História do padrão ortográfico do tétum

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1 A Ortografia Padronizada do Tétum Os Seus 115 anos de Construção Edição da Direcção do Instituto Nacional de Linguística, República Democrática de Timor-Leste, Agosto de 2004 Determinar a ortografia padronizada de qualquer língua é uma operação difícil e delicada, que requer uma enorme bagagem em termos de sabedoria científica: nenhum sistema ortográfico padrão foi jamais definido por um conjunto de falantes nativos sem qualquer conhecimento profissional de linguística, mesmo sendo este constituído por pessoas de formação aprofundada em outras áreas. O  planeamento linguístico é um exercício tanto de engenharia como de arquitectura, algo próximo da construção de uma ponte ou de um arranha-céus. Assim como ninguém gostaria de atravessar uma ponte ou viver num bloco de apartamentos desenhados por, respectivamente, uma comissão de utilizadores da futura ponte ou de residentes do edifício completamente desconhecedores de engenharia ou de arquitectura, nenhum governo responsável entregaria a tarefa de padronizar a sua língua oficial a alguém que não fosse linguista profissional, com uma sabedoria específica, neste caso, na área das línguas timorenses. Se observarmos o resto do mundo, verificaremos que os sistemas ortográficos  padronizados das línguas oficiais tomaram forma em uma de duas maneiras  possíveis. As mais antigas entre as língua estabelecidas (como o latim, o inglês, o árabe, o sânscrito e o chinês) têm ortografias herdadas de uma longa tradição literária estabelecida em permanência por escritores e/ou investigadores. As línguas que foram promovidas ao uso oficial num momento particular, em situações coloniais ou pós-coloniais (ex: o malaio-indonésio, o tagalo, o vietnamita, o fijiano, o samoano, o maori, etc.), foram codificadas por eruditos, tanto lexicógrafos como linguistas a título individual ou, ainda, comissões de

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kona-ba ita-nia ortografia ne'ebé Igreja Katólika no INL mak dezenvolve

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A Ortografia Padronizada

do TétumOs Seus 115 anos de Construção

Edição da Direcção do Instituto Nacional de Linguística,República Democrática de Timor-Leste, Agosto de 2004

Determinar a ortografia padronizada de qualquer língua é uma operação difícil

e delicada, que requer uma enorme bagagem em termos de sabedoria científica:

nenhum sistema ortográfico padrão foi jamais definido por um conjunto de

falantes nativos sem qualquer conhecimento profissional de linguística, mesmo

sendo este constituído por pessoas de formação aprofundada em outras áreas. O planeamento linguístico é um exercício tanto de engenharia como de arquitectura,

algo próximo da construção de uma ponte ou de um arranha-céus. Assim como

ninguém gostaria de atravessar uma ponte ou viver num bloco de apartamentos

desenhados por, respectivamente, uma comissão de utilizadores da futura ponte ou

de residentes do edifício completamente desconhecedores de engenharia ou de

arquitectura, nenhum governo responsável entregaria a tarefa de padronizar a sualíngua oficial a alguém que não fosse linguista profissional, com uma sabedoria

específica, neste caso, na área das línguas timorenses.

Se observarmos o resto do mundo, verificaremos que os sistemas ortográficos

  padronizados das línguas oficiais tomaram forma em uma de duas maneiras possíveis. As mais antigas entre as língua estabelecidas (como o latim, o inglês, o

árabe, o sânscrito e o chinês) têm ortografias herdadas de uma longa tradição

literária estabelecida em permanência por escritores e/ou investigadores. As

línguas que foram promovidas ao uso oficial num momento particular, emsituações coloniais ou pós-coloniais (ex: o malaio-indonésio, o tagalo, o

vietnamita, o fijiano, o samoano, o maori, etc.), foram codificadas por eruditos,

tanto lexicógrafos como linguistas a título individual ou, ainda, comissões de

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linguistas profissionais nomeados por uma instituição nacional ou pelo próprio

governo. Quando a sua soberania foi restabelecida, em 2002, a República

Democrática de Timor-Leste não demonstrou intenções de se tornar uma excepção

a esta regra geral.O “Instituto Nacional de Linguística” (INL) foi estabelecido em 2001,

recebendo a determinação da sua missão a partir do Conselho Nacional da

Resistência Timorense (CNRT) em ordem a planificar uma ortografia timorenseunitária, de modo a que todas as línguas nacionais pudessem ser escritas de acordocom as mesmas convenções. Esta comissão, confirmada pelo governo restaurado

de Timor-Leste no ano seguinte, não implicava que o tétum não tivesse já uma

ortografia; antes reconhecia o facto de que os sistemas existentes eram imperfeitos

ou incoerentes, devido ao facto de terem sido divisados por escritores que, na suamaioria, não tinham fundamentos ou formação científica em linguística.

As razões para tais defeitos nas ortografias populares não são difíceis de

encontrar. As pessoas qualificadas para lidar competentemente com as questõesortográficas do tétum e de Timor-Leste precisam de um vasto âmbito de

qualificações, em relação às quais não são de excluir:

• Formação universitária ou experiência profissional nas disciplinas de:fonologia, linguística histórica, linguística austronésica, linguística papuásica

e linguística românica.

• Um sólido conhecimento de tétum, português e malaio.

• Um bom conhecimento, a nível laboral, das outras 15 línguas nacionais de

Timor-Leste.

• Familiaridade com todos os trabalhos publicados sobre as questões

lexicográficas do tétum.

• Familiaridade com a literatura científica sobre tétum publicada em

 português, inglês, indonésio e outras línguas.

