História geral da Africa, I: metodologia e pré-história da África; 2010

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Comitê Científico Internacional da UNESCO para Redação da História Geral da África HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA I Metodologia e pré-história da África EDITOR J. KI-ZERBO UNESCO Representação no BRASIL Ministério da Educação do BRASIL Universidade Federal de São Carlos

Transcript of História geral da Africa, I: metodologia e pré-história da África; 2010

  • Comit Cientfico Internacional da UNESCO para Redao da Histria Geral da frica

    HISTRIA GERAL DA FRICA IMetodologiae pr-histria da fricaEDITOR J. KI-ZERBO

    UNESCO Representao no BRASILMinistrio da Educao do BRASILUniversidade Federal de So Carlos

  • HISTRIA GERAL DA FRICA I

    Metodologia e pr histria da frica

    Comit Cientfico Internacional da UNESCO para Redao da Histria Geral da frica

  • Coleo Histria Geral da frica da UNESCO

    Volume I Metodologia e pr-histria da frica (Editor J. Ki-Zerbo)

    Volume II frica antiga (Editor G. Mokhtar)

    Volume III frica do sculo VII ao XI (Editor M. El Fasi) (Editor Assistente I. Hrbek)

    Volume IV frica do sculo XII ao XVI (Editor D. T. Niane)

    Volume V frica do sculo XVI ao XVIII (Editor B. A. Ogot)

    Volume VI frica do sculo XIX dcada de 1880 (Editor J. F. A. Ajayi)

    Volume VII frica sob dominao colonial, 1880-1935 (Editor A. A. Boahen)

    Volume VIII frica desde 1935 (Editor A. A. Mazrui) (Editor Assistente C. Wondji)

    Os autores so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidos neste livro, bem como pelas opinies nele expressas, que no so necessariamente as da UNESCO, nem comprometem a Organizao. As indicaes de nomes e apresentao do material ao longo deste livro no implicam a manifestao de qualquer opinio por parte da UNESCO a respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade, regio ou de suas autoridades, tampouco da delimitao de suas fronteiras ou limites.

  • Comit Cientfico Internacional da UNESCO para Redao da Histria Geral da frica

    HISTRIA GERAL DA FRICA IMetodologia e pr histria da fricaEDITOR JOSEPH KIZERBO

    Organizaodas Naes Unidas

    para a Educao,a Cincia e a Cultura

  • Histria geral da frica, I: Metodologia e pr -histria da frica / editado por Joseph Ki -Zerbo. 2.ed. rev. Braslia : UNESCO, 2010.

    992 p.

    ISBN: 978-85-7652-123-5

    1. Histria 2. Pr histria 3. Historiografia 4. Mtodos histricos 5. Tradio oral 6. Histria africana 7. Culturas africanas 8. Arqueologia 9. Lnguas africanas 10. Artes africanas 11. Norte da frica 12. Leste da frica 13. Oeste da frica 14. Sul da frica 15. frica Central 16. frica I. Ki -Zerbo, Joseph II. UNESCO III. Brasil. Ministrio da Educao IV. Universidade Federal de So Carlos

    Esta verso em portugus fruto de uma parceria entre a Representao da UNESCO no Brasil, a Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade do Ministrio da Educao do Brasil (Secad/MEC) e a Universidade Federal de So Carlos (UFSCar).

    Ttulo original: General History of Africa, I: Methodology and African Prehistory. Paris: UNESCO; Berkley, CA: University of California Press; London: Heinemann Educational Publishers Ltd., 1981. (Primeira edio publicada em ingls).

    UNESCO 2010 (verso em portugus com reviso ortogrfica e reviso tcnica)

    Coordenao geral da edio e atualizao: Valter Roberto SilvrioPreparao de texto: Eduardo Roque dos Reis FalcoReviso tcnica: Kabengele MunangaReviso e atualizao ortogrfica: Cibele Elisa Viegas AldrovandiProjeto grfico e diagramao: Marcia Marques / Casa de Ideias; Edson Fogaa e Paulo Selveira / UNESCO no Brasil

    Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO)Representao no BrasilSAUS, Quadra 5, Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9 andar70070-912 Braslia DF BrasilTel.: (55 61) 2106-3500Fax: (55 61) 3322-4261Site: www.unesco.org/brasiliaE-mail: [email protected]

    Ministrio da Educao (MEC)Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade (Secad/MEC) Esplanada dos Ministrios, Bl. L, 2 andar70047-900 Braslia DF BrasilTel.: (55 61) 2022-9217Fax: (55 61) 2022-9020Site: http://portal.mec.gov.br/index.html

    Universidade Federal de So Carlos (UFSCar)Rodovia Washington Luis, Km 233 SP 310Bairro Monjolinho13565-905 So Carlos SP BrasilTel.: (55 16) 3351-8111 (PABX)Fax: (55 16) 3361-2081Site: http://www2.ufscar.br/home/index.php

    Impresso no Brasil

    http://www.unesco.org/brasiliamailto:[email protected]://portal.mec.gov.br/index.htmlhttp://www2.ufscar.br/home/index.php

  • VSUMRIO

    Apresentao ...................................................................................VIINota dos Tradutores .......................................................................... IXCronologia ....................................................................................... XILista de Figuras ............................................................................. XIIIPrefcio ..........................................................................................XXIApresentao do Projeto ..............................................................XXVIIIntroduo Geral ......................................................................... XXXI

    Captulo 1 A evoluo da historiografia da frica.................................... 1Captulo 2 Lugar da histria na sociedade africana ................................ 23Captulo 3 Tendncias recentes das pesquisas histricas africanas e

    contribuio histria em geral .......................................... 37Captulo 4 Fontes e tcnicas especficas da histria da frica

    Panorama Geral ................................................................... 59Captulo 5 As fontes escritas anteriores ao sculo XV ........................... 77Captulo 6 As fontes escritas a partir do sculo XV ............................ 105Captulo 7 A tradio oral e sua metodologia ..................................... 139Captulo 8 A tradio viva ................................................................... 167Captulo 9 A Arqueologia da frica e suas tcnicas. Processos de

    datao ............................................................................... 213

    SUMRIO

  • VI Metodologia e pr -histria da frica

    Captulo 10 Parte I: Histria e lingustica ............................................ 247 Parte II: Teorias relativas s raas e histria da frica.... 283Captulo 11 Migraes e diferenciaes tnicas e lingusticas .............. 295Captulo 12 Parte I: Classificao das lnguas da frica ....................... 317 Parte II: Mapa lingustico da frica ................................. 337Captulo 13 Geografia histrica: aspectos fsicos .................................. 345Captulo 14 Geografia histrica: aspectos econmicos ......................... 367Captulo 15 Os mtodos interdisciplinares utilizados nesta obra ......... 387Captulo 16 Parte I: Quadro cronolgico das fases pluviais e glaciais

    da frica ........................................................................... 401 Parte II: Quadro cronolgico das fases pluviais e glaciais

    da frica ........................................................................... 417Captulo 17 Parte I: A hominizao: problemas gerais ......................... 447 Parte II: A hominizao: problemas gerais ....................... 471Captulo 18 Os homens fsseis africanos ............................................. 491Captulo 19 A Pr -Histria da frica oriental .................................... 511Captulo 20 Pr -Histria da frica austral ........................................... 551Captulo 21 Parte I: Pr -Histria da frica central .............................. 591 Parte II: Pr - Histria da frica central .......................... 615Captulo 22 Pr -Histria da frica do norte ........................................ 637Captulo 23 Pr -Histria do Saara ....................................................... 657Captulo 24 Pr -Histria da frica ocidental ....................................... 685Captulo 25 Pr -Histria do vale do Nilo ............................................ 715Captulo 26 A arte pr -histrica africana ............................................. 743Captulo 27 Origens, desenvolvimento e expanso das tcnicas

    agrcolas............................................................................. 781Captulo 28 Descoberta e difuso dos metais e desenvolvimento dos

    sistemas sociais at o sculo V antes da Era Crist .......... 803

    Concluso Da natureza bruta humanidade liberada ......................... 833

    Membros do Comit Cientfico Internacional para a Redao de uma Histria Geral da frica ............................................................853Dados Biogrficos dos Autores do Volume I ......................................855Abreviaes e Listas de Peridicos ....................................................859Referncias Bibliogrficas ................................................................865ndice Remissivo ..............................................................................927

  • VIIAPRESENTAO

    Outra exigncia imperativa de que a histria (e a cultura) da frica devem pelo menos ser vistas de dentro, no sendo medidas por rguas de valores estranhos... Mas essas conexes tm que ser analisadas nos termos de trocas mtuas, e influncias multilaterais em que algo seja ouvido da contribuio africana para o desenvolvimento da espcie humana. J. Ki-Zerbo, Histria Geral da frica, vol. I, p. LII.

    A Representao da UNESCO no Brasil e o Ministrio da Educao tm a satis-fao de disponibilizar em portugus a Coleo da Histria Geral da frica. Em seus oito volumes, que cobrem desde a pr-histria do continente africano at sua histria recente, a Coleo apresenta um amplo panorama das civilizaes africanas. Com sua publicao em lngua portuguesa, cumpre-se o objetivo inicial da obra de colaborar para uma nova leitura e melhor compreenso das sociedades e culturas africanas, e demons-trar a importncia das contribuies da frica para a histria do mundo. Cumpre-se, tambm, o intuito de contribuir para uma disseminao, de forma ampla, e para uma viso equilibrada e objetiva do importante e valioso papel da frica para a humanidade, assim como para o estreitamento dos laos histricos existentes entre o Brasil e a frica.

    O acesso aos registros sobre a histria e cultura africanas contidos nesta Coleo se reveste de significativa importncia. Apesar de passados mais de 26 anos aps o lana-mento do seu primeiro volume, ainda hoje sua relevncia e singularidade so mundial-mente reconhecidas, especialmente por ser uma histria escrita ao longo de trinta anos por mais de 350 especialistas, sob a coordenao de um comit cientfico internacional constitudo por 39 intelectuais, dos quais dois teros africanos.

    A imensa riqueza cultural, simblica e tecnolgica subtrada da frica para o conti-nente americano criou condies para o desenvolvimento de sociedades onde elementos europeus, africanos, das populaes originrias e, posteriormente, de outras regies do mundo se combinassem de formas distintas e complexas. Apenas recentemente, tem-se considerado o papel civilizatrio que os negros vindos da frica desempenharam na formao da sociedade brasileira. Essa compreenso, no entanto, ainda est restrita aos altos estudos acadmicos e so poucas as fontes de acesso pblico para avaliar este complexo processo, considerando inclusive o ponto de vista do continente africano.

