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  • Histria dePortugal

  • Coordenao EditorialIrm Jacinta Turolo Garcia

    Assessoria AdministrativaIrm Teresa Ana Sofiatti

    Assessoria ComercialIrm urea de Almeida Nascimento

    Coordenao da Coleo HistriaLuiz Eugnio Vscio

    Assistente de Produo GrficaLuzia Aparecida Bianchi

    Presidente do Conselho CuradorAntonio Manoel dos Santos Silva

    Diretor-PresidenteJos Castilho Marques Neto

    Assessor-EditorialJzio Hernani Bomfim Gutierre

    Conselho Editorial AcadmicoAguinaldo Jos Gonalves

    lvaro Oscar CampanaAntonio Celso Wagner Zanin

    Carlos Erivany FantinatiFausto Foresti

    Jos Aluysio Reis de AndradeMarco Aurlio Nogueira

    Maria Sueli Parreira de ArrudaRoberto Kraenkel

    Rosa Maria Feiteiro Cavalari

    Editor-ExecutivoTulio Y. Kawata

    Editora AssistenteMaria Dolores Prades

  • Histria dePortugal

    Jos Tengarrinha (Org.)

    Jos MattosoMaria Helena da Cruz CoelhoHumberto Baquero MorenoAntnio Borges CoelhoAntnio Augusto Marques de AlmeidaAntnio Manuel HespanhaMaria do Rosrio Themudo BarataNuno Gonalo Freitas MonteiroFrancisco Calazans FalconJos Jobson de Andrade ArrudaMiriam Halpern PereiraJaime ReisAmadeu Carvalho HomemA. H. de Oliveira MarquesJoo MedinaLus Reis TorgalJos Medeiros Ferreira

    Reviso tcnicaMaria Helena Martins Cunha

  • H67399Histria de Portugal / Jos Mattoso [et

    al]; Jos Tengarrinha, organizador. --Bauru, SP : EDUSC ; So Paulo, SP : UNESP;Portugal, PO : Instituto Cames, 2000.371p.; 23cm. -- (Coleo Histria)

    >ISBN UNESP 85-7139-278-0ISBN EDUSC 85-7460-010-5

    1. Portugal - Histria. I. Mattoso, Jos.II. Tengarrinha, Jos. III. Ttulo. IV. Srie.

    CDD 946.9

    Copyright 2000 EDUSC

    Direitos de publicao reservados :Editora da Universidade do Sagrado Corao (EDUSC)

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    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

  • SUMRIO

    Captulo 17 A formao da nacionalidade

    Jos Mattoso

    Captulo 2

    19 O final da Idade MdiaMaria Helena da Cruz Coelho

    Captulo 3

    45 O princpio da poca ModernaHumberto Baquero Moreno

    Captulo 457 Os argonautas portugueses e o seu velo de ouro (sculos XV-XVI)

    Antnio Borges Coelho

    Captulo 577 Saberes e prticas de cincia no Portugal dos Descobrimentos

    Antnio Augusto Marques de Almeida

    Captulo 687 Os bens eclesisticos na poca Moderna. Benefcios, padroados e

    comendasAntnio Manuel Hespanha

    Captulo 7105 Portugal e a Europa na poca Moderna

    Maria do Rosrio Themudo Barata

    Captulo 8127 A consolidao da dinastia de Bragana e o apogeu do Portugal

    barroco: centros de poder e trajetrias sociais (1668-1750)Nuno Gonalo Freitas Monteiro

    Captulo 9149 Pombal e o Brasil

    Francisco Calazans Falcon

  • 6Captulo 10167 O sentido da Colnia. Revisitando a crise do antigo sistema colonial

    no Brasil (1780-1830)Jos Jobson de Andrade Arruda

    Captulo 11187 Contestao rural e revoluo liberal em Portugal

    Jos Tengarrinha

    Captulo 12217 Diversidade e crescimento industrial

    Miriam Halpern Pereira

    Captulo 13241 Causas histricas do atraso econmico portugus

    Jaime Reis

    Captulo 14263 Jacobinos, liberais e democratas na edificao do Portugal

    contemporneoAmadeu Carvalho Homem

    Captulo 15283 Da Monarquia para a repblica

    A. H. de Oliveira Marques

    Captulo 16297 A democracia frgil: A Primeira Repblica Portuguesa (1910-1926)

    Joo Medina

    Captulo 17313 O Estado Novo. Facismo, Salazarismo e Europa

    Lus Reis Torgal

    Captulo 18339 Aps o 25 de Abril

    Jos Medeiros Ferreira

    369 Autores

  • ANTECEDENTES

    Ao contrrio do que tentaram demonstrar as doutrinas nacionalis-tas dos anos 30 a 60, baseadas, de resto, em conceitos positivistas e romn-ticos muito anteriores, no possvel encontrar vestgios coerentes de umanacionalidade portuguesa antes da fundao do Estado. Aquilo que o pre-cedeu e que tem alguma coisa a ver com o fenmeno nacional reduz-se auma persistente ecloso de pequenas formaes polticas tendencialmenteautonmicas na faixa ocidental da Pennsula Ibrica (em paralelo, de res-to, com formaes anlogas noutras regies peninsulares), que se verifica-ram desde a pr-histria at o sculo XII, mas que se caracterizam tambmpelo seu carter descontnuo e efmero. As dimenses dos respectivos ter-ritrios eram normalmente reduzidas, pois no chegavam nunca a abran-ger reas equivalentes a nenhuma das antigas provncias romanas. Antesda dominao romana, o panorama predominante o da grande fragmen-tao territorial, ocasionalmente compensada por coligaes conjunturais;durante ela, a organizao administrativa (que se deve considerar de tipocolonial) no chegou a absorver por completo as divises tnicas, que rea-pareceram sob a forma de pequenos potentados locais desde que se esbo-roou o controle municipal, militar e fiscal exercido pelos seus rgos at ofim do Imprio.

    Como evidente, as sucessivas camadas de povos germnicos quedepois ocuparam o ocidente da Pennsula tambm no chegaram a unifi-car o territrio por eles dominado; limitaram-se a fazer reverter para seubenefcio as imposies militares e fiscais que anteriormente eram exigidaspelas autoridades romanas. Pode-se dizer aproximadamente o mesmo daocupao muulmana, que, de resto, foi muito efmera a norte do Douro,e que foi constantemente entrecortada por revoltas regionais e locais, al-gumas das quais mantiveram certos territrios como independentes du-rante dezenas de anos. A sua expresso concreta mais evidente foram osreinos taifas do Ocidente que mantiveram a sua autonomia durante amaior parte do sculo XI. Entretanto, a norte do Mondego, entre os scu-los VIII e XI, a ocupao asturiana e depois leonesa tambm estava longede conseguir a inteira fidelidade no s dos potentados locais como tam-

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    captulo 1

    A FORMAODA NACIONALIDADE

    Jos Mattoso*

  • bm dos prprios representantes da monarquia; todos eles se comporta-vam freqentemente como senhores independentes.

    O territrio portugus pde, portanto, comparar-se a um puzzleconstitudo por um nmero considervel de peas que se foram associan-do entre si de vrias maneiras, sem que os poderes superiores que a exer-ciam a autoridade tivessem sobre elas grande influncia. A sua principalestratgia consistia em manter a dominao, pactuando de formas vari-veis com os poderes regionais e locais, explorando as suas divises, ouquando era possvel, exterminando revoltas demasiado ostensivas. A estaestratgia ope-se, evidentemente, a dos poderes inferiores que ora explo-ram a via da revolta aberta, ora a do pacto condicionado com os poderesrgios; ora se aliam com os parceiros do mesmo nvel, ora os combatem,recorrendo para isso, se necessrio, ao apoio dos delegados rgios, numjogo instvel, ditado por circunstncias ocasionais.

    O primeiro fato que se pode relacionar com a futura nacionalidadeportuguesa , por isso mesmo, aquele em que se verifica a associao dedois antigos condados pertencentes cada um deles a uma provncia roma-na diferente: o condado de Portucale, situado na antiga provncia da Ga-lcia, e o de Coimbra, na antiga provncia da Lusitnia. Formaram o queento se chamou o Condado Portucalense (o que pressupunha a hege-monia do condado do Norte sobre o do Sul), entregue pelo rei Afonso VIde Leo e Castela ao conde Henrique de Borgonha, como dote de casa-mento de sua filha ilegtima D. Teresa no ano de 1096.

    CONDIES PARA O SUCESSO POLTICO DAPRIMEIRA FORMAO NACIONAL

    Uma grande parte do sucesso poltico deste acontecimento resulta deum antecedente regional: a formao de poderes senhoriais de mbito local.De fato, durante o sculo XI certas linhagens concretamente as da Maia,Sousa, Ribadouro, Bragana, Baio e outras menos conhecidas tirarampartido da sua capacidade militar para alargarem o mbito dos seus territ-rios, desvincularem-se da autoridade dos condes de Portucale (descendentesde Vmara Peres), ligarem-se aos soberanos castelhano-leoneses da dinastianavarra (entre 1037 e 1091) e transmitirem os seus poderes numa linhanica dentro da mesma famlia. Foram essas linhagens que prestavam fide-lidade coroa castelhano-leonesa e, depois, a transferiram para o seu repre-sentante, o conde D. Henrique. Foram elas que asseguraram, portanto, umsuporte social autoridade semi-independente do conde.

    Nada disso, porm, teria sido suficiente para originar um processode efetiva autonomia poltica se no se tivesse pouco tempo depois dado

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    Jos Mattoso

  • um movimento mais amplo que criou condies favorveis ecloso deverdadeiros reinos de mbito inferior ao reino castelhano-leons, igual-mente apoiados por grupos aristocrticos regionais. Tendo eles adquiridomaior fora e independncia, em virtude do ambiente de crise da monar-quia e da recepo de novos modelos monrquicos vindos de alm-Pire-neus (que se verificou desde a morte de Afonso VI em 1108 at coroa-o de Afonso VII em 1126), o seu apoio aos novos reinos foi essencialpara a sua consolidao.

    De fato, as alteraes provocadas nos reinos cristos, depois da gran-de expanso territorial da segunda metade do sculo XI custa do territ-rio islmico, levaram a grandes remodelaes internas. Os elementos daaristocracia, que tinham podido manter as suas linhagens por via sucess-ria nica, ao canalizarem para a guerra fronteiria todos os filhos que nosucediam na chefia, comearam a organizar-se em troncos verticais ima-gem da casa real, o que permitia s mais poderosas famlias manterem in-tactos atravs de vrias geraes os seus poderes locais solidamente apoia-dos em domnios fundirios. Mas os filhos segundos que enriqueciam naguerra e os cavaleiros francos ou de outras regies que acudiam frontei-ra pretendiam tambm alcanar poderes prprios, comprando terras depequenos proprietrios ou tentando criar, por sua vez, uma autoridade se-nhorial apoiada em foras militares.

    Esses movimentos associam-se ento a agrupamentos regionais. Emtorno de D. Urraca, sucessora de Afonso VI, renem-se entre si e opem-se uns aos outros os nobres castelhanos, leoneses, aragoneses e galegos,que se apiam alternadamente nos membros da famlia real desavindosentre si. A aristocracia nobre, resolvidos os seus problemas internos, ao ab-sorver ou assimilar as foras externas de origem franca, sai reforada dacrise interna da monarquia. Em coligaes que j podemos chamar nacio-nais (de Castelhanos, Leoneses, Aragoneses ou Galegos), a nobreza ensaiaformas de solidariedade e organiza a sua estrutura interna; esboa formasde relacionamento com os cavaleiros, quer pela concesso ou reconheci-mento de poderes quer pela vassalagem.

