História parlendas

6
História com parlendas Um dia eu saí pelo mundo, caminhando sem eira nem beira, e, bem no meio da estrada, encontrei um bando de amigos que riam e brincavam juntos, repetindo palavras em conjunto... Vamos passear na floresta Enquanto seu lobo se apronta. Está pronto, seu lobo? Não, estou tomando banho Vamos passear na floresta Enquanto seu lobo se apronta. Está pronto, seu lobo? Não, estou penteando o cabelo. Vamos passear na floresta Enquanto seu lobo se apronta. Está pronto, seu lobo? Eu quis participar da brincadeira e recitei: Batatinha quando nasce... Espalha a rama pelo chão. Menininha quando dorme... Põe a mão no coração. Eles gostaram do meu versinho e me convidaram para seguir caminho. Fomos andando devagarinho, recitando bem baixinho...

Transcript of História parlendas

Page 1: História   parlendas

História com parlendas

Um dia eu saí pelo mundo, caminhando sem eira nem beira, e, bem no meio da

estrada, encontrei um bando de amigos que riam e brincavam juntos, repetindo

palavras em conjunto...

Vamos passear na floresta

Enquanto seu lobo se apronta.

Está pronto, seu lobo?

Não, estou tomando banho

Vamos passear na floresta

Enquanto seu lobo se apronta.

Está pronto, seu lobo?

Não, estou penteando o cabelo.

Vamos passear na floresta

Enquanto seu lobo se apronta.

Está pronto, seu lobo?

Eu quis participar da brincadeira e recitei:

Batatinha quando nasce...

Espalha a rama pelo chão.

Menininha quando dorme...

Põe a mão no coração.

Eles gostaram do meu versinho e me convidaram para seguir caminho. Fomos

andando devagarinho, recitando bem baixinho...

Um, dois, feijão com arroz.

Três, quatro, feijão no prato

Cinco, seis chegou minha vez.

Sete, oito, comer biscoito.

Nove, dez, comer pastéis.

Page 2: História   parlendas

De repente, passou um homem correndo. Levei um susto quando ouvi alguém

dizendo:

Rei

Capitão

Soldado

Ladrão

Menino

Menina

Macaco

Simão

De repente o homem sumiu e, subitamente chegamos numa casa diferente,

onde tudo parecia infreqüente. Pensei que tinha ficado até doente. Senti tanto

sono que perdi a fome e até esqueci meu nome. Mas quando eu quis

adormecer, me mandaram obedecer, declamando:

Hoje é domingo,

Pé de cachimbo.

Cachimbo é de barro,

Bate no jarro,

O jarro é de ouro,

Bate no touro.

O touro é valente,

Bate na gente.

A gente é fraco,

Cai no buraco.

O buraco é fundo

Acabou-se o mundo.

Eu lhes disse que estavam errados, que aquilo era esquisitice, porque o

domingo nem tinha chegado e então disse:

O tempo perguntou para o tempo

Quanto tempo o tempo tem.

Page 3: História   parlendas

O tempo respondeu para o tempo

Que o tempo tem tanto tempo

Que nem o tempo poderá dizer

Quanto tempo o tempo tem.

Ninguém me ouvia, ninguém me compreendia. Era hora do jantar, ninguém

queria saber de esperar. E a cozinheira, em seu lugar, só sabia provocar:

Cadê o toucinho que estava aqui?

O gato comeu.

Cadê o gato?

Foi pro mato.

Cadê o mato?

O fogo queimou.

Cadê o fogo?

A água apagou.

Cadê a água?

O boi bebeu

Cadê o boi?

Foi carrear trigo.

Cadê o trigo?

A galinha comeu.

Cadê a galinha?

Foi botar ovo.

Cadê o ovo?

O padre bebeu.

Cadê o padre?

Foi celebrar a missa.

Cadê a missa?

O povo ouviu.

E cadê o povo?

Page 4: História   parlendas

Estão por aí... Ouvi a cozinheira... me deu fome. Sentei-me a mesa e pedi um

salgado, mas eles só tinham um feijão aguado. Pedi doce, como se nada fosse,

dizendo-lhes assim:

Um dia, o doce perguntou ao doce

Qual era o doce mais doce

E o doce respondeu ao doce

Que o doce mais doce

É o doce de batata doce.

Estranhei minhas próprias palavras: será que estava ficando maluca? Ou tinha

virado biruta? Será que estava ficando chata? Eles riram de mim e cantaram

assim:

No morro chato

Tem uma moça chata

Com um tacho chato na cabeça.

Moça chata, esse tacho chato é seu?

Fiquei brava, fiquei tonta, mas quando vi, já tinha dito estas palavras:

Quem cochicha

O rabo espicha

Come pão com lagartixa.

Quem escuta

O rabo encurta

Quem reclama

O rabo inflama

Come pão

Com taturana.

Vocês são birutas e eu estou cansada, protestei. Por que essa bagunça? E

eles me responderam:

Meio dia

Page 5: História   parlendas

Macaco assobia

Panela no fogo

Barriga vazia.

Eu já tinha virado uma onça. E quando eu ia lhes dizer que não era louca, abri

a boca e percebi que já estava saindo bobagem feita por uma cabeça oca...

Lá em cima do piano

tem um copo de veneno.

Quem bebeu morreu,

Quem saiu fui eu.

Então pensei que eles fossem brigar, que fossem reclamar, mas eles gostaram

muito da minha fala atrapalhada e eu só ouvi um montão de gargalhada.

Ganhei um doce de presente com um bilhetinho que dizia:

Entrou por uma porta,

Saiu pela outra.

Quem quiser

Que conte outra.

E agora, meus amigos? Quem será que inventou tanta maluquice? Será que fui

eu mesma? Será que foram meus avós? Ou bisavós? Aqui no Brasil, na África,

Na Espanha ou em Portugal?

Bem seja lá qual for a melhor resposta, uma coisa é certa: Parlenda é prova de

que, para brincar, basta inventar, com palavras, com carinho, com imaginação.

E isso é coisa que toda criança, em qualquer parte do mundo , já nasce

sabendo.

(História adaptada do livro “O jogo das Parlendas”, Heloisa Prieto)