Historia Da Vida Privada No Brasil

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0 8 H i s t ó r i a d a V i d a v a d a n o B r a s i l )

H 6 7 3

V . 3

- 9 I j l l l l l l l l l j l l l ~

COMPAN HIA

DAS LET RAS '

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Cop yright \l:I 19 98 by Os Autores

Pro je to gráfi co e c apa :

Héli o de Alme ida

sob re foto de

Propagand a de rádio em Se le ções,

tom o

I.

n:

2.

ma rço de 1942

 

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 I

SUMÁR IO

Gu arda s:

Fot o de A u gu sto M alta. Igreja de S ant a Lu zia e o Craf Ze ppelin  .

R

'

de

lane i 193 0 ' ce rvo do M useu da

Ima gem

e do Som . R io de Ia neiro

0 e aneL ro ) )

rv

Edi toração

eletrôn ica:

Ae qU ll Es túd io Gráfi co

Secre tari a edi torial :

Fe rnanda Carv alh o

Pes qui sa icon ográ fica :

Yur a Sc hre ibe r

'

Introduçã o . O prelúdi o repu blican o, astú cias da ordem e ilusõ es do pr og resso

- N icolau S evccnko, 7

-

---

----

~

índice rem issivo:

Ma ria C láu dia Carva lho M attos

Preparação:

M árcia Ca pola

R evisã o:

Rearriz M ore ira

Ana M ari a Ba rbosa

C lá ud i a C an ra rin

1 . D a es cra vid ão

à

lib erd ade: dim ensõ es de um a pr iva cid ade poss íve l - M aria

Cr istin a Co rte z W isse nba ch, 49

-I

2. Hab ita ção e vizinh an ça: lim ite s da priva cid ade no surgim ent u das metrópoles

brasilei ras - Pa ulo César Carcez M ar ins, 131

Hisnu .a

doi .

\id

? I \'.nid no

Brasil I coordenador ~.:r,, d.•01.

~dl F('r'~ :ld, -\ Nevar- org.•.nzador do

vc lu- nc ,

  ,,1•

... 1

)evlelli.... . - SdO Pado  Companhia das ~a.ls,

19  i  :. -

I bM o da vrd.•pr wada M Brasil ; J)

3. Im igran tes : a v ida pr ivada dos pobres do ca m po _ Zul eika Alvirn, 215

-:I: .

A

dimensão côm ica da vida priv ada na R ep ública - E lia s T horne Saliba, 289

\  ,j~IO ••utores

Blbilo~r ••fi4

 *. '

fi  7104-0)1-1

(cbr a cornpletal

Li 

85·7164 i41- X

2.,. R ecô nd itos do mundo feminino - M arin a M aluf e M aria L úcia

MOl1,

367

I. Br..sd (.I\,ilz.l r~O]

6 cO I \l1 -

H tstq ria - R CT ihh l  d

Ida<; . 3 b f. )U -

L. ,,)~

e costumes I. ~1 alS F-em. m d(· A.

I ~ \

u. Scv cenko,

NI ;01 oIU_I

Ser i e

. 6. Ca rtõe s-postai s, álbu ns de fam ília e íc one s da int im idade -- Ne lson S ch apo-

chnik,423

9g-04~ ._

In<h. ... p u .• caulogo sistemático:

I br  ll:

V IO . :   .

privada : Crvihzaçêo . Hisrória get

j

7. A caplla l irr adiante: téc n ica, ritmos e ri tos do R io - N ico lau Sevcenko, 513

1998

Notas , 621

To dos os direitos des ta ed ição reserv ad os

à

l :D I T O K A

~HW,A.RCZ

L T D A  

R ua Bandeir a Paulis ta, 702. cj.

n

045.1)-002 -

Sã o Paulo - sp

T elefone:

(011) 866·0801

Fa x: (O

11) 866-0814

e_ma i .col etras@ mt ecnet sp .co m .br

Ohras citadas, 655

Créd ito s das ilust raç ões, font es e b ibliog raf ia da ico nogr afia, 679

ín dic e remi ssiv o, 70 7

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130 • HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO BRASil 3

49. Na ve nd a de vassouras

d c pia çav a e e spanad ores de pe nas ,

o s trabalhos fe ito s jun to às ruas

demandavam

proteção

adic ional ,

qu e o a mbulan te garan tia

CO rll

seu s

pa tu ás e a mu letos

co nie cc ionad os

poss ive lm ent e de den tes

de po rco-d o- ma to . (Vi ncenzo

Pastare;

sem títu lo, 1908-14)

I ,

Na vida em senzala, nos ajuntamentos de negros escra-

vos e forros nas cidades, nas formações sociais de homens

livres que foram se avolumando ao longo dos séculos deli-

neou-se uma outra noção de privacidade, identificada menos

à domesticidade e mais à sobrevivência, ampliada da intimi-

dade às formas de associação e de convívio social, celebrada

em expressões de identidade social, religiosa e cultural. No-

ção que muitas vezes levava a ser recomposto no espaço pú-

blico o que havia s ido desarticulado com o domínio escravis-

ta, reequacionando o que era tradicionalmente colocado nos

limites de quatro paredes. Contraditoriamente ou não, a priva-

cidade popular se orientava em di reção ao mundo das ruas.

2

\

I

HABITAÇÃ O E V IZINHANÇA :

LIM ITES D A PR IV AC ID AD E N O

SU RG IM ENTO DAS M ETRÓ PO LES

BRASILEIRAS

Pau l o C ésar G arc ez M arins

\ .

1

- - - - - - - - - - ~- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - . - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

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132 • HISTÓ RI A DA V iDA P RI VA DA ~IO ô~ASil 3

HABITAÇÃO E Vlll:-.lHAr ÇA • 133

-bF

im da escra vidão. M ig raçõ es e im ig raç ão . A aur ora do

. re gim e repu blica no dava-se em meio a transformaçõe s

de mo gráficas e sociais, qu e lib erav am po pulaçõe s, e

fran quea va no vos destinos geo gráfico s à s esperanças d e so bre-

vivê nc ia de mu itos dos velho s e novos brasileir os. M utações

difíceis, todav ia . A s grand es cidades sur giam no horizont e

como o espaço das novas possibi lid ades de v id a, do es qu eci-

mento das mazelas do camp o, da memória do cative iro.

Novos habitantes , vindos da s antiga s senza las e case bres

do interior do pais ou dos portos es trangeiros, somav am -s e

aos ant ig os e sc ra vo s, forros e brancos pobr es qu e já in chav am

as cida des imp eriais, e junt o a eles aprend eri am a sobreviver

na instabilidade que marcaria suas vidas també m em se u

novo habitat . M ov imentar-se-iam , todos eles , pelas ru as alvo -

ro çadas em busca de empregos e de tetos ba ratos pa ra abr i-

gar-se, num deslocamento contínuo que fun dia

vivências ,

experiênci as, tensões - e espaços .

Tum ult o

e

desordem

fo ram palavras fác il e co mumente

aplicad as à dinâmi ca das capitais já repu blicanas , à oc upação

de sua s ruas e c asas, e a seus habitantes, cada ve z mais nurne -

ro so s e m ovediços. A s elites em erge nt es impu tavam-se o de-

ve r de livrar o pais do que considera va m   atr aso , atrib uído

a o p ds sa do co lo nial e im perial do pa is, e vis ível na aparente

con fu são dos esp aço s u rban os , povo ado s de ru as popu losas e

barulhentas, de h a bi ta ç õe s s u pe rl ot ad as, d~ ep id em ia s q ue se

alastravam com rapidez pelos bairros, assolando co ntinua-

ment e as gra nd es ca p it ai s l it or ân e as.

A cred itar na adjetivação qu e as in tenções norm ativas das

elites atr ibu íam à aparência das ru as e ca sa s das a nt ig as c ida-

de s, herd ada s da Co lônia e d o Im pério, inviabiliza, entretan-

to, a po ssi bi lid ad e d e c om pr ee nder ess as c id ad es e as expe-

ri ências hu ma na s, a li vivid as em seu s múltiplo s es paços, em

uma de sua s maiores caracterís tic as: a instabilidade. D es or-

de m  e tumulto   eram justame nte as dimensõe s, mui to efi-

c ient es, que grand e parte das po pulaçõ es u rb an as brasileiras

en co ntravam para sua sobrevivência, para seu agir social.

C asas e ru as fu ndiam -s e numa dinâm ica pl asmada e di -

fusa , em qu e os limites espac iais co nstituíam -s e hi storic a-

mente ao sabor da ambi ção fund iária dos proprie tári os e da

co mp lacê ncia son sa da s autoridades . O  des leixo , descrito

em um estudo no táv el ,' pareci a co mand ar a pr átic a de justa -

por casas e alin har ruas - quadro em qu e as au tor id ades se

situaram , num equ ilíb ri o su til. Nesse  ap arent e  des leixo es -

gueirav am -se as  a pare nte s desord ens fu nciona is, nu m to r-

velinh o de diluiçõ es e m im eti smos em qu e escravos, for ros e

se us des cenden te s, m ise ráv eis e remediad os, log ravam obter

mai s facilme nt e as cond ições de sua sobrev ivê nci a, e de se us

pr ópr ios padr õe s cul tu rai s e de sociabilidade.' S eria essa di-

nâm ica aq uela a re ceb er os forasteir os da R epúbl ica , vind os

da s faz end as ou das ald eia s européia s oitoc en tis tas.

O quadro difu so e in stável da s cid ad es bras ileiras, já na-

tu ralmente hipe rt ensio nado pe la escravi dão e s eus proc ess os

de exclus ão social, tendeu a se ag rav ar com a A bolição e c om

a in staur aç ão de princípi os dem ocráticos. S ur gia entã o a fi-

gura ater radora da mass a de  ci dadão s pobre e peri gosa , vi -

ci osa, a qual emergia da multidão de c as as tér reas, de e st al a-

ge ns e c ortiço s, de casas de cômodos , de palafitas e m ocam bos

que eram a vastidão da paisagem das cidades herdadas do Irn -

pério .' A cu sa da s de atrasadas , inferiores e pes ti le nta s, es sas po -

pul açõ es se riam persegui das na oc up ação q ue faz iam das ru as ,

mas sobr etu do seriam fusrig adas em sua s habi tações.

.. ;o E lo s do país co m o e xterior, R io de Ja neiro, S alva dor,

R ec ife , Por to A legre e o bin ômi o Sa ntos -Sã o Pau lo espanta-

va m inve stime nto s e im igrantes an siados pelas el ite s alicerça-

da s na eco nom ia das fazendas e usinas . U rgia ci vili zar o

L _

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134 •

HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO BRASil 3

1 . C o r tiço no Bexi ga . Na ironia

do ende reço, as di f iculdades

daque les qu e lu ta va m p or SIW

sobrev ivênc ia, d estituído; dos

priv ilég ios d a p ri va cidad e ou

domesttcidade no no vo con texto

republicano. (R ua da A bolição

124 , São Pa ulo, s. d .)

~ país, m odernizá-Ia, espelhar as potências industriais e d emo-

cr ati za das e inser i-lo, compu lsória e firm emente , no trânsito

de ca pi ta is , p rodu tos e popu lações liber ado s pelo h em isfério

no rt e. ' A s grandes capi ta is da jovem Repú bl ic a c o ns ti tu í am o

ho rr o r a qualq uer um que es tivesse habituado aos padrões

arquitetõnic os e sanit ári os de g ra ndes capita is eu ropéias,

co mo Pari s, L o nd re s, V iena e S ã o P etcrsbur go , a Nov a York

e W as hington , ou m esmo às cidades sec un dária s do s pa íse s

- cen tra is.

A s grandes cidades do hem isféri o norte , lo cal pr iv ile gia do

de con ce ntr ação demog ráf ica , industria l e simbó lic a , erguidas

pela s fo rtunas burg ues as, h av ia m sid o alvo de vas tos pr ogra-

m as de ref o rm as urb anas dur ante grand e parte do Oitocen -

tos . Pr essionadas pela s cr esc ent es m ig rações ru rais, por co n -

vívio s so ciais tensio nad os pela m isé ria promov ida por ba ixo s

salá rio s e m ás cond ições h ig iên icas , des estabilizadas pelos

distúr bios populares qu e m arca ram as revo luçõe s lib era is que

cul m in aram na déc ad a de 1R4 0, as g rande s cap itaís eu ropéi as

seguir iam , ca da um a a sua escal a , o gr ande mod elo de cirurgia

m ateria l e so cia l con stitu íd o pela cap ita l de N apoleão m , e m

que se des tacou a fi gura

tirânica

de Haus srnann , o gestor da

Pa ri s bur guesa e m onumen tal sur gid a ent re 1853 e 187 0.

 

A s necessidades de

aerac ão.

circu laç ão , lazer, de m onu -

\ m entalida de e de co nt role só cio -polí ti co de term ina das pe los

/ di sc u rsos técnico s e pela s an siedad es das elites em erge ntes do

--.

-----___--- ._--

HABITAÇÃO E VIZINHANÇA •

13 5

S e gu nd o Im pé ri o f ra nc ês f or am s at is fe it as a g o lp es v io le nt os

c on tr a a s a nt ig as tradiçõe s d e c on v ív io s oc ia l e d e p ro pr ie da -

d e f un diária que m an tinham os parisi en se s a qu ar te la do s e m

s ua s c asa s, r uela s e b ai rr os - d im en sõ es e sp ac ia is q ue s e

sucediam , num em aranhado susc etível a b ar ric ad as que a

q ua lq ue r m o mento pod eriam ob stru ir o co ntr ole d a c id ad e

pela s autoridades .