    Mas aqueles conjuntos de nobres que, depois de se terem reorgani-zado socialmente, prosseguem a luta contra o Isl que asseguram ao seufuturo pas (chamemos-lhe assim) uma trajetria mais segura. Assim, aGaliza no chega a destacar-se de Leo, porque a sua nobreza s participana guerra externa quando se associa portuguesa ou castelhana; Leovai perdendo terreno face a Castela, mantendo com ela uma unio prec-ria, que viria a desfazer-se entre 1157 e 1230, mas jogando sempre um pa-pel secundrio na luta antiislmica; Portugal, Castela e Arago, pelo con-trrio, mantendo um protagonismo constante na mesma guerra, no ces-sam de se desenvolver como monarquias independentes.

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    A FORMAO DA NACIONALIDADE

  • A situao de guerra assegura, portanto, um papel fundamentaltanto nobreza, que tendia a monopolizar as funes militares, como smonarquias sob as quais ela se agrupa regionalmente e que assumem sem-pre a chefia e a coordenao das grandes operaes guerreiras. Consti-tuem-se assim blocos fronteirios que asseguram a eficcia das operaes.A associao entre uma classe social com fortes apoios fundirios, com po-deres prprios e interessada na guerra, e os reis que a apoiam assegura aosdiversos reinos peninsulares um trajeto poltico duradouro.

    PORTUGAL E A GALIZA

    At 1128 verifica-se uma srie de acontecimentos polticos que pa-recem ligar os destinos de Portugal aos da Galiza. O principal a formaode um reino independente com Garcia I (1065-1071), que apesar da suaposterior apropriao pelo rei de Leo e Castela se manteve nominalmen-te separado destes enquanto o mesmo rei Garcia esteve preso, at suamorte em 1091, e que continuou sob a forma de um condado entregue aRaimundo at 1096. A participao de alguns membros da aristocracia ga-lega no combate ao Isl e a sua fixao em territrio portugus reforamesta aproximao. A separao de Portugal e Galiza, concretizada sob aforma de dois condados independentes um do outro, com a reduo daautoridade de Raimundo apenas Galiza e a concesso de Portugal a Hen-rique, vem criar um hiato nesta poltica. Este hiato, porm, estava j laten-te, no plano eclesistico, por causa da rivalidade entre as ss de Braga e deCompostela, desde a restaurao da primeira em 1070. Verifica-se, assim,uma situao caracterizada pela presena de dois movimentos contradit-rios, um que tende a manter a unio com a Galiza, outro que aponta jpara a separao. Note-se que o primeiro admitia duas solues, conformese viesse a resolver por meio da hegemonia da Galiza ou da hegemonia dePortugal. Note-se tambm que Henrique combateu pela segunda destassolues, pois esperava restaurar em seu favor o antigo reino da Galiza ede Portugal, como consta do acordo assinado com seu parente Raimundo,conhecido sob o nome de pacto sucessrio. A morte de Raimundo em1107 s podia ter acentuado tais objetivos. provvel que a rainha D.Teresa tivesse mantido a mesma idia depois da morte de Henrique(1112), e que isso explique as suas ligaes a Pedro Froilaz de Trava e aosseus filhos, dado o papel daquele como tutor do herdeiro do trono, Afon-so Raimundes (futuro Afonso VII).

    Este propsito, porm, veio a fracassar em virtude da conjugao deduas sries de acontecimentos convergentes: por um lado, o fato de tantoD. Urraca como seu filho Afonso VII terem lutado denodadamente pelamanuteno da unidade da monarquia castelhano-leonesa, com o persis-

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    Jos Mattoso

  • tente apoio de Diego Gelmrez, arcebispo de Compostela, que via nessa so-luo o melhor apoio para as suas ambies de prelado da nica s apos-tlica do Ocidente alm da de Roma, e que pretendia ser a maior autori-dade espiritual de toda a Pennsula; por outro lado, pelo fato de os baresportucalenses e o arcebispo de Braga terem percebido que a unio de Por-tugal e da Galiza sob a hegemonia galega os manteria fatalmente numa si-tuao de inferioridade e de dependncia; para estes, portanto, era prefe-rvel manter Portugal como um condado sujeito diretamente ao rei deLeo e Castela do que restaurar o reino da Galiza e Portugal, ainda que soba autoridade de D. Teresa (sobretudo se ela ficasse a dever a sua realezaefetiva aos Travas). Foi essa a soluo que de fato se tornou possvel a par-tir da batalha de S. Mamede (1128), por meio da qual os bares portuca-lenses, com o apoio do arcebispo de Braga, depois de terem obtido o apoioativo de Afonso Henriques, expulsaram do condado Ferno Peres de Tra-va e a rainha D. Teresa.

    Contudo, dada a importncia da guerra externa no processo de for-mao das unidades territoriais nacionais da Pennsula, o que provavel-mente assegurou a efetiva durabilidade da autonomia portuguesa, reivin-dicada em S. Mamede, no foi tanto a opo que a nobreza portucalensetomou em favor de Afonso Henriques, ou melhor, contra o domnio querde Gelmrez, quer dos Travas, mas o fato de a essa opo se ter seguido,numa seqncia irreversvel, a necessidade de assumirem o principal pa-pel da guerra antiislmica, relegando para segundo plano a atuao daaristocracia galega. verdade, porm, que no o fizeram diretamente, soba direo e com uma participao intensa das linhagens nortenhas, massob a direo de Afonso Henriques, a partir do momento em que ele, ape-nas trs anos depois de S. Mamede, se fixou em Coimbra e passou a tomarum papel extremamente ativo na Reconquista.

    O ESPAO VITAL

    Preenchida a condio que permitiu a um grupo social os baresportucalenses e o mais importante dos bispos desempenhar um papel a-tivo de primeiro plano na poltica peninsular, mantido o seu protagonismodevida guerra externa, nem por isso se podia considerar garantida a in-dependncia de Portugual. provavel que ela no se tivesse podido man-ter se no se apoiasse num territrio dotado de recursos econmicos sufi-cientes para a suportar. O que, portanto, a assegurou na fase seguinte foia apropriao de novos espaos cujos recursos eram complementares dosdo ncleo inicial, e que este teve capacidade para dominar por intermdiode um quadro humano sujeito aos seus interesses. Ou seja, concreta-mente, o que, numa segunda fase, consolidou a capacidade autonmica de

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    A FORMAO DA NACIONALIDADE

  • Portugual foi a conquista de Lisboa e de Santarm e a posse dos seus res-pectivos alfozes. Este fato trouxe consigo a possibilidade de colocar na vi-gilncia e administrao dos novos territrios parentes da nobreza norte-nha que eram afastados da partilha hereditria nas terras de origem parano ameaarem a base material do poder familiar, ou subordinados seusque no podiam prosperar dentro dos seus domnios senhoriais. Assim sepermitia e propiciava a expanso da classe dominante sem que ela fosseafetada por uma crise de crescimento, dada a exiguidade do territrio emque ela exercia os seus poderes o Entre-Douro-e-Minho.

    Essa possibilidade, que assegurava uma certa unidade ao conjunto,sob a orientao poltica de um grande chefe militar, na pessoa de AfonsoHenriques, permitia tambm encontrar a forma de absorver outros exce-dentes demogrficos de Entre-Douro-e-Minho, que durante os sculos XIe XII no cessaram de aumentar. Os camponeses dali, demasiado aperta-dos numa rea fertil mas reduzida, procuravam novas terras para poderemsubsistir. A atrao das cidades muulmanas envolvidas por uma aura deprosperidade e de riqueza fabulosa orientou boa parte destes excedentes,primeiro para as expedies de combate, depois para a fixao nas cidades,logo a seguir para a ocupao do hinterland estremenho, que a anterior si-tuao de guerra tinha mantido at ento bastante despovoado.

    O afluxo ao litoral portugus e s cidades prximas dele de uma po-pulao que em boa parte reproduzia as estruturas implantadas no Entre-Douro-e-Minho, e que, portanto, ao mesmo tempo, expandia e fortaleciao ncleo inicial, garantia-lhe, assim, a viabilidade de subsistncia e de au-tonomia. Ocupava as cidades do Ocidente atlntico e, com elas, o domniodas vastas reas econmicas que elas controlavam. Organizava o seu con-junto (Porto, Guimares, Braga, Coimbra, Lisboa, Santarm, vora) numarede de trocas complementares cujas potencialidades exerciam sobre osseus diversos elementos um papel de estmulo, tanto pelas possibilidadesde escoamento da produo, como pela capacidade de abastecimento. Ascidades, por sua vez, ao concentrarem a populao, levavam ao desenvol-vimento das reas circundantes, anteriormente prejudicadas pela guerraquase contnua, para poderem assegurar o seu prprio abastecimento emprodutos alimentares e em matrias primas. Por outro lado, a mesma con-centrao populacional obrigava a desenvolver a produo artesanal, paracom ela se poderem pagar os produtos vindos do campo. Uma parte do ar-tesanato destina-se ao apoio das atividades militares, visto que as cidadesda linha do Tejo e a de vora continuaram ameaadas pelas incurses mu-ulmanas at 1217. A continuao da guerra para sul e sobretudo a con-quista de Badajoz pelos leoneses em 1229 ou 1230 (depois da frustrada in-vestida de Afonso Henriques em 1169), que destruiu o principal centromilitar almada da fronteira ocidental, tiveram como resultado a seguran-a das cidades do litoral atlntico. Uma vez conseguida esta e ocupado

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    Jos Mattoso

  • tambm o Alentejo e o Algarve (1249), com a conseqente pacificao dosmares devido destruio dos principais plos da pirataria sarracena, fica-va aberto o comrcio internacional direto, por via martima, sem ter de serecorrer mediao castelhana.

    Certos autores (sobretudo Torquato Soares) chamaram a atenopara o fato de assim se ter reconstitudo um conjunto que coincidia apro-ximadamente com trs antigos conventos jurdicos da poca romana(Bracara, Scalabis e Pax Julia Braga, Santarm e Beja). A diferena prin-cipal consistia em que eles estavam subordinados a provncias diferentes eque s sob administrao portuguesa que os seus territrios passaram aformar um conjunto que no estava subordinado a nenhum plo polticonem econmico externo.

    A CENTRALIZAO POLTICA

    Como evidente, esse conjunto de fatos no explica por si s a in-dependncia nacional. Esta no existiria sem um poder poltico que coor-denasse os interesses de um determinado grupo regional com o potencialeconmico de uma regio suficientemente diversificada, como a que aca-bei de descrever. J vimos os antedentes da soluo poltica que acaboupor consolidar a separao entre o Condado Portucalense e a Galiza. Alu-dimos tambm ao fato de em 1131 Afonso Henriques se ter fixado emCoimbra e ter assumido o comando ativo da guerra externa, com o apoio,embora no necessariamente com a participao ativa direta, dos chefesdas linhagens nortenhas. As necessidades da guerra levaram, porm,Afonso Henriques a encabear tambm outras foras, as dos concelhos,que constituam, por assim dizer, a fonte abastecedora dos efetivos demassa e a melhor garantia da defesa fonteiria em caso de invaso. Essascomunidades no nobres, mas com verdadeira autonomia local, que ti-nham criado as suas estruturas peculiares numa espcie de terra de nin-gum entre as duas fronteiras, a crist e a muulmana, aliando-se oracom um lado ora com outro, que tinham feito da pilhagem modo de vida,aceitaram a autoridade rgia como forma de garantir uma parte da suaautonomia face crescente invaso senhorial dos bares de Entre-Dou-ro-e-Minho. Cedendo uma parte das suas prerrogativas ao rei nas reasmilitar, da justia e do fisco, evitavam a submisso aos poderes senhoriaisdos nobres e da Igreja. Podiam negociar com o rei o reconhecimento deimportantes privilgios e prometiam a colaborao dos seus exrcitos naluta antiislmica. A chefia militar do rei trouxe consigo, portanto, a asso-ciao dos concelhos e da nobreza senhorial. Essas comunidades, tenden-cialmente opostas umas s outras, podiam assim manter as suas posiessob a proteo do rei e evitar lutas estreis entre si. A formao de uma

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    A FORMAO DA NACIONALIDADE

  • unidade poltica possibilitou tambm a integrao das cidades organiza-das em concelhos no espao nacional, sem os sujeitar aos senhorios par-ticulares (excetuando, at o sculo XIV, as cidades do Porto e de Braga) e,desde Afonso III (1248-1279), a sua subordinao poltica econmicaorientada pela coroa.

