Histórias de Vida 2

13
Revista Científica On-line Tecnologia – Gestão – Humanismo ISSN: 2238-5819 ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________ Faculdade de Tecnologia de Guaratinguetá 60 Revista v.3, n.1 – maio, 2014 AUTONARRATIVAS EM REDES SOCIAIS: a relação discursiva na vivência de situação traumática AUTONARRATIVAS ON SOCIAL NETWORKS: the discursive experience in respect of traumatic situation AUTONARRATIVAS EN LAS REDES SOCIALES: una experiencia discursiva con respecto a la situación traumática Sandra Farias Maia-Vasconcelos 1 ([email protected]) Samuel Freitas Holanda 2 ([email protected]) Mayara Rodrigues Braga 3 ([email protected]) 1,2,3 Universidade Federal do Ceará Resumo Estudar a autonarrativa em situação traumática implica duas peculiaridades: 1) Os critérios de produção escrita dos autores diante das circunstâncias que põem em risco sua integridade física; 2) A criação de um neoautor decorrente de circunstância traumática: sugeríamos a crise como articuladora de um discurso potencialmente diferente do discurso cotidiano. Este estudo objetivou: 1) Analisar recursos discursivos utilizados na autonarrativas dos sujeitos doentes; 2) Identificar a organização narratológica recorrente nas autonarrativas em redes sociais; 3) Analisar a autoconstrução desses autores circunstanciais. O corpus foi constituído de depoimentos publicados em redes sociais por pessoas em situação de doença grave. Utilizamos a Análise Proposicional do Discurso - APD, para analisarmos proposições dos sujeitos, organizadas em matrizes analíticas de acordo com os temas abordados nos instrumentos de coleta de dados. As análises mostraram que as circunstâncias de crise constroem um sujeito autor cuja narrativa nas redes sociais se vincula potencialmente as suas vivências. Palavras-chave: Autonarrativa, redes sociais, trauma. Abstratc Studying the self narrative in traumatic situation implies two peculiarities: 1) the criteria for authors writing on production conditions that endanger their physical integrity; 2) the creation of a new author due to traumatic condition: it floated the crisis as articulator of a potentially different discourse of everyday speech. This study aimed to: 1) Analyze discursive resources used in self narratives of patients; 2) Identify the narratological applicant organization in self narratives on social networks; 3) Analyze the self-construction of these circumstantial authors. The corpus is made up of statements published on social networks for people in a situation of serious illness. We use the Propositional Discourse Analysis-PDA, to analyze propositions of the subject organized in analytical arrays according to the topics covered in the data collection instruments. The analysis showed that the crisis circumstances build a subject author whose narrative in social networks potentially binds their experiences. Keywords: Self narrative, social networks, trauma. Resumen Estudiar la auto narrativa en situación traumática implica dos peculiaridades: 1) los criterios para la producción escrita de los autores en las circunstancias que pongan en peligro su integridad física; 2) La creación de un neo autor debido a circunstancias traumáticas: nos sugirió la crisis como un articulador de un potencial diferente del discurso de habla cotidiana . Este estudio tuvo como objetivo: 1) analizar los recursos discursivos utilizados en auto narrativas pacientes sujetos ; 2)

description

história de vida

Transcript of Histórias de Vida 2

  • Revista Cientfica On-line Tecnologia Gesto Humanismo

    ISSN: 2238-5819

    ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________

    Faculdade de Tecnologia de Guaratinguet 60 Revista v.3, n.1 maio, 2014

    AUTONARRATIVAS EM REDES SOCIAIS: a relao discursiva na vivncia de situao traumtica

    AUTONARRATIVAS ON SOCIAL NETWORKS: the discursive experience in respect of traumatic situation

    AUTONARRATIVAS EN LAS REDES SOCIALES: una experiencia discursiva con respecto a la situacin traumtica

    Sandra Farias Maia-Vasconcelos1 ([email protected]) Samuel Freitas Holanda2 ([email protected])

    Mayara Rodrigues Braga3 ([email protected])

    1,2,3 Universidade Federal do Cear

    Resumo Estudar a autonarrativa em situao traumtica implica duas peculiaridades: 1) Os critrios de produo escrita dos autores diante das circunstncias que pem em risco sua integridade fsica; 2) A criao de um neoautor decorrente de circunstncia traumtica: sugeramos a crise como articuladora de um discurso potencialmente diferente do discurso cotidiano. Este estudo objetivou: 1) Analisar recursos discursivos utilizados na autonarrativas dos sujeitos doentes; 2) Identificar a organizao narratolgica recorrente nas autonarrativas em redes sociais; 3) Analisar a autoconstruo desses autores circunstanciais. O corpus foi constitudo de depoimentos publicados em redes sociais por pessoas em situao de doena grave. Utilizamos a Anlise Proposicional do Discurso - APD, para analisarmos proposies dos sujeitos, organizadas em matrizes analticas de acordo com os temas abordados nos instrumentos de coleta de dados. As anlises mostraram que as circunstncias de crise constroem um sujeito autor cuja narrativa nas redes sociais se vincula potencialmente as suas vivncias. Palavras-chave: Autonarrativa, redes sociais, trauma. Abstratc Studying the self narrative in traumatic situation implies two peculiarities: 1) the criteria for authors writing on production conditions that endanger their physical integrity; 2) the creation of a new author due to traumatic condition: it floated the crisis as articulator of a potentially different discourse of everyday speech. This study aimed to: 1) Analyze discursive resources used in self narratives of patients; 2) Identify the narratological applicant organization in self narratives on social networks; 3) Analyze the self-construction of these circumstantial authors. The corpus is made up of statements published on social networks for people in a situation of serious illness. We use the Propositional Discourse Analysis-PDA, to analyze propositions of the subject organized in analytical arrays according to the topics covered in the data collection instruments. The analysis showed that the crisis circumstances build a subject author whose narrative in social networks potentially binds their experiences. Keywords: Self narrative, social networks, trauma.