..; R asgando o tec id o c on tín uo d a cidade, qu e ainda lem -

brava aqu ela do A ntigo R egime, os g ra nd es b ul ev ar es de

H au ssm an n a rtic ulav am P ar is m ed ia nte u m siste ma v iá rio

qu e co br ia to da a c id ad e, g er in do a l oc ali zaçã o e f un ci on al i-

da de de espaços p úb lico s e c on tr olan do os g r an d es b a ir r os

on de h ab ita va m o s p arisie nses pobres o u m i se rá ve is qu e

am eaçavam a segurança e o espl endor das burguesias, as

qua is res plandeciam nos lu cros e no lu xo faustoso do S e-

gun do Im péri o .'

M ais do que qu alqu er ou tro tipo de c on st ru ç ã o f u nc io-

nal , fo ram as casa s e os edifício s re sidenciai s aq ueles m ais

intensam en te atingido s p elas c ir u rg i as c a pi ta n ea d as po r

H au ssm ann. A s m o ra di as f or am a lv o d a e nx ur ra da d e d is cu r-

so s

e p rá tica s n orm ativ as q ue p ro cu ra va ch egar ao cidadã o

em seu e sp aço m ais difuso, m ais su speito - e m enos alcan -

çad o pelos tent ácul os do E sta do. A privac id ade das pop ul a-

ções pari sienses deveri a suj e it ar-se ao interess e público   ,

ap anágio d efin id o p or o utras in tenções  privadas  alojadas

n o a pa relho ins ti t ucio r la l.

M ilhare s d e un id a des habitacionais fo ram des truída s em \,

Pa ri s à cu st a d e d es ap ro p ri açõ es, e a s m u it as r em a ne sc en tes I

fo ram fustigadas pela s po stura s cada ve z m a is o us ad as. A s

nov as co nstr uções fo ram subm etid as à aprovaçã o g ov ern a-

m ental, o que restringi a in te nsam en te a po ssib ilid ad e d e se

Con st ru ir como se qu isesse . A esp ecul aç ão estabe lecia um a

lóg ica parale la de exclusão es pa cial, em qu e as imediações da s

gr and es ar téri as foram lent am ente im possibilitando o habi -

tar po u co c us to so .

A lu sões

à

matriz parisie nse foram se esp alh an do pelas

an tig as capita is européia s, qu e so friam in terven çõ es d e g ran -

de esc al a, co mo V iena, Fl o rença ou B rux ela s, a ti ng in do ainda

cida de s su l- am eri canas com o B uenos

A ires.  

E m todas elas as

novas di scipl ina s impostas alca nç av am em cheio os l imites

tradicionalm ent e va sto s da s co ncepções do qu e v inha a ser a

~ ~  

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propriedade ou a habitação. As casas e os espaços domésticos

foram então o mais possível submetidos a uma ordem está-

vel, necessária às novas funções urbanas promovidas pelo ca-

pitalismo industrial. O privado passava a ser, portanto, con-

trolado não apenas pelos desígnios do indivíduo, mas pela' ,

ordem imposta pelo Estado. Esse modelo de convívio urbano, r

trespassado pelos procedimentos de especialização espacial e

segregação social, esteve pulsando no cerne dos procedimentos

de controle da habitação e vizinhanças implementados nas ca-

pitais brasileiras a par tir do advento da República.

Marcadas pelas distantes referências dos países setentrio-

nais, às elites republicanas urgia constituir uma estreita dife-

renciação espacial em cidades e populações completamente

avessas aos modelos europeus. Percorreremos algumas das

muitas tentativas de implernentação das referências euro-

péias no Rio de Janeiro e nas principais capitais do país, em

que o Estado buscou, por todas as frentes, estabelecer a ca-

racterização dos espaços de abrangência pública, reservada à

circulação e lazer controlado, e daqueles privados, reservados

à prática da intimidade institucionalizada pelos códigos de

comportamento específicos e rígidos, a serem mantidos e

promovidos preferencialmente pela família nuclear. A uma

.':, ordem estipulada pelos gestores do Estado para as ruas -

públicas - devia corresponder outra destinada às casas -

privadas.

A diferenciação entre ruas e casas, entre espaços públi~

cos e privados , devia ainda ser necessariamente acornpa-',

nhada pela geografia de exclusão e segregação social, que aca-

 

basse separando em bairros distintos os diversos segmentos

í

da sociedade. Privacidade, portanto, não poderia mais con-

fundir-se com domesticidade, com os simples limites da casa,

mas escapava para uma dimensão que abarcava os convívios,

os vizinhos - todos sujeitos a uma mesma gramática de

comportamento. Harmonizando-se as vizinhanças facilitava-

se o conhecimento da fisiologia urbana - e das múltiplas

 disfunções  geradas nas clivagens sociais altamente tensio-

nadas nas capitais brasileiras, sobretudo após a concentração

de grandes massas populacionais nas cidades já na primeira ~

década republicana.

Asestratégias de institucionalização encadeada de casas,

ruas, bairros e, por fim, da própria cidade, sofridas pelas ca-

1

1

'I

J

--

. . . •

_----_._------

 

--

- --------

136 • HISTÓRIA DA VIDA PRIV ADA NO BRASil 3

HAIiITAÇ~,O E VIZINHANÇA •

1 37

pitais brasileiras, deparavam-se não apenas com a t radição

do  tumulto e do  desleixo ': mas com a dif iculdade da orga-

nização republicana em gerar suas células constitut ivas - os

cidadãos -, de quem se poderiam exigir deveres quanto

mais se oferecessem direi tos, viabilizadores da estabilidade

proposta para os espaços.

Sea formação das grandes periferias sem infra-estrutura

- e os múltiplos processos de exclusão que as alimentaram

- será a característica da expansão das grandes metrópoles

brasileiras contemporâneas, as ilusões de controle total das

convivências sociais - e da dinâmica social enredada entre

espaços públicos e privados - teriam que enfrentar asações

e persistências dos brasileiros que praticaram suas próprias

noções de identidade, intimidade, habitação e vizinhança. De

suas ações privadas, múltiplas e confrontantes já na Belle

Époque, surgir ia o perfil contraditório e tenso da construção

da própria coisa pública -

Res publica .

LI MI T ES P RIVA D OS EM CO NFR ONTO NA BEL LE É P OQ U E :

CORT IÇOS, FAVELAS, PA LA CE TE S E V fL l\S

->

Primeira cidade brasileira a sofrer um amplo projeto de

reformas após o advento republicano, referenciado no exem-

plo civilizador  da Paris haussmanniana, o Rio de Janeiro,

capital da nação até 1960, seria alvo das mais variadas tenta-

tivas de controle das moradias, no sentido.de.hajmonizar as

v.. zinhança.L~estendeLLdim..e. ls.ã..Q~9I~Ii~, >-p-úlica, os pa-

drões de prjyací.d.a.decontrolada e estável. A_fOl flli:~riv;Te-

gjada da cidade, sede de~~~~ _~~RO~tlRúblico, não

fQ . ,.Q l

tretan to,Ja toL.SUliçiene 'p-ªg.~ ~ .~el1~~as resultas-

~-12'andes sucessos.

À

ineficiência dos procedimentos

fiscalizadores, somava-se a limitada dimensão das interven-

ções oficiais, incapaz de dialogar com o fluxo contínuo de

novos habitantes que acorriam

à

capital da República.

As iniciativas.reforrnadoras tomadas pelas autoridades\

J~úºli cas, sobretudo após a posse de Rod~ Alves em \

19Qwsbarravam tambérn.na.mescla de atividades e [unções

~ue...j.ustapun.ham_em. quase.tndas.as.ruas da cidade, em

e.~p~aLnos..distrito.s.cen.tr.ais. Casas de comércio dividiam

paredes com habitações luxuosas ou remediadas, e não raro

com cortiços , estalagens ou casas de cômodos. Tudo alinhado

--,

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138 • HISTÓRIA DA VIDA PRIVAD A NO BR ASil 3

2. O lu xo e xa cerbado do s salõe s

de v isi tas dos palacet es da Be lle

É po qu e a co lh ia t od a um a

pa rafernália d e ob je tos de cor ativos

p ro du zi do s p el as i nd ústrias

eur opé ias. (Au gu st o M a lt a, lnterior

de residência, Ri o de Ja ne ir o,

c. 1905)

dire tamen te sob re as ru as, m ediado pelas numero sa s ja nelas

e por tas , e pelos mur os do s quintais.

J á

se di ss e, c om c erto ex ager o, qu e so br ados e rua s e ra m

in im igos na g en erali dadLd. ..ª_L c.idades · bras ile ir as .' Mui ta s

moradi as esta va m, c ertament e, marca das pelos anti gos hábi-

tos de reclu são form al , herdados das trad ições islám icas e do

ce r imonial ar istoc ráti co lu sit ano - matriz do s a n ta gon ism os

es paciais c ul tivados pela s e~ . M as da m aior par -

te das co nst ru ç õe s a ss obradada s e da imensid ão de casa s tér-

reas da s cid ades, o que se dev e lembr ar mais v iv am ent e é o

inten so en tra-e-sai nas portas, uma dilu iç ão c ontín ua de es -

paços - algo m ais necessário à d u ra s ob re v iv ê nc ia im provi-

sa da dia a di a pe los m uitos pobre s e m is erá ve is q ue p ov oa-

va m as ci dades brasileiras do q ue as ilusões de re clusão e

disc riçã o propaladas pela s

elites. 

O R io repub licano recebera - e mant eri a - uma larga

faixa d e vida s ba se ada s em um cotidi an o d ifícil, muito dis-

tant e d as d ife rencia çõ es e reg ram ent os promovidos pela mo-

ral bur guesa ou pelo capitalismo indust rial, ta nto quant o já o

er a pa ra as tra diç ões q ue exi gi am reclu s ão . M e sm o o impres -

ci ndív el contro le d e e pid em ias tr opicais , q u e d e va st av am p o -

pu lações ca ri ocas, so bretu do após 1850, era incip ien te , e q ua -

s e impossí vel em um a cidade na qua l mal se d iv isa vam os m o-

rador es d as freg ues i as , q ue m uda vam de dom ici lio com a m es-

ma f re q üência com que tr oc avam de empr ego.

A casa, o espaço dom éstico , era urna referência basica -

m en te móv el para essas populações, co mo o era a sua pr ópr ia

so br ev ivênc ia  A s construçõ es dis poníve is para a m oradia

pop ular rest ringiam-se a obedecer à s poucas exi gê nci as pos-

sívei s d ia nt e da pobr efa c da própr ia mobilidade, re stando à s

autorid ades apenas mul tar aqui ou ali os prop riet ários ou

locadores m ais de sobedientes - um a debilidade qu e se re pe-

tia no cont ro le dos lo gradouro s públ ico s.

A s pos turas das ve reanças, as co ncessões d e s er viço s p ara

in fra-estru tu ra urbana e o pequeno e xé rcito d e m édi co s s ani-

ta ri stas po uco tinha m podi do fazer pelo cont rol e efetivo da

din âm ic a da cida de, e de suas habi t aç õe s p opul ares supe rpo -

voadas e mater ialm ente prec ária s, muitas delas lev anta das

so b o im pu lso da li ber açã o de capitai s do tr áfico e do au -

mento da s ativi dad es portu ári as e indust riais da co rte.  O R io

de J a ne i ro i ngre ss ava no rol da s c apita is republ ican as do Oc i-

dente, sob o es cár n io e o horro r de via jan tes estrangeiros ,

nego cia nt es e im igra nte s.

O qu adro pr ec ário das

habi taçõ es

da s ma i or es faixas da s

po pu lações ur b anas carioc as se repetia na s d em ais capitais

HABlfAÇÃO E VIZINHANÇA • 139

3. C o nc en tr an d o p o pu la çõ es t ão

num er osa s q uanto desp rovida s,

as ca sa s e rgui do s ainda na C o lô ni a

ou no Im p ér io e sp alhavam- s e pe la s

áre as cen trai s da s m aior es c idades

do p a ís , f o rç and o c on vív ios

e c o nf r onto s so ciais . (Castelo (alto

do morro),

Ri o de Jane iro,

c.

1920 )

Page 8: Historia Da Vida Privada No Brasil

8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil

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140 • HISiORIA DA VIDA PRIVADA NO B~ASIl 3

4. No s cort iços e estalagens cario ca s

a s expec tat iva s d e privac idade

di luíam -se , co mp arti lhada s

nos varais , ta nques e port as ab erta s.

(A ugu sto Ma lta, sem títul o, Ri o

de Ja nei ro , s. d .)

