Historias-Assustadoras

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    Alfred Hitchcock apresenta HHiissttrriiaass aassssuussttaaddoorraass

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    Obras da srieAlfred Hitchcock apresentaCarrossel do crime

    Histrias pra ler no escuro

    Histrias que nunca sero repetidasEnterro de primeira classeHistrias pra assustar o Mo Branca

    Histrias pra ler com a porta trancadaHistrias pra noites sem luar

    Histrias pra tirar o sonoHistrias que mame nunca me contou

    Histrias que no me deixaram fazer na tevHistrias pra ler nas sextas-feiras

    Histrias pra ler no cemitrioQuerem ver minha caveira

    Histrias de arrepiar o cabeloHistrias assombrosas

    Histrias do arco-da-velhaHistrias mal-assombradas

    Um presente de terrorA roleta da morte

    Histrias que nunca esqueciHistrias pra leitores sem medo

    Histrias que ningum gostaria de viverXeque-mate

    Histrias de alta tenso

    Histrias que nunca esquecereiHistrias macabras

    Histrias pra dar calafrioHistrias de mau-agouro

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    Traduo de

    A. B. Pinheiro de Lemos

    Digitalizado em abril de 2011

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    Ttulo original ianque

    Tales to make your teeth chatter

    Copirraite 1980, Davis Publications, Inc.

    O contrato celebrado com o autor probe a exportao deste livroa Portugal

    Direitos de publicao exclusiva em lngua portuguesa no Brasiladquiridos pela

    DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIO DE IMPRENSA S.A.Rua Argentina 171, 20921 Rio de Janeiro, RJ

    que se reserva a propriedade literria desta traduoImpresso no Brasil

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    Alfred Hitchcock apresenta

    HHiissttrriiaass aassssuussttaaddoorraass[orelha]

    O ingls Alfred Hitchcock, at hoje,considerado um incomparvel mestre dosuspense. Sabia, como ningum, explorar osinstintos humanos ao contar uma histria,sempre impregnada de momentos de intensaexpectativa e pavor, que tornaram seus filmesinesquecveis, alguns figurando entre as maioresobras-primas que o cinema produziu.

    Os mesmos critrios adotados em seusfilmes usava pra escolher os contos dascoletneas em livro. Exemplo disso Oescravo, de Henry Slesar, uma histriafascinante, brutal, angustiante, relatando a mais

    estranha aposta que dois homens poderiamfazer.

    Um favor, de Stephen Wasylyk, um contodiferente. Trata dum ex-heri de guerra marcado

    pra morrer, alvo da vingana dum milionriopsicopata por causa dum comentrioaparentemente inconseqente. O desfecho surpreendente e terrvel, pois envolve orelacionamento mais profundo que um homem

    pode ter.Testemunha inocente, de Irving Schiffer,

    mostra como um fato corriqueiro,aparentemente banal, pode representar a soluodum mistrio insolvel, segundo tudo indicava.Foi o que descobriu a linda secretria Jlia aomorrer a milionria esposa de seu chefe.

    J Estnio e Brbara Sherwood tiveram umproblema diferente. Ricos, felizes, ainda jovens,deixando Nova Iorque em pleno inverno, decarro, buscando o sol da Flrida. E no meio do

    caminho tiveram uma aventura estranha eterrvel. Essa a histria do conto de RobertColby, Uma priso na estrada do sul.

    Se um carro da mesma marca, ano, cor,placa, e at as coisas que deixaste dentro lesto, no h por que duvidar que se trata de teucarro. Mas no foi isso que aconteceu comHrbio Crain. Estranhou o barulho do motor, afolga no pedal de freio e chegou concluso deque havia Algo estranho, que o ttulo domagnfico conto de James Michael Ullman, quemostra como o terror pode espreitar atrs dosfatos mais inslitos.

    E o humor no poderia ser excludo destaesplndida seleo. O velhinho humilde,maltrapilho, vestindo um casaco que tinha odobro de seu tamanho, escondeu uma lata desalsicha no bolso. Ao chegar caixa, levando nocarrinho apenas um pacote de leite, um poamanhecido e um saco de comida canina,surgiram quatro assaltantes mascarados. O queaconteceu a partir desse momento, tragicmicomas que deixa um sorriso nos lbios do leitor,s se descobrir quando chegar ltima pginade A lata de salsicha, justamente o ttulo doconto de Joyce Harrington.

    Assim so os contos escolhidos porHitchcock: Fascinantes, cheios de mistrio esuspense, reunidos em coletneas que quandoterminamos de ler estamos, invariavelmente,com uma sensao de expectativa e ansiedade eaguardando a prxima seleo!

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    nnddiiccee7O escravo Henry Slesar20Os dentes no caso Carl Henry Rathjen30A essncia da justia Hal Ellson36Um favor Stephen Wasylyk

    46A vtima do ano Jack Ritchie53Testemunha inocente Irving Schiffer

    63Priso na estrada do sul Robert Colby79No somos esse tipo de gente Samuel W. Taylor90Problema de peso Duane Decker

    93Algo estranho James Michael Ullman

    100A grande caada Talmage Powell

    108A lata de salsicha Joyce Harrington

    112Tudo comeou cum espirro Donald E. Westlake

    122A prova no bolso Harold Q. Masur

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    OO eessccrraavvoo

    Henry Slesar

    entindo a iminncia dum pedido de casamento Inger se preparou pro jantarcom cuidado especial e sem sacrificar da pontualidade. Corey gostava quesuas mulheres fossem bonitas, pontuais e, normalmente, alguns anos mais

    jovens que Inger podia alegar ser. Mas, ainda beirando os 30 anos, ela se recusaraa sofrer pontada de desespero durante o namoro de dois meses.

    Como um bom pressgio, Corey a levou ao Windward. Era caro e ntimo. Velasbruxuleavam. Os martnis foram servidos em copos gelados. Depois da refeio,enquanto tomavam caf e conhaque, os olhos dele se fixaram afetuosamente nosdela, sua voz baixou uma oitava. Se no fosse pelo fato da ateno dela se desviarsubitamente a um homem de boca larga e sorridente, o momento poderia terchegado. O sorriso do homem era to efusivo e to obviamente dirigido a Coreyque ela teve certeza duma interrupo. Estava certa. O homem se aproximou damesa e cortou o nimo de Corey.

    Ol, Core. Pensei ter te reconhecido antes mas est muito escuro aqui dentro.Ele presenteou Inger com uma exibio dos dentes brancos e compridos,

    alongando o rosto atarracado. Os olhos eram dum azul bem claro, o cabelo louro seencurvava no final de cada mecha. Inger olhou a Corey e sentiu um choque quaseeltrico pelo que viu. Os msculos em torno da boca de Corey relaxaram, estavamtremendo.

    Ol, Ray. Disse Corey, balbuciando depois de breve hesitao. Esta Inger Flood. Inger, Ray Chaffee.

    Inger murmurou: Como vais? Que maravilha! Disse Chaffee, com uma exclamao de admirao.

    Tens muito bom-gosto, Core. Imagino que tiveram um jantar ntimo eextremamente agradvel. E uma pena que tenhas de ir embora agora?, hem, Core.

    Pelo-amor-de-deus!, Ray. Mas tiveste sorte, Core. Eu poderia ter te reconhecido antes do fil. Foi fil,

    no ?, senhorita Flood. Core nunca teve muita imaginao pra comer. Ambos comemos um fil. Declarou Inger, decidida a se manter

    controlada. Tambm no tenho muita imaginao.O sorriso se desvaneceu, deixando uma expresso de malcia afvel.

    Vamos logo, Core. Disse Chaffee, a voz musical. Trates de ir embora.Deixes o conhaque. O terminarei por ti. Ainda tens crdito aqui. No ? Poispasses na caixa e avises pra porem a nota em tua conta. Vamos, Core, te mexas!

    O choque de Inger se transformou em perplexidade. Corey estava se levantando. Inger, lamento muito... Lamentas? Mas o que est acontecendo? Tenho de ir embora. Murmurou, desesperado. Telefonarei a ti mais

    tarde. A tua casa. Nada disso! Interveio Chaffee, bruscamente. Chega de telefonema

    nesta noite, Core. Pares de financiar a companhia telefnica. Vs a casa e te deites.Amanh... Ora! Veremos o que se poder fazer amanh.

    Inger comeou a se levantar tambm mas, inacreditavelmente, a mo doestranho estava em seu ombro, a empurrando de volta cadeira.

    SS

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    Ficars aqui, senhorita Flood. No precisas ter pressa. Mas o que isso?! Disse Inger, finalmente sentindo raiva. Corey, queres

    fazer o favor de dizer a esse homem... No precisas fazer onda. Disse Chaffee, suave e zombeteiro.Se sentou ao lado de Inger. Corey hesitou mais um instante, at que Chaffee lhe

    sacudiu a mo bruscamente, num gesto autoritrio. Corey se virou, como seatingido por um chicote invisvel e se encaminhou porta, a tenso estampada nascostas. Inger fez outra tentativa de se levantar mas Chaffee a segurou no cotovelo.

    Fiques, por favor. No vs ainda. No agradvel ficar sentada aqui sozinha. No ficarei sentada sozinha. Disse, rispidamente. Nem contigo. E tires

    a mo de meu brao ou comearei a gritar. Poders descobrir o que isso significapra teu crdito.

    No havia sinal de Corey na rua. Inger esperava que surgisse de repente numportal e explicasse a brincadeira. Mas, exceto por um txi parado a algumadistncia, a rua estava deserta. Fez sinal ao txi.

    Na manh foi despertada pelo telefone e no pelo despertador.

    Inger? Vs ao Inferno! No posso te culpar por estar to zangada. Murmurou Corey. No

    posso te explicar agora mas prometo que ainda o farei. Eu no sabia que Chaffeeestava no restaurante. Pra ser sincero, nem sabia que estava na cidade. Pensei terme livrado do filho-da-puta durante seis semanas, que sua companhia o tivesseenviado Amrica do Sul numa misso especial.

    , Corey, te cales! Exclamou Inger, se sentando na cama. Foi umabrincadeira de mau-gosto e ainda no estou completamente desperta pra ouvir umpedido de desculpa.

    Queres almoar comigo? No. Por favor!, Inger.O encontrou num restaurante do qual nunca ouvira falar antes, num bairro fora

    de mo. No fez conexo entre a obscuridade do restaurante e Ray Chaffee at quetateou o caminho no interior escuro pra alcanar a mesa isolada de Corey, nofundo.

    Quero que me digas uma coisa, Corey. Ests te escondendo daquele homem? Como assim? Este buraco que escolheste parece ser freqentado apenas por curtidores

    portugueses e gente parecida. O escolheste apenas por causa de teu amigo?

    No digas bobagem. Corey sorriu. um restaurante agradvel esossegado. Muito bom pra namorar.Ele a beijou na boca, obtendo uma retribuio apenas parcial. Depois pediu os

    drinques e, sem esperar a pergunta, tratou de responder: Claro que foi uma brincadeira o que aconteceu ontem na noite. Mas uma

    coisa to estpida que quase desafia explicao. Mas tentes explicar. uma espcie de aposta, uma brincadeira permanente que tenho com

    Chaffee. Mas quem ? Trabalhas pra Chaffee? teu patro? No. apenas um amigo, usando a palavra no sentido mais amplo.

    engenheiro de computador. Estivemos juntos na universidade. Chaffee, eu e maisalguns outros tnhamos uma roda de pquer que acabou sendo dissolvida por dois

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    ou trs casamentos. Sabes como so essas coisas. No. No sei. A maneira como aquele homem ordenou que sasses. E a

    maneira repulsiva como obedeceste...Corey se recostou nas sombras e riu. O divertimento parecia genuno mas Inger

    no estava convencida.