    APRESENTAO

  • VIII Metodologia e pr -histria da frica

    A publicao da Coleo da Histria Geral da frica em portugus tambm resul-tado do compromisso de ambas as instituies em combater todas as formas de desigual-dades, conforme estabelecido na Declarao Universal dos Direitos Humanos (1948), especialmente no sentido de contribuir para a preveno e eliminao de todas as formas de manifestao de discriminao tnica e racial, conforme estabelecido na Conveno Internacional sobre a Eliminao de todas as Formas de Discriminao Racial de 1965.

    Para o Brasil, que vem fortalecendo as relaes diplomticas, a cooperao econ-mica e o intercmbio cultural com aquele continente, essa iniciativa mais um passo importante para a consolidao da nova agenda poltica. A crescente aproximao com os pases da frica se reflete internamente na crescente valorizao do papel do negro na sociedade brasileira e na denncia das diversas formas de racismo. O enfrentamento da desigualdade entre brancos e negros no pas e a educao para as relaes tnicas e raciais ganhou maior relevncia com a Constituio de 1988. O reconhecimento da prtica do racismo como crime uma das expresses da deciso da sociedade brasileira de superar a herana persistente da escravido. Recentemente, o sistema educacional recebeu a responsabilidade de promover a valorizao da contribuio africana quando, por meio da alterao da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB) e com a aprovao da Lei 10.639 de 2003, tornou-se obrigatrio o ensino da histria e da cultura africana e afro-brasileira no currculo da educao bsica.

    Essa Lei um marco histrico para a educao e a sociedade brasileira por criar, via currculo escolar, um espao de dilogo e de aprendizagem visando estimular o conheci-mento sobre a histria e cultura da frica e dos africanos, a histria e cultura dos negros no Brasil e as contribuies na formao da sociedade brasileira nas suas diferentes reas: social, econmica e poltica. Colabora, nessa direo, para dar acesso a negros e no negros a novas possibilidades educacionais pautadas nas diferenas socioculturais presentes na formao do pas. Mais ainda, contribui para o processo de conhecimento, reconhecimento e valorizao da diversidade tnica e racial brasileira.

    Nessa perspectiva, a UNESCO e o Ministrio da Educao acreditam que esta publica-o estimular o necessrio avano e aprofundamento de estudos, debates e pesquisas sobre a temtica, bem como a elaborao de materiais pedaggicos que subsidiem a formao inicial e continuada de professores e o seu trabalho junto aos alunos. Objetivam assim com esta edio em portugus da Histria Geral da frica contribuir para uma efetiva educao das relaes tnicas e raciais no pas, conforme orienta as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao das Relaes tnico-Raciais e para o Ensino da Histria e Cultura Afro-brasileira e Africana aprovada em 2004 pelo Conselho Nacional de Educao.

    Boa leitura e sejam bem-vindos ao Continente Africano.

    Vincent Defourny Fernando Haddad

    Representante da UNESCO no Brasil Ministro de Estado da Educao do Brasil

  • IXNOTA DOS TRADUTORES

    NOTA DOS TRADUTORES

    A Conferncia de Durban ocorreu em 2001 em um contexto mundial dife-rente daquele que motivou as duas primeiras conferncias organizadas pela ONU sobre o tema da discriminao racial e do racismo: em 1978 e 1983 em Genebra, na Sua, o alvo da condenao era o apartheid.

    A conferncia de Durban em 2001 tratou de um amplo leque de temas, entre os quais vale destacar a avaliao dos avanos na luta contra o racismo, na luta contra a discriminao racial e as formas correlatas de discriminao; a avaliao dos obstculos que impedem esse avano em seus diversos contextos; bem como a sugesto de medidas de combate s expresses de racismo e intolerncias.

    Aps Durban, no caso brasileiro, um dos aspectos para o equacionamento da questo social na agenda do governo federal a implementao de polticas pblicas para a eliminao das desvantagens raciais, de que o grupo afrodescen-dente padece, e, ao mesmo tempo, a possibilidade de cumprir parte importante das recomendaes da conferncia para os Estados Nacionais e organismos internacionais.

    No que se refere educao, o diagnstico realizado em novembro de 2007, a partir de uma parceria entre a UNESCO do Brasil e a Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade do Ministrio da Educao (SECAD/MEC), constatou que existia um amplo consenso entre os diferentes participan-tes, que concordavam, no tocante a Lei 10.639-2003, em relao ao seu baixo grau de institucionalizao e sua desigual aplicao no territrio nacional. Entre

  • X Metodologia e pr -histria da frica

    os fatores assinalados para a explicao da pouca institucionalizao da lei estava a falta de materiais de referncia e didticos voltados Histria de frica.

    Por outra parte, no que diz respeito aos manuais e estudos disponveis sobre a Histria da frica, havia um certo consenso em afirmar que durante muito tempo, e ainda hoje, a maior parte deles apresenta uma imagem racializada e eurocntrica do continente africano, desfigurando e desumanizando especial-mente sua histria, uma histria quase inexistente para muitos at a chegada dos europeus e do colonialismo no sculo XIX.

    Rompendo com essa viso, a Histria Geral da frica publicada pela UNESCO uma obra coletiva cujo objetivo a melhor compreenso das sociedades e cul-turas africanas e demonstrar a importncia das contribuies da frica para a histria do mundo. Ela nasceu da demanda feita UNESCO pelas novas naes africanas recm-independentes, que viam a importncia de contar com uma his-tria da frica que oferecesse uma viso abrangente e completa do continente, para alm das leituras e compreenses convencionais. Em 1964, a UNESCO assumiu o compromisso da preparao e publicao da Histria Geral da frica. Uma das suas caractersticas mais relevantes que ela permite compreender a evoluo histrica dos povos africanos em sua relao com os outros povos. Contudo, at os dias de hoje, o uso da Histria Geral da frica tem se limitado sobretudo a um grupo restrito de historiadores e especialistas e tem sido menos usada pelos professores/as e estudantes. No caso brasileiro, um dos motivos desta limitao era a ausncia de uma traduo do conjunto dos volumes que compem a obra em lngua portuguesa.

    A Universidade Federal de So Carlos, por meio do Ncleo de Estudos Afrobrasileiros (NEAB/UFSCar) e seus parceiros, ao concluir o trabalho de traduo e atualizao ortogrfica do conjunto dos volumes, agradece o apoio da Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade (SECAD), do Ministrio da Educao (MEC) e da UNESCO por terem propiciado as condies para que um conjunto cada vez maior de brasileiros possa conhecer e ter orgulho de compartilhar com outros povos do continente americano o legado do continente africano para nossa formao social e cultural.

  • XICronologia

    Na apresentao das datas da pr -histria convencionou -se adotar dois tipos de notao, com base nos seguintes critrios:

    Tomando como ponto de partida a poca atual, isto , datas B.P. (before present), tendo como referncia o ano de +1950; nesse caso, as datas so todas negativas em relao a +1950.

    Usando como referencial o incio da Era Crist; nesse caso, as datas so simplesmente precedidas dos sinais - ou +.

    No que diz respeito aos sculos, as menes antes de Cristo e depois de Cristo so substitudas por antes da Era Crist, da Era Crist.

    Exemplos:

    (i) 2300 B.P. = -350

    (ii) 2900 a.C. = -2900 1800 d.C. = +1800

    (iii) sculo V a.C. = sculo V antes da Era Crist sculo III d.C. = sculo III da Era Crist

    CRONOLOGIA

  • XIIILista de Figuras

    Figura 2.1 Estatueta em bronze representando o poder dinstico dos Songhai (Tera Nger). ......................................................................................................... 27

    Figura 4.1 Baixo -relevo do Museu de Abomey ..................................................................... 71Figura 5.1 Manuscrito rabe (verso) n. 2291, flio 103 Ibn Battuta (2a parte),

    referncia ao Mali ............................................................................................... 102Figura 6.1 Fac-smile de manuscrito bamum ...................................................................... 106Figura 6.2 Fac-smile do manuscrito vai intitulado An Early Vai Manuscript ................. 134Figura 8.1 Msico tukulor tocando o ardin ....................................................................... 179Figura 8.2 Cantor Mvet ...................................................................................................... 179Figura 8.3 Tocador de Valiha. O instrumento de madeira com cordas de ao ................. 194Figura 8.4 Griot hutu imitando o mwami cado ............................................................ 194Figura 9.1 Microfotografia de uma seco da fateixa de cobre pertencente ao barco

    de Quops em Gizeh .......................................................................................... 217Figura 9.2 Radiografia frontal do peito da Rainha Nedjemet, da 21a dinastia.

    Museu do Cairo .................................................................................................. 217Figura 9.3 Bloco de vitrificao mostrando a superfcie superior plana, as paredes

    laterais e uma parte do cadinho ainda aderente ao lado direito .......................... 227Figura 9.4 Base de uma das colunas de arenito do templo de Buhen. Nota -se o

    esboroamento da camada superficial devido eflorescncia ............................... 227Figura 10.1 Estela do rei serpente ....................................................................................... 271Figura 10.2 Rcade representando uma cabaa, smbolo de poder ....................................... 272Figura 10.3 Rcade dedicada a Dakodonu ........................................................................... 272Figura 10.4 Leo semeando o terror. ................................................................................... 272

