História econômica do trabalho no brasil a confecção de um mito nacional

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO A CONFECÇÃO DE UM MITO NACIONAL MARCELO TAVARES DOS SANTOS

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

A CONFECÇÃO DE UM MITO NACIONAL

MARCELO TAVARES DOS SANTOS

SÃO PAULO2010

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

A CONFECÇÃO DE UM MITO NACIONAL

Trabalho apresentado na disciplina História Econômica do Trabalho no Brasil, sob a orientação da Prof. Dr. Alexandre de Freitas Barbosa

SÃO PAULO2010

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Sumário

Introdução.............................................................................................................................3

Desenvolvimento..................................................................................................................4

Considerações finais...........................................................................................................11

Referências.........................................................................................................................12

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Introdução

O tema a ser explorado é a criação do trabalhismo na Era Vargas.

Possui relevante importância para compreender a história do trabalho no país, bem como a

estrutura do Estado Novo.

Deve servir para aqueles que desejam se aprofundar nesse importante período do século XX,

que ainda é capaz de influenciar o destino do Brasil.

Inicialmente, retornaremos a um período anterior para entender melhor a formação desse

processo modificador da sociedade brasileira. Depois, abordaremos o assunto proposto, finalizando

com nossas considerações.

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Desenvolvimento

Antecedentes

Os primeiros protestos mais organizados pelos trabalhadores datam do início da República.

Respeito às oito horas diárias de trabalho, cumprimento à tabela de salários e a presença de

representantes dos proletários nas empresas estavam dentre suas principais reivindicações. Além das

greves e comícios, boicotes a produtos de determinadas empresas e a não aceitação pelos

trabalhadores às ofertas de emprego nas condições exigidas, eram expedientes recorrentes.

Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo concentram focos de resistência. As ruas ganham

cada vez mais destaques nas manifestações.

Os anarquistas viam os de origem marxistas como propagadores da ideia de uma ditadura do

proletariado, retirando o caráter libertário da revolução. Eram proponentes duma ação social

sindicalista direta contra os capitalistas e governantes, sem se preocupar com os meios de protesto,

incomodando os burgueses em suas áreas de labuta, descanso e moradia. A greve geral era um tema

sempre em pauta. Apresentavam ojeriza às ideias clericais e militares.

Apesar de problemas como dispersão e instabilidade, chegou-se a organizar congressos

operários no Distrito Federal. Em 1917, ocorreu, na metrópole paulistana, uma greve geral de

grande proporção, com atos de violência entre os envolvidos.

Durante os anos 20, ocorre severa discussão sobre os meios adotados pela classe

trabalhadores contra o Estado burguês. O Partido Comunista, fundado em 1922, legalizado,

defendia a via parlamentar como instrumento facilitador para a criação da consciência de classe às

massas vendo com descrédito a relação entre capital e trabalho. O movimento tenentista apresenta a

fragilidade do republicanismo liberal brasileiro, que entrou em total colapso após 1929.

De qualquer forma, os protestos das classes trabalhadoras eram vistas como ameaça à

ordem, sendo eliminadas através da força policial, com prisões e invasões de sedes. Houve até uma

lei que expulsava o estrangeiro envolvido com alguma sedição.

Um movimento interessante, conhecido como “neocomunismo”, congregava a formalização

sindicalista e a disputa eleitoral, através da união partidária

Com a Revolução de 30, foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. O

Estado preocupa-se em intervir de forma mais ativa no operariado, definindo os sindicatos como

órgãos colaboradores ao poder público. Alguns sindicatos não aceitaram passivamente essa

interferência, com recorrentes protestos. Leis envolvendo as relações de trabalho foram outorgadas,

regulamentando horário, trabalho feminino e de menores, férias, carteira de trabalho. A função de

fiscal trabalhista também surgiu, podendo aplicar multas aos empregadores e investigar as

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condições de trabalho. Houve a política de aproximação do governo com lideranças sindicais,

conquistando, paulatinamente, a simpatia de muitos, diminuindo a resistência daqueles que queriam

um sindicalismo independente.

Os pobres têm um pai

Em 1934, toma posse o novo ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, Agamenon

Magalhães, com bom trânsito nas sedes das organizações trabalhadoras. Aumentou a repressão

policial aos sindicatos adversários. O Partido Comunista (PC) não deixa barato e cria uma

confederação de sindicatos, propiciando em março do ano seguinte, o surgimento da Aliança

Libertadora Nacional.(ALN), a qual logo fracassou.

Havia os líderes sindicais a favor duma maior intervenção governamental, e os de esquerda,

contrários a isso, exigindo maior autonomia para a classe trabalhadora na exigência de suas

reivindicações.