• Um claro entendimento da diferença entre sistemas fonéticos e fonémicos

de ortografia, essencial para qualquer processo de padronização.

• Um claro entendimento das diferenças entre variedades acrolectais,

mesolectais e basilectais do tétum e a sua relevância para a ortografia

fonémica.

A tarefa do INL encontra-se, no entanto, não na abolição ou substituição das

actuais ortografias, mas sim na sua correcção, refinamento e unificação, no

sentido de um padrão único e coerente, construído com base em princípios

científicos rigorosos, apesar de manter uma flexibilidade suficiente de modo a

  poder, quando isso for apropriado, harmonizar a ortografia racional com

convenções tradicionais que sejam compatíveis. Uma vez que a base ortográfica

do tétum não é revolucionária mas, sim, evolucionista, o propósito do presente

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estudo reside na tentativa de traçar um panorama histórico sobre os graduais

desenvolvimentos na escrita da língua que acabaram por culminar na reforma

actual.

 História Ortográfica do Tétum

A ortografia padronizada do tétum, à qual foi dado carácter oficial legislativo por Decreto governamental (1/2004 de 14 de Abril de 2004), não foi o trabalho de

um só linguista, mas o culminar de um processo experimental que durou 115 anos

desde a publicação do primeiro dicionário de tétum, em 1889. Houve oito

contribuições seminais para esta evolução ortográfica, as primeiras quatroindividuais (todas elas de portugueses) e as últimas quatro de comissões (duas

timorenses e duas timorenses e internacionais):

a) Sebastião Maria Aparício da Silva (1889) Diccionario de Portuguêz-Tétum

 b) Raphael das Dores (1907) Diccionario Teto-Português

c) Manuel Patrício Mendes e Manuel Mendes Laranjeira (1935) Dicionário Tétum-Português

d) Artur Basílio de Sá (1952) Notas sobre linguística timorense: Sistema de representação fonética

e) Comité da FRETILIN para a Literacia (1975)Como vamos alfabetizar o nosso povo Mau Bere de Timor Leste

f) Comissão Litúrgica da Diocese de Díli (1980)1

Ordinário da Missa: Texto Oficial Tétum; leccionários

g) Comissão Internacional para o Desenvolvimento de Timor-Leste; Línguas

(IACDETL) (1996) Princípios de Ortografia Tétum: Sistema Fonémico; Standard Tetum-

 English Dictionary

h) Instituto Nacional de Linguística (INL) (2002)

Matadalan Ortográfiku ba Tetun Nasionál; Hakerek Tetun Tuir Banati

Todos os escritores de tétum, durante este período, usaram a língua de acordo

com as convenções ortográficas de uma ou mais destas contribuições e não

 1

Os membros eram os seguintes: Monsenhor Martinho da Costa Lopes (Administrador 

Apostólico) e os Padres António Maia, Agostinho da Costa, Francisco Tavares dos Reis, Mariano

Soares, Alberto Ricardo da Silva (actual Bispo de Díli), Domingos Morato da Cunha, Luís

Sarmento da Costa e Leão da Costa.

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introduziram nenhuma inovação que fosse depois encontrar um lugar permanente

na ortografia oficial de 20042.

A divisão entre os dois tipos de contribuições antes mencionadas é

historicamente significativa, uma vez que as quatro contribuições individuais pertencem à época do colonialismo português, na qual o único meio de instrução

que era autorizado nas escolas timorenses era o português e o objectivo dos

ortografistas residia em divisar um sistema ortográfico fonético, de modo a ajudar 

os estrangeiros a aprender tétum, e não residia em tentar munir os timorenses deum meio literário indígena. Nesse sentido, o colonialismo português (que era de

tipo assimilacionista) era radicalmente diverso do colonialismo holandês, que era

integracionista e encorajava a estandardização do malaio como língua veicular de

toda a Indonésia.Consequentemente, tentativas de superação em relação às ortografias

existentes, dentro de uma base inclusivista e fonémica e para tornar o tétum numa

língua oficial e nacional, apenas chegaram com a época da descolonização,começando com a campanha de alfabetização, que foi desenvolvida pelo curto

governo da Fretilin em 1975; continuaram depois, corajosamente, com a Igreja

Católica, resistiram através de um grupo de linguistas internacionais e timorenses

  baseados na Austrália durante a Ocupação indonésia (1975-1999) e foram

completadas entre 2001 e 2002 pela autoridade linguística nacional do recém-

libertado país.

Os Fonemas do Tétum

Uma vez que uma ortografia cientificamente válida, em relação a qualquer 

língua, requer símbolos adequados para os fonemas dessa mesma língua, a

apresentação do inventário dos fonemas do tétum é um pré-requisito em relação a

qualquer discussão sobre a sua representação escrita. Os símbolos fonémicos

dados abaixo entre barras estão em conformidade (exceptuando as vogais nasais)

com os grafemas agora adoptados na ortografia oficial.

Mesmo após a descoberta do fonema pelo linguista inglês Daniel Jones no

 princípio do século vinte, não se fez nenhuma tentativa em Timor no sentido de 2

Nesse sentido, Lencastre (1929) e Martinho (1942) seguiram, em geral, a ortografia de Silva(1887); Fernandes (1962) aderiu à ortografia de Mendes e Laranjeira (1936); a maioria dos

escritores que emigraram para Portugal durante a ocupação indonésia (1975-1999) conformou-se

à ortografia da Fretilin; por outro lado, o Tetun English Dictionary, publicado por Cliff Morris na

Austrália em 1983 (uma tradução inglesa do dicionário de Mendes e Laranjeira, de 1936, cuja

edição não reconhece o original), difere do trabalho original através da omissão de acentos e pela

introdução de grafemas fonémicos <k> e <s>. Os escritores católicos de Timor, durante a

Ocupação, seguiram, muitas vezes com pouca consistência, o modelo que a Comissão Litúrgica

da Diocese de Díli lançou em 1980. O  Dicionário de Tétum-Português de Luís Costa (2000), uma

revisão e amplificação do dicionário de Mendes de Laranjeira de 1936, que devidamente

reconhece o original, favoreceu as normas ortográficas da Fretilin.