    At 1211 pode-se dizer que o rei no impediu a consolidao dospoderes senhoriais no Norte, nem sequer a sua expanso no Centro e Suldo Pas (sobretudo de senhorios eclesisticos), e que tambm no interveiona administrao interna dos concelhos. Limitou-se a dirigir as operaesmilitares com os recursos que os concelhos e os senhores lhe forneciam esobretudo com as tropas que podia recrutar com os rendimentos dos do-mnios rgios. Ele prprio se considerava como um senhor. S algunsmembros da cria rgia, imbudos das idias jurdicas inspiradas no Direi-to Romano, atribuam-lhe, desde a dcada de 1190, autoridade de verda-deiro rei, e no apenas de primus inter pares. Para isso contribuiu, por umlado, a concepo, j antiga, da realeza como autoridade responsvel pelamanuteno da justia e da paz, acima da que os senhores e os concelhospodiam assegurar, e o verdadeiro carisma de guerreiro que os eclesisticosreconheciam em Afonso Henriques, e que seu filho Sancho I procuroutambm merecer.

    Apesar disso, no se pode dizer que houvesse verdadeiramente umEstado portugus at a morte de Sancho I. O seu verdadeiro fundador,como organismo poltico capaz de assegurar uma administrao impessoale uma autoridade a que mesmo os poderes senhoriais tinham de se sujei-tar, independentemente de compromissos recprocos de vassalidade, foiAfonso II (1211-1223). Este, tentando, certamente, pr em prtica asidias do chanceler Julio, que iniciara as suas funes j em tempo deAfonso Henriques, e que criara uma verdadeira pliade de juristas comoseus auxiliares, e, por outro lado, influenciado pelo prprio processo dacentralizao da cria romana, que tambm inspirou Frederico II no go-verno da Siclia, comeou o seu reinado pela promulgao de um corpo deleis. Depois ocupou-se em montar uma verdadeira administrao polticado territrio e em organizar as finanas da coroa com base na economiacitadina. De forma rudimentar, sem dvida, mas que tinha j em embrio,as funes estatais, adiantava-se, assim, maioria das monarquias feudaisdo Ocidente europeu.

    Apesar das violentas oposies que tal poltica suscitou da parte danobreza senhorial, e de vrios membros do alto clero, mas contando comum pequeno grupo de vassalos fiis, Afonso II manteve a mesma orienta-o at ao fim da vida. As cises que se seguiram no seio da nobreza con-duziram, depois, durante o reinado de Sancho II (1223-1248), cuja fra-queza e indeciso contrastam fortemente com a firmeza da seu pai, a umaverdadeira anarquia social agravada pela crise da prpria nobreza. Esta,

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    Jos Mattoso

  • sujeita a um rpido crescimento numrico, dificilmente podia assegurar atodos os seus membros, mesmo de condio inferior, o exerccio dos direi-tos senhoriais; a hesitao entre a partilha hereditria e a inferiorizao su-cessria dos filhos segundos provocava o exacerbamento e a violncia dosmenos favorecidos, a constituio de bandos e o assalto aos indefesos. contenso da expanso senhorial entre 1211 e 1223, seguiu-se o seu de-senfreado crescimento entre 1223 e 1245, e ao mesmo tempo a perturba-o social e a anarquia, sobretudo nas regies de regime senhorial (o Nor-te), acabando por a segurana do clero e dos seus bens. Assim se decidiuuma coligao de bispos e de nobres para solicitar ao papa Inocncio IV asubstituio de Sancho II por seu irmo Afonso III. Depois de uma guerracivil bastante violenta, Afonso III acabou por triunfar. O seu antecessormorreu no exlio em 1248.

    Depois do ensaio singularmente precoce de Afonso II, foi, de fato, apersistncia e a habilidade poltica de Afonso III (1248-1279) o que garan-tiu a efetiva supremacia e a independncia da realeza, assim como a mon-tagem emprica, mas conseqente, dos orgos estatais. Passou a administrarrigorosamente os domnios da coroa, criou um corpo legislativo, constituiuuma nobreza de corte fiel e submissa, enfraqueceu a nobreza senhorial,montou um aparelho judicial capaz de assegurar a justia sob o controle dosmeirinhos-mores, mesmo contra os senhores (nobres ou eclesisticos),acumulou rendimentos suficientes para garantir a sua independncia eco-nmica face a outros poderes, cerceou os excessivos privilgios do clero econseguiu influenciar a escolha dos bispos. A sua obra foi depois continua-da por seu filho Dinis (1279-1325), que criou os corregedores para aperfei-oarem o sistema judicial, organizou o notariado, formou um corpo de es-crives rgios junto dos concelhos, controlou as eleies dos magistradosmunicipais, recrutou um corpo regular de besteiros fornecidos pelos conce-lhos, cerceou os privilgios senhoriais, imps a noo de uma justia rgiacapaz de perseguir os crimes mesmo nos territrios imunes etc.

    Assim, a montagem de um aparelho estatal capaz de exercer umainfluncia efetiva e verdadeiramente unificadora sobre todo o Pas, tiran-do o antecedente efmero de Afonso II, data efetivamenta da segunda me-tade do sculo XIII. At essa altura, havia relaes entre as diversas comu-nidades que se sujeitavam autoridade do mesmo rei, havia tambm mo-vimentos de tropas e de populaes que abarcavam todo o territrio na-cional, mas o Pas era constitudo por um conjunto de unidades com umaconsidervel dose de independncia, ligadas entre si por vnculos tnues,e, como conjunto, destitudo de laos verdadeiramente coerentes.

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    A FORMAO DA NACIONALIDADE

  • CONSCINCIA NACIONAL

    A delimitao poltica e econmica um elemento objetivo que dis-tingue de todas as outras a comunidade humana nela inserida. Para esta co-munidade constituir uma Nao ainda preciso que os seus membros ad-quiram a conscincia de formar uma coletividade tal que da resultem di-reitos e deveres iguais para todos, e cujos caracteres eles assumam como ex-presso da sua prpria identidade. Esta conscincia forma-se por um pro-cesso lento, que no envolve simultaneamente todos os sujeitos. Comeapor eclodir em minorias capazes de conceber intelectualmente em que con-siste propriamente a Nao; depois esta idia vai se propagando lentamen-te a outros grupos, at atingir a maioria dos habitantes do Pas. Em Portu-gal nota-se primeiro nos membros da chancelaria condal e rgia, depois nosclrigos do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, a seguir noutros membrosda corte e em funcionrios da administrao que se apresentam como de-legados do rei em todos os pontos do Pas, mais tarde nos restantes mem-bros do clero e das ordens militares e nas oligarquias dos concelhos.

    As guerras com Castela e a Revoluo de 1383-1385, ao trazeremtropas estrangeiras a Portugal, evidenciam a diferena entre os Portuguesese os outros, isto , aqueles que falavam outra lngua, tinham outros costu-mes e se comportavam como inimigos. Cem anos depois, a expanso ultra-marina coloca muitos portugueses em face de gente ainda mais estranhaperante a qual eles se apresentam como irmanados pela vassalagem a ummesmo rei, sejam minhotos, alentejanos ou beires. A sujeio Espanha,no sculo seguinte, faz refletir sobre o que ser portugus e o que estarsujeito a uma administrao no portuguesa, pela mesma poca em que sepode ler nos Os lusadas a epopia mitificada de um povo capaz de chegaraos confins do mundo. E assim sucessivamente, at s exaltadas manifesta-es populares contra a Inglaterra por ocasio do Ultimatum de 1890, s co-memoraes nacionais dos vrios centenrios que fazem refletir nos feitoshericos de outrora, s revolues cuja vitria se atribui participao po-pular, propaganda ideolgica nacionalista dos anos 30 a 60. Tudo isso vaiconsolidando e difundindo o conceito de Nao. preciso no esquecer,porm, que s os cidados capazes de ler podiam conhecer Os lusadas, eque s os que tinham feito o ensino primrio podiam compreender o queera a histria ptria e saber os direitos dos cidados. Ora a populao anal-fabeta s em pleno sculo XX deixa de constituir mais da metade do povoportugus. preciso, portanto, esperar at uma poca bem recente para po-der admitir uma efetiva difuso da conscincia nacional em todas as cama-das da populao, e em todos os pontos do seu territrio.

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    Jos Mattoso

  • BIBLIOGRAFIA

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    A FORMAO DA NACIONALIDADE

  • Maria Helena da Cruz Coelho*

    O futuro D. Joo II conhecia o governo. Porque fora regente em1463, quando seu pai seguira na campanha de Marrocos, em 1475, quan-do o monarca demandara Castela, e ainda em 1476-1477, quando esfor-adamente Afonso V rumara Frana na busca de apoios externos.

    O futuro D. Joo II conhecia o pas. Porque como prncipe e re-gente vira crescer o poderio dos grandes senhores que seu pai acumula-ra de benesses em terras, direitos e jurisdies. Porque ouvira as vozesque se erguiam em Cortes. Quer as da aristocracia da mercancia, que cla-mavam liberdades de comrcio e fiscais e a no-concorrncia de estran-geiros, quer as da terratenncia que pugnavam por mo-de-obra, sal-rios baixos e defesas das culturas, ou ainda as da criao de gado que ro-gavam por fartas pastagens e bons mercados. Para, todas elas, em uns-sono, ouvir reclamar contra os poderes e opresses dos grandes,1 contrao desregramento da corte, contra os abusos e prepotncias dos oficiaisrgios que queriam impor o seu poder na localidade, livre de peias, e in-terveniente nos vrios aspectos do tecido socioeconmico. E seria maisatentado no que via, e no pelo que escutava, que o princpe conhece-ria as queixas do povo laborioso que amanhava a terra, que internamen-te comerciava ou produzia artefatos.

    O futuro D. Joo II conhecia, enfim, a poltica externa. Percorridapor equilbrios vrios, por entre mares e continentes. Consciente estavada correlao de foras castelhanas, tendo mesmo acorrido ao seu pai emToro, e sabia que o nosso fortalecimento no Atlntico era a pedra de to-que do xadrez internacional, fosse na poltica de ocupao marroquina e na conquista de Arzila acompanhara o seu progenitor fosse na explo-rao da costa africana, cuja direo assumira desde 1474, liderando, ex-clusivamente, os tratos africanos.

    Quando, em 28 de agosto de 1481, sobe ao trono, tinha um proje-to poltico, tinha vontade de coloc-lo em prtica e sabia como agir. Pron-tamente e pragmaticamente.

    De imediato ao saimento do senhor seu pai, no mosteiro da Ba-talha, convocou Cortes para vora. Que abrem a 12 de novembro, comtoda a pompa e solenidade da entronizao do poder real, oferecida emespetculo.2 Com novo e detalhado cerimonial distribuem-se os lugares

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    captulo 2

    O FINAL DA IDADE MDIA

  • do rei e da corte rgia, do clero, da nobreza e dos procuradores dos con-celhos, que simbolizavam as hierarquias, na sua dignidade e honra, deuma sociedade hierarquizada, num corpo harmonioso, dirigido por umcabea, que o governava, e constitudo por um tronco e ps que o susten-tavam. A palavra, em discurso oficial, d forma intelectiva ao que se v esente. Para logo em seguida se passar ao simblico e de discursivo ao.De um poder mediatizado pela representao, que a vista e o ouvido per-cebem, a um poder em exerccio que atinge a vontade e o corao.