Com uma sedição conhecida como Intentona Comunista, é decretada a Lei de Segurança

Nacional, provocando o estado de sítio. As resistências foram reprimidas com sucesso, permitindo

um sensível aumento de intervenção estatal nos sindicatos.

Getúlio após implementar leis que regulamentavam as relações trabalhistas, através, por

exemplo, da carteira de trabalho e da salutar filiação a um sindicato para o percebimento dos

benefícios, que melhoraram ,de modo concreto, a massa, obtendo o desejado apoio popular. Essa

cooptação, gerou um sindicalismo corporativista, com evidente subordinação ao Estado. Com o

poder centralizado nas decisões do Executivo, também houve uma maior aceitação dos empresários

diante da nova realidade.

No interior dessa nova visão do operariado pelos governantes, estava a ideia de um pacto

sociopolítico, na oportunidade em que as benesses materiais tinham origem num ato benevolente e

voluntário do doador, com a esperada reciprocidade de gratidão do beneficiado. O desnível nas

relações econômicas permite a sua criação, onde fica sólida a relação entre governante e governado,

provocando uma identidade simbólica do subordinado ao mandante. Sendo assim, percebe-se que a

gratidão é um fundamento de extrema importância nesse processo. A retribuição ganha um caráter

ético, propiciando a adoção do recebedor pelo doador e a submissão torna-se um valor moralizador.

Na política, essa posição é elevada ao conceito de cidadania, pertencente a uma coletividade, onde

os substratos morais, jurídicos e econômicos se tornavam harmônicos. O povo era a fonte,

solicitante de ajuda ao sapiente governante, que o entende e também o ama, capaz de dividir o

objeto de desejo, permitindo a criação dum vínculo onde a reciprocidade era obrigatória, através do

reconhecimento de tal ação. Essa ligação torna-se pessoal, porque o comandante vê o povo, não o

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considerando conjunto de pessoas, mas como uma verdadeira pessoa. O salário por si só não era

suficiente para aquisição de bem-estar, sendo também necessárias leis que protejam o trabalhador. A

legislação era uma atitude solidária do chefe para aqueles que mereciam, sob a forma do trabalho.

Isso era o que estava no interior da ideologia trabalhista.

Durante a Segunda Guerra Mundial, em 1942, o Brasil e Estados Unidos aproximaram-se,

este visando auxílio para enfrentamento do conflito e aquele aspirando ao necessário auxílio para a

construção de uma usina siderúrgica. Disputa interna no governo, entre grupos favoráveis aos

Aliados e ao Eixo, provocando uma reforma ministerial, oportunidade em que Alexandre

Marcondes Filho, renomado advogado e possuidor de boas relações com o patronato paulista,

ocupou a pasta trabalhista. A decisão de o Brasil participar ativamente da guerra, auxiliou ainda

mais a propagação de ideias sacrificantes para o desenvolvimento da nação. Entrementes, essa

posição do governo flagrantemente antidemocrático, mas capaz unir-se a países liberais e socialistas

contra nações também autoritárias, anunciaram que reformas internas eram precisas para a

manutenção do poder.

Os novos ares fizeram surgir na administração pública à procura de uma transição para a

retirada da condição política não tão autoritária. Através do corporativismo, não só a obediência da

classe trabalhadora era desejada, mas também a criação de novas lideranças capazes de mobilizá-la,

mediante uma representação e organização social. Interessante observar que o termo “corporações”,

remetem a idade medieval, onde, no interior delas, a ideia social de proteção aos mais humildes era

presente. Ao fim dos Oitocentos, a Igreja começa um movimento de critica ao individualismo

liberal, defendo novos princípios sociais, democráticos e cristãos. As leis varguistas possuíam a

dimensão de ter como característica valores humanistas e cristãos. Nas corporações, os interesses do

Estado e trabalhadores se encontravam, onde ambos se colaboravam e se consultavam. Essas

instituições de representação de demanda política, surgiram visando a um período de distensão do

regime, em que partidos políticos voltariam a ativa, e defendê-lo dos críticos que exigiam uma

imediata fragmentação do Estado Novo. A formação de uma frente era formada pela cúpula

governamental e pela estrutura previdenciária e sindical, onde estavam lideranças e trabalhadores. O

projeto autoritário não mais existiria, no entanto seus maioria partícipes queriam continuar

conduzindo o destino da nação, emergindo uma unidade de apoio político.