,

 

pr ovinciais, o que se to rn av a evid en te nas altas taxas de

mortalid ad e q ue a co metiam os dom icíl io s p op u la res, provo -

cadas pel as suc essão de su r to s d e c ólera- mo rb o, f eb re a marela,

va rí o la , ma l ária e em par tic ul ar d e tu bercul ose , a lém da pe ste

bubônica , que passari a a fa zer muitas vít imas em fins do

sécu -

1 1 0 XlX,

D oe nça s to das que grassava m em razão das pé ssimas

condições de sal ubri da de oferec ida s pela s rua s im und as , m as

sobr etu do pelas casa s lotadas e sem infra -estrut ura de

esgota

mento e aba stecim en to de água, ins ufi c ient es e in efi ci en te s

mesmo na corte. O s efeito s da s epidemias e endern ias er am

multip lica dos por causa dos ainda in cip ie nt es resul tados profi -

lá tico s da medici na cie nt ífi ca , à s vésperas do salto microbioló-

gic o, e da s p rá tica s cur at iva s v in da s d as tr adições afri can as e

hip oc ráticas, muito dissem inad as na capita l. J O

U rg ia aos d irig ent es do re gi m e que se in sta lav a, ins pir a-

do nas idé ias

tec nocráticas

de gover no, arran ca r o R io de

Jane iro da let argia e ino perância qu e atr ibuíam ao ex ecrad o

re g im e im peri al , julga do inc apaz de liv rar a cidade de COI1\ I-

vio s consid era dos p rom ísc uos e dese stabilizadores da saúde

públic al,Faz ia-se m iste r gene ralizar os proc edim en tos di sci-

pl in ares pa ra os espa ços público s e priv ados , d if er encia ndo-

os m ed iante a o pos içã o

à

di nâm ic a difusa qu e os m es clava, e

qu e fa voreci a a c onv ivência entre se gm en tos e int eress es so -

ci a is muito di st in to s m esmo nas áreas m ais cen tr ais da ca p i-

ta l. Co mpreende-se , poi s, a priorid ade co nce di da ao comba te

HABITAÇÃO E VIZINHANÇA •

1

A

1

. .

in~ti t~ci?n al à s h ab i~ a 5õ es p o pu la re s,. c o ns ~ d er a da s ~ omo

O S  

p rm C Ip al s f oc os d e d is pe rs ão d as e pid em ia s p el a C Id ad e, e

ha v ia m uito te mp o c on de na da s à e xtirp ação p elo s m éd ic os

higienista s, ansio sos por curar as cidades de su as patologias

sanitárias , so ci ais e e spaciais.

A Jlmbição de arranc ar do sei o da capit a l as habitações e

mo ra do re s i nd esej a do s p ela s elit tu il li gentes começo u a se

fQ ?te rializ ar co m as medidas visa nd o a d emo lição ~Q L Ilum e-

rosos

cortiço s e e st al ag en s, espalhados p or t od as a s f re g uesia s

ce ntrais d o R io d e Ja ne iro , o q ue se processou sob.a.leg itima-

ç ão c on fe ri da p el o sanitarismo.  A i na ug ur aç ão d as medida s

de exclusão hab it acional e socia l na ª pita l da R e pú bl ic a p e r-

mire entrev er , n o en tant o, as muitas dificu ld ade s na implan-

t~ ªo das re fe rências ur ban izad ora s estrangeir as qu e se r ep e-

tir j~ .  L J) .aL déç ad ªi se g  i L ~~ ~qu 0E~m naufragar os

a ns ei es d e h o m< :&~_~~ ar _~ 'izin b:~ça ~e_p .Q U t i za r o s âmb it o s

privados à J .ev~~ .. s au:n<g clª-s....s..oÚ ai s..

A s primeir as atitude s objetiva nd o a eliminação do s cor-

ti ços ca r ioca s m os tra va m -se tã o tímida s quanto in capa zes de

re o rientar para longe a moradia das popu laç õe s expul sas.

Pod e-se sup or com certa segur ança que já na demolição do

cé lebr e Ç abeç a de Po rco - sit ua do n as fald as do m orro da

Prov id ência e post o abai xo pel o p re fe it o B ar ata R ibeir o em

1893 - co m eç aram a sur gir os ir ôni cos res ultados inicia is

co lh id o s pelo atr opelo das in tervenções republicanas .

A m isér ia e os m ise ráveis que haviam per di do suas habi-

taç ões na der ru bada vi olent a do cort iço tinham à disposiç ão

o mo rr o c on tígu o - e as m adei ras da demolição que a pró -

pr ia pr efeitura lhe s perm itira re colher. B arr ac os de madeira

ja esta va m diss em inados no morro de S an to A ntô ni o, ponto

pr iv ilegiado da cid ad e, e lo go e st ari am pr es entes no da Prov i-

dência , nos anos qu e se seguiram à s pic aretas de B arata R ib ei-

ro. N a v izinhança do Ca be ça de Porco, sur g ia a  Favela  , a p eli-

do qu e seria da do ao morr o da Provid ência pela tr opas vinda s

de Ca nu dos em 18 97 , a s q uais es tac iona ram ali e acabara m

denominando o local des se nom e por ass ocia ção a plantas

c om f av as, co m uns tanto no morro car io ca quant o na s ce rca-

ni as do arra ia l de A ntônio C onselhe ir o, o B elo

Monte. 

A s fa ve la s, s urgida s no R io de Janeiro quase contempo -

ranearnent e à R ep úb lica, inaugura vam de mod o exe mplar o

ro l d e fr ustraç õe s da s elites em elim inar as conv iv ências de

/

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142 . HIST ÓR IA D A VIDA PRIV AD A NO BRASil 3 HABITAÇÃO E VIZINHANÇA • 143

5. Na guerra ent re o p re fe ito ca rioca

Ba ra ta R ibe iro e o Cabe ça de

Po rco,

o pod er p úblico vet ce a p ri me ira

ba ta lh a, d evo ran do o o po ne nte e m

1 89 3. A lia s depoi s, ltaS

v izinhança s

do 1uc al do corri ço de rruba do,

prosperav a a Fav ela , con jur lto

d e b arraco s que ap e lid ar ia

 

dema is

agr upame ntos popula res dos m or ros

cariocas.

(C abeça de Po rco, }

893)

ANNO 18

ç ã o

dos e sp aç os p úb li cos e priv ad os das área s m a is c entra is

da capita ls T inham esperança de ga ra nt ir a tr an sf orm aç ão

so cial e cultural da c id ad e, e o bter um ce nário decente e

at ra ente aos fl uxos do capit a li sm o inte rnac ional, tão ref rea -

do s pe las p rec árias cond ições da capit a l q ua nt o am bic iona -

dos pe las eli te s atr e lada s aos gr and es in tere ss es e xportado re s

ins talado s no governo da U ni ão . 

Ag indo ta nto no con trol e dos espaços privad os c omo no

dos l og ra dou ros

públi cos,

as refo rm as urb ana s car iocas ex-

pulsari am grande parte da pobreza e da m isé ria, das m ani -

fes ta çõ e s p opul ar es e das ativi da d es t ra di cionai s visíveis nas

ruas e na s ca sas m odes tas da cid ade. A s p r á t ic as san itá ria s con-

sa gr ariam os di tam es da m edi cin a científica co ntra o cu ran-

de iri sm o. A obri ga to ried ade o fici al de vacinação contra a va -

ríola ge raria em 19 04 o m ais in tenso lev an te pop u lar havido

no R io de Janeiro , a R evol ta da Vac in a, qu e tr ansf orm aria o

ce ntro da cidad e num caos de q uebra-que bra s e b arric ad as.

Insta lou -se um clim a de a nsie da de e des confia nç a e ntre os

integ ran tes das elit es lo cais, in clu ind o- se aqueles m embros

que em princíp io s om aram sua s v o zes

à

av ersão do s popula-

res p ela v acin a ou con tra o ro l in termináv el de dem oliçõe s

que s e h av iam in iciado na capi ta l.

O s pu do re s da s cas as e fam í li as , as sac rossa nta s i dé ias de

p ropried ade pr ivad a, as tr ad ições religi os as de cul to a O rn o-

hab it aç õe s e popu lações diversas no sei o da m aior e m ais

importante cidad e br as ile ira de então, fo rn ec endo um para-

d igm a do que s e p r oc ess ar ia ao lon go do sécul o xx em quase

todas as m edidas qu e visa vam a exclu s ão s oc ial m edian te a

cond enaç ão e elim in ação d e h ab it ações inc onve nientes.

_ A s vastas re form as ur ban as empreen d id as a partir de

19 03 no R io de Janei ro pelas ações combin adas dos gove rno s

federal e municipal m irav am em ch eio a lib erdade de ocupa-

4

6. O

mor ro de Sa nt o A ntônio foi,

provavelme nte, o p rim e iro a ab rigar

ba rra co s no Ri o de

[aneiro

republica no. Ir onic am ent e , muitas

da s pa red es e te lh ados for am

levan tad o s com despojo s

da s demoliç õe s efe tua da s na ár ea

cen tr al . (Aug us to M al ta ,

Morro

de Santo A ntóruo , s . d. 

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144 • HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO BRASil 3

7. Na inú til ten tat iva de subm eter

a Fa vela, os sa ni tar is ta s pouco

pudera m faz er al ém da p olí c ia

- a s m oradia s do mo rro

dt l P rov idê nc ia cons o lidaram -s e

c cheg a ram a té

fins

do sécul o XX .

(U ma limpeza indispensáv el,

s.

d.)

I

I

j

lu, O orixá ligado à varíola, tudo era exíguo diante das serin-

gas de vacinas, ou dos inspetores sanitár ios que violavam a

intimidade de lares de todos os segmentos sociaiss' Devassa-

varn-se corpos, casas e quintais, em razão da imperiosa im-

posição oficial de eliminar a varíola, a febre amarela e a peste.

A privacidade devia ser estimulada, desde que se adequasse aos

interesses da esfera pública, trespassada por interesses parti-

culares dos que ditavam as regras políticas e sanitárias

-0

que naturalmente atingia muito mais as habitações coletivas e

os bairros em que se concentravam, foco do levante de 1904,

do que os palacetes e casas médias, na maioria obedientes aos

dispositivos legais para construção e saneamento básico.

_ A  profilaxia  dos espaços públicos e dos corpos deveria

ser, portanto, acompanhada daquela dos lares e, por extensão,

dos bairros e do centro, livrando a capital das convivências

tachadas de insalubres e perigosas, sanitária e socialmente.

Caso fosse necessário, punham-se as habitações condenadas

abaixo, garantindo ao menos a eliminação das moradias inde-

sejadas por suas permeabilidades , consideradas promíscuas.

Os ecos da Revolta da Vacina calaram a maioria das pos-

síveis dissensões entre as elites locais. Os divergentes rapida-

mente se acomodaram às somas pagas pelas desapropriações

de seus imóveis, pelas compensações em títulos públicos,

substitutos das rendas de aluguéis, ou pela possibilidade de

HABITAÇÃO E VIZINHANÇA • 14 5

I

\

I ·

reconstruções lucrativas, estimuladas pela; reformas coman-

dadas por Rodrigues Alves. Tudo embalado pelo triunfo das

práticas sanitarizadoras implementadas por Oswaldo Cruz e

amplificadas pelas demolições dos projetos haussmannianos

do prefei to Pereira Passos e de

P au lo

de Frontin.

Ainda que as reformas de Pere ira Passos não tenham

tido o grau de complexidade sistêmica daquelas realizadas na

Paris oitocentista, que ele mesmo vivenciara em seu período

de estudos na França,  o Rio de Janeiro foi palco de uma

firme tentativa de reformar os costumes, aliando o controle e

o redesenho dos espaços públicos ao ataque violentíssimo

aos espaços privados e às propriedades edificadas.

A apropriação parcial do programa parisiense, adequado

a ~a cidade industrializada e com forte demanda de serviços,

vena seus resultados chocarem-se com uma soc iedade, e com

uma economia nacional, que não podia acolhê-Ia satisfatoria-

mente nem mesmo em sua escala reduzida, tampouco fazê-Ia

frutificar segundo as ambições dos dirigentes brasileiros.

Instalou-se um  bota-abaixo de cortiços, estalagens, so-

brados e casas térreas classificadas como insalubres e indig-

nas, sob a aparência das melhores intenções sociais.  Para

aqueles que compartilhavam das idéias intolerantes dos diri-

gentes das reformas, as rnelhorias nas canalizações e infra-

estrutura não eliminavam a chaga social das habitações po-

pulares miscigenadas à s casas comerciais do centro ou às

moradias destinadas aos setores sociais mais estáveis estabe-

lecidos nos arrabaldes.

 Certamente não basta obtermos água em abundância e

esgoto: regulares para gozarmos de uma perfeita higiene ur-

bana. E necessário melhorar a higiene domiciliária, transfor-

mar a nossa

edificação,

fomentar a construção de prédios

modernos e este desideratum somente pode ser alcançado

rasgando-se na cidade algumas avenidas, marcadas de forma

a satisfazer as necessidades do tráfego urbano e a determinar

a demolição da edificação atual onde ela mais atrasada e re-

pugnante se

apresenta? 

Era a j ustificação para o vasto pro-

grama de alargamento de ruas e traçado de novas avenidas

sob o antigo tecido dos quarteirões das freguesias centrais e

da linha portuária, articulando-os com os arrabaldes em que

se multiplicavam os interesses especulativos desde a instala-

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146 • HISTÓRI.~ DA VIDA PRIVADA NO BRASil 3

ção

d a s c ompa nhi as de bond es e e sta çõ es de trem ao sul e a o

nort e d a c id a de .

O acesso da área cent ral aos sub úrb io s p op ulares ao

norte da cidade, além de São Cristóvão , fo i fa cili tado pelo

pr olongamento da avenida do M angue, na C idade N ov a, e

pelos at err os na Prainha, Valon go , G am bo a e na

praiã

Fo r-

m o sa , o nde se ass e nto u o n ov o cais po rtu ário e a lo ng a a ve-

nid a Rodr igues

A lves .•

No vetor su l d a cidade , os aterros entre

a M iseric órd ia e a pr aia da Saudade deram abr igo à avenida

B eir a-M ar, que a rt icul ava o centro aos bairr os em que desde

os tem pos de d. Joã o VI v ic ej av am as ch ác ar as de estrangeiros

e aristo crat as. A gora , o acesso à G lória, Ca te te , L a ra n je iras ,

Co sme Ve lho, Fl amengo e Botafogo er a rápido e elegante ,

tend o sid o a Gu an ab ara flanqueada com jardi ns e escultura s

inspirado s em Paris. O arej am en to atlânt ico de Copa caba na,

liga da ao R io por bond es qu ando era pouco mais que. um

imenso are a l , e s tava aind a mais acessív el às nov a s m or adias e

à esp ecul ação, sob retudo após a in augur aç ão do tún el do

L em e, em 1906.

