HISTÓRIA DO DIREITO PROCESSUAL ADMINISTRATIVO MOÇAMBICANO

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    HISTRIA DO DIREITO PROCESSUALADMINISTRATIVO CONTENCIOSO

    MOAMBICANO

    Por

    Prof. Doutor GILLES CISTAC

    Docente da Faculdade de Direitoda Universidade Eduardo Mondlane

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    INTRODUO

    Um jurista deve interrogar-se sobre as razes, os fundamentos e as ideias mestresda cincia que ele pratica o que implica, necessariamente, pr, em perspectiva, histria edireito1.

    A histria ensina que o direito pode assumir vrias formas culturais. Quer o

    fenmeno da recepo do direito romano na Europa a partir do Sculo XII, quer o direitocodificado dos Sculos XIX e XX so exemplos dessas formas. Ambos so o fruto deuma longa evoluo jurdica, filosfica, poltica, econmica e social. Ainda, necessrioter presente que a prpria tcnica jurdica move-se sempre num espao habitado por conceitos e teorias que exprimem valores e perseguem interesses irremediavelmenteconexionados com os fenmenos sociais e culturais2.

    Compreende-se assim a utilidade de uma aproximao histrica do facto jurdico3.Todavia, enquanto a doutrina ptria estudou vrios aspectos do direito positivo vigente4,no existe nenhum trabalho investigativo de natureza histrica sobre o direitomoambicano.

    Sem ter a pretenso de preencher esta lacuna, este estudo tem por objectivoacompanhar a evoluo das diversas regras constitutivas de apenas um ramo do direitoobjectivo actual: o Direito Processual Administrativo Contencioso. Por outras palavras,este trabalho visa a mostrar como foi elaborado, desde o princpio do Sculo XIX at o princpio do Sculo XX, um conjunto de normas processuais que regulam o procedimento administrativo contencioso vigente no ordenamento jurdico interno.

    O surgimento e a evoluo histrica do Direito Processual AdministrativoContencioso em Moambique cinge, de uma forma geral, a histria geral do pas5, isto ,

    1Sobre este aspecto vide o ensinamento contido na obra de PTER ERD,Teologia del diritto canonico.Un approccio storico-istituzionale, Turin, G. Giappichelli Editore, 1996, XIII-215 p.

    2 REIS MARQUES M., Grandes linhas de evoluo do Pensamento e da Filosofia Jurdicas, em PAULOFERREIRA DA CUNHA (Org.), Instituies de Direito, I Volume, Filosofia e Metodologia do Direito,Livraria Almedian Coimbra, 1998, p. 220.3 Vide, mais particularmente, o ensinamento de ROGRIO EHRHARDT SOARES no que concerne oDireito Administrativo, Interesse Pblico, Legalidade e Mrito, Coimbra 1955, p. 46.4 Vide, por exemplo, os estudos jurdicos publicados desde 1996 na Revista Jurdica da Faculdade deDireito da Universidade Eduardo Mondlane.5 Sobre a histria de Moambique, NEWITT M., Histria de Moambique, Publicaes Europa-Amrica,

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    para simplificar, um perodo colonial e um perodo ps-colonial. Mas, a coincidncia no total e perfeita em termos de durao porque, depois da independncia do pas em 1975,a influncia do direito colonial ser sempre presente at a grande reforma do ano 2001que culminou com a aprovao, pelo Parlamento, da Lei sobre o Processo AdministrativoContencioso6.

    Assim, ser, previamente, necessrio estudar um perodo em que o DireitoProcessual Administrativo Contencioso um direito tipicamente colonial ou deinspirao colonial (I), antes de apresentar a reforma substancial do ano 2001 que visainstituir novas normas processuais neste ramo do direito processual (II).

    I. O DIREITO PROCESSUAL ADMINISTRATIVO CONTENCIOSOCOLONIAL OU DE INSPIRAO COLONIAL (1832-2000)

    O surgimento do Direito Processual Administrativo Contencioso em Moambique

    (C) consubstanciado ao prprio surgimento de uma jurisdio administrativa no pas oque depende, igualmente, da recepo do sistema de administrao executiva em Portugalo que pressupe, tambm, a existncia de uma jurisdio administrativa para julgar aAdministrao Pblica na sua actuao (B). Todavia, a referida recepo no se realizouno vazio. Existia antes desta uma (pr) histria do Direito Processual AdministrativoContencioso (A).

    A. A pr-historia do direito processual administrativo contencioso (... - 1831)

    No se pode conceber uma administrao sem litgio, seja esse o fruto de conflitosinternos ou a consequncia de actividades susceptveis de prejudicar os particulares. Mas pode-se conceber modos de resoluo de litgios administrativos, no jurisdicionais, porum lado, e mas particularmente sem a interveno de qualquer jurisdio administrativa,ou, jurisdicionais, mas na ausncia de uma jurisdio privativa e original do contenciosoadministrativo, por outro lado.

    Essas premissas fundamentam a possibilidade da existncia de modalidades deresoluo do contencioso administrativolato sensuantes do prprio surgimento detribunais especiais encarregados de dirimir litgios administrativos segundo um direito prprio distinto do direito privado.

    Essas possibilidades tericas existiram de facto, quer no mbito da administraocolonial antes de 1832 (a), quer, no mbito dos novos Estados na mesma altura (b).

    a) A resoluo dos litgios administrativos na administrao de Moambiqueantes de 1832

    Lda, 1997; SERRA C. (Direco), Histria de Moambique, Vol. 1, Livraria Universitria Maputo, 2000;PLISSIER R., Histria de Moambique, Vol. I e II, Lisboa, Ed. Estampa, 1994.6 Lei n. 9/2001: Lei do Processo Administrativo Contencioso, B.R., 7 de Julho de 2001, Suplemento, ISrie N. 27.

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    Antes de 1675, a Coroa portuguesa7 institui, na colnia de Moambique, umsistema especfico de governo a capitania8 - com a finalidade de administrar omonoplio real do ouro e do marfim9. Um contrato complexo celebrado entre a Coroa e ocapito determinava as obrigaes de cada parte, mas particularmente, o ltimo devia

    controlar os navios, os fortes e os assentamentos, zelar pela feitoria real e pagar umacontribuio anual algo avulta enquanto que a primeira, comprometeu-se a conceder direitos sobre vastos, embora bem definidos, sectores do comrcio efectuado na fricaOriental10. Assim, a grande preocupao de todo e qualquer capito era levar a Coroa aconceder-lhe os privilgios comerciais que transformavam o seu cargo de valia paraocupar.

    Na prtica, muitos problemas levantaram-se. As querelas entre os vrios capitesrivais e respectivos seguidores eram frequentes11. Alm disso, nasceram vrios conflitos,quer no prprio seio desta administrao/capitania, quer entre a Corao ou o vice-rei,sediado no Estado da ndiacujo dependia a capitania de Moambique e Sofala, e o

    prprio capito at entre a Coroa e o vice-rei no que diz respeito a nomeao desteltimo12.

    O modo de governo da capitania no podia ser, nesta altura, seno um governo pessoal feudal tpico13. A estrutura burocrtica ainda que reduzida, continha umahierarquia de funcionrios e outro pessoal com um ouvidor (juiz) responsvel perante ocapito.

    Assim, no existia, nesta altura, nem de facto e nemde jure, nenhum tribunaladministrativo14 para dirimir qualquer litgio de natureza administrativa e se existia era a

    7 Sobre a Coroa, vide, SOUSA (de) A.F., Fundamentos histricos de Direito Administrativo, Lisboa, Ed.Editores, 1995, p. 66 e seguintes.8 As capitanias, escreve MARCELLO CAETANO,eram colnias administradas por concesso, emque o Estado no delegava poderes soberanos numa companhia majesttica como sucede na formamoderna da concesso mas num fidalgo notvel, em regra o descobridor, em, Estudos de histria da Administrao Pblica Portuguesa, Coimbra Ed., 1994, p. 455.9 A Coroa portuguesa teve o projecto criar um imprio a Oriente inspirado numa estrutura burocrticaunificada, pronta a reflectir as tendncias centralistas de que os governantes da Europa Renascentista tantose orgulhavam; como escreve MALYN NEWITT:O rei de Portugal reivindicava extensos direitos e poderes, entre os quais se incluia o monoplio comercial de uma srie de artigos orientais, como pimenta,canela, cavalos, ouro e marfim; o direito de emitir salvo-condutos a todos os navios que cruzassem ooceano ndico, bem como o de cobrar direitos alfandegrios; e o controlo completo sobre a Igreja noOriente, e mesmo proceder s nomeaes eclesisticas e cobrana do dzimo. Estes poderes absolutosdevriam ser administrados a leste do cabo de Boa Esperanza por um vice-rei ttulo aragons queindicava ser o seu detentor o alter ego do Rei no Oriente, Histria de Moambique, op. cit., p. 104;SERRA C. (Direco), Histria de Moambique, Vol. 1, op. cit., p. 64 e seguintes.10 NEWITT M., op. cit., p. 108.11 Vide, NEWITT M., op. cit., p. 103 e seguintes.12 NEWITT M., op. cit., p. 109.13 CAETANO M., Estudos de histria da Administrao Pblica Portuguesa, op. cit., p. 455.14 Facto sintomtico, o termo tribunal administrativo no consta dos indices alfabtico e cronolgico da principal legislao publicada nos Boletins Oficiais da Colnia de Moambique, desde 1854 a 1920 daautoria de ALBERTO COTA MESQUITA (1941 Imprensa Nacional de Moambique Loureno

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    premissa de uma garantia contenciosa atravs doouvidor , o direito aplicvel e aplicadono tinha nenhuma especificidade; era o direito privado.

    De qualquer forma, o juiz local era sujeito autoridade do capito o que limitavaa sua independncia e a eficcia das suas prprias decises. Assim , atravs, das

    garantias graciosas mais do que contenciosas, principalmente, que os litgios originados pela actividade da micro-administrao da capitania eram resolvidos.

    A existncia do monoplio comercial do capito entrava em choque com a poltica defendida pela Coroa. Assim, foram vrios os esquemas no sentido de reformulareste monoplio. Finalmente, este sistema terminou em 1675; o monoplio deu lugar auma Junta do Comrcio, que operava a partir de Moambique em nome da Coroa15. Ofim do monoplio do capito, observa MALYN NEWITT:significou tambm o fim detoda uma fase na histria administrativa da Europa uma fase durante a qual, e devido falta de recursos, os governos deviam(ser)obrigados a passar os seus direitos fiscais,bem como muitos outros poderes, para as mos de contratadores privados. O facto de

    estes serem quase sempre membros da nobreza apenas serviu para criar um elementosde continuidade com as formas de governo feudal que haviam sobrevivido IdadeMdia16.