    Resumen Estudiar la auto narrativa en situacin traumtica implica dos peculiaridades: 1) los criterios para la produccin escrita de los autores en las circunstancias que pongan en peligro su integridad fsica; 2) La creacin de un neo autor debido a circunstancias traumticas: nos sugiri la crisis como un articulador de un potencial diferente del discurso de habla cotidiana . Este estudio tuvo como objetivo: 1) analizar los recursos discursivos utilizados en auto narrativas pacientes sujetos ; 2)

  • Revista Cientfica On-line Tecnologia Gesto Humanismo

    ISSN: 2238-5819

    ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________

    Faculdade de Tecnologia de Guaratinguet 61 Revista v.3, n.1 maio, 2014

    Identificar la organizacin solicitante en auto narrativas narratolgicas en redes sociales ; 3) Analizar el auto circunstancial estos autores. El corpus consisti en testimonios publicados en las redes sociales por personas que enfrentan una enfermedad grave. Usamos el anlisis proposicional del discurso - APD para analizar propuestas de temas, organizados en matrices de anlisis de acuerdo con los temas tratados en los instrumentos para la recoleccin de datos. Los anlisis mostraron que las circunstancias de crisis construyen un autor cuya narrativa tema en las redes sociales se une potencialmente a sus experiencias. Palabras clave: Auto narrativas, Redes sociales, Trauma. Introduo

    Este estudo filiado a um projeto maior desenvolvido no Grupo de Estudo em Lingustica

    e Discurso Autobiogrfico (GELDA). Vincula-se tambm ao Departamento de Letras Vernculas,

    ao Programa de Ps-Graduao em Lingustica PPGL da Universidade Federal do Cear e

    est cadastrado no Diretrio de Grupos de Pesquisa da Plataforma CNPq. Esse projeto ligado

    Universidade Estadual do Cear, em colaborao com a equipe do Programa de Mestrado em

    Sade Pblica, Universidade de Nantes, na Frana, onde fizemos doutoramento, bem como

    ligado Universidade de Laval Canad. O projeto maior tem como grupo de sujeitos

    participantes pessoas em situao de risco, seja esse risco provocado por doenas graves, maus-

    tratos ou acidentes. Estudamos a comunicao entre mdicos e pacientes toda a dimenso de

    atendimento no que tange ao acolhimento, aos cuidados e compreenso dos tratamentos por

    parte das famlias, bem como a manifestao discursiva elaborada pelos pacientes e pelos

    cuidadores. Elaboramos, em paralelo, um estudo sobre a construo narrativa de pais que

    perderam seus filhos em situao traumtica e que publicaram em forma de livro essa narrao

    dolorosa. Consideramos situaes traumticas aquelas em que o sujeito se encontra em posio

    de crise e que ir articular um discurso diferente do que proferiria em uma situao corriqueira ou

    cotidiana.

    Em estudos anteriores (MAIA-VASCONCELOS, 2008; MAIA-VASCONCELOS e

    CARDOSO, 2010), realizamos entrevistas e analisamos obras biogrficas que tratavam sobre

    morte de crianas, relatadas por seus pais. Tambm foi possvel coletar o arcabouo terico

    prprio distintivo entre o relato de vida, narrao autobiogrfica, histria de vida, depoimento e

    confisso. Foi elaborada uma fundamentao terica com vistas a legitimar o estudo

    autobiogrfico com o vis da autoria, dentro dos domnios da Lingustica. No presente estudo,

    buscamos perceber uma nova dimenso da comunicao que comea a alcanar as salas de

    hospitais e os leitos dos doentes: as redes sociais. Os ambientes das redes sociais vm se

    transformando em uma nova maneira de esses sujeitos isolados pela doena manterem contato

    com o mundo exterior doena e ao tratamento a que se submetem e que lhes provocam

    traumas muitas vezes irrecuperveis.

    Essa mudana que se manifesta na linguagem desses neoautores gira, segundo Van

    Hooland (2000: 46) em torno da verbalizao, mas tambm da reflexo, da escrita e da releitura.

  • Revista Cientfica On-line Tecnologia Gesto Humanismo

    ISSN: 2238-5819

    ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________

    Faculdade de Tecnologia de Guaratinguet 62 Revista v.3, n.1 maio, 2014

    Para a autora, a verbalizao produz conhecimento, pois as questes concernentes s crises s

    tm, ou ganham sentido na relao de interlocuo. Do mesmo modo que Koch defende a postura

    de Beaugrande e Dressler (KOCH, 2008), segundo a qual a construo do sentido pelo texto

    acontece no momento em que a intencionalidade do emissor encontra a aceitabilidade do

    receptor, tambm indiciamos nosso olhar na perspectiva barthesiana de efeitos de realidade

    (BARTHES, 2004), promovidos pelos sinais narrativos especficos de situacionalidade. O efeito de

    real, segundo Barthes, refere-se a um artifcio discursivo que tende a produzir no texto a iluso do

    real, o universo de referncia no qual o efeito produzido textual. No nos tambm distante da

    ideia de circunstncia de enunciao de Maingueneau (1999) que discutiremos a seguir.

    Na circunstncia de contato de um internauta, seja ele saudvel ou doente, com um

    mundo virtual, a situao pede uma entidade responsiva, bem evidente nas redes sociais, que no

    habita nem o autor nem o leitor e que muitas vezes vem distanciada da mensagem de origem.

