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WELLEN LIMA PESSOA VIRGOLINO
HISTÓRIA FAMILIAR DO ABANDONO: DA FALTA DO CUIDADO PARENTAL À INSTITUCIONALIZAÇÃO
Monografia apresentada ao curso de graduação em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Psicologia. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Aparecida Penso
Brasília 2013
Monografia de autoria de Wellen Lima Pessoa Virgolino, intitulada “HISTÓRIA
FAMILIAR DO ABANDONO: DA FALTA DO CUIDADO PARENTAL À
INSTITUCIONALIZAÇÃO”, apresentada como requisito parcial para obtenção do
título de Bacharel em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, em 19 de Junho
de 2013, defendida e aprovada pela banca examinadora constituída por:
_________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria Aparecida Penso
Orientadora
Psicologia - UCB
_________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Sandra Eni Fernandes Nunes Pereira
Psicologia - UCB
Brasília 2013
Dedico este trabalho a família, que se mantém, porém se modifica com o passar do tempo. Dedico também, as gerações passadas que permitiram de alguma maneira que chegássemos até aqui.
AGRADECIMENTO
Agradeço em primeiro lugar ao Pai Celestial por me permitir em Sua infinita
bondade e grandeza a conclusão desta etapa em minha vida. Agradeço a Ele pela
presença continua na minha existência e por nunca ter me desamparado, mesmo quando
eu por medo ou pouca fé deixei de acreditar.
Agradeço aos meus pais, Benedito e Nicolete pelo apoio e encorajamento
incondicional, apesar da distância física nos últimos anos. Agradeço a eles por terem
acreditado em mim mesmo quando eu não mais acreditava, e por ter dedicado a vida
deles para que eu chegasse neste momento, sem eles eu não estaria aqui. Agradeço ao
meu irmão, José Eduardo, por me apoiar e me compreender, por me estender a mão nas
horas difíceis e ter permanecido ao meu lado, e ter entendido as minhas limitações.
Agradeço ao meu companheiro, amigo e namorado Júlio Cézar, por compreender as
inúmeras ausências, as minhas limitações, por me apoiar, encorajar e por acreditar em
mim. Agradeço a minha avó, aos meus tios e primos por me incentivarem com palavras
e gestos de carinho e por acreditarem na minha potencialidade.
Agradeço a minha orientadora prof.ª Dr.ª Maria Aparecida Penso, que ao longo
deste processo compreendeu minhas angustias, me apoiou, compreendeu minhas
limitações e acreditou no meu potencial. Agradeço por ter respeitado o meu tempo,
apesar da angustia que isso lhe causava. Agradeço por ter sido humana e gentil em suas
palavras, quando eu pensei que finalizar este trabalho seria impossível.
Agradeço a professora Sandra Eni por ter aceitado fazer parte deste momento da
minha formação acadêmica e da minha vida. Agradeço por ter sido gentil em todas as
vezes que os nossos caminhos se cruzaram, o aprendizado estará comigo para sempre.
Agradeço as amizades construídas ao longo da vida e na graduação, por terem
me ensinado, por terem me permitido construir conhecimento e relações de afeto e
confiança. Agradeço por terem adoçado a minha caminhada e espero que os laços
construídos não se desfaçam com o tempo, apesar de compreender que as relações se
modificam. Agradeço em especial a Daniele Fonseca, Camila Soares, Elisete Queiroz,
Cássia Relva, Isabella Viana, Francklin Lino, Jardel Santana, Natália Apolônio, Juliana
Fernandes, Fernando Menezes, Glenio Moreira, Flávia Adami, Hellen Sousa, Andreza
Sobral, Mariângela Almada, Francielle Bonetti, Carlos Alberto Silva, Merilyn Schmitz,
Marcelo Freire, Marcelo Porto, Bruno Coimbras, Mauro Gleisson, André Luiz Neves,
Emillyanne Freitas, Alana Keilla Soares e a muitos que aqui não citei, mas que são
muito importantes nesta trajetória e na minha vida. Agradeço de maneira especial as
minhas amigas Cássia Relva e Isabella Viana por terem me apoiado e encorajado a
pesquisar sobre o tema e por terem enriquecido minha experiência e vivencia
(acadêmica) por meio de suas próprias vivencias e experiências.
Agradeço ao grupo de pesquisa: “Crianças e adolescentes em acolhimento
institucional no Distrito Federal: estudo das condições familiares, institucionais e
sociais” pelos momentos de troca de conhecimento, por me ensinarem e por estarem ao
meu lado e acreditarem no trabalho que desenvolvi na pesquisa.
Agradeço aos mestres que encontrei na trajetória acadêmica, mesmo nos
tropeços, o aprendizado me enriqueceu e me modificou, para sempre.
Agradeço as funcionárias do CEFPA que gentilmente faziam os dias, tardes e
noites mais leves e especiais.
Agradeço por último, porém não menos importantes, às famílias que
participaram da pesquisa. Sem elas o trabalho não poderia ter sido feito. Agradeço por
contarem suas histórias.
RESUMO
VIRGOLINO, W. L. P. História familiar do abandono: da falta do cuidado parental à
institucionalização. 2013. 54 fls. Artigo (Graduação em Psicologia) – Universidade
Católica de Brasília, Brasília, 2013.
Este trabalho tem como objetivo compreender os processos históricos familiares, na família de origem e na família atual com relação às modalidades de cuidado e proteção nas famílias de adolescentes acolhidos institucionalmente. As questões sobre os direitos de crianças e adolescentes é algo recente e a família tem adquirido valores e significados diferentes ao longo do tempo. As famílias ao longo do seu desenvolvimento passam por diferentes estágios, que são compreendidos dentro do Ciclo de Vida Familiar. Este trabalho é construído a partir da Teoria Sistêmica e das abordagens sobre a infância, além de perpassar os aspectos legais e constitucionais sobre o acolhimento institucional. Para compreender os processos de cuidado e proteção e os mecanismos familiares que falharam para que os adolescentes fossem acolhidos institucionalmente sob medida protetiva pelo Estado, foram realizadas entrevistas com três adolescentes e um representante da família de cada um dos adolescentes. Os dados foram analisados a partir da metodologia construtivo-interpretativa de Gonzalez Rey (2005). A partir das entrevistas, foram levantados indicadores e construídas duas zonas de sentido. “O (des)cuidado e a (des)proteção no sistema familiar” e “Violência, pobreza e drogas: um caminho para o acolhimento institucional”. Os resultados apontam para o fato de que as famílias (des)cuidam e (des)protegem sua prole por meio do abandono e negligencia. A família extensa também é pouco ou nada participativa na tentativa de manter os adolescentes no convívio familiar. Porém, é possível observar que a herança familiar do cuidado das gerações passadas que foram cuidadoras perpassou de alguma maneira a família atual. A violência, a pobreza e as drogas são fenômenos que permeiam as famílias de maneira coletiva e individual e representam processos que levam a omissão dos direitos dos adolescentes e colocam em risco a vida deles e de seus familiares. Em algum momento o acolhimento representou a única opção para preservar a integridade familiar e dos adolescentes.
Palavras-Chave: Acolhimento Institucional, Ciclo de vida familiar, Cuidado e Proteção.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 1
2.1 A história do acolhimento institucional no Brasil. ............................................. 2
2.2 O cuidado e a proteção numa perspectiva transgeracional. ............................. 5
2.3 Cuidado e proteção ao longo do Ciclo de Vida Familiar. .................................. 9
3 MÉTODO ................................................................................................................... 13
3.1 Sujeitos ................................................................................................................. 13
3.2 Instrumentos ........................................................................................................ 14
3.3 Os procedimentos de coleta de dados ................................................................ 14
3.4 Procedimento de análise ..................................................................................... 15
4 RESULTADOS .......................................................................................................... 15
4.1 Família 1: Nayara (adolescente) e Nara (irmã) ................................................ 16
4.2 Família 2: Luiz (adolescente) e Lara (mãe) .................................................... 19
4.3 Família 3: Roberto (adolescente) e Márcia (avó) ............................................ 22
5 DISCUSSÃO .............................................................................................................. 25
5.1 O (des)cuidado e a (des)proteção no sistema familiar ..................................... 25
5.2 Violência, pobreza e drogas: um caminho para o acolhimento institucional 30
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 34
7 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ......................................................................... 37
ANEXO A ...................................................................................................................... 41
Roteiro para entrevista com crianças e adolescentes ............................................. 41
ANEXO B ...................................................................................................................... 44
Roteiro da Entrevista de Avaliação Familiar Sistêmica ........................................ 44
1
1 INTRODUÇÃO
O tema deste artigo é o cuidado e a proteção, ao longo do Ciclo de Vida familiar
e da história transgeracional, de crianças e adolescentes acolhidos institucionalmente e
será discutido à luz da Teoria Sistêmica e das abordagens sobre a infância. É um recorte
de dados parciais da pesquisa “Crianças e adolescentes em acolhimento institucional
no Distrito Federal: estudo das condições familiares, institucionais e sociais”
(2010), coordenada pela professora Drª Maria Aparecida Penso da Universidade
Católica de Brasília, tendo como objetivo geral conhecer as condições familiares,
institucionais e sociais das crianças e adolescentes com múltiplas medidas de
acolhimento, em andamento na Promotoria de Justiça de Defesa da Infância.
Muitos são os percursos pelos quais os sujeitos passam ao longo do seu
desenvolvimento biopsicossocial. É esperado socialmente que, após um casal se unir em
matrimonio ou manter uma união estável que ocorra a chegada natural ou adotiva de
filhos pequenos (MCGOLDRICK, CARTER, 2003). Também, espera-se que a família
se estruture de maneira tal a arcar com os aspectos de subsistência, cuidado, proteção e
desenvolvimento integral de seus membros ‘dependentes’, neste caso, os filhos. A
responsabilidade dos genitores é confirmada nos artigos 227 da Constituição Federal e
no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) Art. 22: “Aos pais incumbe o dever de
sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse
destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais” (BRASIL,
2004).
Cabe questionar sobre, o que ocorre quando há violação desses direitos básicos
de crianças e adolescentes e falha no dever de seus provedores. As pesquisas
desenvolvidas pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz) em 2003 e também pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA) contabilizou 20 mil crianças acolhidas institucionalmente no Brasil, sendo 1.586
crianças na região Centro-oeste, o que representou 8,2% do total nacional. Das 20 mil
crianças institucionalizadas, aproximadamente 18,8% foram afastadas do convívio
familiar tendo como motivo o abandono, 11,6% por violência doméstica e 5,2% por
orfandade de um ou ambos os genitores. Dentro destes aspectos de violação de direito e
afastamento do contexto familiar, 5% dos direitos fundamentais foram violados pelos
próprios familiares (pai, mãe ou responsável legal), (SILVA, 2004).
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A partir da participação na pesquisa citada acima, sugiram algumas inquietações:
Como é a organização de famílias que tem seus filhos acolhidos institucionalmente em
relação ao cuidado e proteção de seus filhos? Será que as gerações passadas também
vivenciaram situações parecidas? Como as outras gerações passaram pelas etapas do
ciclo de vida familiar, a saber: formação de um novo casal, chegada dos filhos, filhos
adolescentes, saída dos filhos de casa para construir outro núcleo familiar, a
redescoberta da vida conjugal e a velhice? Essas são questões norteadoras para se
chegar ao objetivo deste artigo: compreender os processos históricos e familiares, na
família de origem e na família atual com relação às modalidades de cuidado e proteção
nas famílias de adolescentes acolhidos institucionalmente no Distrito Federal, de acordo
com a Lei 8.0689 de 13 de Julho de 1990.
Para se atingir o objetivo geral descrito acima foram traçados os seguintes
objetivos específicos: 1 – Investigar como as famílias de adolescentes acolhidos
institucionalmente vivenciaram as diferentes etapas do ciclo de vida familiar, no que diz
respeito ao cuidado e proteção de seus membros; 2 – Discutir as relações entre as
situações que levaram ao acolhimento institucional; 3 – Identificar os modelos de
cuidado e proteção na história transgeracional.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 A história do acolhimento institucional no Brasil.
Faleiros (2005), em um ensaio para o IPEA defende que a infância e a
adolescência ao longo da história da humanidade perpassaram por diferentes nuances,
ao ponto de não se diferenciarem crianças e adolescentes dos adultos, até o momento no
qual foram reconhecidas em suas necessidades e especificidades. Um dos marcos foi a
criação do Fundo das Nações Unidas para a Infância, (United Nations Children's Fund -
Unicef) em 1946 pela Organização das Nações Unidas (ONU). Porém o ponto alto do
reconhecimento da infância veio com a Convenção sobre os Direitos da Criança em
1989 promulgada pela ONU que: ‘proclamou solenemente que crianças são sujeitos de
direitos’ (FALEIROS, 2005, p.171). No Brasil, segundo este autor, o reconhecimento e
concretização da transformação do conceito de infância e adolescência advieram por
meio do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que foi uma quebra no paradigma
de que crianças e adolescentes eram adultos em miniatura e mão de obra barata.