    A partir da segunda metade do Sc. XVII, acentua-se o processo de centralizaodo poder central (cristalizao do absolutismo da realeza que iniciou desde o SculoXVI17) que se manifestar nas colnias pelo fim do monoplio comercial do capito18 - ocapito torna-se, exclusivamente, um simples funcionrio executivo que tratava deobedecer ao vice-rei de Goa - e pela poltica de abolio dos prazos19 que culminara, umsculo mas tarde, com aprovao do Decreto de 22 de Dezembro de 1856 queAbole os prazos da coroa20. O estudo da regulamentao relacionada com a abolio dos Prazos

    Marques).15 NEWITT M., op. cit., p. 113.16 NEWITT M., Ibidem17 CAETANO M., Estudos de histria da Administrao Pblica Portuguesa, op. cit., p. 456.18 Todavia, at s reformas administrativas de 1752, o capito de Moambique acumulou as funesmilitares e administrativas com as de superintendente da Junta do Comrcio, a qual controlava todo ocomrcio praticado pelos assentamentos da regio da Zambzia. Sobre o Domnio Zambeziano, vide,PLISSIER R., Histria de Moambique, Vol. I, op. cit., p. 74 e seguintes.19 Sobre os prazos, vide, PLISSIER R., I, op. cit., p. 79 e seguintes; NEWITT M., op. cit., p. 203 eseguintes; CAETANO M.,, op. cit., p. 483; SERRA C. (Direco), Histria de Moambique, Vol. 1, op.cit., p. 58. Sobre os prazos da jurisdio de Sena em particular, vide, MAMAN A.,Subsdios para ahistria de Sena, Maputo, Edio Promdia, 2000, p. 61 e seguintes.20

    Decreto de 22 de Dezembro de 1856 Abole os prazos da coroa, B.O. n. 14. Nos termos do referidodecreto:Sendo reconhecido pela experiencia de muitos annos que a instituio dos prazos denominadosda Cora, na Provincia de Moambique, longe de produzir os beneficios que della se esperavam, tem, pelo contrario, obstado poderozamente ao desenvolvimento da agricultura nos mais importantes districtosda mesma Provincia, pelos graves abuzos a que tem dado logar, e que no possvel remediar sem alterar completamente as condies da auizio, possesso e transmisso dos vastos terrenos que constituem osditos prazos (...) Art 1. Fica abolida em todos os territories da Provincia de Moambique a instituiodenominada Prazos da Cora. A abolio dos prazos destinava-se, em princpio, a ter como efeito orestabelecimento da autoiriade do Estado na Zambzia e a supresso da escravatura neles implicita.Mas,como escreve REN PLISSIER,a legislao seria inoperante, pois no foi aplicada; chegara

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    da Cora e o seu processo de indemnizao permite confirmar, pelo menos, que o seucontencioso da competncia do Poder Judicial e que, no houve, ainda, nesta altura,publicizao dos rgos encarregados de julgar os litgios relacionados a esta matria.Com efeito, nos termos do Artigo 4. do despacho do Ministrio da Marinha e Ultramar.Seco do Ultramar N. 1414,Sempre que os donatarios se julguem ofendidos em seu

    direito pelas decises da Junta de Fazenda, ora se a com respeito indemnizaomesma, ora sobre s quantitativo, podero recorrer ao Poder Judicial, a fim de seestatuir pelos meios competentes sobre o ponto controvertido ...21.

    Todavia, apesar deste processo, at 1752, os territrios controlados pela Coroacontinuaram a ser administrados de um modo muito pessoal, quase medieval22. A justiaera administrada por magistrados nomeados pelo rei: osouvidoresque assistiam oscapites23. Os capites subordinados actuavam todos como juizes nas reas por sicontroladas (Tete, Zumbo e Manica). Assistia-se assim a uma certa confuso dos poderesadministrativos e judiciais.

    Em 1752, o Governo de Moambique foi, formalmente, separado de Goa, e ogovernador, agora chamado capito-geral e, posteriormente, governador-geral, passou aestar sob o controlo directo da metrpole24.

    A consulta dos ndices alfabtico e cronolgico da principal legislao publicadanos Boletins Oficiais da Colnia de Moambique, da autoria de ALBERTO COTAMESQUITA, da metade do sculo XVIII primeria metade do sculo XIX, no traznenhuma informao relevante em relao a organizao da administrao ultramarina nacolnia ou introduo de uma mudana em termos dos modos de resoluo dosconflitos administrativos em relao ao perodo anterior.

    apenas a partir da aprovao da Portaria Provincial n. 395, de 18 de Fevereirode 1856 queManda considerar em vigor o Cdigo Administrativo de 18 de Maro de184225, que aparecerem mundanas substanciais, do ponto de vista jurdico, na histriado contencioso administrativo na provncia ultramarina de Moambique.

    b) A resoluo de litgios administrativos nos novos Estados26

    No seu estudo publicado em 1985 sobrea Justia dos Madhalim e a justiaadministrativa moderna27, YADH BEN ACHOUR, alm dos ensinos puramente factuais

    demasiado tarde, e os interesses locais, coligados contra a Metrpole, eram demasiado poderosos paraque as suas injunes fossem respeitadas, em PLISSIER R., I, op. cit., p. 46.21 B.O. n. 44 de 1856.22 NEWITT M., op. cit., p. 118.23 CAETANO M., Estudos de histria da Administrao Pblica Portuguesa, op. cit., p. 478.24 CAETANO M., op. cit., p. 482.25 B.O. n. 10 de 1856.26 A expresso novos Estados emprestada a obra de CARLOS SERRA (Direco), Histria deMoambique, Vol. 1, op. cit., p. 87.27 BEN ACHOUR Y., "Justice des Madhalim et justice administrative moderne", RISA 2/1985, pp. 109-119.

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    sobre esta instituio tradicional do mundo muulmano, traa alguns princpiosmedotolgicos extremamente pertinentes, numa perspectiva comparatista, em termos deinstituies aparentemente muito distintas: a justia dos Madhalim e a justiaadministrativa moderna.

    So esses princpios que preciso realar como pressupostos metodolgicos dumacomparao, neste perodo pr-histrico do Direito Processual AdministrativoContencioso, entre o aparelho da administrao colonial na provncia de Moambique e odos novos Estadosno que concerne a resoluo no jurisdicional do contencioso daAdministrao Pblica.

    O interesse da comparao entre as duas justias acima referidas no reside na busca de provas das semelhanas em termos de organizao ou de funcionamento prticos; como observa YADH BEN ACHOUR, a esses diferentes nveis que acomparao apareceria como puramente artificial. Pelo contrrio, de um grandeinteresse de ver se princpios gerais comuns de organizao, ou finalidades ou

    inspiraes comuns existiriam entre os dois tipos de instituies28

    .Assim, o referido autor demonstrou que h a sculos de intervalo, nuns ambientes

    sociais extremamente diferentes, inspirados por filosofias e representaes totalmentedistintas, com modos de expresso divergentes, duas instituies podem organizar-se emtorno dos mesmos princpios para chegar a resultados equiparados.

    Da observao sumria da organizao dos novos Estados29, isto , principalmente do Imprio de GAZA30, dos Estados militares do Vale do Zambeze, dosEstado YAO, dos Estados MAKUA31, dos reinos afro-islmicos da Costa (o Sultanato deAngoche, o Xeicado de Sancul, o Xeicado de Quintangonha, o Xeicado de Sangaje, oXeicado de Tungue) pode-se depreender a existncia de organizaes burocrticas maisou menos estruturadas para a realizao de actividades administrativas; por exemplo:cobranas dos tributos32, organizao do exrcito33, administrao das terrasconquistadas, pagamentos de direitos aduaneiros34, lanamento de multas por coisascomo nascimentos anormais e prtica de bruxaria35 e recolha dos impostos pagos pelosreinos de menores dimenses e pelas comunidades de estrangeiros36.

    28 In, "Justice des Madhalim et justice administrative moderne", op. cit., p. 109.29 Vide, de forma geral sobre essas unidades polticas, CARLOS SERRA (Direco), Histria deMoambique, Vol. 1, op. cit., p. 87 e seguintes.30 MARIA DA CONCEIO VILHENA,Gungunhana no seu reino, Lisboa, EdiesColibri, 1996, p. 27e seguintes; SERRA C. (Direco), Histria de Moambique, Vol. 1, op. cit., p. 87 e seguintes.31 NEWITT M., op. cit., p. 68 e seguintes.32 NEWITT M., op. cit., pp. 55 e 77.33 Vide por exemplo a organizao do exrcito do GUNGUNHANA (MARIA DA CONCEIOVILHENA, op. cit., p. 187 e seguintes).34 NEWITT M., op. cit., p. 55.35 SERRA C. (Direco), Histria de Moambique, Vol. 1, op. cit., p. 43.36 NEWITT M., op. cit., p. 55.

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    Nesta perspectiva, e a ttulo exemplativo, EDWARD ALPERS escreve, no quediz respeito ao Estado de Muenemutapa,the Mutapas had an elaborate court ritual and extensive bureaucracy37.

    Sem dvidas, existia decises administrativas tomadas pelos rgos supremos

    dessas administraes. Com efeito, o pagamento de impostos38

    e dos tributos, pagos pelosvassalos que eram generosamente redistribudos pelos que se mostravam leais ouserviam os interesses do Estado, suscitaram contestaes e eram fontes de litgios.

    Essas decises, oriundas dessas administraes, podiam prejudicar os seusdestinatrios. Existiam, sem dvida, pedidos dirigidos contra as autoridades pblicas pelos particulares, fornecedores, mercadores, e militares do exrcito.

    Mas o que permanece como factor comum e transversal dessas organizaes afuso dos poderes e das funes jurisdicionais e executivas ou administrativas; comoescreve HENRI JUNOD:No h separao de poderes na corte tsonga. O chefe,

    ajudado pelos conselheiros, conserva em suas mos o poder legislativo, o poder executivo e o poder judicial. a autoridade suprema e das suas decises no hapelo39.

    Esta observao geral e, particularmente, verdadeira no que concerne aGUNGUNHANA; como escreve MARIA DA CONCEIO VILHENA:Dentro das suas terras, e perante os que vencia, os poderes de Gungunhana eram plenos, as suasordens indiscutveis, as suas decises irrevocveis40. No existe uma conscincia dadiversidade de funes do Estado como realidades distintas.

    37 ALPERS E., "The Mutapa and Malawi Political Systems", em Aspects of Central African History, (ed)T.O. RANGER, London, 1986, p. 14.38 MALYN NEWITT menciona, por exemplo, o caso do Chefe MOTOPOSSO, no sculo XVII,feliz por Monomotapa j no ser imperador, o que permitia governar como senhor absoluto e isento do pagamentode imposto, op. cit., p. 54 (o sublinhado nosso).39 JUNOD H.,Usos e Costumes dos BANTU , Tomo 1, Maputo, Ed. Arquivo Histrico de Moambique,1996, p. 386.40 Gungunhana no seu reino, op. cit., p. 46. Todavia, mesmo numa organizao extremamente centralizada,como a deGUNGUNHANA, esta tinha limites de natureza estrutural. Assim, para a administrao do seureino,GUNGUNHANAcontava com a participao dos seus familiares, sobretudo, os tios. Nas capitaisdistritais, a autoridade era delegada nohossana, o governador maior, abaixo do qual estavam osindunas.Tambm as irms, as esposas e alguns filhos tinham poderes governativos. Assim, o seu poder no era propriamente absoluto, as grandes decises eram tomadas em assembleias, a que assistiam todos osangunes do pas (vide tambm, JUNOD H.,Usos e Costumes dos BANTU , Tomo 1, op. cit., p. 378. Comoescreve HARTMAN, no que concerne a tradio Tsonga,The qualification in-council implies that thechief, despite his hereditary power, can only rule the tribe in consultation with, and under the control of various councils, each of which has a special function. He does not possess dictatorial powers. This is the source of the proverb: hosi I hosi hi vanhu The chief is chief through is people, Aspects of Tsongalaw, Waltloo, Promedia Publications, 1991, p. 187). Havia tambm os casos mais graves, que eramdiscutidos em conselho privado, em que tomavam parte s os chefes de familia angunes (CONCEIOVILHENA M. (da)., op. cit., p. 47, 152 e 166). Assim, a cria rgia funcionava como rgo consultivodo rei em assuntos administrativos e judiciais; no existe uma distino entre administrao central e justiasuperior (situao parecida a da Idade Mdia na Europa, vide, SOUSA (de) A.F., op. cit., p. 75). Vide,tambm, na tradio Tsonga, HARTMAN J.B., Aspects of Tsonga law, op. cit., p. 185 e seguintes.

