunicá-los”, e onde a inten-ção literária do autor “seria falha caso outras palavras fossem usadas”.21 Poresta natureza intensificada, o texto literário possui uma certa opacidade, acapacidade de atrair atenção para si, em vez de atrair atenção para umarealidade fictícia ou histórica por trás do texto. Esta é uma característicaque o texto literário tem em comum com a historiografia; pois a naturezado olhar sobre o passado apresentado em um texto de história é definidacom exatidão pela linguagem usada pelo historiador em sua obra. Por cau-sa da relação entre o olhar historiográfico e a linguagem usada pelo histo-riador para expressar este olhar — uma relação que nunca entrecruza ocampo do passado — a historiografia possui a mesma opacidade e dimen-são intensificada que a arte.

A arte e a historiografia podem portanto ser contrastadas com a ciên-cia. A linguagem científica tem ao menos a pretensão de ser transparente;se ela impede nossa visão da realidade, terá de ser refinada ou solucionada.É verdade que alguns filósofos da ciência, tais como Mary Hesse, querematribuir mesmo à ciências acima mencionadas qualidades estéticas e literá-rias. Isto, é claro, faria ainda mais plausíveis as minhas idéias sobre histo-riografia, porém vejo as diferenças entre as ciências exatas e a historiografiacomo mais do que apenas uma questão de nuances. Quando o insight emuma disciplina é de natureza mais sintática do que semântica — como o énas ciências exatas —, existe comparativamente menos espaço para con-textos intensificados. Afinal, apenas do ponto de vista semântico é possí-

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vel indagar sobre a existência ou não de sinonímia (que é a questão maisimportante em contextos intensificados).

Se concordarmos com o acima-mencionado, isto é, com a aplicabi-lidade do insight pós-moderno à historiografia, gostaria de enunciar umasérie de conclusões antes de terminar este artigo. Para o modernista, den-tro de sua noção científica de mundo, dentro da visão de história que ini-cialmente todos aceitamos, evidências são essencialmente evidência de quealgo aconteceu no passado. O historiador modernista seguia uma linha deraciocínio que parte de suas fontes e evidências até a descoberta de umarealidade histórica escondida por trás destas fontes. De outra forma, sob oolhar pós-modernista, as evidências não apontam para o passado, mas simpara interpretações do passado; pois é para tanto que de fato usamos essasevidências. Para expressar essa idéia por meio de imagens: para o moder-nista, a evidência é um azulejo que ele levanta para ver o que está por bai-xo; para o pós-modernista, ela é um azulejo sobre o qual ele pisa para che-gar a outros azulejos; horizontalmente em vez de verticalmente.

Este não é somente um insight sobre o que efetivamente acontece, mastambém um insight sobre o que se debruçar no futuro. Esta sugestão podeser descrita como tornar a fonte histórica contemporânea. As evidênciasnão são como uma lupa para ver melhor o passado, mas assemelham-semais às pinceladas usadas pelo artista para produzir determinado efeito...Elas não remetem ao passado, mas sim levantam a questão do que o histo-riador pode ou não, aqui e agora, fazer. Georges Duby ilustra essa novaatitude para com as evidências. Quando seu inteligente entrevistador GuyLardreau lhe pergunta o que constitui para ele, Duby, a evidência maisimportante, a resposta é que esta pode ser encontrada no que não é dito,no que uma determinada época não diz a respeito de si mesma, donde suacomparação com a revelação de um negativo.22 Assim como o peixe nãosabe que está nadando em água, o que é mais característico, onipresenteem uma época, não é do conhecimento desta mesma época. Não é revela-do até esta época se concluir. O perfume de uma era só poderá ser sentidoem outra era subseqüente. Certamente, Hegel e Foucault já fizeram várioscomentários interessantes a esse respeito. Contudo, a questão aqui é a ob-servação de Duby de que a essência do período é determinada pelo