    Esse sujeito, diante da deciso de narrar e assim construir sua histria, submete-se ao que Alain

    Blanchet (1997: 12) chamar de desalienao, por uma reafirmao da identidade social

    reivindicada. Da no se poder entrever a possibilidade do previsvel em histria de vida e escrita

    de si. Supomos que a condio de produo do discurso para um doente, ainda que em rede

    social, por meio da tela do computador, diferencia-se das condies de um sujeito comum, sem

    restries fsicas de utilizao do veculo de comunicao. Por essa razo, cabe ao pesquisador

    neste momento ter a sensibilidade de compreender os novos sentidos dados s postagens, como

    veremos adiante. No mbito da pesquisa presencial, Blanchet vai denominar esse pesquisador de

    acompanhador, aquele que manter uma relao de ajuda na construo de informaes,

    reformulaes e interpretaes do sujeito. Em nosso objeto, este acompanhamento se torna

    tambm virtualizado pelo ambiente.

    Desse modo, podemos antecipar que, ao tornar possvel a postagem de links eletrnicos,

    imagens, vdeos e textos de autorias diversas, o Facebook assegura aos usurios, no somente a

    criao autoral, mas uma pseudoautoria, que no se confunde com plgio, uma autoria mediata

    (TAVARES, 2010) por conferir notoriedade ao divulgador da mensagem postada. O postador

    autor da escolha da postagem, muito embora nem sempre seja autor do texto. Por suas escolhas,

    o sujeito que posta uma mensagem constri o espelho de si, recurso que ope o criador imagem

    idntica.

    O carter do imediato, to evidente nas redes sociais, assinala como linha do tempo na

    rede Facebook as participaes dos usurios. Partindo dessas discusses, visualizando o impacto

    causado nas histrias de pessoas com cncer e a possibilidade dessa emergncia de um sujeito

    doente de mostrar-se como um sujeito para alm da doena (MAIA-VASCONCELOS, 2005, 2010;

    CIFALI, 1998), este estudo teve como objetivos: 1) Analisar recursos discursivos utilizados nas

    autonarrativas dos sujeitos doentes; 2) Identificar a organizao narratolgica recorrente nas

    autonarrativas em redes sociais; 3) Analisar a autoconstruo desses autores circunstanciais. O

  • Revista Cientfica On-line Tecnologia Gesto Humanismo

    ISSN: 2238-5819

    ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________

    Faculdade de Tecnologia de Guaratinguet 63 Revista v.3, n.1 maio, 2014

    corpus foi constitudo de depoimentos publicados em redes sociais por duas pessoas em situao

    de doena grave: os depoimentos incluram notcias sobre as experincias pessoais e as

    experincias de outras pessoas que vivem e enfrentam a mesma situao. Deste modo,

    estivemos trabalhando neste estudo com uma trilogia que envolve o seguinte esquema:

    Histria de Vida Redes Sociais Histrias de Morte 1 Aporte Terico-Metodolgico

    Para a realizao de um estudo a partir de autonarrativas na perspectiva da

    (Auto)biografia, muitos podem vir a ser os recursos metodolgicos utilizados. Dentre os possveis

    mtodos de abordagem de sujeitos de pesquisa, podemos citar: anlise de entrevistas, a anlise

    do discurso, a etnometodologia. Nossa escolha foi a Anlise Proposicional do Discurso (APD) na

    perspectiva apresentada por Pires (2008), qual acrescentamos recursos de anlise narrativa que

    julgamos conveniente. Este mtodo se assemelha anlise do discurso no que tange ao objeto

    terico que seria a coleta de um corpus no discurso e difere no que se refere ao objeto emprico

    que seria a proposio e esta segunda, e mais importante para o estudo em questo, que

    constitui a unidade de anlise, de significao da APD. Na APD a identificao das formaes

    discursivas passa pela descoberta de palavras caractersticas formadoras de significado, que so

    de importncia fundamental como estruturadoras do discurso a ser analisado na seguinte lgica:

    discurso proferido ncleos de referncia equivalentes paradigmticos sentido Para esta elaborao, o corpus foi constitudo de depoimentos publicados em forma de

    posts no Facebook (Fbk). As pginas analisadas foram escolhidas segundo disponibilidade e

    aceitao dos proprietrios. No nos foi possvel estender por mais de cinco pginas pesquisadas

    para o grande projeto, uma vez que parece haver ainda timidez das pessoas atingidas por cncer

    em se mostrarem ao pblico e a inteno de abordagem qualitativa nos permite um nmero

    pequeno de textos para uma anlise aprofundada do tema. Muitos j mantm um perfil no Fbk e j

    assumem a condio de doentes de Cncer (CA), mas isso no implica que desejem e aceitem

    ser visualizados em uma pesquisa acadmica.

    Neste artigo tratamos especificamente de dois perfis (Fbk1 e Fbk2): dois adultos, um do

    sexo masculino e um do sexo feminino, escolhidos segundo o critrio de disponibilidade dos

    autores dos perfis e por vermos que so bem representativos do cotidiano de um paciente com

    CA em tratamento. A coleta de dados foi realizada na perspectiva de Bertaux (2010), que traa o

    caminho do coletivo para o individual, percurso que se torna mais eficaz quando se quer perceber,

    por exemplo, a organizao narratolgica que vemos como recorrente. Trata-se, portanto, de

    pesquisa exploratria de natureza proposicional, documental e de abordagem qualitativa. Para

    cada situao, houve uma sistemtica a seguir e uma srie de fatores a considerar, tais como o

    tipo de CA e a circunstncia de produo do relato, conforme j discutimos acima.

  • Revista Cientfica On-line Tecnologia Gesto Humanismo

    ISSN: 2238-5819

    ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________

    Faculdade de Tecnologia de Guaratinguet 64 Revista v.3, n.1 maio, 2014

    Em sua experincia com pessoas doentes, Stedeford (1986) explica que, no trabalho com

    sujeitos/pacientes terminais e/ou seus familiares, uma aproximao orientada para o problema

    de muita utilidade. Para o autor, precisa-se perceber que, antes de tudo, o sujeito deseja falar

    sobre tudo que est acontecendo naquele momento, a causa de sua preocupao ali no instante

    da doena. O papel do pesquisador permitir que ele conte tudo; devemos nos transformar, nesta

    hora, em ouvintes desses sujeitos. Como leitores dos perfis, devemos dar ateno ao conjunto de

    informaes ali expressas e dar relevncia a todas elas, uma vez que a escrita sempre mais

    seletiva que a fala.