18

A

legislaçã o im p lem ent ada pe la tiran ia de Pe reir a Passo s

em 1903, im pos ta à cidade em meio ao f echamen to da

Câ -

mara - suscetível à s pressõe s dos que vi viam de alu guéi s em

co nstr uções precári as e ba ra ta s -, pr oibia a constr ução de

estalagens e c orti ços na cida de, e d e cas as térrea s nu m amplo

pe rímetro que englobava o centro e os bairr os ao sul, al ém de

regula r enf at icamente as novas edif ica ções :

A part e ref eren te à s condiçõe s do terr eno estabeleci a

normas quanto ao ate rr o dos pân tanos ou alag adiços;

pr oibia qu e em rua s nov as ou po uco edi ficad as se con s-

truísse em terrenos com meno s de 6 m de largur a (vi-

sa ndo a lim ita r o p ar celamen to espe cula tivo indisc rim i-

nado dos lotes urba nos, e, quem sab e, inviabi liza r

as

pe qu enas moradi as em área s qu e te ndiam a se r rap id a-

ment e ocupada s); eJÇ j&LCJ-ue JQQoole rr ~n o_ con st ru L ~o

fos se fechado por um m ur o o u g ra dil .

T rat and o da s condiçõ es q ue dev ia m sa tisfazer os pré di os

a co nstruir ou rec onstru ir, regulam enta va as fachada s, a s

pare des divisó ri as de pr édi os contíg uos, os alice rc es , o s

materi a is de co nstrução empreg ados , o areja mento e a

vent ilação , a altura m áxim a dos prédios em relação à

HABITAÇÃO E ViZINHANÇA • 147

largu ra das ru as , 'a col ocação de res er va tórios de água,

encanam ent os de esgotos , lat ri na s etc.  

S ubm eti a-se a pos sibilidade de no va s c onstr uçõ es a os de -

sígni us impostos pelo poder públi co, na espe ra nç a d e re gu la r a

intim idade e a pr ivacidade das residência s m edia nte os pa-

d rõ es s ani tários de in fr a-estrutur a , o q ue e ncarecia os custos ,

limitando o ro l de p ro priet ários capaz es d e c on stru ir . O âm bi -

to pr ivado dev ia ser explic itamente diferi do do públi co , p or

meio d a e xi gê ncia d e g rad is e m uros, ao mesmo tempo qu e se

con tinh am vizin ha nças popu lares am plia nd o a s d im en sõ es

m ínim as do lote , o que se ali ava

à

in terdição das casas térreas

no centro e na Z ona S ul.

O d ese jo d e e sp argir as ha bitaçõ es c iv ilizadas  pe la cida -

de chegava à

qu intessência

n os a rr abald es liw rán eos , onde se

materializav am as cara cterístic as d o h abitar aerado e

higiêni-

8. Loca d e prornenades c co rso s

e le gant es ,  

[ardins

d a e n se a da

do Bot afo go eram esp aço : pu b li ca s

cujas no rmas de uso

P

CO r/dura

acabaram por

res tr ing ir

 5 us uár ios

a um gru po se leto,

  aviuzudo  .

As praias ca riocas -- púb licas por

exigê nc ia legal -o {-asSU rt urn gr and e

pa rte do s éc ulo XX

ccr cad .is

pur um

grad il

iguaímeme

SUTi e

invisivel

(A ven ida Be ira-M ,», enseada

do Botafog o, R io do : laneiro  s. d. )

 f

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1 .18 •

HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO iASll 3

;.; cJS eg uin do trad ições que já vi nh am do reino e do Im pério ,

solares e p a la ce tes eram erguidos em m eio a jardins, muito s

d eles iso lad os e m se us lo tes e p ro te gid os p or e xten so s grad is

de f er ro q ue a fa st av am se us f ro ntis píc io s f austo so s e a in tim i-

d ad e d os m or ad ores do movimento das ruas.

20

C omo quase

todo s os vizinhos edificavam - e comporta vam -se - de ma-

neira semelhante, chegava- se à pos sib ilid ade d e ha bitar en tre

iguais, nu ma g en era liz aç ão d e alcance  público  advind o dos

p adrõ es d omés ticos e privado s homogêneos .

_ A m ig ração das elites para os bairros ao sul da cidade

assegur ava-lhes distânc ia da  pr om is cuidade  da s áreas ce n-

trais e da s adjacências do palác io imperia l de S ão Cr istó vão ,

o nd e m uitas re sidência s outrora distintas ha viam sido trans-

fo rm adas em casas de cô mo dos, ou avizinharam- se à s in dús -

trias qu e se in stalava m na re gião . M esmo a m o ra d ia do s mor-

to s elegantes deband ava do s an tigo s cem itérios terceiros do

Caju e Catumbi, inse ridos em bairro s claramente populares ,

para o C emi tério S ão Jo ão B a ti st a, no Botafog o, co m sua

vi zin hança sofisticada.

A ânsia de ass egurar vizinhanças homogêneas atingiu a

pr ópria sede do governo nac ional, que

havia se des loca do

desde 1897 do Palác io do Itamaraty pa ra o Palácio do Catete,

antiga res id ência do s barõe s de Nova FriburgoY S ituado na

ru a la rg a de S ão Joaquim, o pa lacet e adquirido à marquesa de

Itamara ty em 188 9 localizava -se em meio ao oceano de ha bita-

çõe s co letiv as qu e povoava as freg uesias imediatas de Sa nt a

R it a e S anta na , a metr os do própr io Ca be ça de Porco , vizi-

nhança por demais incô moda que in clu ía, nat ur alm ent e, o

Ministéri o da Guerra, exces sivamente pr óx im o.

A s am enidades do vetar sul da cid ade foram consid er a-

das mais de ce nt es aos despa chos presidenc iai s d~ R epú blica,

iro ni cament e re alizados sob os teto s er gui dos com a fortuna

de um dos ma iores pro prie tár ios de escravos do Império . A

se de do E xecut ivo nac ional abandonava o equ ilíbr io neo clás -

si co do solar dos Itamaraty para alojar-se no lu xo os tent ad o

p elo n eo maneirismo veneziana do palácio dos Friburgo -

u ma c ur iosa R epú blica que se abrigava em sím bolos da titu -

lada elit e im peria l e q ue não se di gn ari a jam ais erguer para si

um palácio enq uanto perm aneceu se diad a no R io de Janeir o.

A s boas  cas as do re gim e ant igo pu deram ser - às es câ nca -

ras - as r es id ências dos repu bli can os at avi stas , qu e se guiam

HABITAÇÃO E VIZINHANÇA • lA9

os pa ssos das elites escr av ocráticas em d ireção aos palacetes e

vil/as

da Zon a Sul.

E não eram apenas essa s as r em in isc ências trazidas do

Império a a lim enta r as pretensões da s elites refo rm ado ras e

ex clusivas. Petrópolis permanecia como referência de bem

vi ver, uma pequena E uropa serra acima, o rn ad a d e ela bo ra-

das moradias neo clá ssicas e ecléti cas, e iso lada dos calores e

epidemia s tropicais do R io. 

M ai s do que uma refinada f an ta si a e ur op éi a, P et ró po li s

era ainda um a cidade de p ob re za q ua se i nv is ível, e cli ps ad a n as

dependências domést ica s do s pa lacetes ou no co m ér ci o r es tr i-

to . I de al , p aradi gmática para as ment es que, desterradas no s

trópi co s, im ag in avam po de r  civilizar   as ca pita is d as antigas

pr ovíncia s e a pr óp ri a sede nac iona l se gundo os ditames da

sonhada Eur opa, Petrópolis transformou-se em espaço.m ítico

de um prese nt e repu blican o l iv re d os i nc ôm o do s h er da dos do

passad o es crav ista qu e embalava o R io de Janeiro, e que expu -

nha as maze las e vi zinh anç as da po breza em todos os pontos

ce nt rais da cid ad e. S an ead a dos convívio s bárb aros e aviltant es

à s amb içõ es dos dir ige nte s repu bli cano s qu e ver aneavam no

alto da ser ra da Es trela , Petró po lis transitou do Impér io à R e-

públ ica co mo lemb ranç a pr ecio sa dos  bons tempos dos Bra-

ga nça, em que ca da u m d os viv entes sabia seu  lugar - me s-

mo qu e tal lugar fosse bastant e fluido em cad a um a da s

movimen tadas ru as da ant iga corte , ataca das a p artir de 19 04

pejas de mol ições e remoç ões de Pereira Pa ss os.

O s sonhos de civilização emergiam, serra aba ixo , na c on-

sol idação dos ba irros refinados da Zona S ul ca rioc a, re fúgio

cad a vez m ais ac ent uad o de espa ço s pr ivados se melhantes no

ab urguesam ento, avizi nha dos na mesma harmonia mítica de

Petrópolis. A intenção de as se gur ar a implantaç ão de área s

res ide ncia is homogêneas arti culav a-se ainda com as grandes

obras pública s da área centr al. In úmeras propr iedades priv a-

das, inclui ndo re sid ências de tod os os se gme ntos sociais, fo-

ram sub met idas à in tenção de def inir logradouros espec íficos

pa ra a c ircul aç ão , em que a ocup ação de ruas e av enidas de-

via ex pulsar as antigas prática s de pe rmanê ncia do s qu e se

aloja va m ou trabalhava m nos espaç os púb li co s.

A av en ida Cen tra l. depois ren ornea da R io B ra nco em

home nagem ao barão que de fin ira os tam bé m confuso s lim i-

te s geogr áficos do Imp ério e da R epúblic a, aparecia com o a

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8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil

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15 0 • HISTÓRIA DA VIDA PRIV,\DA NO BRASil 3

9 . C on t emp lando O vale

d as L ara n je ir as , o p al ac ete

da  eminência pa rda   d o p o de r

presidencia l, a ss en ta va -s e o nde

m oravam rico s ClIr ioc as d es de

 

t em po s d e d. João VI. (Palacete

Pinheiro Machado (morro

da Graça), R io d e lanci ro , s . d )

mais emblem ática das no vas artérias sur gid as do bota-abai-

xo, in sp ir ad a n os b ulev ares pari sienses e na av eni da de M ayo,

q ue p re si dia desde 18 94 o c en tr o abu rgues aclo da rival B ue-

no s A ires , ca p ita l q ue nos prim eiros ano s do século x x ultra-

passara o R io de Janeiro com o p rin cipal centro portu ário

sul-americano.

- .yA nova avenida co roa va as in tenções de rcd efin içã o da

antig a rela çã o e ntr e es paço s púb lic os e privados na ca pit al da

R epúblic a.D fausto das co nstru ções in stitucio nai s e pa rtic u-

lares consagrava-lhe novo s ritm os espac iais, tud o pat roc ina -

do diretam ent e pela U niãQ )que ence tava no cen tro da capital

o símb olo do contro le do s e sp aç os p úb licos, abert os à s cu sta

da violen ta submiss ão das propr iedades privadas aos proce-

dimento s desapropriadorest.Os an tigos ocu pan tes das ruas

ap ertadas e baru lh en tas da ár ea central, os m esmos que se

beneficiavam do  tumulto e da  des ord em  , dev iam se r ex -

cluí dos do s no vo s logra dou ros públicos . R eservados para

aq ueles que soubess em se comportar dentro de padr õe s de

 civ ilidade , as novas art érias expulsavam - em tese - os

m iser áv eis do R io, privati za nd o pa ra as elit es e setores mé-

dios um es pa ço, em princíp io , comu m, público '~

A co ncentraç ão do suntuoso conjunto form ato pelo S e-

nad o Fede ral (Palác io Monroe), pela Bibl iotec a [aciona l,

M useu N acional de Belas -Artes e pelo T eatr o M un icipal na

extr emidade sul da nova avenida indicava o tam bém novo

co ra çã o da cidade. O centro a go ra voltava-se para os bairros

res i de nc ia is n o s l ad os da enseada de B otafogo e do A tlântico ,

cr ia nd o-se o eixo qu e enlaçav a as re giões en f im subord in adas

à no va gram átic a entr e os espaç os públicos e os privados

ambic iona da pe las elites reformistas. 