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destinataire, para usar o termo dos pós-modernistas franceses, pelo histo-riador que precisa revelar aqui e agora este seu negativo de um período atra-vés do que não foi dito ou do que foi apenas sussurrado, ou ainda que foiexpresso em detalhes insignificantes. O historiador é como o conoisseur quereconhece o artista não pelo que lhe é característico (portanto imitável),mas sim pelo que, por assim dizer, espontaneamente lhe “escapa”. “Le style,c’est l’homme”, e nosso estilo é o lugar onde somos nós mesmos sem pen-sarmos sobre nós mesmos. Por essa razão tão poucas pessoas ainda têm es-tilo nesta época tão narcisista. Resumindo, essa maneira sugerida por Dubyde lidar com evidências é especial não porque aponte para algo que se es-conde por trás delas no passado, mas sim porque elas adquirem significa-do e importância quando confrontadas com a mentalidade da era poste-rior, na qual vive e trabalha o historiador. A mentalidade de uma era reve-la-se apenas por contraste com um outro período; donde a direção em queesta evidência aponta sofre uma rotação de noventa graus. Como tão habi-tualmente acontece, isto, também, foi antecipado por Huizinga. Ao escre-ver sobre a sensação histórica, ele diz que “este contato com o passado, queé acompanhado por uma completa convicção de verdade, de genuinidade,pode ser evocado por uma linha de uma crônica ou decreto, de uma gra-vura, ou por algumas estrofes de uma velha canção. Não é um elementointroduzido pelo escritor (no passado) através do uso de certas palavras (...)o leitor é quem a traz ao encontro do autor, é a sua resposta ao chamadodeste último”.23

Não é surpreendente que Duby e Lardreau assinalem nesta conexão arelação entre a historiografia e a psicanálise.24 Em ambas, o interesse recaisobre a interpretação, no sentido mais fundamental da palavra. Na histo-riografia, essa forma de lidar com vestígios do passado sugerida por Dubynos compele a não procurar por uma máquina inicialmente invisível den-tro do passado em si que teria sido a causa desses vestígios ainda discerníveisna superfície. Da mesma forma, a psicanálise, apesar de nuances positivistasali encontradas pelo próprio Freud, é na verdade um repertório de estraté-gias de interpretação. Ela nos ensina a compreender o que o neurótico dize não busca atrair atenção para os efeitos causais de uma quantidade dehomúnculos elementares e indivisíveis que habitam sua mente.25 Tanto o

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psicanalista quanto o historiador tentam projetar um padrão sobre os ves-tígios em vez de procurar por algo que esteja por trás desses vestígios. Emambos os casos, a atividade interpretativa é compreendida de forma estri-tamente nominalista; não existe nada na realidade histórica nem na menteneurótica que corresponda ao conteúdo das interpretações.

Existe ainda outro paralelo ainda mais interessante a ser feito com ainterpretação psicanalítica. É evidente que a tese de Duby segundo a qualo historiador deve ater-se ao que não é dito e ao que é suprimido — loucu-ras, inverdades e tabus, para utilizarmos os critérios de Foucault — estáobviamente relacionada ao método de trabalho do psicanalista. Assim comosomos o que não somos, ou não queremos ser, de uma certa forma o pas-sado também é o que não foi. Na psicanálise e na história, o que é suprimi-do se manifesta em detalhes pequenos e que parecem irrelevantes. Na psi-canálise, isso resulta no insight de que o homem não possui um ser ou es-sência facilmente observável, baseado no qual ele poderia ser compreendi-do, mas sim que o segredo da personalidade está no que apenas rara efugidiamente torna-se visível por detrás do que é normalmente exposto.Como o coloca Rorty, nossa personalidade é antes uma colagem do queuma substância: “a habilidade de nos enxergarmos mais como um colagensidiossincráticas do que como substâncias tem sido fator importante nahabilidade de descartarmos a idéia de haver um verdadeiro eu, comparti-lhado entre todos humanos (...) Freud tornou o paradigma do autoconhe-cimento a descoberta de pequenos incidentes idiosincráticos antes do quea de uma essência”.26

Este também é o caso da historiografia, ao menos no que eu gostariade denominar história pós-moderna (das mentalidades). Formulando issoda maneira paradoxal tão cara aos pós-modernos: a essência do passado nãoé, ou não está, na essência do passado. São as migalhas, os pequenos erros,os Fehlleistungen do passado, os raros momentos em que o passado “se li-bera”, que nos levam a descobrir o que nos é realmente importante. Sus-peito que uma explicação ao menos parcial possa assim ser encontrada parao que Jörn Rüsen chama de “mudança de paradigma” na atual historiogra-fia, a qual na sua opinião consiste principalmente em trocar umamakrohistorische Strukturen por uma microhistorische situationen und