3
Porém, antes de chegar ao marco da Convenção, as crianças e adolescentes
pobres eram partes integrantes dos objetivos de higienização do governo, retiradas do
contexto social por serem consideradas como valendo menos que os filhos dos
burgueses da época. Fazia-se uma limpeza das crianças marginalizadas, pois não eram
consideradas dentro do padrão normal esperado. Isso tudo era um método corretivo a
uma natureza (pobre) da qual de alguma forma eram culpadas, assim como suas famílias
(FALEIROS, 2005). Existiram alguns serviços públicos que regularizavam a vida das
pessoas a margem da sociedade, seja por conduta indevida, infrações, seja por pobreza e
falta de questões básicas para a sobrevivência. Os órgãos eram:
o Serviço de Assistência aos Menores (SAM), estabelecido formalmente em 1941, como pela Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem), criada em 1964; pela Legião Brasileira de Assistência (LBA), criada em 1946; e pelos serviços de proteção à maternidade e infância da área da saúde, articulados pelo Departamento Nacional da Criança (DNCr), por muitos anos. Às Fundações Estaduais do Bem Estar do Menor (Febem), sob a direção da Funabem cabiam a prevenção e a ação contra o “processo de marginalização do menor”, e, por outro lado a correção dos “marginais” (FALEIROS, 2005, p.172).
A falta de condição financeira era uma das questões que mais afastavam as
crianças e adolescentes de seus lares, seguidas de questões de violência e abandono.
Estes pontos foram considerados importantes ao longo de todo o século XX para a
implementação de políticas públicas. A condição econômica foi uma das características
pelas quais a assistência social no Brasil desenvolveu suas políticas de proteção a esse
público (RIZZINI, 2010). Mas, é preciso considerar, que atualmente havendo qualquer
tipo de privação de direitos em relação as crianças e aos adolescentes é esperado uma
ação da sociedade e do Estado, para que seus direitos sejam garantidos. Neste sentido o
Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), no Capitulo I das Disposições Gerais, deixa
explicito que:
Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III - em razão de sua conduta.
4
Legalmente, como consta no Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do
Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2006), o
Estado Brasileiro considera primordial a estrutura familiar para a humanização e
socialização de crianças e adolescentes. Contudo, historicamente é possível perceber
que nem sempre foi e é possível mantê-las em suas famílias naturais por questões
variadas. Mas temporalmente, a pobreza é a que mais tem feito o Estado agir de maneira
institucionalizante com esse público. Atualmente, isso não se justifica e não tem amparo
dos documentos oficiais como a ratificação da Convenção sobre os Direitos da Criança
de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, a Lei Orgânica da
Assistência Social (LOAS), de 1993, que preveem a impossibilidade de dissociação da
condição dessas crianças e adolescentes do seu contexto sócio-histórico, familiar e
comunitário.
Em 2009 foi promulgada a Lei 12.010, mais conhecida como “Lei da Adoção”,
que instituiu mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) acerca da
garantia do direito à convivência familiar e comunitária para crianças e adolescentes.
Determina também, que a permanência máxima em medida protetiva sob forma de
acolhimento institucional não deve superar os dois anos, sendo que, a cada seis meses o
processo deve ser revisto para verificar se houve alterações que permitam (ou não) o
retorno da criança ou adolescente à família natural. Caso a família esteja impossibilitada
de prover as necessidades de sua prole, a mesma poderá ser colocada em medida de
acolhimento em família substituta, de preferência na família extensa. Por família
extensa, entende-se segundo a Lei 12.010 (2009) aquela que vai para além do núcleo
genitores - filhos. Ou seja, avós, tios e outras pessoas que mesmo não havendo laços
sanguíneos, sejam próximas e tenham interesse em manter a guarda das crianças e/ou
adolescentes. Observa-se que na “Lei da Adoção”, aprimoram-se os processos que
permitem que os vínculos familiares sejam mantidos, apesar da medida protetiva
aplicada.
No Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e
Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2006), é enfatizado logo no seu
inicio que é dever do estado prover maneiras, programas, formas e aproximações
diferentes para que se conservem os vínculos familiares naturais. Contudo, considera-se
difícil priorizar os vínculos naturais, aqueles que inicialmente são interpretados como
vitais, se a dinâmica familiar não permite comportamentos adequados de cuidado,
5
aproximação, parentalidade, filialidade e irmandade. Outro aspecto que deve ser levado
em consideração é a dificuldade que pode surgir para a criança e/ou adolescente de se
inserir em contextos com valores, costumes e cultura diferentes, em caso de
acolhimento institucional ou adoção por família substituta.
O processo histórico que permeia e tem permeado os conceitos de infância e
adolescência são tão recentes que se percebe ainda hoje uma busca da consolidação da
identidade e preservação dos direitos de crianças e adolescentes em todos os ambitos
(biopsicossocial). Porém, deve ser considerado o fato de que as políticas públicas
também estão se desenvolvendo para poder atender as necessidades específicas desta
parcela da população sem perder de vista o todo que a circunda, isto é, a família, a
comunidade e o Estado. Houve uma mudança do papel da família do final do século
XIX para o século XX e XXI, visto que precisou começar a atender a uma série de
cuidados que antes não eram socialmente impostos, dependendo do contexto social no
qual estavam inseridos. Contudo a promulgação de Leis e Planos foi decisiva, ao menos
no âmbito legal, para que se começasse a vislumbrar o contexto familiar de maneira
ampla para responsabilizar as partes envolvidas sem se esquecer da responsabilidade da
sociedade e do Estado.
2.2 O cuidado e a proteção numa perspectiva transgeracional.
Atualmente, em nossa sociedade, não se vislumbra mais um padrão único de
família. As famílias tem se arranjado e estruturado de maneira tal a atender as
exigências, expectativas e promover segurança, cuidado e relacionamentos de maneiras
tão variadas que não podemos mais conceituar determinados modelos familiares como
desestruturados. Aliás, as estruturas são múltiplas e diferentes entre si para atender as
necessidades específicas daquele determinado grupo, que pode não ser vivenciado e
compartilhado por outro (MINUCHIN, 1982). Contudo, é esperado que a estrutura
familiar permita o relacionamento entre seus membros, ações e relações de cuidado,
afeto, proteção e subsistência.
Para Minuchin (1982) a família é um grupo regido por regras próprias, no qual
seus membros se modificam, se ajudam e se influenciam mutuamente. Ou seja, para o
autor é um grupo que é determinado pelo contexto no qual está inserido, no tempo em
que vive e pelas condições que vive; é também reconhecido como sendo o mais
importante meio de desenvolvimento psicossocial de seus membros, isto é, funciona
6
como uma matriz identitária. A matriz identitária envolve o movimento de separação e
pertencimento que faz com que os membros de uma família se desenvolvam, façam
contato com o mundo, mas ainda assim não percam a vinculação que tem com sua
família de origem (PENSO, SUDBRACK, 2004).
Para Carter e Mcgoldrick (1995) famílias são aquelas que podemos visualizar
seu histórico a partir de três gerações, isto é, as influências são vividas pela transmissão
geracional de valores, regras, mitos e por meio de histórias passadas de geração em
geração, sem necessariamente terem sido vividas pela geração atual. O instrumento
mais utilizado pela Teoria Sistemica para se visualizar as influencias transgeracionais é
o genograma. Este instrumento construído a partir do relato da família permite que se
visualize a complexidade que permeia o contexto e a história do sistema familiar, além
das repetições e outros eventos importantes para a família (MCGOLDRICK; PETRY,
2012). O genograma coloca em evidencia de maneira estrutural a forma como a família
se constituiu, seus vínculos, os conflitos entre outros. A ausência de determinado dados
sobre alguma geração, já pode ser considerado como um ponto para se construir
hipóteses em uma pesquisa.
Para Féres – Carneiro (1996) a família também é compreendida como um
sistema de cuidado, de alicerce e de constituição do sujeito. No entanto nem sempre
consegue agir para manter esta situação. De alguma maneira a família tende ao
equilíbrio, porém nem sempre atingindo e mantendo o padrão anterior. Logo, podem
surgir situações que desequilibrem o funcionamento familiar levando de alguma
maneira a um ‘adoecimento’, pois se um ou alguns membros da família são afastados,
pode-se supor que haja algo de disfuncional no sistema familiar naquele momento, mas
ainda, isto acontecerá numa tentativa de se equilibrar. Minuchin (1982) afirma que o
sistema familiar passa por desenvolvimento e estágios que requerem reestruturação.
Esta reestruturação tende: ‘(...) a manter a continuidade e a intensificar o crescimento
psicossocial de cada membro’ (p.57).
Baseado então na perspectiva apresentada pelos autores citados anteriormente,
mesmo se a medida de acolhimento institucional, para alguns, seja visto como resultado
de uma disfunção, uma anormalidade do sistema familiar, ele pode ter sido a forma mais
criativa encontrada pelo sistema familiar para permitir a sua continuidade, preservação e
desenvolvimento (NEGRÃO; CONSTANTINO, 2011). Logo, retira-se o fator de
anormalidade do sistema familiar, quando se compreende que o acolhimento
institucional ou adoção por família extensa ou substituta é um fenômeno possível de
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ocorrer para que se permita a continuidade de seus membros, mesmo que seja por um
fenômeno de ‘descontinuidade’, isto é, o grupo familiar não permanece com todos os
seus membros no sistema.
Conforme apresentado anteriormente, para Minuchin (1982), a família é um
sistema governado por regras, onde cada um tem seu papel específico definido. Assim
para se compreender os aspectos de cuidado e proteção na família, é necessário discutir
como o casal, ao terem um filho, desempenham seus papéis de pai e mãe. Quando
marido e esposa se tornam pais, acumulam mais uma função, mais um papel, o de
cuidadores. Os filhos pequenos ocupam um lugar de dependência, de pessoas que
necessitam de proteção, que deve ser desempenhada pelos adultos com os quais
convivem (FÉRES - CARNEIRO, 1996). O papel parental é regido por uma regra
básica que é a de cuidado e proteção, contudo, as mesmas pessoas exercem papel de
conjugalidade, o que é regido por uma regra de companheirismo, mas que não anula o
cuidado dos filhos, alias, intensifica-o. Importante ressaltar que todo o sistema familiar
funciona de forma a deixar explicito que há pessoas que exercem autoridade e pessoas
que a acatam (MINUCHIN, 1982).
Rubini (1995), também vai explorar as questões dos papéis sociais. Segundo o
autor, o papel social é o que auxilia na formação da individualidade e coletividade, pois
a pessoa assume uma função e um comportamento no contexto no qual se encontra. Esta
função o caracteriza como parte do grupo a que pertence. “A organização articulada de
papéis confere unidade ao grupo, faculta ao indivíduo atingir seus objetivos como
pessoa e como integrante de uma coletividade” (RUBINI, 1995, p.3). E o autor ainda
acrescenta que no sistema familiar não é diferente. Os papéis são adquiridos a medida
que vão surgindo subsistemas, e vão se agregando a ele pessoas que não faziam parte do
sistema familiar original (como o nascimento de um filho, que agrega o papel de
genitores ao casal) ou pessoas de outros sistemas familiares, (como por exemplo o
casamento). Minuchin (1982, p.26) afirma:
O nascimento de uma criança caracteriza uma mudança radical na organização familiar. As funções dos esposos devem se diferenciar para satisfazer as exigências da criança, em termos de cuidado e alimentação e para manejar as restrições assim impostas aos tempos dos pais.
8
Isto significa que, um papel deve dar espaço para outro, mas não anulá-lo, deve-
se ter uma boa flexibilidade para se assumir os papéis que vão se constituído ao longo
do tempo.
No sistema familiar, os papéis que cada pessoa assume dentro da família
definem as regras do seu funcionamento (PENSO; COSTA; RIBEIRO, 2008). As
famílias se constituem, se mantêm e se organizam por meio de regras e funções. “Deve
existir uma hierarquia de poder, em que pais e filhos tem diferentes níveis de
autoridade” (MINUCHIN, 1982, p.57). Já marido e esposa funcionam em um sistema
horizontal de complementaridade. As regras familiares são definidas por meio de
fronteiras “que definem quem participa e como” (MINUCHIN, 1982, p.58). Porém, para
Minuchin (1982): “pais não podem proteger e guiar, sem, ao mesmo tempo controlar e
reprimir” (p.63). Assim como: “os filhos não podem crescer e se tornarem
individualizados sem rejeitar e atacar” (Idem).