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    Isto implica que no existe, realmente, uma distino entre justias administrativa e privada ou entre os modos de resoluo dos conflitos em matriaadministrativa jurisdicional ou no jurisdicional. Assim, a justia administrativa dorei pode ser confundida com simples recursos graciosos que os sbditos dirigem ao

    soberano41

    . O Rei era antes de mais osupremo tribunal de justia42

    e o direito no eracriado racionalmente, mas resultava das decises do Rei.

    Esta justia graciosa pessoal e discricionria e surge como inerente naturezadas funes do rei o que constitui, de facto, um tipo de controlo sobre a sua prpriaadministrao. No se trata de uma justia organizada como justia permanente, colegialcom as suas prprias tramitaes processuais.

    Assim, pode-se observar que em situaes e organizaes aparentementediferentes administrao colonial e figura do capito e administraes tradicionais ereis dos Estados novos -, inspiradas por filosofias e representaes totalmente distintas,

    duas instituies podem organizar-se em torno dos mesmos princpios para chegar aresultados equiparados: a confuso das funes e uma justia graciosa, pessoal ediscricionria.

    MALYN NEWITT, na sua obra referida, realou, com particular ateno, acomparao entre a situao existente em Moambique nesta altura e aquela que existiaem Europa na Idade Mdia.

    Mais particularmente no que diz respeito a administrao da justia, o referidoautor escreve:Tal como acontecia na Europa aquando do incio da era moderna, aadministrao da justia estava longe de ser apenas a tentativa abstracta de manter umaordem social justa e estvel, e sim uma das muitas formas a que o Estado cenral podiarecorrer para extrair dividendos dos seus segmentos feudais43.

    Alm disso, o autor prolongou a comparao entre Europa e frica sobre estamatria para chegar a concluso de que:Tanto na Europa como na frica, um Estado s sobrevive enquanto a fora continuar do lado de quem governa, e, no caso doMonomotapa e de Quiteve, o poder assentava no uso da coero44.

    A autoridade poltica baseava-se na recolha de impostos pagos pelos camponesesque trabalhavam a terra e na sua posterior redistribuio por clientes e apoiantes. O poder de lanar impostos sobre as actividades comercial e mineira e o de controlar a

    41 No se pode afastar a hiptese na qual a sentena era proferida por um pequeno rgulo. Nesta situao, asentena era susceptvel de recurso junto do suzerano;o que quer dizer que, tratando-se de pena ditada por Gungunhana, nada havia a fazer, porque ele era o senhor dos senhores(CONCEIO VILHENAM. (da).,Gungunhana no seu reino, op. cit., p. 151) ou situaes nas quais, as querelas que no foramresolvidas pelo dono da povoao eram apresentadas aotribunal do chefe(JUNOD H., Tomo 1, op. cit., p. 378).42 CONCEIO VILHENA M. (da)., op. cit., p. 152.43 NEWITT M., op. cit., p. 55.44 NEWITT M., op. cit., p. 55. Vide, tambm, p. 56 da referida obra.

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    distribuio de artigos importados era parte integrante da estrutura do poder poltico, mastal como acontecia na Europa aquando do incio da era moderna, as sociedadescontinuavam a depender da agricultura praticada nas aldeias, baseando-se o poder poltico na sua capacidade de controlar e obter receitas destas comunidades45.

    Assim, a similitude dos instrumentos de dominao e, no plano orgnico, oescasso desenvolvimento das estruturas orgnicas - estruturas prximas de estruturasexistentes na Alta Idade Mdia na Europa (Sculo V a X)46 -, onde reina a total confusode funes, faz com que, quer no lado da administrao colonial portuguesa, quer no ladodas administraes dos novos Estados, existia, nesta altura, verdadeiras semelhanasestruturais que viviam concomitantemente ou descaladas no tempo. Alm disso, o poderdo rei assenta, essencialmente, num poder fctico e no em normas jurdicas. Estacomparao no deve estranhar. As principais caractersticas da sociedade da Alta IdadeMedia, na Europa e nas sociedades tradicionais dos Estados novos em Moambiqueso as mesmas: esttica, agrria e fortemente religiosa47.

    Outro factor notvel de comparao e que se assiste, tambm, neste perodo, a patrimonializao do direito. Os grandes senores de terras, na Europa, na Alta IdadeMdia, exerciam poder pela sua qualidade de grandes proprietrios. So faculdades quederivavam directamente da qualidade de proprietrio48 como pelo chefe bantu que seconsiderava dono da terra, o que fundamentava a obrigao dos seus sbditos em partilhar com ele os produtos das machambas e da caa49.

    Assim, o rei bantu, como a figura do rei europeu do Sculo V a X, essencialmente um chefe militar e juiz supremo com jurisdio sobre todos os seussbditos. Como acontecia no perodo visigtico, os reis colocaram frente das antigas provncias romanas um duque (dux) e, posteriormente, governadores nos territrios dosantigos municpios, GUNGUNHANA colocava frente das capitais distritais do seureino um dos seus familiares, sobretudo tio, como governador maior, abaixo do qualestavam os indunas50.

    Os modos de resoluo de conflitos administrativos, nos Estados novos noteve tempo de evoluir como evoluiu o sistema portugus depois da influncia francesaatravs da importao do sistema de administrao executiva ou regime administrativo,ou de se aperfeioar no sentido do surgimento de uma justia reservada51 para uma justiaadministrativa delegada e separada da Administrao Pblica e do Poder executivo.

    45 NEWITT M., op. cit., p. 80.46 SOUSA (de) A.F., Fundamentos histricos de Direito Administrativo, op. cit., p. 1847 Sobre a Alta Idade Mdia, vide, SOUSA (de) A.F., op. cit., p. 22.48 SOUSA (de) A.F., op. cit., p. 19.49 JUNOD H., Tomo 1, op. cit., p. 366.50 CONCEIO VILHENA M. (da)., op. cit., p. 46.51 Vide, por exemplo, a sentena do Rei de Portugal no que diz respeito ao requerimento deANTNIO Porfirio de Mirando (no que concerne) a confirmao do Prazo Cheringoma, no districto da Villa deSenna, B.O. n. 24 de 1856.

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    Nem sequer esses novos Estados, teriam conseguido organizar estruturasestveis mesmo se utilizassem as mesmas tcnicas que os monarcas europeus, por exemplo, o processo visando reunir os segmentos que governavam de forma a construir uma estrutura duradoura. Nesta perspectiva, a constituio de um cerimonial exaltador doestatuto do rei e do desenvolvimento de rituais que transformavam o rei numa figura

    semi-divina eram extremamente importante tanto na Europa52

    como pelos reis carangasque parecem ter servido idntica pretenso53.

    De qualquer modo, os conhecimentos histricos nessas matrias permanecem bastante fragmentrios. Em primeiro lugar, esses povos desconheciam a escrita e afixao da tradio oral na escrita um exerccio particularmente difcil, porque, em primeiro lugar, os observadores no dominavam plenamente a cultura desses povos e, emsegundo lugar, os estudos publicados no focalizaram, de forma pormenorizada, asmanifestaes da justia da Administrao dos povos em causa.

    Um estudo histrico mais profundo da justia da Administrao desses Estados

    resta fazer.B. Da recepo do sistema de administrao executiva em Portugal at o

    surgimento de uma jurisdio administrativa em Moambique (1832-1856)

    A influncia profunda do direito francs est na origem da recepo do sistema deadministrao executiva em Portugal e, por via de consequncia, na Provncia deMoambique, o que originar nesta, o surgimento de uma justia administrativa.

    Assim, o estudo do direito francs, numa pespectiva histrica, permitir perceber melhor a lgica deste sistema (a) que influnciou, nesta primeira parte do Sculo XIX, aordem jurdica administrativa de Portugal (b).

    a) A influncia profunda do direito francs

    O procedimento administrativo contencioso surge, em Frana, como instrumentode uma poltica de fortalecimento do Estado e do absolutismo real o que teve influncias profundas em relao aos seus carcteres gerais.

    O "chaos fodal" 54 (Baixa Idade Mdia Sc. X XV) teve, entre outrasconsequncias55, o desmembramento do Estado56. A parcelizao territorial do reino emuma multido de "seigneuries" a partir do Tratado de Verdun em 843 continuou at o fimdo Sculo XI por fases successivas e teve por consequncias, a criao, no territrio doreino, de verdadeiros Estados governados soberanamente por prncipes hereditrios -

    52 Vide, ERNST KANTOROWICZ, Les deux corps du roi. Essai sur la thologie politique au Moyen-ge,Paris, Gallimard, 1989.53 NEWITT M., op. cit., p. 54.54 LEGOHREL H., Histoire du droit public franais, Paris, Ed. PUF, 2.. ed., 1986, p. 30.55 LEGOHREL H., op. cit., p. 30 e seguintes.56 SOUSA (de) A.F., Fundamentos histricos de Direito Administrativo, op. cit., p. 18 e seguintes.

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    primores regni- que exerceram direitos de natureza poltica, tributria, judicial eeconmica.

    Nessas circunstncias, a realeza teve que enfrentar numerosas dificuldades devido expanso dos grandes senhores mais poderosos do que o prprio rei. Todavia, a realeza

    no desaparecera. A partir do incio do Sculo XII a poltica real consiste em fortalecer oseu prprio domnio e iniciar, a partir da, a reconquista territorial e poltica do reino. Elaser apoiada, neste projecto poltico, pela Igreja e pelos municpios que revindicam a suaemancipao57. Nesta estratgia de reconquista poltico-territorial, a administrao daJustia e o controlo da Administrao tornam-se de extrema importncia58.

    Esta vontade poltica afirmada vai dar incio construo do Estado absolutonamedida em que se verificava nele (no Monarca) uma forte concentrao do poder, semlimites nem compartcipes59 60 e ao surgimento de uma estrutura burocrtica do Estadocentralizada e uniformizadora.

    A doutrina da unicidade do poder e o princpio de autoridade absoluta do Estadoimplicaram uma separao entre as funes judiciria e administrativa61. Isto significavaque a Administrao Pblica no devia ser mais considerada como um prolongamento da justia mas como uma actividade especfica pertencente ao Governo. Por outras palavras,tudo que assunto pblico assunto do Governo ou dos seus representantes; comoescreve FRANOIS MONNIER:Dirimir um litgio entre o Estado e um particular pertence ainda funo administrativa activa62.

