Historia e introdução do estudo ao direito 2

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HISTÓRIA DO DIREITO II A MAGNA CARTA (1.215 A.D.) Inicialmente, cumpre observar que o Direito Romano, tão influente na legislação européia da Idade Média, não se projetou com a mesma força na Grã- Bretanha, conquanto quatro séculos e meio (54 a.C.- 406 d.C.) representem o período da dominação romana. Muito embora o latim, até 1.731, fosse usado na linguagem forense e, ainda hoje, os textos legais estejam impregnados de máximas latinas, o Direito Romano apenas exerceu uma leve influência sobre o Direito Inglês. O fenômeno é realmente curioso e, a explicação para que o Direito Inglês tenha se desenvolvido de maneira tão autônoma, que não se tenha submetido, senão limitadamente, à influência do Direito Romano tem duas versões. A primeira é que, prevalecendo o princípio segundo o qual são consideradas de caráter público as questões submetidas aos tribunais ingleses, não poderia o Direito Romano, por ser essencialmente um direito privado, ter aplicação na Inglaterra. A segunda diz que, a falta de maior receptividade do Direito Romano na vida jurídica inglesa, também se explica pela predominância de um sentimento nacionalista, sempre atento e contrário à presença desse direito. Assim, já em 1151, portanto, no reinado de Estevão (1135-1154), o seu ensino era proibido em Oxford. E, a partir de 1234, a mesma proibição foi imposta por Henrique III em Londres. Até que, em fins do século XIII, o ensino do Direito Romano deixou de ser adotado por completo nas Universidades da Inglaterra. O Direito Inglês trata-se de um direito não desviado de suas origens; de um direito peculiar, dotado de características próprias; de um direito sempre geral e não legislado nem codificado por áreas em que o direito se distribui, ou seja, em civil, comercial, penal, administrativo etc. Em razão de tudo isso, ressalta uma diferença fundamental entre os sistemas de influência inglesa e os de influência romana: nestes, as soluções de justiça se orientam através de uma técnica que tem como ponto de partida a lei; naqueles, a técnica para alcançar o mesmo objetivo parte das decisões judiciais. Não obstante, na descoberta e realização da justiça, esses sistemas distintos se convergem para um único ponto: a unidade do direito ocidental. Analisemos a seguir a Common Law. O período anglo-saxão na Inglaterra, de 449 a 1066 A.D., assinala uma organização administrativa, política e jurídica ainda pouco desenvolvida. O rei, auxiliado pelo Conselho dos Prudentes (Witan), representa o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. É nessa fase que começam a ser expedidos os chamados mooms, espécies de sentenças contendo sanções pecuniárias por ofensas contra a pessoa e o patrimônio. Estaria aí a origem do Direito Penal na Grã-Bretanha. Mas é de notar que o sistema jurídico britânico encontra o seu fundamento no common law, considerado este em dois sentidos: lato sensu, ele serve para designar o Direito Inglês na sua totalidade, distinguindo-o do Direito Romano; segundo, stricto sensu, ele compreende o conjunto de normas civis e penais cuja origem remonta aos costumes das tribos germânicas que povoaram a Inglaterra e, depois da conquista normanda em 1066, se consolidaram pelas decisões dos antigos tribunais de common law. Foi essa tradição que projetou o common law, não como resultado do arbítrio humano, mas como um obstáculo, paulatina e naturalmente consolidado, 1

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HISTRIA DO DIREITO II

A MAGNA CARTA (1.215 A.D.) Inicialmente, cumpre observar que o Direito Romano, to influente na legislao europia da Idade Mdia, no se projetou com a mesma fora na Gr-Bretanha, conquanto quatro sculos e meio (54 a.C.- 406 d.C.) representem o perodo da dominao romana. Muito embora o latim, at 1.731, fosse usado na linguagem forense e, ainda hoje, os textos legais estejam impregnados de mximas latinas, o Direito Romano apenas exerceu uma leve influncia sobre o Direito Ingls.

O fenmeno realmente curioso e, a explicao para que o Direito Ingls tenha se desenvolvido de maneira to autnoma, que no se tenha submetido, seno limitadamente, influncia do Direito Romano tem duas verses. A primeira que, prevalecendo o princpio segundo o qual so consideradas de carter pblico as questes submetidas aos tribunais ingleses, no poderia o Direito Romano, por ser essencialmente um direito privado, ter aplicao na Inglaterra.