Segundo Ponciano e Féres-Carneiro (2003), na família, as regras são mutáveis,
permitindo um movimento de tentativa e erro por parte das pessoas, para se construir e
se estabelecer da melhor maneira possível as relações e os papéis sociais. Contudo, para
os autores as regras do subsistema filial, são de alguma maneira impostas pelo lugar que
o subsistema assume no sistema familiar como um todo, obviamente sendo definido
também pelo subsistema parental. Ou seja, no sistema familiar existe uma hierarquia
entre os subsistemas, e a autoridade do subsistema parental é o que de alguma maneira
dita as regras dos outros subsistemas e que permite a modificação daquelas que não
estão sendo úteis para o sistema familiar total. Essa autoridade leva ao cuidado e
proteção. Por outro lado, as regras familiares tem origem no mito familiar, não sendo
determinadas apenas pela relação pais-filhos, mas sim pelas gerações anteriores e pelo
não dito que é transmitido de geração em geração.
Os valores, crenças, mitos e a cultura familiar são passados de uma geração para
outra em uma mesma família em um processo de transmissão geracional. São muitas
vezes situações não ditas, apenas vivenciadas e replicadas em outro contexto, com
pessoas da mesma família ou que venham a fazer parte dela. De acordo com
McGoldrick, Gerson e Petry (2012, P. 32): ‘(...) as mudanças em uma parte do sistema
reverberam em outras. Além disso, as interações e relações familiares tendem a ser
altamente recíprocas, padronizadas e repetitivas’. Logo, entende-se que a forma como
uma dada situação foi vivenciada pelas gerações passadas, tende a repetir o padrão de
comportamento, mesmo que não tenha sido explicitamente repassado aos outros
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sistemas e níveis familiares. Alguns estudos demonstram que os ritos, as crenças, as
fronteiras familiares e todos os outros fenômenos vivenciados no sistema influenciam
na qualidade da parentalidade (LOPES, 2012). Esta autora afirma que os estudos
comprovam que os rituais são fatores importantes para se manter o equilíbrio diante das
transições e mudanças que ocorrem ao longo da vida.
Assim sendo, é possível observar que os modelos de cuidado e proteção se
desenvolvem não só a partir das experiências atuais dos genitores, mas também se
baseiam nos modelos adquiridos, aprendidos e ensinados de suas famílias de origem e
suas gerações passadas. As regras e as definições de papéis também são importantes
fatores para se construir as relações e os comportamentos de cuidado e proteção entre os
membros da família, em especial modo entre o subsistema parental para o filial.
2.3 Cuidado e proteção ao longo do Ciclo de Vida Familiar.
A família é uma das instituições mais afetadas pelas mudanças sociais, isto é, a
mudança social afeta diretamente a forma de constituição e manutenção do sistema
familiar. “Embora a família seja matriz do desenvolvimento psicossocial de seus
membros, também deve se acomodar a uma sociedade e assegurar alguma continuidade
para a sua cultura” (MINUCHIN, 1982, p.54). Logo, a mudança na sociedade está
estritamente relacionada às mudanças que ocorrem também na família.
O sistema familiar tem como premissa básica aquela de cuidar e proteger seus
membros, tendo em vista, a etapa do desenvolvimento que cada membro se encontra
(MINUCHIN, 1982). A proteção perpassa por ações, práticas e costumes socialmente
construídos e impostos, tanto em forma de Leis quanto em forma de padrões a serem
seguidos. As medidas de proteção, de modo geral requerem relações para que se
efetivem. No entanto não necessita de um movimento empático entre as partes, em
alguns casos. Já o cuidado, segundo Boff (1999) perpassa o movimento empático, a
preocupação, o ocupar-se do outro, o criar laços afetivos que leva ao cuidado do outro
com o eu, e com o mundo. Assim sendo, o cuidado nasce da relação diária com o outro,
podendo este outro ser representado tanto pelas redes primárias quanto secundárias, ou
ambas. (FALEIROS, 2008, apud, FERREIRA, 2011).
O ciclo de vida familiar observa as mudanças que ocorrem dentro do sistema
familiar à medida que seus membros vão se desenvolvendo e assumindo diferentes
papéis e funções, tanto no âmbito individual, quanto no âmbito familiar (MINUCHIN,
10
1982; CARTER; MCGOLDRICK, 1995). Toda mudança é fator estressor para a
família, mas se o sistema tem em seu funcionamento fronteiras nítidas, isso irá permitir
o desenvolvimento e crescimento psicossocial do individuo e do sistema, mutuamente
(MINUCHIN, 1982). Desta maneira se estabelece a homeostase sem fatores
considerados anormais, patológicos ou disfuncionais para o sistema.
Carter e McGoldrick descrevem o Ciclo de Vida Familiar em seis estágios: “1 -
Saindo de casa: jovens solteiros; 2 - A união de famílias no casamento: o novo casal; 3 -
Famílias com filhos pequenos; 4 - Famílias com adolescentes; 5 - Lançando os filhos e
seguindo em frente; 6 - Famílias no estágio tardio da vida” (1995, p.17).
A seguir descreveremos cada um destes estágios, dialogando com outros autores
que também investigaram o conceito de ciclo de vida familiar.
Macedo (2007) em sua dissertação de mestrado traz a saída de casa dos jovens
como sendo um momento onde há o desejo e busca pela independência emocional e
financeira dos pais, indicando um movimento de diferenciação da família de origem.
Neste momento estão sendo construídas e consolidadas as relações, as funções e
consequentemente os papéis extrafamiliares. Muitas vezes esta etapa é caracterizada
pela saída de casa dos filhos e/ou busca por parceiros para constituir família
(CARDOSO, 2006).
A segunda etapa do ciclo de vida familiar representa a constituição de uma nova
família por meio do casamento. No inicio do matrimonio: “os esposos devem
desenvolver uma acomodação mútua (...)” (MINUCHIN, 1982, p.26). Isto é, o casal
passa por períodos nos quais se adaptam um ao outro, por meio de comportamentos e
funções repetidas diariamente. Passam também pela separação e individuação de suas
famílias de origem e pela reestruturação da relação com pais, irmãos e família extensa
(MINUCHIN, 1982).
Na terceira etapa ocorre a chegada dos filhos (pequenos). Com a chegada da
primeira criança há grandes alterações no subsistema conjugal e familiar. Pois, os
recém-genitores precisam se adaptar as necessidades da criança, o que gera mudanças
nos comportamentos padrões que existiam até então (MINUCHIN, 1982). Desta forma
todos passam a ter novas funções no sistema, inclusive a criança recém-chegada. “Este
período também requer uma renegociação de limites com a família mais ampla”
(MINUCHIN, 1982, p.26). A relação que há entre os pais e o(s) filho(s) pequeno(s) é de
proteção, ensinamento e socialização.
11
No quarto estágio com filhos adolescentes, o subsistema pais-filhos tende a
modificações quanto as relações de proteção, demonstrando um grande processo de
individuação por parte dos filhos (MINUCHIN, 1982). Neste momento os filhos
encontram-se muito mais presentes em relações extrafamiliars com pessoas de suas
mesmas idades, assim como fazem ativamente parte de outras instituições
socializadoras (MINUCHIN, 1982). As relações passam por reconstruções mutuas, pois
as regras impostas neste período podem ser obvias para os pais e não para os filhos.
Assim como as exigências e necessidades dos filhos nem sempre são externadas com a
nitidez que os pais querem ou conseguem entender.
Após a adolescência, no quinto estágio do ciclo de vida familiar, os filhos
tornam-se adultos e começam a seguir seus próprios caminhos, são lançados para a vida.
“O termo “lançamento” se justifica pelo fato de sua saída ser o resultado de um longo
processo de ‘deixar partir’” (BORGES; MAGALHÃES, 2009, p.43), isto é, os genitores
perpassaram gradualmente várias etapas e processos (infância, adolescência e vida
adulta) do ciclo de vida para conseguir lançar a prole em direção à independência do
subsistema parental. A relação entre pais é filhos neste estágio é baseada na autonomia
dos filhos e da retomada da vida conjugal sem os filhos (CARTER; MCGOLDRICK,
1995). Isto é, o casal precisa se reorganizar em suas regras e funções.
Cardoso (2006) em sua dissertação de mestrado retrata a fase tardia como o
período no qual os filhos já constituíram suas famílias, já ocorreram as chegadas dos
netos e ocorre a adaptação do casal ao processo de envelhecimento e a relação com a
finitude. Ocorrem mudanças físicas e nas relações extrafamiliares e institucionais, esta
última demarcada pela aposentadoria. De alguma maneira este casal passa a ser foco de
cuidado dos filhos e dos netos, havendo novamente mudança de papéis ou surgimento
de novos, de forma tal a permitir a continuidade do sistema e suas relações.
A medida que vão ocorrendo os estágios do Ciclo de Vida familiar, o cuidado, a
proteção e as relações entre subsistema parental e filial se alteram. No segundo estágio
do Ciclo de Vida familiar definido por Carter e McGoldrick (1995), no qual há o
nascimento de uma criança, o cuidado é caracterizado pela alimentação e proteção. Com
crianças maiores e em idade escolar o cuidado perpassa a orientação, a educação e a
socialização (MINUCHIN, 1982). Para este autor com filhos adolescentes a relação
estabelecida pelos pais é de flexibilização das fronteiras, pois há um maior movimento
de individuação e separação por parte do subsistema filial. Isto ocorre na tentativa de se
diferenciar do sistema familiar e se inserir mais nos grupos e contextos extrafamiliares.
12
Neste estágio do Ciclo de Vida, o autor afirma que muitas vezes os adolescentes e as
crianças são socializados pelos pares (grupos iguais), pela escola e pela comunicação
em massa. Contudo, apesar da diferenciação e separação ocorridas neste momento,
deve-se permitir o movimento de pertencimento e manutenção da relação de cuidado,
proteção e orientação entre pais e filhos.
Quando os filhos se tornam adultos, ocorrem algumas mudanças significativas
nas funções, nos papéis e consequentemente nas relações no sistema familiar. Há um
nivelamento da hierarquia até então vertical e indiscutível, onde o poder era dos pais. As
relações se tornam mais horizontais, as fronteiras nítidas e possivelmente mais flexíveis,
de forma tal que permitam o desenvolvimento e adaptabilidade dos filhos aos diferentes
contextos nos quais estão inseridos. Apesar do nivelamento, a família se desenvolve
para manter a missão de: “manter a continuidade e a intensificar o crescimento
psicossocial de cada membro” (MINUCHIN, 1982, p.57). Assim sendo, quando esses
pais se tornam idosos, muitas vezes os papéis de cuidado e proteção são assumidos
pelos filhos, exatamente para permitir a continuidade do sistema, apesar da proximidade
da finitude de alguns membros da família.
Trazer a tona vários aspectos, teorias e conceitos abordados ao longo deste
estudo são de suma importância para compreender o processo de construção da família
e perceber o quão demorado foi a inserção da discussão sobre o direito de crianças e
adolescentes sob o ponto de vista social e familiar, nas políticas públicas e na sociedade
brasileira. Além disso, mesmo com as políticas atuais, existem vários aspectos que não
são respeitados para que esse público tenha o seu desenvolvimento global respeitado
dentro da família e da comunidade. Apesar, do acolhimento institucional ser visto como
uma medida protetiva para salvaguardar crianças e adolescentes que têm seus direitos
violado, esse distanciamento da família afeta o ciclo de vida individual e familiar. Outro
aspecto importante em refazer esse percurso teórico é permitir construir mais adiante
um olhar sobre os aspectos intra e extrafamiliares que levaram os cuidadores a falharem
ou se ausentarem em etapas importantes do desenvolvimento infanto-juvenil, e como
esses mesmos aspectos foram capazes de retirar crianças e adolescentes de suas famílias
e serem institucionalizadas.
13
3 MÉTODO
Este trabalho, que segue os moldes da pesquisa maior do qual faz parte,
“Crianças e adolescentes em acolhimento institucional no Distrito Federal: estudo
das condições familiares, institucionais e sociais” (2010). Utiliza o método
qualitativo, que tem como premissa básica a construção dos dados que se constituem em
inter-relações e fenômenos vivenciados nos mais diferentes contextos: sociais, culturais
e econômicos. A pesquisa qualitativa permite a imersão, o questionamento, a análise e a
construção de hipóteses advindas dos dados retirados dos relatos, vivências e
instrumentos construídos juntos com os participantes da pesquisa (GONZALEZ REY,
2005). Tal metodologia permite a participação do pesquisador também, como alguém
que constrói os dados juntamente com os sujeitos pesquisados.
Segundo Gonzalez Rey: “A pesquisa qualitativa se debruça sobre o
conhecimento de um objeto complexo (...)” (2005. p. 51), sendo também influenciado
pela história de vida e o contexto. Esses fatores são ricos e demonstram as infinitas
possibilidades de se vivenciar e observar os fenômenos nos quais os sujeitos são atores.