    Assim nasce uma tradio segundo a qual, a resoluo dos processosadministrativos contenciosos pertence Administrao Pblica. Tradio continua desdeo Cardeal de RICHELIEU no dit de Saint-Germain de Fevereiro de 1641 e do Alvarado Conselho do Rei Lus XIV de 8 de Julho de 1661, que reserva a resoluo dos litgiosenvolvendo a Administrao Pblica aos administradores e ao Governo, at o surgimentoda Revoluo de 1789 que mantm esta poltica herdada do regime anterior 63. Aconsagrao deste sistema do Administrador-Juiz significava o reconhecimento de queo poder administrativo no podia estar sujeito ao controlo dos tribunais o que marcoutoda a evoluo futura do Direito Administrativo e do direito do contencioso

    57 LEGOHREL H., op. cit., p. 38.58 SOUSA (de) A.F., Fundamentos histricos de Direito Administrativo, op. cit., p. 29 e seguintes e 71 eseguintes.59 SOUSA (de) A.F., op. cit., p. 102.60 o incio da concentrao nas mos do Estado, de forma exclusiva ou quase, das fontes de produo jurdica.61 MONNIER F., "La naissance du contentieux administratif moderne", Revue administrative n. 286 -Julho-Agosto de 1995, p. 350; BNOIT F.P., "Les fondements de la justice administrative", em, Mlangesofferts Marcel WALINE, 1974, p. 284.62 MONNIER F., op. cit., p. 349; BIGOT G., "Les bases constitutionnelles du droit administratif avant1875", RFD adm. 12 (2) mars-avr. 2003, p. 218.63 MESTRE J.L., "Le contentieux administratif sous la Rvolution franaise daprs des travaux rcents",RFD adm. 12 (2) mars-avr. 1996, pp. 289-304. A situao muito prxima na Inglaterra do sculo XVII,vide TIXIER G., Le contrle de la lgalit des dcisions administratives par les tribunaux judiciaires en Angleterre, Paris, Ed. Dalloz, 1954, p. 26.

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    administrativo maneira a que, VASCO PEREIRA DA SILVA, chamou depecadooriginal64.

    Esta tradio secular transforma-se, em Frana, numa verdadeira concepo daJustia Administrativa segundo a qual a resoluo dos litgios administrativos

    concebido como uma outra forma de administrar e, por via de consequncia, como umaatribuio dos administradores pblicos65. o sistema do administrador-juiz66; comoescreve GRGOIRE BIGOT,um belo exemplo da ditatura administrativa na resoluodo contencioso67.

    O Consulato (1799 1804)68 pe fim a este sistema. Todavia, a JustiaAdministrativa no permanecer dissociada da Administrao Pblica69. No aadministrao activa que ser encarregada de resoluo dos litgios de carcter administrativo, mas a administrao consultiva. Esses novos rgos sero encarregadosno s de assessorar a administrao activa mas tambm de estatuir sobre as reclamaesdirigidas contra a actuao desta. Como observa REN CHAPUS: assim que pelo

    julgamento dos litgios administrativos so criados no Tribunais mas conselhos: oConselho de Estado, no plano nacional, os conselhos de prefectura, nosdepartamentos70.

    Assim, a concepo da Justia Administrativa, em Frana, organiza-se em tornoda concepo de um juiztendo o esprito do administrador71, um juiz consciente deque as suas decises devem ser um complemento da aco administrativa. Por outras palavras, decidir em matria do contencioso administrativo, ainda administrar72 73.

    64 PEREIRA DA SILVA V., Para um contencioso administrativo dos particulares (Esboo de uma teoria subjectivista do recurso directo de anulao), Lisboa, Livraria Almedina Coimbra, 1989, p. 19.65 CHAPUS R, Droit du contentieux administratif , Paris, Ed. Montchrestien-E.J.A., 9.. ed., 2001, n. 30;HAURIOU M., Prcis de Droit Administatif et de Droit Public, Paris, 11. ed. Recueil Sirey, 1927, p. 6;BUOT DE LPINE A., Du Conseil du Roi au Conseil dtat : Le Comit Contentieux des Dpartements(9 aot 1789 27 avril 1791), Publications de la Facult de droit et des sciences sociales de Poitiers, Tome4, PUF, 1972, p. 107; BIGOT G., op. cit., p. 219.66 Como escreve JACQUES VIGUIER:A tcnica do administrador-juiz pode ser definida como ainterveno de autoridades administrativas para resolver litgios administrativos, Le contentieuxadministratif , Paris, Ed. Dalloz 1997, p. 14. Na Inglaterra, cfr., PEPY D., "Justice anglaise et justiceadministrative franaise", EDCE 1956, n. 10, p. 168.67 BIGOT G., "La dictature administrative au XIXe sicle: thorie historique du droit administratif", RFDadm. mai-juin 2003, p. 438.68 Vide, BOUDON J.O., Histoire du Consultat et de lEmpire, Paris, Ed. Perrin, 2000.69 BIGOT G., "La dictature administrative au XIXe sicle: thorie historique du droit administratif", op.cit., p. 438.70

    CHAPUS R, Droit du contentieux administratif , op. cit., n. 30.71 CHAPUS R, op. cit., n. 31.72 HAURIOU M., Anotao, Terrier, S. 1903, 25, 2, III.73 Vide, alguns exemplos elucidativos no trabalho de JEAN-LOUIS MESTRE, "Le contentieuxadministratif sous la Rvolution franaise daprs des travaux rcents", op. cit., p. 301 e seguintes. Estemodelo de Justia Administrativa corre o risco de tornar-se uma justia complacente em relao aadministrao activa. Todavia, em Frana, um equilbrio objectivo constitui-se tendo o cuidado de tomar em conta as necessidades da Administrao Pblica e a vontade de garantir o respeito dos direitos einteresses dos particulares. Vide tambm, BUOT DE LPINE A., Du Conseil du Roi au Conseil dtat : Le Comit Contentieux des Dpartements (9 aot 1789 27 avril 1791), op. cit., p. 133 e seguintes.

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    Esta concepo administrativista da justia da administrao herdou dos caracteresgerais do processo administrativo gracioso celeridade, economia74 e forma expeditiva75 - o que fez ainda hoje, a sua especificidade76. Assim,Foi desta separao de funesque nasceu a jurisdio administrativa77.

    Este conceito de Justia Administrativalato sensufoi importado por vrios paseseuropeus e outros no mundo atravs da recepo do sistema de administrao executivaou regime administrativo que pressupe a existncia de uma jurisdio administrativa78.

    Em portugal, esta importao foi concretamente realizada no Sc. XIX com aaprovao da Reforma Administrativa de 1832.

    b) Da Reforma Administrativa de MOUZINHO DA SILVEIRA aprovaoda Portaria Provincial n. 395, de 18 de Fevereiro de 1856 (1832-1856)

    As transformaes sociais que conduziram a instaurao do Estado Liberal e do

    regime administrativo em Frana no so prprias a este pas. Pode-se dizer que foi umverdadeiro fenmeno europeu79. Surgiu mais cedo na Frana por razes ligadas anecessidade imperiosa de ter uma Administrao eficaz para a cobrana do imposto e agesto dos exrcitos.

    Os monarcas da Pennsula no sentiram a necessidade de montar umaadministrao prpria mais cedo, pois tinham a base do ouro vindo do alm-mar 80. Mas,apesar disso, o absolutismo estatal surge verdadeiramente em Portugal na segundametade do Sc. XVIII, com D. JOS e o MARQUS DE POMBAL81 o que significa queo terreno administrativo estava suficientemente preparado para importar um sistema deadministrao executiva com finalidade de consolidar o Estado nacional82.

    Alm disso, como afirma ANTNIO FRANCISO DE SOUSA,a instabilidade poltica e econmica que se viveu em Portugal desde os comeos do sc. XIX

    74 BUOT DE LPINE A., op. cit., p. 141 e seguintes.75 SOUSA (de) A.F., op. cit., p. 121. Foi uma exigncia daConstituantee do Comit de constitutionem1790 em Frana, vide, MESTRE J.L., "Le contentieux administratif sous la Rvolution franaise daprsdes travaux rcents", op. cit., p. 291 e p. 299.76 A analogia flagrante entre os dois tipos de procedimentos. No incio (Sc. XVII), no existia umtratamento diferenciado entre os processos administrativos graciosos e contenciosos. Esta situao reside navontade de evitar qualquer ligao entre o contencioso administrativo e o contencioso privado o que teria podido fundamentar, no caso de no existir, a aco dos tribunais cveis (MONNIER F., op. cit., p. 349).77 RIVERO J., Direito Administrativo, Livraria Almedina, COIMBRA 1981, n. 133.78 HAURIOU M., Prcis de Droit Administatif et de Droit Public, op. cit.., p. 3.79 SOUSA (de) A.F., Fundamentos histricos de Direito Administrativo, op. cit, p. 149 e seguintes.80 SOUSA (de) A.F., op. cit, p. 113.81 SOUSA (de) A.F., op. cit., p. 104.82 J a influncia francesa era relevante com o surgimento junto do monarca, a partir do sc. XVIII, dos secretrios, aos quais correspondia um sector funcional do governo como a fazenda, a guerra, a marinha,vide, SOUSA (de) A.F., op. cit., p. 114.

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    constituiram terreno frtil para a divulgao e aceitao por muitos das novas ideiasliberais que chegavam da Frana ps-revolucionria83.

    Paradoxo da histria, durante o segundo regresso ao absolutismo (1828-1834)84 que foi introduzido, em Portugal o sistema administrativo ou regime administrativo pelo

    Decreto n. 23, de 16 de Maio de 183285

    .Da autoria moral de MOUZINHO DA SILVEIRA86, o referido diploma introduz

    um modelo muito idntico ao francs - modelo de organizao administrativa que secaracterizou por uma excessiva centralizao (Lei francesa de 28 do Pluviose do anoVIII, base da organizao administrativa napolenica87) - esse que foi ao longo de todo osculo XIX algumas e saudveis vezes, interrompido por folgadas de algumadescentralizao, consoante os muitos governos que se sucediam eram mais ou menostradicionalistas ou liberais88.

    Do ponto de vista da organizao do contencioso administrativo, o sistema do

    administrador-juiz que foi institudo. Em cada provncia um Conselho de Prefeitura89

    eracompetente para julgar, independentemente da administrao activa, as questescontenciosas em matria de direitos patrimoniais dos particulares deixando de fora alegalidade dos actos das autoridades administrativas90.

    O Decreto centralizador n. 23, de 16 de Maio de 1832, levantou por toda a parteuma onda de francos protestos que culminou com a aprovao de um cdigo

    83 SOUSA (de) A.F., op. cit., p. 162.84 FERREIRA PINTO DIAS GARCIA M.G., Do Conselho de Estado ao actual Supremo Tribunal Administrativo, Lisboa, Edio patrocinada pela Fundao Luso-Americana para o Desenvolvimento, 1998, p. 26.85 CAETANO M., Estudos de histria da Administrao Pblica Portuguesa, op. cit., p. 372 e seguintes ;SOUSA (de) A.F., op. cit., p. 178 e seguintes; FERREIRA PINTO DIAS GARCIA M.G., Da Justia Administrativa em Portugal , Lisboa, Universidade Catlica Editora, 1994, p. 452 e seguintes.86 MOUZINHO DA SILVEIRA OBRAS, edio crtica coordenada por Miriam HALPERN PEREIRA, 2vol. (I Estudos e manuscritos; II Manuscritos e impressos); 2035 pp., Fundao CALOUSTEGULBENKIAN, Lisboa, 1989.87 CAETANO M.,Os antecedentes da Reforma Administrativa de 1832 (MOUZINHO da Silveira), Lisboa,1967, p. 5; FREITAS DO AMARAL D.,Curso de Direito Administrativo, Vol. I, Livraria Almedina Coimbra, 2. Edio, 2001, n. 15.88 Sobre a obra de Mousinho da SILVEIRA, MARCELLO CAETANO escreve:A lio que se tira detudo isto que MOUZINHO da Silveira foi muito mais e menos original do que se pensava. Mais original na medida em que no se limitou a transpor apressadamente para os seus decretos preceitos ou conceitosbebidos em Frana durante a emigrao, sem cuidar da sua adaptao em Portugal. Ele afinal veio dar corpo aos trabalhos de dez anos e limitou-se a concretizar ideias que andavam no ar respirado pelosliberais portugueses do seu tempo. Menos original, portanto, visto que no foi sua, apenas, a convico danecessidade das reformas de 16 de Maio, nem a obstinao de decret-las. Essas reformas, se bem quetivessem desagradado a uma parte do partido liberal, estavam no seu programa desde 1822 e sobre elas sehaviam debruado alguns dos homens de maior valor das primeiras cmaras constitucionais, in, Osantecedentes da Reforma Administrativa de 1832 (MOUZINHO da Silveira), op. cit., pp. 20-21.89 Sobre o surgimento dos "conselhos de prefeituras" em Frana, vide, EVEN B., "Des conseils de prfecture aux tribunaux administratifs", RFD adm. mai-juin 2004, pp. 475-495.90 CAETANO M., Estudos de histria da Administrao Pblica Portuguesa, op. cit., pp. 341-342.