    Devo ter parecido um idiota. Mas tinha de ser assim, meu bem. No possoesperar que compreendas. Tudo o que espero...Abruptamente parou de falar.

    O que ? No espero alguma coisa agora. Mas dentro de dois minutos... O que mudar em dois minutos? Talvez muita coisa.Corey meteu a mo no bolso e tirou uma caixa pequena, revestida de veludo.

    Inger prendeu a respirao, enquanto ele acrescentava: Te lembras do que te falei daquela dbil-mental de quem estava noivo? Leila?

    Isso mesmo, Leila. E te lembras de que falei que devolveu o anel denoivado?

    Inger ficou rgida enquanto ele levantava a tampa, mas a caixa estava vazia. No estou entendendo. Eu no permitiria que usasses o maldito anel daquela mulher. Passei na

    joalheria nesta manh e acertei uma troca. Podes passar l a qualquer hora eescolheres o anel que quiseres. Isso , se quiseres.

    Inger olhou da caixa vazia ao rosto dele mas outra imagem se interps.Era um garo, carregando um telefone vermelho.

    Mas o que isso? Resmungou Corey. Deve ser um engano. No, senhor declarou o garo. mesmo pra ti, senhor Jensen.Corey pegou o fone e disse um al perplexo. A centmetros de seu ouvido, Inger

    ouviu a voz metlica de Ray Chaffee: Passarinho, passarinho, por que fugiste de casa? Ela est pegando fogo e teus

    filhos morrero. Ray, seu miservel! Ests sendo insolente, meu velho. E sabes que no tolerarei insolncia. O que queres? Como soubeste que eu estava aqui? Ests me seguindo de

    novo? Caias fora da, Corey. Tua presena num lugar assim me ofende. Estou no

    outro lado da rua, numa cabina telefnica. Espero te ver passar a porta dentro de

    dois minutos. No, serei camarada: Dou trs minutos. Corey, desligues esse telefone! Interveio Inger, a cabea zumbindo.Foi exatamente o que Corey fez. Inger pensou que a brincadeira terminara mas

    estava enganada. Corey estava largando o guardanapo em cima da mesa eempurrando a cadeira a trs.

    Escutes, Inger... No! No me digas! Irs mesmo embora? Tenho de ir, meu bem. uma coisa que no posso evitar. Tomes aqui! Ps

    a caixa de veludo na mo dela. O nome da joalheria est escrito na parte dedentro da tampa. Talvez possas passar l ao voltar a casa nesta noite.

    Corey. Disse ela, incisivamente Se sares daqui agora e no me

    explicar por que... Peas algo pra comer. Ele lanou um olhar nervoso porta e largou uma

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    nota de 10 dlares em seu prato. Peas rosbife. muito bom aqui. Ligarei a timais tarde.

    Se fores embora agora, no quero que me telefones mais tarde!Mas ele foi.Inger no pediu o almoo. Usou o dinheiro pra pagar os drinques e foi embora

    sem se impressionar com o grunhido de insatisfao do garo. Chegou faminta aoescritrio s 3h e comeu uma torta horrvel comprada no carrinho de caf.

    Corey apareceu no apartamento dela, sem avisar, em volta das 22:30h. Inger jse vestira pra deitar, com uma camisola to transparente que a situao poderia ser

    provocadora. Mas o nimo de Corey e tambm o dela, se diga de passagem,impediam qualquer coisa alm de conversa e usque. Se sentaram na pequena salade estar, um tanto desarrumada.

    Muito bem, Inger. Contarei toda a histria. No o podia fazer antes, pois issofazia parte do acordo. Mas estive com Ray e concordou. At gostou da idia desaberes, o que proporcionou uma emoo vulgar ao desgraado.

    Parou de falar, terminou o escocs que tinha no copo. Inger esperou recomear: Sou seu escravo, Inger.Ele se levantou pra tornar a encher o copo, usando a ao como pretexto pra no

    a fitar. Sei que parece absurdo, mas no tanto assim. No estou querendo dizer que

    me comprou num leilo de escravo ou que temos alguma relao sexual maluca noestilo de Krafft-Ebing. Ambos somos corretos, embora essa seja uma maneira umtanto exagerada de descrever Ray Chaffee. O que estou querendo dizer que tenhode fazer tudo o que mandar, praticamente tudo. Claro que nada faria que mecausasse um mal fsico. No pode me mandar, por exemplo, pular duma janela.

    Isso no estaria nas regras. Regras? Sou escravo h quase 10 meses. Restam menos de 10 semanas pra que tudo

    acabe. Mas no precisas ficar preocupada. Pensei muito em ti, pensei em ns, nestasituao, decidi que no deveria te encontrar, at que este maldito ano chegasse aofim. Mas com Chaffee viajando, pensei que poderia correr o risco.

    Correr o risco de qu? Afinal, estava na Amrica do Sul. Deve ter morrido de raiva por ser enviado

    at l justamente agora. Estava comeando a gostar de ter um escravo, de podermandar nalgum e ser sempre obedecido. E se tornava mais mesquinho a cada dia,

    pensando em novas maneiras de me fazer sofrer.

    No posso estar ouvindo direito, Corey. Devo ter me deitado h uma hora etudo no passa dum sonho.

    No caminho a c continuou Corey, muito tenso tentei decidir o que erapior: Contar a ti ou nada dizer. Qualquer que fosse a deciso eu poderia te perder.No queres outro drinque?

    No. Pois quero.Corey foi encher o copo mais uma vez. Quando voltou estava disposto a

    enfrentar os olhos dela. Inger, contarei toda a verdade. H cerca de 10 meses, Chaffee, eu e mais dois

    caras tnhamos uma roda de pquer e garotas.

    No mencionaste as garotas antes. Elas jamais atrapalhavam o pquer. Seja como for, estvamos todos sentados

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    em torno duma mesa numa noite, bebendo. Comeamos a falar sobre escravido.Isso , a escravido nos dias atuais. Ainda existe, sabes. H muito trfico deescravo no Oriente Mdio e lugares assim. Houve uma coisa em que, todosconcordamos. Ou melhor, duas. A primeira foi: A escravido no horrvel? Nadah de original nisso, claro, mas o primeiro sentimento de quem sempre viveu

    sombra da bandeira ianque. Mas tambm concordamos que a escravido podia serterrvel pro escravo mas era, certamente, algo muito bom pro amo. Pondo de ladotodas as consideraes morais, o que h de to ruim em ter dois ou trs escravos?Encaremos a verdade: Devia ser uma coisa maravilhosa. Era o que fez a escravidoto popular durante muitos sculos, mesmo em civilizaes supostamenteesclarecidas, como a grega e romana. Sabiam que era moralmente errado o quefaziam mas no dispunham de mquina pra tornar a vida confortvel e por isso

    just ificavam a prtica. Mesmo hoje, penses em todas as pessoas que vivemdisputando criados. Te lembres das mulheres gordas nos clubes femininos,

    passando a metade da vida dando ordens s criadas e a outra metade falando delas.E quando uma delas diz Minha Bernice uma jia preciosa, est se referindo

    criada mais como uma escrava, mais como se fosse uma preta escrava sulista dosvelho tempo do que como empregada remunerada. No estou certo?

    Por favor, Corey, me poupes os comentrios sobre a injustia social. Est bem. Est bem. O que estou querendo dizer que a escravido

    atraente. Chaffee at encontrou uma citao de Tolsti a respeito, embora eu acheque s a procurou depois da aposta.

    Aposta? sobre isso que quero falar: A maneira como tudo comeou. Sabes quem foi

    Tolsti. Uma espcie de santo russo, defensor da liberdade individual. S queescreveu, em seu dirio, que a escravido um mal, mas um mal extremamenteagradvel.

    Mas ainda continua a ser um mal. No ? Por que involuntria. Os escravos no escolhem ser o que so. So

    arrebanhados por traficantes ou vendidos pelos prprios pais, como acontecia comas meninas na China antiga. Ou eram capturados em guerras, como no caso dosgregos e romanos. Mas se a escravido fosse voluntria, se fechando o vaziomoral...

    Foi isso o que fizeste? Voluntariamente te ofereceste pra ser escravo? De certa forma, Inger. De certa forma. Foi assim que a noite terminou, numa

    espcie de aposta que Chaffee e eu fizemos. Bebramos muito, mas mesmo, assimdefinimos os termos, as regras e condies. Uma das regras era o sigilo e isso o

    que est me permitindo violar nesta noite. Ests falando srio? No brincadeira? No, Inger, no brincadeira. Infelizmente, a pura verdade. Chaffee

    apostou que eu no poderia sobreviver como seu escravo durante um ano. Mas oprazo est quase acabando. Eu ganho, ele perde e as coisas voltam ao normal. Maseu no poderia desistir agora. Entendes? Depois de 10 meses eu seria louco sedesistisse, mesmo que me pedisses, mesmo que impusesses uma condio praencher aquela caixa que dei a ti.

    No achas que ests querendo demais? Eu no poderia desperdiar esses 10 meses, Inger. Chaffee me fez conhecer o

    Inferno e pode se tornar ainda pior, mas no lhe darei a satisfao de desistir antes

    que o ano termine. Pareceis duas crianas estpidas! Devereis levar uma boa surra!

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    No foi to terrvel assim no comeo. Disse Corey, olhando o teto. Chaffee no estava acostumado a ter um escravo. A princpio me pedia pra fazer ascoisas, era polido, sempre usava por favor. E todas as ordens eram nfimas, comofazer pequenos servios, ir biblioteca, chamar txi. Era um trabalho fcil.

    E depois mudou?

    No podia me pedir pra fazer algo que pusesse em risco minha sade,emprego ou dinheiro... Mas podia te humilhar. Eis algo que podia fazer.No podia me obrigar a fazer coisas malucas em pblico. Nada que pudesse

    fazer com que a polcia me prendesse. Mas qualquer outra coisa. Sou obrigado afazer ou no seria seu escravo. Entendes? Um escravo obedece sem questionar.Isso a prpria essncia, a incapacidade de recusar as ordens do amo. Mas Chaffeelevou muito tempo, quase meio ano, pra descobrir alegria nisso.

    Alegria? Isso mesmo. Corey revirava o copo entre as mos, interminavelmente.

    H uma alegria nisso, quase um xtase. mais do que a convenincia de ter

    algum pra executar todas as ordens. No fundo h algo de poder. por isso que aspessoas se digladiam buscando poder poltico, social, financeiro. Qualquer um. oprazer de dominar as pessoas, a fazer obedecer pelo simples ato de estalar ochicote.

    Inger deixou escapar um muxoxo de repulsa. verdade, meu bem. Sou o escravo e o amo, mas posso perceber o que faz.

    O poder total sobre outro ser humano. Depois de seis meses Chaffee comeou asentir que o tempo se escoava rapidamente e foi ficando desesperado e mesquinho.As ordens se tornaram mais brutais e mais freqentes. Foi nessa ocasio quedeixamos de ser amigos e nos tornamos o que somos agora: Amo e escravo.Apenas isso, nada mais que isso. E foi tambm nessa ocasio que comeou agostar.

    Inger se aproximou dele, parecendo inebriada e linda. E no desistirias? Nem mesmo que eu pedisse? J te disse. Se tivssemos nos conhecido h cinco ou seis meses, antes de

    Chaffee comear a estalar o chicote, talvez eu estivesse disposto a desistir, aperder todos os meses que j investira. Mas no agora.