    LISTA DE FIGURAS

  • XIV Metodologia e pr -histria da frica

    Figura 10.5 Pictogramas egpcios e nsibidi ......................................................................... 273Figura 10.6 Palette de Narmer ............................................................................................. 273Figura 10.7 Amostras de vrias escritas africanas antigas.................................................... 274Figura 10.8 Primeira pgina do principal captulo do Alcoro em vai ................................ 275Figura 10.9 Sistema grfico vai ........................................................................................... 276Figura 10.10 Sistema grfico mum ..................................................................................... 278Figura 10.11 Sistema pictogrfico ....................................................................................... 278Figura 10.12 Sistema ideogrfico e fontico -silbico .......................................................... 278Figura 11.1 Mulher haratina de Idls. Arglia................................................................... 302Figura 11.2 Marroquino ...................................................................................................... 302Figura 11.3 Mulher e criana argelinas ............................................................................... 302Figura 11.4 Voltense ............................................................................................................ 304Figura 11.5 Mulher sarakole, Mauritnia, grupo Soninke, da regio do rio ........................ 304Figura 11.6 Chefe nmade de Rkiz, Mauritnia ................................................................. 304Figura 11.7 Mulher peul bororo, Tahoura, Nger ................................................................ 306Figura 11.8 Criana tuaregue de Agads, Nger .................................................................. 306Figura 11.9 Mulher djerma songhay de Balayera, Nger ..................................................... 306Figura 11.10 Pigmeu twa, Ruanda ...................................................................................... 308Figura 11.11 Grupo San...................................................................................................... 308Figura 11.12 Pigmeu do Congo .......................................................................................... 308Figura 11.13 Mulheres zulu ................................................................................................ 311Figura 11.14 Mulher peul ................................................................................................... 313Figura 11.15 Mulher peul das proximidades de Garoua -Boulay, Camares ....................... 313Figura 11.16 Jovem peul do Mali ........................................................................................ 313Figura 12.1 Mapa diagramtico das lnguas da frica ........................................................ 338Figura 13.1 frica fsica ...................................................................................................... 347Figura 14.1 Os recursos minerais da frica ........................................................................ 385Figura 16.1 Grficos mostrando analogias entre istopos de oxignio (ou variaes

    de temperatura) e a intensidade do campo magntico da Terra, em um testemunho de fundo de mar, para os ltimos 450000 anos ............................ 418

    Figura 16.2 Grficos mostrando analogias entre temperaturas indicadas pela microfauna e a inclinao magntica para os ltimos 2 milhes de anos............................ 419

    Figura 16.3 Mapa das isotermas da gua de superfcie do oceano Atlntico em fevereiro, 18000 B.P. ........................................................................................................ 426

    Figura 16.4 e 16.5 Mapa mostrando diferenas na temperatura da gua de superfcie entre a poca atual a 17000 B.P. Figura 16.4: inverno. Figura 16.5: vero. ...... 427

    Figura 16.6 Evoluo relativa da razo pluviosidade/evaporao nos ltimos 12000 anos na bacia do Chade (13 18 de lat. N.) .......................................................... 433

    Figura 16.7 Variaes dos nveis lacustres nas bacias do Afar ............................................. 434Figura 16.8 Mapa das localidades fossilferas do Plio -Pleistoceno da frica oriental ........ 438

  • XVLista de Figuras

    Figura 16.9 Cronologia radiomtrica e paleomagntica do Plioceno/Pleistoceno da frica oriental, do sudoeste da Europa e do noroeste da Amrica .................. 439

    Figura 16.10 Cronologia e ritmo da evoluo das civilizaes durante o Pleistoceno, com relao evoluo dos homindeos ........................................................ 442

    Figura 16.11 Tendncias gerais do clima global para o ltimo milho de anos. ................. 443Figura 17.1 Reconstituio do meio ambiente do Faium h 40 milhes de anos.

    Desenhos de Bertoncini -Gaillard sob a direo de Yves Coppens .................. 450Figura 17.2 Depsitos eocnico e oligocnico do Faium, Egito .......................................... 450Figura 17.3 Os dados paleontolgicos ................................................................................. 454Figura 17.4 Garganta de Olduvai, Tanznia ....................................................................... 455Figura 17.5 Crnio de Australopithecus africanus. Da direita para a esquerda, perfil de

    criana (Taung, Botsuana) e de adulto (Sterkfontein, Transvaal) ..................... 455Figura 17.6 Garganta de Olduvai, Tanznia ....................................................................... 457Figura 17.7 Stio do Omo, Etipia ...................................................................................... 457Figura 17.8 Stio do Omo, Etipia ...................................................................................... 458Figura 17.9 Crnios de Australopithecus boisei, stio do Omo, Etipia ................................. 458Figura 17.10 Stio de Afar, Etipia ..................................................................................... 459Figura 17.11 Crnio de Cro -Magnoide de Afalu, Arglia.................................................. 459Figura 17.12 Canteiro de escavaes em Olduvai ............................................................... 461Figura 17.13 Crnios de Australopithecus robustus, direita, e Australopithecus gracilis,

    esquerda ...................................................................................................... 461Figura 17.14 Homo habilis ................................................................................................... 463Figura 17.15 Os stios de Siwalik no Norte do Paquisto, expedio D. Pilbeam .............. 465Figura 17.16 Reconstituio do crnio de Ramapithecus ..................................................... 465Figura 17.17 Esqueleto de Oreopithecus bambolii, com 12 milhes de anos, encontrado

    em Grossetto (Toscana) por Johannes Hrzeler, em 1958 ............................ 465Figura 17.18 Reconstituio do meio ambiente do Homo erectus de Chu -Ku -Tien

    (ou Sinantropo), China (400 mil anos) .......................................................... 466Figura 17.19 Homo erectus de Chu -Ku -Tien (reconstituio) .............................................. 466Figuras 17.20 e 17.21 Detalhe do solo olduvaiense (observam -se vrios objetos,

    entre os quais, poliedros e um grande osso de hipoptamo) .......................... 475Figura 17.22 Uma das mais antigas pedras lascadas do mundo .......................................... 479Figura 17.23 Uma das primeiras pedras lascadas do mundo ............................................... 479Figura 18.1 frica: alguns dos stios mais importantes de homindeos............................... 492Figura 18.2 Crnio de Homo habilis (KNM -ER 1470). Vista lateral. Koobi Fora,

    Qunia. ............................................................................................................. 499Figura 18.3 Crnio de Homo erectus (KNM -ER 3733). Vista lateral. Koobi Fora,

    Qunia ............................................................................................................. 499Figura 18.4 Crnio de Australopithecus boisei (OH5). Vista lateral. Garganta de

    Olduvai, Tanznia ............................................................................................ 503Figura 18.5 Mandbula de Australopithecus boisei (KNM -ER 729). Vista em face

    oclusiva. Koobi Fora, Qunia ........................................................................... 503

  • XVI Metodologia e pr -histria da frica

    Figura 18.6 Crnio de Australopithecus africanus (KNM -ER 1813). Vista lateral. Koobi Fora, Qunia. ......................................................................................... 505

    Figura 18.7 Mandbula de Australopithecus africanus (KNM -ER 992). Vista em face oclusiva. Koobi Fora, Qunia .................................................................... 505

    Figura 19.1 A pr -histria na frica Oriental (1974) ......................................................... 512Figura 19.2 frica oriental: principais jazidas da Idade da Pedra (1974) ............................ 523Figura 19.3 Garganta de Olduvai, Tanznia setentrional .................................................... 530Figura 19.4 Early Stone Age, primeira fase: utenslios olduvaienses tpicos

    (seixos lascados). ............................................................................................ 530Figura 19.5 Early Stone Age, segunda fase: instrumentos acheulenses tpicos

    (vista frontal e lateral). 1. pico; 2. machadinha; 3. biface ................................ 533Figura 19.6 Isimila, terras altas da Tanznia meridional. Vista da ravina erodida

    mostrando as camadas onde foram encontrados utenslios acheulenses ........... 535Figura 19.7 Concentrao de bifaces, machadinhas e outros utenslios acheulenses

    (a pequena colher de pedreiro no centro serve como escala) ............................ 535Figura 19.8 Middle Stone Age e utenslios de transio: o exemplo da direita uma

    ponta fina podendo ser encabada, talvez como ponta de lana ........................ 537Figura 19.9 Olorgesailie, no Rift Valley do Qunia. Escavaes em um stio de

    ocupao acheulense ......................................................................................... 537Figura 19.10 Late Stone Age: lmina com bordo de preenso retocado ( direita);

    segmento de crculo (no centro); raspador e micrlito ( esquerda), feitos de obsidiana no Rift Valley do Qunia .......................................................... 540

    Figura 19.11 Apis Rock (Nasera), Tanznia setentrional. As escavaes sob o abrigo, bem visvel, direita revelaram uma sucesso de ocupaes humanas da Idade da Pedra Recente ................................................................................. 540

    Figura 20.1 Localizao dos depsitos fauresmithienses e sangoenses na frica austral .... 554Figura 20.2 Depsitos de fsseis humanos do Pleistoceno Superior e alguns do

    Ps -Pleistoceno na frica austral .................................................................... 554Figura 20.3 Principais depsitos de fauna e fsseis humanos do fim do Plioceno ao

    incio do Pleistoceno na frica austral ............................................................. 556Figura 20.4 Localizao dos principais depsitos acheulenses na frica austral ................. 556Figura 20.5 Acheulense Inferior, Sterkfontein: biface, lasca cuboide e dois ncleos ........... 563Figura 20.6 Utenslios do Acheulense Superior, de Kalambo Falls, datados de mais de

    190000 anos B.P. ............................................................................................. 563Figura 20.7 Utenslios provenientes dos depsitos de Howiesonspoort .............................. 563Figura 20.8 Utenslios da Middle Stone Age, provenientes de Witkrans Cave ..................... 572Figura 20.9 Utenslios do Lupembiense Mdio, de Kalambo Falls ..................................... 572Figura 20.10 Distribuio de lminas e fragmentos de lminas utilizadas, com relao a

    estruturas de blocos de dolerito, no horizonte primrio em Orangia ............ 572Figura 20.11 Civilizao sangoense de Zimbabwe, variante do Zambeze .......................... 578Figura 20.12 Indstrias da Middle Stone Age, provenientes de Twin Rivers (Zmbia),

    datadas de 32000 a 22000 anos B.P. ............................................................. 578

  • XVIILista de Figuras

    Figura 20.13 Indstrias de Pietersburg e Bambata, provenientes da gruta das Lareiras (Cave of Hearths), no Transvaal, e da gruta de Bambata, em Zimbabwe. Instrumentos caractersticos das regies de arbustos espinhosos e do bushveld .......................................................................................................... 578

    Figura 20.14 De 1 a 12, utenslios em slex e calcednia, das indstrias wiltonienses da provncia do Cabo, na frica do Sul. De 13 a 20, utenslios das indstrias de Matopan (Wiltoniense de Zimbabwe ), provenientes da caverna de Amadzimba, Matopos Hills, em Zimbabwe ................................................. 580

    Figura 20.15 Utenslios de madeira provenientes de depsitos do Pleistoceno na frica austral ............................................................................................................ 580

    Figura 20.16 Lasca -enx em forma de crescente feita de slex negro, montada por meio de mstique sobre um cabo de chifre de rinoceronte, proveniente de uma caverna da baa de Plettenberg, no leste da provncia do Cabo ..................... 580

    Figura 21.1 Variaes climticas e indstrias pr -histricas da bacia do Zaire ................... 592Figura 21.2 Monumento megaltico da regio de Buar na Repblica Centro -Africana ..... 603Figura 21.3 Acheulense Superior. Repblica Centro -Africana, rio Ngoere, Alto Sanga ..... 603Figura 21.4 Vaso neoltico de fundo plano. Repblica Centro -Africana, Batalimo,

    Lobaye ............................................................................................................ 610Figura 21.5 Zonas de vegetao da frica Central ............................................................. 616Figura 21.6 Mapa da frica Central com os nomes dos lugares citados no texto .............. 619Figura 22.1 Evoluo da Pebble Culture para as formas do Acheulense .......................639Figura 22.2 Biface Acheulense o mais evoludo da jazida de Ternifine (Arglia

    ocidental).......................................................................................................... 641Figura 22.3 Machados de riolito do Acheulense encontrados no stio de Erg

    Tihodaine. ........................................................................................................ 643Figura 22.4 Ponta do Musteriense, El -Guettar (Tunsia) ................................................... 643Figura 22.5 Esferoides facetados de Ain Hanech ............................................................. 643Figura 22.6 Ateriense do Uede Djouf el -Djemel (Arglia oriental) ................................... 647Figura 22.7 Indstria do Capsiense tpico ........................................................................... 647Figura 22.8 Indstria de armaduras do Capsiense superior ................................................ 647Figura 22.9 Indstria do Capsiense superior ....................................................................... 647Figura 22.10 Neoltico de tradio capsiense do Damous el -Ahmar, Arglia oriental.