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Lebensverhältnisse, a qual seria o objeto de estudo do historiador.27 O quepresenciamos pode muito bem ser nada menos que o adeus definitivo, porenquanto, a todas as aspirações existencialistas que vêm dominando a his-toriografia através de toda sua existência. Os historiadores vêm buscandoalgo que pudessem rotular como a essência do passado — o princípio queregia o todo no passado (ou durante parte dele) e baseado no qual, conse-qüentemente, tudo poderia ser compreendido. Através dos séculos, esteexistencialismo historiográfico se manifestou de diversas formas diferen-tes. É evidente que o existencialismo esteve conspicuamente presente nosvários sistemas especulativos que nortearam o pensar do homem ocidentalsobre seu passado. O sistema teológico Agostiniano de história e suas va-riantes seculares,28 a idéia de progresso, a fé cega no progresso da ciência enas benesses que esta deveria acarretar, sempre foram a “metanarrativa”,usando a terminologia de Lyotard, através da qual não somente a historio-grafia como também outros aspectos fundamentais da civilização foramlegitimados.29

Depois veio o historicismo, o qual, com estranha inocência,30 via aessência do passado personificada em uma mistura curiosa de fatos e idéias.A inocência epistemológica dessa doutrina historicista das idéias históricasfoi possível apenas em uma época na qual a crença e a fé na perceptibilidadeda essência do passado eram tão facilmente tomadas como dados que nin-guém se apercebia de sua própria arrogância ontológica. A História Social,tal como discutida por Rüsen, foi o último elo nessa cadeia de visões exis-tencialistas da História. O tom triunfal sob o qual a História Social emer-giu, especialmente na Alemanha, é a prova cabal da auto-superestima oti-mista desses historiadores, que acreditam ter finalmente encontrado a tãoprocurada chave que abrirá todas as portas da História. Qualquer um queconheça a natureza essencialista dessa História Social e também a tradicio-nal inimizade entre o essencialismo e a História não poderá deixar de per-ceber a natureza burlesca das pretensões dos historiadores sociais. Os pio-res modernistas, porém, ainda se encontram entre os filósofos da história— o que não é surpreendente: estes ovacionam qualquer ostentação pseudo-científica com ainda mais gosto que os historiadores, quando julgam en-contrar nelas a confirmação de suas já gastas idéias positivistas.

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Gostaria de explicar melhor o movimento de consciência históricaacima exposto por meio da seguinte imagem. Comparemos a História auma árvore. A tradição essencialista dentro da historiografia ocidental focoua atenção dos historiadores no tronco da árvore. O que era o caso, é claro,dos sistemas especulativos; estes definiram, por assim dizer, a natureza e oformato desse tronco. O Historicismo e a Historiografia científica moder-nista, com sua atenção basicamente louvável ao que de fato aconteceu nopassado e com sua falta de receptividade para com esquemas apriorísticos,situavam-se nos galhos da árvore. Mesmo assim, de sua posição mantinhama atenção ainda no tronco. Tal como seus predecessores especulativos, tan-to os historicistas como os protagonistas de uma assim chamada historio-grafia científica ainda guardavam a esperança e a pretensão de, em últimaanálise, poder dizer algo sobre esse tronco afinal. As fortes ligações entreessa assim chamada história social científica e o marxismo são significati-vas neste contexto. A historiografia, desde o historicismo, seja formuladaatravés de terminologia ontológica, epistemológica ou metodológica, vembuscando reconstruir essa linhagem essencialista que perpassa seu passadoou partes dele.