Davam -se as costa s pa ra o c ampo de S antana, S ão C ris -

tóvão e os bairros em volta do E ngenho Velho, lembrança

mo nárquica cheia de solar es decadente s. O Norte da cid ade

er a de ix ado ao s médi os , aos m iseráveis qu e eram ex pulsos

da s res id ênci as c ol et ivas demolid as na área ce nt ral, e à s leva s

de car ioc as e im igrant es qu e pod iam insta lar -se nas casa s

mod esta s d a z on a s ub u rb a na , cre scent e ao lo ngo das estradas

de ferro Central, L eopoldina, R io d 'Our o e Me lhoram entos

do B ras il.  Com as verb as gov emamenta is canaliza das para

as ref orm as portu ári as e para o Iausto do s alargamen tos e

ate rr os a jar dinados no cen tro e nos bairro s sulin os, re stari a

aos subúr bio s in ic iar décadas de reivindicações para a infra -

es tru tura de casa s e ruas, e soluçõ es pa ra o transporte entre

os em preg os, na s áreas centrais, e as di stantes moradias qu e

se gui am a sa crifican te geo gr afia da lóg ic a e spec ulativa:   Em

ru as da cidade e ru as de seu s subú rb ios m ais próxim os , aos

q ua is o mun ic ípi o já deu tod as as vant ag en s que pod ia d ar ,

encontra m-se a cada pass o ter renos desabitados. E m com -

-

-----------_--..~------------_._-----

HABITAÇÃO E VIZINHANÇA • 15 1

10. E la:  Vo cé m e d is se que is to a q ui

era uma terra ci vi lizada ... M uito

bo ni ta civ ili za çã o. An tes o m eu

a rr ai al do se rtã o Qu erem arr asa r

o m orro? Po i s a r ra s em,

rtI  5

s e n ão

há c as as , f aça m b arra c ões p ara

a ge n te pobr e Is t o a s si m

é

um a

po uca v er go n ha de

de sajoro,

qu e ,

se eu f os se h omem , h avia de pi nta r

o diabo I le: C al a-te , mul her 

Cala-te

e

vai p ux and o c om (/ t ro ux a

Isto aqui é com o e m to da a pa rt e: .

tratam-se o s ricos nas pa lminhas

e

 

po bres a os

pont apés

M as o dia

da nossa v inga nça h á d e ch egar. Ol á,

se há de ... A q ue le s d esaloj ad os p el as

refo rmas cariocas que não toma ram

o ru mo d os s ub úr bi os, e stabeleceram

su a pre se nça r enegada na s fa ve las,

que s e e s pa lhar am r ap id a me nte

pe lo s m or ro s

I/Q

Zo na Su l carioca

já na década de 10. (Descendo

o Castelo, 1905 )

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152 •

HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO BRASil 3

pensação, no s b airr os m ais rem oto s, a con struçã o é inces-

sante ,

Q uan to m ais long e ficassem as populações - e suas

h ab itaç ões - e xp ulsa s p elas re fo rm as e se us a ge nte s, ta nto

m elh or se ria . A s plan ícies que se es tend iam p ara além do

morros do T el ég r af o , do P ed re gu lh o e d e S ão [anuário , e da

ser ra d o E ng en ho N ov o, p assa ra m a ac olh er p arte d as lev as

de m oradores que eram expelid os d as ár ea s m ais c en tra is

p e la s d emo li çõ es ou pela valo riz aç ão d os terreno s e pela es-

peculação q ue e sto cav a as á re as m ais p ró xim as d o ce ntro .

Engenho Nov o e d e D e nt ro , M é ie r, Ca s ca d u ra , I r aj á , P a v un a ,

B on su ce sso , R am os e d ez en as d e ou tros bairros foram aco-

l he nd o o s v as to s s e g m en to s m é d io s e e mpo b re ci do s, e nq u an to

aqueles q ue n em n os s ub úr bio s f er ro vi ár io s p od ia m h ab it ar

passav am a v a g ar p e las con struções q u e r e st av am de te r io r ad as

no centro, e m ru as im ed ia tas à s á reas do pro gr am a d e r ee difi-

ca ções :  A p op ul aç ão q ue se d e sl o ca v a n ão t in ha o nde mora r,

a lojav a-se aqui par a a m an hã de nov o, com a rm as e b ag ag en s,

se rem o ve r p ara um ou tro pon to . Fo i se af as ta nd o d o c en tr o .

qu ando os m eios d e fo rtu na o p er mitiam ; fo i s e aglome rando

no ce nt ro torn and o m ais peri gosa sua estadia, quando os re-

cu rsos o rdin ári os eram

parcos'. 

- A pr iori dade no embe leza m en to da s rua s e a rté ria s cen-

t ra is e d o s b a ir ros a o s ul pri nc ip ia va a most ra r a r ea l d i me nsão

da ca paci dade do poder públ ico em rea deq ua r os padrões ha-

bi ta cio na is, e a pr ópr ia am bi ção de san ear e zon ear socia lmen -

te a no va cap ita l redes enh ada . O s temores do f r ac a ss o d as m e-

didas sanitária s, i nf un da dos po rque de fato ela s lograriam

elim ina r a m aioria das doen ças epi dêm ica s e endêm icas do'.

R io, p renu nciav am a c on tinuaç ão e a di sp er sã o n ão d as pato-

log ia s b io lóg icas, m as daquelas temidas , as sociai s e h a b it acio-

nais:  l.. ão ex atam ente este s acúmulo s insa lub res d e mora -

dores po br es qu e t or nam impos sí ve l a san ificação c om p le ta d a

cidade . E le s já sã o a tualm en te focos epi dêm ic os. A té hoje, po-

rém , es ta vam co ncentrados em um pont o. A g or a v ã o irrad iar? 

A disp ersão das popu laç ões po bres deu -se realmente , e

em grand e part e, pelos subúrbios ao norte da cidade, m as

não foi esse o ún ic o ru mo daq ueles q ue e stavam sendo ex -

pu lso s pe lo bota-abaix o e pelas no rm as q ue p erse gu iam as

 pr omíscuas   habitações populares.

As

a ti tu d e s g ov ernamen-

tai s de ed if icação de moradias populares e ra m t ím id as -

.. J ~ Q . - ~ HABITAÇÃO E VIZINHANÇA • 153

del as s ão t este m un ho s o s conjuntos a in d a e x is te n te s a o l o ngo

da aven ida S alvador de S á - , levando os despejados a se

aco mo d ar o n de p u de ss em . Com o a constr ucã o de n ovo s co r-

tiços e est a la g en s e st a va p ro ib id a des de 1903, a s c asa s d e cô -

m o do s, que fo ram d es crit as c om O v er bo a ssus tador d e J oã o

d o R io , te nd ia m a e sp alhar-se ainda m ais pela s ed i f ic ações

vi zin has a o n ovo cen tro do comércio e do la ze r d a B el le É po -

q u e c ar io c a, a br ig an d o b oa parcela dos de sabrigados e e n fu -

recend o os an se i a s c iv il i zadore s:

S ão as ru as da C idade Nova, d a G ambo a, de Fr ei C an eca ,

qu e sempre fo ram a hab itu al r esid ência de ge nte pobre

as qu e h oje co ntin uam a se r p ro cu rad as e por is so se

enchem ainda m ais os cô modos qu e os minguados ven-

cim en tos do s operários permitem pagar.

E , assim re un ida, a glom er ad a, e s sa ge nte - tra ba lh a-

dore s, carr oc eiros, hom ens ao ganh o , c atra ieiro s, c ai xe i-

ros d e b o de g as, lavadeira s, cos turei ras de baix a fregues ia ,

m ul heres de vid a re les ent opem as ca sas de cômodos ,

velhos ca sarõe s d e m u itos an dar es, dividid os e subd iv id i-

dos por um sem -nú m ero de tapum es de m ad ei ra, at é

nos vãos de telhados entre a co bertu ra carcom ida e o

for ro ca ru nch oso . À s vez es , nem as di~isõe s de m adeira :

na da m ai s q ue s ac os de ani agem est endidos vert ica lmen-

te em se pt os, perm itindo quase a v ida em comum , numa

pr om iscuidad e d e h orro riza r. A ex ist ência

é

a li , c omo se

po de im agin ar,

detestável. 

________ iII:II•••••••. . __ ._.__

11 . Po lic ial:  Que é isto' No m eio

da ru a  Ho m em : Que

é

qu e

o

sen ho r qu er: nã o h á m ais casa s.

P ú bl ic o o u p ri vado' A cha rge

de 1904

apontav a o im prov iso

do  sa nea me n to  soc ia l d as á rea s

centrai s do R io de Jane iro du ra n te

a pr es id ênc ia de R od rigues Al ves.

(Po r causa das Avenidas, 1904)

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15 4 • H ISTÓ R IA DA V IDA PR IVADA NO BR AS IL 3

Para os cariocas que nem mesmo podiam pernoita r nos

casarões havia a possibilidade de ainda fazer bom uso inter-

pretativo de um dos artigos do código de posturas de 1903.

Os primeiros barracos de madeira, que desde a década de

1890 acumulavam-se no morro da Providência, a Favela , e

no de Santo Antônio (onde ocorreriam várias tentativas de

erradicação das habitações entre 190J e 1916), começariam a

se espalhar nos incontáveis morros cariocas, disponíveis em

todas as zonas da cidade, favorecidos pela flacidez do próprio

dizer legal:  Os barracões toscos não serão permitidos, seja

qual for o pretexto de que se lance mão para obtenção de

licença, salvo nos morros que ainda não tiverem habitações e

mediante licença ?

Os morros estavam por todo o Rio, e quase todos eram

desabitados; quanto às licenças ... essas puderam ser facilmen-

te esquecidas, ou mesmo contornadas. Quando ~orar n~s

habitações coletivas superlotadas alcançava um custo impos-

sível, ou as condições de moradia ficavam insuportáveis,

umas poucas madeiras e a complacência das autoridades

abriam novas - e p anorâmicas - perspectivas de habitação:

Para ali vão os mais pobres, os mais necessitados, aqueles

que, pagando duramente alguns palmos de terreno, ad-

quirem o direito de escavar as encostas do morro e fincar

com quatro moitões os quatro pilares de seu palacete ...

Ali não moram apenas os desordeiros, os facínoras

como a legenda (que já tem a Favela) espalhou; ali mo-

ram também operários laboriosos que a falta ou a cares-

tia dos Cômodos atira para esses lugares altos. 

Numa singular sirnbiose com as reformas da cidade, os

moradores expulsos pelas demolições alimentavam-se dos

destroços, extraindo dali os materiais de construção-que

acabariam perpetuando as vizinhanças que as obras públi-

cas pretendiam extirpar: O desenvolvimento das constru-

ções no morro de Santo Antônio acentuou-se no governo

passado, durante as demolições para a abertura da avenida

Central. À noite, desciam as íngremes veredas, para a cidade,

bandos de homens, crianças e mulheres, insinuando-se pelos

escombros, pelas minas das velhas ruas que desabavam para

nascer a avenida, c ali, com cautela desentranhavam paus,

vigores, tábuas, velhas folhas de zinco, tudo quanto mais a

HA BITAÇÃO E V IZINr tANÇA • 15 5

mão demorava, para vol tar, a horas mortas, organizando a

triste caravana da miséria. No dia imediato, ao romper do

_ sol, já mourejavam no desbastamento do terreno, para assen-

f.

1ar os alicerces de uma nova habitação .34

c . c' ~ Apesar de as habitações coletivas tradicionais serem con-

tinuamente perseguidas, sobretudo na área central, nos bair-

ros da Zona Sul e na distante Copacabana - onde al iás exis-

tiam alguns cortiços já antes de 1905 -, asfavelas acabariam

sendo toleradas. Com uma rapidez impressionante, os barra-

cos foram erguidos por todas as regiões mais urbanizadas do

Rio de Janeiro, inclusive naquelas escolhidas pelas elites para

morar em  boa vizinhança': solapando os sonhos da gestão

Rodrigues Alves.

Os 219 barracos da Favela da Providência e os 450 do

morro de Santo Antônio estavam, já em 19l3, ao alcance do

olhar de qualquer um que estivesse nas esquinas ou janelas

das novas ruas e avenidas afrancesadas abertas na década de

1900: aqueles a metros da nova avenida Marechal Floriano,

principal artéria transversal à avenida Central, e estes coroan-

do ?s céus do largo da Carioca, um dos pontos de circulação

mais

elegante da capital. 

Vozes na imprensa encarregavam-se de renovar os pre-

conceitos contra a ameaça que vinha das novas formas de

habitação dos miseráveis cariocas. Controladas as epidemias

na década de 10, o s apelos do sanitarismo já não eram cabí-

veis pa:a as vontades que queriam expulsar as populações

pobres Junto com as habitações infectas. Mas, afinal, o que se

podia fazer? Se a Favela era descrita como  uma vergonha

para uma capital civilizada  e antro de facínoras': era tam-

bém impossível ignorar que a República dos fazendeiros es-

quecia-se de promover as reformas sociais que suportassem

as exigências feitas pelo Estado aos

novos

cidadãos. Na au-

~ência desse cuidado, a existência de miseráveis - maciça e

IDcontornável- possibilitava que eles agissem como pudes-

sem, ou quisessem, lutando pela sobrevivência nos empregos

e funções instáveis disponíveis por toda a cidade.  Perto de-

les exibiam a morada de suas misérias aos olhos ansiosos pela

 civilização , numa vizinhança que as autoridades foram ins-

tadas a aceitar:  Tanto na Favela como no morro de Santo

Antônio moram centenas de trabalhadores, gente honesta,

digna de consideração dos poderes públicos, e que só se foi

-.-- .c:••••. _

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156 •

HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO BRASil 3

I

i

j '

I

I

meter nos tão m als in ad o s c as eb re s p orqu e não enc on tr ou ou-

tras hab ita çõ es [ ...] C uid ad o, C alm a, Prud ên ci a s ão de bom

conselh o n es sa s c o njunturas a pe rta da s, e m q ue o p ob re tem o

d ir ei to d e ex i g ir q u e se lh e r esp eite a p róp ri a m i sé ri a, causada

principal me nt e p ela in cú ri a d o s

poderosos'. 

Num tem po em que apenas trens e b on des prec ários

s er vi am a s p eriferias longínquas - a o q ue se so mav a a q ua se

intransponível topografia carioca - como es pe rar ho ras e

hora s p or em pre gad os? O s m orros e b re jos d o c en tro e da

Z ona S ul acab aram sendo a resposta cômoda para as elite s

habituadas a ag ud as e xp lora ç õe s s o ci a is. A f in al, a convivência

p ró xim a e ntre s en zala s, c o lô n ia s e s al õe s senhoria is est av a n a

m em ória d e m uitos. A pobreza acabou por avi zin har- se ao

lux o d as residências aburguesadas: a metros do s qu inta is e

jar din s f ra nceses da rua de S ão C lem en te, no B ot af o go , sub i-

ri am ano s dep ois os ba rr acos do morro D ona Ma r ta.