    M e moleta. Traos de carvo e ocre. Fragmentos de conchas de Helix ...... 654Figura 22.11 Pequena placa calcria gravada. Capsiense superior do Khanguet

    el -Mouhaad, Arglia oriental......................................................................... 654Figura 22.12 Ain Hanech, seixos com lascamento unifacial (chopper) ou bifacial

    (chopping tool) ................................................................................................ 655Figura 22.13 Pernio humano em forma de punhal Capsiense superior Mechta

    el -Arbi, Arglia oriental, escavaes feitas em 1952 ...................................... 655Figura 23.1 Principais stios de pinturas e gravuras rupestres saarianas .............................. 661Figura 23.2 Machado plano com entalhes, Gossolorum (Nger). .....................................661Figura 23.3 Machadinha de Ti -n -Assako (Mali). ............................................................... 661Figura 23.4 e 23.5 Seixos lascados (Pebble Culture), Aoulef (Saara argeliano) .................... 666

  • XVIII Metodologia e pr -histria da frica

    Figura 23.6 Biface do Paleoltico Inferior, Tachenghit (Saara argeliano). ........................... 666Figura 23.7 Machadinha do Paleoltico Inferior, Tachenghit (Saara argeliano) .................. 666Figura 23.8 Grande ponta dupla bifacial ateriense, Timimoum (Saara argeliano) .............. 670Figura 23.9 Pontas aterienses, Aoulef (Saara argeliano) ...................................................... 670Figura 23.10 Ponta dupla bifacial ateriense, Adrar Bous V (Nger) .................................... 670Figura 23.11 Cermica neoltica, Dhar Tichitt (Mauritnia) .............................................. 675Figura 23.12 Cermica de Akreijit, Mauritnia .................................................................. 675Figura 23.13 Pontas de flechas neolticas, In Guezzam (Nger).......................................... 681Figura 23.14 Machado com garganta neoltica, Adrar Bous (Nger). .................................. 681Figura 23.15 Machado polido neoltico, regio de Faya (Chade) ........................................ 681Figura 24.1 Zonas de vegetao da frica ocidental. ..................................................686Figura 24.2 Cermica do Cabo Manuel, Senegal ................................................................ 696Figura 24.3 Brunidor de osso, encontrado no stio neoltico do Cabo Manuel ................... 696Figura 24.4 M feita de rocha vulcnica, encontrada no stio neoltico de Ngor ............... 700Figura 24.5 Pendentes de pedra basalto do stio neoltico de Patte dOie .......................... 700Figura 24.6 Machados polidos de Bel Air em dolerito ..................................................... 704Figura 24.7 Cermica neoltica de Bel Air, do stio de Diakit, no Senegal .................... 704Figura 24.8 Vaso de fundo plano da Idade do Ferro ........................................................... 709Figura 24.9 Crculo megaltico, Tiekene Boussoura, Senegal: o tmulo do rei

    aparece em primeiro plano ............................................................................... 711Figura 24.10 Estatueta antropomrfica encontrada em Thiaroye, no Senegal .................... 711Figura 25.1 O Vale das Rainhas .......................................................................................... 720Figura 25.2 Pontas de dardos em slex de Mirgissa, Sudo ................................................. 720Figura 26.1 Rinoceronte, Blaka, Nger ................................................................................ 749Figura 26.2 Gazela, Blaka, Nger......................................................................................... 749Figura 26.3 Bovino, Tin Rharo, Mali .................................................................................. 749Figura 26.4 Elefante, In -Ekker, Saara argelino ................................................................... 749Figura 26.5 Pintura rupestre, Nambia ................................................................................ 754Figura 26.6 Pintura rupestre, Tibesti, Chade ...................................................................... 754Figura 26.7 Pista da Serpente, pintura rupestre ............................................................... 760Figura 26.8 Dama Branca, pintura rupestre ........................................................................ 760Figura 26.9 Detalhe de uma gravura rupestre, Alto Volta ................................................... 764Figura 26.10 Pintura rupestre, Nambia .............................................................................. 764Figura 26.11 Pinturas rupestres, planalto do Tassili nAjjer, Arglia ............................................. 766Figura 26.12 Cena ertica, Tassili ....................................................................................... 770Figura 26.13 Cena ertica, Tassili. ....................................................................................... 770Figura 27.1 Zoneamento ecolgico latitudinal .................................................................... 785Figura 27.2 Diferentes ecossistemas .................................................................................... 785Figura 27.3 Os beros agrcolas africanos ........................................................................... 791Figura 27.4 Mapa geoagrcola da frica ............................................................................. 791

  • XIXLista de Figuras

    Figura 27.5 Aspecto de urna queimada (aps a combusto) Futa Djalon: Pita, Timbi -Madina ................................................................................................. 794

    Figura 27.6 Terra lavrada com o Kadyendo pelos Diula de Oussouye (Casamance) antes do replantio do arroz ............................................................................... 794

    Figura 27.7 O Soung ou p entre os Seereer Gnominka, pescadores -rizicultores das ilhas da Petite Cte, no Senegal ....................................................................... 796

    Figura 27.8 Arrozais em solos hidromorfos sujeitos a cheias temporrias na estao das chuvas (rizicultura de impluvium), Casamance: aldeia bayoyy de Niassa ... 798

    Figura 27.9 Ilhas artificiais para a cultura do arroz em arrozais aquticos muito profundos onde o nvel da gua no baixa o suficiente .................................... 798

    Figura 28.1 Tmulo de Rekh mi -re em Tebas ..................................................................... 827Figura 28.2 Tmulo de Huy: parede leste (fachada sul) ...................................................... 827Figura 28.3 Navalha, Mirgissa, Sudo ................................................................................. 827Figura 28.4 Tmulo de Huy ................................................................................................ 829Figura 28.5 Esttua de cobre de Ppi I (Antigo Imprio) ................................................... 831Figura 29.1 Australopithecus boisei, jazidas do Omo ............................................................. 842Figura 29.2 Laboratrio destinado s pesquisas sobre o remanejo do delta do Senegal,

    Rosso-Bethio, Senegal ........................................................................................ 842

  • XXIPrefcio

    Durante muito tempo, mitos e preconceitos de toda espcie esconderam do mundo a real histria da frica. As sociedades africanas passavam por sociedades que no podiam ter histria. Apesar de importantes trabalhos efetuados desde as primeiras dcadas do sculo XX por pioneiros como Leo Frobenius, Maurice Delafosse e Arturo Labriola, um grande nmero de especialistas no africanos, ligados a certos postulados, sustentavam que essas sociedades no podiam ser objeto de um estudo cientfico, notadamente por falta de fontes e documentos escritos.

    Se a Ilada e a Odisseia podiam ser devidamente consideradas como fontes essenciais da histria da Grcia antiga, em contrapartida, negava-se todo valor tradio oral africana, essa memria dos povos que fornece, em suas vidas, a trama de tantos acontecimentos marcantes. Ao escrever a histria de grande parte da frica, recorria-se somente a fontes externas frica, oferecendo uma viso no do que poderia ser o percurso dos povos africanos, mas daquilo que se pensava que ele deveria ser. Tomando frequentemente a Idade Mdia europeia como ponto de referncia, os modos de produo, as relaes sociais tanto quanto as instituies polticas no eram percebidos seno em referncia ao passado da Europa.

    Com efeito, havia uma recusa a considerar o povo africano como o criador de culturas originais que floresceram e se perpetuaram, atravs dos sculos, por

    PREFCIOpor M. Amadou Mahtar MBow,

    Diretor Geral da UNESCO (1974-1987)

  • XXII Metodologia e pr -histria da frica

    vias que lhes so prprias e que o historiador s pode apreender renunciando a certos preconceitos e renovando seu mtodo.

    Da mesma forma, o continente africano quase nunca era considerado como uma entidade histrica. Em contrrio, enfatizava-se tudo o que pudesse reforar a ideia de uma ciso que teria existido, desde sempre, entre uma frica branca e uma frica negra que se ignoravam reciprocamente. Apresentava-se frequentemente o Saara como um espao impenetrvel que tornaria impossveis misturas entre etnias e povos, bem como trocas de bens, crenas, hbitos e ideias entre as sociedades constitudas de um lado e de outro do deserto. Traavam-se fronteiras intransponveis entre as civilizaes do antigo Egito e da Nbia e aquelas dos povos subsaarianos.

    Certamente, a histria da frica norte-saariana esteve antes ligada quela da bacia mediterrnea, muito mais que a histria da frica subsaariana mas, nos dias atuais, amplamente reconhecido que as civilizaes do continente africano, pela sua variedade lingustica e cultural, formam em graus variados as vertentes histricas de um conjunto de povos e sociedades, unidos por laos seculares.