A segunda diz que, a falta de maior receptividade do Direito Romano na vida jurdica inglesa, tambm se explica pela predominncia de um sentimento nacionalista, sempre atento e contrrio presena desse direito. Assim, j em 1151, portanto, no reinado de Estevo (1135-1154), o seu ensino era proibido em Oxford. E, a partir de 1234, a mesma proibio foi imposta por Henrique III em Londres. At que, em fins do sculo XIII, o ensino do Direito Romano deixou de ser adotado por completo nas Universidades da Inglaterra.

O Direito Ingls trata-se de um direito no desviado de suas origens; de um direito peculiar, dotado de caractersticas prprias; de um direito sempre geral e no legislado nem codificado por reas em que o direito se distribui, ou seja, em civil, comercial, penal, administrativo etc.

Em razo de tudo isso, ressalta uma diferena fundamental entre os sistemas de influncia inglesa e os de influncia romana: nestes, as solues de justia se orientam atravs de uma tcnica que tem como ponto de partida a lei; naqueles, a tcnica para alcanar o mesmo objetivo parte das decises judiciais. No obstante, na descoberta e realizao da justia, esses sistemas distintos se convergem para um nico ponto: a unidade do direito ocidental.Analisemos a seguir a Common Law. O perodo anglo-saxo na Inglaterra, de 449 a 1066 A.D., assinala uma organizao administrativa, poltica e jurdica ainda pouco desenvolvida. O rei, auxiliado pelo Conselho dos Prudentes (Witan), representa o Executivo, o Legislativo e o Judicirio. nessa fase que comeam a ser expedidos os chamados mooms, espcies de sentenas contendo sanes pecunirias por ofensas contra a pessoa e o patrimnio. Estaria a a origem do Direito Penal na Gr-Bretanha.

Mas de notar que o sistema jurdico britnico encontra o seu fundamento no common law, considerado este em dois sentidos: lato sensu, ele serve para designar o Direito Ingls na sua totalidade, distinguindo-o do Direito Romano; segundo, stricto sensu, ele compreende o conjunto de normas civis e penais cuja origem remonta aos costumes das tribos germnicas que povoaram a Inglaterra e, depois da conquista normanda em 1066, se consolidaram pelas decises dos antigos tribunais de common law.

Foi essa tradio que projetou o common law, no como resultado do arbtrio humano, mas como um obstculo, paulatina e naturalmente consolidado, ao uso indiscriminado do poder, inclusive o do rei. Graas a ela, a estrutura poltica da Gr-Bretanha no se deixou orientar na direo de uma monarquia absoluta excessivamente centralizada.

Por conseguinte, em vista das acepes acima, pode a expresso common law ser perfeitamente traduzida por direito comum. A aplicao do common law, entendido este em sentido estrito, orienta-se pelo princpio da obrigatoriedade do precedente judicial. O precedente a soluo dada a um caso antecedente. Cumpre, porm, no confundir aqui precedente com costume (ou uso firmado por meio da prtica continuada) ou jurisprudncia (que se forma de decises uniformes e reiteradas). Em outras palavras, enquanto o costume e a jurisprudncia necessitam de repetio prolongada para se firmarem, o precedente se impe se nenhuma delonga, obrigatrio desde logo. Por fim, esclarea-se que a aplicao do common law, com base no princpio da obrigatoriedade do precedente judicial, da competncia dos juzes ordinrios.

Outra das mais ntidas caractersticas do Direito Ingls, de modo a constituir tambm um de seus fundamentos, a equity, aplicada pelos juzes de chancelaria.

Literalmente, o referido termo se traduz por eqidade. Todavia, na sua acepo no Direito Ingls, no se relaciona somente com o conceito abstrato de justia e, sim, com um corpo tcnico de normas jurdicas. Quer dizer: a equity forma um corpo de direito, de contedo tcnico e jurdico anlogo ao common law em sentido estrito, deixando assim de ser uma concepo meramente abstrata para se converter em um ramo formal do Direito Ingls. um poder jurisdicional para resolver as controvrsias com base nos pronunciamentos da antiga Corte de Equidade inglesa (Court of Chancery) e continuados pelos tribunais de eqidade.

Eis os fins da equity: sanar as falhas e atenuar os rigores do common law em sentido estrito, que peca por excesso de formalismo. Portanto, uma completa o outro, como resultado do aperfeioamento da primitiva forma que deu origem equity no Direito Ingls. De modo que, quando o common law no pudesse indicar a forma adequada para um determinado caso, ou a sua aplicao pudesse oferecer riscos a um julgamento equnime, os interessados dispunham do expediente de provocar a interveno do rei, na pessoa de seu representante, o Chanceler. Tal interveno seria naturalmente legtima nos casos em que a tcnica do direito fosse falha. Neste sentido, sem se violar o direito comum, aplicava-se o princpio: Equity follows the law.