Através da historiografia pós-modernista, encontrada especialmentena história das mentalidades, uma ruptura é feita, pela primeira vez, comessa tradição essencialista centenária — e digo imediatamente, para evitarqualquer pathos ou exagero, que aqui me refiro a tendências e não a ruptu-ras radicais. A escolha recai não sobre o tronco nem sobre os galhos, e simsobre as folhas da árvore. Na visão pós-moderna da História, a meta não émais a integração, síntese e totalidade; as migalhas históricas são o centrodas atenções. Tomemos como exemplo Montaillou e outros livros escritossubseqüentemente por Le Roy Ladurie; a Microstorie de Ginzburg, o Sundayof Bouvines de Duby, ou o Return of Martin Guerre de Natalie ZemonDavies. Há quinze ou vinte anos atrás teríamos nos perguntado com es-panto qual seria o porquê desse tipo de texto histórico, o que eles estariambuscando provar. E esta pergunta tão óbvia teria suscitado então, comosempre tem sido, nosso desejo modernista de tentar descobrir como fun-ciona a máquina. Porém, no olhar antiessencialista e nominalista do pós-modernismo, esta pergunta perde seu significado. Se queremos, não

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obstante, aderir ao essencialismo, podemos dizer que ele não está situadonem nos galhos nem no tronco e sim nas folhas da árvore da História.

Isso me traz à questão principal deste artigo. É uma característica dasfolhas que elas estejam apenas frouxamente ligadas à arvore e que, com achegada do outono ou do inverno, sejam varridas pelo vento. Por váriasrazões, podemos presumir que o outono chegou para a historiografia oci-dental. Primeiramente, existe, é claro, a natureza pós-moderna de nossostempos. Nosso antiessencialismo, ou, como tem sido mais popularmentechamado ultimamente, nosso “antifundacionalismo” diminuiu nosso com-promisso com a ciência e com a historiografia tradicionais. A nova posiçãoda Europa no cenário mundial a partir de 1945 é um segundo indicadorimportante. A História desse apêndice do continente da Eurásia não é maisa história do mundo.31 O que gostaríamos de conceber como o tronco daárvore da História Ocidental tornou-se parte de uma floresta. Os meta-récitsque gostaríamos de contar sobre a nossa história, sobre o triunfo da Razão,sobre a luta gloriosa pela emancipação do proletariado dos trabalhadoresdo século XIX, são somente dados de importância local, e portanto nãosão mais metanarrativas apropriadas. O vento gélido que, de acordo comRomein, soprou por volta de 1900 simultaneamente no Ocidente e noOriente,3 2 finalmente acabou por varrer as folhas da nossa árvore da His-tória por volta da segunda metade deste século.

O que a historiografia ocidental pode agora fazer é recolher as folhasvarridas e estudá-las independentemente de suas origens. Isto significa quenossa consciência histórica foi, por assim dizer, virada de cabeça para bai-xo. Ao colecionar as folhas do passado, tal como Le Roy Ladurie ou Ginz-burg, não mais importa qual era sua posição no passado, mas qual padrãopodemos formar a partir delas hoje, de que maneira este padrão poderiaadaptar-se às outras formas de civilização que existem atualmente. “Desdeos dias de Goethe, Macaulay, Carlyle e Emerson”, nos disse Rorty, “umaforma de escrita vem evoluindo, a qual não é nem a avaliação dos méritosrelativos das produções literárias, nem história intelectual, nem filosofiada moral, nem epistemologia, nem profecia social e sim um amálgama detudo isso, formando um novo gênero”.33 Ao comentar esta frase de Rorty,Culler sublinha a notável indiferença quanto a origem e contexto, históri-cos ou não, tão característica dessa “nova forma de escrita”:

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Os praticantes de algumas disciplinas particulares reclamam que textos queconsideram do seu gênero têm sido estudados fora da matriz disciplinarque lhes é própria: estudantes de teoria lêem Freud sem se perguntar se apesquisa posterior em psicologia possa vir a ter discordado de seus postula-dos; lêem Derrida sem possuir embasamento na tradição filosófica; lêemMarx sem estudar descrições alternativas de situações econômicas e políticas.34

O contexto histórico apropriado perdeu suas tradicionais importân-cia, função e naturalidade como pano de fundo, não porque estejamos assimtão ávidos para assumir uma posição a-histórica ou que não exista o desejode fazer justiça ao curso da história, mas porque nos “desligamos” destecontexto histórico.