    Um outro fenmeno que grandes danos causou ao estudo objetivo do passado africano foi o aparecimento, com o trfico negreiro e a colonizao, de esteretipos raciais criadores de desprezo e incompreenso, to profundamente consolidados que corromperam inclusive os prprios conceitos da historiografia. Desde que foram empregadas as noes de brancos e negros, para nomear genericamente os colonizadores, considerados superiores, e os colonizados, os africanos foram levados a lutar contra uma dupla servido, econmica e psicolgica. Marcado pela pigmentao de sua pele, transformado em uma mercadoria entre outras, e destinado ao trabalho forado, o africano veio a simbolizar, na conscincia de seus dominadores, uma essncia racial imaginria e ilusoriamente inferior: a de negro. Este processo de falsa identificao depreciou a histria dos povos africanos no esprito de muitos, rebaixando-a a uma etno-histria, em cuja apreciao das realidades histricas e culturais no podia ser seno falseada.

    A situao evoluiu muito desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em particular, desde que os pases da frica, tendo alcanado sua independncia, comearam a participar ativamente da vida da comunidade internacional e dos intercmbios a ela inerentes. Historiadores, em nmero crescente, tm se esforado em abordar o estudo da frica com mais rigor, objetividade e abertura de esprito, empregando obviamente com as devidas precaues fontes africanas originais. No exerccio de seu direito iniciativa histrica, os prprios africanos sentiram profundamente a necessidade de restabelecer, em bases slidas, a historicidade de suas sociedades.

  • XXIIIPrefcio

    nesse contexto que emerge a importncia da Histria Geral da frica, em oito volumes, cuja publicao a Unesco comeou.

    Os especialistas de numerosos pases que se empenharam nessa obra, preocuparam-se, primeiramente, em estabelecer-lhe os fundamentos tericos e metodolgicos. Eles tiveram o cuidado em questionar as simplificaes abusivas criadas por uma concepo linear e limitativa da histria universal, bem como em restabelecer a verdade dos fatos sempre que necessrio e possvel. Eles esforaram-se para extrair os dados histricos que permitissem melhor acompanhar a evoluo dos diferentes povos africanos em sua especificidade sociocultural.

    Nessa tarefa imensa, complexa e rdua em vista da diversidade de fontes e da disperso dos documentos, a UNESCO procedeu por etapas. A primeira fase (1965-1969) consistiu em trabalhos de documentao e de planificao da obra. Atividades operacionais foram conduzidas in loco, atravs de pesquisas de campo: campanhas de coleta da tradio oral, criao de centros regionais de documentao para a tradio oral, coleta de manuscritos inditos em rabe e ajami (lnguas africanas escritas em caracteres rabes), compilao de inventrios de arquivos e preparao de um Guia das fontes da histria da frica, publicado posteriormente, em nove volumes, a partir dos arquivos e bibliotecas dos pases da Europa. Por outro lado, foram organizados encontros, entre especialistas africanos e de outros continentes, durante os quais se discutiu questes metodolgicas e traou-se as grandes linhas do projeto, aps atencioso exame das fontes disponveis.

    Uma segunda etapa (1969 a 1971) foi consagrada ao detalhamento e articulao do conjunto da obra. Durante esse perodo, realizaram-se reunies internacionais de especialistas em Paris (1969) e Addis-Abeba (1970), com o propsito de examinar e detalhar os problemas relativos redao e publicao da obra: apresentao em oito volumes, edio principal em ingls, francs e rabe, assim como tradues para lnguas africanas, tais como o kiswahili, o hawsa, o peul, o yoruba ou o lingala. Igualmente esto previstas tradues para o alemo, russo, portugus, espanhol e chins1, alm de edies resumidas, destinadas a um pblico mais amplo, tanto africano quanto internacional.

    1 O volume I foi publicado em ingls, rabe, chins, coreano, espanhol, francs, hawsa, italiano, kiswahi-li, peul e portugus; o volume II, em ingls, rabe, chins, coreano, espanhol, francs, hawsa, italiano, kiswahili, peul e portugus; o volume III, em ingls, rabe, espanhol e francs; o volume IV, em ingls, rabe, chins, espanhol, francs e portugus; o volume V, em ingls e rabe; o volume VI, em ingls, rabe e francs; o volume VII, em ingls, rabe, chins, espanhol, francs e portugus; o VIII, em ingls e francs.

  • XXIV Metodologia e pr -histria da frica

    A terceira e ltima fase constituiu-se na redao e na publicao do trabalho. Ela comeou pela nomeao de um Comit Cientfico Internacional de trinta e nove membros, composto por africanos e no africanos, na respectiva proporo de dois teros e um tero, a quem incumbiu-se a responsabilidade intelectual pela obra.

    Interdisciplinar, o mtodo seguido caracterizou-se tanto pela pluralidade de abordagens tericas quanto de fontes. Dentre essas ltimas, preciso citar primeiramente a arqueologia, detentora de grande parte das chaves da histria das culturas e das civilizaes africanas. Graas a ela, admite-se, nos dias atuais, reconhecer que a frica foi, com toda probabilidade, o bero da humanidade, palco de uma das primeiras revolues tecnolgicas da histria, ocorrida no perodo Neoltico. A arqueologia igualmente mostrou que, na frica, especificamente no Egito, desenvolveu-se uma das antigas civilizaes mais brilhantes do mundo. Outra fonte digna de nota a tradio oral que, at recentemente desconhecida, aparece hoje como uma preciosa fonte para a reconstituio da histria da frica, permitindo seguir o percurso de seus diferentes povos no tempo e no espao, compreender, a partir de seu interior, a viso africana do mundo, e apreender os traos originais dos valores que fundam as culturas e as instituies do continente.

    Saber-se- reconhecer o mrito do Comit Cientfico Internacional encarregado dessa Histria geral da frica, de seu relator, bem como de seus coordenadores e autores dos diferentes volumes e captulos, por terem lanado uma luz original sobre o passado da frica, abraado em sua totalidade, evitando todo dogmatismo no estudo de questes essenciais, tais como: o trfico negreiro, essa sangria sem fim, responsvel por umas das deportaes mais cruis da histria dos povos e que despojou o continente de uma parte de suas foras vivas, no momento em que esse ltimo desempenhava um papel determinante no progresso econmico e comercial da Europa; a colonizao, com todas suas consequncias nos mbitos demogrfico, econmico, psicolgico e cultural; as relaes entre a frica ao sul do Saara e o mundo rabe; o processo de descolonizao e de construo nacional, mobilizador da razo e da paixo de pessoas ainda vivas e muitas vezes em plena atividade. Todas essas questes foram abordadas com grande preocupao quanto honestidade e ao rigor cientfico, o que constitui um mrito no desprezvel da presente obra. Ao fazer o balano de nossos conhecimentos sobre a frica, propondo diversas perspectivas sobre as culturas africanas e oferecendo uma nova leitura da histria, a Histria geral da frica tem a indiscutvel vantagem de destacar tanto as luzes quanto as sombras, sem dissimular as divergncias de opinio entre os estudiosos.

  • XXVPrefcio

    Ao demonstrar a insuficincia dos enfoques metodolgicos amide utilizados na pesquisa sobre a frica, essa nova publicao convida renovao e ao aprofundamento de uma dupla problemtica, da historiografia e da identidade cultural, unidas por laos de reciprocidade. Ela inaugura a via, como todo trabalho histrico de valor, para mltiplas novas pesquisas.

    assim que, em estreita colaborao com a UNESCO, o Comit Cientfico Internacional decidiu empreender estudos complementares com o intuito de aprofundar algumas questes que permitiro uma viso mais clara sobre certos aspectos do passado da frica. Esses trabalhos, publicados na coleo UNESCO Histria geral da frica: estudos e documentos, viro a constituir, de modo til, um suplemento presente obra2. Igualmente, tal esforo desdobrar-se- na elaborao de publicaes versando sobre a histria nacional ou sub-regional.

    Essa Histria geral da frica coloca simultaneamente em foco a unidade histrica da frica e suas relaes com os outros continentes, especialmente com as Amricas e o Caribe. Por muito tempo, as expresses da criatividade dos afrodescendentes nas Amricas haviam sido isoladas por certos historiadores em um agregado heterclito de africanismos; essa viso, obviamente, no corresponde quela dos autores da presente obra. Aqui, a resistncia dos escravos deportados para a Amrica, o fato tocante ao marronage [fuga ou clandestinidade] poltico e cultural, a participao constante e massiva dos afrodescendentes nas lutas da primeira independncia americana, bem como nos movimentos nacionais de libertao, esses fatos so justamente apreciados pelo que eles realmente foram: vigorosas afirmaes de identidade que contriburam para forjar o conceito universal de humanidade. hoje evidente que a herana africana marcou, em maior ou menor grau, segundo as regies, as maneiras de sentir, pensar, sonhar e agir de certas naes do hemisfrio ocidental. Do sul dos Estados Unidos ao norte do Brasil, passando pelo Caribe e pela costa do Pacfico, as contribuies culturais herdadas da frica so visveis por toda parte; em certos casos, inclusive, elas constituem os fundamentos essenciais da identidade cultural de alguns dos elementos mais importantes da populao.

    2 Doze nmeros dessa srie foram publicados; eles tratam respectivamente sobre: n. 1 O povoamento do Egito antigo e a decodificao da escrita merotica; n. 2 O trfico negreiro do sculo XV ao sculo XIX; n. 3 Relaes histricas atravs do Oceano ndico; n. 4 A historiografia da frica Meridional; n. 5 A descolonizao da frica: frica Meridional e Chifre da frica [Nordeste da frica]; n. 6 Etnonmias e toponmias; n. 7 As relaes histricas e socioculturais entre a frica e o mundo rabe; n. 8 A metodologia da histria da frica contempornea; n. 9 O processo de educao e a historiografia na frica; n. 10 A frica e a Segunda Guerra Mundial; n. 11 Lbia Antiqua; n. 12 O papel dos movimentos estudantis africanos na evoluo poltica e social da frica de 1900 a 1975.

  • XXVI Metodologia e pr -histria da frica

    Igualmente, essa obra faz aparecerem nitidamente as relaes da frica com o sul da sia atravs do Oceano ndico, alm de evidenciar as contribuies africanas junto a outras civilizaes em seu jogo de trocas mtuas.

    Estou convencido de que os esforos dos povos da frica para conquistar ou reforar sua independncia, assegurar seu desenvolvimento e consolidar suas especificidades culturais devem enraizar-se em uma conscincia histrica renovada, intensamente vivida e assumida de gerao em gerao.

    Minha formao pessoal, a experincia adquirida como professor e, desde os primrdios da independncia, como presidente da primeira comisso criada com vistas reforma dos programas de ensino de histria e de geografia de certos pases da frica Ocidental e Central, ensinaram-me o quanto era necessrio, para a educao da juventude e para a informao do pblico, uma obra de histria elaborada por pesquisadores que conhecessem desde o seu interior os problemas e as esperanas da frica, pensadores capazes de considerar o continente em sua totalidade.