Em suma, no sistema equity, destacar-se-iam os elementos de correo das falhas oriundas do sistema do common law. Por isso, Clvis Bevilqua refere-se a essa eqidade como um instrumento destinado a atenuar os rigores da lei no escrita e elevada pelos ingleses altura de uma noo positiva, fazendo dela uma fonte jurdica. E acrescenta: Blackstone definiu-a como a correo dos defeitos que procedem da universalidade da lei.

Como mais um trao fundamental do Direito Ingls, h que se fazer ainda meno ao statute law direito estatutrio ou escrito. Na sua fase primitiva, o statute law tinha em mira confirmar o direito consuetudinrio. Todavia no seu processo de evoluo, passou a ter por objetivo principal a tarefa de completar e at mesmo alterar esse direito.

O statute law foi se revelando na forma de estatutos, atos, ordenanas e editos. Como exemplos, entre outros, podemos citar a MAGNA CARTA de 1215 e a Declarao de Direitos (Bill of Rights) de 1689.

A Magna Carta de 1215 foi assinada por Joo Sem Terra, contra sua vontade, mas pressionado pelos nobres e pelo clero da Inglaterra. Essa declarao foi escrita em latim e somente muito mais tarde, no sculo XVI, traduzida para o ingls.

Joo Sem Terra era o filho mais moo do rei Henrique II e irmo de Ricardo Corao de Leo e recebeu este cognome em virtude de no ter sido contemplado, quando seu pai doou provncias continentais a seus irmos mais velhos. Recebendo, entretanto, enormes privilgios. Assim que assumiu o trono, Joo Sem Terra logo se revelou um dspota. Seus abusos e arbitrariedades chegaram a tal ponto que provocaram, forte reao dos nobres e do Clero, os quais, reunidos e apoiados por elementos burgueses, obrigaram Joo Sem Terra a firmar um documento, no qual se comprometia a respeitar, as liberdades fundamentais do reino. Este documento foi chamado de A MAGNA CARTA, e considerado a base tradicional das instituies inglesas..

Grande era, nessa poca. o poder do rei da Inglaterra e nenhuma fora tinham os bares contra o arbtrio do trono. Nenhuma classe, por mais graduada que fosse, estava isenta das mais clamorosas espoliaes. Dispunha o rei da vida e dos bens dos seus sditos.

Tal regime durou muitos anos, at que o pas se viu novamente s portas de uma guerra com a Frana. Joo Sem Terra exigia grandes sacrifcios das classes feudais, impostos e servio militar e precisava da colaborao dos bares, que no a negaram, mas exigiram de Joo Sem Terra o juramento solene de, para o futuro, respeitar os direitos dos homens livres de seu reino. Este documento tomou a forma de um ato institucional e constava de 67 artigos, que o rei autenticou com o seu sinete.

Tais promessas nem sempre foram cumpridas por Joo Sem Terra, mas, de qualquer forma, estavam ali escritas e asseguradas as garantias individuais dos cidados.

Dessas garantias, derivam e se acham incorporados s Constituies dos povos livres os seguintes preceitos:

a) Governo representativo,

b) Organizao das assemblias polticas;

c) Imunidades parlamentares,

d) Ilegitimidade das tributaes sem participao dos representantes dos povos;

e) O HabeasCorpus;

f) O tribunal do jri e numerosos princpios, relacionados com os direitos e garantias individuais.

H escritores que negam a esse documento o carter de uma conquista popular. Mas, como acentua Jayme de Altavila, embora apenas doze de seus artigos tratem diretamente de assuntos relacionados ao interesse do povo, esses pontos foram de substancial importncia. H tambm os que afirmam que tal declarao no criou nenhum direito novo.

Realmente, muitas de suas disposies j aparecem em leis anteriores e o prprio Habeas-corpus encontra smile nos Estatutos da Paz, de 1022, editados pelo Rei Lus, como informa o autor acima referido. Todavia, nesse documento, isto na MAGNA CARTA, foram editados vrios dispositivos de real importncia para as liberdades, passando esse documento a ser considerado uma carta de princpios a ser respeitada e cumprida por todos.Destaquemos outros dispositivos importantes desse famoso documento:

Art 43 Haver em todo Reino uma mesma medida para vinho e a cerveja, assim como para os cereais (gros). Esta medida ser a que atualmente se emprega em Londres. Todos os panos se ajustaro a uma mesma medida, em largura, que ser de duas varas. Os pesos sero, tambm, os mesmos para todo o Reino.