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    administrativo amplamente descentralizador o Cdigo de 183691 que alargou asatribuies das cmaras municipais.

    O contencioso administrativo mostra-se dividido entre a autoridade judicial noque concerne ao contencioso das contravenes s posturas e uma autoridade

    administrativa, - o Conselho de Distrito, formado por quatro membros da junta geral, soba presidncia do administrador-geral -, ao qual competiam certas atribuies jurisdicionais em matria administrativa.

    Por Decreto de 18 de Maro de 1842, o Cdigo Administrativo de 1836 foisubstitudo por um outro o Cdigo de COSTA CABRAL92 - que tinha como principalobjectivo, conforme nele se dizia,eliminar alguns efeitos desastrosos da administraolocal ocoridos durante a vigncia do Cdigo de 183693.

    De tendncia centralizadora, o Cdigo administrativo de 184294 consagra umamaior interveno do poder central no poder local o que implicar, alm do

    estabelecimento de uma tutela administrativa mais rigorosa sobre as cmaras municipais,a passagem do contencioso administrativo para as autoridades administrativas. Comefeito,o contencioso administrativo passou a ser exercido pelo Conselho de Distrito composto pelo Governador Civil, que presidia, e por quatro vogais de nomeao rgia -,ao qual competia julgar sobre o contencioso da administrao95.

    O artigo 279. do referido cdigo consagrou, expressamente, a incompetncia daautoridade judicial para confirmar, modificar ou revogar posturas e regulamentosmunicipais e o artigo 122. do mesmo diploma previu o recurso para o Conselho deDistritos e, do qual, cabia recurso para o Conselho de Estado por parte daqueles que sejulgaram agravados por alguma postura, regulamento ou deciso da cmara.

    O Cdigo de 1842 foi aplicado logo ao Ultramar e constitui, do ponto de vistahistrico, o incio da introduo, em Moambique, do sistema de administrao executivocom um modo de resoluo de litgios administrativos original atravs de um rgoespecfico - otribunal administrativo- com regras processuais, por parte, distintas da LeiProcessual Civil.

    C. O surgimento do Direito Processual Administrativo Contencioso naProvncia Ultramarina e o seu desenvolvimento no Moambique independente(1856-2000)

    O facto colonial, numa vontade de assimilao institucional, introduzira nas suascolnias as institues administrativas da metrpole e, mais particularmente, uma justia

    91 CAETANO M.,Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Livraria Almedina Coimbra 1997, n. 66;FERREIRA PINTO DIAS GARCIA M.G., Da Justia Administrativa em Portugal , op. cit., p. 455.92 CAETANO M.,Manual de Direito Administrativo, Vol. I, op. cit., n. 67.93 SOUSA (de) A.F., op. cit., p. 183.94 CAETANO M., op. cit., n. 67; FERREIRA PINTO DIAS GARCIA M.G., Da Justia Administrativa em Portugal , op. cit., p. 456.95 SOUSA (de) A.F., op. cit., p. 184.

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    administrativa teoricamente distinta da justia civil. nesta segunda parte do Sculo XIXque Moambique ser o receptor deste modo original de resoluo dos litgiosadministrativos.

    Esta influncia da metrpole vai perdurar, evidentemente, alm da Portaria

    Provincial n. 395, de 18 de Fevereiro de 1856 e do surgimento de um TribunalAdministrativo em Moambique em 1869. Mas a partir desta altura, existir um processo de autonomizao da justia administrativa e do seu direito processual; pelofacto de ter comeado a produo de diplomas especficos destinados s provinciasultramarinas; tentando, a metrpole, adequar melhor o exerccio desta justia s situaesespecficas das colnias.

    Assim, o estudo da histria do contencioso administrativo em Moambique dametade do sculo XIX at o ano 2000, caracteriza-se por dois perodos distintos se setomar em conta o critrio da estabilidade das regras aplicveis ao processo administrativocontencioso.

    A primeira fase histrica inicia de 1856 at 1933 data da aprovao da ReformaAdministrativa Ultramarina (a). Este perodo caracteriza-se por uma instabilidade crnicaem termos organizativo e de regras processuais regulando o contencioso administrativo.

    A segunda fase vai iniciar a partir de 1933 com a aprovao da referida ReformaAdministrativa Ultramarina at a grande reforma de 2001 (b). Este perodo marcado pela estabilidade das regras processuais regulando o contencioso administrativo emMoambique.

    a) Do nascimento da justia administrativa aprovao da ReformaAdministrativa Ultramarina (1856-1933)

    A aprovao da Portaria Provincial n. 395, de 18 de Fevereiro de 185696, marca formalmente - a data do nascimento de uma justia administrativa em Moambique, nosentido moderna da palavra, e por via de consequncia, de um Direito ProcessualAdministrativo Contencioso.

    A referida portaria vai mandar considerar em vigor o Cdigo Administrativo de18 de Maro de 1842, menos no que fr contrrio ao disposto nos artigos 5. e 8. dodecreto de 7 de Dezembro de 1836e assim, introduzir, na provncia ultramarina, asnovas regras relativas organizao administrativa, formao e atribuies dos corposadministrativos, magistrados administrativos97, tribunais administrativos, administrao paroquial, disposies especiais, gerais e penais sob reserva dos artigos 5. e 8.doDecreto de 7 de Dezembro de 183698.

    96 B.O. n. 10 de 1856.97 Trata-se, nos termos do referido cdigo, do governador civil e o administrador do concelho, ambos denomeao do Governo.98 Decreto de 7 de Dezembro de 1836, estabelecendo a categoria, attribuies e vencimentos dasauctoridades administrativas no ultramar (organisao administrativa), em, Legislao do Ultramar, 1834 a

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    Nos termos do referido Cdigo, reverte-se o contencioso administrativo aosconselhos de distrito99. Todavia, o Artigo 5. do Decreto de 7 de Dezembro de 1836 precisa, no que concerne a organizao administrativa do ultramar, queo Conselho de Districto, () ser subsitudo por um Conselho de Governo, como se determina no

    artigo 6. do presente Decreto100

    . Nos termos do Artigo 6 do referido Decreto,"Junto a cada um dos Governadores

    geraes haver um Conselho de Governo composto dos Chefes das Reparties Judicial,Militar, Fiscal, e Ecclesiastica, e de mais dous Conselheiros escolhidos pelo Governador geral entre os quatros Membros mais votados das Juntas Provinciaes".

    O Decreto de 7 de Dezembro de 1836 consagra, do ponto de vista do contenciosoadministrativo, um sistema de justia reservada101. O Conselho de Governo permanececomo um rgo consultivo do contencioso administrativo do Governador geral. Comefeito, se o Artigo 8 do referido Decreto impe ao Governador geral a consulta do

    Conselho de Governo O Governador geral no tomar arbitrio algum em negocio deimportancia sem ouvir o Conselho-; este no ser todavia obrigado a seguir, ouadoptar o seu votoem deliberao. O Governador geral toma pessoalmente adeciso.

    Alm disso, julgar administrativamente ainda administrar. sintomtico aredaco do Artigo 5 do Decreto de 7 de Dezembro de 1836 que estabelece que OGovernador geral reune simultaneamente as attribuies administrativas e militares,com absoluta excluso de toda e qualquer ingerencia directa ou indirecta nos negocios judiciaes (o sublinhado nosso)102. Visivelmente, julgar os litgios administrativos no um negcio judicial !

    Todavia, as circunstncias peculiares dos territrios extra-europeus tornavam-noinexequvel103. Da as alteraes que lhe foram introduzidas, quanto s provnciasultramarinas, pelo Decreto de 1 de Dezembro de 1869104.

    51, pp. 15-17.99 CAETANO M.,Manual de Direito Administrativo, Vol. I, op. cit., n. 67.100 O Artigo 5. do referido Decreto precisa:O Governador geral reune simultaneamente as attribuiesadministrativas e militares, com absoluta excluso de toda e qualquer ingerencia directa ou indirecta nosnegocios judiciaes. As funes administrativas do Governador geral esto designadas no Decreto dedezoito de Julho de mil oitocentos trinta e cinco; assim como as suas relaes com as Juntas de Districto,excepto no que diz respeito ao Consselho de Districto, o qual ser subsitudo por um Conselho deGoverno, como se determina no artigo 6. do presente Decreto. A authoridade militar do Governador geral est nas Leis que servem de norma aos Generaes das Provinciais do Reino.101 A ttulo exemplificativo, o Regimento para a administrao da justia nas provncias de Moambique,estado da India, e Macau e Timor (B.O. n.s 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42 e 43 de 1867) no integra, emnenhuma das suas disposies, comandos sobre o contencioso administrativo. Sobre a teoria da justiareservada, vide, VIGUIER J., Le contentieux administratif , op. cit., p. 14 ; FREITAS DO AMARAL D., Direito Administrativo, IV, Lisboa, 1988, p. 84 e seguintes; CAETANO M.,Manual de Direito Administrativo, Vol. II, Livraria Almedina Coimbra 1994, n. 463.102 Vide, tambm, Circular n. 39 de 18 de fevereiro de 1863, B.O. n. 29 de 1863.103 CAETANO M.,Manual de Direito Administrativo, Vol. I, op. cit., n. 72.

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    Do ponto de visto da histria da Justia Administrativa em Moambique105, estediploma tem uma posio peculiar porque neste Decreto que mencionado, pela primeira vez, explicitamente, o termo tribunal administrativo. Com efeito, nos termosdo Artigo 5. do referido Decreto:Junto ao governador geral ha: (...) tambem na

    provincia um tribunal administrativo com o titulo de conselho de provincia. Estareferncia formal justia administrativa inscreve-se, estrategicamente, na continuidadeda legislao anterior, isto , a aplicao do Cdigo Administrativo de 1842 e a suaconsolidao. A leitura do Relatorio do ministro e secretario destado dos negocios damarinha e ultramar 106, esclarece, parcialmente, sobre os motivos que guiaram a criaodesta nova instituio.