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divisar uma ortografia fonémica para o tétum. A ênfase sempre esteve mais

centrada na representação coerente e precisa dos sons da língua, sem ter havido

nenhuma tentativa para analisar as suas relações mútuas.

O tétum tem cinco vogais orais:

/i/ /e/ /a/ /o/ /u/

Tem cinco contrapartidas nasais:

/ Ê / /e)/ /ã/ /õ/ /u) /

Ambas as séries de vogais podem ser longas ou curtas quando tónicas, ou ocorrer 

em sequências (sendo que a primeira vogal em cada sequência é acentuada):

/aa/ /ae/ /ai/ /au/ /ea/ /ee/ /ei/ /eo/ /eu/ /ia/ /ie/ /ii/ /io/ /iu/ /oa/ /oe/ /oi/ /oo/ /ou//ua/ /ue/ /ui/ /uo/ /uu/

Existem 21 consoantes:

/p/ /b/ /v/ /m/ /w/ /t/ /d/ /s/ /z/ /n/ /r/ /rr/ /l/ /ll/ /ñ/ /x/ /j/ /k/ /g/ /’/ /h/.

Entre estas consoantes, /w/ ocorre nos dialectos rurais mas é substituído por /b/ na

lingua franca (tétum-praça). Alguns falantes de tétum-praça apagam a oclusiva

glotal /’/.

Alguns dos símbolos fonémicos mencionados acima diferem das suas

contrapartidas no Alfabeto Fonético Internacional, nomeadamente as seguintes:

/r/ [|] /x/ [ S]

/rr [r] /j/ [ Z]

/ll/ [ ¥] /’/ [/]

/ñ/ [ ≠]

Os Princípios Evolutivos da Ortografia Tétum

A ortografia do tétum reflecte o seu contexto histórico e cultural: a tradição

literária portuguesa do século XIX. Portugal transmitiu ao tétum o alfabeto

romano das actuais 26 letras e uma série de diacríticos próprios da língua

  portuguesa: a cedilha, (“pequeno z”, originalmente um z  subscrito), o til

(originalmente um n sobrescrito) e, também, os acentos agudo, grave e

circunflexo.

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  Na seguinte exposição a palavra em itálico (becic)

representa a ortografia de apenas um escritor; o

equivalente em negrito (besik ) representa a moderna

grafia padrão e o exemplo em itálico e negrito (besik )

representa uma grafia particular que coincide com o padrão moderno.

 A Fundação Portuguesa

O primeiro português a elaborar convenções ortográficas para o tétum foi o

Padre Sebastião Aparício da Silva, um missionário católico cujo dicionário de

tétum-português foi publicado em Macau, em 1889. Ao reduzir o tétum a letras

latinas, o Pe. Silva estabeleceu um padrão para o uso das sete consoantes b, d, f, l,m, r, t , que permaneceria imutável até ao presente. Consequentemente, durante o

resto deste estudo não apresentaremos nenhuma discussão da representação

ortográfica dos fonemas correspondentes /b/ /d/ /f/ /l/ /m/ /r/ /t/3.

Em outros aspectos, a ortografia de Silva (que não era completamente

coerente) aderiu de modo próximo às convenções portuguesas. Em geral (mas com

importantes excepções) as palavras de proveniência portuguesa eram escritas

exactamente como na língua de origem, sem qualquer adaptação à fonética do

tétum. Vejamos alguns exemplos:

lenço  lensu  licença  lisensa  machado  maxadu   gentio  jentiu general   jenerál  marinheiro  mariñeiru  junho  Juñu   julho  Jullucoelho koellu chá xá chouriço xourisu martello martelu

Por outro lado, em palavras nativas, o fonema consonântico /k/ (excepto antes de e

e de i) e /s/ intervocálico) era escrito de acordo com regras portuguesas:

camútis  kamutis  crécas  krekas  cúac  kuak   hameríc  hamriik 

  húcic  husik    fácè  fase  táci  tasi  bóçòc  bosok   haçára  hasara

 3

Tomando como modelo o dialecto tétum do reino de Samoro, ao sul, tanto Silva como Dores

registaram numerosas formas com –l final, que tem sido geralmente substituído por  –r no dialecto

tétum de Díli. Os exemplos seguintes têm, portanto, um aspecto distintamente arcaico nos dias de

hoje: (Silva) mâmal  mamar, cabúal  kabuar, hadél   hadeer, nacfácal  nakfakar, bocal  bokar,

 fítel  fitar, dúcul  dukur, dícul  dikur; (Dores) mámal  mamar, midal  midar, dádul  dadur, kabuál 

kabuar, dácal  dakar.

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 A Evolução de Convenções com Base Tétum

A ortografia de Sebastião Aparício da Silva era incoerente por ser ao mesmo

tempo conservadora (imitando convenções portuguesas) e inovadora: o

missionário improvisou novas convenções, sugeridas pela estrutura intrínseca dotétum, sempre que as convenções portuguesas pareceram inapropriadas ou

incómodas. O Pe. Silva e os seus sucessores contribuíram para o gradual

desenvolvimento e tetumização da ortografia de base portuguesa, ao introduzirem

21 inovações individuais que acabaram por ganhar raiz nos hábitos locais deescrita e foram posteriormente integradas na ortografia oficial. Estes pilares do

 padrão ortográfico moderno podem ser alistados de modo cronológico, começando

com as inovações de Sebastião da Silva.