    Ao seu rei e senhor a famlia real e os grandes tm de prestar me-nagem e jurar obedincia pelas graas e bens dele recebidos e os procura-dores das cidades e vilas jurar lealdade e servio.3 Ato habitual de jura-mento de fidelidade ao novo monarca se no fora o novo ritual de pala-vras e gestos. Que no agradou aos senhores. Em especial, e por todos,como o mais poderoso, ao duque de Bragana.4

    Talvez no assim aos procuradores dos concelhos que, conhecendopor certo j o perfil do novo monarca, e aproveitando-se da conjunturafavorvel do incio de um outro reinado, pediram, metdica e programa-damente, reformas na justia, na fazenda e na defesa. Queriam ver dimi-nudos os poderes jurisdicionais dos senhores e eliminadas as opressesque infligiam aos povos, como no menos pretendiam rgos rgios comfunes rigorosamente definidas e oficiais competentes e zelosos, nuncano-cumpridores ou abusadores. Desejavam ver moderao na concessode tenas, moradias e assentamentos aos vassalos, criados e moradores nacorte, devendo estes ser socialmente compatveis com essa mesma cortee nela servir convenientemente. Esperavam ver a defesa eficazmente as-sumida pelos que tinham especificamente tal misso, por ela recebendobenefcios. Mas pelo contrrio, no queriam recrutadores militares quesobrecarregassem os povos. Almejavam na persecuo dos seus interes-ses, que eram os dos maiores entre o povo, liberdades comerciais, afasta-mento de concorrentes estrangeiros ou judeus, domnio dos mesteirais,boas oportunidades na agricultura e criao de gado.

    De tudo isso se agravam num longo rol de 172 captulos gerais, ob-tendo em 46,5% deles resposta favorvel do monarca.5 Mas a lista acres-ceu-se ainda de mais 140 captulos especiais, visando sobremaneira osproblemas da administrao, poltica e economia locais, que lograram al-canar do monarca uma percentagem de 53,6% de respostas afirmativas.6

    Decorridos uns escassos 7 meses7 e j os povos estavam de novosendo chamados a Cortes, agora para Santarm.8 Desta vez, a fim de con-triburem para a remisso das dvidas de seu pai, devendo ser cobrado umpedido de 50 milhes. No parecem ter comparecido s mesmas o clero ea nobreza, conhecendo-se apenas a presena de doze concelhos. No en-tanto s de onze possumos captulos especiais, abrangendo o pas de nor-te a sul, como se evidencia pelo mapa, e nenhuns gerais.

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    Maria Helena da Cruz Coelho

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    O FINAL DA IDADE MDIA

    1 CORTES DE VORA DE 1490CONCELHOS COM CAPTULOS ESPECIAIS

    Barcelos (2)

    Braga (1)Bragana (7)

    Miranda doDouro (2)

    Guimares (1)

    Lamego (3)

    Aveiro (6)

    Coimbra (6)

    Coruche (1)

    Setbal (2)

    Elvas (4)

    Olivena (4)

    0 50 km

    Estremoz (3)

    Torres Vedras (5)

    Guarda (2)

    Silves (3)

    Lagos (8)

  • Do Entre Douro e Minho tiveram assento Ponte de Lima e Guima-res. Da Beira, Pinhel e Viseu. Do Alentejo, Monforte, Olivena, Vila Vio-sa e Serpa. Do Algarve, Loul, Faro e Silves. Ao todo so apresentados trin-ta agravos, conhecendo-se a resposta apenas para 22.9 Quem mais pediu fo-ram, respectivamente, Vila Viosa com oito captulos, e Loul com sete.

    As principais queixas visam ao econmico. Depois certos estratos so-ciais, com destaque maior para os senhores, e em seguida a administraocentral e muito escassamente a local, o que o grfico permite visualizar.10

    A maior parte dos concelhos havia estado nas Cortes que h pou-co tinham chegado ao fim.11 A, em captulos gerais e especiais, tinhamsido postos os mais prementes problemas que sempre, aproveitando aconjuntura nova da abertura de um reinado, se apresentam ou retomam.Para resolver, agora, to-s algumas questes bem mais especficas.

    Ainda e sempre uma crtica aos oficiais rgios. Fosse o alcaide dassacas que, atravs dos requeredores e escrives que colocava para escreve-rem o ouro e a prata trazidos pelos mercadores estrangeiros, os afastavados nossos portos, como referem Faro (1) e Silves (1). Fosse o contador,que em Loul (5) no queria deixar os vizinhos trazerem bens de mouros,e em Ponte de Lima (1) pretendia dispor de uma casa para se aposentar.Mais genericamente, Loul (2) queixava-se do grande nmero de homensda escrita que havia na correio, tantas vezes para favorecer criados dossenhores. Por sua vez Pinhel (1) e Viseu (1), em agravos exatamente iguais,onde se ouvia com nitidez a voz das aristocracias locais, invectivaram con-tra o corregedor que obrigava os fidalgos, cavaleiros e escudeiros de linha-gem e os vassalos e cidados honrados a irem at a forca ou pelourinho,onde a justia se havia de fazer, chamados por prego, igualando-os emtodo com ho dito comum e no lhes guardando os privilgios.

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    Maria Helena da Cruz Coelho

    2 CORTES DE SANTARM DE 1482 CAPTULOS ESPECIAIS

    Natureza dos requerimentos Total %

    Administrao central 7 23,3

    Administrao local 2 6,7

    Social 9 30,0

    Econmico 12 40,0

    Total geral 30 100,0

  • Esgrimiam estes nobres e grados com o argumento de que pois diferem-ciadamente ham de servir vossa senhoria nas guerras no que a elles per-temcee em seus graos razoada cousa seria serem diferemciados dos meno-res. E porque a D. Joo II no interessa uma sociedade subvertida, masordeiramente hierarquizada, de pronto, defere tal pedido.

    Seria, tambm, esta mesma elite que estava muito atenta aos des-mandos senhoriais, desejando v-los corrigidos. Queixas contra a fidal-guia se erguem pela voz sobretudo de Loul, mas tambm de Ponte deLima, Guimares e Serpa.

    Loul (1), em expressivo e desassombrado artigo, acusa D. AfonsoV de t-los lanado em cativeiro, porque dera a vila em senhorio. E maisesclarece que se antes eram do duque de Bragana, agora j os seus fidal-gos diziam que a vila era de sua herana o que, senhor, muito sentimossermos de senhor e agora sermos dos servidores. Prontos estariam paraoutra terra rgia em que vivessem, se no esperassem ser libertos da su-jeio por D. Joo, a quem chamam nosso Messias. Mas a esperana te-ria sido algo frustrada, quando o monarca adia a resposta para as cartas.Mais especificamente, acusava ainda esta vila Nuno Barreto, a quemAfonso V dera as dzimas do pescado do Porto de Farrobilhas, bem comoum alvar que lhe outorgava poderes de dar terras e chos a quem a qui-sesse fazer casas, sobrepondo-se assim costumeira alada dos juzescomo sesmeiros, o que causava dios. Ainda, e de novo, o rei adia a res-posta para obter informaes do contador. E tambm este concelho (1),coincidindo no seu querer com o de Guimares (1), que apela para ocumprimento do estipulado nas Cortes de 1481-1482, reclamando que oscorregedores e ouvidores dos senhores s estivessem nos cargos por 3anos. E aqui o assentimento rgio claro, precisando mesmo o que dei-xara exposto nos captulos gerais, j que, semelhana dos seus correge-dores, tambm estes deviam estar no cargo apenas por um trinio, e or-denando que tal se assentasse nos captulos gerais.

    Por sua vez Ponte de Lima queria ver corroborada uma sentena docorregedor, a qual, cumprindo uma ordem rgia que deferia um pedidoconcelhio, mandara devassar todos os coutos, uma vez que no tempodado aos seus possidentes, estes no haviam mostrado o respectivo privi-lgio. Aceita-se D. Joo, ainda que ressalve a possibilidade da apresenta-o de razes por quem se sentisse lesado. Serpa, por sua vez, especificaque os fidalgos tm terras defesas, sob determinadas penas, onde apas-centa o gado. Logo, se esse mesmo gado entrasse nas terras defesas doconcelho, deveria pagar idnticas penas. D. Joo II, na sua resposta, pa-rece ir mais longe. Apelando para captulos j determinados em Cortes,interdita aos que tinham coutadas a pastagem nas terras concelhias, es-pecificando ainda que estas eram coutadas do mesmo modo que as deles.

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    O FINAL DA IDADE MDIA

  • Mas alm da conflituosidade com os senhores, havia a conflituosi-dade com outros protagonistas dos poderes concelhios.

    Vila Viosa (5 e 6), que se diz sobrecarregada de homens privilegia-dos, queria que os cristos novos no fossem isentos de servir durante 20anos, como o manarca mandara, insinuando at que muitos, falsamente,haviam-se convertido. Da mesma maneira, espingardeiros e besteiros ououtros privilegiados, quando eram citados pelos juzes, por crimes ou d-vidas, eximiam-se de responder, alegando que s o deviam fazer peranteo anadel-mor, espingardeiro-mor ou monteiro-mor, o que os deixava im-punes, j que era trabalhoso chegar a to distantes julgadores. Desconhe-cendo-se as respostas aos pedidos deste concelho, nada sabemos sobre asdeterminaes joaninas. Conhecemo-las, porm, para Olivena. E curio-samente a voz que pugna por este concelho, tal como a que representouo anterior de Vila Viosa, no parece ser demasiado afeita s elites gover-nativas. Assim, muito sintomaticamente, Olivena afirma ter como maiorriqueza as suas vinhas e olivais. Mas nesses bens sofrem danos dos gados,porque os alcaides, grande e pequeno, e os que andam nos pelouros oudetm os ofcios, tm parte nas carniarias da vila, quer de cristos querde judeus. E, como dizem, fazem impunemente todo o mal, tanto por se-rem principais, como pela presso que advm do cargo e ofcio que de-sempenham. Roga, ento, por uma ordem rgia interditando a tais ho-mens a carniaria, pois, mesmo as multas j decretadas pelo conde de Oli-vena12 com esse fim no eram respeitadas. Aspectos a salientar. Estes la-vradores das vinhas e oliviais pareciam ter o apoio do seu senhor, contraas exorbitncias das elites dirigentes. E tiveram tambm o beneplcito r-gio, que punia os prevaricadores com 20 cruzados, semelhana do quese passava em Estremoz.

    Os demais artigos apresentados visam a aspectos da administraolocal ou da economia concelhia.

    Faro (1 e 2) quer ter alcaide de seu foro e almotacaria no pescado,segundo os seus usos, o que o monarca confirma. Monforte (1) e Vila Vi-osa (3) lutam pelo respeito do seu privilgio de iseno de portagem.

    Loul (2) est muito preocupada com o investimento que fez noPorto de Farrobilhas, pois seus moradores, apesar de se abastecerem navila, o que at faz subir os preos, no lhe trazem nenhum pescado, an-tes o exportam todo para Castela, o que no parece justo, ficando decidi-do que uma parte rumasse a Loul. Igualmente temiam (3) por ouvir di-zer que o soberano desse um esteiro do porto, onde arrecadavam os na-vios, para se construrem azenhas, o que D. Joo II manda averiguar.