Por se tratar de uma pesquisa dentro da área da psicologia, Gonzalez Rey (2005)
afirma também que é indissociável essa construção qualitativa dos dados juntamente
com as vivências psicológicas construídas, sentidas, percebidas, entre outras, pelos
sujeitos (tanto participantes quanto pesquisadores) da pesquisa.
3.1 Sujeitos
Foram escolhidos para este artigo três casos de adolescentes que tiveram
vivência de medida protetiva em instituições de acolhimento no Distrito Federal e suas
famílias. Foram entrevistadas na Família 1 a adolescente Nayara* que tem 16 anos e sua
irmã Nara*, representando sua família; na família 2 foram entrevistados o adolescente
Luiz* que tem 14 anos e sua mãe Lara*, representando a família; na família 3 foram
entrevistados o adolescente Roberto* que tem 14 anos e sua avó Márcia*, representando
a família.
14
3.2 Instrumentos
Os instrumentos foram construídos pela a equipe da pesquisa da qual as autoras
fazem parte. Os instrumentos foram elaborados para se obter os dados necessários para
se construir e discutir os objetivos da pesquisa.
Os instrumentos utilizados na pesquisa foram: 1- Roteiro de análise documental,
que continha a história dos adolescentes nas instituições de acolhimento pelas quais
passaram e outras instituições de garantia de direitos que atuaram nos casos; 2- Roteiro
de entrevista semi-estruturada para a família com perguntas que possibilitassem o
levantamento da história familiar, as fases do ciclo de vida atual e da família de origem,
histórico de abandono, violência entre outros aspectos; 3- Roteiro de entrevista para os
adolescentes para compreender a visão deles dos períodos de acolhimento, visão da
família, anseios, histórico de abandono e violência, relações afetivas, histórico da vida
escolar etc; e a construção do genograma.
No entanto para este artigo foram utilizados apenas os roteiros de entrevistas
com os adolescentes (ANEXO A) e as famílias (ANEXO B), e o genograma construído
a partir das entrevistas.
3.3 Os procedimentos de coleta de dados
A partir dos dados coletados na pesquisa maior, da qual este estudo faz parte, se
priorizaram as histórias dos adolescentes ainda acolhidos tanto para a realização das
entrevistas com as famílias quanto com eles mesmos. Foram escolhidos três casos
específicos, cujo dados atendiam aos objetivos deste artigo de maneira mais completa e
específica. Todos os casos dos adolescentes continham em sua história o histórico de
acolhimento institucional. Com todos os casos foi possível realizar a entrevista tanto
com um membro da família, quanto com o/a adolescente. Respeitou-se a vontade e
liberdade dos adolescentes e suas famílias de não serem entrevistados, caso assim
desejassem. Logo, todos os participantes da pesquisa, e dos sujeitos deste artigo em
especifico, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, permitiram a
gravação das entrevistas e suas respectivas transcrições na íntegra. Foram realizadas
visitas domiciliares para a realização de entrevistas semi-estruturadas com membros da
família e construção de genograma. Caso o adolescente já tivesse sido reintegrado foi
15
feita a visita domiciliar também para entrevistá-lo, caso contrário, foram feitas visitas na
instituição de acolhimento na qual eles estavam para a realização da mesma. É
importante ressaltar que as autoras não tiveram contato com as famílias e os
adolescentes, mas sim tiveram acesso aos dados já coletados e transcritos.
3.4 Procedimento de análise
As informações foram analisadas utilizando a epistemologia construtivo-
interpretativa de González Rey. A pesquisa de natureza qualitativa tem como base um
objeto mutável, interativo, que atua de maneira intencional, logo este processo, por ser
humano e social, perpassa também o pesquisador, sendo um movimento dialógico
permanente entre as duas partes da pesquisa (GONZÁLEZ REY, 2005).
Sobre a forma de construção do conhecimento por meio dos instrumentos
utilizados para se apreender os dados, Gonzalez Rey afirma que: “Toda construção é um
processo complexo, plurideterminado, que exige a maior perícia do pesquisador para
definir os indicadores relevantes sobre o que estuda” (2005, p.55). Logo é a eficácia da
comunicação do pesquisador com os sujeitos pesquisados ao longo da construção dos
dados que permitirá uma boa análise dos mesmos. Segundo Gonzalez Rey (2005), os
indicadores são facilitadores de alguma forma para a compreensão de toda pesquisa
humana e social, logo contextualizada e subjetiva. Estes indicadores são retirados das
falas e dos instrumentos utilizados ao longo da ‘coleta de dados’ que sejam comuns
entre si de alguma forma, e isso é realizado pelo pesquisador.
Já as zonas de sentido são a segunda parte desta análise construtivo-
interpretativa feita pelo pesquisador, pois não estão explícitas nos dados, só surgem
após a interpretação e análise de quem pesquisou, logo é uma construção do sujeito
pesquisador ao longo de todo o processo. As zonas de sentido permitem construções de
hipóteses, análises e interpretações ricas, diversas e infindáveis.
4 RESULTADOS
A síntese das histórias da vida dos adolescentes e de suas famílias foi construída
a partir das entrevistas ocorridas com os adolescentes e os representantes de suas
famílias de origem. Todos os nomes utilizados neste trabalho são fictícios para
preservar a identidade dos participantes e dos outros protagonistas das histórias.
16
4.1 Família 1: Nayara (adolescente) e Nara (irmã)
Nayara (16 anos) é a terceira filha de Jonas e Miranda. Nara é a segunda filha do
casal, que teve ao todo oito filhos, contudo o último filho morreu no parto. Lidiane é a
irmã mais velha, está casada e não mantém contato com os membros da família. Nayara
tem dois irmãos mais novos que ela, e são gêmeos entre eles, os mesmos são cuidados e
moram com pessoas da família extensa, mas nenhuma das entrevistadas soube dizer
quem eram essas pessoas. As duas irmãs mais novas também moram com pessoas da
família extensa. Não foi relatada pelas filhas a forma como o casal se conheceu.
Segundo relato de Nara, na entrevista, seu pai agredia fisicamente a esposa. Este fato
também foi confirmado por Nayara. Nayara e Nara contaram que o pai agredia a mãe na
frente dos filhos. O mesmo era agressivo (verbal e fisicamente) também com as
crianças, segundo Nayara o pai tem em seu histórico a prática de homicídio, mas este
fato não foi relatado em nenhum momento por Nara. A mãe morreu no parto do último
filho, e segundo as entrevistadas foi em decorrência de uma violência física sofrida pelo
marido.
A mãe foi descrita como sendo uma pessoa cuidadosa e que mantinha todos os
membros da família unidos. Ela foi também confirmada como figura de proteção,
maternagem e socialização para as duas filhas entrevistadas. Após a morte da mãe, Nara
relatou que precisou abandonar a escola, pois era rechaçada pelos demais colegas, por
não ter mãe e morar no “brejo”.
O pai da adolescente, após a morte da esposa, passou a intensificar o descuido, a
violência e desproteção em relação aos filhos. Passou a se relacionar com uma mulher e
esta tornou-se figura presente na casa da família. Inicialmente, segundo Nayara e Nara,
a nova companheira do pai ia na casa durante o dia ajudá-las, e depois ia embora.
Depois de um tempo passou a não sair mais da casa. Segundo as irmãs em alguns
momentos o pai amarrava-as em um tronco. Enquanto estavam amarradas a ‘madrasta’
nada fazia para impedir a situação. O pai, em decorrência do novo relacionamento,
passou a cercear os filhos em relação aos pertences como roupa, alimentação, entre
outros itens advindos de doações. Ele os dava apenas para a filha da nova companheira,
e passou a incriminar os filhos quando eles usavam algo, precisavam de algo ou quando
acabava algo. Em decorrência dessa relação conflituosa, o pai expulsou alguns filhos,
menores de idade, de casa. As duas filhas menores continuaram ainda a serem
17
‘cuidadas’ pelo pai, aparentemente. Segundo Nara, elas ficaram um tempo em um
“brejo” (sic). Aparentemente quem as ajudava era uma senhora, vizinha de uma chácara
que ficava perto do “brejo”.
Depois da morte da mãe, algum tempo depois Nara casou-se, e passou a não
mais residir com os irmãos. Assim sendo ficaram na casa do pai Nayara, os irmãos
gêmeos e as duas meninas menores. Mas o pai, em um certo dia, tentou matar Nayara.
Os vizinhos desesperados chamaram a tia, cunhada da mãe, e Nara. Neste dia a tia pediu
ao Conselho Tutelar a guarda de Nayara e dos gêmeos, e lhe foi concedida. Neste
momento o CRAS e o CREAS interviram ajudando-a com benefícios e itens para
manter as crianças. Contudo, após um determinado período de tempo, Nara relatou que
os órgãos pararam de ajudar a tia. A relação com as crianças passou a ser aparentemente
de descuido, e a primeira que buscou a ajuda de Nara foi Nayara. Por não se entender
mais com a tia passou a residir com a irmã. Contudo, o comportamento de Nayara não
mudava, segundo, Nara. A mesma se viu em dificuldades em cuidar de todos, deste
modo solicitou ajuda do conselheiro tutelar da região e o mesmo encaminhou as
crianças para o abrigo.
A ligação forte que havia entre Nara e Nayara, mobilizou-a muito, pois tinha
medo que a irmã e os irmãos fossem mal tratados no abrigo. Nara acompanhou os
irmãos de perto em relação a vivência do acolhimento institucional. Fazia visitas ao
abrigo. Nayara passava os finais de semana na casa da irmã Lidiane, contudo sem êxito
para reintegração familiar. Pois não tinha um bom relacionamento com as pessoas de lá.
Em sua entrevista Nayara relatou que não tem vontade de morar com as pessoas
da família, gostaria de buscar sua independência, mas caso tivesse que escolher, moraria
com Nara, contudo não no lugar onde esta reside atualmente, pois segundo a
adolescente não tem conforto nenhum, além do mais não tem bom relacionamento com
o cunhado.
Nara relatou, que o pai e as outras pessoas conhecidas da família extensa, nunca
se preocuparam com os irmãos e com ela após o acolhimento. A única pessoa que a
ajuda é a companheira do pai, contudo sem o consentimento e bom grado dele. O pai
não mantém contato com os filhos. O mesmo alega para a própria Nara que ela não é
sua filha, por ser fisicamente diferente dos outros filhos.
Nayara relatou que gostaria de ter contato com o pai, mas o mesmo não quer. Ela
não tem bom relacionamento com a companheira do pai, e convive pacificamente
quando a encontra, apenas pelo fato da madrasta ajudar a irmã.
18
Nayara permanece acolhida institucionalmente, os irmãos menores estão sob os
cuidados de pessoas da família extensa que não se sabe ao certo quem são essas pessoas.
Nara está casada e mãe de dois filhos. Lidiane está casada, é mãe de uma criança e não
mantém contato com os irmãos.
Figura 1: Genograma da família 1
19
4.2 Família 2: Luiz (adolescente) e Lara (mãe)
A família de origem de Lara, mãe de Luiz (14 anos), migrou de Minas Gerais
para o Distrito Federal quando ela era ainda bem pequena. As irmãs de Lara começaram
a trabalhar cedo para ajudar a família.
Lara (41 anos) tem em sua história vários acontecimentos que levaram ao
acolhimento institucional de seus filhos. Por meio da construção do genograma foi
possível visualizar que Lara teve quatro companheiros antes de conhecer o pai de Luiz.
Os relacionamentos foram todos de curta duração. Somente o terceiro companheiro não
teria sido, mas A. foi morto em serviço, e com ele, ela tinha planos de permanecer para
construir um relacionamento. Após a morte de Alberto, Lara buscou refugio emocional
e financeiro no filho das pessoas que alugavam o lote onde ela e a família moravam,
Silvio, pai de Liz, Luiz e Lino. Contudo, após um tempo de relacionamento, quando as
crianças já haviam nascido, Lara relatou que passou a fazer uso de drogas e isso a
impediu de cuidar e permanecer com seus três filhos (Liz, Luiz e Lino). Desta maneira
levou-os ao abrigo espontaneamente. Durante esse período, seu companheiro Silvio
estava preso por praticar sequestro. Ele utilizou na época a casa de Lara como cativeiro.
A mesma o denunciou para a polícia e ele foi preso. Quando estava recluso Silvio , pai
das crianças, solicitou-lhe que levasse drogas na prisão onde se encontrava. Lara foi
pega e ficou presa por um mês. Neste período as crianças continuaram acolhidas.
Porém, quando Lara saiu da prisão, voltou ao abrigo requerendo os filhos de volta, mas
demorou um certo tempo até ela conseguir novamente a guarda deles.