    Observemos as postagens abaixo que nos serviro como amostras para a organizao

    das matrizes analticas e das anlises: FBK1- Ebaaaa cheguei nos mil likes!!! Mil pessoas querendo saber mais sobre mim e meus amigos! Sobre linfona, outros tipos de cancer e doacao de medula!!! Obrigada por acompanharem minha historia e deixarem meus dias melhores!!! Essa pgina eh de todos ns!!!! :D - Depois de um dia completamente montono, sem fazer nada em casa e sem noticias de meus amigos (sei que cada um tem suas coisas pra fazer e tal, ainda mais no carnaval... entao tento nao encanar)... eu estava bem deprezinha e vejo algumas mensagens aqui na pgina pedindo ajuda com informaes, ou minha opinio... - Vocs no sabem o quanto isso me deixa feliz! Me sinto til, muito bom! Sempre que precisarem estou aqui pra tirar qualquer dvida, contar a minha histria, ou dar minha opinio....!!!!! (s sembrem que no sou mdica rs) Aproveitando, as mensagens de vocs tentando me animar e dando fora so timas tambm!! Obrigada, gente FBK2- Gostei da mudana do Facebook na Linha do Tempo, mas a mudana aqui da pgina est me deixando confuso, no gostei :-P Eu sempre procuro compartilhar postagens de outros colegas de batalha... Na postagem anterior, tem muita gente achando, mas no sou eu na foto, s achei interessante o ponto de vista do rapaz e decidi compartilhar aqui. - Acho curioso como as pessoas tem uma viso diferenciada sobre o cncer, e respeito, acho que o importante estar bem consigo mesmo, e se estiver dando certo, continuar seguindo o prprio compasso...Em frente sempre :-) - Esgotado, mas finalmente em casa. Daqui alguns dias saberemos o quanto deu resultado, minha tarefa agora aproveitar esse climinha frio em casa e tirar as paranias da cabea. Desde que descobri o cncer o medo dorme e acorda comigo todos os dias, tenho medo at de dormir, porque na minha cabea atormentada, eu posso morrer dormindo. Ainda no abri as mensagens, mais tarde vou tentar respond-las, ou pelo menos boa parte delas.

    O que caracteriza, a priori, os trechos acima o fato de que so depoimentos

    confessionais, ou escritas de si, cujos narradores em primeira pessoa se apresentam nitidamente

    identificados com sua proposta de escrita e de situao na rede social. Pineau (1980), citado por

    Lani (1990), afirma que falar de si uma prtica arriscada. O risco implica na atitude de fazer

    retornarem acontecimentos do passado a despeito do presente e do futuro. Lani comenta,

    entretanto, que a prtica do discurso de histria de vida no tal como se apresenta, voltada para

    o passado. Ao contrrio, o passado funciona, segundo a autora, como uma mola que projeta a

    histria para elaborar o futuro. A autora ressalta ainda, em consonncia com a opinio de Lebovici

    (1992), que no discurso de vida ou no depoimento pessoal, o fenmeno se opera como uma

    antecipao do passado que leva lembrana do futuro. Essa frmula utilizada pela autora para

    dar vazo histria de vida contradiz, na verdade, com a existncia daquele que conta sua

    histria.

    A histria de vida no pode ser vista como uma progresso ao longo de um continuun,

  • Revista Cientfica On-line Tecnologia Gesto Humanismo

    ISSN: 2238-5819

    ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________

    Faculdade de Tecnologia de Guaratinguet 65 Revista v.3, n.1 maio, 2014

    mas um vai-e-vem sobre experincias anteriores, vivificadas dia a dia pelas novas experincias. A

    histria de vida se conjuga com passado e futuro para se construir no presente; , pois,

    basicamente, a conjuno de recortes do que se quer contar, expostas as razes pertinentes, no

    a sua vida completa. Alm disso, levantamos a hiptese de que a experincia contada pelo sujeito

    que a viveu e a experincia contada pela memria de outrem, ou, ainda, pela criao a partir de

    uma realidade externa tero construes narratrias diferenciadas.

    Pressupomos, no presente estudo, que a lembrana desse passado reencontrado de

    Lebovici se mescla probabilidade submergida de viver cenas futuras. Isso porque a linha do

    tempo na rede social um espao a mais nessa narrativa emergente: para alm da histria, para

    alm da vida, conforme nos apontam Pineau e Le Grand (1996) em seu esquema autoexplicativo,

    a linha do tempo do Facebook um artifcio que inaugura um espao suspenso em que o usurio

    pode livremente ir e vir em seu perfil, ou no de qualquer outro usurio de seu grupo de amigos,

    no somente nas pginas anteriores, mas inclusive acrescentando comentrios a postagens

    antigas, como se fosse possvel modificar o passado por meio de acrscimos de informaes,

    juntada de dados ou mesmo retirada de postagens que apagassem o que foi vivido um dia.

    Contar a prpria histria ou fazer-se contar por intermdio de outras pessoas quando se

    incapaz de faz-lo um vis interessante, entretanto no suficiente, de se fazer vir ao mundo.

    Quando se trata de uma publicizao autorizada pelo ambiente virtual, espao a cada dia mais

    corriqueiro no cotidiano da sociedade moderna, acreditamos que contar a prpria histria um

    exerccio de autoconscincia, de distanciamento que faz com que o narrador, numa condio de

    fragmentao interna, seja expectador de si mesmo: um eu que cria e ao mesmo tempo observa,

    dialoga e intervm no processo de criao, um grau zero de sua imerso no universo pblico que

    se desloca do privado, enquanto ostenta o pblico.