    Corey, me amas? Por-deus-do-cu! Ainda no disse isso?

    Mais tarde, ela pediu de novo.

    No, Inger, no possvel. Achas que aquelas situaes nos restaurantesforam horrveis? Pois j houve outras bem piores. Tenho feito todos os tipos deservio sujo. J fui seu valete, mordomo, faxineiro. J abri mo de muitas noites,de fins de semana, at das horas de almoo, sempre que assim quis. E ento passoua me seguir em toda parte, me obrigando a renunciar a hbitos, prazeres, amigos.

    E s mulheres tambm? Me obrigou a romper com todas as namoradas. Houve uma ocasio, quando

    procurou a garota com quem eu saa e contou o que eu era. Pensei que as regras bsicas. S se aplicam a mim. O amo no precisa guardar segredo. S o escravo est

    obrigado. E naquela noite contou a ela. E a dbil mental...

    Foi Leila? Isso mesmo. E talvez Chaffee me tenha feito um favor nesse caso. Mas no

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    esquecerei a maneira como nos abordou. E disse a ela que eras seu escravo? Disse e provou. Me obrigou a rastejar na frente dela. E aquela dbil mental

    riu. Achou que era engraado, hilariante. Pediu a Chaffee que a deixasse ter umpouco de ao, queria brincar tambm. E no resto da noite fui tambm escravo

    dela, porque isso parte do acordo. Se tens um amo passas a ser escravo de toda araa humana. Oh, Corey! Inger pressionou o rosto contra o ombro dele. Como

    pudeste agentar isso? Por que no o mataste? Eu teria esmagado a cara dele e adela tambm!

    Tens razo, Inger. Os escravos se revoltam. E isso faz parte da diverso. Sque eu no o podia fazer. Entendes? Havia investido demais.

    O telefone tocou. J passava de meia-noite e o telefone de Inger eranormalmente silencioso naquela hora.

    Devo atender? Sussurrou ela. achas que ... Tenho certeza que .

    Inger atendeu e a voz de Ray Chaffee disse, suavemente: Como vais?, boneca. Ests com o ouvido doendo? Nosso garotinho j chorou

    todas as mgoas? Estou contente, que tenhas ligado, senhor Chaffee. Disse Inger. Muito

    satisfeita. Assim tenho a oportunidade de dizer o que penso a teu respeito. Poupes teu flego. disse Chaffee, friamente. Me deixes falar com o

    rapazinho. S depois de me ouvires. Me enches o saco e eu descarregarei em cima dele. Ests entendendo?,

    boneca.Inger hesitou um instante mas acabou passando o fone a Corey. E o ouviu dizer:

    Est certo. J entendi. Est bem. Est bem. Eu disse que faria e farei.Suspendeu o telefone, na direo de Inger. Mas no a olhou, enquanto dizia, a

    voz sem inflexo: Ray quer que eu v embora agora, meu bem. Mas no quer que fiques

    solitria. Disse que ter o maior prazer em vir at aqui pra fazer companhia a ti.Disse que conhece uma maneira de te manter quente e satisfeita.

    Corey! Eu agradeceria se concordasses, Inger. No posso te obrigar, claro, mas

    consideraria um grande favor a mim se deixasses Ray subir agora.Via fone ela podia ouvir o risinho seco e musical de Chaffee.

    Saias daqui! Gritou Inger. Sumas da minha frente!, Corey. Por favor, Inger. Poderia ao menos falar com ele?Ele estendeu o fone a mais perto mas Inger recuou. Corey engoliu em seco e

    tornou a aproximar o fone de sua boca, dizendo: Com todos os diabos, j fiz o que mandaste! Mas ela no quer falar contigo e

    isso uma coisa que no posso controlar!Desligou e se virou a Inger, com os olhos marejados de lgrima.

    Prometi que diria isso, meu bem. Era o preo por te contar a verdade. No me ouviste? Sumas daqui, Corey. No te quero aqui. E nunca mais quero

    tornar a te ver. Nunca mais!Corey deu de ombros. No era um gesto de indiferena mas de resignao. E

    depois saiu, fechando a porta sem fazer barulho.

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    Inger no tornou a ter notcia dele at o fim de semana. Corey telefonou na tardede sbado e falou cum sussurro de conspirador:

    Estou na galeria Frederick. Na Mdisson. Inverti as posies desta vez epassei a o espionar. Seu apartamento fica no outro lado da rua e acabei de o versaindo com o carro. Assim, podemos nos encontrar em segurana.

    Pode ser seguro mas no significa que eu queira te ver. Disse ela,friamente.Mas Inger acabou indo galeria. Estava cheia de paisagem ondulante. Corey a

    recebeu cum sorriso triste e disse: Esqueci de pedir que trouxesses dramamina.Em vez de rir Inger comeou a chorar, embora no alto demais que incomodasse

    os demais freqentadores da galeria. Corey a levou a um canto, protegendo aambos com o cardpio,1enquanto dizia.

    Tenho uma idia. Meu acordo com Chaffee durar mais nove semanas. Noquero te ver at l. Nem tentarei te encontrar. Acabaria descobrindo. E isso sserviria pra piorar a situao.

    Nove semanas? Mas isso terrivelmente injusto!, Corey. Mas o nico jeito. melhor o fazer pensar que rompemos, pois s assim

    nos deixar em paz. Te deixar em paz. Depois disso, caso no tenhas conhecidooutro homem que te interesse, at l...

    Seu idiota! Disse ela, tragicamente, o segurando nas lapelas. Achas queeu poderia querer algum outro?

    Vamos at a joalheria, Inger. Agora. Se estiveres com meu anel no dedo,talvez isso faa uma grande diferena.

    Ela escolheu um diamante solitrio, sem baguete2ou engaste fantasioso. Coreyachou que o anel era desnecessariamente austero, mas Inger queria assim mesmo.Voltando a casa o lembrou de que ainda no fizera um pedido de casamentoformal. Ele disse que queria o cenrio romntico apropriado. Assim, subiram a rua59 e pegaram uma charrete, entrando no parque. Inger chorou durante a maior

    parte do tempo, mesmo depois do pedido de casamento. O abraou freneticamente,sussurrando:

    Corey, vamos juntos at minha casa. No me deixes agora. Viste aquelehomem horrvel se afastando. Talvez no nos incomode. Venhas comigo, porfavor, Corey.

    Foram ao prdio de apartamento em que Inger morava. Um pequeno conversvelmarrom estava estacionado perto do toldo da frente. Ray Chaffee no estava aovolante mas Corey conhecia o carro.

    Est aqui, Inger. melhor eu ir embora. No, Corey, por favor! Pode estar esperando no saguo ou no corredor, l emcima. E tenho medo dele!

    No precisas ter. No tem como te dominar. Se tentar algo digas quechamars a polcia. Se ameaar contra mim digas que no te importas, que jrompemos.

    Isso horrvel! Telefonarei a ti mais tarde.Corey se virou e se afastou rapidamente. Exatamente como receara, Inger

    encontrou Chaffee esperando, sentado numa poltrona azul bastante velha, no

    1

    No texto em papel est protegendo a ambos com um programa, o que no faz sentido. Programa significaprograma mastambm roteiro,prospecto. No caso s pode se tratar do cardpio. Nota do digitalizador2Baguete: sf Ornato da meia, na altura do tornozelo. Diamante de face superior retangular, lapidado com 25 facetas. Pocomprido, de farinha de trigo. Nota do digitalizador. http://www.kinghost.com.br/

    http://www.kinghost.com.br/http://www.kinghost.com.br/
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    saguo. Boa noite, senhorita Flood. Por acaso viste nosso amigo, senhor Jensen? No, no tenho visto teu amigo e tambm no quero ver. Nunca mais! Nesse caso no estarias procurando um novo amigo? Ele sorriu. No

    sou uma mercadoria to desprezvel assim. Talvez um pouco suja mas ainda capaz

    de prestar bom servio. Boa noite. disse Inger, quando elevador chegou. Mas ele ps a mo naporta.

    No comeces com brincadeira, senhorita Flood. Onde ests escondendo orapazinho? O meteste no armrio ou debaixo de tua cama?

    Inger ficou parada. Havia um porteiro nas proximidade, provavelmente lendo oDaily News na frente do elevador de servio. Pensou em o chamar mas acaboumudando de idia.

    Est bem. Por que no sobes e verificas pessoalmente? De qualquer forma,preciso perguntar uma coisa.

    Ele ficou surpreso. Durante um momento Inger o deixou desequilibrado mas,

    entrando no apartamento, se recuperou e passou o brao na cintura dela. Inger deuum passo de dana pra se desvencilhar e disse:

    Quero que me faas um favor. Canceles essa aposta que fizeste com Corey.Ele ficou desconcertado e divertido.

    Queres que eu liberte o escravo? Que emita uma proclamao deemancipao?

    Isso mesmo. J est cansado da brincadeira e acho que o mesmo acontececontigo.

    Por mais estranho que pudesse parecer, o sorriso se desvaneceu. Queres saber duma coisa? Tens toda razo. Se tornou um fardo terrvel, no

    apenas ao pobre Corey mas tambm a mim. Sabia que d muito trabalho ter umescravo? uma responsabilidade e tanto. como herdar uma grande fortuna. A

    pessoa fica na obrigao de ter sempre de fazer algo a propsito. Acordo, s vezes,durante a noite, tentando imaginar como poderei usar Corey no dia seguinte.Parece doentio. No ? Mas provavelmente ests pensando que sou doente. Coreydeve ter dito que sou mesquinho e brutal.

    E no verdade? Todos os amos parecem mesquinhos e perversos a seus escravos. Mas no te

    preocupes. O velho Corey ter o que merece. Quanto vale? Como?

    Quanto vale vossa aposta? Estou disposta a fazer um acordo, senhor Chaffee. No sei do que ests falando. Ests apavorado com a possibilidade de Corey completar um ano de

    escravido. No podes deixar de tentar imaginar as coisas mais horrveis pra oobrigar a desistir. Mas tambm tenho direito a Corey. E se fizeres o que eu disser,darei um jeito pra que fiques com teu dinheiro.

    Tornando a sorrir, ele perguntou: uma proposta? , sim. Se suspenderes a aposta, imediatamente, prometo que recebers at a

    ltima moeda que Corey ganhar. Achas mesmo que podes controlar o rapazinho vontade? Mas que coisa

    interessante!Chaffee passou a mo no cabelo louro e liso. Ento foi avanando, lentamente,

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    em direo a Inger. Queres saber duma coisa? Recomendo que experimentes outra forma de

    persuaso. No podes compreender como tenho pouco interesse por dinheiro.As mos dele estavam em cima de Inger, que deu uma volta com o corpo e se

    descobriu nos braos dele. Chaffee era mais forte do que parecia e ela ficou

    apavorada. O golpeou com a mo esquerda, no rosto. Bateu com toda fora e sentiua ponta do diamante cortar a carne. O olho se avermelhou e inchou quase que nomesmo instante. Chaffee soltou um berro de dor e cobriu o rosto cuma das mos.

    Me machucaste! Gritou ele, furioso. Sua estpida! Por que tinhas defazer isso?

    Ele tirou do bolso um longo leno impecavelmente dobrado e o comprimiucontra o rosto. Olhou depois o vestgio de sangue no leno. Empalideceu e Ingerchegou a pensar que ele desmaiaria.