Quando voltou para casa, Liz, a filha de Lara, passou a evadir de casa e ir pra
rua e consequentemente voltava para o abrigo. Enquanto esteve abrigada, nas vezes
seguintes, Liz se envolveu amorosamente com outro adolescente que também estava
acolhido. Quando descobriu o relacionamento, Lara foi contra e passou a perceber a
instituição de acolhimento como um lugar não seguro para seus filhos. Ela acreditava
que estando acolhidos eles estariam isentos de violências e más influências. Seu outro
filho Lino, no momento no qual a entrevista foi feita estava preso na Granja das
Oliveiras. Já Luiz foi descrito pela mãe como uma criança calma, carinhosa e que
sempre esteve ao seu lado.
Luiz relatou que acha que foi acolhido pela primeira vez quando tinha um ano de
idade. Em sua entrevista o adolescente disse que foi acolhido aproximadamente três
20
vezes. Contou que evadiu diversas vezes, tanto do abrigo quanto de casa. Nos períodos
nos quais esteve abrigado aprendeu a cheirar cola e não frequentava regularmente a
escola. Em uma das reintegrações familiares solicitou a mãe para morar com o pai, e
ficou aproximadamente um ano morando com Silvio. No inicio, segundo relato de Luiz,
como eles não se conheciam, pois Luiz foi abrigado ainda criança, a relação era muito
tranquila tudo era muito bom. Mas, três meses depois começaram as agressões físicas e
verbais. Contou também que fazia as atividades domésticas para ajudar o pai, e quando
este chegava sempre o repreendia e o agredia alegando que o serviço não tinha sido
feito da forma correta. Após ocorrerem vários episódios como este, Luiz fugiu
novamente e foi buscar refugio na casa da mãe.
Lara contou que Liz, Luiz e Lino têm pouco contato com o pai atualmente, o
vêem apenas esporadicamente, a última vez havia sido há quatro anos.
Quanto à família de origem, Lara é a filha caçula e apenas filha da mesma mãe,
logo seu pai não é o mesmo de seus irmãos. Sua mãe ficou viúva e conheceu seu pai,
com quem teve um rápido envolvimento, pois mesmo sabendo da gravidez, ele não quis
permanecer com a mãe de Lara. Apesar dessa situação, Lara sempre teve o apoio da
mãe e dos irmãos, sendo que tem em uma das suas irmãs a figura de cuidado e
maternagem. Luiz conta que a irmã também representou o papel de cuidado e proteção
enquanto esteve acolhido.
Lara relata que sua mãe teve ao todo 11 filhos, sendo que 5 faleceram, alguns na
infância e outros por uso de drogas. Lara também teve muitos filhos, mas ao contrário
da mãe, os teve com vários parceiros diferentes. Apesar dos inúmeros parceiros e
nascimentos, Lara sempre teve o apoio em seu sistema familiar. Relatou que a mãe
nunca foi violenta e que percebia a educação imposta pela mãe como um pouco rígida,
porém importante e necessária para a boa educação dos filhos. Lara relatou que seu pai
tentou matá-la algumas vezes, porém não fica explicito como isso ocorreu e se de fato
ocorreu, visto que a mãe é viúva e seu pai biológico não a conheceu. Desta forma a
figura de cuidado e proteção foi vista na figura materna da mãe e dos irmãos. Lara
replica este papel de cuidado com os filhos mais próximos, pois alguns outros foram
doados em adoção para a família extensa e uma para uma família que a mãe não sabe
quem é. Então este papel de cuidado e proteção não foi vivido para todos os filhos.
Quando questionada na entrevista se percebe esse movimento transgeracional
dentro da família, Lara disse que as drogas foram um fenômeno que conseguiu
perpassar as gerações, tanto seus irmãos quanto alguns de seus filhos foram ou são
21
usuários. Percebeu também que o filho Lino, que está preso seguiu os passos do pai
Silvio, apesar de não conviverem, ela alega que são semelhantes e que tomaram
caminhos semelhantes.
Atualmente Lara convive com o companheiro Denis e seu filho Luiz. Ela
atribuiu ao novo companheiro o motivo da mudança no contexto familiar.
Figura 2: Genograma da Família 2
22
4.3 Família 3: Roberto (adolescente) e Márcia (avó)
A história familiar foi contata pela avó de Roberto, Márcia. Ela casou-se muito
nova e teve seis filhos do primeiro casamento. Até o nascimento do seu terceiro filho,
Candido, sua mãe que muito a ajudava era viva. Porém, no período de resguardo do
mesmo, sua mãe faleceu em detrimento de um derrame. Neste período Márcia estava
residindo com os pais, neste caso com o pai que tinha se tornado viúvo, pois seu
relacionamento teve várias idas e vindas, várias separações e reconciliações. O
casamento, segundo Márcia era permeado pela violência e o excesso de bebida do
marido. Na entrevista disse que sempre contou muito com o apoio dos pais, e que seu
pai, após a morte da mãe, a ajudou muito. Contou que ele passou a ser pai e avô de seus
filhos, além de cuidar da própria Márcia. Porém, Márcia, reconciliou-se novamente com
o esposo e teve mais três filhos com ele, até que após inúmeros desentendimentos o
casamento chegou ao fim.
Márcia contou que ficou bastante tempo solteira. Ela já não mais morava com
seu pai e tornou-se pai e mãe de seus filhos, pois o ex-marido em nada contribuía e
ainda alegava que Candido não era seu filho. Recasou-se após nove anos e teve mais
dois filhos, com um homem mais velho do que ela. Apesar da boa relação conjugal que
existia entre eles, o matrimonio não durou, pois os filhos do primeiro casamento de
Márcia, não reconheceram o novo cônjuge da mãe como cuidador e figura de
autoridade. Depois desta relação Márcia permaneceu solteira. Seus ex-companheiros se
recasaram e constituíram outras famílias.
Seu filho Candido foi o único filho homem que teve no primeiro casamento.
Candido é pai de Roberto (14 anos). Na adolescência, Márcia relatou, que Candido
começou a envolver-se com “coisa errada” (sic). Nesta época conheceu uma moça e
teve um filho com ela, Roberto. Quando a criança tinha nove meses, Ilma sua mãe
biológica, deixou-o na casa de Márcia e foi embora. Roberto foi acolhido pela avó, pelo
pai na época adolescente e pelas tias, isto é as filhas de Márcia. Ela contou que criou
Roberto como sendo seu filho. C.E auxiliava no cuidado e necessidades financeiras.
Quando já estava mais crescido, Roberto começou a questionar porque seu pai chamava
sua mãe de mãe também. Márcia então explicou para a criança que ela era sua avó. Esse
fato mexeu muito com os sentimentos de Roberto e a maneira como se relacionava com
todos da família. Começou a querer saber quem era sua mãe de verdade, enquanto esta o
renegava veementemente. Nos os outros contextos como, por exemplo, o escolar,
23
Roberto começou a apresentar um baixo rendimento. Márcia relatou que ele começou a
evadir da escola e a ter relação com o tráfico local, fato também confirmado por
Roberto. Por estar sendo ameaçado de morte Roberto foi acolhido institucionalmente
pela primeira vez, quando tinha 10 anos. A avó descreveu o primeiro acolhimento como
tendo sido bom para o neto não ser morto. Ela o visitava semanalmente no abrigo.
Márcia relatou que suas filhas e seu filho Candido também visitavam Roberto. Ele só
foi reintegrado a família aos 12 anos.
Inicialmente tudo parecia ir bem. O adolescente voltou a estudar, ficava em casa
e obedecia as regras estabelecidas pela avó. Neste momento a mãe biológica de Roberto
começou a dizer que havia feito de “bobo” (sic) Candido e toda sua família, pois a
criança que eles criaram não era filho dele. A partir deste momento mudou a relação pai
– filho que havia entre Roberto e seu pai. Este continuou a manter contato, mas
começou a repensar o tempo que viveu com uma criança que não era seu filho, a
história foi confirmada pelo exame de DNA. Márcia relatou que ela não mudou sua
relação com o adolescente. Mas, inicialmente Roberto voltou a rebelar-se e quis
conhecer a mãe e ficar mais com ela. Essa, porém, era violenta com Roberto e sempre o
menosprezava, além de viver em um ambiente pouco seguro para ele e seus outros
filhos. Roberto passou a ficar entre a casa da mãe, da avó e a rua. Por estar com
comportamento arredio, devido ao fato dos maltratos sofridos pela mãe e da suposta
perda de identidade da família que sempre conviveu, Roberto passou a se envolver
novamente com situações perigosas, a avó pediu ao Conselho tutelar para reacolher o
adolescente. Neste segundo acolhimento a avó foi poucas vezes visitar o neto, pois
estava com problemas de saúde, mas ligava semanalmente para ter notícia de Roberto.
Da data que foi realizada a entrevista havia oito dias que o adolescente tinha sido
reintegrado a família, novamente.
Márcia percebe na vivência do neto vários abandonos sofridos na relação com a
mãe. Ela disse também que não precisaria ele ter vivenciado o acolhimento, pois ele tem
uma família que o ama, cuida e protege. Disse que abrigo foi feito para as famílias que
não tiverem condições de manter e cuidar de seus filhos. Roberto também confirmou
esta ideia em sua entrevista, mas disse que toda essa experiência (o abandono da mãe, a
descoberta que sua família não é sua família e o acolhimento) mexeu muito com ele, e o
influencia ainda hoje, em todos os contextos nos quais faz parte.
Fica explicito na história de Roberto que a figura de cuidado, amor e proteção
foi e é exercida pela avó, que ele tem como mãe. De fato foi possível perceber o mesmo
24
cuidado que o pai de Márcia teve com ela e com seus filhos, sendo replicado por Márcia
no cuidado de seus filhos e de seu neto Roberto. A relação entre Candido e o
adolescente é baseado no repeito, no cuidado e no dialogo, mas não existe segundo
Roberto, o amor e o carinho que o pai demonstra ter com os outros filhos.
Figura 3: Genograma da Família 3
25
5 DISCUSSÃO
5.1 O (des)cuidado e a (des)proteção no sistema familiar
Nesta zona de sentido serão discutidos aspectos acerca do cuidado e da proteção
que permeiam as relações familiares, e dos efeitos da sua ausência, na história do seu
Ciclo de Vida Familiar. Ou seja, como os membros da família sentiam-se na família e
vivenciaram a falta de cuidado e proteção por parte de uma ou mais pessoas do sistema
familiar.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/90, em seu artigo 5º
estabelece que: “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punindo na
forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.
É possível perceber nas entrevistas com os adolescentes e membros de suas famílias que
a dinâmica familiar foi permeada pela negligencia, violência e opressão, ferindo os
aspectos descritos na Lei.
“Eu lembro que quando meu pai morava com a minha mãe ele batia muito assim ni nóis entendeu? ele bebia e batia (...)”. (Nayara, adolescente família 1) “Meu pai não, meu pai num ajuda com nada. Meu pai é um desgraçado”. (Nara, irmã de Nayara, representante da família 1)
O adolescente Luiz relatou que após morar um tempo com a mãe, teve vontade
de conhecer e morar com o pai, em outra cidade. Com a permissão da mãe ele foi ao
encontro do genitor. Nos três meses iniciais de convívio o relacionamento pai-filho era
muito bom. Contudo, ao final dos primeiros meses o pai se tornou agressivo, opressor e
passou a explorar o adolescente nas atividades domésticas.
“Brigava por qualquer motivo. Começava a bater ne mim (...) Não, chegava em casa, eu tinha lavada a louça, limpado a casa. Aí tava brincando com meus amigo e ele falava “olha a chugeira disso aqui” e começava a bater!” (Luiz, adolescente família 2)
A mãe ao permitir o distanciamento do filho do ambiente familiar no qual ela era
a figura de cuidado (minimamente o era), permite de alguma maneira que o filho
vislumbre uma relação inicialmente benéfica com o pai (fato importante, pois, poderia
ter ocorrido uma retomada do papel de cuidado por parte deste pai). Porém,
26
posteriormente a relação com este se tornou repleta de violência, o que poderia ter
levado a uma possível ameaça da vida de Luiz. Segundo Minuchin (1982) regras bem
estabelecidas e fronteiras nítidas entre as partes que compõem o sistema, permitem uma
boa organização e manutenção das relações familiares. Contudo quando essas fronteiras
são difusas ou rígidas demais, torna-se complicado o dialogo entre as partes.
Provavelmente, neste contexto a definição de papéis e os vínculos que permeavam o
cuidado, não tinham se consolidado, ou até mesmo não tinham sido construídos, pois o
pai nunca residiu com o filho, e portanto, este não conhecia o comportamento daquele
enquanto cuidador. Neste contexto, gostaríamos de traçar um paralelo entre a falta de
cuidado e os conceitos de regras e fronteiras. Regras bem estabelecidas pelo sistema
parental, permitem um bom desenvolvimento global do sistema e de seus indivíduos de
maneira individual.