    Por todas essas razes, a UNESCO zelar para que essa Histria Geral da frica seja amplamente difundida, em numerosos idiomas, e constitua base da elaborao de livros infantis, manuais escolares e emisses televisivas ou radiofnicas. Dessa forma, jovens, escolares, estudantes e adultos, da frica e de outras partes, podero ter uma melhor viso do passado do continente africano e dos fatores que o explicam, alm de lhes oferecer uma compreenso mais precisa acerca de seu patrimnio cultural e de sua contribuio ao progresso geral da humanidade. Essa obra dever ento contribuir para favorecer a cooperao internacional e reforar a solidariedade entre os povos em suas aspiraes por justia, progresso e paz. Pelo menos, esse o voto que manifesto muito sinceramente.

    Resta-me ainda expressar minha profunda gratido aos membros do Comit Cientfico Internacional, ao redator, aos coordenadores dos diferentes volumes, aos autores e a todos aqueles que colaboraram para a realizao desta prodigiosa empreitada. O trabalho por eles efetuado e a contribuio por eles trazida mostram, com clareza, o quanto homens vindos de diversos horizontes, conquanto animados por uma mesma vontade e igual entusiasmo a servio da verdade de todos os homens, podem fazer, no quadro internacional oferecido pela UNESCO, para lograr xito em um projeto de tamanho valor cientfico e cultural. Meu reconhecimento igualmente estende-se s organizaes e aos governos que, graas a suas generosas doaes, permitiram UNESCO publicar essa obra em diferentes lnguas e assegurar-lhe a difuso universal que ela merece, em prol da comunidade internacional em sua totalidade.

  • XXVIIApresentao do Projeto

    A Conferncia Geral da UNESCO, em sua dcima sexta sesso, solicitou ao Diretor -geral que empreendesse a redao de uma Histria Geral da frica. Esse considervel trabalho foi confiado a um Comit Cientfico Internacional criado pelo Conselho Executivo em 1970.

    Segundo os termos dos estatutos adotados pelo Conselho Executivo da UNESCO, em 1971, esse Comit compe -se de trinta e nove membros responsveis (dentre os quais dois teros africanos e um tero de no africanos), nomeados pelo Diretor -geral da UNESCO por um perodo correspondente durao do mandato do Comit.

    A primeira tarefa do Comit consistiu em definir as principais caractersticas da obra. Ele definiu -as em sua primeira sesso, nos seguintes termos:

    Em que pese visar a maior qualidade cientfica possvel, a Histria Geral da frica no busca a exausto e se pretende uma obra de sntese que evitar o dogmatismo. Sob muitos aspectos, ela constitui uma exposio dos problemas indicadores do atual estdio dos conhecimentos e das grandes correntes de pensamento e pesquisa, no hesitando em assinalar, em tais circunstncias, as divergncias de opinio. Ela assim preparar o caminho para posteriores publicaes.

    A frica aqui considerada como um todo. O objetivo mostrar as relaes histricas entre as diferentes partes do continente, muito amide

    APRESENTAO DO PROJETOpelo Professor Bethwell Allan Ogot

    Presidente do Comit Cientfico Internacional para a redao de uma Histria Geral da frica

  • XXVIII Metodologia e pr -histria da frica

    subdividido, nas obras publicadas at o momento. Os laos histricos da frica com os outros continentes recebem a ateno merecida e so analisados sob o ngulo dos intercmbios mtuos e das influncias multilaterais, de forma a fazer ressurgir, oportunamente, a contribuio da frica para o desenvolvimento da humanidade.

    A Histria Geral da frica consiste, antes de tudo, em uma histria das ideias e das civilizaes, das sociedades e das instituies. Ela fundamenta -se sobre uma grande diversidade de fontes, aqui compreendidas a tradio oral e a expresso artstica.

    A Histria Geral da frica aqui essencialmente examinada de seu interior. Obra erudita, ela tambm , em larga medida, o fiel reflexo da maneira atravs da qual os autores africanos veem sua prpria civilizao. Embora elaborada em mbito internacional e recorrendo a todos os dados cientficos atuais, a Histria ser igualmente um elemento capital para o reconhecimento do patrimnio cultural africano, evidenciando os fatores que contribuem para a unidade do continente. Essa vontade de examinar os fatos de seu interior constitui o ineditismo da obra e poder, alm de suas qualidades cientficas, conferir -lhe um grande valor de atualidade. Ao evidenciar a verdadeira face da frica, a Histria poderia, em uma poca dominada por rivalidades econmicas e tcnicas, propor uma concepo particular dos valores humanos.

    O Comit decidiu apresentar a obra, dedicada ao estudo de mais de 3 milhes de anos de histria da frica, em oito volumes, cada qual compreendendo aproximadamente oitocentas pginas de texto com ilustraes (fotos, mapas e desenhos tracejados).

    Para cada volume designou -se um coordenador principal, assistido, quando necessrio, por um ou dois codiretores assistentes.

    Os coordenadores dos volumes so escolhidos, tanto entre os membros do Comit quanto fora dele, em meio a especialistas externos ao organismo, todos eleitos por esse ltimo, pela maioria de dois teros. Eles se encarregam da elaborao dos volumes, em conformidade com as decises e segundo os planos decididos pelo Comit. So eles os responsveis, no plano cientfico, perante o Comit ou, entre duas sesses do Comit, perante o Conselho Executivo, pelo contedo dos volumes, pela redao final dos textos ou ilustraes e, de uma maneira geral, por todos os aspectos cientficos e tcnicos da Histria. o Conselho Executivo quem aprova, em ltima instncia, o original definitivo. Uma vez considerado pronto para a edio, o texto remetido ao Diretor -Geral

  • XXIXApresentao do Projeto

    da UNESCO. A responsabilidade pela obra cabe, dessa forma, ao Comit ou, entre duas sesses do Comit, ao Conselho Executivo.

    Cada volume compreende por volta de 30 captulos. Cada qual redigido por um autor principal, assistido por um ou dois colaboradores, caso necessrio.

    Os autores so escolhidos pelo Comit em funo de seu curriculum vitae. A preferncia concedida aos autores africanos, sob reserva de sua adequao aos ttulos requeridos. Alm disso, o Comit zela, tanto quanto possvel, para que todas as regies da frica, bem como outras regies que tenham mantido relaes histricas ou culturais com o continente, estejam de forma equitativa representadas no quadro dos autores.

    Aps aprovao pelo coordenador do volume, os textos dos diferentes captulos so enviados a todos os membros do Comit para submisso sua crtica.

    Ademais e finalmente, o texto do coordenador do volume submetido ao exame de um comit de leitura, designado no seio do Comit Cientfico Internacional, em funo de suas competncias; cabe a esse comit realizar uma profunda anlise tanto do contedo quanto da forma dos captulos.

    Ao Conselho Executivo cabe aprovar, em ltima instncia, os originais.Tal procedimento, aparentemente longo e complexo, revelou -se necessrio,

    pois permite assegurar o mximo de rigor cientfico Histria Geral da frica. Com efeito, houve ocasies nas quais o Conselho Executivo rejeitou originais, solicitou reestruturaes importantes ou, inclusive, confiou a redao de um captulo a um novo autor. Eventualmente, especialistas de uma questo ou perodo especfico da histria foram consultados para a finalizao definitiva de um volume.

    Primeiramente, uma edio principal da obra em ingls, francs e rabe ser publicada, posteriormente haver uma edio em forma de brochura, nesses mesmos idiomas.

    Uma verso resumida em ingls e francs servir como base para a traduo em lnguas africanas. O Comit Cientfico Internacional determinou quais os idiomas africanos para os quais sero realizadas as primeiras tradues: o kiswahili e o haussa.

    Tanto quanto possvel, pretende -se igualmente assegurar a publicao da Histria Geral da frica em vrios idiomas de grande difuso internacional (dentre outros: alemo, chins, italiano, japons, portugus, russo, etc.).

    Trata -se, portanto, como se pode constatar, de uma empreitada gigantesca que constitui um ingente desafio para os historiadores da frica e para a comunidade cientfica em geral, bem como para a UNESCO que lhe oferece

  • XXX Metodologia e pr -histria da frica

    sua chancela. Com efeito, pode -se facilmente imaginar a complexidade de uma tarefa tal qual a redao de uma histria da frica, que cobre no espao todo um continente e, no tempo, os quatro ltimos milhes de anos, respeitando, todavia, as mais elevadas normas cientficas e convocando, como necessrio, estudiosos pertencentes a todo um leque de pases, culturas, ideologias e tradies histricas. Trata -se de um empreendimento continental, internacional e interdisciplinar, de grande envergadura.

    Em concluso, obrigo -me a sublinhar a importncia dessa obra para a frica e para todo o mundo. No momento em que os povos da frica lutam para se unir e para, em conjunto, melhor forjar seus respectivos destinos, um conhecimento adequado sobre o passado da frica, uma tomada de conscincia no tocante aos elos que unem os Africanos entre si e a frica aos demais continentes, tudo isso deveria facilitar, em grande medida, a compreenso mtua entre os povos da Terra e, alm disso, propiciar sobretudo o conhecimento de um patrimnio cultural cuja riqueza consiste em um bem de toda a Humanidade.

    Bethwell Allan OgotEm 8 de agosto de 1979

    Presidente do Comit Cientf ico Internacional para a redao de uma Histria Geral da frica

  • XXXIIntroduo Geral

    A frica*1tem uma histria. J foi o tempo em que nos mapas -mndi e portulanos, sobre grandes espaos, representando esse continente ento marginal e servil, havia uma frase lapidar que resumia o conhecimento dos sbios a respeito dele e que, no fundo, soava tambm como um libi: Ibi sunt leones. A existem lees. Depois dos lees, foram descobertas as minas, grandes fontes de lucro, e as tribos indgenas que eram suas proprietrias, mas que foram incorporadas s minas como propriedades das naes colonizadoras.

    * Nota do coordenador do volume: A palavra FRICA possui at o presente momento uma origem difcil de elucidar. Foi imposta a partir dos romanos sob a forma AFRICA, que sucedeu ao termo de origem grega ou egpcia Lybia, pas dos Lebu ou Lubin do Gnesis. Aps ter designado o litoral norte -africano, a palavra frica passou a aplicar -se ao conjunto do continente, desde o fim do sculo I antes da Era Crist.