    Se a defesa do mar a preocupao dos algarvios, a defesa da ter-ra ocupa Olivena e Vila Viosa. A primeira terra fronteiria, tem acres-cido problemas. O abastecimento de lenha e madeira ao concelho esta-

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    Maria Helena da Cruz Coelho

  • va dependente de Castela, que assim ditava as leis e condies que lheeram mais favorveis. Mas com o tempo, por inimizades e feridas dasguerras passadas, deixaram de enviar, pelo que o concelho rogava o pri-vilgio de se poder abastecer em Juromenha, Alandroal e Terena, e po-der trazer lenha e madeira pelos portos de Odiana, sem pagar portagem.D. Joo II compreende a situao e defere o pedido. Mas, como seutimbre, doutrina. Pondo a tnica que j esboara no deferimento aPonte de Lima sobre os coutos na bilateralidade. Assim Olivena ser-vir-se-ia das matas e charnecas pblicas como os moradores daqueleslugares, os quais, reciprocamente, vizinharam aos espaos pblicos deOlivena, no que tivessem necessidade. Por sua vez nas terras privadascomprariam a lenha e madeira, de acordo com a vontade dos seus do-nos. Porm, como tambm seu uso, pe a deciso experincia, e as-sim ela ser vlida por 3 anos. Ainda Olivena, dividida entre os pro-ventos das vinhas e olivais e os do gado, faz de novo ouvir a voz dos la-vradores. Que reclamavam contra as queimadas que os ovelheiros fa-ziam naqueles bens, pedindo o aoitamento por tal crime. O crime me-rece castigo, sabe-o D. Joo II. Mas no aquele, na assuno do norma-tivo da justia rgia. Os rus seriam presos e pagariam de cadeia 4.000reais, metade para as obras do muro e metade para quem os acusasse.Mas, para que ningum pecasse por ignorncia, esta ordem devia serapregoada no concelho. Remata, no entanto, deixando margem a queimperasse alm desta, segundo o direito ou ordenaes, alguma outrapena que no fosse de dinheiro.

    J vimos que em Vila Viosa igualmente se digladiavam terrate-nentes e criadores de gado. Mas este concelho de tudo se queixa. Noquer que entre vinho de fora no concelho, concorrenciando o dos vizi-nhos (8); no quer pagar custos to elevados na barca de Juromenha (7);deseja acabar com o tributo concelhio da sisa velha para incentivar o co-mrcio (4); no que ser obrigado a plantar amoreiras (2). E tudo isto,para alm dos agravos a que j aludimos. Pressente-se uma economiaconcelhia dividida entre os lucros das tradicionais culturas mediterrnicasda vinha e oliveira e os da criao do gado, onde, alm disso, as transa-es comerciais se pretendem ver dinamizadas.

    Expostos esses assuntos locais nas Cortes de Santarm de 1482,que obtiveram, no seu conjunto, um total de 56,7% de respostas favor-veis do soberano, como o grfico o demonstra, os povos assistiram, comoespectadores, ao agir do seu rei.

    Viram ou souberam do enforcamento do 3. Duque de Bragana emjunho de 1483.13 Mais teriam sabido que, no ano seguinte, o prprio mo-narca matara o duque de Viseu e mandara executar muitos dos seus se-quazes. E que, ainda em 1485, grandes membros da fidalguia eram pre-sos, mortos ou se exilavam. Toda a sucesso das notcias, mais ou menos

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    O FINAL DA IDADE MDIA

  • reais sobre conspiraes, impressionariam o povo. E no menos o deixa-riam temente ao seu rei e senhor, estas atuaes firmes e decididas de D.Joo II. Que tambm lhes conviriam. Atacando o poder senhorial, esta-va o monarca fazendo diminuir as presses com que os senhores, por viade regra, sobrecarregavam os povos. E estes cada vez mais confiariamnum soberano que se impunha e ousava fazer frente a quem no lhe obe-decesse ou jurasse fidelidade, por mais poderoso que fosse. Cada vez maisos povos reforariam a imagem do Messias, que Loul j propalara em1482. sua proteo se encomendavam e do seu poder e mando no du-vidavam. Na linguagem das formas rever-se-iam nessa simbolizao domonarca num pelicano, a cujas asas sabiam poder acolher-se como filhos.No menos entenderiam a sua vontade, expressa por palavras, na divisaque para si tomaria por sua ley e por sua grey.

    A projeo dos feitos de alm-mar aureolavam sempre e mais a suapessoa. Entre 1481-1482 construa-se a fortaleza de So Jorge da Minaque dava cobertura ao comrcio africano, assim vigiado e protegido mili-tarmente. As viagens de Diogo Co em 1482 e 1484 faziam avanar o do-mnio portugus, que orgulhosamente se assinalava com padres, at aoZaire e Serra Parda. Em 1488 Bartolomeu Dias, dobrando o continenteafricano, o Cabo da Boa Esperana, oferecia ao monarca a certeza de queo caminho para a ndia no era uma quimera mas uma realidade. Os s-ditos ouviriam, doravante, o seu senhor intitular-se rei de Portugal e dosAlgarves, daqum e dalm mar em frica e senhor de Guin. E nessedomnio de frica, D. Joo II reiterava ainda numa poltica marroquina,reforando o povoamento das suas praas, e ganhando a obedincia dosmouros de Azamor, embora menos bem-sucedidas fossem as expediesa Anaf em 1487-1489, visando construo da fortaleza da Graciosa,muito se investiu e pouco se conseguiu.

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    Maria Helena da Cruz Coelho

    3 TIPOS DE RESPOSTASCORTES DE SANTARM DE 1482 CAPTULOS ESPECIAIS

  • Certo que, quando se abrem Cortes em vora, no ms de marode 1490, na seqncia das negociaes abertas em 1488 para o casamen-to do infante herdeiro, D. Joo II era um rei obedecido internamente eprestigiado no exterior. Por isso acalentou o sonho de, atravs do matri-mnio do seu filho Afonso com Isabel, filha dos Reis Catlicos, unir numapaz duradoura os reinos de Portugal e Castela.

    um monarca repleto de esperana pelos frutos que a poltica ul-tramarina lhe prometia e pelo casamento projetado para o seu filho comque vo lidar os povos nas Cortes de vora de 1490.14 E o soberano pede-lhes que se associem ao seu querer, sustentanto as festas de casamento doseu princpe, com o que entendessem, pela sua generosidade e com-preenso. Sem exigir, antes confiando, o soberano recebe dos procurado-res das cidades e vilas o comprometimento de contriburem com 100.000cruzados. Um clima de abertura ao dilogo se instalara. E assim vemosD. Joo II deferir total, parcial ou condicionalmente quase 60% dos agra-vos gerais que lhe foram apresentados, para s indeferir cerca de 30%, oque o grfico demonstra.15

    O maior nmero de pedidos destina-se a precisar a eleio e ascompetncias ou a morigerar abusos dos oficiais rgios, sejam da justia desembargadores, corregedores, meirinhos da correio, oficiais da cor-reio, juzes de fora, juzes dos resduos e rfos16 , militares anadeldos besteiros17 fiscais siseiros das carnes, almotac-mor, alcaides dassacas e portageiros18 , ou da escrita escrives e tabelies.19 E, curiosa-mente, todo os pedidos foram contemplados com deferimentos totais ouem parte e alguns sob condies.20 Certas questes de ndole jurdica oujudicial se lhe juntaram, procurando os povos aliviar os gravames dacomplexidade judicial, mostrando-se o monarca aqui mais reservado, noquerendo inovar,21 indeferindo22 ou sendo evasivo.23

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    O FINAL DA IDADE MDIA

    4 TIPOS DE RESPOSTASCORTES DE VORA DE 1490 CAPTULOS GERAIS

  • A segunda maior fatia de pedidos diz respeito ao social. Mas de as-sinalar que se calaram quase por completo as vozes contra as opresses dafidalguia. Muito provavelmente porque, suprimidos os grandes senhores, anobreza que ficara no tinha a mesma capacidade generalizada de subjugaros homens, para alm das atitudes rgias recomendarem a conteno.

    E com uma nobreza assim controlada o monarca podia de novoagraci-la. De notar, que no cedeu aos pedidos do Terceiro Estado nosentido de serem limitados os dotes de casamentos e arras da fidalguia(21),24 nem tampouco interdio da sua pousada em vilas e lugares queno lhes pertencessem (24).

    Mais firme se mostra contra as pretenses das elites locais que que-riam dominar homens, afastar concorrentes e governar sem interfern-cias. Ou, se quisermos colocar a questo sob outro ngulo, D. Joo II ar-vora-se em defensor dos que realmente trabalham e aspiram a melhorescondies de vida.

    No permite que se obriguem os filhos dos lavradores a seguiremas profisses dos pais, interditando-lhes outro modo de vida, como, porexemplo, o artesanato (29).25 Adia a deciso do afastamento dos mestei-rais da cmara de Lisboa ou a restrio de os colocar apenas como colhei-ros e sem voz (12). No proibe o ofcio de alfeloeiro (37).26

    Em contrapartida nega o privilgio de cavaleiros, cidados, nobreshomens e escudeiros, com mais de 50 anos, poderem andar em bestasmuares a vigiarem as suas fazendas e a tratarem dos seus negcios (42).E mesmo os pedidos sobre os judeus, que iam no sentido de lhes restrin-gir as suas liberdades, interditando-lhes ofcios e arrendamentos (16),27

    obrigando-os a citar os cristos perante os juzes ordinrios (32) e conce-dendo plena liberdade aos seus escravos (46) convertidos ao cristianis-mo,28 recebem to-s deferimentos parciais ou condicionais.

    Tambm parco nas regalias concedidas a administrao local, logos autonomias dos espaos concelhios em que esta aristocracia se movia.Atitude alis consentnea com toda a sua atuao centralizadora, em es-pecial na fase final do seu governo.29 S parcialmente defere a interven-o dos concelhos da nomeao dos mamposteiros dos cativos (9) ou naeleio dos coudis e juzes dos rfos (35). E recusa, por completo, o pe-dido a fim de que o monarca no passasse cartas rgias de recomendaopara oficiais dos concelhos (25)30 ou de que o errio concelhio no supor-tasse as despesas das obras nas prises (26). Como, no que ao fisco diz res-peito, no anui abolio das dzimas das sentenas (44), no aceita mo-dificaes nos contribuintes dos 10 reais de Ceuta (34) e s sob certascondies consente que a tera seja utilizada para as obras dos muros(36). E se a este conjunto de pretenses sociais e administrativasfrustradas por parte da gente nobre da governana juntarmos alguns ou-

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  • tros indeferimentos em nvel econmico, completa-se o sentido do que-rer de um monarca que desejava ter todos os poderes e poderosos sujei-tos ao seu controle e que os pequenos o vissem como seu defensor e pro-tetor.31 Tentaram os criadores de gado fugir fiscalizao das autoridadesrgias, o que lhes permitiria um comrcio lcito ou ilcito de animais maisrentvel. Foi-lhes negado.32 Tentaram os comerciantes eliminar os mono-plios das exportaes, mormente de cortia (18).33 Receberam uma eva-siva. Quiseram ainda retornar aos pesos e medidas antigas (33). O pedi-do foi indeferido. O sim rgio era dado com critrios. Nunca a condescen-dncia devia interferir nos planos gerais do rei ou do reino.

    Dessas mesmas Cortes possumos um total de 60 captulos especiaisprovenientes dos interesses de 17 concelhos.34 Portanto o dobro dos agra-vos especiais apresentados nas anteriores Cortes de 1482. O longo espa-amento desta reunio, em relao anterior, assim o justificaria.

    Com grande generosidade o monarca defere totalmente 66,7% dospedidos, o que, juntando-lhes aqueles a que anui ainda que em parte ousob condies, perfaz o substancial montante de 86,6%, como o grfico oatesta. Indefere expressamente apenas 4 captulos e adia outros tantos. Al-canada a paz interna, acrescentando o prestgio e o proveito de um Por-tugal que crescia em frica e sonhada a concertao ibrica, D. Joo IIvia-se inclinado a favorecer os povos.