Tal dispositivo teve dois grandes mritos: represso fraude, em abono das classes pobres, consumidoras, e a antecipao do sistema mtrico (que somente foi imaginado na Frana no ano de 1670, pelo abade Gabriel Monto, tomando por base o minuto de um grau meridiano). A Magna Carta foi a precursora dessa unificao de pesos e medidas e os seus intuitos foram naturalmente de amparar o povo, vtima das extorses.

Art 48 Ningum poder ser detido, preso ou despojado de seus bens, costumes e liberdades, seno em virtude de julgamento de seus pares, segundo as leis do pas. Este inciso democrtico poderia ser encaixado em qualquer legislao penal contempornea, apenas com uma simples adaptao de texto. Encontra-se aqui disposio assecuratria das liberdades individuais, bem semelhana de nossas leis atuais, sobretudo no que diz respeito liberdade de ir e vir e resguardo dos seus bens. a origem do habeas-corpus.

Art. 49 No venderemos, nem recusaremos, nem dilataremos a quem quer que seja a administrao da justia.

Este dispositivo vale pela evidncia da probidade administrativa que se inaugurava na Inglaterra, cuja justia um dos seus maiores galardes.

Desse modo, fica evidenciado que, conquanto a MAGNA CARTA tivesse resultado de uma iniciativa dos bares e do clero, representou ela uma conquista de todo o povo ingls, suprimindo o arbtrio e acabando certos privilgios que eram odiosos e atentavam contra a dignidade da pessoa humana.

Mais tarde, em 1.689, veio a DECLARAO DE DIREITOS (Bill of Rights) que, elaborada em treze artigos, consolidou os ideais polticos do povo ingls.

Por ela era vedada ao rei a autoridade para suspender o cumprimento das leis, proibindo a cobrana de impostos que no fossem previamente, votados pelo Parlamento, assegurando o direito de petio ao rei, impugnando as prises ilegais, condenando os impostos exorbitantes, proclamando que a lista dos jurados eleitos deveria ser feita na devida forma, e com as notificaes necessrias, anulando as concesses abusivas e as confiscaes ilegais e impondo que os Parlamentos fossem convocados para "corrigir, afirmar e conservar as leis .

Desses direitos, a se incluindo os consignados na MAGNA CARTA, destacamos alguns que passaram a incorporar as Constituies de todos os povos livres:

1 - O direito de petio, no includo expressamente na MAGNA CARTA, embora estivesse implcito em vrios preceitos, foi objeto de reconhecimento expresso em 1628 (Bill of Petitions) e incorpora a declarao de direitos de 1689, artigo 5.

2 - A no exigncia de tributos sem uma previso legal.

3 - O habeas corpus, cabvel sempre que algum sofrer ou estiver ameaado de sofrer violncia ou coao em sua liberdade de locomoo, por ilegalidade ou abuso do poder. Notese que o Habeas corpus no nasceu em 1689 com a Declarao de Direitos, mas, em 1215, com a MAGNA CARTA. Apenas a teve sua fora revigorada nas leis da Inglaterra.No Brasil, o Habeas corpus, foi especificamente criado pelo Cdigo Criminal do Imprio (1830), que disps, nos seus artigos 183 e 184, constituir crime contra a liberdade: Recusarem os juzes, a quem foi permitido passar ordem de habeas corpus, concedlos quando lhes forem regulamente requeridas, nos casos em que podem ser legalmente passadas. Sua regulamentao vem logo aps, com o Cdigo de Processo Penal, de 1832.

A primeira Constituio brasileira, de 1824, porm, j continha essa disposio consagradora desse remdio legal, apenas no usando a expresso que se consagrou no mundo inteiro. Ningum poder ser preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados na lei... Esses e muitos outros, como acima anotados, constituram princpios que foram incorporados s Constituies dos povos livres de todo o mundo.

Da podermos, afirmar, secundando as palavras do professor Pinto Ferreira (Princpios do Direito Constitucional Moderno, apud Jayme de Altavila), que a MAGNA CARTA encerra uma poca histrica e reabre uma outra, devendo ser entendida como a crislida ou o modelo imperfeito das Constituies posteriores.

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DOS DELITOS E DAS PENAS (1764)

Cesare Bonesana, Marqus de Beccaria , nasceu em 1738 e morreu em 1794. Nasceu em Milo, Itlia, e graduou-se em Direito pela Universidade de Pdua, em 1758.