A Carta Magna de 1937, apontava que deveria haver uma consulta popular para o

reconhecimento legal do regime, propiciando a continuidade de Vargas. Proposta para a criação

dum partido, baseado no Partido Trabalhista Britânico, foi feita, mas não foi de pronto executada. O

alistamento eleitoral não ocorreria de forma tradicional, mas vinculado nas associações de classe,

que indicariam nomes para administrações públicas nas esfera estadual e municipal. Os Institutos de

Previdências participariam como órgãos alistadores. Já em 1945, a oposição percebendo este

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movimento, bem como de deixar as eleições para depois da guerra, e fazendo críticas, entre outras,

à elevação do custo de vida, através da imprensa, antecipou-se e indicou o brigadeiro Eduardo

Gomes, da União Democrática Nacional (UDN). Nesse clima, a candidatura de Getúlio poderia

causar sério conflito político. Com o aumento de importância do Exército, o governo lançou o

ministro da Guerra, general Gaspar Dutra. Agamenon Magalhães conduziu a elaboração do Código

Eleitoral. Dutra pertenceria ao Partido Social Democrático, formado principalmente por

interventores estaduais, com bases políticas regionais, sem a presença da classe trabalhadora. O

objetivo dum partido único não foi possível por causa da resistência dos dois lados. Surgiu assim, o

Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), com as lideranças dos sindicatos e órgãos previdenciários, não

fazendo uma propaganda anticomunista, permitindo alianças amplas. O modelo inspirador foi o

Partido Trabalhista Britânico.

O PTB liderou o movimento em queria uma Assembleia Constituinte com Vargas no poder,

para que este também fosse candidato. O fato foi chamado de Queremismo. As conspirações no

interior do governo e o apoio do embaixador americano, não permitiu a consagração de tal vontade.

Após muitas discussões o PTB apoiou, com a anuência de Vargas, o vencedor do pleito: Dutra.

Destacamos o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), responsável pela propaganda

oficial. Deveria esclarecer e divulgar para as massas as obras transformadoras advindas da do poder

estatal. Outrossim, inspecionava o meios de comunicação e deles se utilizava, como através da

revista “Cultura Política”, do programa na Rádio Nacional “Falando aos Trabalhadores Brasileiros”

e do jornal “A Manhã”. Sua interferência é tamanha, que se deu até nas atividades teatrais e

turísticas. No rádio, Marcondes explicava pedagogicamente a nova legislação trabalhista, recebia

sugestões e consultas, referindo-se, muita vez, aos aposentados e às mulheres.

No Dia do Trabalho, instituído em 1938, Getúlio aproximava-se festiva, afetivamente e grato

aos trabalhadores, proferindo discursos que se detinham às benesses de sua política social. 7 de

setembro e 10 de novembro (aniversário de fundação do Estado Novo), Natal e Ano Novo eram

também datas comemorativas. A fala do ministro sempre se referia ao Presidente como uma pessoa

dotada de sabedoria e sensibilidade. Outrossim assinalava que a proteção aos trabalhadores foi

concedida antecipadamente, sem necessidade de que se unissem nos sindicatos a fim de exigirem

melhorias, diferentemente de outros países. O valor solidário da massas adveio, posteriormente,

com a estrutura sindical, organizada pela esfera estatal. O brasileiro, agora virtuoso, era a peça

fundamental para o engrandecimento nacional, através de sua vontade produtiva e do

reconhecimento às benfeitorias, sendo que a mistura étnica e o trabalho manual eram merecedores

de elogios, provas da retidão e honestidade.

A declaração de guerras às nações do Eixo, possibilitou a equiparação dos trabalhadores aos

soldados brasileiros, onde necessitava-se de sacrifício, união e disciplina para um desempenho

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militar admirável. Essa nova situação, permitiu aos capitalistas pressionarem o governo,

suspendendo o direito de férias e restaurando dez horas diárias de trabalho em indústrias envolvidas

com a segurança nacional. Marcondes fazia sérias advertências aos contestadores, inimigos da

nação, convocando cada trabalhador também à patrulha e lembrando que era momento de retribuir

as bondades do guia maior.

A Era Vargas assumiu como ponto revolucionário e transformador da história nacional,

através da criação de uma nova ordem política. A ruptura deu-se em 1930, mas somente sete anos

depois, deu-se a verdadeira execução de tal processo. O período anterior, liberal, distanciou o

Estado do povo, sem compreender que o indivíduo também era dotado de valores espirituais e

subjetivos. Instituições desorganizadas e contraditórias, inadequadas à realidade social, propiciaram

a perda de direção para a edificação duma nação boa e justa para os que nela estavam. A falta de

compreensão pelos políticos liberais em relação aos anseios do povo, permitiu o surgimento de

ideias ameaçadoras para a perda de poder oligárquica, tais como, as ideologias anarquistas,

socialistas e comunistas. O caos liberal fez surgir nas massas o descontentamento com as decisões

sociais, capaz de afastar o homem brasileiro da terra e da política. Assim, era preciso colocar o país

de volta ao caminho natural. Necessário era restaurar os valores tradicionais, inconscientes e

indestrutíveis da sociedade brasileira. Valores oriundos do primeiro mundo de nada nos serviam,

trazendo o esquecimento das virtudes do brasileiro e o desconhecimento do vasto e rico território.