    Sua estpida! Repetiu Chaffee.Ele tornou a comprimir o leno contra o rosto e saiu pela porta. Inger olhou o

    anel de noivado em seu dedo, tocou no diamante e disse em voz alta:

    O melhor amigo duma mulher.

    Ela no sabia que horas eram quando as batidas comearam! Sabia apenas queno era uma hora oportuna pra algum fazer todo aquele tumulto na porta de seuapartamento. Olhou o mostrador luminoso do relgio no criado-mudo. J passavade trs horas da madrugada. Pegou o roupo no p da cama e foi sala, querendoapenas silenciar aquelas batidas terrveis e obscenas em sua porta. A abriu edeparou com os dois, Chaffee e Corey. Chaffee sorria horrivelmente. Havia algodisforme no sorriso, algo no rosto que pertencia ao nevoeiro dum pesadelo. Ingerlevou um momento pra descobrir que o problema estava no rosto. A face estava

    inchada, meio arroxeada, a pele lustrosa e esticada. Desviou a cabea e olhou aCorey, imaginando por que romperiam o sossego de sua noite.Depois que todos foram sala de estar, Corey encontrou o interruptor que

    inundou a tudo com uma claridade desagradvel. O que aconteceu?, Corey. Inger.. . A voz era sufocada, os punhos estavam cerrados. Que deus-

    me-ajude agora, Inger. No deverias ter feito o que fizeste... Digas a ela. Ordenou Chaffee.Corey estendeu o brao e tocou no brao dela.

    O machucaste, Inger. E poderia ter sido um ferimento muito grave. Diga a quem ela machucou. Ordenou Chaffee.

    Ao mestre. Disse Corey, os dentes cerrados. Olhes o que fizeste comele, Inger. Ests vendo?

    Me largues!, Corey. Disse Inger. E agora digas a ela. Acrescentou Chaffee. Vamos, Corey, diga

    senhorita Flood o que tem de fazer. No te zangues comigo, querida. Depois desta noite no irei. Prometeu que

    nada mais haveria depois desta noite. Te deixaremos em paz. Ns dois. Mas tensde o fazer.

    Fazer o qu? Dar um beijo. Disse Corey. Sinto muito, Inger. Beijes o olho. O

    machucaste. Est realmente muito ferido. Beijes o olho, Inger!

    A empurrava em direo a Chaffee, forando o rosto dela a encontro do olhoferido. Chaffee estava sorrindo. S que no era um sorriso mas uma mscara de

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    morte, um risus sardonicus. Inger gritou e bateu em Corey, que tentou segurar suasmos. Inger podia ver o sofrimento estampado no rosto dele. O detestava e aomesmo tempo sentia pena. Corey conseguiu finalmente imobilizar os pulsos dela eestava gritando alguma coisa a Chaffee. Inger ficou inerte, enquanto Corey aconduzia ao sof. Ela fechou os olhos e ouviu Corey dizer outras coisas a Chaffee,

    meio irado, meio apaziguador. Ela no abriu os olhos at ouvir Chaffee dizer: Muito bem, rapazinho. J cumpriste teu dever.Inger virou a cabea e divisou Chaffee se encaminhando porta. E Corey o

    seguiu. O escravo, obediente, cumprida a tarefa, acompanhava o amo. Saram,deixando Inger sozinha.

    Setembro passou e depois a maior parte de outubro.Inger s teve notcia de Corey uma vez. Era uma carta, mal datilografada no

    papel timbrado do escritrio. E dizia:

    Inger

    Sei que agora me odeias. Faz sentido dizer que eu te amo? Os grilhesse rompem no domingo, 28 de outubro. Ento ligarei a ti. E no te culpareipor algo que possas me dizer.

    Corey

    Ela conhecera um homem com quem simpatizara no incio de outubro. Eraatraente e parecia ter dinheiro. Saiu com ela trs noites numa semana e tentou aseduzir no fim de semana seguinte, embora sem muito empenho. Quando Ingercomeou a chorar, ele a levou a confessar que estava apaixonada por outro homem.Ela tentara pensar em Corey como morto, desaparecido, algum que fora embora asempre. Mas sabia que nenhuma dessas coisas era verdade. Ele ainda estava perto e

    28 de outubro, o dia da libertao, estava prximo. Inger disse ao homem que noo veria mais.Na sexta-feira anterior ao dia 28 uma amiga chamada Slvia foi casa de Inger,

    a fim de l passar o fim de semana. Seu apartamento estava sendo pintado e ela eraalrgica ao cheiro de tinta. Ela passou a maior parte do tempo falando sobre umhomem chamado Leonardo, que era casado, pedindo conselho a Inger, em vozqueixosa, e ficando emburrada sempre que ouvia a opinio de que devia o largar.

    Na noite de sbado, estimulada pelo lcool, Inger perdeu o retraimento normal efalou a Slvia sobre Corey Jensen. A amiga ficou escutando, fascinada, seus

    prprios problemas romnticos momentaneamente esquecidos. Concordouefusivamente com a concluso de Inger:

    Terrvel! Pavoroso! Podes estar certa de que ficas muito melhor sem ele!Quanto mais falava a respeito de Corey, no entanto, quanto mais Slviaconcordava, mais Inger compreendia o quanto sentia saudade dele.

    Achas que telefonar? Indagou Slvia, de olhos arregalados. Achas queter essa coragem?

    No sei.Slvia ainda estava dormindo, na manh de domingo, quando Inger acordou e

    comeou a olhar o telefone. Ainda no tocara s 2h, quando Slvia foi embora,ansiosa em no perder um encontro vespertino com Leonardo.

    s 3h, Inger chegou concluso de que seu orgulho no valia o suspense. Ligouao apartamento de Corey. O telefone estava ocupado e ela desligou

    apressadamente, na esperana de que fosse Corey tentando lhe falar. Nadaaconteceu. Quinze minutos depois j discara o nmero tantas vezes que o dedo

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    estava doendo. Se forou a esperar meia hora antes de tornar a discar. O telefone,tocou muitas vezes mas ningum atendeu. Inger se censurou por tomar umadeciso errada.

    Vestiu uma capa pouco depois das 4h e saiu. Pegou um txi pra ir aoapartamento de Corey, tentando no pensar no certo ou errado, em orgulho ou

    vergonha.Inger esperava ter de enfrentar a necessidade de acampar na porta dele mas tevesorte. Corey abriu a porta, carregando o telefone como se fosse uma valise.

    Espero que seja a mim que ests ligando. Disse ela, jovialmente. Ou jesqueceste que prometeras telefonar?

    Ele retorceu o fio do telefone entre os dedos. Juro que eu ligaria a t i, Inger. S que aconteceu um problema. Me ds s um

    minuto. Est certo. Eu no estava mesmo esperando que te jogasses a meus ps. Mas

    ainda estou com teu anel e precisava descobrir se deseja que o conserve. Claro que justamente isso o que estou querendo! As palavras deveriam ter

    sido acompanhadas por um abrao, mas Corey ainda estava ocupado com otelefone.

    Te sentes, meu bem. Esperes s um minuto, enquanto dou este telefonema.Ele ps o telefone na mesa e discou.Al? Aqui Corey Jensen de novo. J sei. J sei. Mas pensei que poderias ter

    sabido algo desde... A voz se alterou, furiosa. Mas trabalhas pra ele! Estbem. Est bem... Basta dar meu recado.

    Desligou, batendo o fone com toda fora. O que foi?, Corey. Pareces no estar muito bem. Inger, faas o favor de esperar.Estava discando outra vez, o rosto molhado de suor. Precisava fazer a barba, os

    fios brilhavam com a umidade. Marta? Sou eu, Corey. Sei que muito difcil, mas viste Ray?... No, no

    estou querendo insinuar algo. Queria apenas saber se o viste. Sabes se Ronnie estem casa? No, no precisas te incomodar. Se no sabes onde Ray est, com certezano vai aparecer a. No posso falar agora. J estou atrasado. Adeus, Marta.

    Ele desligou. Antes que pudesse discar de novo, Inger interveio: J chega!, Corey. Se no podes dispor dum minuto pra mim entre

    telefonemas, ento melhor eu ir embora!Ele reagiu suavemente ameaa:

    No entendes, meu bem. Estou tentando o encontrar. No est no

    apartamento e a criada no sabe onde. Quem? Ray Chaffee. Sumiu! Corey esfregou as mos na cala, nervosamente.

    Acho que o desgraado est tentando fugir! Por causa da aposta? Por que venceste?O telefone tocou e ele saltou pra atender.

    Isso mesmo, sou senhor Jensen. verdade, pedi a ligao. Al? SenhorValdez!... Isso mesmo. urgente localizar senhor Chaffee. Acho que estembarcando num avio da Panagra hoje mas no sei qual o vo... , sim, umaquesto de vida ou morte... Uma pessoa de sua famlia est muito doente... Sei que contra o regulamento, mas... Como?

    Ele fez uma pausa, os olhos faiscando. J entendi. Vo 33, decolando s 6:30h.. . No, um recado no adiantar.

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    Poder pensar que um engano... Posso chegar ao aeroporto a tempo... Muitoobrigado, senhor Valdez.

    Desligou, exalando fria e triunfo. mesmo verdade! Est tentando trapacear indo Amrica do Sul! No estou entendendo, Corey.

    A viagem em junho. Estava arrumando um emprego l, preparando a fuga. Mas por qu? Ele perdeu tanto dinheiro assim? Tenho de sair agora, Inger. Preciso chegar ao aeroporto a tempo.Se encaminhava ao armrio mas Inger se postou na frente.

    Dinheiro? Gritou Corey. Achas mesmo que apostamos dinheiro? Mas apostastes! S que nunca falei em dinheiro. Essa foi tua concluso. E tambm no foi

    propriamente uma aposta. Foi uma troca, um acordo, uma barganha. Entendesagora?

    Corey! Agora pensa realmente que estou doente. No ? Pois podes pensar o que

    bem quiseres. Mas uma coisa posso garantir, Inger: No conseguir escapar. Teveseu ano e agora terei o meu!

    Um ano? Est querendo dizer que teu escravo agora, durante um ano? Isso mesmo, meu bem. senhor Chaffee pagar sua dvida. Me obrigou a

    pagar e agora sua vez. Estou com o chicote na mo e ter de pular quando eumandar, mesmo que eu tenha de o arrancar a fora daquele avio!

    Fez meno de seguir porta e Inger o segurou no brao. Pelo-amor-de-deus!, Corey. No faas isso! O deixes ir embora. No podes

    fazer consigo o que fez contigo. Seria horrvel demais. No humano! Pares com isso!, Inger. uma longa viagem at o aeroporto e preciso... Corey, eu no poderia suportar outro ano assim! Mas ser que no entendes que desta vez no ser a mesma coisa? Desta vez

    o escravo e eu o amo...Isso no faz diferena! No h diferena entre as duas coisas! Eu no poderia

    me casar contigo nessa circunstncia. No poderia suportar! No me casareicontigo!, Corey.

    Durante um momento a respirao dele se aquietou, os olhos perderam umpouco do brilho febril. Ento disse:

    Sinto muito, Inger, mas no posso evitar. Nada posso fazer agora. J tardedemais.

    Saiu rapidamente, fechando a porta. Inger se adiantou e tornou abrir, gritando

    enquanto ele se afastava no corredor, a caminho do elevador, uma voz toestridente como ela nunca imaginara que possusse: Vs logo! Podes ir! Vs procurar teu precioso escravo! Espero que sede mui

    felizes um com o outro!Inger fechou a porta, sentindo que devia chorar, mas incapaz de produzir

    lgrima. E pensou: Aposto que sero mesmo muito felizes. Tenho certeza de que sero.