    Mas qual a origem primeira do nome? Comeando pelas mais plausveis, pode -se dar as seguintes verses: A palavra frica teria vindo do nome de um povo (berbere) situado ao sul de Cartago: os Afrig. De onde

    Afriga ou Africa para designar a regio dos Afrig. Uma outra etimologia da palavra frica retirada de dois termos fencios, um dos quais significa espiga,

    smbolo da fertilidade dessa regio, e o outro, Pharikia, regio das frutas. A palavra frica seria derivada do latim aprica (ensolarado) ou do grego aprik (isento de frio). Outra origem poderia ser a raiz fencia faraga, que exprime a ideia de separao, de dispora. Enfatizemos

    que essa mesma raiz encontrada em certas lnguas africanas (bambara). Em snscrito e hindi, a raiz apara ou africa designa o que, no plano geogrfico, est situado depois, ou

    seja, o Ocidente. A frica um continente ocidental. Uma tradio histrica retomada por Leo, o Africano, diz que um chefe iemenita chamado Africus teria

    invadido a frica do Norte no segundo milnio antes da Era Crist e fundado uma cidade chamada Afrikyah. Mas mais provvel que o termo rabe Afriqiyah seja a transliterao rabe da palavra frica.

    Chegou -se mesmo a dizer que Afer era neto de Abrao e companheiro de Hrcules!

    INTRODUO GERALJoseph Ki Zerbo

  • XXXII Metodologia e pr -histria da frica

    Mais tarde, depois das tribos indgenas, chegou a vez dos povos impacientes com opresso, cujos pulsos j batiam no ritmo febril das lutas pela liberdade. Com efeito, a histria da frica, como a de toda a humanidade, a histria de uma tomada de conscincia. Nesse sentido, a histria da frica deve ser reescrita. E isso porque, at o presente momento, ela foi mascarada, camuflada, desfigurada, mutilada. Pela fora das circunstncias, ou seja, pela ignorncia e pelo interesse. Abatido por vrios sculos de opresso, esse continente presenciou geraes de viajantes, de traficantes de escravos, de exploradores, de missionrios, de procnsules, de sbios de todo tipo, que acabaram por fixar sua imagem no cenrio da misria, da barbrie, da irresponsabilidade e do caos. Essa imagem foi projetada e extrapolada ao infinito ao longo do tempo, passando a justificar tanto o presente quanto o futuro.

    No se trata aqui de construir uma histria -revanche, que relanaria a histria colonialista como um bumerangue contra seus autores, mas de mudar a perspectiva e ressuscitar imagens esquecidas ou perdidas. Torna -se necessrio retornar cincia, a fim de que seja possvel criar em todos uma conscincia autntica. preciso reconstruir o cenrio verdadeiro. tempo de modificar o discurso. Se so esses os objetivos e o porqu desta iniciativa, o como ou seja, a metodologia , como sempre, muito mais penoso. justamente esse um dos objetivos desse primeiro volume da Histria Geral da frica, elaborada sob o patrocnio da UNESCO.

    I. PORQU?

    Trata -se de uma iniciativa cientfica. As sombras e obscuridades que cercam o passado desse continente constituem um desafio apaixonante para a curiosidade humana. A histria da frica pouco conhecida. Quantas genealogias mal feitas! Quantas estruturas esboadas com pontilhados impressionistas ou mesmo encobertas por espessa neblina! Quantas sequncias que parecem absurdas porque o trecho precedente do filme foi cortado! Esse filme desarticulado e parcelado, que no seno a imagem de nossa ignorncia, ns o transformamos, por uma formao deplorvel ou viciosa, na imagem real da histria da frica tal como efetivamente se desenrolou. Nesse contexto, no de causar espanto o lugar infinitamente pequeno e secundrio que foi dedicado histria africana em todas as histrias da humanidade ou das civilizaes.

    Porm, h algumas dcadas, milhares de pesquisadores, muitos de grande ou mesmo de excepcional mrito, vm procurando resgatar pores inteiras da

  • XXXIIIIntroduo Geral

    antiga fisionomia da frica. A cada ano aparecem dezenas de novas publicaes cuja tica cada vez mais positiva. Descobertas africanas, por vezes espetaculares, questionam o significado de certas fases da histria da humanidade em seu conjunto.

    Mas essa mesma proliferao comporta certos perigos: risco de cacofonia pela profuso de pesquisas desordenadas ou sem coordenao efetiva; discusses inteis entre escolas que tendem a dar mais importncia aos pesquisadores que ao objeto das pesquisas, etc. Por essas razes, e pela honra da cincia, tornava -se importante que uma tomada de posio acima de qualquer suspeita fosse levada a cabo por equipes de pesquisadores africanos e no -africanos, sob os auspcios da UNESCO e sob a autoridade de um conselho cientfico internacional e de coordenadores africanos. O nmero e a qualidade dos pesquisadores mobilizados para esta nova grande descoberta da frica denotam uma admirvel experincia de cooperao internacional. Mais que qualquer outra disciplina, a histria uma cincia humana, pois ela sai bem quente da forja ruidosa e tumultuada dos povos. Modelada realmente pelo homem nos canteiros da vida, construda mentalmente pelo homem nos laboratrios, bibliotecas e stios de escavaes, a histria igualmente feita para o homem, para o povo, para aclarar e motivar sua conscincia.

    Para os africanos, a histria da frica no um espelho de Narciso, nem um pretexto sutil para se abstrair das tarefas da atualidade. Essa diverso alienadora poderia comprometer os objetivos cientficos do projeto. Em contrapartida, a ignorncia de seu prprio passado, ou seja, de uma grande parte de si mesmo, no seria ainda mais alienadora? Todos os males que acometem a frica hoje, assim como todas as venturas que a se revelam, resultam de inumerveis foras impulsionadas pela histria. E da mesma forma que a reconstituio do desenvolvimento de uma doena a primeira etapa de um projeto racional de diagnstico e teraputica, a primeira tarefa de anlise global do continente africano histrica. A menos que optssemos pela inconscincia e pela alienao, no poderamos viver sem memria ou com a memria do outro. Ora, a histria a memria dos povos. Esse retorno a si mesmo pode, alis, revestir -se do valor de uma catarse libertadora, como acontece com o processo de submerso em si prprio efetivado pela psicanlise, que, ao revelar as bases dos entraves de nossa personalidade, desata de uma s vez os complexos que atrelam nossa conscincia s razes profundas do subconsciente. Mas para no substituir um mito por outro, preciso que a verdade histrica, matriz da conscincia desalienada e autntica, seja rigorosamente examinada e fundada sobre provas.

  • XXXIV Metodologia e pr -histria da frica

    II. COMO?

    Passemos agora problemtica questo do como, ou seja, da metodologia. Neste campo, como em outros, necessrio evitar tanto a singularizao excessiva da frica quanto a tendncia a alinh -la demasiadamente segundo normas estrangeiras. De acordo com alguns, seria preciso esperar que fossem encontrados os mesmos tipos de documentos existentes na Europa, a mesma panplia de peas escritas ou epigrfica, para que fosse possvel falar numa verdadeira histria da frica. Para estes, em resumo, os problemas do historiador so sempre os mesmos, dos trpicos aos plos. Torna -se necessrio reafirmar claramente que no se trata de amordaar a razo sob pretexto de que falta substncia a ser -lhe fornecida. No se deveria considerar a razo como tropicalizada pelo fato de ser exercida nos trpicos. A razo, soberana, no conhece o imprio da geografia. Suas normas e seus procedimentos fundamentais, em particular a aplicao do princpio da causalidade, so os mesmos em toda parte. Mas, justamente por no ser cega, a razo deve apreender diferentemente realidades distintas, para que essa apreenso seja sempre muito firme e precisa. Assim, os princpios da crtica interna e externa se aplicaro segundo uma estratgia mental diferente para o canto pico Sundiata Fasa2, para a capitular De Villis ou para as circulares enviadas aos prefeitos de Napoleo. Os mtodos e tcnicas sero diferentes. Alis, essa estratgia no ser exatamente a mesma em todas as partes da frica; nesse sentido, o vale do Nilo e a fachada do Mediterrneo se encontram, para reconstruo histrica, numa situao menos original em relao Europa do que a frica subsaariana.

    Na verdade, as dificuldades especficas da histria da frica podem ser constatadas j na observao das realidades da geografia fsica desse continente. Continente solitrio, se que existe algum, a frica parece dar as costas para o resto do Velho Mundo, ao qual se encontra ligada apenas pelo frgil cordo umbilical do istmo de Suez. No sentido oposto, ela mergulha integralmente sua massa compacta na direo das guas austrais, rodeada por macios costeiros, que os rios foram atravs de desfiladeiros heroicos que constituem, por sua vez, obstculos penetrao. A nica passagem importante entre o Saara e os montes abissnios encontra -se obstruda pelos imensos pntanos de Bahr el -Ghazal. Ventos e correntes martimas extremamente violentos montam guarda do Cabo Branco ao Cabo Verde. Entretanto, no interior do continente, trs

    2 Elogio a Sundiata, em lngua malinke. Fundador do Imprio do Mali no sculo XIII, Sundiata um dos heris mais populares da histria africana.