A. INOVAÇÕES DE S.A. da SILVA1 – O uso do <h> para representar a consoante aspirada [h] (fricativa glotal),contradizendo a convenção portuguesa do <h> mudo como em haver, houve,

homólogo, hesitar :

hêmo hemu hamútuco hamutuk  hétan hetan cakéhè kakehe

hahí  hahii óhim ohin haníhã  hanihan (hanehan) hadômi  hadomi húrum hurun róhan rohan déhan dehan haháloc hahalok 

2 – Uso do apóstrofo para representar a oclusiva glotal [/], o que não se encontraem português:4

ná’an na’an dí’ac di’ak  sadí’a sadi’a fó’er  fo’er tó’o to’oné’e bé  ne’ebé lá’en la’en há’u ha’u uá’in wa’in

3 – Notação das duplas vogais nativas (isto é, dissilábicas) etimologicamente

determinadas.5

Isto tornou-se consistente nos casos de:

 4

O apóstrofo manteve-se em todos os futuros escritores excepto Dores, que o substituiu (embora

não de modo coerente) por um acento agudo na vogal seguinte (ex: toó to’o, nuú nu’u ‘modo’,laú la’o, lalian lali’an, hakruúko hakru’uk ), e os tradutores católicos de textos bíblicos durante

os anos de 1990 (em contradição com a convenção estabelecida pela Comissão Litúrgica de Díli

de 1980 que marcou regularmente a oclusiva glotal com um apóstrofo).5

Como exemplos de etimologias, vejamos cf. boot < *boat < timorense antigo (TA) *beRat, foos

< * foas < TA beRas, bee < wee < TA *wahir, teen < *ta’in < TA *taqi-ne. As vogais duplas

ainda são pronunciadas como tal nas variedades orientais do tétum-térique, assim como no tétum-

 praça. Os estudiosos holandeses do tétum ocidental anotaram vogais simples nestes casos (ex: as,

hat, let, tos, haré, hamrók ) uma vez que as longas vogais duplas originais tinham sofrido uma

simplificação nos dialectos beluneses (incluindo os de Timor-Leste). O facto de os falantes

nativos de tétum intuírem a natureza dissilábica destas vogais duplas, torna-se claro a partir dos

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kée kee faac faak  bóoc book  bóote boot clóote kloot

íis iis  fúuc fuuk  míi mii môon moon húur  huurbíite biit cúus kuus tíi tii  síin siin léete leet

clóoc klook  hakée hakee

As duplas vogais eram escritas como vogais simples nos casos de6:

 ás aas  hás  haas   fós  foos  háte  haat  bé   bee   fén  feen

 cmán  kmaan tém teen tur  tuur dadél  dadeer haré  haree

Existiam hesitações nos casos de:

dóoc ~ dóc  dook   rii ~ rím  riin

4 – Utilização de <n> posposto no sentido de indicar nasalidade em palavrasindígenas. Isto era coerente nos casos de:

 áten aten láran laran déhan dehan ícin isin lólon lolon  fúrin furin lúbun lubun balíun baliun máun maun

Em outros casos, o til de origem portuguesa ou o -m final eram utilizados paramarcar a nasalidade da palavra:

 haníhã  hanehan  saiã  saián aihã  ai-han

 calém kaleen tém teen óhim ohin lílim lilin kídum kidun

úcum ukun íbum ibun dadáum daudaun7

 erros hiper-correctivos cometidos por pessoas cujo idiolecto não inclui a oclusiva glotal, por 

exemplo: bo’ot boot, a’as aas, le’et leet, hare’e haree, hamro’ok hamrook .6

A notação incoerente das vogais duplas seria uma falha constante das ortografias construídas

  por pessoas sem formação rigorosa em linguística: Exemplos de tais incoerências nos trabalhos

de escritores de tétum subsequentes, incluem, por exemplo: Dores (1907): aáte aat, biite biit,

huúr huur, huú huu, iis, leéte leet, loók look, luúto luut, mii , úuto uut ~ hás haas, hate haat,

bote boot, bé  bee, den deen, dil diir,  fen feen, lan laan, lir  liir, lós loos, tós toos, nu nuu, tóstoos; Mendes e Laranjeira (1935): áas, áat, háas, háat, cmâan, cnaar, féen, béen, têen, néen, léet,

 síin, líin, bóoc, dóoc, bóot, clóot, núu, túu, úut, natóon, hamróoc, nonóoc, tatíis ~ bé bee, lés lees,

 fós foos, tós toos, bí bii, clór kloor, lós loos, túr tuur, dadér dadeer; ainda, hesitações nos casos

de: táa ~ tá taa, íis ~ ís iis, kée ~ ké  kee, lóoc ~ lóc look , moo ~ mós moo-s, ríin ~ rin riin, sóor 

~  sór  soor; Martinho (1943) haat, têen, neen, boot, dóoc, fúuc, nuu ~ lés lees, dadél dadeer, bé 

bee, hatós hatoos, tur  tuur; Sá (1952): têen teen, luun luun ~ namrés namrees, haré haree;

Commissão Litútgica da Diocese de Díli (1980): leet, boot, aat, knaar, kbiit ~ los loos , ás aas ,

lolós loloos , hamós hamoos , hahí  hahii , haré  haree; Costa (2000) deer, deet, dook, faak, faat,

  fuuk, haat, neen, saar, taan ~ bé bee, bar baar,  fen feen, has haas, haré haree, harís hariis, kes

kees, let leet, los loos, nu nuu, ran raan, rin riin, sin siin, ten teen, tos toos.