    A fim de tentar melhor esclarecer que na estrutura de uma narrativa autobiogrfica h

    categorias usadas para comporem estas autonarrativas, Cardoso (2009) desenvolveu um

    diagrama conjuntivo:

    Figura 1 Diagrama de Cardoso (2009)

    No diagrama, pode-se observar, por um lado, que a autobiografia est inserida em um

    campo maior, que o dos gneros do discurso; de outro, infere-se que o tipo de texto usado com

  • Revista Cientfica On-line Tecnologia Gesto Humanismo

    ISSN: 2238-5819

    ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________

    Faculdade de Tecnologia de Guaratinguet 66 Revista v.3, n.1 maio, 2014

    maior frequncia na estruturao do gnero autobiogrfico, o narrativo. Logo abaixo so

    identificadas duas categorias que esto interligadas: o discurso, que remete ao gnero

    autobiografia, pois caracterstica da autobiografia a utilizao de estratgias identitrias e da

    emotividade para falar/escrever de si; e a memria, que est relacionada ao tipo de texto, pois h

    a utilizao das lembranas para autorrelatar-se. Assim, a partir desse processo de composio,

    surgem as narrativas autobiogrficas.

    Muito embora a ligao entre as categorias discurso e memria possam causar certa

    estranheza, quando se prope que uma est ligada ao gnero e a outra ao tipo - considerando-se

    que ambas possuem caractersticas semelhantes e que poderiam estar inseridas, em princpio,

    em ambas as designaes mais gerais (gnero e tipo) -, isso se explica pela prpria estrutura do

    diagrama. A autora poderia, por exemplo, ter optado por separar, em dois crculos distintos, as

    categorias, mas optou por uma figura que representasse a ideia de que as categorias podem estar

    juntas, como frequentemente esto, para compor a autonarrativa. Considerando o que j foi

    exposto at aqui, pode-se perceber, em relao ao diagrama proposto, uma articulao especfica

    entre narrativa e autobiografia para falar de si. O que se ver na sequncia, contudo, um

    distanciamento, vez que a autonarrativa em redes sociais no depende da memria do sujeito-

    autor, mas fornece um panorama que constituir esta memria.

    Levando em conta os elementos explicativos da Anlise de Discurso e uma tentativa de

    sistematizao melhor dos dados que escolhemos a Anlise Proposicional do Discurso que,

    para Pires (2008: 86), resulta de tentativas, ensaiadas ao longo de dez anos de busca de um

    maior rigor cientfico na anlise. Assim, como o prprio nome diz, a proposio a unidade de

    anlise do discurso. E Pires esclarece ainda:

    Se falar enunciar, as marcas do enunciador e da situao da construo dos enunciados esto presentes no discurso. Adotar como unidade de anlise a Proposio fugir das relaes sintticas para mergulhar na situao de quem fala e sobre o que fala. (PIRES, 2008, p. 92).

    Esse quem fala de que trata Pires pode ser visto luz da gramtica tradicional como o

    emissor em discurso direto. Em nossa perspectiva, assumimos a teoria de que este emissor d

    lugar a um sujeito reflexo. No h nas redes sociais as figuras de emissor e receptor de forma

    clara e definida, tal como no esquema jackobsoniano. O que parece existir o sujeito atravessado

    pelo desejo de compartilhar uma existncia em suas aes dirias e contnuas. Sendo um meio

    de comunicao escrita com fortes influncias do discurso oral, uma vez que as postagens so

    frequentemente realizadas em linguagem informal e cotidiana, temos como a priori a condio

    intermediria entre os dois discursos oral e escrito , com a presena clara de um emissor, mas

    a presena apenas supostamente marcada de um interlocutor.

    Tambm necessrio observar que, nas redes sociais, no existe uma temporalidade

    demarcada. A linha do tempo no Facebook (Fbk), como j dissemos, permite aos usurios um ir e

  • Revista Cientfica On-line Tecnologia Gesto Humanismo

    ISSN: 2238-5819

    ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________

    Faculdade de Tecnologia de Guaratinguet 67 Revista v.3, n.1 maio, 2014

    vir continuado, inclusive com a possibilidade de apagar postagens antigas ou de duplic-las,

    republic-las. Esse o sujeito a que chamamos reflexo, devido a essa possibilidade de fletir-se e

    refletir-se em suas aes, provocador no somente de um presente contnuo, mas de um passado

    contnuo.

    2 Resultados e Discusso Os textos foram coletados nas pginas dos perfis do Facebook, em ordem de postagens

    durante dois dias aps o anncio de sesses de quimioterapia pelos autores das postagens

    escolhidos neste estudo. No determinaremos aqui a data exata da postagem. Esse critrio foi

    definido pela pesquisa por tornar mais presente a vivncia do trauma e a utilizao da rede social

    para o fim de construo da histria de vida dos sujeitos postantes. Pareceu-nos que a

    possibilidade de entrar em contato com as pessoas e com o mundo pelas redes sociais uma

    ancoragem no mundo. As postagens coletadas foram organizadas segundo a perspectiva de

    Bertaux (2010), e distribudas em matrizes discursivas.

    As matrizes discursivas foram elaboradas como meio de anlise da organizao discursiva

    dos sujeitos postantes, segundo a proposta de Pires (2008), considerando os indicadores de

    sequncia discursiva e de efeitos de linguagem que conferem sentidos aos textos. Observemos

    parte das duas amostras j citadas na sesso anterior, aqui organizadas em Ncleos de

    Referncia e em Equivalentes Paradigmticos: Quadro 1 - Ncleos de Referncia e Equivalentes Paradigmticos

    Perfil Sequncia Ncleo de Referncia Equivalente Paradigmtico

    FBk1

    Ebaaaa cheguei nos mil likes!!!

    1- Ebaaa cheguei Alcance de um objetivo pessoal

    2- Mil likes Relao direta com o meio de divulgao

    Mil pessoas querendo saber mais sobre mim e meus

    amigos!