M a l a c ab a v am as gran des demolições e ex pu lsões da ges-

tã o R o dr ig ues A lve s, já com eç ava a su rgi r a m aio r p arte das

fave las do ce nt ro e da Zo na S ul do R io de Jan eir o. E m 190 7 ,

enc on tram -se referências a ba rracos no morr o da Babil ôni a,

se guindo -se o aparecim ent o das fa velas do S alg ueir o (190 9) ,

na T ijuca , e da Mangue i ra (1909 ), no morro do T elég ra-

fo , loc aliz ado at rás da Q uin ta da B oa V ista . Já em 19 12 e sta-

vam em m orros do A nd araí, em Copacabana e no L em e, e

tam bé m no mor ro de S ão C arl os , no

Es tácio.

O morro dos

Ca brito s, entre Copacabana e a lag oa R odrigo de Fre ir as, já

ab ri gava barr acos em 1915 , e em 1916 havia favelado s tam -

bé m no morro do Pas m a do , c oroan do a paisag em d o B otafo-

g o, e no s s ub úrb ios ao norte da cidade. 

A ex pansã o da s popu laç ões fa ve lada s avanç ara no se io

dos b airr os de pa lac etes , m arc and o a pai sagem e arruinand o

as ambi ções de afa s tar as vi zinhanças empobr ec id as . O fra-

ca sso em forjar vizin hanças homogêneas no R io de Janeir o

p a ss av a a c on so lidar-s e no m es mo momento em q ue fortu-

nas de rec ursos públicos eram des tin adas espec if ic am ent e à

expu lsã o da s ha b ita çõ es popu la res das áre as cent ra is da c id a-

de . A in tençã o de  civil izar » os conví vios , e di sci p liná-I as po r

m ei o do co n trole da habi tação e da s v izin hanças , não lograva

re su lta dos efic ientes nem na cap it al do paí s.

O s resultados sati sfa tóri o s para as am bições  sa ne ado-

ra s» das elites fo r am f ra gm e ntado s, assim com o o fo ram as

-------_._----------------

HABITAÇÃO E VIZINHANÇA • J

57

 

2. Em

 

907, po li c ia

e san itarist as já

ttl5uiavam

um a

un iã o - inúti l - sub

41 bflll lrü

d e P er eira Pa ssos e Ü swald o Cr uz

co ntra o s ca sebres do s m urros e sua

 malta de desceu psdos  

(Saneamen to dos morros,  

904)

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158

HISTORIA DA VIDA P~IVADA NO BRASI, 3

I

i

 

to rnara o a pe li do da fo rma nova de habitar dos m iseráveis

nos espaços pri v ileg iados da c id ad e:

E u lem bro este alvitre a men os que não queira o Gover -

no ser ob ri gado a jugul ar um a rebeli ão franca mente po-

pu lar, ca usada pe la ca rência e carestia da s casas. O m e-

nos pres tigio so dos agita dore s polí ti co s lev ant ará , no di a

em que quiser, toda a população dos bairr os m iseráv eis

da cida de, hom ens, m ulh eres e c rianças, se desfra ld ar

es ta bandei ra.

S e o s senh ores repr ese ntantes da naçã o pensarem um

instante nos efeito s dessa formidável sub levação , de que

não tem notícia nem conh ecime nto o R io de Jan eiro ,

não hes ita rão em votar um a lei que dê ca bal solu ção a

esta cri se que atr avessa a p opul aç ão pob re.

E para pe nsa rem nisto, basta que pe rco rr am , um dia

ape nas. estas zo nas da suburra car ioca, para pe rceb erem ,

co m o já tenh o eu pe rce b ido, os primeiros rugidos da

tempestade próxima. 

- A s palavras enfát icas d o e ng en heiro E ve rard o B ackheu-

ser . sec re tário de u ma c om is são de inquérito co nvocada em

190 5 pelo mi nistro do Interior e Ju stiça , J . J . Seabra, a fim

de propor soluções pa ra a crise habitac ional, foram publi-

cada s m eses depois d o e st ou ro da R evolta da Vacin a. em

no vemb ro de 1904, e lembr av am enfat icament e a perigo-

sa lacun a das obras ref orm adoras da gestã o de R odrigue s

A lve s.  S e a maior parte do s ca rioca s aca baria send o em -

pu rrada par a os s ubúrbios se tent ri onais da cida de, não se-

ria po sível, afi nal , descartar uma vas ta po pulaç ão re sidu al,

que se acumularia nos cortiços e morros, pressio na da pela es -

pecu laç ão,

pe la ausênc ia de infra-estrutura de loc omoção e

pela pr ópria incapacidad e das elite s dirigentes em prom o-

ver um a política habi taci on al d ireta qu e ga rant iss e sua am-

bição saneadora. A lei qu e so luc ion asse a press ão popu lar

por moradia s, qu e des se  cab al solu çã o a esta cri se - ja-

ma is v iria a ex ist ir . A ini ciativa de constru çã o, po r pa rte do

E stado , de co njun to s de mo radias durante as ref orm as car io-

ca s fo i

ex ígua,

ac umu lando uma demanda qu e vo ltar ia a ser

at endida anos depois , no R io e n as d iv ersa capi tai s do país

que so friam pr oces so s de exclusã o hal itaci onal refe rencia-

dos na exp eriê nc ia carioca.

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Rr U l1c ol o, l,arraco1 e tiS IIálJllOs

  bá rbaros dt seus Htor ad (lr eS Ullll

s e lilllitavom apenas

ao

 csc à/lda lo

do

mor ro

de

SunlO

AIlfÓlllO - j.i ,<

IIvi: m ha vml l aos jardins do Ro /(/.r,,~

e à ave /lida Atlân tica. (.'\ , nodoa.

do Rio - hairros para tJrlu\

dos morros, 1916)

atit udes e idéi as apropriada s das socied ade s e ,os modelos de

adequacão ur bana tomados dos paise s hegemont cO s. ~ r,eno-

va ão do pa ís esb arra va nas carac te rísticas de conv lvenc a

he

Ç rda da s de se u passa do co lonial e imperial . de s~a

in serç ao

, . 's nternaC lo-

secun dária nos sistem as po htlco s e ec onom lCO

I

 1 . .

na is be m com o nas estra tég ias a q ue rnuitos brasi erro

l l-

nh arn se acos tu mado para enfren tar os ag udos reg im es de

exc lu são soc ial, ec onômica e polí tic a. .

A ind a que a R ev olta da Vacin a tenha S Ido tota lm en t~

debelada os pr oj etos de exclu são social e espa CIa l em preen~1

dos na c~pit al da jov em R epúbl ica foram , com ce rteza, abad a-

do s pelo grito de al erta das popu laç~es q ue e ra m .~ a_Ivo a~

efo rm as da B elle Époq ue carioc a. A s co- de penoenL la~ 50

~i ai s qu e já fo rçavam viz inhanças heterogêne as n~ pr oP:la

Zo n~ S ul so mava -se a força do pâ nico gerado pe la ll1S ur?el l-

cia qu e tinh a de vastado a ár ea c en tral e o s bairr~ s portuanos

vi zinhos ao m orro da Pr ovid ência - ber ço da Favela, qu e se

I

HABITAÇÃO E VIZINHANÇA • 159

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8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil

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I. B ar ra da T iju ca

2. F lores ta da T iju ea

3.

P i co d a T i ju c a

4. Ped ra do A nda raí

5. Fave la do Borel

6. Favela da Mangueira

7. M ar acanã

8. S ão C ri stóvão

9. T úne l R ebouças

10.

Tune l Sa nta B árbar a

11 . Av .

Preso vargas

12.

Central do B rasil

13 . M orr o da Providência

14 . Saúde e Ga mbo a

15. Ca beça de Porco (demo lido )

16. C ai s do Porto

17. A v. Ri o B ra n co

18 . A erop ort o Sant os

Durnon t

14 Flarn engo

20. Bo ta fo go

21 . Pã o de Aç ucar

22 . Leme

23 . Fa vela Chap éu M ang uei ra 

Mo rro da Ba bi lônia

24. Copacabana

25. Fav e la

Santa Iar ta

26. Cor cov ado

27 .

Favel a; do C antagalo,

Pavao/Pav ãozi nho

28 . Favela da Catacumba (dem olida)

29 .

Ipanema

30 . Favela da Praia do Pinto (dem olida )

31 . Le bl on

3: ' . Fave la do Vtd igal

33. F avela da R oc inh a

34 . Sã o Conrado

35. P ed ra da

G ávea

3 6 . M o rr o D o is

lnnãos

37 F a v el a do Pas ma do (dem olida)

38 . La ranjeiras

3q. Fave la

do

Ca tumbi

40. T liuca

4 í • Favela do Satguc irc

 l Qumta da Bo a Vi sta

4J. M eier

14 .

Pr ime ir a c ap ital da /{epúblic 

e cidade-esta du, o RIO de Ja ne ir o [D i

alv o, duran te grand r pa rte do secul ,l

XX, de nu me ros a s re form ,,-, c plL lT los

u rba n íst ico s, qu e a  um estab elec er

li m a ge ogra fia u rb ana e so c ial

exc luden te, ali cerçada na dls ribuiçl iu

dos e sp aç os e propriedades pr ivada .,

de sru s d iverso s segm enw s SOC IU I;

em bairro s d if erenc es e di sia -ue s.

A s fav ela s, su rgidas já

na pr ime ira década da Re púb uca ,

mu ltipl ica ram -se no C entro e r1 ~ S

ZO llLlSN orte e S ul da cidade -- um a

vi:  .~h ança fo rçadu qu e dnbl ou

as aut or ida des e reprodu zIu em cada

um do; ba ir ro s c ari o ca s um

micrcco-m o da SOC Iedade br a sileira .

(Vista em vôo de pássaro -

Rio de Janeiro, 1997)

fJ

I

I

lí 

\

\

- ,

--------~~---~_

._

-

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162 .

HISTÓRIA DA V iDA PRIVADA NO B RA Si l 3

15 , 16 . As pr im eir as pr op osta s c

pr ojet os de cor tS truçao nW5sijicad a

de mora dias pop ulares alcança va

e re gula va os mora dores no in terio r

de seus la res, med iante a defini ça o

de cad a um do s côm odos

reside nciai s .

(15. S r.

Schroed er,

Ca sa

das Operár ias, R io de Janeiro,

s. d. ; 16.

 

C. S . Barc elos, Planta

de ha bitação popular , s. d.)

  i

i,

i

I

i

í 

f .IO~JANEIRO ,ACOSTO

tgo~

_,,>Asdificuldades geradas pela experiência fragmentária e

irresoluta das reformas urbanas do Rio de Janeiro repercuti-

riam nas maiores cidades da República, que tentavam repro-

duzir nos estados os modelos europeus ou cariocas de reade-

qu ação espacial. E se já havia sido trabalhosa a obtenção dos

imensos financiamentos que pagariam as reformas cariocas,

no Recife, em Salvador e Porto Alegre as dificuldades foram

ainda maiores - tanto para implementa r intervenções que

livrassem as cidades das epidemias e da  promiscuidade en-

tre espaços públicos e privados, quanto para homogeneizar

vizinhanças ou assegurar a exclusão das moradias populares

do centro.

Os jornais da capital gaúcha de ixam, por exemplo, entre-

ver uma cidade tomada pelas sobreposições de convívios so-

ciais semelhantes àqueles que estavam sendo combatidos no

Rio de Janeiro. Uma not ícia de 1898

é

clara no ataque à

antiga justaposição social, a qual permitia que habitações

completamente díspares se alinhassem em ruas ou quartei-

HABITAÇÃO E VIZINHANÇA •

163

HABITAÇÕES POPULAR ES SAL UBRES, ECONOMICAS

SfRIES EM 'PER FIS DE IIITfADOS

. 'F..SC AL A-1:: I()O

 . ._ . _

. . .. . . . . . .. . .• . .. . • . .

_ _ ._------- . • ._

rões próximos, a rranjo que era o mesmo em todas as cidades

brasilei ras de então: .

A moradia em porões

é

de necessidade urgente proibir,

mas de modo terminante, sem transigências. Os pseudo-

filantropos, proprietários de porões e cortiços, pergunta-

riam logo: mas onde irá morar essa gente pobre?

É

fácil a resposta. Há 4 anos dificilmente encontrar-

se-ia casa grande ou pequena mesmo em arrabalde; ago-

ra não existem menos de 400 em disponibilidade.

O s

arrabalde s es tão aí , e devem ser ha bi tad os pe los pro letá -

ri os . N a ci da de propriamen te dita , só dev em resi d ir

 

qu e

podem suje itar-se às reg ra s e pr ecei tos da hi gi ene .

Ora, num porão ou cortiço, não pode haver asseio e,

conseqüentemente, a higiene desaparece.

O que resulta desta aglomeração de indivíduos sujos,

sem escrúpulos de ordem alguma, é a infecção atingir os

_-----------------------------

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16 4 • HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA Nú BRASil 3

I

I

I

I

I '

asseados, porque de n ad a serv irá que o m ora dor do p av i-

m en to superi or pratiqu e tu do a bem da saú de , se e le tiv er

n o i nf erior ou m esm o do lado um viz in ho im und o.

Condenar os porões in totum, proibindo a moradia

nos piores, e elevando a décima nos melhores, será um

passo enorme no sentido do saneamento da cidade. 