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5 – Uso do <k> para representar a oclusiva velar não vozeada [k], antes de e e i,

em vez do português qu:

kiláte kilat hakérèc hakerek  kíkite kikit kélen kelencakéhè kakehe múkite mukit lókè loke makíli makili

B.  INOVAÇÕES DE R. das DORES 

6 – Uso geral do <k> para representar a oclusiva velar não vozeada [k],

substituindo o c português:8

kánek  kanek  kakórok  kakorok  késsar  kesar kbíite kbiit

kiak  kiak  klétak  kletak  klóssan klosan knóruko knoruk 

kontra kontra kótuko kotuk  kúkun kukun kúlite kulit9

7 – Introdução do hífen para indicar palavras compostas mas semanticamente

unitárias:

ita-nia ‘o nosso’ ida-neé   ida-ne’e ‘este’ máno-ôan manu-oan  ‘pintainho’

mátan-délek  matan-delek ‘cego’  mássin-midal  masin-midar  ‘açúcar’

máun-álin maun-alin  ‘irmãos’ tauko-laék  ta’uk-laek   ‘intrépido’

 sala-máluko sala-maluk   ‘cúmplice’ hanôin-hikas hanoin-hikas  ‘desgosto’

C. INOVAÇÃO DE M.P. MENDES E M. LARANJEIRA

8 – Uso geral do <u> para representar o  –u final, em substituição do <o>

 português:10

 7

A partir de Dores (1907) o -n foi usado por todos os escritores excepto Lencastre o qual,

seguindo o Pe. Silva, vacilou entre -n e -m : néen, tahan, tulun, léten, daun, tinan ~ cabum,

mutim, lorum, tanam, ulum, balum, naram, muçam.8O uso geral do k foi mantido por Sá, pelo Comité de Alfabetização da Fretilin, pela Comissão

Litúrgica de Díli e pela IACDETL; por outro lado, Mendes e Laranjeira, Martinho e Fernandes

voltaram ao uso, de base portuguesa, do c (usando, no entanto, k em vez de qu + e, i).9

As estranhas grafias kúlite, kbíite, kótuko, knóruko, com vogais finais mudas, foram herdadas de

Silva e reflectem as dificuldades lusófonas em lidar com palavras cuja letra final é -t e -k (só -r,

-s, -l e –z  podendo normalmente ocorrer em posição final no português). Esta idiossincrasia

desapareceu depois de Dores.10

Embora o Pe. Silva tivesse usado sobretudo o –o em 1889, substituiu-o de vez em quando por 

<u>, como por exemplo lakéru, táhu, hafúhu, hócu, tétu, nacônu, málu ~ môno monu , bôço

bosu , hêmo hemu , mâno manu , hôto hotu , sélo selu , canuro kanuru , rua nulo ruanulu.

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10

fáru  faru  hôtu  hotu  látu  latu  malu   fútu  futu  natútu  natutu táru  taru  têcu  teku  útu  utu  hôpu  hopu

D. INOVAÇÃO DE A.B. de SÁ 

9 – Uso do <s> para representar o /s/ intervocálico indígena, substituindo os <ss>,

<c> (antes de e, i) e <ç> (antes de a,o,u) portugueses:

tesi besi mesak bosok fisur tasak kadesi 

E. INOVAÇÕES DO COMITÉ DE ALFABETIZAÇÃO DA FRETILIN 

10 – Abolição dos acentos agudo e circunflexo colocados sobre as vogais e, o, a

(é, ê; ó, ô, á, â) que indicavam a qualidade alofónica aberta ou fechada. Esta

reforma privilegiou grafias fonémicas não alofónicas:11

leten hesuk tesi kota kotu tasi manu12

11 – Abolição do ditongo ou que indicava o alofone fechado [o] do fonema /o/.

Esta reforma privilegiou grafias fonémicas não alofónicas:

moris hahoris horisehik lori foti sorin sorun hotu13

12 – Substituição do português –ão por  –aun:14

nasaun (< nação), sabaun (< sabão), patraun (< patrão), misaun (< missão),

kapitaun (< capitão), edukasaun (< educação), investigasaun (< investigação)

 11

Os escritores anteriores empregaram os acentos — agudo e circunflexo — sobre as vogaistónicas numa tentativa de indicar a qualidade vocálica. O Comité de Alfabetização da Fretilin

utilizou, nesse sentido, um critério fonémico coerente para substituir o critério fonético dos seus

antecessores.12

Em vez das grafias fonéticas lusóides léten, hêsuk, têsi, kóta, kôtu, tási, mânu.13

Em vez das grafias alofónicas (e fonéticas) mouris, hahouris, hourisehik, louri, fouti, sourin,

hasouru, houtu.14

Isto era uma marca do tétum acrolectal. A tradição mais antiga (basilectal) assimilava  –ão à

sequência nativa  –án, como em Silva: obrigaçã, adoraçã, oraçã ; ou Mendes/Laranjeira:  sabân,

 perdân, galân, coraçân.