    1- Mil pessoas Quantidade de pessoas que curtiram o perfil mil likes 2- sobre mim e meus

    amigos! Insero em um grupo. Sobre linfona, outros tipos de cncer 1- cncer

    Obrigada por acompanharem minha historia e deixarem

    meus dias melhores!!!

    1- Minha histria O olhar para si, a reflexividade 2- acompanharem /

    deixarem Presena e conscincia do outro / conscincia do meio rede social

    Essa pgina eh de todos ns!!!! :D 1- pgina / ns

    Conscincia metadiscursiva / ns pessoas com CA e usurios do FBk

    eu estava bem deprezinha 1- deprezinha Conscincia da doena desejo de se mostrar e vejo algumas mensagens

    aqui na pgina pedindo ajuda com informaes, ou minha

    opinio...

    1- vejo algumas mensagens aqui na

    pgina

    Conscincia metadiscursiva / presena do locutor / necessidade de se sentir til

    Vocs no sabem o quanto isso me deixa feliz! Obrigada,

    gente 1- vocs / gente Presena efetiva do interlocutor, por meio do apelo do locutor.

  • Revista Cientfica On-line Tecnologia Gesto Humanismo

    ISSN: 2238-5819

    ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________

    Faculdade de Tecnologia de Guaratinguet 68 Revista v.3, n.1 maio, 2014

    Perfil Sequncia Ncleo de Referncia Equivalente Paradigmtico

    FBk2

    Gostei da mudana do Facebook na Linha do Tempo,

    mas a mudana aqui da pgina est me deixando confuso, no gostei :-P

    Mudana na linha do tempo / aqui na

    pgina

    Referncia metalingustica / espao demarcado

    Confuso / no gostei Relao direta do locutor com o meio de divulgao Eu sempre procuro

    compartilhar postagens de outros colegas de batalha...

    Compartilhar / postagens / colegas

    Modalizao espacial e Insero em um grupo.

    Acho curioso como as pessoas tem uma viso

    diferenciada sobre o cncer, e respeito, acho que o

    importante estar bem consigo mesmo, e se estiver

    dando certo, continuar seguindo o prprio

    compasso...Em frente sempre :-)

    As pessoas / o cncer O olhar para si, a reflexividade

    Acho que o importante estar bem consigo

    mesmo / prprio compasso

    Presena e conscincia do outro.

    Desde que descobri o cncer o medo dorme e acorda

    comigo todos os dias, tenho medo at de dormir, porque

    na minha cabea atormentada, eu posso morrer

    dormindo.

    Descobri o cncer / medo / todos os dias / atormentada / morrer

    Fragilidade / conscincia da morte / histria revelada / medo

    Ainda no abri as mensagens, mais tarde vou tentar

    respond-las, ou pelo menos boa parte delas.

    Mensagens / responder

    Conscincia metadiscursiva / presena do interlocutor

    Chamamos FBk1 e FBk2 aos dois perfis estudados. No que diz respeito aos aspectos

    textuais, podemos identificar, nas narrativas analisadas em nosso estudo, escolhas lexicais

    indicativas de uma linguagem informal, natural do ambiente em redes sociais. As passagens

    indicam a conscincia metadiscursiva constante desses usurios especiais, que conhecem a

    utilidade da rede social para divulgao de sua rotina. comum, como em FBk2, o uso das redes

    sociais como maneira de compartilhar, no somente a prpria opinio, mas a opinio de outras

    pessoas. O compartilhamento um recurso dialgico no Facebook, que permite a relao

    metadiscursiva mais evidente. Por meio do compartilhamento no ambiente virtual, os usurios

    podem expressar a sintonia de ideias com seus co-postantes.

    As trocas efetivas por meio de mensagens nas postagens desempenham o papel do

    dilogo, embora afirmemos ainda que as figuras de emissor e receptor no estejam claramente

    definidas, seno apenas metaforizadas nas ferramentas curtir comentar compartilhar, como j

    citamos anteriormente. Alm da presena metafrica do receptor, marcada por elementos

    discursivos explcitos como vocs, gente (FBk1) ou implcitos como em pessoas ou

    mensagens (FBk2), vemos que os ncleos de referncia nos encaminham ao sentido pragmtico

    da ao de comunicao implicada pelo atravessamento da dor, do reconhecimento da condio

    de doena, da vida cotidiana de um paciente de cncer que enfrenta uma situao dura e

  • Revista Cientfica On-line Tecnologia Gesto Humanismo

    ISSN: 2238-5819

    ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________

    Faculdade de Tecnologia de Guaratinguet 69 Revista v.3, n.1 maio, 2014

    dramtica ou seja, o uso recorrente da palavra para descrever uma rotina e no o uso da histria

    para descrever um fato.

    importante perceber que a representao biogrfica captura do tipo narrativo seus

    princpios de organizao, pois a narrativa que confere papis aos personagens de nossas

    vidas; a narrativa que constri as circunstncias, as aes, as causas, o prprio enredo, enfim

    a narrativa que faz de ns o prprio personagem de nossas vidas (DELORY-MOMBERGER,

    2008: 37).

    Procuramos perceber no s mecanismos discursivos, mas tambm perceber elementos

    textuais, e notamos, com j havia dito Pophillat (apud MAIA-VASCONCELOS, 2008), que a

    grande questo quando se narra sobre si em situao de crise, no mais de querer dizer tudo,

    mas tentar todas as maneiras de dizer. Como a rede social Facebook permite maior liberdade de

    postagem que outras redes, no limitando tamanho do texto, incluindo imagens e permitindo que

    um perfil possa divulgar outro perfil, vemos nos textos de nossos sujeitos, outros textos que aqui

    no foram includos. A exemplo disso, FBk1 e FBk2 divulgam aqueles a quem chamam colegas

    de batalha. Esse fato nos levou a considerar em nossas anlises a concepo de um sentido

    pragmtico de insero em um grupo, ao mesmo tempo que de reflexividade individual e

    interacional. Os sujeitos doentes de cncer parecem se inserir em um contexto especfico que os

    aproxima, sem isol-los do mundo exterior, uma vez que as redes sociais so um forte sistema de

    incluso. Deste modo, construir sua histria em compartilhamento com outros colegas de

    infortnio ajuda a criar no somente uma histria individual, mas congrega histrias mltiplas que

    vo construir uma histria coletiva.