    Os captulos que visam aos problemas econmicos dos concelhospredominam, para depois se lhes seguirem os que dizem respeito admi-nistrao central e ao social e, por fim, se apresentarem os relativos ao fis-co e administrao local, o que o quadro melhor especifica.

    A crtica aos oficiais rgios no apresenta novidades em relao aoque sempre se reclamava em Cortes uma atuao das autoridades den-

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    O FINAL DA IDADE MDIA

    5 TIPOS DE RESPOSTASCORTES DE VORA DE 1490 CAPTULOS ESPECIAIS

  • tro das suas margens de competncias. Todavia verifica-se que se os exe-cutores da justia corregedores35 e juzes das sisas36 continuavam a servisados, agora so-nos maximamente os oficiais do fisco, em especial osalmoxarifes. Este, em Lagos (3), fazia casas na ribeira e no deixava espa-o para os da vila carregarem mercadorias, bem como fretava todas as ca-ravelas para irem buscar trigo em Aores e lev-lo para a frica, deixan-do os vizinhos sem nenhuma para, em seu proveito, se abastecerem detrigo (5); enquanto em Aveiro (1) tirava a cadeia para alfndega,37 e emSilves (2) vivia fora da sede do almoxarifado, o que o devia fazer perdero cargo. Tambm os oficiais dos panos delgados queriam sisar os aveiren-ses (5), mesmo nos panos que retiravam para uso de suas casas.38 E os ofi-ciais rgios de Setbal (2) faziam estranhos conluios. Depois de aos almo-creves terem sido contadas as sardinhas e pescados pelos oficiais da ribei-ra, e carregados os animais, quando iam pagar a sisa, certos oficiais, a pe-dido dos rendeiros judeus, queriam que eles declarassem, com juramen-to sobre os Evangelhos, o nmero de milheiros de sardinhas que leva-vam. Ora eles no sabiam o que levavam, salvo o que lhes fora dito peloscontadores, nem lhes parecia justo fazer juramento, estando os Evange-lhos nas mos dos infiis, pedindo portanto o respeito pelo costume.

    Uma rede burocrtica mais atuante sobre a cobrana de direitos r-gios, mormente a que provinha das transaes comerciais, deixava me-nos liberdade de manobra aos comerciantes ou at os pressionava. Aper-tava-se o cerco da fiscalidade estatal. E a fazenda no queria ver escaparos proventos de qualquer atividade. Assim se queixava Coimbra (2) deque o monteiro da mata do Boto no os deixava a matar pombos, ex-

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    6 CORTES DE VORA DE 1490CAPTULOS ESPECIAIS

    Natureza dos requerimentos Total %

    Administrao central 13 21,7

    Administrao local 7 11,7

    Social 12 20,0

    Econmico 19 31,7

    Fiscal 8 13,3

    Militar 1 1,6

    Total geral 60 100,0

    Maria Helena da Cruz Coelho

  • pondo Lagos (4) que os oficiais rgios queriam penalizar os que traziamsesmarias por aproveitar, justificando-se os povos com as guerras, fomese pestes para o no ter feito, justificao aceita pelo monarca.

    Alm das autoridades delegadas do rei, outro poder externo amea-ava pontualmente certas cidades, vilas e lugares, o dos senhores. Em ca-ptulos especiais, sintomaticamente, as queixas contra a fidalguia aumen-tam face aos gerais. Depois das mortes e perseguies dos grandes estabi-lizara-se o quadro da nobreza.39 Alguns filhos segundos das famlias tra-dicionais receberam cargos e benefcios de D. Joo II,40 outros de uma no-breza mdia e baixa sedimentaram as suas posies na clientelagem e fi-delidade ao novo monarca.41 A natural tendncia para os nobres estende-rem abusivamente os seus tentculos de poder e influncia em nvel lo-cal tende a manifestar-se. Ainda que, diga-se, exageradamente.

    A memria dos atos do duque de Bragana ainda perdurava. Bra-gana (5) expunha que o duque mandara tomar o dinheiro dos rfos,comprometendo-se o monarca a devolv-lo, se ele os havia sacado comalvar rgio.

    Lagos (1) acusava lvaro de Atade, que em doao rgia receberaa casa do sal por 12.000 reais, de no a abastecer de sal. Com o aumentoda pesca, muitos iam buscar sal em Castela, o que ficava muito caro, pe-dindo o concelho para o explorarem a partir de marinhas da zona, o que,sob certas condies, lhe ser concedido.42 Reclamava ainda (7) contra oprivilgio real concedido ao comendador de Aljezur de aposentadoria navila, para ele e sua comitiva, por 3 meses ao ano, pedindo que ele alugas-se as casas e pagasse as roupas e comida. Todavia D. Joo II indefere o pe-dido, reiterando o privilgio por 3 anos, talvez o tempo do benefcio. Jno caso de Torres Vedras (4), vila de rainhas, que se dizia lesada pelasobras do mosteiro do Varatojo e pela estadia de vrios membros da fam-lia real, rogando que as aposentadorias fossem pagas, D. Joo comprome-te-se a no dar alvars de aposentadoria para a vila durante 5 anos.

    Agravo mais genrico expe ainda Lagos (2) contra a manobra dealguns moradores se fazerem vizinhos da vila do Infante, buscando, assimo cremos, a proteo dos herdeiros desta casa, por este meio se isentandodos encargos concelhios, mas tambm dos rgios. E aqui o concelho aludeexpressamente ordem de D. Joo II para cada um fazer quatro alqueiresde biscoito para abastecer a armada que seguiu para a frica na misso deconstruir a fortaleza da Graciosa, tendo-se aqueles escusado, bem como senegaram a contribuir para a taxa concelhia que iria subsidiar os trabalhosde vinda de gua doce vila e a construo de uma gafaria, poo e posti-gos. Muito claramente o soberano afirma que s admite privilegiados aquem ele tenha agraciado, a tudo compelindo os referidos.

    Ainda uma acusao expressa faz Silves (3) contra Diogo Nunesque devia ter o provento das dzimas reais e oprimia na sua cobrana, de

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  • tal modo que os povos diziam ser isto pior que pagar as sisas em dobro.Por sua vez Lamego (3) verbera contra o conde de Marialva43 que tinhaos direitos reais da cidade e no respeitava as normas foraleiras da arre-cadao da portagem, apelando D. Joo II ao cumprimento do direitoconsuetudinrio. Arrecadar o mximo, quando os direitos reais lhes eramdoados, tornava-se um imperativo dos senhores, o que explicava todosestes abusos.

    Num quadro mais geral, Barcelos (1) d conta de bandos de fidal-gos que erravam pela vila fazendo arruaa e aterrorizando as pessoas.Precisa D. Joo II que os fidalgos moradores na vila e termo no se po-dem lanar fora, mas aos demais restringe a estadia na vila a 5 dias.

    Quando a fidalguia desempenhava altos cargos, como em Estremoz(3), na pessoa do seu alcaide-mor que era conde,44 ento os perigos tra-duzem-se em interferncia na administrao concelhia. Assim, quandohavia fugas da priso, o juiz por certo juiz de fora45 , por ordem do al-caide, mandava os vereadores tomar a chave da cadeia e guardar os pre-sos. Logo os homens bons, vexados e obrigados, negavam-se ao exercciode tais cargos. Era tambm um abuso sobre a priso do concelho, a afron-ta que a Guarda (2) aduzia contra o seu bispo, que a utilizava em vez dasua prpria, nico agravo contra a clerezia nestas Cortes.46

    A vida interna dos concelhos, do seu aparelho governativo s suasfinanas, medidas econmicas ou problemas sociais, emerge tambm emvrios agravos.

    O concelho de Silves (1) requer a liberdade de eleger em cmaracorretores, os quais lhe garantiam um melhor controle de compra e ven-da de mercadorias, o que o soberano consente at ao nmero de quatro.Em Extremoz (2) ser a voz da elite governativa que se ergue para con-denar o modo de atuar de dois aposentadores eleitos pelo povo queatroam toda a terra, pedindo logo que se escolhesse, por eleio, um dopovo e outro escudeiro, talvez assim se amoldando melhor o cargo s cli-vagens sociais existentes. Mais alto se erguem as mesma vozes (1) contraa sayoria de serem 12 homens dos mesteres a receberem as teras paraos muros e as coimas dos gados. Numa qualquer conjuntura favorvel, ha-viam os mesteres conseguido estas cobranas, que perpetuavam, fazendo-se eleger em suas casas e rodando entre si sapateiros, teceles e outros of-cios, no que, como bem sabemos, reproduziam as estratgias de poder daselites. So ainda acusados de no desempenharem os seus mesteres depoisde serem eleitos, alm de, h 18 anos, no darem conta do dinheiro arre-cadado, nem terem feito obras. Mas o seu reinado parece estar chegan-do ao fim. O monarca acede ao pedido dos governantes de Extremoz. De-termina que os cobradores fossem apenas dois, eleitos em cmara pelosjuzes e oficiais, e s deviam correr a terra por mandado dos oficiais e es-tando presente um tabelio que tudo anotasse. provvel que houvesse

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  • de fato um abuso. Mas o maior seria, sem dvida, os mecnicos terem con-seguido lugares no aparelho governativo, e sobremaneira de cobrana,numa poca em que por todas as Cortes se atravessavam as vozes das eli-tes dirigentes contra a intromisso dos mesteres na governana.

    Outros grupos sociais interferiam com a administrao concelhia.Assim, em Torres Vedras (1), uns quantos que se queriam privilegiados besteiros da cmara e do conto, moedeiros e ainda jugadeiros e caseirosdo clero ou fidalguia escusavam-se dos encargos concelhios, no que omonarca no consente. Aqui advogava-se com privilgios. Noutros casoscom distncia. Os homens do termo, que viam nos oficiais da sua sedeapenas dominncias e no esperavam haver por eles defendidos os seusinteresses nas mais altas instncias, negavam-se a contribuir para as fin-tas que os concelhos lanavam a fim de custearem os procuradores sCortes. Assim o declarava Braga (1), enumerando os termos que deseja-va ver compelidos, e Lamego (1), que pretendia estender este encargomesmo a todo o almoxarifado, ou, pelo menos, aos concelhos duas lguasem redor, dos quais se sentia cabea. E daqui ressaltam claramente as pre-ponderncias de alguns concelhos mais poderosos em face de outros quegravitavam na sua rbita, como o jogo de influncias e presses dos ho-mens da cidade sobre os do termo.

    E perante esta real situao vivida, por vezes h acordos, outras ve-zes enganos. Com os homens do termo o concelho de Bragana havia fei-to um pacto (3) no serviam nos encargos concelhios, remindo essaobrigao com o pagamento de 4 alqueires de centeio anuais. Mas eramtambm esses mesmos homens (6), talvez com um certo poder econmi-co, que se conluiavam com alguns amigos e nas suas casas citadinas ven-diam as mercadorias para no pagar sisa, iseno de que s deviam des-frutar os que tinham casa prpria na cidade.

    Todos queriam fruir das liberdades concelhias, poucos desejavam,todavia, suportar as obras comuns e as finanas locais, buscando escusas,como j vimos no caso particular das despesas extraordinrias dos procu-radores s Cortes. Alm de que a interseo entre finanas internas e fis-calizao estava sempre presente.