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11

13 – Notação de /j/, do português g (+ e, i) como <j>:

 jestaun (< gestão), jeometria (< geometria), jigante (< gigante), jinástika (< ginástica), ajente (< agente), imajen (< imagem)

14 – Introdução de sete grafemas distintos para representar as sete fonemas

consonantais polivalentes (de origem portuguesa ou malaia): /g/, /j/, /p/, /rr/, /v/,/x/, /z/

15

  gaveta gargón Bagia janela Jaku tijolu papa pombu borraxaterrenu vidru Vikeke livru xinelu xikra lixu zona kazakuezami  ezame

16

F. INOVAÇÕES DA COMISSÃO LITÚRGICA DA DIOCESE DE DÍLI 

15 – Uso do acento agudo para indicar apenas casos de acentuação irregular (isto

é, não paroxítona):

 15

Os escritores mais antigos não conseguiram reconhecer estes fonemas, sobretudo porque, até ao

 período entre as guerras, a grande maioria dos falantes de tétum assimilou consoantes estrangeiras

às nativas. Daí que Raphael das Dores tenha reflectido na sua ortografia a (na altura dominante)assimilação das consoantes portuguesas (ou malaias) às nativas, como por exemplo:

/g/ > /k/ ou /d/: koiaba goiabas, doka, duka joga,  fokado fogadu, dulka julga,

  dunilha gonilla, dardón gargón

/j/ > /d/ or /i/: dulka julga, dindún jejún, duis juis, dura jura, duramento

juramentu, aiduda ajuda, iara jarra

/p/ > /b/:  barassa prasa, bateka pateka,  sebila sepilla,  saba xapa, kombare

kompadre

/rr/ > /r/:  iara jarra, bura borra, kataro katarru,  fora forra,  sikôro sokorru

/v/ > /b/, /w/:  biba viva, baretan vareta, uale (= wale) vale

/x/ > /s/:   saba xapa,  saruto xarutu,  sinela xinela,  sita xita,  surisso xourisu,

  mansila maxila

/z/ > /s/:  dussi dúzia,  fussil  fusil/ll/ > /l/:  sebila  sepilla, (Silva) consêlo konsellu

/ñ/ > /n/: lina  liña, korlina  korliña

O aparecimento de uma classe burguesa lusófona timorense deu origem a uma variedade

‘acrolectal’ de tétum na qual as consoantes portuguesas nos empréstimos continuaram a ser 

 pronunciadas como em português. Tais fonemas eram ‘polivalentes’ no sentido em que possuíam

alofones populares (assimilados) e doutos (isto é, não assimilados).16

Já em 1889, o Pe. Silva tinha por vezes reconhecido a índole fonémica do /z/ em tétum, como

em dezejo dezeju, roza, meza, ezemplo ezemplu, ezame, diviza, cazo kazu.

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12

(acentuação paroxítona sem acento)

laran klamar Ita-Boot rohan liafuan fiar dame hamutuk lalehannafatin agradece agradese nu’udar Maromak 

(acentuação oxítona ou proparoxítona marcada com acento agudo)Páskua manán glória nebé   ne’ebé  hahí   hahii maibé katólikaapóstolu família Espíritu mistériu hahú

16 – Notação do <e> final fonémico, em palavras herdadas do português, em vez

da grafia fonética <i> baseada em alofones mesolectais e basilectais:

agradece  agradese    pontífise karidade padre17

Pelo contrário, algumas incoerências como eskolanti eskolante

17 – Uso do <w> para representar o /w/ indígena em empréstimos do tétum-

térique (tendo este fonema sido assimilado a /b/ no tétum-praça)18

:

we wee wainhira wa’in hewai hawelok   hawain hawa’in

Persistiu, no entanto, a incoerência da alternação destas formas com as formas

 populares em /b/, por exemplo labarik   lawarik, aban bainrua awan wainrua. O

uso incorrecto da forma térique wainhira em tétum-praça, em vez da forma padrão

bainhira, deriva desta incoerência que caracteriza sobretudo os escritores

eclesiáticos.

G. INOVAÇÕES DA COMISSÃO ACADÉMICA INTERNACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO DAS LÍNGUAS DE TIMOR-LESTE (IACDETL)

18 – Introdução dos grafemas <ll> e <ñ> (substitutos para <L   |> e <n|> compatíveis

com os teclados informáticos modernos) para substituir <lh> e <nh> querepresentam fonemas palatais derivados do português:

 17

Estes substituíram as grafias fonéticas baseadas em alofones como: agradesi, pontífisi,

karidadi, padri.18

O Pe. Silva e os seus sucessores tinham todos usado u- (e raramente -o), como por exemplo

(Silva) ué wee, heuuái hewai, ua’in wa’in, uéc week, haouén haween, oáni wani.

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13

faL   |a> falla konseL   |u > konsellu  JuL   |u > Jullu  toaL   |a > toallakartiL   |a > kartilla  sepiL   |a > sepilla erviL   |a > ervilla

man|a > maña Jun|u > Juñu  dezen|u > dezeñu   pen|ór > peñór akompan|a > akompaña  kon|ese > koñese  lin|a > liña19

 19

Os dígrafos portugueses <lh> e <nh> (convenções medievais de origem occitânica, isto é,

  provençal) representam as consoantes palatais [ ¥] e [ ≠] respectivamente. Uma das maiores

fraquezas dos sistemas ortográficos do tétum, antes da IACDETL iniciar o seu trabalho nos anos

90, era o uso destes dígrafos em tétum. Eles não servem para escrever em tétum devido ao facto

de o tétum, ao contrário do português, ter um h aspirado (a fricativa glotal [h]); também porque o

grafema <h> tinha já sido atribuído a este som por Sebastião da Silva em 1887, uma convenção

observada por todos os seus sucessores. Consequentemente, as grafias tradicionais hahú,

bainhira, manha, nas quais <h> representava [h] nas primeiras duas palavras mas [j] na terceira,

deram sinais contraditórios. Este problema agravava-se com o facto de muitas línguas de Timor-

Leste terem as autênticas sequências consonantais /lh/ e /nh/, em muitos casos como fonemasvulgares, por exemplo em uaimoa lhire ‘leve’, lheo ‘chegar’, lha’a ‘alma’, nhasu ‘ferver’, nhese

‘igual’, nhii ‘erguer’; em baiqueno anha ‘criança’; em galóli sinherin ‘aqueles’ etc.