Segundo Boff (2005) cuidar é condição primária para se definir o humano e sua
relação com o outro. Cuidar é preocupar-se, é zelar, é ter uma relação na qual cada etapa
de vida da pessoa cuidada é importante para o cuidador, assim como o sofrimento
também é vivido como um fenômeno que faz parte do outro e de si. O cuidado no
sofrimento mobiliza para que se preste auxílio na superação das dificuldades
encontradas no caminho da pessoa a quem se destina o cuidado. Cuidar é fazer parte da
vida de alguém. Se não há preocupação, se não há cuidado, então, segundo o autor, não
é possível haver nenhum tipo de relação entre as partes. Isto é, não se reconhece a
existência do outro como sendo real e válida.
A mãe de Nayara e Nara é vista como figura-central de cuidado para ambas as
adolescentes, conforme destacado abaixo na fala de Nara:
“( A mãe)Tratava bem, num era de bater, se tava errada ela batia. Banhava nóis pra ir pra escola, nóis eia pra escola limpim, lavava nossas roupa, num deixava nóis com piolho (...)” (Nara, irmã da adolescente Nayara)
Mesmo após o falecimento da mãe, os filhos mais novos que não possuíam
lembrança vívida dela, a tinham como figura emblemática de cuidado a partir do relato
de Nayara e suas irmãs mais velhas. Desta forma é possível perceber o conceito de
cuidado descrito por Boff (1999; 2005) na prática, visto que provavelmente, foi por
meio do lugar que a genitora ocupou e desempenhou enquanto mãe em vida, isto é
zelou, preocupou e cuidou, que permitiu a formação de conceitos positivos sobre
27
cuidado e proteção materna para as adolescentes e também que estas pudessem repassar
sua percepção aos irmãos menores.
“Meus irmãos não vão lembrar, igual quem lembra mesmo é só eu, e Nayara e Lidiane, os pequenos eles não lembra não. Mais pode ver, o que perguntar eles responde sobre minha mãe”. (Nara, irmã da adolescente Nayara)
Há, porém, casos como o do adolescente Roberto, que a mãe biológica não
exerceu o papel de cuidado, ao contrário, nesta relação o que observamos é que não
houve proteção e cuidado com filho. Apesar de não ser a pessoa com quem Roberto de
fato morava, este gostaria de ter se vinculado a ela de maneira afetiva, porém sem êxito,
visto a forma agressiva com a qual ela tratava ele e seus irmãos.
“Teve um dia que ela (a mãe biológica) encostou nois na parede e ela sabe que tem arma né? Anda com esses bandidos todinhos ai, ela disse que a vontade dela era ia lá pegar uma arma, e mata nois tudo no meio da parede! O irmão dela mandou ela parar com isso, que não é assim que trata os filho dela não. O próprio irmão dela, me deu dinheiro pra ir lá denunciar ela, porque ela bateu na minha cara tanto”. (Roberto, adolescente da família 3)
Rossetti-Ferreira (2012) afirma que é a vinculação com o outro que permite o
desenvolvimento da pessoa. No inicio da vida esse papel de cuidado e inserção no
mundo é realizado pela mãe ou pelo pai. Mas não foi o que ocorreu com Roberto em
relação a mãe.
Algumas vezes falta de cuidado é realmente vivenciada pela ausência, pelo
silêncio e falta de atenção em compreender que cuidar vai além dos aspectos físicos,
mas também perpassa o emocional (BOFF, 2005; BRASIL, 2004). Como é possível ser
observado na fala do adolescente Roberto, quando questionado sobre o que deseja do
pai, da sua relação com ele:
“(...)me da atenção, me dá carinho que nem ele dá pros filhos dele. Só isso”.(Adolescente da família 3)
Mas há também o outro lado da história no ciclo de vida familiar dessas famílias,
onde houve irmãs e avós parentais (MINUCHIN, 1982; ROSSETTI-FERREIRA, 2012).
Isto é, na ausência da figura materna e paterna, irmãos mais velhos cuidaram dos irmãos
mais novos e assumiram determinadas funções típicas do subsistema parental. Quando
Luiz esteve na instituição de acolhimento, outros dois irmãos também estiveram com
28
ele. Neste momento, o adolescente relata o papel de mãe assumido pela irmã dentro da
instituição de acolhimento:
“A adolescente Liz me pegava no colo, me levava pra dentro e colocava alguma coisa pra mim assistir (...)É, ela sempre foi mãe, papel de mãe”. (Luiz, adolescente da família 2)
“Ficava no pé. Estudar, estudar... A única coisa que eu posso te dar no momento”. (A frase que Luiz ouvia da irmã)
No caso de Roberto era a avó a pessoa que desempenhou o papel de cuidado e
proteção com relação a ele.
“eu fui criando ele né, ai peguei amor, ai fui cuidando dele como meu filho né, (...) ai quando foi com 7 anos o pai dele foi e contou a historia toda pra ele, quem era a mãe dele, tal e (...) ele passou a entender que eu não era a mãe desse e sim vô, porque ele me chamava de mãe e tudo mais até que ele chegou me fazer uma pergunta. Porque que eu era mãe dele e mãe do pai dele? Né ai eu disse pra ele, não é porque eu sou sua avó e ai então você me chama de mãe que eu cuido de você desde pequenininho ai ele” (Márcia, Avó/mãe do adolescente Roberto)
Segundo Minuchin (1982) é comum a presença da função parental em outros
subsistemas quando a família é muito grande, e sente a necessidade de compartilhar
determinados poderes e regras para a proteção e manutenção das relações no sistema
familiar. Porém, não é o que ocorre no caso de Roberto e Luiz. O papel parental foi
assumido pela irmã e pela avó pela situação de abandono no qual os adolescentes se
encontravam quando crianças.
A teoria sistêmica tem estudado os processos de transmissão transgeracional das
famílias, partindo do pressuposto de que há influência das gerações passadas na
construção da história de vida da família atual (PENSO; COSTA; RIBEIRO, 2008). Em
duas, das três histórias trabalhadas neste artigo, observa-se vestígios deste legado
transgeracional com relação ao cuidado e a proteção, sendo importante ressaltar que em
uma das famílias não há relatos das gerações passadas.
Lara, mãe de Luiz, teve no núcleo familiar o apoio, o cuidado e a proteção que
necessitava. Sua mãe e uma irmã mais velha foram descritas como as figuras de
cuidado, pessoas que desempenharam o papel de maternagem e proteção com ela.
“Eu só tive a minha mãe. É. E minhas irmãs. Que são tudo na minha vida! “
(Lara, mãe do adolescente Luiz, família 2)
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“Ela é minha madrinha, minha irmã, minha mãe!”. (Lara)
Penso, Costa e Ribeiro (2008) afirmam que famílias em situação de
vulnerabilidade socioeconômica tem dificuldades em retomar a história de suas
gerações passadas, pois há constantes descolamentos e migrações, “dificultando, assim,
a manutenção e a transmissão de uma memória familiar através das gerações, bem
como da perpetuação de seus rituais” (p.17). Não podemos afirmar que seja pela
situação de distanciamento do lugar de origem que fez com que as famílias estudadas
não tivessem conhecimento de suas gerações passadas. Mas, percebemos um a falta da
família extensa no processo de acolhimento institucional vivenciado pelos adolescentes.
Outro ponto importante citado por Marra (2008) sobre a transmissão geracional
é permitir: “o que cada pessoa, aqui e agora, conhece das demais, e o que as move,
ainda que não sejam conhecedores, conscientes ou inconscientes, do que lhes é
transmitido” (p.61). Isto é, os legados e modelos nem sempre serão vividos na geração
atual de maneira consciente. Mas, de alguma maneira é possível perceber que
determinados comportamentos surgem e se mantém na família por um modelo
anteriormente ensinado, vivido, delegado, enfim, não se sabe de onde veio, mas sabe-se
que perpassa a história da família. Podemos citar neste caso, o exemplo da avó de
Roberto, que teve em seus genitores modelos de cuidado até mesmo durante sua vida
adulta e casamento.
“Meu pai me ajudou muito, com a criação dos meus filhos. Ele era avô e pai ao mesmo tempo”. (Márcia, avó/mãe do adolescente Roberto, família 3)
Quando Márcia, avó de Roberto, estava separada do primeiro marido, sua mãe a
ajudava no cuidado com os filhos.
“Porque eu tava separada dele, ai eu trabalhava e minha mãe cuidava das duas mais velhas”. (Márcia, avó/mãe do adolescente Roberto, família 3)
Pensando na história de Roberto, que foi criado pela avó, e recebeu dela carinho,
cuidado, apoio e proteção de maneira tal aquela esperada do papel de mãe, é possível
que ela tenha como modelo de cuidado aquele herdado dos pais. A herança é vivencial,
e não apenas como um rito ou mito familiar, que é apenas um legado do não dito nas
famílias.
30
5.2 Violência, pobreza e drogas: um caminho para o acolhimento institucional
Nesta zona de sentido serão discutidos os motivos familiares e individuais que
levaram os adolescentes a vivenciarem o acolhimento institucional. Entre os motivos
encontrados, estão a violência familiar, as condições socioeconômicas e o uso de drogas
(lícitas e ilícitas).
Um dos fatores que levaram os adolescentes a estarem em medida protetiva sob
forma de acolhimento institucional, foi o uso de drogas lícitas e ilícitas, juntamente com
a vivência de rua, tanto por parte dos adolescentes quanto por um ou ambos os
genitores.
“O segundo motivo do abrigamento foi agora, quando eu já tava morando nessa casa aqui. Ele é tinha ido lá pra casa da mãe dele né, ai ele não ficava nem lá nem aqui. Depois ele veio embora de novo pra cá, mais aquele caso não me obedecia, não me respeitava, só na rua, me agredindo dentro de casa” (Márcia, avó/mãe do adolescente Roberto)
Segundo o art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), crianças e
adolescentes tem o direito de serem criados por suas famílias naturais e/ou substitutas e
em ambientes sem a presença de substâncias entorpecentes. O Plano Nacional de
Convivência Familiar e Comunitária (2006), afirma que mesmo quando a drogadição
não é vivenciada pelos adolescentes, é considerado um fator de risco para os mesmos,
por ser algo que afeta o sistema familiar, a comunidade e a sociedade como um todo,
sendo importante que o Estado e os órgãos de Saúde, estimulem a participação dos
usuários em seus programas de recuperação. Obviamente, para salvaguardar a
integridade física e psicológica dos adolescentes, os responsáveis acreditaram que era a
melhor solução afastá-los do convívio familiar onde havia a presença de drogas ilícitas.
Penso, Costa e Sudbrack (2008) afirmam que a adolescência é um momento no
ciclo de vida no qual o uso de drogas surge como uma dificuldade da família em passar
por este estágio do ciclo e/ou também como uma maneira de autoafirmação ou
movimento de separação da família por parte dos adolescentes. No relato de Nayara não
fica explícito em qual momento ela começou a fazer uso de drogas, mas a irmã relata
que foi antes do acolhimento. Nayara em determinado momento da entrevista disse que
foi acolhida por estar usando maconha, mas não soube dizer ao certo o que ocorreu.
31
“Num sei seu eu tava fumando maconha...eu não sei o que tava fazendo não”. (Nayara, adolescente da família 1)
No caso de Roberto o envolvimento surge antes da adolescência, como
‘sintoma’ da relação pouco afetiva que a mãe tinha com ele. Como não consegue
construir uma relação mãe-filho com ela, o adolescente se rebela e passa a ter relações
com o tráfico. Tal momento pode ser visto na fala da avó, Márcia, sendo, este
envolvimento com atividades ilegais, um dos motivos que levaram o adolescente para a
instituição de acolhimento.
“É por causa, que eu fui morar com minha mãe, ai ela ficou me espancando, ficou me batendo, ai voltei pra morar com minha mãe, ai eu comecei a ficar revoltado e ai eu comecei a ficar na rua, não queria ficar em casa, ficava só na rua”. (Roberto, adolescente da família 3) “(...) quando eu procurei o conselho tutelar de novo que ele tava envolvido com pessoas perigosas, com droga, com traficante né? E ai a Cecília foi, que é a conselheira, e arrumou e foi pra esse abrigo de novo”. (Márcia, avó/mãe do adolescente Roberto)
O caso de Roberto, perpassou também pelo trauma do abandono afetivo da mãe
biológica; e do pai, que após descobrir que o adolescente não era seu filho, passou a ter
um relacionamento mais distante e sem afeto com ele. A única figura que surge ainda
como cuidadora é a avó. Penso, Costa e Sudbrack (2008), citando Silvestre (1991),
afirmam que essa suposta separação da família por parte do usuário de droga passa por
idas e vindas de casa. Porém com Roberto as idas e vindas além de perpassarem a
questão do envolvimento com as drogas e com o tráfico da região onde residia, também
perpassava por conflitos relacionais com a genitora (mãe biológica) e avó (que passa a
não ser mais vista como ‘A MÃE’). Penso, Costa e Sudbrack (2008) pensando no
contexto transgeracional das famílias com usuários de drogas, discutem o papel de pai,
entendendo que o pai da geração atual, pode não ter tido uma referencia da figura
paterna em sua infância ou adolescência. De fato essa dificuldade relacional encontrada
entre Roberto e seu pai, também aconteceu na infância de Candido, pai do adolescente.