Sua obra, Dos Delitos e das Penas, foi publicada anonimamente em 1764 e despertou enorme interesse por preconizar um novo sistema de Direito Penal, pregando a supresso da tortura, da pena de morte, do confisco, da instruo criminal secreta, etc.

Seu livro foi traduzido, na poca, em 22 lnguas e at hoje se repetem edies da pequena grande obra que iria despertar uma nova mentalidade, agitando conscincias adormecidas e fazendo ver aos homens dominantes da poca que era um absurdo, j naquele estgio da civilizao, empregarem leis e mtodos ultrapassados, rigorosos , desumanos.

Teve a coragem de dizer isto, o que faltava a muita gente. Teve a propriedade de lanar as suas idias de forma clara, objetiva, sinttica, o que certamente concorreu para a grande divulgao de sua obra.

Foi sbrio, equilibrado na emisso de seus conceitos.

Na sua obra, fez-se portador dos protestos da conscincia pblica contra os julgamentos infamantes, a atrocidade do suplcio, o juramento imposto aos acusados, etc. Toma por base do direito de punir a utilidade social, declarando a pena de morte intil e reclama a proporcionalidade das penas aos delitos.

O sistema jurdico vigorante ao tempo de Beccaria, ele mesmo o retratava no prefcio de sua obra: Alguns fragmentos da legislao de um antigo povo conquistador, compilados por ordem de um prncipe que reinava a 12 sculos em Constantinopla, combinados, em seguida, com os costumes dos lombardos e amortalhados num volumoso calhamao de comentrios obscuros, constituem um acervo de opinies que uma grande parte da Europa honrou com o nome de leis ....

O Cdigo Penal Francs, de 1810, editado ao tempo de Napoleo, todavia, pouco se inspirou na obra de Beccaria, mas j em 1832, esse mesmo Cdigo foi sensivelmente modificado para inserir em seu contexto as normas beccarianas.

O Brasil, depois de reger-se pelo livro 5( das Ordenaes Filipinas, viu promulgado, em 1830, o Cdigo Criminal do Imprio, onde sua influncia , de algum modo, se faz sentir.

A obra de Beccaria operou uma verdadeira revoluo branca, sem tiros, sem canhes, revoluo pela fora do pensamento, pela fora de suas idias, idias expostas com preciso, com objetividade, com clareza e coragem, as quais, como assinala Pessina, citado por Altavila, antes de atacar a autoridade em seu fundamento, a combatia em seus excessos, que so mais visveis. E, por isso mesmo, conclui, que em torno dele veio agrupar-se grande nmero de escritores, proclamando todos eles a humanidade e brandura das penas e as garantias do direito individual na administrao da justia penal.

No pargrafo III de sua obra est consignado: A primeira conseqncia desse princpio que s as leis podem fixar as penas de cada delito e que o direito de fazer leis penais no pode residir seno na pessoa do legislador, que represente toda a sociedade por um contrato social.

No IV: As provas de um delito podem distinguir-se em provas perfeitas e provas imperfeitas. As provas perfeitas so as que demonstram positivamente que impossvel que o acusado seja inocente. As provas so imperfeitas, quando no excluem a possibilidade de inocncia do acusado.

Em seguida, prega a publicidade dos julgamentos e das provas.

Investe contra os interrogatrios sugestivos e pergunta: Haver um interrogatrio mais sugestivo do que a dor? E acrescenta que um acusado robusto resistiria a essa dor para evitar a condenao, enquanto um acusado fraco logo confessaria o crime para no sofrer mais.

Aborda a diferena de tratamento que deve ter o acusado, enquanto no for considerado culpado, daquele que j tiver sua responsabilidade reconhecida.

No XV, fala da moderao das penas: Das simples consideraes das verdades at aqui expostas, resulta a evidncia de que o fim das penas no atormentar e afligir um ser sensvel, nem desfazer um crime que j foi cometido. Os castigos tm por fim nico impedir o culpado de ser nocivo futuramente sociedade e desviar seus concidados para a senda do crime.

Sobre a pena de morte, escreveu ( XVI): Quem poderia ter dado ao homem o direito de degolar seus semelhantes? Esse direito no tem, certamente, a mesma origem que as leis que o protegem... Se eu provar, porm, que a morte no to til nem necessria, terei ganho a causa da Humanidade.

Admitia a pena de morte somente em casos de confuso em que a nao fica na alternativa de recuperar ou perder a sua liberdade.

No XIX diz: Se a priso apenas um meio de deter um cidado at que ele seja julgado culpado, como esse meio aflitivo e cruel, deve-se, tanto quanto possvel, suavizar-lhe o rigor e a durao. Um cidado detido s deve ficar na priso o tempo necessrio para a instruo do processo e os mais antigos detidos tm direito de serem julgados em primeiro lugar.