    Com efeito, a reforma administrativa instituda pelo Decreto de 1 de Dezembro de1869 visava introduzir uma prudente descentralizaode forma a dar um espao maisamplo iniciativa local. Como refere, claramente, o aludido diploma:Em provinciasassim constituidas a influencia do poder central ainda aproveita muito, mas regulada de

    modo que aco individual e collectiva no seja comprimida o annullada, e que possa ser empregada com vantagem, concorrendo com a intelligencia e com as foras para acreao e direco dos aperfeioamentos mais necessarios, como as obras publicas, ainstruco, a educao, a beneficencia e a saude publica.

    Assim, conforme este pensamento, duas ideas capitais dominaram todo o referidoDecreto: o alargamento da esfera das atribuies das autoridades superiores daadministrao provincial e a concesso de uma ampla iniciativa s provncias no mbitoda prestao dos servios pblicos. A descentralizao assim definida era devidamenteacompanhada do ponto de vista poltico e administrativo. As atribues polticas eramdesenvolvidas pelo Conselho de Governo; as puramente administrativas pelo mesmo masfucionando como conselho de districto.Preferiu-se, fundamentam os autores doProjecto de Decreto,crear neste projecto de decreto um conselho de districto separado, em tudo analogo ao tribunal estabelecido no continente do reino pelo codigoadministrativo107. Assim, confirma-se que, nesta altura, julgar a Administrao umassunto administrativo; , ainda, administrar.

    O Conselho de Provncia, na sua qualidade detribunal administrativo, eracomposto exclusivamente por administradores e funcionrios108 e desenvolvia asatribuies estabelecidas pelo Cdigo Administrativo de 1842109. Alm disso, precisava oreferido Decreto,O conselho de provincia serve igualmente para julgar os concursos para os diferentes empregos publicos110.

    104 Decreto de 1 de Dezembro de 1869, reformando a administrao, publicado em, Legislao Colonial1869, pp. 595-603.105 CISTAC G.,O Tribunal Administrativo de Moambique, Ed. Faculdade de Direito da UniversidadeEduardo Mondlane, 1997, p. 10 e seguintes.106 Publicado em Legislao Colonial 1869, pp. 591-594.107 Op. cit., p. 593.108 Artigo 49. do Decreto de 1 de Dezembro de 1869.109 Artigo 50. do Decreto de 1 de Dezembro de 1869.110 Artigo 50.in finedo Decreto de 1 de Dezembro de 1869.

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    Os diplomas aprovados at o fim deste sculo no trazem nada de especial emrelao com o regime jurdico dotribunal administrativo de Provncia. Apenasconfirmam alguns dados anteriormente apresentados como o facto de que o "tribunaladministrativo de provncia" no integra a administrao de justia nas provncias

    ultramarinas111

    o que corrobora a natureza do modelo do contencioso administrativoultramarino de ento, isto , o de sistema de justia reservada112 113.

    Qual foi o balano da jurisdio administrativa de Moambique neste fim dosculo?

    O exame das actas das sesses do Conselho de Provncia dos anos 1881 a 1893,conservados no Arquivo Histrico de Moambique114, conjugados com o estudo dos"accordos" publicados durante o mesmo perodo de referncia no Boletim Oficial doGoverno Geral da Provincia de Moambique, permite ter uma ideia relativamente fielsobre a actividade do Conselho de Provncia estatuindo na qualidade de jurisdio

    administrativa.A ttulo ilustrativo, pode dar-se um exemploin extensodo desenrolar destas

    sesses :

    Acta n. 2115

    Sesso do Conselho de provnciade 29 Dezembro de 1881

    111 Vide, por exemplo, o Decreto de 20 de Fevereiro de 1894 que aprova o regimento da administrao de justia nas provncias ultramarinas (B.O. n. 17 de 1894) e reorganiza as instituies judiciais do ultramar,no contempla o "tribunal administrativo". Vide, tambm, a Portaria n. 137, de 12 de Abril de 1898 queaprova o Regimento da administrao de justia nos territorios continentaes da comarca de Moambique (B.O. n. 16 de 1898).112 Vide, a ttulo exemplificativo, o CAPTULO III do TTULO VIII do Cdigo Administrativo de 1896aprovado pelo Decreto-Lei de 4 de Maio de 1896 (sobre o Cdigo Administrativo de 1896, vide,CAETANO M.,Manual de Direito Administrativo, Vol. I, op. cit., n. 70; CAETANO M., Estudos dehistria da Administrao Pblica Portuguesa, op. cit., p. 424 e 425). Assim, nos termos do Artigo 355.do referido Cdigo:"As decises no mencionadas no artigo anterior subiro, em frma de decreto sobconsulta do supremo tribunal administrativo, homologao do governo; porm, quando este no seconforme com a consulta, resolver o assumpto por meio de decreto enviado ao tribunal em que seexponham claramente os motivos da divergencia e as razes de decidir" .113 Todavia, a situao do "districto de Moambique", neste fim de sculo, denota algumas especifidades.Com a finalidade de tornar-se uma"uma administrao da justia acessvel a todos os individuos ..." (Portaria n. 137, de 12 de Abril de 1898) e tomando em conta que o"regime de justia" aprovado peloDecreto de 20 de Fevereiro de 1894, no podia satisfazer a estas exigncias,"seno com um grande numerode alteraes" , a Portaria n. 137, de 12 de Abril de 1898 extinguiu o regime dos juzos municipaes e populares substitundo respectivamente pelos "juzes territoriaes e de paz" (Art. 3.). De jure, a funo jurisdicional exercida por esses "juzes" ("territoriaes" e de "paz") garantida por militares (capito-mr ecomandantes militares).114 Livro de Actas das sesses do Conselho da Provncia, Liv. 307 s. 315+200 mm, sem termo de abertura,termo de encerramento nos 4 Dez. 1881, ltima acta incompleta, 1881 Dez. 5., 1893 Dez. 19.115 Livro de Actas das sesses do Conselho da Provincia, op. cit., pp. 2-5.

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    junta de lanamento informar, as quaes tiveram por despacho "Recorra querendo para oSupremo Tribunal Administrativo "Indeferido". Recorrentes. J. Bang agente da casaMante Frre de Marselha, Pieter Fornelis Gusseling, representante da casa de "Handelscompagnie Mozambique ligue" de Rotterdam.O conselho no tomou conhecimento d'uma reclamao de Diocleciano Fernandes das

    Neves, por no estar em termos legais.Foram presentes as contas da receita e despesa da Camara municipal de Moambiquerelativas ao anno de 1880-1881 de que se lavrou accordo, approvando-as.Um officio de mesma Camara remettendo um oramento supplementar para a receita edespesa do anno de mil oitocentos e oitenta lavrou accordo de approvao.Foi presente um officio da mesma Camara remettendo dois processos de aforamento deterrenos os quais depois de examinados pelo conselho e conhecer-se que estavam nostermos legais. Foram approvados.Foram approvadas as contas das receitas e despesas das Camaras Municipaes de CaboDelgado e Quelimane relativas ao anno economico de 1880-1881.Foram approvados : oramento da receita e despesa da fabrica da egreja de Nossa

    Senhora do Livramento da villa de Quelimane para o anno economico de mil oitocentos eoitenta e um a mil oitocentos e oitenta e dous; o oramento da receita e despesa daconfraria de Nossa Senhora do Livramento para o mesmo anno; e a conta da receita edespesa da mesma confraria relativa ao anno de mil oitocentos e oitenta a mil oitocentose oitenta e um; lavrando-se os competentes accordos.Foi presente um officio da Camara Municipal da villa de Loureno Marques remettendocopia d'um extracto da sesso da mesma Camara de vinte e quatro de Fevereiro ultimo, pela qual, se v que o vereador Fonseca proposera que fosse presente a este Conselho aannullao do paragrapho primeiro do artigo decimo oitavo do codigo das posturas damesma Camara, que trata da percentagem auferida pelo Delegado de saude n'aquellavilla, pelo exame de reses abatidas no matadouro publico. Depois de examinar a questo proferio o conselho o seguinte accordo:

    Accordo

    Accordam os do Conselho de provincia em annular para todos os effeitos o paragrapho primeiro do artigo decimo oitavo do codigo das posturas da Camaramunicipal de Loureno Marques, approvado por accordo do conselho de provincia devinte e quatro de Abril de mil oitocentos e setenta e oito, em que mandava, que pelainspeco de cada rez abatida recebesse o delegado de saude a quantia de novecentosris; e determino que essas quantias reverto a favor do cofre do municipio, devendo aodelegado de saude pelo seu trabalho de inspeco e exame das reses para abater, ser-lheabonada pela dita Camara a gratificao mensal de doze mil reis117.

    Foi approvada a seguinte postura da Camara Municipal de Loureno Marques:

    Postura

    117 Publicado em B.O. 1882 n. 13 p. 124.

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    Artigo 1. ficam prohibidas na villa de Loureno Marques e no bairro alto todas asedificaes, reedificaes e quaesquer reparaes feitas com

    1. Pedra e barro2. Canio e barro3. Madeira e barro

    Artigo 2. Ficam egualmente prohibidos as paredes feitas com1. Cal e canio2. Cal e madeira

    1. Continuam a ser permittidas, no interior das casas, as divises feitas com madeira, pedra ou tijolho e cal, chamadas frontaes ou enchameis2. Continuam tambem a ser permittidas as argamassas nos pavimentos das casas,comtanto que na sua construco no entre barro.Art. 3. As edificaes existentes, construidas pela forma que fica prohibida nos artigosantecedentes, sero demolidas logo que precisem de reparaes que custem mais que umtero do seu valor.Artigo 4. Os contraventores das disposies dos artigos antecedentes sero intimados

    por ordem da Camara Municipal para no praso de oito dias improrogaveis, demolirem aobra, e quando elles no cumpram esta intimao, mandar logo a Camara fazer ademolio por conta e custa do contraventor e ficaro pertencendo mesma Camara osentulhos resultantes, no caso de ella os querer.Artigo 5. Continuam em vigor os artigos 6. e 11. do actual codigo de posturas.Foi proferido o seguinte accordo, acerca de uma postura apresentada pela Camaramunicipal de Loureno Marques aprciao do conselho

    Accordo

    Accordam os do conselho de provincia em que no podem dar a sua approvao postura proposta pela Camara Municipal da villa de Loureno Marques com data dedesoito d'Outubro de 1881 em que pretende lanar uma contribuio municipal de cinco por cento, como addicional s contribuies predial e industrial e bem assim lanar oimposto de trabalho sobre os moradores indigenas que no paguem decimas; por isso quesegundo disposio expressa da lei, as posturas so actos policiaes e no se pode pelasmesmas lanar impostos.A Camara pode pelos artigos cento e trinta e sete e seguintes do codigo administrativo,incluir os impostos na receita do seu oramento futuro pelo direito que tem de os lanar, eao mesmo tempo declarar na despesa do mesmo oramento o fim a que so destinados osmesmos impostos tudo em conformidade da lei, e logo que o oramento lhe sejaapprovado fico em pleno vigor e execuo as suas determinaes118.

    Foram a informar ao vogal delegado do Procurador geral da Coroa e Fazenda,duas posturas da camara municipal de Loureno Marques, uma da de Cabo de Delgado eoutra da camara de Inhambane, e um projecto de regulamento do cemiterio de LourenoMarques.

    118 publicado em B.O. 1882 n. 13 p. 124.

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    E no havendo mais nada a tratar Sua Excellencia o Presidente levantou a sesso eramseis horas da tarde. E eu Jos Henriques de Castro Monteiro, secretario geral interino,lavrei esta acta que escrevi e subscrevo.