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    OOss ddeenntteess nnoo ccaassooCarl Henry Rathjen

    ingum desconfiava de que ele fosse um assassino. Era apenas uma parteda multido, postada a alguma distncia de McCabe, o chefe dodepartamento de polcia, de trs homens, de Vista do Vale, enquanto

    aguardavam o incio solene da escavao pr construo da nova fbrica deprocessamento alimentcio. Ele at acrescentou seus comentrios aos gracejosdirigidos ao prefeito Bronson, que no realizaria a cerimnia com sua tradicional

    p de placa de ouro e enfeitada com fita. Ser que ningum confia mais em ti com uma p na mo?, prefeito. Acho que ests ficando mole de te sentares, na prefeitura, fazendo nada!Sorrindo jovialmente, prefeito Bronson subiu na escavadeira. Se sentando,

    estendeu as mos aos botes de controle, reluzindo. A caamba da escavadeira seestendeu pra cravar os dentes de ao na terra macia: Enquanto recuava, abrindouma trincheira, McCabe percebeu que desenterrara ossos humanos.

    Esperes um instante!, prefeito. Gritou McCabe.Atrs dele a expresso do assassino no estava diferente, exteriormente, dos

    outros rostos aturdidos que se inclinavam a diante, ansiosos, querendo ver mais deperto. Os olhos castanhos e a voz de McCabe assumiram jeito autoritrio. Gritou onome dum de seus guardas::

    Tratai de recuar! Knapperman, mantenhas todo mundo longe desta rea!Depois que a multido estava sob controle, McCabe se adiantou. A escavadeira

    atingira o meio do esqueleto, desenterrando vrtebras e costelas. Um osso plvico

    estava parcialmente encravado na parede esquerda da trincheira. Disse o prefeitoBronson, a voz trmula: No h sinal de roupa. Deve ser um ndio, que j est enterrado aqui h mais

    de 100 anos. Est aqui h muito tempo. Concordou McCabe. No h carne nos

    ossos.Apontou parede direita da trincheira, onde a terra cara e expusera um maxilar,

    antes de acrescentar: Mas aquela placa dentria no sugere que a morte ocorreu h 100 anos.

    McCabe falou a trs, sem virar a cabea: Knapperman, chames o mdicolegista. E depois faas um cordo de isolamento nesta rea. Vasculhes tudo,

    procurando possveis pistas, assim que ele acabar.McCabe abriu o canivete e comeou a remover a terra, cuidadosamente, atdeixar completamente expostas as dentaduras superior e inferior. No eram de

    plstico rosado, como as modernas. A cor bsica era escura, quase como a terra,exceto pelo rosa pra imitar as gengivas.

    Dentaduras vulcanizadas. Murmurou.Cautelosamente, McCabe descobriu mais uma parte do crnio. No frontal, logo

    acima e entre as rbitas dos olhos, encontrou um buraco de bala. Estava bemsituado demais pra ser considerado tiro acidental. E o fato do corpo ter sidoenterrado tambm indicava que no fora um acidente.

    Aconteceu, provavelmente, h muitos anos. Algum pode lembrar o

    desaparecimento inexplicado dum homem que usava dentadura diferente das quese fazem atualmente?

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    Se empertigando lentamente, McCabe olhou os rostos curiosos da multido,part icularmente os de meia-idade e mais velhos. Todos os olhos se encontraramcom os seus.

    Durante um momento todos os olhares na multido foram vazios. E depoisalgum mencionou um nome. Algum mais comentou que o homem possua dentes

    como os dum cavalo.Mais recordaes e discusses se seguiram. McCabe quase desejou no terperguntado.

    Est bem. Est bem. McCabe suspirou. Talvez pudesse ter uma noo dapoca em que acontecera. Se virou a Jess Parkinson, que vendera o terreno prconstruo da fbrica.

    Quando foi a ltima vez que araste esta terra?, Jess. Nunca a arei, nos 20 anos em que me pertenceu. A usava como pasto. s

    vezes revolvia um pouco a terra mas nunca arei de verdade. De quem era a terra antes? No sei. Perguntes a ele. Jess sacudiu o polegar em direo ao grisalho

    Verne Warner, que tinha uma agncia imobiliria e um escritrio de corretagem deseguro na cidade.

    Fui eu mesmo quem vendeu a propriedade a ele, Mac. disse Warner. Era parte dum esplio que estava sendo liquidado, tendo o banco como executor.Pertencera famlia Hammond:

    Hammond? Repetiu McCabe, tentando situar o nome. Warner sacudiu acabea.

    Foram todos mortos num acidente de carro. Foi antes de te mudares a c comteus filhos, depois que tua esposa...

    McCabe acenou com a cabea tristemente, ao se lembrar, desolado, de que Joanfora a vtima inocente dum assalto a banco na cidade grande.

    H quanto tempo Hammond possui este terreno? Tanto quanto posso me lembrar. Respondeu Warner. E olhes que j

    estou aqui h 40 anos.Tornou a sacudir a cabea, enquanto McCabe olhava a trincheira.

    No, Mac, no foram eles. Os Hammond eram trabalhadores e respeitveis,freqentavam a mesma igreja que eu. Nunca soube que tivessem dito uma palavramais rude a algum.

    Vrios dos espectadores mais velhos assentiram. A esposa de Warner, Agnes,baixa, gorda e grisalha, interveio na conversa:

    Os conheci muito bem. Imognia, a filha, foi minha melhor amiga. Eu seria

    sua dama-de-honra. Eram ricos e seria um dos maiores casamentos... Podes te lembrar se alguma vez araram este terreno? Perguntou McCabe.O prefeito Bronson se encarregou de responder:

    Ento o esqueleto no estaria esperando que eu o desenterrasse.McCabe se virou quando o carro do mdico legista chegou. Atrs dele as

    pessoas recomearam a discutir. No me importo com o que os outros possam dizer. Talvez aqueles ricos

    Hammond soubessem e por isso nunca araram este terreno.McCabe foi interceptado pelo presidente da companhia de processamento

    alimentcio: Quanto tempo esperas retardar o incio da construo?, chefe.

    At que eu tenha certeza de que disponho de todas as pistas possveis prareconstituir o que aconteceu.

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    O executivo soltou uma risada. Depois de 20, 30, 40 ou mais anos? Por que simplesmente no tornas a

    enterrar o esqueleto e... No h prescrio pra homicdio. Declarou McCabe abruptamente.McCabe ficou esperando, impacientemente, enquanto Bigbee, o mdico legista,

    cantarolava baixinho, examinando o esqueleto. Estava pensando se aquele casoseria mesmo to antigo e sem esperana de soluo como parecia. Bigbeefinalmente se ergueu e se virou pra o fitar.

    H alguns fatores bem estranhos, chefe. O que descobriste? Indagou McCabe. J posso mandar peneirar a terra

    ao redor?Bigbee assentiu.

    Mas duvido muito de que encontres algo. No vi resqucio de roupa, comometais ou botes, que no entrariam em decomposio to depressa quanto a carne.

    Olhou a trincheira. Eu diria que foi enterrado nu. Provavelmente como um recurso pra evitar a identificao. Concordou

    McCabe. Mas no me digas que achas que era um ndio, com essas dentaduras. Direi tudo o que penso, minha maneira, se parares de me interromper. Pra

    comear, a estrutura dos malares caucasiana e no ndia. Homem. No h indciode calcificao articular, artrite pra ti. Portanto. Devia estar abaixo da meia-idade.E dependendo de testes no esqueleto, calculo que est enterrado a ao menos h 30anos. O tipo de dentadura tambm tende a confirmar esse fato. E ds uma olhadaaqui.

    Foi at a vala e pegou o maxilar inferior. Vejas esta mandbula. Foi quebrada uma vez e o osso no consertou direito.

    Isso tambm reflete na gengiva, porque a dentadura inferior ligeiramente torta.Se puder localizar o dentista que fez as placas, a deformidade poderia ajudar aidentificar a vtima. Bigbee soltou uma risada. E agora, chefe, trates decravar os dentes no caso.

    McCabe embrulhou cuidadosamente as dentaduras. Jess Parkinson, paradoperto, junto com outros espectadores, exibiu uma expresso de dvida.

    Pode ter vindo do centro-oeste, como fiz. E j chegou com as dentaduras. Sefor o caso, como esperas encontrar o dentista que...?

    Aquele era o trabalho da polcia, pensou McCabe, se afastando. Todas as pistas,por mais vagas que fossem, deviam ser investigadas, na esperana de que umalevasse soluo do mistrio. Seguiu na caminhonete oficial ao centro da cidade eencontrou, na rua Principal, um dos dois dentistas de Vista Vale, o jovem e ruivo

    doutor Collier, saindo ao almoo. Disse McCabe, entregando as dentaduras: Doutor, eu gostaria que, assim que pudesses, me forneas uma descriotcnica destas dentaduras, prum boletim a ser enviado a todas as associaesodontolgicas do pas.

    O jovem dentista examinou as peas, curioso.Essas peas vulcanizadas deixaram de ser usadas mais ou menos na ocasio em

    que me formei e assumi o consultrio de doutor Schmidt aqui. Te ajudarei, claro.Mas por que no procuras tambm o velho doutor Schmidt, se no estiver

    pescando? Poder dizer muito mais do que eu sobre este trabalho.McCabe assentiu.

    Obrigado. Irei at sua casa e...

    O gemido alto da sirene dos bombeiros, se elevando estridente, o interrompeu.Relutantemente, McCabe foi obrigado a pr o caso de lado. Um chefe de polcia de

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    cidade pequena, carecendo de homens, tinha de ser e fazer todas as coisas. Teria deacompanhar os bombeiros voluntrios pra impedir que os curiosos atrapalhassem.Chegou ao posto dos bombeiro no momento em que o chefe dos voluntrioscomunicava o local aos motoristas:

    Maple Grove, 5km a norte da estrada. A casa de doutor Schmidt.

    McCabe ficou subitamente tenso. Talvez o caso no estivesse posto de lado.Geralmente seguia os camies dos bombeiro mas dessa vez se antecipou, as luzesvermelhas piscando, a sirene estridente. Avanou rapidamente em direo fumaa preta que subia a nordeste da cidade. Logo pde ver a casa antiga, aschamas saindo em todas as janelas, do poro ao sto. O estbulo adjacente, ondeera guardado o carro do dentista aposentado, tambm se transformara num infernode fogo.

    Duas horas depois, preto de fuligem e recendendo a fumaa, McCabe voltou aoconsultrio do jovem doutor Collier.

    No mais despacharei aquele boletim. Estou convencido de que foi doutorSchmidt quem fez aquelas dentaduras. Foi morto. Sua casa foi encharcada de

    gasolina e completamente destruda pelo fogo.Doutor Collier ficou atordoado.

    Ento o assassino ainda est aqui na cidade! Algum viu...? Ningum viu algo. Mas o descobrirei, mais cedo ou mais tarde. McCabe

    limpou um pouco do suor fuliginoso do rosto Quando assumiste o consultrio,doutor, o que aconteceu com as fichas dos pacientes de Schmidt?

    Deixou tudo comigo. Esto guardadas aqui. timo McCabe baixou a voz. Acho que o assassino no sabe disso.

    Portanto, nada fales a respeito das fichas. Claro. Doutor Collier franziu o rosto. Mas h vrias caixas, Mac,

    talvez duas mil fichas dentrias, em ordem alfabtica. Onde devo comear?McCabe deixou o ar escapar dos pulmes, lentamente.