    As trocas de experincia so feitas por exposio. Apesar, entretanto, de haver uma

    interao constante e uma frequente divulgao de campanhas de doao de sangue e de

    medula, esses perfis no mantm entre si uma histria conversada, no h uma construo

    ajustada e claramente exposta das histrias e das experincias. Mesmo fazendo parte de um

    grupo, essas pessoas no dialogam na construo de suas identidades que se unem em

    coletividade. Seus contatos aparentes nas redes sociais no podem ser considerados um dilogo

    direto, uma vez que no h uma situao de interlocuo, h ausncia de situacionalidade comum

    entre locutor e interlocutor, emissor e receptor. No existe uma troca de turnos que se caracterize

    como dialogada, ainda que se manifeste por um sistema de perguntas e respostas, uma vez que

    no h a presena simultnea dos interlocutores movendo um dilogo. Existe um cancelamento

    da situao de produo ao mesmo tempo em que se gera uma situao de autonomia semntica

    dos textos postados, que provoca o que Ricoeur chama de hiato entre a "identificao" e a

    "mostrao", uma vez que a linguagem, neste caso, perde seu carter ostensivo.

    Quando escrevemos, criamos um texto e, independente de qual seja, sempre pensamos

    no leitor/interlocutor. Na autobiografia no diferente, porm nas redes sociais a figura do

    receptor nem sempre claramente denominada, o que nos levou a considerar a ruptura do

  • Revista Cientfica On-line Tecnologia Gesto Humanismo

    ISSN: 2238-5819

    ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________

    Faculdade de Tecnologia de Guaratinguet 70 Revista v.3, n.1 maio, 2014

    esquema jackobsoniano da comunicao. Observemos o trecho retirado de um perfil no

    Facebook: FBkDL: Ainda t pra ver terapia melhor do que escrever, eu sempre recomendo isso pra quem est na luta. Quando levantei de manh meu humor estava pssimo, e continuou assim at o fim da tarde, mas foi s dar uma passada no blog e escrever algumas linhas que todo mal estar (psicolgico) desapareceu. Quem no adota a escrita como terapia, no sabe o que est perdendo. :-)

    Vemos a dois pontos j vistos no quadro dos ncleos de referncia: primeiramente a

    conscincia metadiscursiva do autor que se presta a escrever. Em segundo lugar, a no-presena

    do interlocutor. Com quem dialoga o usurio? Quem seria o interlocutor de FBkDL? H claramente

    um eu que se apresenta e se compromete, mas a figura do receptor no se representa seno

    metaforicamente por meio da expresso vaga quem e da elipse de um sujeito na declarao

    final. Seria esse quem o leitor comum ou expressamente um outro doente de cncer? Assim

    sendo, a equivalncia paradigmtica seria atravessada pela obrigatoriedade do diagnstico de

    cncer para que o ncleo de referncia representado pela expresso quem fosse indicador de

    um possvel interlocutor que tambm devesse escrever e fizesse sentido.

    H uma conscincia da escrita. A utilidade da escrita na vida desses neoautores sempre

    algo notificado por eles. No vista como algo que servir apenas para eles, uma vez que esto

    tendo sua aprendizagem atravs da prpria experincia e sim, para as outras pessoas, sejam

    aqueles que estejam passando por algo semelhante ou aqueles que se interessam por motivos

    outros que no a prpria vivncia.

    Consideraes Finais

    Tratar de autoria nos remete logo sua matria-prima, a escrita. Mas, a partir do momento

    em que focalizamos a autoria como ponto principal, a escrita assume um lugar distinto do

    tradicionalmente ocupado nas pesquisas cientficas, mais precisamente, nas pesquisas

    lingusticas, o estudado no processo de alfabetizao por exemplo. Sendo assim, perceber o

    processo de autoria narrativa nas narrativas de pessoas que passam por uma situao traumtica

    no diferente, pois nessa rea temos um sujeito que se inscreve como garantidor das verdades

    dos fatos. atravs da viso de mundo deste sujeito, vivendo no momento da crise sua escrita,

    seu cotidiano, suas memrias e suas lembranas que a narrativa se construir.

    A partir da autonarrativa, podemos desdobrar toda e qualquer abordagem lingustica, seja

    pelas marcas discursivas, seja por entradas lexicais, j que nossas anlises concretizaram-se em

    textos escritos. Os autores que surgem nas redes sociais, tambm considerados neste estudo

    como circunstanciais, tramitam entre o formal e o informal para desvendar-se ao mundo da escrita

    e utilizam-se de recursos discursivos que referenciam sentidos s suas narrativas propostas, o

    que ficou claro nas anlises das amostras. Neste estudo apresentamos e discutimos sobre a APD

    e sua possibilidade de anlise no desenvolvimento da autonarrativa.

  • Revista Cientfica On-line Tecnologia Gesto Humanismo

    ISSN: 2238-5819

    ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________

    Faculdade de Tecnologia de Guaratinguet 71 Revista v.3, n.1 maio, 2014

    No se trata aqui de propor uma maiutica do discurso proferido pelos sujeitos narradores,

    mas, antes, uma viso sobre as vertentes que colocam em evidncia o desenvolvimento do

    trabalho biogrfico. A recorrncia nas autonarrativas em redes sociais expressam o sentimento do

    narrador e sua participao na esfera social em interao com o outro. E como j afirmou

    Saussure (1969), a lngua um fato social, e (auto)biografia, em si, prioriza a vida, o social, os

    sujeitos, os atores do processo de criao, suas reflexes e suas escolhas relativas escrita

    sobre seu percurso e o faz, neste estudo, por meio do registro escrito/virtual em redes sociais.