Prega a proporcionalidade das penas aos delitos ( XXIII): Se dois crimes que atingem desigualmente a sociedade recebem o mesmo castigo, o homem inclinado ao crime, no tendo que temer uma pena maior para o crime mais monstruoso, decidir-se- mais facilmente pelo delito que lhe seja mais vantajoso....

E, nesse diapaso, segue Beccaria a sua pregao, sempre mostrando os erros que eram ento cometidos em nome das leis, leis que no correspondiam ao estgio de desenvolvimento dos povos de ento. E mostrava o caminho certo a seguir, sempre de forma objetiva, clara, humanitria, sem quebra da autoridade dos governantes.

Conclui sua magistral obra, dizendo: De tudo o que acaba de ser exposto, pode-se deduzir um teorema geral utilssimo, mas pouco conforme o uso, que o legislador ordinrio das naes: que, para no ser um ato de violncia contra o cidado, a pena deve ser essencialmente pblica, pronta, necessria, a menor das penas aplicveis nas circunstncias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei.

E o que resultou que o livro de Beccaria se tornou universalmente conhecido e recordado pelos professores de Direito Penal e de Processo Penal, at nossos dias, o que bem revela a grandeza de sua obra, sobretudo olhada na perspectiva do tempo.

DECLARAO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADO

(1789)

A Revoluo Francesa a mais importante revoluo da histria. A monarquia absoluta representava um obstculo ascenso da burguesia, classe mais rica e instruda da nao e o povo francs no podia mais tolerar um regime em que eram tantos os privilgios e os abusos.

A nobreza gozava de inmeros privilgios, sendo que somente seus membros tinham acesso aos cargos da Corte, aos comandos militares e s dignidades eclesisticas. A nobreza e o alto clero possuam as melhores e as mais extensas propriedades, enquanto os camponeses viviam esmagados pelo sistema feudal, ainda reinante no campo, sob o peso de impostos, dzimos eclesisticos e outros encargos. Havia tambm falta de unidade administrativa, variando os impostos de provncia para provncia, com tribunais diversos, inclusive os dos senhores da terra, os da municipalidade e os da Igreja.

O poder do rei era absoluto e com uma simples ordem, podia ele mandar efetuar prises discricionariamente. A Assemblia Geral, composta da nobreza, do clero e do chamado Terceiro Estado, no era convocada desde 1614. No havia liberdade religiosa e nem de imprensa.

Contudo, a Frana se desenvolvia no seu comrcio e tambm na indstria, sobretudo na txtil e de minerao. A burguesia possua grandes recursos e no se conformava em ocupar uma posio de inferioridade e, por isso, era a principal interessada na Revoluo. Tambm a classe operria crescia e passava a reivindicar melhores salrios e os camponeses, que eram esmagados pelos impostos se mostravam insatisfeitos com a situao reinante.

Nesse clima surgiram as idias avanadas dos intelectuais da poca, com o Jean Jacques Rousseau, com o Contrato Social, Voltaire, Diderot, DAlembert, dentre outros, pregando a igualdade de todos perante a lei e a ausncia de um Direito, nas leis da natureza, que justificasse a um homem se tornar escravo de outro.

Proclamavam, em suma, um veto opresso e tirania, tudo isto ajudado pelos reflexos da luta pela independncia dos Estados Unidos da Amrica, de 1776, em cuja declarao Thomas Jefferson afirmava que era prefervel morrer livre do que viver como escravo e que ao dar-nos a vida, Deus nos deu ao mesmo tempo a liberdade. Havia, pois, um clima favorvel Revoluo.

O rei, pressionado, convocou a Assemblia Geral, fato que no ocorria desde 1614 e, desse modo, o povo passou a contar com uma poderosa fora no Parlamento, o Terceiro Estado, contrapondo-se ao clero e nobreza.

Houve divergncias entre o trono e o Parlamento e o rei mandou fecha-lo. O povo tomou o partido do Parlamento e, conquanto houvesse recuos do Rei, o processo revolucionrio estava desencadeado.

No dia 14 de Julho de 1789, o povo sublevado, pega em armas e aps algumas horas de luta, toma de assalto a famosa priso da Bastilha, fortaleza que era o smbolo das injustias do antigo regime. O rei fez concesses aos revolucionrios, mas j era tarde demais, pois a revoluo estava inapelavelmente desencadeada, sendo impossvel estanc-la.