    Visconde de Pao d'Arcos

    Gor geral

    Joaquim Henriques Duarte Ferreira

    Fui presente Jos Henriques de Castro Monteiro Secretario Geral interino

    Sob o plano de importncia numrica das decises adoptadas deve-se notar que oConselho de Provincia teve uma actividade relativamente intensa : 77 accordos publicados em 1886, 45 accordos publicados em 1887, 58 accordos publicados 1888,38 accordos publicados em 1889, 43 accordos publicados em 1890, 62 accordos

    publicados em 1891, 77 accordos publicados em 1892 e 126 accordos publicados em1893.

    Contudo, deve-se relativizar os seus dados pelo facto de que a maior parte dosaccordos proferidos o so no mbito das suas competncias deliberativas (autorizar asdecises e deliberaes municipais em todos os casos prescritos pela lei, modificar asdecises e deliberaes municipais nos casos determinados pela lei, aprovar as contas dosconselhos municipais).

    A ttulo de exemplos :

    1. Exame do projecto do Cdigo de posturas municipais :

    Accordo

    Accordam os do conselho de provincia que, visto, examinado, e em em alguns pontos alterado, o projecto do codigo de posturas apresentado pela camara municipal deCabo Delgado, lhe prestam a sua approvao e mandam que para ter effeito legal, nostermos do 1. do art. 121. do codigo administrativo119, seja reenviado mesma camarao referido codigo de posturas, que consta de 47 artigos, e baixa assignado pelo secretariogeral interino d'este governo, o 1. tenente da armada Antonio Carlos de VelascoCelestino Soares, e ordenam se lhe d execuo120.

    2. Aprovao das contas dos conselhos municipais :

    Accordo

    119 1 As decises municipaes cerca d'estes objectos no podem ser levadas execuo, nem produzir effeito algum legal, seno depois approvadas pelo conselho de distrito.120 7 de Agosto de 1885, publicado em B.O. 1885 n 32 p. 224.

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    Os do conselho de provincia :Visto e minuciosamente examinado o oramento supplementar da receita e despeza dacommisso municipal do conselho de Cabo Delgado, para o corrente anno economico de1885-1886, cuja verba de receita de trezentos setenta e nove mil quinhentos e sessentaris (379:560), e a de despeza de duzentos cincoenta e nove mil e quinhentos ris

    (259:500), rezultando d'aqui um saldo de cento e vinte mil e sessenta ris (120:060) lheconcedem a sua approvao, por acharem urgentes as despezas, a que ella pretendeoccorer, e estar formulado em harmonia com os preceitos da lei121.

    3. Controlo dos actos dos rgos das municipalidades :

    Accordo

    Os do conselho de provincia :Vista e devidamente examinada a acta da sesso da camara municipal d'este

    concelho de 7 de Dezembro ultimo, coberta por officio n. 240 da srie passada, do

    respectivo presidente, pela qual se v que o dito presidente considerando que aadministrao das rendas municipaes era objecto de simples expediente ordinariomandra de seu motu proprio affixar e publicar annuncios a arrematao da venda decarne ;

    Considerando que em vista d'esta determinao fra aberta a praa a queconcorrera apenas um licitante, ao qual foi adjudicada a dita arrematao;

    Considerando porm que as deliberaes sobre as rendas municipaes soattribuies da camara e no actos de mero expediente e que por isso no tinha o presidente competencia para por si s mandar annunciar a dita arrematao ;

    Considerando que sendo nullo este acto mandado praticar pelo presidente, nullose de nenhum effeito se tornam todos aquelles que nasceram d'essa deliberao;

    Considerando que expresso sobre este ponto o codigo administrativo em vigor;Accordam em annullar a determinao do presidente da camara , relativamente

    arrematao da venda de carne e ipso facto o contrato feito entre ella e o arrematante decarne, Jos Antonio dos Santos, ordenando que na primeira das suas reunies a camaradelibere sobre o meio mais conveniente de administrar esta renda do municipio122.

    Assim, a principal actividade do Conselho de Provncia circunscrita ao controlodos actos e das contas dos municpios. Todavia, a consulta do conjunto das decises publicadas de 1881 1893 revela alguns exemplos de acrdos que dizem respeito matria propriamente contenciosa, no sentido estrito do Artigo 280 do Cdigoadministrativo de 1842.

    As decises tomadas podem ser objecto de uma classificao em funo das reasa que elas dizem respeito. Assim, pode reter-se, principalmente, as que dizem respeitoaos recursos contra as portarias, regulamentos e deliberaes municipais, e as que dizemrespeito ao lanamento, repartio e a cobrana do imposto.

    121 27 de Janeiro de 1886, publicado em B.O. 1886 n 6 p. 52.122 25 de Janeiro de 1888, publicado em B.O. 28 de Janeiro de 1888, n 4 pp. 51-52.

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    1. Recurso contra as portarias, regulamentos e deliberaes municipais :

    Accordo

    Os de conselho de provincia:

    Sendo-lhes presente o officio n. 57 do governador do distrito de Quilimane de 23 demaro ultimo, que cobria a copia d'um officio do chefe interino da policia civil da villa domesmo nome, reclamando contra uma deliberao da camara municipal do concelho,tomanda em sesso de 12 do mesmo mez, como consta da acta que por copia tambemvinha inclusa, d'onde claramente se v que a referida camara, como diz na mesma acta,suspendeu a gratificao ao dito chefe da policia, o tenente do exercito de Portugal JosRodrigues,considerando-o desligado do servio e das suas relaes com a camara; eAttendendo que a este procedimento arbitrario, anarchico e illegalissimo, porque taescorporaes no teem, nem podem ter direitos alguns sobre os empregados que no sosubordinados ; eAttendendo ainda a que os funccionarios publicos s podem ser suspensos pelas

    corporaes ou auctoridades que os nomeiam e os da policia civil no so nomeados nemse quer propostos pelas camaras municipaes;Accordam em annullar aquella deliberao da camara municipal de Quilimane,ordenando que o seu presidente Jos Balthazar Farinha, mande pelo respectivothesoureiro satisfazer integralmente ao mencionado chefe de policia a sua gratificaocontinuando a reconhecel-e como chefe do corpo policial123.

    Accordo

    Accordam os do conselho de provincia :Visto e examinado o requerimento que elevou sua presena D. Maria Herminia Savairade Carvalho e Xavier, professora de instruco primaria do sexo feminino n'esta cidade,reclamando contra a deciso da Camara Municipal que negou requerente o pagamentod'uma gratificao a que suppe ter direito pelas rases que allega, durante o tempo queesteve suspensa do exercicio das funces de professora de 26 de Junho de 1887 a 23 demaio de 1885;Vista a informao prestada pela Camara Municipal d'esta cidade, que foi ouvida sobre oassumpto ; eConsiderando que a gratificao de exercicio como expresso da lei, e como talcompete a quem substituiu a requerente durante o tempo da suspenso que lhe foiimposta;Deliberam confirmar o despacho recorrido denegando provimento ao recurso124.

    2. Lanamento, repartio e cobrana do imposto :

    Acta da sesso do Conselho de Provincia de 28 de Julho de 1882

    123 1 de Abril de 1887, publicado em B.O. 2 de Abril de 1887, n 14 p. 132.124 12 de junho de 1888, publicado em B.O. 23 de Junho de 1888, n 25, p. 415.

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    Sendo presente uns recursos sobre materia de contribuio interpostos da junta doLanamento do concelho de Moambique, se proferiram os accordos do theor seguinte :(...) 5. William Philippi, como representante da casa commercial Hansing e Cie, com ofundamento de ser esta casa allem e pelo tractado com a Allegmanha gozar das

    vantagens concebidos aos subditos ingleses. Accordo: Considerando que o lanamentofoi feito em harmonia com a deciso dos louvados; considerando mais que o Tratado deJulho de 1842 s applicavel aos subditos inglezes, quando residem na provincia ou nocontinente do reino, com excluso de outros estrangeiros, como foi declarado peloMinisterio da Marinha; considerando que o recorrente no prova nada do que allega,accordam os do Conselho de Provincia em denegar provimento no recurso. (...) 8 No recurso de Luiza Constancia de Lousa Dias, Allegando no ter ? reclamar porlhe haver sido impossivel por causa de fora maior em razo do fallecimento do seumarido, e mostrando que a contribuio predial, que lhe foi lanada, excede a quecorresponde renda de propriedade. Accordo : Vista a informao da Junta dolanamento e considerando que a requerente prova o que allega, accordam os do

    Conselho de provincia em dar provimento no recurso125

    .

    Accordo

    Os do conselho de provincia :Visto e discutido o requerimento de Guilherme Marius Victorino Bockhout,

    gerente da Companhia d'Africa Oriental, na villa de Sena, no qual pede que a casa dareferida Companhia, de que elle representante, seja reembolsada da quantia de 22$950ris que pagou na repartio de fazenda de Quilimane, proviniente da decima industrialno 2 semestre de 1882 e todo a anno de 1883, em que o empregado da mesma caza H. C.Hoofl, foi collectado, como prova pelos respectivos documentos de pagamento da decimaextrahidos dos tales sob os n. 358 do 2. semestre de 1882 e 364 de 1883, pois quetambem pagou na respectiva delegao da repartio de fazenda, em Sena, a decimaindustrial pelo mesmo empregado, na importancia de 27$540 ris, constante dos identicosdocumentos extrahidos dos tales sob os n 403 e 409, referidos ao 2 semestre de 1882etodo o anno de 1883;

    Tomando em considerao as informaes facultadas pelo commandante militar de Sena, em seu officio n. 303 de 17 de outubro do anno proximo findo, dirigido aogovernador do districto de Manica;

    Considerando que no justo que a sobredita casa, pague por duas vezes a decimaindustrial, pelo dito seu empregado, referidas ao mesmo anno;

    Accordam em deferir a pretenso do requerente, determinando que pela repartiocompetente seja annullada a collecta da contribuio acima referida, em harmonia com oque dispe o regulamento para o lanamento e arrecadao das contribuies, approvado pela portaria provincial n. 159 de 25 de Julho de 1881126.

    125 Livro de Actas das sesses do Conselho da Provincia, op. cit., p. 13. 126 1 de fevereiro de 1889, publicado em, B.O. 9 de Fevereiro de 1889, n 6, p. 110.

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    No princpio do Sculo XX, dois diplomas vem precisar, por um lado, atramitao processual dos recursosdos "actos e decises das auctoridadesadministrativas das provincias ultramarinas" 127, e por outro lado, regular, nas provnciasultramarinas,"a forma do processo, a interposio e seguimento dos recursos para oSupremo Tribunal Administrativo" 128.

    No primeiro caso, o Decreto de 2 de Setembro de 1901 estabelece umacompetncia de atribuio a favor do Supremo Tribunal Administrativo em matria derecursos dos actos e decises das autoridades administrativas das provnciais. Estadisposio materializa a extenso de uma situao especfica (recursos dos actos dosgovernadores provnciais em matria de dissoluo de corpos administrativos eleitos129)(Artigo 1.) para todos os actos e decises das autoridades administrativas provinciais(Artigo 2.).

    Assim, o processo desses recursos segue o disposto previsto no Artigo 352. doCdigo Administrativo de 1896.