Não me compreendam mal, não estou falando sobre uma candidatu-ra a uma nova forma de subjetividade, sobre a legitimação da imposição depadrões contemporâneos sobre o passado. Qualquer forma de legitimaçãodeve, na melhor das hipóteses, ser deixada para os modernistas. A essênciado pós-moderno é justamente que deveríamos evitar apontar padrõesessencialistas no passado. Podemos, conseqüentemente, ter dúvidas quan-to à significância das recentes tentativas de insuflar vida nova ao antigo idealalemão de Bildung para o bem da posição e reputação da historiografia...Ressuscitar o ideal de Bildung, por outro lado, é verdadeiramente uma re-ação significativa à natureza mapeada de nossa civilização atual. Onde, nopassado, a civilização assemelhava-se mais a um indicador de direção quetrazia direcionamentos relativamente pouco ambíguos de comportamen-to social e moral, hoje a civilização atual não nos ensina aonde devemos ir,tal como um mapa, nem nos ensina, caso já tenhamos feito nossa escolha,qual é o caminho mais curto ou o mais pitoresco. Realizarmos o ideal deBildung, no máximo, dar-nos-ia uma boa idéia do caminho já percorrido.Este ideal é a contrapartida cultural da famosa tese de Ernst Haeckel, deque o desenvolvimento do indivíduo é uma versão curta do desenvolvi-mento das espécies. Bildung é a versão abreviada da História da Civiliza-ção, na escala do indivíduo particular, através da qual ele pode tornar-seum membro valioso e decente de nossa sociedade.

Porém, dentro da consciência histórica pós-moderna, essa repetiçãoontológica abreviada de nossa filogênese não tem mais sentido. Os elos naevolução dessa série de contextos históricos da qual consiste nossa filogênese

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cultural estão quebrados. Tudo tornou-se contemporâneo, com o notávelcorrelato, utilizando a expressão de Duby, de que tudo tornou-se tambémHistória. Quando a História é reagrupada no presente, isso significa que opresente absorve o estigma do passado. Conseqüentemente, Bildung requero uso de um compasso que é rejeitado pelo pós-moderno. Não devemosnos moldar a ele e nem tampouco ao passado, mas sim aprender a utilizá-lo para jogar nosso jogo cultural. O que isto que dizer, em termos concre-tos, foi descrito por Rousseau visando o indivíduo, singularizado, da se-guinte maneira em sua obra Les rêveries du promeneur solitaire: existe um

Ètat ou l’âme trouve une assiete assez solide pour s’y reposer toute entière etrassemble là tout son être, sans avoir besoin de rappeler le passé ni d’enjambersur l’avenir; ou le temps ne soit rien pour elle, où le présent dure toujourssans néanmoins marquer as durée et sans aucune trace de sucession. 35

Rousseau diz, subseqüentemente, que tal maneira de lidar com o tem-po cria um sentimento de total felicidade em nossas vidas — “um bonheursuffisant, parfait et plein, qui ne laisse dans l’âme aucun vide qu’elle sentebesoin de remplir.”36

A história assim não é mais a reconstrução do que nos ocorreu nasdiversas fases de nossas vidas, mas um jogo contínuo com a memória des-sas fases. A lembrança tem prioridade sobre o que é lembrado. Algo simi-lar pode ser dito sobre a historiografia. A escavação selvagem, gananciosa edescontrolada do passado, inspirada pelo desejo da descoberta de uma rea-lidade passada e pela reconstrução científica desta, não é mais a tarefainquestionável do historiador. Faríamos melhor se observássemos o resul-tado de 150 anos de escavação com maior atenção e nos perguntássemosmais freqüentemente sobre o que significa o somatório disto tudo. Che-gou o momento de pensar sobre o passado, mais do que de investigá-lo.

Porém, na fase da historiografia que parece agora ter começado, o sig-nificado é mais importante que a reconstrução e a gênese; nela, o meta doshistoriadores é descobrir o significado de uma quantidade de conflitos emnosso passado ao demonstrar sua contemporaneidade. Vejamos algunsexemplos. Um insight como o de Hegel sobre o conflito entre Sócrates e acomunidade ateniense pode ser incompatível com o que hoje se sabe sobre

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Atenas de cerca de 400 a. C. sob mil pontos, mas mesmo assim não perdersua força. Um segundo exemplo: o que Foulcault escreve sobre o estreitoelo entre o poder e o discurso que pretende alcançar a verdade, ou aindasobre a relação muito curiosa entre linguagem e realidade no século dezesseisfoi atacado com bases reais por diversos críticos — o que não significa quesuas idéias tenham perdido seu fascínio. Não digo que a verdade históricae a confiabilidade não sejam importantes, nem que são obstáculos no ca-minho de uma historiografia mais significativa. Pelo contrário, exemploscomo os de Hegel e de Foucault nos mostram — por isso os escolhi — quea dimensão metafórica da historiografia é mais poderosa que as dimensõesfactuais ou literais. O filólogo Wilamowitz, que tenta refutar o Die Geburtder Tragödie de Nietzsche, faz o papel de alguém que busca virar um vagãode trem sozinho; a crítica de metáforas com base em fatos é uma atividadetão desprovida de sentido quanto de bom gosto. Apenas metáforas “po-dem refutar” metáforas.