    Este registro materializa certas informaes que referenciam os fatos, e estes fatos realmente

    aconteceram no passado e so revividos, ao passo que buscamos, em nossa memria,

    lembranas para narrarmos sobre ns mesmos.

    A autonarrativa a iniciativa de ir em busca do tempo perdido, como Proust (apud MAIA-

    VASCONCELOS, 2005), para enfim encontrar, nos guardados da escrita, a conexo precisa entre

    os fatos. Esse encontro revela significaes propulsoras do entendimento sobre a distino entre

    escrever, como possibilidade de transcrever palavras, e escrever, como direito de transcrever

    sentidos.

    A elaborao da autonarrativa prope, entretanto, uma renovao da discusso sobre os

    gneros textuais. Por isso, busca-se, nesses textos, a construo de uma conscincia de que a

    elaborao de um texto biogrfico marca um novo caminho para os estudos lingusticos, e que

    estes tero de ser desprendidos da mera observao de fatos ligados s estruturas da lngua,

    pois, sendo a lngua, antes de tudo, um elemento de ligao social e histrica, sua manifestao

    se sobrepe sua organizao formalista, o que pe as redes sociais como um novo espao de

    construo de histrias de vida. Referncias BARTHES, Roland. Introduo a Anlise Estrutural da Narrativa. In: ______. Anlise estrutural da narrativa. So Paulo: Vozes, 1973. BARTHES, Roland. O efeito de real. In: ______. O rumor da lngua. So Paulo: Cultrix, 2004. BERTAUX, Daniel. Narrativas de vida: a pesquisa e seus mtodos. So Paulo: Paulus, 2010. BOURDIEU, Pierre. A iluso biogrfica. In: ______. Uso e abuso da Histria Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. CARDOSO, Maria Neurielli. Relatrio de pesquisa. Autoria narrativa em situao traumtica e construo de um depoimento de si a partir do olhar sobre o outro: abordagem cientfica de autoformao. Universidade Federal do Cear/ CNPq. Fortaleza: 2009. CIFALI, Mireille. Lien Educatif: contre-jour psychanalytique. Paris: PUF, 1998. DELORY-MOMBERGER, Christine. Biografia e educao: figuras do indivduo projeto. So Paulo: Paulus, 2008.

  • Revista Cientfica On-line Tecnologia Gesto Humanismo

    ISSN: 2238-5819

    ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________

    Faculdade de Tecnologia de Guaratinguet 72 Revista v.3, n.1 maio, 2014

    LANI, Martine. A la recherche de la gnration perdue. Paris: Hommes et perspectives, 1990. LEBOVICI, Serge e CASTAREDE, Marie-France. L'enfance retrouve: une vie en psychanalyse. Flammarion, 1992. LEFVRE, Fernando; LEFVRE, Ana Maria Cavalcanti. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa. Caxias do Sul, RS: Educs, 2005. MAIA-VASCONCELOS, Sandra Farias. Histria de vida e genealogia: categoria narrativa especfica em busca do tempo perdido. In: Encontro Internacional de Texto e Cultura, 2008, FORTALEZA. Anais do Encontro Internacional de Texto e Cultura. FORTALEZA: UFC, 2008. MAIA-VASCONCELOS, Sandra Farias; CARDOSO, Maria Neurielli Figueiredo. Autobiografia: estudos da narrativa a partir da especificidade histrica pessoal. In: ARAJO, Jlio; BIASI-RODRIGUES, Bernardete; DIEB, Messias. (Org.). Seminrios Lingusticos: discurso, anlise lingustica, ensino e pesquisa. Mossor: Edies UERN, 2010, v. 1, p. 327-340. MAIA-VASCONCELOS, Sandra Farias. Clnica do Discurso: a arte da escuta. Fortaleza: Premius, 2005. MAIA-VASCONCELOS, Sandra Farias. Fazer-se autor em situao traumtica na construo de um depoimento de si a partir do olhar sobre o outro. In: PASSEGI, Maria da Conceio. (Org.). Tendncias da pesquisa (auto) biogrfica. So Paulo: PAULUS - EDUFRN, 2008, v.3, p. 231-247. PINEAU, Gaston. Vie des histoires de vie. Montral: Fac. Education Permanente, 1980. PINEAU, Gaston; LE GRAND, Jean-Louis. Les Histoires de Vie. Paris: PUF, 1996. PIRES, Jos. Teoria e prtica da Anlise Proposicional do Discurso. Joo Pessoa: Ideia, 2008. SAUSSURE, Ferdinand. Curso de Lingustica Geral. So Paulo: Cultrix/EDUSP, 1999. STEDEFORD, Averil. Encarando a morte: Uma abordagem ao relacionamento com o paciente terminal. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1986. TAVARES, Maria Leidiane Freitas. A constituio da autoria em narrativas de viajantes: entre o sujeito e a designao. 2010. 102fls. Dissertao (Mestrado em Lingustica) - Universidade Federal do Cear, Fortaleza, 2010. TODOROV, Tristan. As Categorias da Narrativa Literria. In: BARTHES, Roland. Anlise estrutural da Narrativa. So Paulo: Vozes, 1973. VAN HOLLAND, Michelle. La parole mergente: Approche psycho-sociollinguistique de la rsilience. Paris: Parcours thorico-biographique, 2002.

    Recebido em 21/02/2014 Aceito em 25/03/2014

    LEBOVICI, Serge e CASTAREDE, Marie-France. L'enfance retrouve: une vie en psychanalyse. Flammarion, 1992.