    Justamente o concelho de Bragana (3), que recebia dos homens dotermo os quatro alqueires de centeio, que os isentava dos encargos, acusa-va o juiz dos resduos de lhe querer levar a tera desse po para as obras, oque no lhe parecia justo e o monarca assim o corrobora porque no setratava de uma renda permanente de concelho. Tambm Guimares (1),com a escassa renda de 4.000 reais, que, como dizia, gastava toda na festado Corpo de Deus, pusera um imposto de 1 ceitil por canada, no vinho ata-bernado da vila e termo, rogando ao monarca que, dos 10.000 ou12.000 reais que estimavam poder arrecadar, no pagasse o tero, pois j ti-nha de dar 2.000 reais para o relego, no que tambm D. Joo II concorda.

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  • A tera era pesado tributo a solver coroa. No poucas vezes se er-gue, ento, a voz dos concelhos para rogar ao soberano que a mesma fi-que no concelho para servir s obras comuns. Nestas Cortes pediram-noAveiro (4), Coruche (1), Setbal (1) e Torres Vedras (2). D. Joo II defe-re caso a caso, talvez com conhecimento das situaes concretas. Conce-de iseno por 5 anos a Aveiro e Coruche e nega-a aos outros dois con-celhos. Igualmente dura para os vizinhos era a contribuio para os pedi-dos, sobretudo porque a sua cobrana dava motivo muitas vezes a exces-sos. Logo o concelho de Bragana (7) quer ser declarado como pago dos8.000 reais da sua parte no pedido dos 50 milhes. Por sua vez Aveiro (6)diz haver um saldo, na anterior percepo do pedido de 40 milhes queagora desejava ver descontado na cobrana deste.

    Um governo concelhio atento devia zelar pelo que se arrecadava e sepagava. Igualmente devia ser dinmico na defesa dos interesses econmicosprprios, penhor da riqueza local. Conforme os contextos, ouvimos ento pe-didos que tentam valorizar o comrcio, a criao de gado ou a agricultura.

    No que s transaes diz respeito no se queriam perder, em primei-ro lugar, as liberdades foraleiras e depois os tributos legais que sobre asmesmas impendiam e alguns, fraudulentamente, procuravam ludibriar.Fosse vendendo fora da cidade como fazia uns quantos que comerciavamsal e pescado pelos termos de Aveiro (2), fosse trazendo os bens para a sededo concelho, a fim de se aproveitar das isenes a praticadas, como agiamos de Bragana. Desejavam os concelhos ter lugares de venda cativos e pri-vilegiados. Barcelos (2) queria um mercado mensal, onde os do termo fos-sem obrigados a ir comerciar. Lamego (2) pedia a iseno da sisa por 15dias para a sua feira. A ambos os pedidos acede o monarca.

    E para que o comrcio interno fosse uma realidade, era preciso ha-ver produtos. Que deviam ser importados quando faltavam. Que se que-riam defendidos com prioridades de venda. Por isso Lagos (6) deseja al-canar e consegue-o a liberdade de ir buscar trigo ao Norte da frica,a Mazago e Casa do Cavaleiro, onde ele barato, pois, como argumen-ta, se os catelhanos assim o faziam, mais lhe parecia razovel que tambmeles o pudessem ir buscar. Como no queriam que os pescadores da vilavendessem toda a sardinha aos castelhanos (8), o que estes faziam at aum preo mais barato,47 mas antes exigiam que a trouxessem vila poresse mesmo preo, para depois servir de moeda de troca com os almocre-ves que at a acarretavam o trigo.

    Prioridade de venda, sem concorrncia, se requeria para o vinhoque devia abundar e, no sendo de boa qualidade, podia azedar antes dedar quaisquer lucros. Coimbra (1) pretende que lhe respeitem os 4 meses maio, junho, julho e agosto em que os vizinhos tinham direito ven-da. E tambm este concelho, de uma artificiosa maneira, pede a defesa do

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  • comrcio do azeite, a sua outra riqueza. Queria manter as suas medidasprprias, maiores que as dos demais concelhos, o que no incentivava osvizinhos a compr-lo no exterior. Outros concelhos acusavam a concor-rncia do vinho de fora, que essencialmente era comprado pelos estalaja-deiros, tanto em Bragana (4), como na Guarda (1), que se viram seve-ramente acusados.

    Mas a defesa da agricultura tinha outras frentes, sendo a princi-pal o conflito com a caa e criao de gado. Coimbra (3) pede assim ainterdio da caa s codornas, nos milhos. Bragana (2), porque ter-ra de lavras, pretende ter uma rea coutada onde, sem danos, possacriar os bois, porque na indissolubilidade do binmio animal-terra, denenhum pode prescindir. Mas a rivalidade gado-agricultura por vezesdifcil de gerir. Assim em Elvas, que apresenta quatro captulos a fim demorigerar os abusos que os animais faziam nas vinhas e olivais, sentin-do-se o peso dos criadores, mais ricos e poderosos, em face dos agricul-tores. Ou, sejamos cautelosos, estava o discurso a ser proferido por la-vradores que enegreciam o quadro? A seu lado se coloca, porm, o mo-narca, deferindo todos os pedidos. E eram precisamente esses criadoresque no desejavam ver anualmente o seu gado arrolado pelo alcaide dassacas, como o clamava Miranda do Douro (2). Expunha que, em tal cir-cunstncia, no se entrava em linha de conta com aquele que morria ouo lobo comia, mas no escondia que tambm podia ser vendido a pas-sadores, embora para tal pedisse penas. No foi o monarca sensvel aosargumentos e indeferiu o pedido.

    Castela era, para as terras fronteirias, ora uma ameaa, ora umaoportunidade. Nada melhor, nestes lugares afrontados, do que a bilatera-lidade no agir. Logo expe Olivena (2) que os castelhanos deviam poderlevar para a sua terra metade do trigo que aqui cultivavam, j que o mes-mo era facultado aos portugueses que trabalhavam, em Castela, o que D.Joo II permite por 3 anos.

    Finalmente, em dois captulos, os concelhos fazem eco das suaspreocupaes com a sade pblica. Coimbra (4) queria ver todos os seushospitais num s, at para evitar que s custas dele mais se suportassemos provedores que os pobres. Tal pedido estava em perfeita consonnciacom a poltica rgia, prontificando-se D. Joo II a escrever ao bispo paraque se cumprisse. Olivena (4) tinha outro problema um judeu gafo,que era siseiro, andava por entre os cristos cobrando a sisa. Quase pode-ramos dizer dois males num s homem. Mas para a difuso da doen-a, pelo contgio, que o concelho apela para o afastar. E o soberano cor-robora-o, numa resposta lmpida e direta se he gafo nom h por queande nem estee na villa comversando com os saaos, a que esta enfirme-dade he oudyosa.

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  • No jogo do pedir e do dar, j lugar comum afirmar-se que pesamos argumentos. Expostas ficaram j muitas das razes que invocaram ospovos ou das fundamentaes que aliceraram a resposta rgia.

    Mas vale a pena ainda realar alguns pormenores. Pondo em evi-dncia, no pedir, Coimbra, aquele concelho que esgrime mais sistemati-camente com um filosofia argumentativa. Se pugna por ver respeitadauma sua liberdade expe que as mercees feitas sem o feito nam aprovei-tam.48 Se quer acesso caa numa mata, lembra que cada anno (ela)pasa e vem pera soportamento e mantymento da dicta cydade e comar-ca; todavia se a deseja impedir em terras de lavoura, logo aduz que asnovidades e fruitos per que se toda a gente governa e mantem, a princy-pall he a do pam que he de conservar e nam de destruir.49 E, finalmen-te, se almejava ver respeitadas as suas medidas de azeite, recordava queas cidades e villas de vosos reynos damtygamente usarom antre sy fazerposturas e vereaaom e medidas segundo sentyam que era mais proveitoda terra e bem commum a seu viver.50

    Uma boa argumentao no deixaria por certo insensvel o julga-dor. Coimbra tudo viu deferido, at mesmo o candente problema das me-didas, ainda que as requeridas no fossem de po ou vinho, sobre as quaiso monarca j legislara em captulos gerais.

    A destacar, por fim, um argumento de crtica interna, por parte doconcelho de Miranda do Douro. Crtica a uma elite dirigente ou, mais ge-nericamente, a expresso de uma culpabilidade coletiva. Assim, quandorefere que o corregedor no respeita os homiziados, prendendo-os, dizque ele assim age, por um lado porque eles so pobres e no entendemnem sabem requerer o seu direito, mas por outro por o concelho ser fro-xo e doer lhe pouco o mall alheo pera escusar estes ynnocentes.51 Pedi-r e obter um couto de homiziados privilegiados, como o de Freixo deEspada Cinta, para a terra melhor se povoar.

    D. Joo II, como dissemos, deferiu quase 90% dos captulos espe-ciais da Cortes de 1490. Mas sobremaneira norteou-se por uma polticanas suas decises. D provas evidentes de que segue um programa gover-nativo. As Cortes servem-lhe para o dar a conhecer aos povos em discur-so e em ato. Sem perder a oportunidade de, neste contato direto com oTerceiro Estado, poder ser tambm o senhor da graa, do privilgio, favo-recendo uma parte qualquer que, pela razo ou corao, lhe parecessemerecer o benefcio.

    Na generalidade as suas respostas so um espelho de clareza, obje-tividade e sensatez. Exige o respeito pelas ordenaes do reino e pelos ca-ptulos gerais j resolvidos em Cortes. Em alguns casos defere tempora-riamente, como que pondo prova, tanto a sua deciso como o compor-tamento dos povos. A experincia parece j ser a madre de todas as cou-sas. Chega, em alguns casos, a dar mais do que o pedido.

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  • Pontualizemos.Merece-lhe a fiscalidade uma particular ateno deliberativa, cns-

    cio de que no pode lesar o errio rgio nem to pouco agravar dema-siado os seus sditos. Vejamos o caso especfico das teras.

    Torres Vedras diz ser um concelho de pouca renda, pedindo entoa tera para fazer perante seus encargos. No o pode o monarca aceitar porque a tera se nam deve dar a nynguem por ser cousa de bem com-mum. Mas, senhor da graa e cabea que dirige o corpo social do reino,acrescenta se houver alguma outra renda com que possa ajudar, pron-tificar-se- a faz-lo, e porventura o concelho abrisse as vrzeas poderiada colher rendas, que desde j se comprometia a no onerar com a ter-a. Parece-nos, de todo, completa esta resposta em nome de uma lei ge-ral, nega; a bem do local, promete e incentiva, mas de uma forma mui-to precisa, garante de uma concretizao.

    Sabe que D. Joo II necessita dos pedidos. Mas no desconhece queessas remessas so fardo que agrava o j difcil cotidiano dos povos. As-sim, numa ponderada deciso, consente que Aveiro no se lanasse emobras no ano de 1490, como lhe havia ordenado o corregedor, para se re-fazer do contributo que coroa tinha de versar.

    Tal como j o pressentimos para os captulos gerais, tambm nestesespeciais parece estar ao lado dos estratos sociais que mais necessitam deapoio. Agora, sobremaneira, os lavradores diante dos criadores de gado,como referimos. E para sustentar um Portugal moderno, aberto a vian-dantes e mercadores, sabia que eram imprescindveis as estalagens, pelasquais sempre pugnaram os mais esclarecidos governantes, a saber o re-gente D. Pedro. Logo, quando os concelhos se erguem em clamores con-tra os estalajadeiros, D. Joo II afirma que no so de vedar as estala-gens, mas apenas os abusos dos estalajadeiros, enumerando-os um a umpara os condenar.52 De novo o sentido do particular no o faz perder a vi-so ampla do bem geral.

    No quer ver cometidos erros por ignorncia ou a coberto da igno-rncia. Queixando-se Bragana dos exageros dos requeredores de Ceutas,manda que se cumpra o regimento antigo e que os oficiais o leiam parano poderem ser enganados, exigindo das partes plena conscincia dosfatos.53 As cobranas so para se cumprirem, mas no para se ultrapassa-rem, tantas vezes em proveito dos prprios cobradores.