A voz do jornal podia ser o libelo de qualquer um dos

programas de reformas urbanas do início da República. O

discurso sanitário, higiênico, endossa a intenção de livrar a

cidade dos seus convívios patológicos , numa medicina ur-

bana que expulsasse aqueles que não podiam se enquadrar

nos preceitos apropriados dos modelos burgueses da Europa

e dos Estados Unidos. Repetiam-se no Rio Grande do Sul as

mesmas intenções praticadas no Rio de Janeiro, visando en-

quadrar a capital gaúcha no padrão de controle necessár io às

cidades portuárias integradas nas redes capitalistas, aptas

para receber os fluxos internacionais, tornando-a digna da

projeção econômica de celeiro e centro do charqueado brasi-

leiros.

Grandes edifícios públicos passa ram a pontuar a paisa-

gem de Porto Alegre nos primeiros vinte anos do século, sem

que houvesse fôlego para uma intervenção drástica no tecido

urbano e na geografia das habitações e setores sociais. Edifí-

cios administrativos acabaram sendo, durante a Belle Épo-

que, os grandes marcos da intervenção oficial na cidade, que

viu a maior parte de seu Plano Geral de Melhoramentos,

criado em J914 pelo engenheiro João Moreira Maciel, ficar

apenas na

planta. 

O vasto plano de ajardinamento, reti6J;açãO de ruas e

abertura de..avenidas citação evidente das reformas de.Paris.e

d.Q..Rio de Janeiro, seria implem~~tado apenas aQ_lO..Qgº-

década de

20 ,

e ainda assim parcialmente. A abertura da ave-

nida Júlio de Castilhos foi a maior obra realizada, correndo

paralela à linha central de retificação do cais do Guaíba. Asse-

gurou-se a ligação do centro com os bairros ribeirinhos a

sudeste do núcleo da capital, os quais concentrariam mais e

mais a população operária que começava a se avolumar na

cidade. Asparcelas privilegiadas da população local se estabe-

leceriam ao longo do es pig ão da cidade, nos novos lotearnen-

tos que tinham a avenida da Independência como eixo de

HABIT AÇ ÃO E VI ZINHANÇA

16 5

expansão e circulação. Propiciava-se, assim, a diferenciação

de vizinhanças necessárias às idéias do habitar civilizado, o

que as habitações e confrontações heterogêneas da área cen-

tral não permitiriam concretizar.

Nasgrandes capitais nordestinas, Salvador e Recife- ter-

ceira e quarta cidades mais populosas do país em J 90 0 _44

as pressões demográficas ocasionadas pelas migrações do

Agreste e do sertão, assolados pelas secas, tendiam a multipli-

car as vizinhanças heterogêneas, comuns nas habitações justa-

postas de suas áreas centraisl As elites dirigentes que sealteQ2..a-

vam no poder proÇ  faram, ao longo das primeiras décad~do

.séG@ , aparelhar as cidades segundo os ms>d®llUIOpeus e

cariocas, lutillao Ilara..evitar_a_p_érdaa pmje_çã..Q.na_ciollal_que

atingia havia décadas a Bahia e

Pernarnbuco .

Era

irnnres cin d i-

ve l

q uÚell vrassern.as.capitai.s._çl~s p

ecá ri~ ~

cO ldi0~i higi

êni -

cas ~g l_e_estavarn..submetidas,-poisestas e~pantavam as

possi-

bilid9-

d

es de.incrementcnas ativic aç ~$jnd-~tri~~,~-ªTeJando

também o Qa~l desem~nh~ldº-p_or..saly-ªd.uu_B.~ctf~de inter-

m~iadores..2ortuários~uas respectiv~_~reas de abra~gêl -

cia.no.Nordeste.

Com bairros extensos e populosos construidos desde os

séculos xvru e XIX, as capitais acabavam apresentando a~ mes-

mas precariedades sanitári as do Rio de Ianeiro, As condições

17.

Leõ es de

ch ácar a v izm ho s à

Vi la

Doia . em P or to A le gre, lembram

a ne cessidade d e s er em b e 1 z ..vi nd os

 

visitantes.

(c.

19()f , )

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166 •

HISTÓRIA DA V ID A PR IVADA NO BRASil 3

18. Do Ca mp o Grande à Vit ória ,

o re nque de pala cet es da avenida

Set e de S e te m bro garantia

a homo gen e id ade de vizinhanças ,

im pos sív e l nos distr i to s cen trais

da ca p i ta l b a ia n a . (A ve ni da S ete

de S e tembro (S a lvador), Bahia ,

c.

19 0Ó)

 

I

I

\

i

I

i

1 - ·

I

d e h ab it aç ão e ra m e sp ec ia lm en te indesejáveis, pois os alto s

so br ado s d as rua s m a is c en tr ais tinh am elev ado índice de

ocupantes e dom icílio s, versões locais da s cas as d e c ôm o dos

do R io de Jane iro . A lvo privilegiado das refo rm as u rb an as

ef etuadas n a R e pú blica V elh a, o s b air r os c en tr ais d e S a lv ador

e Recife sofr iam as cos tumeir as ac usaçõe s de conc ent rar po-

pulações con tag io sa s, q u e se riam cap az es d e a me aç ar a p ros -

peri dad e da s cap itais em razã o das rn íseras e pr om íscuas

co ndições hab ita cio nais em que v iv iam , de ond e es palh ari am

sua s m aze la s pelo restant e das ci da des . A s demol iç õe s fo ram

novam en te a so lu ão fT  .aisad o .~ d- - ª-.2e .9_apareihõst a ta l p;rra

Úvrar .as cap itais dQHO .llvívjosg~ e_m~~lavaJ~ .~ a~~9sa s-

e set ores so cia is - e qu e faz iam das cidades, a inda no séc ulo

xx,

o asp ect o v ív ido do pa ssa do urba no co lonial e imperi a l

que os di rigente s republic an os queriam a todo custo

abolir. 

A s p ri m eiras reformas em S alvad or acumul aram -se em

J 90 6 e 1910, priorizando a C idade B aixa. A in tervenções

concentraram-se so br etu do n a ampl iação do cais e na aber-

tu ra d a a ve nid a [equitaia , para facil ita r o aces so a Penha e

M ares. H ouv e ta m bé m várias demolições de casaria nos d is-

trit os do Pilar e C on ceiçã o d a Pr aia , v i sa n do ao c om b ate da s

epidemias que se di sp ersa va m pela cidade a p artir da áre a

portuária , p on tuada de habitaç ões populares. 

Á reas tradic io nalm en te ha bitadas pelas elit es du ran te o

período co lon ial, o s d is tr it os ce ntrais da C ida de A lt a v in ham

já faz ia algum as décadas perdendo os moradores de m aio r

pod er aqu isi nvo , m igr ados para os ba irros em direção da

venti lad a barra da b aía de T odos os Santos , oc upados pelas

c há ca ra s d e ingleses de sd e os pr incípios do sé cu lo

XIX :

S eme-

lh an te a os arrab ald es ca rio cas de La ranj eiras, C osm e Velh o e

B otafo go, a áre a c omp reendida pe lo Ca mpo G ra nde , V itóri a

e G raç a, e ainda G arcia, C an ela e B arr a, acabou por at rai r

pr ogress ivament e os m orado res a ba sta do s d e S alva dor, que

passa ra m a se in sta lar em cas as e palacet es cercados po r j ar -

d ins, recu os e gradis que os afa stavam do convívio dir eto

co m o movim ent o das ru as . A ba ndonavam as casas da S é e

d o P as so , c ada vez m ai s a s soladas pela s viz inhança s in cô mo-

das. at raí das pela transf o rm ação da s an tig as re sidênci as se -

nh or ia is em casa s de cômodo s. C om o no s po rõe s d e P orto

A le gre , o s subt err âneos e as loj as do s so brados abrigavam

popu laçõ es que se com prim iam em espaç os sem ventilação

ou in so la çã o, O qu e se rep etia nos cômodos dos compri dos

and ares sup eriores, fu nd os e m al ilum inados - co ndições

sem elh an te s à qu ela s dos altos sobrados d o s d i st rito s centra is

da ca pit al p e rn ambuca na, sobretudo em S anto A ntôn io e no

bair ro do

Recife. 

E ntr e J 912 e 1916 a m igraçã o das el ites pa ra os bairros

do distrito da V itó ria fo i cons agrada po r um ampl o progra-

m a d e a la rgam ent os vi ári os com a nd ad os p or J . J . S e a br a, m i-

ni str o do In terior e ju stiça li a ge s tã o R o d ri gu es A lve s - o

m es mo qu e conv oca ra a com issão se creta riada por E verar do

B ackheuser em J 90 5 . A s o bras de S ea bra culminav am com a

HABITAÇÃO E VIZINHANÇA •

167

19 . U rna pequena E ur op a i ns ta la da

lIa periei ta distin ção d os ja rdms

e pa lac e tes do la rg o d a G ra ça -

o ch al é do s C ar valh o fi ng e a gu a rd a r

as ne vascas , so b o so l escaldante

de Sa lvador. (Ja rdim da G raça,

Bahia,

c.

19 0Ó )

.

--

-

----- -

--

-

---------

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16 8 • HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO BRASil 3

ab ertu ra d a av en id a S ete d e S et em b ro , nov o b ulev ar q ue asse-

gurava o rápido des locamento do s ba irros residen ciais da s

elites pa ra o c en tro. t'tl'oi também o m omento de mo der n iza -

ção arq uitetôni ca das no vas vias pú blica s de S alva dor, pro -

mov en do -s e a d em o li çã o to tal o u p arcial de igr ejas c olon iais

co mo a A juda, S ão Pedro, R osário e M ercê s, r ec on struídas

todas na linguagem dos mov imento s hi storicistas europeus.

O mesmo ocorria n a restauração do pal ácio do go verno esta-

dual , bombar deado du ran te a interv enção de

1912,

na refor-

ma da Câmara e nos no v os e di fí cios da ru a Chile, sede do

co mércio ref ina do da c id ade e via de rece pção do tráfego da

av en id a S et e. O s novo s palac etes da Vitória, tam bém hi stori-

ci stas, encontravam sua id en tid ade comum à s obras que re -

defin iam os es paços públicos da velh a capital baiana.  

Para as lar gas faixas de so tero poli tano s que estava m pri-

vados dos requintes das moradias d a V itó ria, aquel es qu e

nem mesmo supo rtavam pagar os al ugu éis do s so b ra do s c en -

trais in sa lubr es - mas ca ros e dis puta dos em virtud e da

pr oximidade do s locais em que co nsegu iam ou ag enciav am

trabalho - acabavam por demandar os arra ba ld es , f omen-

tando o c res cim ent o per if ér ic o a ta b al hoado. S ant o A nt ônio

A lém do Carm o e B ro ta s, di stri tos urba no s de S alvador com

ab undante s terr enos bald ios, pas saram a acol her novo s mo-

radores e su as habi tações precár ia s, am pl iand o as prim eir as

ag lomer ações suburbanas qu e for mariam grand es bairros

popu lares e neg ro s - como aquele sugesti va ment e denomi-

nado L iberd ade.

A lgun s va les próximos ao distrito da Vi tória passar iam

també m a abr iga r aqueles qu e não podi am construir suas mo-

radi as no s caros terreno s dos cum es dos bair ro s lito râne os,

reservado s às res idências do s se tores mais abastados . In ve rter-

se -ia em Salva dor a ge ografia do habitar carioc a: os ricos e

médi os nos morros, e a pobreza no fundo do s vales - ree la -

botando-se as vizinhanças que tin ham moti vado as el ites a

deb and ar dos di stri tos ce nt rais de S alvad or .

A mes ma dificuldad e em assegu rar v iz inh ança s hom og ê-

neas ocorria no R eci fe , qu e cr escia tent acularm ente ao longo

da malha aq uát ica em que se assentava. N os alaga dos e nas

pl aní cies exten sas, a capital per nam buca na se exp andia por

meio de uma multidão de cas ebres, con st ru idos inicialmen te

em taip a de mão , palm ác ea s e ca pim - os notó rios moc arn -

,

'j

  .

.

1

 

I

HABITAÇÃO E V:ZINHANÇA • 169

20 . Re levos ir re gular es e terre no s

ba ldi os a sse guraram

a

Br o tas um

perf il social heterogê neo . (A m eida

&

Irmão, Es trada d e B rotas, Ban i •.•

c. 19 06)

bos. O setor de ch ácaras aba stad as que se de sen volvera no

deco rrer do século

X I X

na s cercani as do Cap iba rib e, na M ada-

l en a, e m A pipu co s e Torre, se ria ao s po uco s cir cundad o pelos

ag lomerados de moc arnbos , qu e se est end eriam ai nda por

A fog ados, nas v izinhanças da praia da B oa Viag em . E nv ol ve-

riam as áreas centrais num cin turão de moradi as que se riam

a máx im a c on tr ad içã o ao p ad rão de ad eq uaçã o habitacion al

para uma cidade cujas el ites qu eriam

ê r n u l a

ele Paris ou do

R io ele Janeiro .

6 .J2re ca rieda de san itária qu e grassava na cid ade leva ria as

autorid ade s ª-Jie .sill .ç;uul .. e~ el..(Q S 'ã tU rrfiD Q _e J?r ifo para a

c~ .p~ .fH am -bllGa~ h_4.fR .oiL dcseu suce sso~as

(~sãO - e--higi en izaçã o_efetua.~ :Is p1_~a.- .1 io s,orto

paulista d o c af é. O pl ano de san ea ment o de

1909-10

ass ocio u-

se ao pr og rama de demoliçõ es do bairro do R ec if e. o m ais ant i-

go da ca pi tal, já em and ament o desde as desa propriações in icia-

das em

1909.