    E ainda ters de cuidar dos pacientes. Mandarei um homem ajudar a procurare tambm ficar de olho nas coisas, pro caso do assassino calcular...

    Digas pra proteger o assassino, se eu o descobrir primeiro. Comentoudoutor Collier, sombriamente. Doutor Schmidt era um homem maravilhoso. Feztudo o que era possvel pra facilitar meu comeo na profisso.

    McCabe voltou ao local onde o esqueleto fora encontrado. Knapperman acabarade peneirar a terra. Descobrira apenas um pedao de chumbo distorcido.

    Estava dentro do crnio. Parece que era de calibre 22. No ser de muitaajuda.

    Vs te lavar e depois almoces. Disse McCabe. E vs em seguida aoconsultrio do doutor Collier. O mais depressa possvel.Experimentava um senso de urgncia que no conseguia reprimir. De volta

    sala da polcia, no prdio da prefeitura, se sentou a sua mesa, muito tenso. A buscas milhares de fichas dentrias poderia levar muito tempo. Poderia, no final,revelar a identidade da vtima. At ento os moradores da cidade tentariamrecordar os velhos desaparecimentos inexplicados. Se algum chegasse perto daverdade e o assassino desconhecido soubesse...

    O punho de McCabe bateu violentamente na mesa. Precisava dalguma espciede atalho. Revisou o pouco que sabia a respeito da vtima, o esqueleto. Homem.Idade entre 20 e 40 anos. Perdera todos os dentes. Quebrara um maxilar. Estava

    morto ao menos h 30 anos.McCabe olhou o calendrio, subtraindo 30 do ano. Seria mais ou menos 1940. O

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    que acontecia na ocasio? O comeo da segunda guerra mundial na Europa. Euaainda no entrara. As indstrias de guerra prosperavam. Naquela manh, noentanto, ningum informara sobre um desaparecimento misterioso em volta de1940.

    McCabe tornou a olhar o calendrio e subtraiu 40 anos. Em volta de 1929, incio

    da dcada de 1930. McCabe ainda no nascera, mas podia lembrar os pais e avsfalando sobre aqueles dias difceis. A grande depresso. No havia emprego. Filade po, a sopa de graa. Bancos fechando. Tempestades de areia arruinandofazendas e fazendeiros do centro-oeste.

    Se levantando subitamente, saiu at seu carro e seguiu a rua Principal. Entrouno escritrio de Verne Warner. O idoso corretor imobilirio reps o fone aogancho.

    Estava fazendo uma ligao interurbana ao filho de doutor Schmidt. Estaraqui amanh. Foi um choque terrvel pra ele. Terrvel pra todos numa cidadetranqila como a nossa.

    O rosto de Verne parecia mais velho, plido e preocupado, enquanto olhava na

    janela. Deixa um homem pensando qual de ns, veteranos, ser o prximo, porque

    talvez saibamos algo. Tens progresso nas investigao?, Mac. Toda pista representa algum progresso, at prova em contrrio.McCabe se postou diante da mesa.

    Verne, como era a situao aqui em volta de 1930? Como foram os anos dedepresso?

    Warner fez uma careta ao recordar. Os preos dos cereais e do gado baixaram a quase nada. Fazendas eram

    vendidas pra pagamento de imposto, as lojas na cidade fechavam porque noconseguiam obter crdito nem receber o que vendiam fiado aos moradores semdinheiro. Mas por que perguntas? Tem alguma relao com o que se descobriunesta manh?

    apenas um palpite. McCabe hesitou um instante Verne, nesta manhdefendeste os Hammond. No quero discutir contigo mas talvez ajude saber maisalguma coisa a respeito deles. Eram ricos. No ?

    Warner assentiu. Tinham uma grande fazenda de laticnio. S gado holands.3 Eram os

    maiores produtores do vale. E no sentiram a presso do tempo difcil em volta de 1930? Ningum escapou, Mac. Mesmo assim, creio que se pode dizer que no

    sofreram tanto quanto a maioria. E ajudaram muito as pessoas que estavam emsituao pior. Mesmo assim insistiu McCabe houve ressentimento porquese saram melhor que a maioria? Warner lanou um olhar furioso.

    Ests querendo te agarrar a qualquer coisa, Mac. No fundo, queres insinuarque algum os provocou, o mataram e enterraram, a fim de manter a posiorespeitvel na comunidade. Warner levantou as mos, as deixou cair um

    3 A holstein, tambm referida como holstein-frsia e popularmente conhecida como gado holands, uma raa degado bovino originria da Europa. Surgiu, primitivamente, entre a Frsia (norte de Pases Baixos) e o Holstein (Alemanha), h cercade vinte sculos. uma das raas de maior aptido leiteira conhecida, sendo comum no Brasil, em especial no centro-sul. Tambmconhecida em Portugal como turina, de elevada estatura e facilmente identificada pelo padro malhado. Nota do digitalizador.http://pt.wikipedia.org/wiki/Holstein-Fr%C3%ADsiae http://www.apcrf.pt/gca/?id=147

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Holstein-Fr%C3%ADsiahttp://www.apcrf.pt/gca/?id=147http://www.apcrf.pt/gca/?id=147http://pt.wikipedia.org/wiki/Holstein-Fr%C3%ADsia
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    instante depois. Talvez no seja to improvvel assim. Quem pode saber? Masparece muito difcil acreditar.

    McCabe acenou com a cabea, sombriamente. E sempre poderiam alegar legtima defesa, a menos que evitassem

    publicidade. Suspirou. De qualquer forma, Verne, obrigado pela ajuda.

    Ajudei nalguma coisa? Indagou Warner, ironicamente.McCabe saltou do carro e desceu a rua at o consultrio de doutor Collier.

    Piscou a um garoto de olhos arregalados que estava na sala de espera agarrado auma mulher.

    No ser to difcil como ests pensando, filho.Desejaria poder dizer o mesmo em relao a seu prprio problema. Olhou

    inquisitivamente a recepcionista, que acenou com a cabea em direo ao corredor.Encontrou Knapperman folheando fichas empoeiradas, enquanto da sala maisadiante vinha o zumbido duma broca.

    Esse barulho me est deixando nervoso, com os dentes rangendo.

    Resmungou Knapperman, que bateu numa pilha de ficha. E essas coisas medeixam com dor de cabea s de pensar em todos os problemas com os dentes queas pessoas podem ter.

    McCabe sorriu debilmente. Talvez passes a se lembrar de escovar os dentes depois de cada refeio.

    Ele apontou subitamente. Ei, nem ao menos examinaste essa ficha! Mac, o Doe me disse pra verificar a data da primeira visita do paciente. Se

    tem menos de 25 anos, posso esquecer. Desculpe. Foi nada. Knapperman sorriu. Vieste me ajudar? Estou procurando ajuda. Tirou um lpis e um bloco de anotao do bolso.

    Podes me ajudar a fazer uma lista de todas as pessoas de meia-idade e maisvelhas que reconhecemos no local nesta manh. Tenho certeza de que o assassinoestava l. Tinha de estar perto pra saber que encontramos as dentaduras. Foi porisso que imediatamente entrou em ao contra doutor Schmidt.

    A lista ficou bastante comprida. McCabe levou o resto da tarde pra investigar osnomes. Cada homem que entrevistou no estava na cidade h 30 anos ou mais ouento tinha um libi pro momento em que doutor Schmidt fora morto. Com isso srestavam as mulheres na lista. Suspirando, McCabe resolveu ser mais meticuloso erecomeou do princpio. Soube que muitas das mulheres estariam na sala da legio,

    preparando uma reunio social praquela noite.

    Todas se concentraram em torno dele, querendo lhe oferecer uma fatia de bolo,um sanduche, uma xcara de caf. Aceitou o caf mas teve muita dificuldade emas isolar individualmente prum interrogatrio informal. Obteve respostas similaress que os homens deram. As mulheres no viviam ali h ao menos 30 anos oumais, estavam no hospital tendo um filho ou fazendo uma operao, que queriamdescrever meticulosamente. No final s restava um nome a conferir. Era estranhono a encontrar ali, pois se tratava duma vida participante de todos osacontecimentos sociais. J saa quando ela entrou, esfuziante como sempre.

    Desculpai o atraso, garotas, gritou Agnes Warner mas tive de arrumaro quarto de hspede. O filho do pobre doutor Schmidt se hospedar conoscoamanh. No terrvel o que aconteceu ao pai?

    Senhora Warner. Interveio McCabe. Ol, Mac. At pareces excitado. Mas no estamos todos, depois do que

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    aconteceu hoje? Espero que descubras o patife que... Posso falar um momento a ss? Se no te importas que eu v cuidando de minhas tarefas da festa enquanto

    conversamos. Claro que no me importo.

    McCabe ficou esperando, com uma exibio exterior de pacincia, enquanto elase instalava numa mesa no canto. Outras mulheres encontraram motivo pra ficarperto. McCabe tratou de falar em voz baixa:

    Disseste, nesta manh, senhora Warner, que conheceste os Hammond. Isso mesmo. Imognia e eu crescemos juntas. ramos amigas inseparveis,

    apesar das diferenas entre nossas famlias. Diferenas? Indagou McCabe, a ajudando a arrumar os copos de papelo. No o que ests pensando, Mac. Tudo corria muito bem enquanto

    estvamos prsperos. Mesmo assim havia algo diferente nos Hammond. E quandoo tempo difcil chegou partilharam o que tinham conosco, sem nos fazer sentir queera caridade.

    McCabe assentiu, resignado. Era mais ou menos a mesma coisa que o maridodela dissera. Os ricos Hammond eram simpticos e prestativos.

    Eu disse tambm que seria dama-de-honra no casamento de ImogniaHammond. Mas fiquei com a impresso de que o casamento no aconteceu.

    O rosto de senhora Warner assumiu uma expresso sombria, enquanto despejavaamendoim num copo de papelo.

    Isso mesmo. Imognia nunca mais foi a mesma. Ficou retrada, no queriaver as pessoas, nem a mim. No porque ficaria embaraada. Ningum saberia,

    porque o noivado ainda no fora anunciado. Mas eu soube, porque sempre foraamiga ntima de Imognia at aquele momento.

    McCabe manteve a voz calma: Por que o casamento no foi realizado? Bom... Contraiu os lbios. O tempo era difcil e o pai soube que Jack

    queria se casar com ela pelo dinheiro da famlia. Jack quem? Insistiu McCabe, tenso. Jack Tilliman. Conhecera Imognia desde pequeno. No apareceu aqui

    procurando trabalho, como aconteceu com Verne. Senhor Hammond o interrogou sobre o motivo pra se casar com Imognia?

    Houve briga?Senhora Warner sacudiu a cabea.

    No haveria cena, pois ningum seria capaz de acreditar que Jack pudesse

    fazer isso. No teria havido uma cena? Jack Tilliman no foi questionado? No. Senhora Warner suspirou, enquanto continuava despejando

    amendoim Mas, no final de conta, acho que havia um fundo de verdade. Porquedeixou Vista do Vale e mandou a Imognia um telegrama de Sitol. Dizia quelamentava muito mas que Imognia nunca poderia ser feliz a seu lado, agora queconhecia a verdade. Imognia se recusou a acreditar, mesmo assim. Ficoudesolada, se afastou de todo mundo. No saiu, nem pra ser a dama-de-honra emmeu casamento.

    McCabe continuava controlando firmemente a pacincia e o pensamento. Como o queixo de Jack foi fraturado? Como perdeu todos os dentes?