Apesar de Candido não ser o pai biológico de Roberto, este não sabia disso e sempre o
considerou como pai de quem esperava por cuidado e carinho. Márcia relata que o pai
de Candido também não lhe reconheceu a paternidade, e Candido também teve
envolvimento com as drogas em sua adolescência.
32
“(relação do primeiro marido com o filho que é pai do adolescente acolhido) Ai eu engravidei do Candido, ai porque a gente tava separado, ele dizia que o Candido não era filho dele”. (Márcia, avó de Roberto) “ (adolescência do pai de Roberto) Isso ele vivia, na época envolvido com uns sobrinhos meus, que mexia com essas coisas, tal..” (Márcia, avó de Roberto)
A avó também tenta trazer a luz um pouco da história da vida e da família da
mãe biológica de Roberto. Neste caso não se fala da influência do uso de drogas, por
parte da família materna, mas sim do ambiente no qual esse uso ocorria, que poderia ser
configurado como um ambiente nocivo para o adolescente. Podemos fazer uma ligação
com a teoria, contudo pensando que a mãe e todo seu sistema podiam ter no uso de
drogas, uma forma de não tratar o que de fato perturbava o funcionamento da família.
Isto é: “O uso de drogas, assim, é um mecanismo substitutivo de tentar equilibrar o que
não está sendo possível dentro do sistema familiar (...)” (PENSO; COSTA;
SUDBRACK, 2008. p. 145). Não teremos acesso ao que o sistema da mãe estava
tentando equilibrar, mas é possível perceber o ‘desequilíbrio’ que se criou na relação
com a geração atual, no caso, Roberto.
De acordo com o art.98 do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), se
houver qualquer violação, omissão ou abuso por parte do Estado, dos pais ou
responsáveis o acolhimento institucional se torna viável para a proteção de crianças e
adolescentes. Nos casos aqui estudados, o acolhimento, também, surgiu em razão do
fenômeno da violência contra o próprio adolescente, ou contra o seu sistema familiar
global, assim como a omissão, entendida como abandono, por parte da família nuclear e
extensa. Nara, que representa a família de Nayara, relata que o pai tentou matar a irmã,
e isso foi um dos motivos que a levou a morar em sua casa:
“Chamou a policia pro meu pai, falando que meu pai tava com uma arma lá querendo matar a Nayara” (Nara).
Roberto também foi abrigado por estar sendo ameaçado de morte por traficantes
da região onde morava:
“Assim nessa época, foi dois caras lá em casa, adolescente também, pra matar ele. Ai eu fui com ele lá no conselho tutelar, a foi na vez que o Sr. Damasceno foi ai, conseguiu o abrigo (...)É, ele tava ameaçado de morte. É tinha que ter tirado ele mesmo por um tempo, pra algum lugar, pra ele fica-se guardado” (Márcia, avó/mãe do adolescente Roberto)
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A saída de Nayara de sua casa paterna para a casa da irmã Nara, poderia
configurar-se por si só como omissão, abuso por parte do pai, com o qual os filhos não
mantêm nenhum tipo de relação. Outros dois filhos menores, segundo relato, também
tiveram que ir morar com a cunhada da mãe, pela falta de cuidado por parte da figura
paterna.
“Ai, quando demora uns dias, lá vem meus irmãos chorando. Galega deixa eu morar com tu? E ai, morava eu, meu sogro, meu marido, e a Naileide e era só um quarto e era pequeno. Tia Maria colocou eles pra fora de casa. Ai eu abriguei eles. Ai eles ficaram uns dois dias comigo. Como nóis não tinha condições, ai eu fui, aí eu falei com eles, e eles levaram eles pro abrigo. Levaram os três”. (Nara, irmã da adolescente Nayara)
Estes irmãos desejavam morar com Nara. Contudo sua condição de
vulnerabilidade não permitiu com que ela ficasse com eles e ela mesma acabou
solicitando ao Conselho Tutelar que iniciasse o processo de aplicação de medida
protetiva para os irmãos. Porém, o art. 23 do Estatuto da Criança e do Adolescente
(1990) afirma que: “A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo
suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar” . Logo é possível perceber
que a realidade não acompanha a lei, pois grande parte dos motivos que levam crianças
e adolescentes a serem acolhidos institucionalmente é a vulnerabilidade social e
econômica pelo qual suas famílias passam. Este fato foi pesquisado e comprovado por
Silva (2003) quando realizou a pesquisa “Levantamento Nacional de Abrigos para
Crianças e Adolescentes da Rede SAC”. Na pesquisa, a pobreza consta como primeiro
motivo que levou crianças e adolescentes a serem retirados do convívio familiar e
colocados em instituições de acolhimento como medida protetiva. Os documentos
oficiais já citados, enfatizam que caso as famílias estejam em tais situações de
vulnerabilidade, é importante que elas seja inseridas em programas governamentais
específicos para minimizar ou erradicar as vulnerabilidades, garantindo o vinculo e a
convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes. Contudo a autora afirma
que: ‘Ressalva-se, porém, que a pobreza pode estar articulada a outros fatores
determinantes da violação de direitos que podem ter justificado o abrigamento das
crianças e dos adolescentes’ (SILVA, 2003, p. 4). Isto é, a vulnerabilidade social (a
pobreza) podem desencadear privações para o público infanto-juvenil de ordem material
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e emocional, o que pode se configurar como violação de direitos descrita nas Leis e no
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Refazendo o percurso da discussão desta zona de sentido, podemos perceber que
a violência, as drogas e a vulnerabilidade social foram os fatores que culminaram no
acolhimento institucional dos três adolescentes. Evidenciando-se uma relação muito
próxima entre vulnerabilidade social e abandono, e violência com as drogas. Contudo os
fenômenos não ocorrem de maneira tão linear nos contextos. Os fatores se tornam
relacionais a partir do momento que um membro do sistema ou todo o sistema começam
a se desvincular por conta dos fatores citados. Nestes casos a medida protetiva surgiu
como a melhor solução para preservar a integridade dos adolescentes e permitir que
seus direitos não fossem mais violados. E possível perceber também, que em alguns
casos, a falha vem por meio da falta de políticas públicas que abarcassem e atingissem
de maneira eficiente o sistema familiar. Curioso também é ressaltar as relações
transgeracionais que se repetiram na história da família atual e do adolescente. Logo,
podemos pensar na herança (mesmo que não dita e inconsciente) transgeracional de
alguns modelos do ciclo de vida original que foram revividos na família atual. Não
tivemos muito acesso a história passada destas famílias, mas pudemos traçar algumas
relações, principalmente aquelas ligadas ao uso de drogas e a questões de abandono
afetivo, que se configura tão forte quanto o abandono de fato.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho foi construído a partir das inquietações surgidas ao longo da
participação na pesquisa “Crianças e adolescente em acolhimento institucional no
Distrito Federal: estudo das condições familiares, institucionais e sociais” (2010). A
proposta ética que nos impulsionou a realizar este recorte e construir este trabalho não
foi o de culpabilizar os sujeitos e suas famílias, mas sim discutir e compreender a forma
como estas famílias estabeleceram ao longo do seu Ciclo de Vida Familiar e história
transgeracional as relações de (des)cuidado e (des)proteção, e como essas relações
afetaram as vivencias e experiências dos adolescentes e suas famílias ao ponto de algum
membro ser institucionalizado.
Os objetivos do trabalho foram alcançados, porém não esgotados. Ao longo do
contato com as famílias, em função de sua situação de vulnerabilidade social e vivência
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de “histórias partidas” ficou pouco explicito a forma como elas haviam passado pelos
estágios do Ciclo de Vida Familiar. Mas, podemos considerar que a falta destas
informações é muito significativa e nos informa sobre a fragilidade destas famílias na
manutenção de sua memória familiar. Ou ainda que a forma como foi conduzida a
pesquisa pode ter gerado a ausência destas informações.
A ausência dos pais ou responsáveis, as vivências de abandono concreto e
afetivo e os episódios de violência e uso de drogas também podem ter contribuído para
que as memórias tenham sido perdidas. Mas nossa compreensão é que em muitos
momentos as vivências destas fases do Ciclo de Vida Familiar foram permeadas por
sofrimento, violência e desproteção, tanto por parte da família nuclear quanto extensa.
Vale ressaltar que os membros da família, mesmo com as dificuldades para
contatá-los, surgiram como grandes elucidadores de questões que nem mesmo os
próprios adolescentes tinham conhecimento, como a história da familiar nuclear e
transgeracional.
O papel de cuidado foi atribuído às mulheres da família (mãe, avó e irmã). Foi
possível observar que os modelos de cuidado foram de alguma maneira herdados, pois
quem teve a vivencia de cuidado na família de origem, conseguiu reproduzir, mesmo
que minimamente, na atualidade. Porém, pouco foi trazido acerca das gerações passadas
no que tange o ciclo de vida familiar e algumas relações familiares, provavelmente por
conta do deslocamento migratório. Contudo, isso não pode ser afirmado, apenas
hipotetizado.
O que mais levou os adolescentes a vivenciarem a experiência do acolhimento
institucional foi a vulnerabilidade social, observada na forma de falta de recursos
materiais. Apesar de não ser um motivo válido para a aplicação da medida protetiva, tal
situação foi apontada como a razão para o acolhimento. A pobreza, que de alguma
maneira desestabiliza o funcionamento familiar e já começa a produzir violação de
direitos básicos, vem acompanhada de omissão, negligência, violência e uso de drogas.
Omissão e negligencia foram compreendidos neste trabalho como abandono. Além do
abandono físico, observou-se também a existência de abandono afetivo, aquele no qual
não se reconhece o outro enquanto sujeito que necessita de cuidado e pede por zelo e
amor. A violência foi o fenômeno vivenciado tanto dentro da família sob forma de
violência física contra o próprio adolescente, quanto em ameaças por parte do tráfico de
drogas. Percebemos o quanto as famílias estão longe dos programas de assistência social
do país e o quanto as leis não acompanham a realidade, ou vice-versa. O histórico do
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tema por si só perpassa questões sérias como a marginalização e a higienização que
havia anteriormente, com relação às pessoas em situação de vulnerabilidade. E mais, o
quão demorada foi a discussão para que crianças e adolescentes tivessem seus direitos
reconhecidos, garantidos e preservados.
Ao longo da realização do trabalho foram consultadas várias fontes cientificas
para se basear o conceito de cuidado. Porém, o cuidado dentro da psicologia é estudado
em sua maioria pela área da saúde. O que se buscava para o trabalho era o conceito de
cuidado relacional, o cuidado simbólico, que ia para além do cuidado do corpo. Apesar
desta defasagem, percebe-se que o conceito utilizado foi assertivo para trabalho.
Por termos três casos semelhantes, porém diferentes entre si, acreditamos que as
questões transgeracionais deveriam ser melhor pesquisadas e provavelmente muito mais
deverá ser produzido para que algumas hipóteses se confirmem em um universo maior.
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7 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA BORSA, J. C, FEIL, C. F. O papel da mulher no contexto familiar: uma breve reflexão. 2008 Psicologia-pt – O Portal dos Psicólogos. Disponível em: <http://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0419.pdf> . Acesso em: 17 de novembro de 2012. BRASIL, Lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. In: BRASIL. Código civil. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. BRASIL, Presidência da República. Secretaria Especial Dos Direitos Humanos. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. Brasília, 2006. Disponível em: <www.mds.gov.br>. Acesso em: 16 maio 2013. BRASIL, Lei n. 12.010 de 3 de agosto de 2009. Dispõe sobre adoção; altera as Leis nos 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, 8.560, de 29 de dezembro de 1992; revoga dispositivos da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, e da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943; e dá outras providências. In: Brasil. Diário Oficial da União (D.O.U.) de 04/08/2009, P. 1. BOFF, L. Saber Cuidar. Ética do Humano – Compaixão pela Terra Petrópolis, Ed. Vozes, 1999. BOFF, L. O cuidado essencial: princípio de um novo ethos. Inclusão Social, Vol.1, n.1, 2005. Disponível em: <http://revista.ibict.br/inclusao/index.php/inclusao/article/view/6/11>. Acesso em: 18 mai. 2013. BORGES, C.d.C.; MAGALHÃES, A. S. Transição para a vida adulta: autonomia e dependência na família. Psico, Rio de Janeiro, v. 40, n. 1, p.42-49, jan/mar. 2009. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/viewFile/3993/4140>. Acesso em: 29 abr. 2013. CARDOSO, V. S. "Tudo que eu fiz eu não tenho nada que me arrepender": Percepções e vivências do estágio tardio na perspectiva de casais idosos. 2006. 143 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/62283969/13/Ciclo-de-Vida-Familiar>. Acesso em: 29 abr. 2013. CARTER, B; MCGOLDRICK, M. (cols.). As mudanças no ciclo de vida familiar – uma estrutura para a terapia familiar. 2e. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
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41
ANEXO A
Roteiro para entrevista com crianças e adolescentes
Objetivo: Versão da criança/ adolescente sobre sua história de ida e vindas aos abrigos.