O que nos traz aos meus comentários finais. Como venho sugerindo,existe razão para assumirmos que o nosso insight sobre o passado e nossarelação com ele serão, no futuro, de natureza metafórica e não literal. Oque quero dizer é o seguinte: A frase literal “esta mesa tem dois metros decomprimento” dirige nossa atenção para um estado particular, fora da lin-guagem em si, que é expresso por ela. Já uma frase metafórica como “ahistória é uma árvore sem tronco” — para usar um exemplo bem adequa-do — desloca o interesse para o que está acontecendo entre as meras pala-vras “história” e “árvore sem tronco”. No olhar pós-moderno, o foco nãoestá mais no passado em si, mas na incongruência entre passado e presen-te, entre a linguagem que usamos para falar do passado e o passado em si.Não há mais “uma linha que perpassa a História” que neutralize esta in-congruência. Isso explica a atenção dada aos aparentemente incongruen-tes mas surpreendentes e, esperamos, talvez mesmo perturbadores detalhes queFreud, em sua obra Unheimliche, definiu como “Was im verbogenen hattebleiben sollen und hervorgetreten ist.37 Resumindo, atenção a tudo que é semsignificado e irrelevante exatamente para o ponto de vista da historiografia cien-tífica. Pois esses eventos incongruentes, Unheimliche, fazem justiça à incon-gruência da linguagem do historiador em sua relação com o passado.

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Tal como o pós-modernismo, a partir de Nietzsche e de Heidegger,vem criticando a assim chamada tradição logocêntrica da filosofia desdeSócrates e Platão, isto é, a crença racionalista de que a Razão nos capacitaráa solucionar todos os segredos da realidade, a historiografia pós-modernatem também uma nostalgia natural pela história pré-socrática. A mais an-tiga historiografia dos gregos era épica; os gregos contavam uns aos outrosos feitos de seus ancestrais através de narrativas épicas. As histórias quecontavam uns aos outros não eram mutuamente exclusivas, pois inspira-vam acima de tudo contemplação ética e estética. Porque a guerra e osconflitos políticos estimularam uma consciência social e política mais pro-funda e porque a palavra escrita tem uma tolerância muito menor que atransmitida oralmente por divergências, a uniformização “logocêntrica” dopassado foi introduzida por e também após Hecataeus, Heródoto eTucídides.38 Assim, o jovem tronco da árvore do passado emergiu da terra.Certamente não quero sugerir que voltemos aos dias anteriores a Hecataeus.Aqui, também, temos uma questão de verdade metafórica mais que literal.O pós-moderno não rejeita a historiografia científica, mas somente chamaa atenção para o círculo vicioso modernista, que gostaria de nos fazer crerque nada existe fora dele. Fora dele, porém, estão todos os domínios dosignificado e propósito históricos.

(Traduzido do original em inglês por Aline Lorena Tolosa)

Notas

* Originalmente publicado em History and Theory, v. 28, pp. 137-153, maio 1989.1 J. Romein, “Het vergruisde beeld”, e “Theoretische geschiedenis”, in Historische Lijnenen Patronen (Amsterdam, 1971).2 R. G. Collingwood, An Essay on Metaphysics (Oxford, 1940).3 J. F. Lyotard, La Condition postmoderne (Paris, 1979), 15.4 A informação é performativa, tem força puramente “elocucionária” e “perlocucionária”,devido à perda do elemento de constatação; a informação não é performativa porque estásujeita às suas próprias leis e não às da intercomunicação humana — a comunicação éapenas parte da vida da informação.5 W. van Reijen, “Postscriptum”, in Modernen versus Postmodernen, ed. W. Hudson andW van Reijen (Utrecht, 1986), 9-51; W. Hudson, “The Question of PostmodernPhilosophy?”, ibid., 51-91.