    Finalmente chega a conceder mais que o requerido. Guimaresqueria iseno da tera para certo imposto concelhio que estava lanan-do novamente. Essa graa dada a ele e ainda a renda do verde e outrassemelhantes, se as houvesse.

    D. Joo II no ter desiludido os seus concelhos. Se a poltica joa-nina se delineou sem compromissos sociais,54 segundo um plano pessoaldo monarca, ela serviu os interesses do Terceiro Estado.

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  • A presso da fidalguia sobre os povos aliviou-se. A guerra entrePortugal e Castela acabara, abrandando o jugo frreo dos pedidos. A ma-nuteno das praas marroquinas e a expanso pela costa africana exi-giam sacrifcios de pessoas e de dinheiro, mas ofereciam mais postos deabastecimento e aumentavam os locais e produtos para o comrcio. Aburguesia conhecia novos e promissores negcios. O renovado dinamis-mo econmico de Portugal prometia melhores condies de vida. Todos abuscariam. Assim os mesteirais ou filhos de lavradores, a quem o monar-ca no nega essa ascenso.

    D. Joo II recusava-se ao livre arbtrio e ao favorecimento de unsquantos. A lei e a grei por que se pautava serviam os interesses do Tercei-ro Estado. Aps o duro perodo de governo do Africano, os concelhos es-peravam o Messias. Cremos poder afirmar que, pelo menos durante al-gum tempo do reinado de D. Joo II, os concelhos acreditaram que oMessias, a um tempo poderoso e protetor, havia chegado.

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  • NOTAS1. Leia-se, sobre este tema, a sntese de COELHO, M. H. da C. O peso dos privilegiados emPortugal. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE HISTRIA, EL TRATADO DE TORDESIL-LAS Y SU POCA, I, 1995, Madrid. p.291-314.

    2. Estas Cortes foram j largamente estudadas, pelo que para alguns estudos mais atualiza-dos remetemos o leitor, neles se encontrando, alis, referncia bibliografia anterior. Assim,e seguindo uma ordem cronolgica, veja-se a primeira parte, da responsabilidade da primei-ra autora, do artigo de GOMES, A. A. A., COSTA, R. As Cortes de 1481-1482: uma aborda-gem preliminar. Estudos Medievais Porto, 1983-1984, p.151-79, em que se aborda o conte-do dos captulos gerais e as respectivas deliberaes rgias. Consulte-se depois a obra maiscompleta sobre captulos gerais de Cortes de SOUSA, A. de, 1990. 2v., que no primeiro vo-lume, entre as pginas 420-6, refere-se aos aspectos formais das mesmas, para no segundovolume, entre as pginas 445-87, dar-nos o resumo dos seus 172 captulos e o teor das res-postas do monarca. Finalmente tambm MENDONA, M. D. Joo II: um percurso humano epoltico nas origens da modernidade em Portugal. Lisboa: Estampa, 1991. p.195-249, estuda aspreliminares da convocao e abertura destas Cortes, bem como analisa os assuntos dos ca-ptulos gerais e respostas do monarca. O nosso estudo indicar, basicamente, sobre os cap-tulos especiais das Cortes de 1482, nicos que nos chegaram, e at agora no estudados, eas Cortes da vora 1490, quer nos seus captulos gerais, quer nos especiais, estes ltimostambm no analisados at o momento.

    3. Veja-se em CHAVES, . L. de. Livro de Apontamentos (1438-1489). Cdice 443 da ColecoPombalina da B. N. L., introduo e transcrio de SALGADO, A. M., SALGADO, A. J. Lis-boa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1984; o discurso de LUCENA, V. F. de. A forma dasmenagens, a planta das Cortes e o instrumento das Cortes, nas folhas 10 v., 40v.-51.

    4. PINA, R. de Chronica del-rei Dom Joo II. In:___. Crnicas de Rui de Pina. Porto: Lello &Irmo-Editores, 1977. cap.V. (Introduo e reviso de Almeida, M. L. de).

    5. Estes valores foram calculados a partir da obra de Armindo de Sousa.

    6. O estudo desenvolvido do contedo destes captulos especiais, dos grupos sociais e pes-soas neles visados, bem como das respostas rgias compreende a Segunda parte, da respon-sabilidade da segunda autora, do artigo citado de ANDRADE, A. A., GOMES, R. C. As Cor-tes de 1481-1482: uma abordagem preliminar. p.181-212.

    7. Cortes comeadas em novembro e terminadas antes do Natal desse mesmo ano de 1482(Armindo de Sousa, op. cit., p.426-29).

    8. SOUSA, A. de, op. cit., p.426-29, refere-se aos aspectos formais de reunio destas Cortes,bem como o faz MENDONA, M., op. cit., p.249-53, mas nenhum dos referidos autores sedebrua sobre a anlise dos captulos especiais.

    9. Discriminando, so: 3 captulos de Faro (TT Odiana, liv. 2, f. 270); 1 de Guimares (TT-Alm Douro, liv. 4, f. 241); 7 de Loul (TT Chanc. D. Joo II, liv. 23, f. 106-7; Odiana, liv.2, f. 50-50v); 1 de Monforte (TT Chanc. D. Joo II, liv. 23, f. 20); 4 de Olivena (TT Odia-na, liv. 2, f. 192-4); 1 de Pinhel (TT Beira, liv. 1, f. 158v-159); 2 de Ponte de LIMA (tt Alm Douro, liv. 3, f. 140v-141); 1 de Serpa (TT Odiana, liv. 2, f. 192); 1 de Silves (TT Odiana, liv. 2, f. 297v-298); 8 de Vila Viosa, de que no se conhecem as respostas rgias(TT Corpo Cronolgico, parte II, m. 1, doc. 40); 1 de Viseu (TT Chanc. D. Joo II, liv. 25,f. 38v). Doravante dispensar-nos-emos de citar as cotas dos documentos, mas identificare-mos os artigos pelo concelho e seu nmero de ordem.

    10. Tenha-se em conta que utilizando nos trabalhos de outros autores para as Cortes de Evo-ra de 1481-1482 e para os captulos gerais das de vora de 1490 pode haver algum defasa-mento na anlise da natureza dos artigos, bem como na classificao das respostas rgias,entre a classificao a apresentada e a nossa.

    11. S no estiveram Monforte, Olivena, Pinhel, Serpa e Vila Viosa.

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  • 12. Por certo Rodrigo Afonso de Melo, casado com D. Isabel de Meneses, conde de Oliven-a desde 1476 e falecido em 1487 (FREIRE, A. B. Brases da Sala de Sintra. 2.ed. Coimbra:Imprensa da Universidade, 1930. liv. III, p.324-25).

    13. Sobre a formao da Casa de Bragana e a dimenso do seu real poder em terras, direi-tos, jurisdies e homens, leia-se o estudo de CUNHA, M. S. da Linhagem, Parentesco e Poder.A casa de Bragana (1384-1483). Lisboa: Fundao da Casa de Bragana, 1990.

    14. SOUSA, A. de, op. cit., v.I, p.429-30, resume os aspectos formais da convocao destasCortes, para no volume segundo, a pginas 488-99, nos fornece o resumo dos seus captu-los gerais e respostas rgias, por aqui tendo ns quantificado estas, na elaborao do grfi-co. No entanto, para uma anlise qualitativa mais pormenorizada, consultamos como fon-te, ainda que secundria, os cdices 694 e 696 dos Manuscritos de Joo Pedro Ribeiro, quese encontram na Seco de Manuscritos da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra.Os mesmos captulos gerais destas Cortes foram estudados por MENDONA, M., op. cit.,p.412-35, nas suas temticas e respostas rgias, bem como nas continuidades ou diferenasem relao s de 1481-1482.

    15. O nmero exato de deferimentos (totais, parciais ou condicionais) de 59,6%, de inde-ferimentos 29,80 % e de evasivas, adiamentos ou no inovaes de 10,6%.

    16. Sobre estes ver agravos 4, 7, 10, 23, 30, 31, numerao do volume segundo a obra cita-da obra de Armindo de Sousa.

    17. Agravo 8.

    18. Agravos 2,11,27,39.

    19. Agravos 15 e 47.

    20. apenas evasivo no captulo 30 sobre a manuteno dos desembargadores e suas obri-gaes.

    21. Assim no caso da alada do direito de asilo das igrejas (17).

    22. Indefere um pedido de habeas corpus, enquanto durassem as inquiries devassas (45).

    23. Resposta evasiva recebe a pretenso de se punirem os almoxarifes e rendeiros do rei pelavenda dos bens desses rendeiros abaixo do seu valor, e no os compradores dos mesmos.

    24. Expunham os povos que, por essa razo, os fidalgos tinham as suas filhas com homemnom seu igual ou coloc-las como freiras. Pedem que os dotes fossem 1.000 cruzados deouro e as arras 1/3 e quem o no fizessem perdesse tudo para outros filhos, irmos ou pa-rentes mais chegados que assim casasse, segundo se fazia em Florena, Siena e por toda aItlia. Mas D. Joo II responde que lhes agradece a boa vontade com que se moverom aesto apontar peroo que nom he cousa em que possa dar determinaom (BGUC Col. DeManuscritos de Joo Pedro Ribeiro, cd. 696, p.148-249).

    25. Pediam isto para os lavradores, sob pena de aoites e degredo para as ilhas, e perda dosbens dos oficiais mecnicos que os ensinassem. A resposta rgia , porm, do seguinte teor:nom pedem beem, pois o officio da lavoira he digno de favorizar e nom pera agravar vistaa necessidade delles no regno, e como se nom pode tolher a cada huum de trabalhar pormais valler e de trabalhar por isso. Logo, o monarca desejava lavradores que gostassem doseu trabalho, e que no se sentissem manietados quanto aos seus filhos (BGUC Col. DeManuscritos de Joo Pedro Ribeiro, cd. 696, p.259-61).

    26. De fato, as Ordenaes Afonsinas liv. 5, tt. 101, interditavam tal profisso aos homens, sobpena de priso e aoites em pblico. Aqui os povos alegavam que eles faziam o mel caro, eque, ao v-los, os meninos choravam, pressionando os pais compra de alfloa, alm deque ainda ensinavam maus vcios de cartas e dados. O monarca no probe a profisso masexige que nom joguem dados (BGUC Col. De Manuscritos Joo Pedro Ribeiro, cd. 696,p. 270-1).

    27. D. Joo II permite que sejam rendeiros das sisas, a qual tirada por cristos ainda seriapior, interditando-lhes, todavia, serem rendeiros dos mestrados ou igrejas, e de desempe-nharem ofcios ou serem feitores (BGUC Col. De Manuscritos de Joo Pedro Ribeiro, cd.696, p.242-4).

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    Maria Helena da Cruz Coelho

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    28. Mas, neste caso, os judeus tinham o conluio de alguns cristos que lhes compravam osescravos convertidos. Ora D. Joo II interdita aos judeus a compra de mouros e mouras daGuin, mas deixa-os possuir escravos brancos. E se algum escravo se fizesse cristo ficavaforro, e nenhum cristo poderia dizer que era seu (BGUC Col. De Manuscritos de Joo Pe-dro Ribeiro, cd. 696, p.279-81).

    29. Assim quis controlar a eleio para os oficiais concelhios, desejando ver e interferir napauta dos elegveis, sobretudo nas principais cidades, como Lisboa e vora (MENDONA,M., op. cit., p.314-18). No abdicou de nomear dezessete juzes de fora e de dar corregedo-res s comarcas do reino (op. cit., p.365-73). E alm disso deu provimento a um nmero as-saz considervel de outros oficiais de justia juzes e escrives das sisas e juzes e escrivesdos rfos , da fazenda em especial oficiais da alfndega (almoxarife, escrivo, juz