Trazendo em voga o espírito da nacionalidade, mobilizava-se a capacidade transformadora humana

através do trabalho. Trinta representou a transição para a harmonia, emanada em 37, entre povo e

elite.

A associação sindical procurava domesticar os trabalhadores, tendo papel central na também

na representação destes junto ao governo, auxiliando na formação de um novo cidadão, tendo o

trabalho um valor social grandioso, caminho para frutuosa propagação do bem-estar coletivo e

individual, na saúde, vida familiar, alimentação, lazer, habitação e na aquisição de bens materiais.

O número de reconhecimento a sindicatos de diversas categorias tornou-se bem maior. A Comissão

Técnica de Orientação Sindical (CTOS) foi criada para assistir aos sindicatos, ministrar cursos de

liderança sindical, orientar, propagar a política estatal para o setor. Além do programa radiofônico

“A Hora do Brasil”, fez-se uso do jornal “Vargas – Boletim do Trabalhador”, de distribuição

gratuita, e do “Serviço de Recreação Operária!, na promoção de atividades culturais e esportivas aos

sindicalizados. Outrossim preocupação houve com a indenização aos riscos, aos acidentes, às

doenças e às condições insalubres em decorrência da atividade trabalhista, criando-se leis, órgãos

públicos, institutos de pesquisa a fim de melhorar a saúde física e mental do operário, capaz de

aumentar sua capacidade produtiva. A confecção do Imposto Sindical, da Justiça do Trabalho e do

Instituto de Previdência Social tomam destaques. Neste momento, há o reconhecimento oficial das

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condições adversas em viviam a grande parte dos trabalhadores, desprovidos de hábito e moradia

salubres, não podendo preservar de forma digna a si mesmo, bem como a sua família. A educação

também deveria ser enfatizada criando valores de respeito e admiração ao país, ao trabalho, à moral

e à disciplina. Através de atividades culturais, como a música popular, procurou-se propagar tais

valores, cabendo destaque a Heitor Villa-Lobos. Em 1943, anunciou-se a Consolidação das Leis do

Trabalho (CLT), concretização máxima para a classe trabalhadora. A filiação sindical não era

obrigatória, mas para usufruir de todas as proteções era necessário sindicalizar-se.

O papel do Estado era fundamental nesse processo construtivo, devendo propiciar o bem-

estar para todos. A situação de penúria dos trabalhadores e a falência dos métodos liberais tinham

que ser superados pela nova ordem. A questão social tornava-se também política. O trabalhador

deveria ter uma nova condição, mais humana. Os articuladores defendiam que a democracia era, na

verdade, justiça social.

A valorização da força de trabalho nacional, via como positivo a imigração interna, embora

fosse necessário uma melhor racionalização espacial, organizada pelo Estado. Houve também uma

política restritiva à entrada e à localização dos imigrantes estrangeiros. Ao mesmo tempo que houve

o crescimento urbano, também houve a preocupação com a interiorização do país. Medidas como a

lei dos dois terços, que obrigava as empresas manterem essa proporção de trabalhadores brasileiros

em seus quadros empregatícios. Amparar o trabalhador rural também era necessário, propiciando

uma melhora de vida deste junto à terra. A política conhecida como “Marcha para Oeste”, visava

abrir novas fronteiras no interior do país, diminuindo o inchamento descontrolado nas urbes.

Ampliou-se a lei do salário mínimo aos rurais e criou-se o núcleo de atividades em regiões pouco

ou não exploradas.

Novas concepções filosóficas sobre a realidade humana surgiam. Doutrinas genéricas e

permanentes na linha do tempo e espacial eram postas em questão. Dever-se-ia buscar novos

detalhes sobre a questão econômico-social A mudança e a adaptação traziam a evolução natural das

coisas.