A Assemblia Constituinte reunida decidiu suprimir os direitos feudais, os privilgios fiscais e no dia 02 de outubro de 1789, votou definitivamente a Declarao dos Direitos do Homem e do cidado que estabelecia, principalmente, que todos os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos; que o fim do poder proteger esses direitos que so liberdade, propriedade e segurana, bem como combater a iniqidade e a injustia. Que o poder existe, no no interesse dos que governam, mas no interesse dos governados. Que todo homem goza do direito de agir, de pensar e de escolher sua religio. A Lei igual para todos.

A Constituio Francesa foi concluda em 1791, estabelecendo a igualdade de impostos, secularizando o matrimnio, o registro e a instruo pblica.

A Frana enfrenta a seguir vrias crises polticas e econmicas, como uma contra-revoluo, ameaas externas de vrios pases, que queriam proteger o rei, que acaba sendo decapitado pelos revolucionrios, o mesmo sucedendo com a rainha Maria Antonieta, um pouco mais tarde e, com Robespierre, um dos lderes revolucionrio que implantou uma era de terror.

Depois de vrios golpes e contragolpes dos revolucionrios, que haviam se instalado no governo, Napoleo Bonaparte, que j se destacara em inmeras batalhas, assume o poder em 1799. Foram, ento, consolidadas definitivamente as idias revolucionrias.

As idias pregadas pela Revoluo Francesa no eram propriamente inditas, pois grandes pensadores da Antiguidade Aristteles, Scrates, Ccero e mais recentemente Locke e outros j as haviam enunciado. Mas coube a Montesquieu, no seu livro Do Esprito das Leis, e a Jean Jacque Rousseau, com sua obra O Contrato Social , despertarem, mais que outros filsofos, o esprito universal dos princpios igualitrios do homem.

Assinale-se que houve na Frana, em 1789, um clima favorvel transformao poltica e social, sendo certo, que a maioria das Constituies Modernas, at nossos dias, adota postulados de maior relevncia da Declarao Francesa. E, como assinala Jayme de Altavila, nenhuma expresso jurdica alcanou, at agora, uma aura de popularidade to enternecida, uma consagrao to acentuada e universal como os princpios contidos na Declarao dos Direitos do Homem da Revoluo Francesa.

Para ser ter uma idia disto, basta considerar-se que as Constituies de quase todos os povos, contm em seus prembulos estas expresses: Todos os cidados so iguais perante a lei. Todos os seres humanos so iguais perante a lei. A liberdade de crena, de conscincia, de opinio religiosa e filosfica individual inviolvel. O homem livre. Todos so iguais diante da lei. A lei garante a todos os cidados o direito vida, sua honra, sua felicidade, sua liberdade pessoal e de seus bens. No Brasil, vemos na Constituio Federal de 1988: Todos so iguais perante a lei, sem distino de sexo, raa, trabalho, credo religioso e convices polticas. O preconceito de raa ser punido pela lei.

Disto resulta que a Revoluo Francesa, ditando uma nova ordem de idias, fazendo surgir novos direitos e sepultando idias de desigualdades injustificveis,que at ento existiam entre os homens, fez histria do Direito, assinalando a sua penosa evoluo atravs dos tempos.

Constata-se, atravs de exemplos como estes, que a evoluo do Direito, o evolver das conquistas do povo em prol dos ideais de igualdade, de fraternidade e de liberdade no se opera de um momento para outro, mas sim lentamente e custa de muitos sacrifcios daqueles que se dispem a lutar por esses ideais, dando mesmo as suas vidas em prol da causa da humanidade.

A propsito, Rudolf Von Ihering, notvel jurista alemo do sculo passado, no seu consagrado livro A luta pelo Direito (1872), assevera: A paz o fim que o Direito tem em vista, a luta o meio de que se serve para o conseguir. Por muito tempo, pois, que o Direito ainda esteja ameaado pelos ataques da injustia e assim acontecer, enquanto o mundo for mundo nunca ele poder subtrair-se violncia da luta. A vida do Direito uma luta: a luta dos povos, do Estado, das classes, dos indivduos.

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CDIGO DE NAPOLEO (OU CDIGO CIVIL FRANCS)

de 1804. Tem 2.281 artigos.

Essa designao Cdigo de Napoleo de 1807, sendo abolido este nome pelas Cartas Constitucionais de 1.814 e 1830. Mas ele foi estabelecido, no 2 Imprio (1.852 1.870) por Napoleo III, sobrinho de Napoleo.

Foi a atividade poltica de Napoleo que apressou a elaborao do Cdigo e em parte lhe modelou a fisionomia, orientando as Leis Civis para os caminhos tranqilo da burguesia em ascenso e refreando o extremismo inerente a quase todas as revolues.