    Aconteceu quando tinha 19 anos. Um cavalo lhe desferiu um coice na cara einfeccionou. Teve de usar dentes postios. Sendo muito jovem, era sensvel a

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    respeito e preferia manter segredo. Parou de falar de repente, os olhos e a bocase arregalando. Santo-deus! No podes estar pensando que aqueles ossosencontrados nesta manh...

    McCabe se apressou em a interromper: Senhora Warner, eu agradeceria se no comentasses enquanto no houver

    certeza.Hesitou por um instante, antes de indagar: Por que te mantiveste calada nesta manh, no local? Porque no me ocorreu. Afinal, houvera aquele, telegrama de Jack, como se

    ele estivesse vivo. Achas mesmo... No tenho certeza sobre os ossos. Disse McCabe, esperando que seu rosto

    no denunciasse a mentira A possibilidade acaba de me ocorrer agora. Notinha pensado antes algo nesse sentido?

    As feies rechonchudas e simpticas de senhora Warner ficaram coradas. Quem no est falando e especulando sobre os Hammond e tudo o que

    aconteceu hoje? Acho que no deveramos, pois no estamos a par dos fatos. Acho

    que no posso culpar Verne por ter me chamado de velha fofoqueira quando tenteipuxar conversa a respeito, na hora em que foi almoar, um pouco atrasado. Ele estbastante transtornado com essa histria. Envelheceu 10 anos. Gostava muito dosHammond. Depois que chegou qui, procurando trabalho, antes de ficarmosnoivos, muitas vezes saamos os quatro juntos: Jack e Imognia, ele e eu...

    E no quer falar a respeito. Disse McCabe. Obrigado pelo favor,senhora Warner.

    Mas no te prestei favor!Ela riu, oferecendo um copo de papelo cheio de amendoim. O pensamento de

    McCabe estava bastante confuso quando saiu ao carro.Foi descendo lentamente na rua Principal. O escritrio de Warner estava escuro

    mas havia uma luz acesa no consultrio de doutor Collier, um pouco mais adiante.McCabe entrou. O dentista e Knapperman, entre caixas de fichas dentrias,

    pareciam to cansados quanto ele se sentia. Experimentes Tilliman, Jack. Disse McCabe. Doutor Collier leu

    rapidamente os nomes na frente das caixas. Encontrou o nome procurado eremoveu as caixas de cima. Folheou rapidamente as fichas e retirou uma. Aexaminou rapidamente e depois exclamou:

    Bem na mosca! Knapperman descansou, acocorado. Obrigado por nos poupar todo o trabalho, Mac. Mas aonde iremos agora? Procurar Verne Warner.

    Posso te poupar a viagem. Disse Verne Warner, do corredor escuro.McCabe se virou rapidamente. No te preocupes, Mac. Acrescentou Warner, a voz cansada. Sei que

    no posso dominar vs trs.Se encostou na soleira da porta, respirando fundo.

    Observei do escritrio durante toda a tarde e princpio da noite, sentindo esabendo que estavas te aproximando. Eu no deveria ter perdido a cabea nestamanh. Seria melhor que deixasse Fred Schmidt em paz. Afinal s poderia falarsobre os dentes de Jack. Ele... ningum poderia adivinhar algo, no com todos osHammond mortos.

    Com exceo talvez duma pessoa. Sugeriu McCabe.

    Verne Warner murmurou e sacudiu a cabea. Agnes poderia adivinhar que foi Jack quem encontraste nesta manh. Mas

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    nada mais descobriria. Somente Imognia poderia adivinhar mas est morta.Deveria ter me lembrado de tudo isso. No podia perder a cabea.

    McCabe respondeu a sua prpria pergunta com outra: O que Imognia poderia ter adivinhado? Estavas esperando te casares com

    ela?

    Verne Warner fechou os olhos. Era tempo difcil. Eu estava sem dinheiro, no tinha emprego que durasse.Seus pais tinham dinheiro. Pensei que sentisse algo por mim, mas acho que estavaapenas me usando pra se certificar de Jack, a quem conhecia desde criana. Jack eeu acabamos tendo uma discusso por causa dela. Ficamos cada vez mais furiosos.Saramos pra caar coelho e...

    Deste um tiro nele e depois removeste tudo o que pudesse permitir aidentificao. Interveio McCabe. Mas no sabias das dentaduras. Oenterraste num dos campos dos Hammond, sabendo que dificilmente seria arado.

    H mais de 30 anos. Murmurou o corretor. Esqueci onde o pusera, atque o desenterraram nesta manh. Sabia que era ali, mas esperava...

    Tornou a sacudir a cabea. H mais de 30 anos. Acho que Imognia nunca falou a Agnes a respeito de

    meu sentimento. Mas tambm no tinha do que desconfiar, depois que enviei otelegrama com o nome de Jack, de Sitol. E nada do que fiz adiantou. Ela parou deme ver, parou de ver Agnes. Nem foi a nosso casamento.

    Fiquei com medo, at Imognia morrer, de que retomasse a amizade com Agnes.E se elas somassem dois mais dois...

    McCabe se sentia extremamente cansado. Acabei de conversar com tua esposa. Nada desconfia ainda. Eu torcia pra que no desconfiasse. Verne Warner fitou McCabe nos

    olhos. Poderias deixar assim?, Mac. Verne, cometeste dois assassnios. Disse McCabe, falando bem devagar.

    Talvez eu no pudesse fazer muita coisa em relao a Tilliman sem tuaconfisso. Mas sers levado a julgamento por ter matado doutor Schmidt.

    Doutor Collier assentiu, sombriamente. No, Mac. No teu tipo de julgamento. Murmurou Verner Warner. J

    me submeti a meu julgamento.Respirando com dificuldade, levou a mo barriga e comeou a cair. McCabe o

    segurou, o ajudando a descer at o cho. Que veneno tomaste? Knapperman, chames doutor Coolidge. No. Balbuciou Verne Warner, a voz engrolada. Tarde demais pra ele.

    Mas Mac, tentes, por favor, por Agnes.Uma e meia hora depois terminou uma conferncia no consultrio apinhado dedoutor Collier. Alm de McCabe, o dentista e Knapperman, l estavam o prefeito,o mdico legista e doutor Coolidge.

    Nunca se conhece direito as pessoas. No ? Comentou prefeito Bronson,suspirando. Um cidado eminente, esteio da igreja e...

    E Agnes. Murmurou doutor Coolidge. Feliz no casamento e nuncadesconfiando. Ser um choque e tanto.

    A morte, sob qualquer forma, sempre um choque. Disse McCabe. Ento estamos todos de acordo? Foi demais pra Verne Warner, ajudando aesclarecer o caso?

    Agnes sabe que h algum tempo insisto pra ele descansar. Lembroudoutor Coolidge.

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    McCabe olhou, inquisitivo, a Doe Bigbee, o mdico legista. No que nos diz respeito, os dois crimes esto solucionados. Divulgar os fatos

    s causar prejuzo a pessoas inocentes. Sendo assim... hum... Est certo.Declararei, publicamente, que o esqueleto encontrado nesta manh no pode serreconhecido. E quanto a doutor Schmidt...

    McCabe interveio: Provavelmente estava enchendo o lampio com gasolina pra sair numapescaria. A gasolina pegou fogo de repente e aspirou o vapor. Quando osbombeiros chegaram a casa inteira j estava em chama.

    Knapperman falou, hesitante: Conseguiremos manter todos os fatos em segredo, em benefcio de senhora

    Warner?Doutor Collier assentiu. McCabe presenteou Knapperman com um rpido

    sorriso. Quem no se mantiver calado poder descobrir que o caso lhe proporcionou

    alguns dentes quebrados.

    Rangendo os prprios dentes, mas no se sentindo muito cansado, McCabe saiupra transmitir a Agnes Warner a notcia de que seu marido sofrera um ataquecardaco fatal.

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    AA eessssnncciiaa ddaa jjuussttiiaaHal Ellson

    caixo era simples, rematado na oficina de Carlos Martnez, sem enfeite, a

    madeira nua, pinho macio. A implacvel luz solar o fustigava enquanto oshomens o carregavam na rua miservel, pisando a poeira, as pedras e a

    luminosidade dispersa das cascas de tangerina murchando ao sol.Um dia de fogo mas naquela terra de sol permanente era comum. No mais que

    a morte, os pobres, nos barracos e cabanas de adobe, sofriam o flagelo com terrvelfreqncia. Os enterros eram comuns e todos do mesmo tipo. Um caixo de pinhosimples pro falecido, quatro homens pra o carregar e um pequeno grupo de genteacompanhando.

    Uma vasta multido acompanhou o caixo de Rosa Belmonte, a terceira garotana cidade a morrer violentada. Cachorros famintos, com as costelas expostas,crianas e mendigos, entre a multido, emprestavam ao cortejo um ar carnavalescoque se dilua nos rostos sombrios dos adultos e no silncio abafado sob o qual araiva aguardava a erupo.

    A polcia o pde sentir, um fotgrafo de jornal o fixou com sua objetiva. Odetetive Fiala estava consciente do fenmeno mas despreocupado com a multidocomo tal. Seus olhos procuravam apenas um homem, o assassino, que podia estarespreitando ali, por sentimento de culpa ou disposio mrbida.

    Nenhum rosto lhe atraiu a ateno, at que divisou a limusine, com a multidose dividindo em torno. O chefe de polcia, Jos Santiago, estava sentado ao lado domotorista, o rosto estufado e moreno, culos escuros escondendo os olhos azuisincongruentes, que pareciam pedras gmeas e refletiam a natureza bsica do

    homem.Sem o uniforme poderia ser o homem que estou procurando, pensou Fiala, sevirando e seguindo com a multido soturna, que se recusava a tomar conhecimentoda violncia extrema do sol.

    O funeral transcorreu sem incidente e a polcia ficou aliviada, o chefe Santiagosatisfeito. Seu motorista o levou de volta ao prdio da municipalidade, onde ficavaa prefeitura.

    O telefone tocou no instante em que entrou na sala, acompanhado por capitoTorres. Atendeu, escutou um momento e depois dispensou capito Torres, com umaceno de mo. Franzindo o rosto agora, falou com o interlocutor, Vtor Quevedo,

    prefeito da cidade e aquele que ofizera . Os dois eram, de certa forma, amigos mas

    a conversa foi rigorosamente profissional.O assassnio de Rosa Belmonte, com o assassino solto, como acontecera nosdois casos anteriores, acarretara severas crticas polcia, que refletiram emQuevedo, o expondo s maquinaes dos inimigos polticos. Era essa a essncia daqueixa de Santiago, junto exigncia brusca de que fizesse algo depressa.

    Fazer o qu? Perguntou Santiago. Encontres o assassino antes da meia-noite.Atnito, Santiago hesitou, balbuciou algo incompreensvel e finalmente

    conseguiu dizer: Mas, Vtor.. .Quevedo o interrompeu rudemente:

    Estou ficando embaraado, politicamente e de todas as outras formas. Sequeres continuar chefe de polcia descubras o assassino. Se no, estars liquidado.

    OO

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    Suando profusamente, Santiago desligou e se arriou na cadeira. Lentamente, asmos trmulas, acendeu um cigarro e dispersou uma nuvem de fumaa. O

    pensamento eram um caos, o rosto moreno parecia inchado a pique de estourar.Mas, pouco a pouco, a agitao interior foi se reduzindo. Atrs dos culos escurosos olhos frios se iluminaram, enquanto um rosto entrava em foco em sua mente.