Dado o desiderato de uma ortografia pan-timorense (já planeada pelo Pe. Artur Basílio de Sá

em 1954 e confirmada em comissão ao INL pelo CNRT em 2001), era imperativo encontrar 

novos símbolos para substituir  lh e nh de origem portuguesa. Alguns timorenses influenciados

 pela cultura indonésia sugeriram a introdução de ly e ny; esqueceram-se porém do facto de que a

maioria dos tetumófonos (falantes das variedades mesolectais e basilectais) não pronuncia estas

consoantes como em português (casos nos quais a ortografia <ly> e <ny> se tornaria aceitável)

despalatalizando-as em [l] e [n] depois do i e em [il] [in] depois de outras vogais. Assim, a

maioria dos timorenses pronuncia as palavras portuguesas   falha, cartilha, manha e linha, não

como   /falya/ /kartilya/ /manya/ /linya/ mas, isso sim, como   /fayla/ /kartila/ /mayna/ /lina/.

Portanto resulta que as grafias indonésias, para além de politicamente contenciosas, sãoinadequadas, uma vez que o elemento /y/ é, ou absorvido pela vogal precedente, ou transposto

 para a frente do l ou do n.

A única solução para este problema foi a introdução de um diacrítico para distinguir l e n como

fonemas independentes e polivalentes. A proposta inicial da IACDETL (um mácron sobre o l e o

n indicando serem consoantes longas) era lógica e tornou-se um bom símbolo de trabalho. Nas

grafias faL|a, kartiL|a, man|a, lin|a o referido mácron deixava as seguintes mensagens: (1) “depois

de a, e, o, u, leiam-me como /y/ antes ou depois da consoante, de acordo com a vossa pronúncia

normal; (2) “depois de i ignorem-me ou leiam-me como /y/ depois da consoante, de acordo com a

vossa pronúncia normal”. No entanto, tais símbolos não facilitavam o uso informático, uma vez

que os teclados dos computadores modernos apenas autorizam a alteração do n através do til

sobrescrito, enquanto o l não poderia sequer ser modificado.A solução adoptada pela IACDETL, e aprovada pelo INL em 2002, residiu em converter o

mácron num til no caso < n| >, e num <l> suplementar no caso de < L|>. Os substitutos resultantes,

<ñ> e <ll>, tinham o mérito de se associarem com a mais vasta tradição linguística portuguesa e

românica. O til é empregue em português (colocado, no entanto, sobre vogais e não sobre o n) e a

grafia <ñ> é a contrapartida de <nh> no galego, um dos dialectos da língua galaico-portuguesa

original a partir da qual o português moderno evoluiu. Por seu lado, o <ll> era empregue no

 português medieval para representar o palatal moderno antes da introdução de <lh> (estando este

dígrafo posteriormente restringido a representar /l/ em palavras que tinham LL em latim: esta

convenção, abolida com a reforma ortográfica de 1911 – por exemplo cavallo > cavalo,  janella >

  janela, collegio > colégio – sobrevive em alguns apelidos portugueses – por exemplo Mello,

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14

19 – Eliminação das consoantes mudas em palavras herdadas do português:

istória (< história), eransa (< herança), otél (< hotel ), ospitál (< hospital ),batizmu (< baptismo), asaun (< acção), exesaun (< excepção), elétriku (<eléctrico),  projetu (< projecto)

20 – Colocação do acento agudo sobre as vogais orais tónicas e alongadas, no casode oxítonos de origem portuguesa, mas não sobre as vogais nasais não alongadas,

também de origem portuguesa:

 xá (< chá)  pás (< paz )  jís (<  giz ) krús (< cruz )  pár  (< par ) súl  (<  sul )

20

 lan (<

lã ) sin (<

 sim) son

 (<

 som) bon

 (<

bom)

21

21 – Diferenciação ortográfica, de base tradicional, em relação aos homónimos

tendo em conta interesses relacionados com a alfabetização. Onde tais palavras

apresentassem uma dupla vogal, ou uma vogal longa, etimologicamente

determinadas, um dos homónimos seria reescrito com uma vogal simples coberta

  Perestrello, Chrystello). O símbolo <ll> também é usado em espanhol, catalão e francês e o <ñ>

é partilhado pelo espanhol (parceiro do português na iberofonia actual) e utilizado no alfabeto

fonético americano, sendo também um dos símbolos do alfabeto reconstruído para as línguas

 proto-austronésicas e proto-malaio-polinésias, das quais o tétum é descendente.