Nesta perspectiva, os seguintes eixos nas entrevistas realizadas são destacados:
- Motivo do acolhimento;
- Pessoas e/ou situações que implicaram em apoio e suporte.
- Pessoas e/ou situações que implicaram em desamparo e desproteção.
- História familiar
- Projeto para o futuro.
Entrevista
Introdução: Estamos realizando uma pesquisa sobre crianças e adolescentes que estão
em abrigos que tem mais de uma passagem pelos abrigos, buscando compreender
história delas, se essas diversas medidas de acolhimento tem ajudado ou não. Nosso
objetivo ajudar as crianças e adolescentes que estão abrigadas. Estas são em linhas
gerais da pesquisa.
Hoje
a) Você está com quantos anos agora?
Motivos do Acolhimento:
a) E você nasceu aqui em Brasília mesmo?
b) Você falou que tem quantos irmãos?
c) Há quanto tempo você está neste abrigo?
d) Da primeira vez que você foi abrigada onde você estava? Quem te levou para o
Abrigo (Juizado, Conselho Tutelar etc)?
e) Mas quais foram os motivos que te levar a vir para o Abrigo? Você sabe por que você
está aqui? Você foi informado?
f) Com quem você morava antes de ir para o abrigo?
g) O quê aconteceu com seus pais?
h) E a sua mãe você tem contato com ela? Ou contato com algum membro da família?
i) E por que motivo você saiu da casa de tua mãe?
j) Dos abrigos que você já passou, o que você achou de cada um deles?
42
k) Nesse tempo todo que ficou no abrigo, você voltou pra sua família alguma vez?
l) Você tem contato com os seus irmãos?
m) Tem algum dos seus irmãos que mora com sua mãe?
n) Quando você vai visitar ela, o que você faz? Como é seu dia?
o) Vocês se dão bem?
p) Tinha algum tipo de violência em sua casa?
q) Eles usavam drogas?
r) Como você viu/esta vendo essa história toda acontecendo na sua vida?
Escola:
a) Você estuda?
b) Qual (ano) série que você está na escola?
c) Onde que é a sua escola?
d) Mas você acha que você aprende lá?
e) Quando você veio pro Abrigo você estava estudando? Em caso positivo em qual
escola? Qual a localização? Quem te levava para escola?
f) Você perdeu algum ano da escola?
g) Você conseguiu concluir quais séries?
h) Tem alguém no abrigo para acompanhar as crianças nas tarefas domesticas? Como
eles realizam esse acolhimento institucional.
Saúde:
a) Você tem algum problema de saúde?
b) E tem ou teve algum tratamento psicológico?
c) Você fez algum tratamento médico durante o tempo que você ficou abrigado(a)?
A passagem pelo Abrigo:
a) Você que acha que te ajudou em algo?
b) Caso contrário, o que você acha que te atrapalhou?
c) Qual que é(era) tua obrigação dentro da casa, desde que acorda?
d) E desses Abrigos o que você vê que te ajuda(ou) ,e não ti ajuda(ou) em cada um
deles?
e) Em algum momento da sua estada nos Abrigos você quis voltar pra casa?55
f) Eles (abrigos) tentaram ti levar de volta pra casa?
43
g) Como é(eram) os momentos de lazer no abrigo?
h) Você chegou a experimentar algum tipo de drogas durante o tempo que permaneceu
no abrigo?
i) Com foram o seu contato com o Conselho Tutelar o que você achou? Você sentiu que
eles (conselheiros) estavam do seu lado, ajudando? Ou o que?
j) Você já teve contato com o CREAS esse povo da assistência social?
Opiniões:
a) Em geral você acha que deve mesmo existir Abrigo? Por que tem uma Lei que diz
que “lugar da criança e na família na escola e na comunidade”
b) O que você acha que teria acontecido se você tivesse ficado com seus pais?
c) Você já esteve em abrigos que possuem a figura da mãe social, você acha importante
ter essa pessoa?
d) Pra você qual é a melhor estrutura - cuidadores ou a mãe social?
e) Que você acha que teria no Abrigo Ideal?
f) Que tipo de ajuda sua família precisaria, ou precisa pra que fossem capazes de cuidar
de vocês, e você não ter que sair de casa?
g) Quando vocês estavam em casa você e seus irmãos faltavam alguma coisa financeira.
Comida?
h) Tinha alguma ajuda do governo?
i ) Qual a lembrança que você tem da sua família (caso esteja abrigado)?
Projeto para o futuro:
a) Qual é teu projeto de futuro?
44
ANEXO B
Roteiro da Entrevista de Avaliação Familiar Sistêmica
Orientações gerais:
- Informações importantes antes de da entrevista. Não perguntar a família.
_ Número de filhos e idade atual de cada um. Antes da entrevista confiram esta
informação no instrumento de análise documental. Veja que isso norteará o tempo
verbal das perguntas e até onde ir na entrevista.
_ Algum filho permanece abrigado?
_ Algum foi adotado?
_ Lembrem-se que este instrumento é apenas um roteiro, devendo ter flexibilidade para
se adaptar a realidade da família.
_ A entrevista deverá ser feita sem a presença das crianças e/ou adolescentes.
_ Atentar para os recados/dicas entre parênteses para auxiliar os entrevistadores
1º MOMENTO
A) A história da família atual (Ciclo de Vida Familiar):
– Relacionamento do casal: Namoro e casamento. (No caso de caso de múltiplos
parceiros, pais diferentes das crianças, essa questão deverá ser feita sobre cada um).
a) Como os pais se conheceram?
b) Estão juntos até hoje? Como é o relacionamento entre eles?
c) Se não estão mais juntos, por quanto tempo permaneceram juntos? Como era o
relacionamento? Por que se separaram?
d) Como era o relacionamento com a família extensa (irmãos, tios, avós, primos)? Com
os amigos? Vizinhos?
e) Quando precisavam de ajuda, a quem recorriam: que pessoas ou instituições
ajudavam? Que tipo de ajuda recebiam? O que achavam dessa ajuda?
B) Nascimento dos filhos e primeira infância:
a) Como foi o nascimento de cada filho? E do (s) filho(s) que estão ou estiveram
abrigados?
b) Foi ou foram esperados? Como estava o casal, no momento do nascimento dos
filhos?
c) Se tiverem outros filhos, como foi com os outros? Houve diferenças entre eles?
45
d) Quem cuidava deles na infância?
e) Como era a relação de cada filho com os pais, irmãos, ou outras pessoas importantes?
f) Como era a família nessa época? Havia brigas? Entre quem?
g) A família fazia algum programa em conjunto? Passeava? Onde?
h) Como era o relacionamento com a família extensa? Com os amigos? Vizinhos?
i) Quando precisavam de ajuda, a quem recorriam, que pessoas ou instituições
ajudavam? Que tipo de ajuda recebiam? O que achavam dessa ajuda?
C) Entrada dos filhos na escola:
a) Como foi a entrada dos filhos na escola? O filho que está abrigado apresentou algum
problema? E os outros filhos? Foram diferentes? Iguais?
b) Havia reclamações da escola?
c) Como era o relacionamento com a família extensa? Com os amigos? Vizinhos?
d) Quando precisavam de ajuda, a quem recorriam, que pessoas ou instituições
ajudavam? Que tipo de ajuda recebiam? O que achavam dessa ajuda?
D) Adolescência dos filhos (Lembrar que se a família tem apenas crianças não fazer
estas perguntas, Neste caso, ir direto para o item que fala do futuro)
a) Como foi a adolescência dos filhos? Que dificuldades cada um apresentou?
b) a família tinha o hábito de conversar entre si? Os pais conversavam com os filhos? E
os filhos entre si? Quando conversavam, sobre que assuntos falavam?
c) Como era o relacionamento com a família extensa? Com os amigos? Vizinhos?
d) Quando precisavam de ajuda, a quem recorriam, que pessoas ou instituições
ajudavam? Que tipo de ajuda recebiam? O que achavam dessa ajuda?
E) A família e o(s) abrigamento(s) do(a)(s) filho(a)(s)
a) Quantos abrigamentos foram? Quais os motivos? (O que aconteceu para que os filhos
fossem abrigados)?
b) Reações de cada membro da família frente ao(s) abrigamentos.
c) Alguma criança ainda permanece abrigada? Por quais motivos?
d) Nesse período, as crianças/adolescentes saíram do abrigo em algum momento?
Foram para onde? Como estava a família? (Se foi para casa de outro parente identificar
como foi esse processo, como ficou a relação dos genitores com as crianças e com o
parente)?
46
e ) O que aconteceu nestes retornos? Porque voltaram a ser abrigadas?
f) (Caso algum filho esteja abrigado) O que vocês acham que é necessário acontecer
para que as crianças/adolescentes possam voltar a morar com vocês?
g) Nesse período, vocês foram encaminhados para algum serviço? Vocês chegaram a
ser atendidos? Se não, por que? Se sim, o que vocês acharam? (identificar se a família
chegou a ir ao serviço, se não, por que motivo)
h) O que pensam sobre o abrigo? O que vocês acham(ram) bom? O que acham(ram) que
poderia ser diferente?
i) O que mudou na família com o fato das crianças ou adolescentes terem sido / estarem
abrigadas?
j) Há ou havia visitas às crianças/adolescentes? Quem visitava? Com qual frequência? O
que faziam durante as visitas? Como se sentiam?
k) O que percebiam do comportamento e sentimento das crianças abrigadas com relação
ao fato de estarem longe de casa?
l) As crianças/adolescentes passavam ou passam finais de semana, feriados com os
pais?
m) Como a família se organiza nestes momentos? O que fazem juntos? Quais as
dificuldades ou facilidades?
n) As crianças/adolescentes comentavam/comentam o que com relação ao abrigo?
Gostavam? Não gostavam?
o) Mudou alguma coisa nos relacionamentos com os vizinhos, amigos e parentes depois
que os filhos foram abrigados? O que mudou? Porque acham que mudou?
p) Antes do abrigamento ou ao longo deste, família buscou algum tipo de ajuda:
amigos, parentes, vizinhos, instituições (escola, hospital, polícia, igreja, etc)?
q) Os vizinhos, amigos e parentes sabem ou souberam do abrigamento? Quais foram as
reações?
F) Filhos adultos (futuro)
a) Como imaginam o futuro? O que cada um gostaria de estar fazendo?
b) Como imaginam que a família vai estar organizada?
c) Como imaginam que estará cada um deles no futuro? (trabalho, escola, vida amorosa,
etc)?
d) Com imaginam que vão estar as relações com os vizinhos, amigos e parentes?59
47
2º MOMENTO
_ Genograma (três gerações)
_ Em cada geração, investigar: Padrões de interação familiar, história médica (principais
doenças e acidentes), migrações, etnia, religiões, nascimentos, mortes, separações,
partidas, profissões, ocupação, desemprego, aposentadorias, problemas com a lei, abuso
físico ou sexual, uso de drogas e álcool, abrigamentos, adoções, datas em que os
membros nas diferentes gerações deixaram a casa, relacionamento entre as diferentes
gerações.
_ Foco sobre os papéis parentais, conjugais e filiais nas diferentes gerações. Investigar a
função das figuras parentais família nas diferentes gerações.
A) Perguntas que podem ser feitas ao longo da confecção do genograma:
a) Como era seu pai e sua mãe?
b) Como era o cuidado com os filhos? Quem cuidava?
c) Quando faziam algo errado, o que acontecia? (alguém fazia algo? O que?)
d )Tem alguma coisa que normalmente a família fazia junto? O que? O que achava
desses momentos? (perguntar sobre a família de origem e a família atual)
e ) Como é a relação cm cada filho?
f) Com quem vocês aprenderam ser pai e mãe? OU
g) O que vocês acham que vocês fazem hoje como pais, que vocês aprenderam com os
pais de vocês? O que fazem de diferente?