    Esmagou o cigarro, se levantou, abriu a porta, chamou capito Torres e lhe deua ordem: Prendas Manuel Domingo pelo assassnio de Rosa Belmonte.As atividades criminosas de Manuel Domingo eram h muito conhecidas da

    polcia... mas assassnio? Capito Torres franziu as sobrancelhas em surpresa. Tens certeza de que o homem certo? Est duvidando de mim ou de minha fonte de informao? Indagou

    Santiago, confirmando a autoridade e insinuando que o telefonema que acabara dereceber fora a vozdum informante de confiana.

    Capito Torres corou e recuou at a porta, donde disse: Prenderei Manuel Domingo pessoalmente.

    s 9h daquela noite um cu negro ameaava a cidade e os jacarands seagitavam a um vento irregular que soprava das montanhas, onde os relmpagosamarelados riscavam os cus vazios. Atrs do prdio da municipalidade, quatro

    bares estavam virados praa, vozes elevadas emergindo de cada um.A noite de sbado estava comeando e os msicos se refestelavam nos bancos

    da praa, garotos descalos engraxavam sapato, vendiam rosa vermelha comosangue e branca como pomba, em bandeja de papelo, esquecendo Rosa Belmonte,como todo mundo.

    Foi nesse cenrio que capito Torres chegou com trs de seus homens, depoisduma busca intensa e infrutfera em todos os pontos habituais do criminosoManuel Domingo.

    Capito Torres estava convencido de que Domingo fugira da cidade quandoseus olhos, por acaso, se viraram na direo dum banco em que dois garotosdisputavam o privilgio de engraxar o sapato de detetive Fiala.

    Concedendo um sapato a cada engraxate, Fiala levantou os olhos pra confrontarcapito Torres e seus trs homens.

    Os homens eram incuos, enquanto capito Torres era um garotinho arrogante.S que no era essa sua atitude agora. Ele precisava de ajuda e Fiala, a quemdesprezava e que o desprezava, poderia fornecer a informao de que precisava todesesperadamente. Torres anunciou:

    Estou procurando Manuel Domingo. Sabes, por acaso, o paradeiro?

    Com um sorriso desdenhoso, Fiala acenou, com a cabea, a um bar no outrolado da rua. Manuel Domingo est l dentro. O prenders? Pelo assassnio de Rosa Belmonte. Respondeu capito Torres, se virando

    em seguida.Fiala continuou sentado onde estava. Meio minuto depois, Manuel Domingo

    passou a porta do bar, no outro lado da rua, acompanhado por capito Torres e seustrs homens. Todos os cinco atravessaram a praa e entraram no prdio dachefatura.

    Contrafeito, Fiala jogou longe o cigarro e olhou o grupo de homem que sara dobar no outro lado da rua. A ira ressoava em suas vozes, a notcia se espalhou

    rapidamente na praa: Manuel Domingo fora preso pelo assassinato de RosaBelmonte.

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    Sob o cu negro e furioso uma multido comeou a convergir chefatura depolcia. Mas era tarde demais pra dar vazo ao sentimento, pois o breveinterrogatrio de Manuel Domingo j fora concludo. Protegido pela polcia, saiu calada e foi rapidamente introduzido num carro esperando.

    Chefe de polcia Santiago e o capito Torres embarcaram num segundo carro.

    Com uma escolta de 10 motociclistas os dois carros partiram ruidosamente ao localdo crime, no deserto, a vrios quilmetros da cidade.Os veculos no demoraram a o alcanar, os faris ofuscantes dos carros e

    motocicletas focalizados numa ica4 alta ao lado da estrada. Fora ali que LusEspina, que colhia fibra de planta do deserto, encontrara o corpo de RosaBelmonte.

    Quando Manuel Domingo saiu do carro o rosto assumiu expressofantasmagrica, talvez por causa dos faris, talvez por medo, estando no local docrime. O que quer que sentisse, nada disse. Parecia atordoado.

    Uma ordem brusca de capito Torres fez os guardas se espalharem numsemicrculo, empunhando as armas, a fim de prevenir tentativa de fuga. Isso feito,

    capito Torres foi avanando na beira da estrada, junto a Santiago e ManuelDomingo. Se postou ali, obedecendo a uma ordem, enquanto o prisioneiro eSantiago continuavam at a ica.

    Manuel Domingo se virou e falou em primeira vez desde que entrara no carro.Estava apavorado, o cu negro parecia cada vez mais ameaador, no confiava emSantiago.

    Me tires desta enrascada! Cales a boca, seu idiota! Isto no passa de rotina. Foste acusado. Quem me acusou? Digas quem foi! Cales a boca e prestes ateno.Manuel Domingo obedeceu. Seu peito arfava, o queixo estava erguido. De

    repente, saiu correndo, numa tentativa de escapar. Calmamente, Santiago disparouda altura do quadril.

    Domingo parecia estar correndo no ar. O peso do corpo o levou a diante, depoisas pernas vergaram e se estatelou no cho do deserto.

    Momentos depois Santiago estava postado por cima dele, disparando outro tiro,enquanto os demais se aproximavam.

    A noite negra envolveu o cenrio desolado, enquanto os veculos voltavam cidade. Santiago olhou o relgio no painel e se recostou. Ainda era muito cedo, o

    problema j estava acertado. O prefeito no mais teria motivo pra ficarembaraado. Enquanto Santiago sorria a si mesmo, capito Torres se virou e disse:

    Oficialmente, sabemos agora que Manuel Domingo era culpado de assassinarRosa Belmonte. Mas... Achas que no matou a garota? O senhor acha? No. Ento por que a tentativa de fuga?

    4 Ica, ica (Yucca filamentosa): sf Gnero de plantas ornamentais da famlia das liliceas, da Amrica. Permanece sempre verde eno perde as folhas a cada ano. Existem muitas variedades de ica. Arbusto perene do gnero ica (Yucca), com cerca de 40espcies, nativa da Amrica Central e do sul de Eua. As folhas sempre verdes, em forma de espada, nascidas emverticlios terminais, so resistentes, macias e geralmente tm um espinho agudo no topo, como seus parentes da famlia agavicea(Agavaceae), o sisal e a pita. As flores brancas, em forma de sino, que formam espigas densas que chegam a 2m de comprimento,

    tm associaes simbiticas notveis cum tipo de inseto (Tegeticulamaculata). No confundir com o juc (Caesalpinia ferrea Mart),cesalpincea. rvore mediana, comum na Amaznia mas originria do nordeste do Brasil. Nota do digitalizadorhttp://www.kinghost.com.br/,http://pt.wikipedia.org/wiki/I%C3%BAcaehttp://alcoasis.tripod.com/plantas2.htm

    http://www.kinghost.com.br/http://www.kinghost.com.br/http://pt.wikipedia.org/wiki/I%C3%BAcahttp://alcoasis.tripod.com/plantas2.htmhttp://alcoasis.tripod.com/plantas2.htmhttp://alcoasis.tripod.com/plantas2.htmhttp://pt.wikipedia.org/wiki/I%C3%BAcahttp://www.kinghost.com.br/
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    Eu lhe disse que no poderamos o proteger da multido, que eu dariacobertura pra fugir, pois sabia que era inocente.

    Mas atiraste nele.Santiago ajeitou um cigarro nos lbios.

    No tive opo.

    Acendeu o cigarro, enquanto o comboio prosseguia s luzes da cidade.No incio da manh o corpo do assassino Manuel Domingo, nu, a exceo dolenol que cobria a parte inferior, estava estendido numa mesa comprida, sob umarvore, numa pequena praa, perto do centro da cidade, pra que todos vissem e seacautelassem. As moscas chegaram com o calor, a claridade trouxe as multides.

    Durante o dia inteiro os habitantes da cidade desfilaram junto ao cadver. Ocorpo foi retirado ao anoitecer, sem ter algum pra o chorar.

    O caso poderia ter acabado ali, enterrado com Manuel Domingo, se no fossedetetive Fiala, que tinha certeza duma coisa: Domingo no matara a garota. Com oassassino ainda solto, Fiala intensificou a investigao, que logo provou serfrutfera. Foi ao prdio da municipalidade e pediu pra falar com prefeito Quevedo.

    Foi informado de que o prefeito sara pra almoar com vrios homens de muitaimportncia.

    Obtendo o nome do restaurante, Fiala foi at l, se sentou mesa ao lado e seinclinou, dizendo, em voz baixa, pra que somente Quevedo ouvisse:

    Precisamos falar por um momento. Tenho um assunto que pode ser de grandeimportncia pessoal pra ti.

    A atitude era to solene que Quevedo prontamente assentiu. Depois que ele eseus companheiros terminaram de comer, o prefeito arrumou uma desculpa pra

    permanecer no restaurante e foi se sentar mesa de Fiala. Mas qual essa questo to importante que me diz respeito pessoalmente?

    Perguntou ele, na maior ansiedade. importante demais pra ser discutida aqui. Neste caso, vamos a meu gabinete.Fiala assentiu. Os dois se levantaram e saram na porta. Poucos minutos depois

    estavam sentados frente a frente, nos dois lados da mesa de Quevedo, todaesculpida a mo. O prefeito ofereceu um cigarro. Fiala recusou e apresentou ocaso, informando bruscamente que o chefe de polcia assassinara Rosa Belmonte.

    Uma acusao muito grave. Disse Quevedo, empalidecendo. Podesprovar?

    Fiala assentiu e relatou como fora procurar Lus Espina, o colhedor de fibra queencontrara o corpo da garota morta. Com uma sucesso de perguntas hbeis,

    conseguira fazer com que o velho acabasse revelando que testemunhara o crime. Se isso verdade, por que Espina no se apresentou antes pra fornecer ainformao?

    No podia porque no reconheceu Santiago no momento do crime. Sabiaapenas que o assassino guiava um cadilaque azul e branco. Isso era significativo.Continuei o interrogando e deu uma descrio ntida do motorista, embora nofornecesse a identidade. S chegou a isso depois, quando o pressionei. Confessouque presenciou o espetculo da noite passada. Viu Santiago matar ManuelDomingo. Foi nessa ocasio que o reconheceu como o assassino de RosaBelmonte.

    Quevedo assentiu e disse:

    A palavra dum velho confuso. O depoimento no resistiria num julgamento.Alm do mais, Domingos admitiu a culpa no local do crime, ao tentar escapar.

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    Admitiu sua culpa? Fiala sorriu e sacudiu a cabea. Esse era o nicofato que eu sabia com certeza desde o comeo: Que no era culpado. ManuelDomingo no poderia ter matado Rosa Belmonte. No estava na cidade naqueledia. Sei disso porque o segui at So Rafael, na tentativa de o prender numa desuas atividades ilegais, o trfico de marijuana. Ficou num bar em So Rafael at a

    noite mas seu contato no apareceu. Talvez soubesse que eu o seguira. Seja comofor, a operao no se consumou. Voltou cidade s 9h. Nessa altura RosaBelmonte j estava morta.

    Quevedo j estava convencido da veracidade da acusao de Fiala, mas aindahavia algo que no estava muito claro.

    Por que Santiago escolheu Domingo pra vtima?Fiala tornou a sorrir e esclareceu a questo.

    1 Disse, erguendo um dedo. A reputao de Domingo era pssima, aacusao correspondia a seu carter. 2, Santiago e Domingo eram scios. Domingocontrolava a zona do meretrcio, com a ajuda de Santiago. Discutiram por causa dedinheiro. Santiago disse que Domingo o estava roubando. E provavelmente estava

    mesmo. Assim, Santiago