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6 J. Culler, On Desconstruction: Theory and Criticism after Structuralism (Londres, 1985).7 Ibid., 90.8 Ibid., 88.9 J. van Heijenoort, “Logical Paradoxes”, in The Encyclopedia of Philosophy, ed. P. Edwards(London, 1967), 45-51.10 F. R. Ankersmit, Narrative Logic: A Semantic Analysis of the Historian’s Language (TheHague, 1983), 239, 240.11 H. White, Metahistory: The Historical Imagination in Nineteenth Century Europe(Baltimore, 1973), 37.12 F. R. Ankersmit, “The Use of Language in the Writing of History”, in Working withLanguage, ed. H. Coleman (Berlin, 1989).13 H Bertens, “Het ‘Talige’ van de Postmoderne Werkelijkheid” em “Modernen versuspostmodernen”, 153-53. A posição de Bertens é na realidade ainda modernista: sua tesede que a linguagem nunca poderá representar o todo da realidade o leva a escolher umaposição dentro da polaridade entre linguagem e realidade, em vez de manter-se do lado defora, como seria o que é requerido de um pós-modernista.14 White, Metahistory, 30; P. Ricoeur, “The Model of the Text: Meaningfull ActionConsidered as a Text”, in Interpretative Social Science, ed. P. Rabinow and W. Sullivan(London, 1979), 73.15 Von der Dunk, De Organisatie van het Verleden (Bussum, 1982); ver, por exemplo, 169,170, 344. 362, 369.16 E. H. Gombrich, “Meditations on a Hobby Horse, or the Roots of Artistic Form”, inAesthetics Today, ed. P. J. Gudel (New York, 1980).17 A. Megill, Prophets of Extremity: Nietzsche, Heidegger, Foucault, Derrida (Berkeley, 1985);ver, especialmente, 2-20.18 C. P. Bertels, “Stijl: Een Verkeerde Categorie in de Geschiedwetenschap”, in Groniek89/90 (1984), 150.19 N. Goodman, “The Status of Style”, in N. Goodman, Ways of Worldmaking (Hassocks,1978), 26.20 P. Gay, Style in History (London, 1974), 3.21 A. C. Danto, The Transfiguration of the Commonplace: A Philosophy of Art (Cambridge,Mass., 1983), 188.22 G. Duby and G. Lardreau, Geschichte und Geschichtswissenschaft: Dialogue (Frankfurtam Main, 1982), 97, 98.23 J. Huizinga, “De Taak der Cultuurgeschiedenis”, in J. Huizinga: Verzamelde Werken 7(Haarlem, 1950), 71, 72; italics mine.24 Duby and Lardreau, Geschichte, 98ff.

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25 Este é o Leitmotif em D. P. Spende, Narrative Truth and Historical Truth: Meaning andInterpretation in Psychoanalysis (New York, 1982).26 R. Rorty, “Freud and Moral Reflection”, 17. O autor deste artigo me deu uma fotocópia;infelizmente não possuo outras informações sobre ele.27 Programmaboek Congres “Balans en Perspectief ” (Utrecht, 1986), 50.28 Isto, é claro, se refere à tese de K. Löwith em seu Meaning in History ( Chicago, 1970).29 Lyotard, La Condition postmoderne, 49-63.30 F. R. Ankersmit, “De Chiastische Verhouding Tussen Literatuur en Geschiedenis”, inSpektator (October, 1986), 101-20.31 Provas impressionantes da importância rapidamente decrescente do passado europeunos é dada por M. Ferro, Hoe de Geschiedenis aan Kinderen Wordt Verteld (Weesp, 1985).32 J. Romein, Op het Breukvlak van Twee Eeuwen (Amsterdam, 1967), I, 35.33 Culler, On Deconstruction, 8.34 Ibid.35 J.-J. Rousseau, Les Rêveries du promeneur solitaire (Paris, 1972), 101.36 Ibid.37 S. Freud, “Das Unheimliche”, in Sigmund Freud: Studienausgabe IV. PsychologischeSchriften ( Frankfurt, 1982), 264.38 Estou profundamente em dívida com a Sra. J. Krul-Blok por estes comentários sobre aorigem da consciência grega.