As experiências liberais, fascistas e comunistas não se adequariam à realidade tupiniquim. O

liberalismo, preocupado somente com a abstração, racionalidade e universalidade, produzia a

omissão do Estado ante o indivíduo, deixando-o a esmo numa realidade concreta, orientada por uma

elite sem escrúpulos, responsável pela sua degeneração e que o iludia através de suas instituições. O

totalitarismo tornava o indivíduo um simples servo do Estado, como ser passivo e incapaz da sua

própria evolução, estatizando-o e desumanizando-o. Portanto, um novo projeto de Estado adaptado

à nossa cultura era arquitetado.

As pessoas eram desiguais de forma natural, cabendo ao Estado diminuir tal diferença.,

através duma autoridade equilibrada e democrática que permitiria a liberdade individual visando o

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interesse comum. Ele não deveria absorver o indivíduo, mas apenas orientar a distribuição da

riqueza, possuindo maior intervenção no mercado. Protegeria o indivíduo da miséria e tornaria o

trabalho como uma forma de desenvolvimento pessoal e coletivo, assegurando o direito natural à

propriedade privada. Assumiria o papel de melhor assistir ao ser humano, dignificando-o através de

seu próprio trabalho, item constituidor natural do caráter. A igualdade materializava-se nas

oportunidades. O homem era visto como possuidor de direitos sociais, organizado por esse ser

abstrato, a fim da promoção do bem para todos. Os partidos políticos apenas fomentavam o

dissenso através de interesses antagônicos setoriais e regionais, afastando os indivíduos da sua

condição de cidadão, como agente participante da política, bloqueando a unidade nacional de

desenvolver-se. O Estado deveria representar para os indivíduos, os valores morais e espirituais de

coletividade. Povo e Estado deveriam ter uma relação harmoniosa, buscando o bem da nação.

Órgãos representativos capazes de exprimir o anseio das massas junto as elites letradas foram

criados, especializando os indivíduos em diferentes setores, numa visão constituídas por

hierarquias, mas capaz de suscitar o sentimento de igualdade ao pertencer num corpo nacional,

através duma associação profissional. Sindicatos tornaram-se tutela do direito público, legitimando

o projeto transformador. O governante de tal roupagem, simbolizava os ideais populares e os

exprimia através de sua notável sabedoria, comportando-se como um pai que cuidava e trabalhava

por seus amados filhos.

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Considerações finais

A experiência liberal não foi esquecida por completo, mas adaptada à nova realidade por ela

criada. A liberdade individual era limitada pelo interesse da coletividade, cabendo ao Estado

organizar como se daria tal relação. Era necessário corrigir as falhas do mercado, mas não ser capaz

de fagocitá-lo. Assim, ressaltamos que o projeto do Estado Novo, permitiu que conceitos e forças

opostas tornassem convergentes: indivíduo e sociedade, trabalhadores e capitalistas, democracia e

autoritarismo.

Destacamos a construção simbólica em torno de Getúlio, a valorização das qualidades do

trabalhador e a positividade das leis protetoras capazes de aproximar as massas e o Presidente. A

relação entre este e aquelas era de reciprocidade, pois protegeu-as, garantindo a justiça social,

assegurada pela sabedoria do líder, evitando um espírito desagregador. Fica evidente que esse

contrato não era apenas político, podendo ser comparado a um valor religioso. O trabalhismo é

baseado na solidariedade e retribuição coletiva, permitindo o reconhecimento como classe daqueles

que foram aderidos. A cultura política planejada num estado autoritário, com os valores trabalhistas,

corporativistas e sindicalistas, foi planejada para atuar também num contexto não autoritário.

Das decisões tomadas por Getúlio, sobretudo ao aspecto sindical, procurou-se o aval dos

industriais. O povo no seu papel de trabalhador tornou-se um partícipe da democracia social que se

instaurou. O Estado foi o mediador dos interesses conflitantes. A incorporação da massa

trabalhadora ao processo político, permitiu o atendimento à sua demanda, bem como seu domínio.

A influência de valores cristãos na sociedade brasileira seriam realçados, como a

solidariedade e o desejo de bem ao próximo e a todos. A associação natural e pacífica entre

trabalhadores, com apoio estatal, deu-se dentro dos princípios da justiça social cristã. O mais

interessante é a análise que os atores centrais do governo tiveram daquela realidade e perceberam

que não poderiam continuar num regime autoritário e antiliberal, contraditório à nova realidade que

surgiria.

O PTB surgiu da relação entre Getúlio e as massas, permitindo a manutenção de poder deste

sobre estas. Importante destacar que nas eleições de 1945, as massas se pronunciaram de forma

organizada e destacada, tornando irreversível o processo de massificação da democracia.

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Referências

GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.

HARDMAN, Foot; VICTOR, Leonardi. História da indústria e do trabalho no Brasil. São

Paulo: Ática, 1991.