Das 102 sesses da Comisso de Legislao do Conselho de Estado, Napoleo presidiu 57. Participava das discusses de certas matrias, dando aos debates fora de expresso e carter realista, mostrando grande lucidez e impondo sua vontade em vrios pontos. Graas a sua ao ousada e empreendedora, o Cdigo foi elaborado com sucesso e em curto espao de tempo.

O Cdigo de Napoleo considerado a primeira grande codificao dos tempos modernos, e exerceu enorme influncia em todos os Cdigos Civis que se lhe seguiram, muito especialmente naqueles elaborados na Amrica Latina. Na Amrica Latina, exerceu profunda influncia. As lutas pela independncia dos povos do Novo Mundo se fizeram sentir aps a Revoluo Francesa e, tornando-se independentes, esses pases no contavam ainda com uma gerao jurdica capaz de preparar, de pronto, Cdigos altura de suas necessidades e certamente o espelho em que se iriam mirar era aquele Cdigo elaborado na Frana, que estava em grande evidncia, pois surgira aps a Revoluo Francesa (1.789), onde foram assentados os ideais de Liberdade, de Igualdade e de Fraternidade.

O primeiro Cdigo que apareceu na Amrica do Sul foi o da Bolvia, que quase uma reproduo do Cdigo de Napoleo, seguindo-se o Peru, Chile, Equador, Uruguai e Paraguai.

Na Amrica Central, os primeiros foram os de El Salvador, Costa Rita, Nicargua e Honduras.

Na Amrica insular, os do Haiti, Repblica Dominicana, Cuba.

O Haiti adotou inteiramente o Cdigo Francs. Tambm a Repblica Dominicana e Costa Rica. Nos demais, encontram-se vrios dispositivos que se inspiram no pensamento jurdico do Cdigo de Napoleo.

bom que se deixe esclarecido que, nos outros pases, a influncia do Cdigo de Napoleo se fez sentir, mas no a tal ponto de fazer uso dele, mesmo porque, elaborados mais recentemente, esses Cdigos j seriam tambm inspirados noutras legislaes, convindo ainda assinalar o surgimento de grandes juristas nesses vrios pases das Amricas.

O Cdigo Argentino, por exemplo, baseia-se fundamentalmente, no esboo de Teixeira de Freitas, notvel jurista que tinha sido encarregado de elaborar o projeto do Cdigo Civil Brasileiro, em 1858, o qual, porm, somente veio a entrar em vigor em 1917, cerca de 60 anos depois, portanto. O projeto aprovado foi o grande jurista Clvis Bevilacqua.

O que certo que o Cdigo de Napoleo , reconhecidamente, um repositrio de experincia jurdica, como disse Clvis Bevilacqua. Escrito em linguagem de fcil compreenso, didtico mesmo, exerceu grande influncia nas legislaes civis que se lhe seguiram.

H, nos anais da humanidade, dois prodigiosos exemplos de imitao jurdica: a expanso do Direito Romano e a irradiao do Cdigo de Napoleo.

E Napoleo tinha previsto isto, quando, em Santa Helena, escreveu: Minhas verdadeiras glria no esta em ter ganho quarenta batalhas; Waterloo apagar a lembrana de tantas vitrias. O que no se apagar, o que viver eternamente, o meu Cdigo Civil.

O Cdigo foi considerado obra de grande valor, embora merecesse algumas crticas, pelo menos em alguns pontos:

I Nos arts.: 11, 14, 16, 726 e 912 ressaltado o dio ou pelo menos a desconfiana ao estrangeiro. Talvez, porque a Frana na poca estava em guerra com as naes da Europa. Os 2 ltimos artigos foram ab-rogados pela Lei de 14/07/1819.

II Napoleo queria que se concedesse ao povo, (com os sentimentos democrticos ento despertos) tudo quanto no fosse diretamente nocivo ao Poder; que partilha dos bens e constituio da famlia presidissem princpios democrticos, contando que eles no se introduzissem na direo do Estado; Que houvesse liberdade nas Leis Civis, mas no nas Leis Polticas.

Finalizando: De nada valeriam as Declaraes e Constituies dos Direitos do Homem e do Cidado (1789), sem as leis de Direito Privado para ordenar os princpios fundamentais. O Cdigo Civil foi o instrumento da ideologia democrtica nas relaes da vida civil. Napoleo, com o Cdigo Civil deu burguesia triunfante, os meios de cortar as amarras com a Aristocracia e o Feudalismo.

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