Em 1996, Armindo Tilman (anteriormente associado ao movimento da Fretilin para a

alfabetização) sugeriu a convenção nn (em vez de ñ) para completar  ll (por exemplo  padrinnu

padriñu, madrinna madriña, Espanna España, kompannia kompañia). A proposta tinha lógica,

mas não foi imitada muito provavelmente porque <nn> (ao contrário de <ñ>) não tinha

 precedentes na escrita das línguas românicas ou em qualquer dos conhecidos sistemas de notação

fonética.20

Estas vogais eram longas e não duplas ( pár ‘paz’ [do português] ~ kabaas “ombro” [palavranativa, do timorense antigo *qabaRa], kór  ‘cor’ [do português] ~ door  “sujo” [vocábulo

indígena]. Excepções aparentes a esta regra de diferenciação entre lusismos e formas nativas são

as grafias lee (igual ao português lê), revee (= revê), prevee (= prevê). Estes vocábulos são

escritos com vogais duplas porque as grafias do português moderno representam reduções

recentes das antigas formas dissilábicas (isto é, anteriores a 1911) como lêe (do latim LE-GIT),

revêe (do latim RE-VI-DET),  prevêe ( PRÆ-VI-DET), assim como têm < têem (grafia antiga) <

TE-NENT. Em contrapartida, nas outras formas houve uma vogal tónica na formação da palavra,

 por exemplo par < PAR-E, cruz < CRUC-E.21

As vogais nasais oxítonas não foram alongadas no tétum como as vogais orais oxítonas; daí que

grafias como *lán, * sín, *bón sejam desnecessárias e, portanto, incorrectas.

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15

  por um acento agudo (a não ser que se tratasse de uma vogal nasal ou

cronicamente átona).22

Grafia com vogais duplas Grafia com vogal simples

tuun ‘espeto’ tun ‘descer’aan ‘corpo’ an ‘… si próprio’

bee ‘água’ bé  ‘letra B’

be ‘o qual’23

 foo ‘feder’  fó ‘dar’

haan (= ahan) ‘feijão bravo’ han ‘comer’

haree ‘ver’ hare ‘planta do arroz’

huun ‘alento; espírito’ hun ‘base; árvore’

laan ‘vela’ lan ‘lã’

maas ‘bocejar’ mas ‘mas’

moos ‘limpo’ mós ‘também’roo ‘folha’ ró ‘barco’

saa ‘cobra’; ‘família’ sá ‘o quê’

see ‘virar; apresentar’ sé  ‘quem’

siin ‘azedo’ sin ‘sim’

taan ‘camada; dobra’ tan ‘porque’

tee ‘defecar’ té  ‘letra T’

 Também se distinguiram ortograficamente:

bá ‘ir’ (verbo) ba ‘a’ ‘para’ (prep.)

‘daqui (advérbio)sé  ‘quem’ se ‘se’ (conjunção)

H. REVISÕES CONCLUSIVAS APRESENTADAS PELO INSTITUTONACIONAL DE LINGUÍSTICA (INL)

Dado este processo cumulativo de evolução, em 2002, ano da restauração da

nossa independência, já todas as marcas essenciais inerentes à ortografia nacionalde Timor-Leste estavam no seu devido lugar. O grande desafio residia em

coordenar estas convenções e eliminar as incoerências que ainda permaneciam. As

 principais falhas dos escritores populares eram as seguintes:

 22

As escolhas seguem, em larga medida, as dos ortografistas anteriores como, por exemplo,

(Mendes e Laranjeira) môon ‘claro’ ~ mós ‘também’, sée ‘apresentar’ ~  sé  ‘quem’, túun ‘espeto’

~ tun ‘descer’; an ‘si mesmo’, bá ‘ir’, fó ‘dar’, hân han ‘comida’, ró ‘barco’, tan ‘porque’.23

Não é escrito com acento porque é sempre átono.

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16

1 – Não se ter ainda feito a distinção entre vogais simples e vogais duplas.

2 – Não se ter ainda feito a distinção entre vogais duplas de origem indígena

(historicamente e na realidade dissilábicas) e vogais tónicas alongadas deorigem portuguesa (historicamente e na realidade monossilábicas), como, por 

exemplo, kuus ~ krús, liis ~ jís, haree ~ kafé, maliboo ~ avó, hadoor ~

hemudór, harii ~ kolibrí ; ai-naa ~ papá.

3 – Não se ter ainda marcado com apóstrofo a oclusiva glotal (pronunciada emmuitas variedades de tétum-praça assim como nos dialectos do tétum-térique).

4 – Existir ainda uma confusão entre /w/ e /b/.

5 – Existir ainda confusão entre os grupos consonânticos nativos /lh/ /nh/ e os

derivados do português <lh> e <nh>.6 – Não se usar, ou usar-se incorrectamente, o acento agudo (como marcador de

acentuação não paroxítona ou irregular)24

.

7 – A tendência para escrever palavras de modo fonético e não fonémico.8 – A continuidade de ortografias macarrónicas, isto é, escrever palavras derivadas

do português à maneira portuguesa em vez de se adaptar essas mesmas

 palavras às regras da ortografia do tétum (ou seja, a coexistência de dois

sistemas de ortografia dentro de uma mesma língua).

Todas estas questões foram resolvidas de modo satisfatório na ortografia

 padronizada do tétum apresentada em duas publicações do INL em 2002, mais

concretamente Matadalan Ortográfiku ba Tetun Nasionál e Hakerek Tetun Tuir 

 Banati, que concluíram o processo evolutivo inerente à ortografia do tétum.

© Instituto Nacional de Linguística, 2004

Tradução, a partir do inglês, de Francisco Nazareth, do Instituto Camões.

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Comissão Litúrgica da Diocese de Díli (1980). Ordinário da Missa: Texto

Oficial Tétum. Díli.

 24

A aplicação lógica desta regra produziu algumas diferenças no uso do acento no tétum, em

relação a português, tais como nos seguintes lusismos: nasionál (< nacional), alugér (<

aluguer), altár (< altar), otél (< hotel), funíl (< funil), kapatás (< capataz) ~ konsul (< cônsul),

rekomendavel (< recomendável), posivel (< possível. Grafias indigenizadas deste tipo já tinham

sido empregues pelos ortografistas portugueses, p.ex. (Silva) kintál < quintal.

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