  • XXXVIntroduo Geral

    desertos encarregam -se de agravar o isolamento exterior por uma diviso interna. Ao sul, o Calaari. Ao centro, o deserto verde da floresta equatorial, temvel refgio no qual o homem lutar para se impor. Ao norte, o Saara, campeo dos desertos, imenso filtro continental, oceano fulvo dos ergs e regs que, com a franja montanhosa da cordilheira dos Atlas, dissocia o destino da zona mediterrnea do restante do continente. Sobretudo durante a pr -histria, essas potncias ecolgicas, mesmo sem serem muralhas estanques, pesaram muito no destino africano em todos os aspectos. Deram tambm um valor singular a todas essas seteiras naturais que desempenharam o papel de passarelas na explorao do territrio africano, levada a efeito pelas populaes que a habitavam h milhes de anos atrs. Citemos apenas a gigantesca fenda meridiana do Rift Valley, que se estende do centro da frica ao Iraque, passando atravs do molhe etiopiano. No sentido mais transversal, a curva dos vales do Sanga, do Ubangui e do Zaire deve ter constitudo igualmente um corredor privilegiado. No por acaso que os primeiros reinados da frica negra tenham se desenvolvido nessas regies das terras abertas, estes sahels3 que eram beneficiados simultaneamente por uma permeabilidade interna, por uma certa abertura para o exterior e por contatos com as zonas africanas vizinhas, dotadas de recursos diferentes e complementares. Essas regies abertas, que experimentaram um ritmo de evoluo mais rpido, constituem a prova a contrario de que o isolamento foi um dos fatores -chave da lentido do progresso da frica em determinados setores4. As civilizaes repousam sobre a terra, escreve F. Braudel. E acrescenta: A civilizao filha do nmero. Ora, a prpria vastido desse continente, com uma populao diluda e, portanto, facilmente itinerante, em meio a uma natureza ao mesmo tempo generosa (frutas, minerais, etc.) e cruel (endemias, epidemias)5, impediu que fosse atingido o limiar de concentrao demogrfica que tem sido quase sempre uma das precondies das mudanas qualitativas importantes no domnio econmico, social e poltico. Alm disso, a severa puno demogrfica da escravido desde os tempos imemoriais e, sobretudo, aps o comrcio negreiro do sculo XV ao XX, contribuiu muito para privar a frica do tnus humano e da estabilidade necessrios a toda criao eminente, mesmo que seja no plano tecnolgico. A natureza e os homens, a geografia e a histria no foram benevolentes com a

    3 Do rabe sahil: margem. Aqui, margem do deserto, considerado como um oceano. 4 O fator climtico no deve ser negligenciado. O professor Thurstan Shaw destacou o fato de que certos

    cereais adaptados ao clima mediterrneo (chuvas de inverno) no puderam ser cultivados no vale do Nger, porque ao sul do paralelo 18, latitude norte, e em virtude da barreira da frente intertropical, sua aclimatao era impossvel. Cf. J. A. H. XII 1, 1971, p. 143 -153.

    5 Sobre esse assunto ver J. FORD, 1971.

  • XXXVI Metodologia e pr -histria da frica

    frica. indispensvel retornar a essas condies fundamentais do processo evolutivo, para que seja possvel colocar os problemas em termos objetivos e no sob a forma de mitos aberrantes como a inferioridade racial, o tribalismo congnito e a pretensa passividade histrica dos africanos. Todas essas abordagens subjetivas e irracionais apenas mascaram uma ignorncia voluntria.

    A. As fontes difceis

    No que concerne ao continente africano, preciso reconhecer que o manuseio das fontes particularmente difcil. Trs fontes principais constituem os pilares do conhecimento histrico: os documentos escritos, a arqueologia e a tradio oral. Essas trs fontes so apoiadas pela lingustica e pela antropologia, que permitem matizar e aprofundar a interpretao dos dados, por vezes excessivamente brutos e estreis sem essa abordagem mais ntima. Estaramos errados, entretanto, em estabelecer a priori uma hierarquia peremptria e definitiva entre essas diferentes fontes.

    1. As fontes escritasQuando no so raras, tais fontes se encontram mal distribudas no tempo e

    no espao. Os sculos mais obscuros da histria africana so justamente aqueles que no se beneficiam do saber claro e preciso que emana dos testemunhos escritos, por exemplo, os sculos imediatamente anteriores e posteriores ao nascimento de Cristo (a frica do Norte uma exceo). No entanto, mesmo quando esse testemunho existe, sua interpretao implica frequentemente ambiguidades e dificuldades. Nesse sentido, a partir de uma releitura das viagens de Ibn Battuta e de um novo exame das diversas grafias dos topnimos empregados por este autor e por alUmari, certos historiadores so levados a contestar que Niani, situada s margens do rio Sankarani, tivesse sido a capital do antigo Mali6. Do ponto de vista quantitativo, massas considerveis de materiais escritos de carter arquivstico ou narrativo permanecem ainda inexploradas, como provam os recentes inventrios parciais dos manuscritos inditos relativos histria da frica negra exumados de bibliotecas do Marrocos7, da Arglia e da Europa.

    6 Cf. HUNWICK, J. O. 1973, p. 195 -208. O autor corre o risco do argumento a silentio: Se Ibn Battuta tivesse atravessado o Nger ou o Senegal, teria feito referncia a isso.

    7 Cf. UNESCO, Coletnea seletiva de textos em rabe proveniente dos arquivos marroquinos, pelo professor Mohammed Ibraim EL KEITANI, SCH/VS/894.

  • XXXVIIIntroduo Geral

    Tambm nas bibliotecas particulares de grandes eruditos sudaneses, encontradas em cidades da curva do Nger8, h manuscritos inditos cujos ttulos permitem entrever files analticos novos e promissores. A UNESCO estabeleceu em Tombuctu o Centro Ahmed Baba para promover a coleta desses documentos. Nos fundos de arquivos existentes no Ir, no Iraque, na Armnia, na ndia e na China, sem falar das Amricas, muitos fragmentos da histria da frica esto espera da perspiccia inventiva do pesquisador. Nos arquivos do primeiro--ministro de Istambul, por exemplo, onde esto classificados os registros dos decretos do Conselho de Estado Imperial Otomano, uma correspondncia indita datada de maio de 1577, enviada pelo sulto Murad III ao Mai Idriss Alaoma e ao bei de Tnis, projetam nova luz sobre a diplomacia do Kanem Bornu daquela poca e tambm sobre a situao do Fezzan9.

    Um trabalho ativo de coleta vem sendo realizado com xito pelos institutos de estudos africanos e centros de pesquisas histricas nas regies africanas que foram penetradas pela cultura islmica. Por outro lado, novos guias editados pelo Conselho Internacional dos Arquivos, sob os auspcios da UNESCO, propem--se a orientar os pesquisadores na floresta de documentos espalhados em todas as partes do mundo ocidental.

    Apenas um grande esforo de edies e reedies judiciosas, de traduo e difuso na frica permitir, pelo efeito multiplicador desses novos fluxos conjugados, transpor um novo limiar qualitativo e crtico sobre a viso do passado africano. Por outro lado, quase to importante quanto a grande quantidade de documentos novos ser a atitude dos pesquisadores ao examin -los. assim que numerosos textos explorados desde o sculo XIX ou mesmo depois, mas ainda no perodo colonial, reclamam imperiosamente uma releitura expurgada de qualquer preconceito anacrnico e marcada por uma viso endgena. Assim sendo, as fontes escritas a partir das escrituras subsaarianas (vai, bamum, ajami) no devem ser negligenciadas.

    2. A arqueologiaOs testemunhos mudos revelados pela arqueologia so em geral mais

    eloquentes ainda do que os testemunhos oficiais dos autores de certas crnicas. A arqueologia, por suas prestigiosas descobertas, j deu uma contribuio valiosa histria africana, sobretudo quando no h crnica oral ou escrita

    8 Cf. tudes Maliennes, I. S. H. M., n. 3, set. 1972.9 MARTIN, B. G. 1969, p. 15 -27.

  • XXXVIII Metodologia e pr -histria da frica

    disponvel (como o caso de milhares de anos do passado africano). Apenas objetos -testemunho, enterrados com aqueles a quem testemunham, velam sob o pesado sudrio de terra por um passado sem rosto e sem voz. Alguns deles so particularmente significativos como indicadores e medidas da civilizao: objetos de ferro e a tecnologia envolvida em sua fabricao, cermicas com suas tcnicas de produo e estilos, peas de vidro, escrituras e estilos grficos, tcnicas de navegao, pesca e tecelagem, produtos alimentcios, e tambm estruturas geomorfolgicas, hidrulicas e vegetais ligadas evoluo do clima... A linguagem dos achados arqueolgicos possui, por sua prpria natureza, algo de objetivo e irrecusvel. Assim, o estudo da tipologia das cermicas e dos objetos de osso e metal encontrados na regio ngero -chadiana do Saara demonstra a ligao entre os povos pr -islmicos (Sao) da bacia chadiana e as reas culturais que se estendem at o Nilo e o deserto lbio. Estatuetas de argila cozida com talabartes cruzados, ornatos corporais das estatuetas, formas de vasos e braceletes, arpes e ossos, cabeas ou pontas de flechas e facas de arremesso ressuscitam assim, graas a seus parentescos, as solidariedades vivas de pocas antigas10, para alm desta paisagem contempornea massacrada pela solido e pela inrcia. Diante disso, a localizao, a classificao e a proteo dos stios arqueolgicos africanos se impem como prioridade de grande urgncia, antes que predadores ou profanos irresponsveis e turistas sem objetivos cientficos os pilhem e os desorganizem, despojando -os, dessa maneira, de qualquer valor histrico srio. Mas a explorao destes stios por projetos prioritrios de escavao em grande escala s poder desenvolver -se no contexto de programas interafricanos sustentados por poderosa cooperao internacional.

    3. A tradio oralParalelamente s duas primeiras fontes da histria africana (documentos

    escritos e arqueologia), a tradio oral aparece como repositrio e o vetor do capital de criaes socioculturais acumuladas pelos povos ditos sem escrita: um verdadeiro museu vivo. A histria falada constitui um fio de Ariadne muito frgil para reconstituir os corredores obscuros do labirinto do tempo. Seus guardies so os velhos de cabelos brancos, voz cansada e memria um pouco obscura, rotulados s vezes de teimosos e meticulosos (veilliesse oblige!): ancestrais em potencial... So como as derradeiras ilhotas de uma paisagem outrora imponente, ligada em todos os seus elementos por uma ordem precisa

    10 Cf. HUARD, P. 1969, p. 179 -224.

  • XXXIXIntroduo Geral

    e que hoje se apresenta erodida, cortada e devastada pelas ondas mordazes do modernismo. Fsseis em sursis!

    Cada vez que um deles desaparece, uma fibra do fio de Ariadne que se rompe, literalmente um fragmento da paisagem que se toma subterrneo. Indubitavelmente, a tradio oral a fonte histrica mais ntima, mais suculenta e melhor nutrida pela seiva da autenticidade. A boca do velho cheira mal diz um provrbio africano mas ela profere coisas boas e salutares. Por mais til que seja, o que escrito se congela e se desseca. A escrita decanta, disseca, esquematiza e petrifica: a letra mata. A tradio reveste de carne e de cores, irriga de sangue o esqueleto do passado. Apresenta sob as trs dimenses aquilo que muito frequentemente esmagado sobre a superfcie bidimensional de uma folha de papel. A alegria da me de Sundiata, transtornada pela cura sbita de seu filho, ecoa ainda no timbre pico e quente dos griots do Mali (animadores pblicos; ver captulo 8). claro que muitos obstculos devem ser ultrapassados para que se possa peneirar criteriosamente o material da tradio oral e separar o bom gro dos fatos, da palha das palavras -armadilha falsas janelas a