    Pode-se interpretar esta medida sob dois pontos de vista. Em primeiro lugar, pode-se considerar que esta disposio materializa um progresso em matria de controloda legalidade dos actos administrativos praticados pelas autoridades provinciais, em gerale pelo Governador Geral da Provincia, em particular, e correlativamente, uma restrioda sua autonomia decisional. Em segundo lugar, pode significar, tambm, um sinal deque os corpos administrativos eleitos comeam a existir como actores institucionais provinciais e reinvindicam um melhor equilbrio em termos de poderes frente sautoridades provnciais pela mediao do controlo da legalidade exercido pelo juizadministrativo supremo.

    No segundo caso, o referido Decreto de 2 de Setembro de 1901, vem regular aforma do processo, a interposio e o seguimento de recursos para o Supremo TribunalAdministrativo. De uma forma concreta, este diploma estabelece a forma dos recursosinterpostos dos acrdos do Conselho de Provncia em matria contenciosa mas no s,esta norma processual abrange tambm a forma dos recursos dos actos e decises doGovernador Geral perante o Supremo Tribunal Administrativo.

    Um elemento a destacar do ponto de vista da matria recorrvel a dos"protestoscontra as demoras que houver no julgamento, instruco ou remessa dos processos perante o conselho de provincia e Governador Geral da provincia ou districtoautonomo" 130. Esta disposio revela, pelo menos, a posio positiva das autoridades

    127 Decreto de 2 de Setembro de 1901 que D aos governadores das colnias a faculdade de ordenarem adissoluo, de qualquer corpo administrativo eleito, B.O. n. 46 de 16 de Novembro de 1901.128 Decreto de 2 de Setembro de 1901 que Regula, nas provncias ultramarinas, a forma do processo, ainterposio e o seguimento dos recursos para o Supremo Tribunal Administrativo, B.O. n. 46 de 16 de Novembro de 1901.129 Nos termos do n. 5 do Artigo 13. do Decreto de 1 de Dezembro de 1869, competia ao Governador Geral: "Ordenar a dissoluo de qualquer corpo administrativo eleito".130 N. 4. do Artigo 1. do Decreto de 2 de Setembro de 1901.

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    metropolitana de lutar contra a demora na administrao da justia administrativa nacolnia; um tema ainda de actualidade na maior parte dos Estados modernos.

    Os recursos podem ser interpostos nos prprios processos ou directamente peranteo Supremo Tribunal Administrativo.

    No princpio do Sculo XX, uma reforma importante foi implementada, a da"Reorganizao administrativa da provincia de Moambique", atravs do Decreto de 23de Maio de 1907131. Tratava-se, de lutar contra uma centralizao excessiva introduzindo por isso"o princpio essencial de todas as organizaes coloniaes: "A descentralizaode poderes de grau para grau; a concentrao da autoridade em cada grau" 132. Estareforma teve consequncias, do ponto de vista do contencioso administrativo, principalmente no que concerne a composio e s competncias do Conselho deProvncia. O referido diploma introduziu alteraes na sua composio e alargou as suasatribuies133.

    Todavia, esta reforma no conseguiu atingir os objectivos propostos; o querevela claramente a aprovao do Decreto n. 164 de 14 de Outubro de 1913 quereorganiza os servios do Conselho de Provincia de Moambique134. Com efeito,conforme os termos do prprio Decreto:"O Conselho de Provincia de Moambique notem podido, por motivo duma defeituosa organizao, desempenhar, com a precisaregularidade, os importantes servios da sua competncia" .

    As principais razes so ligadas s mltiplas funes exercidas pelos membros doConselho135 e a sobrecarga de trabalhos correspondentes e a prevalncia pelocumprimento das tarefas que no pertenciam a esta instituio. Assim,"Sucede, porm,que o juiz do crime, assoberbado pelos servios da sua vara, dificilmente encontradisponivel todo o tempo que o complexo expediente do Conselho de Provincia requere;os chefes de servio da Provincia procuram esquivar-se a servir no Conselho, para no prejudicarem os trabalhos prprios de seus cargos; os dois advogados nunca convmroubarem aos seus escritrios e clientes o tempo que os processos do contenciosoadministrativo, fiscal e aduaneiro demandariam; e circunstncia anloga se verificaquanto aos vogais sorteados pelo Conselho do Govrno ..." .

    Essas circunstncias necessitavam a aprovao de medidas urgentes para dar aoConselho de Provncia"uma organizao que oferea todas as garantias de competncia

    131Decreto de 23 de maio de 1907 Aprova a reorganizao administrativa da provincia de Moambique,B.O. n. 26 de 1 de Julho de 1907. Sobre esta reforma, vide, CISTAC G.,O Tribunal Administrativo de

    Moambique, op. cit., p. 34 e seguintes.132 Relatrio introdutivo ao Decreto de 23 de maio de 1907, B.O. n. 26 de 1 de Julho de 1907, p. 5.133 Artigo 56. do Decreto de 23 de maio de 1907.134 B.O. n. 45 Rectificao. B.O. n. 47.135 Nesta altura o Conselho de Provincia composto por: o juiz da vara crime de Loureno Marques, umdos chefes de servio da Provincia, um vogal eleito pelas associaes comerciais, industriais, de proprietrios e dois dos vintes maiores contribuintes da capital da Provincia sorteados pelo Conselho doGovrno (Artigo 54. do Decreto de 23 de maio de 1907).

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    e capacidade de trabalho" . A reforma aprovada consagra dois tipos de medidas paracorrigir os defeitos apontados.

    Em primeiro lugar, o Decreto n. 164, de 14 de Outubro de 1913 procede a umamodificao da composio do Conselho de Provncia no duplo sentido: de se tornar o

    Conselho mais "judicial" e "profissional". Assim, o processo de "judicializao" traduz-se pelo ingresso de"Todos os juizes da Relao de Moambique" (alnea a) do Artigo 1.)136 e o de "profissionalizao" pelo reforo do corpo administrativo ao seu servio (Artigos4., 5. e 6.).

    Em segundo lugar, o referido Decreto atribui "gratificaes" aos juizes e vogaisde forma a interessar melhor os seus membros no desempenho efectivo das funesatribudas ao Conselho (Artigo 2.). A partir de 1920, as gratificaes aos vogais doConselho de Provncia passaro a ser pagas mensalmente, independentemente do nmerode sesses e o referido Conselho reunir-se-ia em sesso ordinria uma vez por semana, eem sesso extraordinria quando as necessidades do servios o exigirem137.

    No dia 28 de Janeiro de 1922, o Alto Comissrio da Repblica da Provncia deMoambique, MANUEL DE BRITO CAMACHO138 promulga a Carta Orgnica daProvncia de Moambique139.

    A carta orgnica de 1922 consagra, pela primeira vez, de uma forma explcita,num Captulo individualizado (Captulo VI), a instituio do Tribunal Administrativo140.As disposies do Captulo VI tm como objectivo racionalizar o funcionamento dainstituio. A composio da jurisdio estabelecida pelo Decreto n. 7: 030 de 16 deOutubro de 1920 no est modificada. As suas decises so recorrveis para o ConselhoColonial (Artigo 90)141.

    A Carta Orgnica de 1922, no seu Artigo 91, previa a publicao de umregimentoespecial pelo Governador em Conselho Executivo queregular a ordem e forma de processo a seguir neste tribunal, fixar a respectiva tabela de emolumentos, custas e salrios, e o quadro e vencimentos do pessoal da secretaria.

    Este regimento , efectivamente, publicado no n. 29, Suplemento do BoletimOficial de Moambique, de 26 de julho de 1922142 e constitui o primeiro estatuto privativo do Tribunal Administrativo, Fiscal e de Contas de Moambique.

    136 O presidente da Relao ser tambm o presidente do Conselho de Provincia (. nico do Artigo 1. doDecreto n. 164, de 14 de Outubro).137 Portaria n. 1: 387, estabelecendo o nmero das sesses e a poca do funcionamento do Conselho deProvncia, B.O. n.1 de 1920.138 Ele exercer as suas funes de Maro de 1921 Setembro 1923.139 Decreto n. 200, de 28 de Janeiro de 1922, Carta Orgnica da Provncia de Moambique, B.O., 28 deJaneiro de 1922, I Srie-N. 4, pp. 29-38.140 CISTAC G.,O Tribunal Administrativo de Moambique, op. cit., p. 45 e seguintes.141 CAETANO M.,O Conselho Ultramarino. Esboo da sua histria, Lisboa, Agncia-Geral do Ultramar,1967, pp. 79-84.142 Portaria n. 212, de 26 de julho de 1922, Regimento do Tribunal Administrativo, Fiscal e de Contas,

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    Este diploma est dividido em nove captulos (Captulo I. Da organizao e dacompetncia dste tribunal; Captulo II. Do Presidente do Tribunal; Captulo III. DoProcurador da Repblica; Captulo IV. Da Secretaria do Tribunal; Captulo V. Da ordemde servio e forma de processo; Captulo VI. Especialidades das seces do tribunal;

    Captulo VII Incidentes dos processos; Captulo VIII. Dos emolumentos, salrios ecustas; Captulo XIX. Dos recursos para o Conselho Colonial).

    Mais, particularmente, do ponto de vista do processo administrativo contencioso,o artigo 7 do Regimento consagra o princpio fundamental de independncia do TribunalAdministrativo em relao ao Poder Executivo no mbito das suas atribuies:"OTribunal Administrativo, Fiscal e de Contas independente do Poder Executivo nodesempenho das suas atribuies".Esta independncia marca uma etapa importante paraa autonomia da jurisdio administrativa mesmo se, ainda, permanecesse uma ligaoorgnica entre o Tribunal Admministrativo e a administrao activa143.

    Alm disso, o referido artigo estabelece a regra fundamental segundo a qual"os seus acrdos tm um carcter e efeitos das decises dos tribunais de Justia" 144. De jure, os acrdos do Tribunal Administrativo produzem efeitos processuais definidos pelo Cdigo do Processo Civil. O carcter obrigatrio dessas decises expressamentemencionado nos seguintes termos:"A todas as autoridades e funcionrios de qualquer categoria cumpre dar execuo a esses acrdos e bem assim s resolues e despachosque, dentro da sua competncia, o Tribunal proferir em processos sujeitos suaapreciao ou julgamento" 145.

    As sesses do Tribunal so pblicas146. Com vista a repartir de maneira equitativao servio entre os membros do Tribunal, o seu regulamento prev e consagra uma SecoII relativa "Distribuio" (Captulo V). Os processos e todos os documentos escritossubmetidos ao conhecimento do Tribunal sero apreciados em "Seco" (Seco doContencioso Administrativo, Seco do Contencioso Fiscal, Seco do ContenciosoAduaneiro, Seco de Contas)147. Cada seco tem um protocolo, um indicador dedistribuio e os registos necessrios consignao da sua actividade. Para o efeito dedistribuio por seco, o regimento do Tribunal prev para cada uma das seces, umarepartio das reclamaes e recursos por classes. A ttulo de exemplo, os recursos e

    Suplemento do B.O., I Srie-n. 29, pp. 243-258.143 A ttulo de exemplo, o Presidente do Tribunal, segundo os termos do alnea 9. do Arigo 9. deve,Dar conta imediata ao Governador Geral de todo o movimento do pessoal, e inform-lo anualmente acrca domerecimento, carcter e servio de todos os empregados da secretaria do Tribunal.A Portaria n. 273, de6 de Maro de 1926 vem esclarecer que podem ser reeleitos por uma e mais vezes seguidas os vogais nofucionrios que fazem parte do Tribunal Administrativo, Fiscal e de Contas, B.O. n. 10, de 1926.144 Vide