Avenidas foram sur g indo à custa das co stumeir as

condena ções e demolições de es tabele cimen tos comerciais e ha -

bitações enquadrados no s conceitos de in salubridade. 

A d em oliçã o de moradias redu zi u em cerca de

50%

o

n úm ero de ha bitantes do bair ro entre

1910

e

1913,

gerand o

u m a c are sti a habi taci onal qu e só viria a agra var as condições

atropelada s em que se con stitu íam as cada vez mais numero-

sas periferia s da cidade. N o mesmo an o de

1913

os ar rab al de s

ab rigav am cerca de

37735

moc ambos -

43,3%

do to tal de

ha bi taç ões do R ec ife . 

,

 

170 .

H IS TÓ RI A D A V ID A P RI VAD A N O BR ASi l 3

HABITAÇÃO E VIZINHANÇA • 171

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  : · r

21. No r íg id o a linha m ento de ru as

e lot es retiiin eo s de Bel o

iiorizonte

a

pr im ei ra da s

nov a;

ca pi tais

repuhucanas , residia a in te n ção

de dif ere nciar os espa ços

pú bl icu s

e p ri va dos . (j.

M ont ei ro ,

Vis ta

pa rcia l da rua Sc rgipe ent re

Ai morés e Gonçalves D ias ,

1930)

A s intervençõe s ha vidas no R ec ife entre 19 10 e 1913, ex -

cessivamente fragmentada s e co nce nt radas nas área s cen trais,

acabaram alim en tan do a ex pansão desenfreada dos ar raba lde s

pe rifér icos, assim como ocorria em Sa lvador, no R io de Janeiro

e me smo na n ov a capi tal m ine ira. E m Belo Ho ri zo n te , in augu-

rada em 1897 s ob fo rte re ferenciamento das idéias zoneadoras

fr anc esa s, o r íg id o controle: proposto para a área centra l, fixad o

num sistem a de lotes, av eni das e ruas dispo stos numa malh a

quadrangular circunda da por u ma av enida d e m ed iaçã o peri-

fé ric a, m ostrar-se-ia igua lment e in ca pa z d e regrar a rápi da ex-

pansão das habit ações nos arrabaldes. 

BA IR R OS COMO ESPA ÇO S PfnVADOS :

S ING U LA R ID AD ES D A lJ RBANIZAÇAO PA lJU STAN A

 

.'

Po de- se dizer que, coincidindo com o nascimen to de

B e lo H o rizonte , a capi tal paulista também ressurgia. A cidade

de S ão Pa ulo ch eg av a à R ep úb lica rec up eran do -se d o m aras-

mo que estendera o aspecto setecentista até meados da déc a-

da de 1870. S ofreria experiência s de se gregação soc ial, pr o-

mo vida s ou protegidas pelo aparelho estata l, bem mais

co ns is te nte s e e fic ie nte s do qu e as oco rridas n as o ut ras gran-

des ca pita is b ras i le ir as r ep ub lican as.

_ A nte riores às in terve nções nordes tinas e gaúcha s, e con-

temporâne as àq uela s realiz ad as na cid ad e d o Ri o de Janeiro

d uran te a presid ên cia de R od rigue s A l ve s, a s p ri meira s atitu -

de s governamentais para a

redefiniçã o

do s espaços pú blico s e

pr ivad os de S ão Paulo afinavam -se com os mesmos princí-

pi os qu e norteari am as re fo rm as e os pr oces sos de exclu são

habi tacional das grande s cid ade s br asileiras j á m e nc io n ad as.

A pequena área ur bani zad a e a própria es ca la p o pu la ci onal

da capita l paulista, de porte bastante reduzido até 1890, an o

em qu e tin ha cerca da metade da populaçã o do R ecife, fo ra m

fatores m uito favo ráv eis às in terv enç ões e à abertura de nova s

áreas urbanizad as afe itas a princípios de zoneamento social e

disc iplinamento do cons truir e do

habitar,

Permitiu-s e, as-

sim , o surgimento de uma fis ionom ia e uma fisiologia ao

go sto do exc lud ent e sa ni tarismo social em voga na s ment es

das elit es repub lic anas , qu e bu scava livrar as cidades de su as

 pa tologias  coloniais e im peria is.

A s primei ras in tervenções de af ormoseam ento de espa-

ço s pú blico s já vinham acontec endo desde a d éc ada de 18 70,

qua ndo a capita l pauli sta pa ss ou a centraliza r defin itiva men -

te a economia da pr ov ínci a. E ntronca nd o as linhas férreas qu e

levavam à corte e ao Vale do Para íba, ao pr ós pe ro O este e a

S an tos , porto escoado r da prod uçã o cafe eir a, S ão Paulo conso-

lido u-se co mo centro po lítico e finance iro paul ista. Pa ss ou a

at rai r levas cumul ativ as de fazende iros qu e m ig rava m sobretu-

do da s fa ze nd as e cida des do Oeste , e q ue se fix avam na capital

bu sc ando asc en são definitiva aos neg óci os da pr ov íncia, ma r-

cada pelo mov imento repu blicano qu e repres entava os int eres -

se s da nova área cafeeira.

A reg ião da L uz, ao n orte da cidade, abrigou ainda no

Im pér io os pr ime iros fazendeiro s in sta lados em pala ce te s, s e-

melh antes à qu eles neoclássicos qu e povo avam as est radas do

Botafo go e Fl ame ngo, Vitó ria ou a vá rze a do Ca pibar ibe . A fa s-

tados do alinhamento das ru as, e mo biliados e d ecora do s de

aco rd o com o gosto suntuoso do S egund o Im pério francês ,

172 • HISTÓRIA DA VIDA PRIV ADA NO BRASil 3

HABITAÇÃO E V IZINHANÇA • 173

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diferiam já radi calmente da au ste rid ad e d os sobrados de tai pa

api loada, ch eios de escr avos a servir, qu e pontu avam as ruas

m ais n obr es do nú cleo da cid ade, co mo a Direita e S ão B ent o.

Os in teg rantes antigos da s elites lo cai s, ou m ig ra das , que

ainda re sid iam nas ruas cent rais foram progressivament e

ab an donand o os sobra dões e a viz inh ança social hetero gê ne a

de ru as quas e todas pov oad as de c asas térrea s, in tim ament e

associada s à populaçã o neg ra da cid ade, que sob rev ivia de'

ag ência s improvisa das , num cotidiano urbano alheio aos

pr ove nto s do ca fé, cultiva do em distant es áreas do in terior da

provínc ia= U ma cidade cujas taip as di ss olviam -se po r ca usa

das chu va s, em que a dif iculdade de acompanhar a irnponên-

cia da s cida des imp eria is do lit oral po de se r se ntida na singu -

lar col eç ão de fotog raf ias rea liza das po r M ilitão A ugusto de

A zev ed o a o longo das três últ im as décadas do Imp ério, ch eias

de c as as s em i-arru inadas em todas as ruas centr ais.

•.• T o do esse aspecto, em que se entrev iam os tempo s rudes

da antiga capitania de se rtanista s e tropeiro s, era o h orr or do s

tr iunf ant es cafeicult ores e em pr es ário s paulistas rep ublicanos.

A pós a mort e de F lori ano Peixo to, a p ro em inênc ia ec onô m ica

das elites pau list as as lev ari a a ascender incontes tavelmente

como gr upo político dominante na R epúb lica, fazendo três

pr esidentes conse cut ivos e regendo co m os m ineiros o con-

certo dos partido s rep ublicanos da R epúb lica Velh a. E ra m

ina dm iss íveis aos inte resses do s ca feicultor es, e do florescente

parque industria l, as condições de in sa lubri dade das hab ita -

çõ es paul is tanas, que não dife riam muito das que havia nas

de mais capitais brasileiras - por pouco a f ebr e amarela não

prod uzia na cidad e de S ão Pau lo os mesmos estr agos que

fazia nos dem ais estados da R epú blica, e n o p ró prio li toral e

interior paulistas.

A profunda alteração da demog raf ia pau lis tan a, oc orrida

n a d éc ad a de 1890, sinc ronizo u- se e se ampliou em relação à s

mudanças drásticas ocorri da s na socie dade do país entre

1888-9 e 1900. A im igraç ão estrange ir a deman dada pela ca-

fe icultura , so bret udo de italianos, sofr eu alt erações de gestã o

que perm it iram uma m igração gigantesca de po pu lações

pa ra a an tiga capital, a qu al quadruplicou sua popu lação du -

rante a década de 1890.

5 7

A s c on di çõ es p re cá ri as das habi tações popul ares genera-

lizavam-se tanto nas antigas constru ções de taipa c tijolos da

 

l

,

i

,

á re a c entr al, quan to nas casinh as que p ip oc avam nos ba ir ro s

e ar rabalde s lo calizados ao longo das lin ha s fé rreas da Cen -

tra l do B rasil, S orocabana e S ão Paul o R ailw ay

(Santos=-Iun-

dia í), e tamb ém das terr as alagadi ças que cercavam a área

urbani za da da ci dade a leste, ao norte e a sud es te. O abrup to

in ch aç o h abita cio nal agudizava o perigo das epidem ias , qu e

já asso lavam o R io de Janeiro, as capitais no rde stinas e ti -

nham sido com mui to c us to c om ba tid as e m S an to s.

A instabilidade do s empregos nas ma nufaturas ou as

agência s improvisada s a cab a sendo o de stino amplo das espe-

ranças dos estran ge iro s que, como os ex- esc ravo s e seus des-

cendentes , pa ssa ram todos a. inchar as ruas, casas e cômodos

do B rás, M ooc a, Cambuci, B om R etiro , B arra Funda, Pari e

Bexiga, ou ainda das ár eas ao lo ngo da s estações férreas do

fu turo Alie - San to A ndré , S ão B ernardo e S ão Caetano - já

in te gra da s no ' pr oce sso de industrialização e urba ni zação da

cidade desde fins do O itocentos .

Al inhada s diretam ente com as ca lçad as, as habitações po-

pulares formaram a paisa ge m m arc an te do s ba irros d e imi -

gra ntes , em cujas jan elas debruçadas sobre as rua s romp ia- se a

de se jada di ferenciaç ão espac ial das eli tes emp enh adas em dis-

ce rnir fronteiras entre es pa ços públicos e pr ivados. D e espa ço

pr ev isto pa ra a cir cu lação viári a, os log rad our os, com escasso

mo vimen to au tomot ivo, transforma va m- se em extensão das

pe quenas salas de es tar, e ro das de cad eiras es pa lhavam-se pe-

las calç ada s, meta rno rf osean do a sociab ilida de dos vilarejo s

ru rais europ eus. A s música s, o v oz erio alto e aca lor ado rom -

piam os tênu es lim ites de pa redes e vidraças , fundindo expe-

ri ências - e fomentand o so li da riedades . 

A s p re c árias condições san itár ias presentes nas ca sas dos

bai rros de imigran tes, juntamente co m as encontradas nos

cortiços espa lhados por qu as e toda a cidad e, justifica ram a

expansão do aparelho of icia l de fisc alização hig iênica , cu jo s

re sul tad os an tecederam os que seriam alcança dos no R io de

Janeir o na pr imei ra déc ada do sécu lo xx - não por acaso

pe las me sm as elites paulist as. A remo delação do S er viço S a-

ni tário deu- se ainda em 1892, se guida pela edi çã o do Có di go

Sani tári o de 18 94 - qu e proibiu novos corti ço s - e as nor-

mas de 18 96 e 1906 , culminand o o re aparelh amen to do s dis -

pos itiv os de fisc alizaçã o com a re form a do pr ópr io Código

em 1911, qu e de fin iu como sendo dos mu nic íp ios a co mpe-

________ ....Iio i~ ••••••• . . _

174 • hiSTÓR IA DA VIDA PR IVADA NO BRA S il 3

HA BITAÇÃO E VIZINH ANÇA • 175

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r

I

22 .  C ad a porta 30$  - no preço

b ai xo a c er teza de comparri lhar

a in fra -est ru tura domé st ica po r

meio de espaço s co mu s a to dos

  mor ador es. (C ort iço do

sr. Joaqu im A n tu ne s, M oo ca,

São P aul o,

5.

d. )

 

J

 

tência de adequaç ão sa ni tá ria das habi ta çõ es , A s in ten çõ es

normat ivas do pode r púb lico sur pree nderam a c ida de de S ão

Pa ulo no iní ci o de s ua expan são geográ fica , o qu e possibili-

tou uma paulat ina pad ronização dos espa ço s d om é st ic os ,

disciplinand o-os m ediante o a p an á g io da saúde públic a :

Que r no ponto de vista so ci al, quer sa ni tário , a hi giene

dom icilia r merece de tido exam e dos poderes púb licos [  ,]

S ão as ca sa s imundas o berç o do v ício e d o crim e,

O s indivíd uos que vivem na m iséria e ab riga dos aos

pare s, em cubí culo s es cur os e res pi ra nd o gases mefí tic o s,

qu e ex alam de seus pr óprios corp o s não asseados, perdem

de um a vez os pr incípi o s da moral e atiram-se cegos ao

crim e e ao roubo de form a a perderem sua li be rdad e ou a

ganharem por essa fo rma m eios de se alim enta rem ou

dormirem me lh or .

-- .; U m a solu ção para as coabi tações e ind efi nições de espa-

ços domé stico s familia res das m oradias coletiv as tradicion ais

foi a d as v ilas o pe rá ri as o u de ca sas pop ul a re s, j á p re se ntes no

R iu de Janeir o desde os fi ns do Im péri o, A m ba s s e e xp an di-

ram em S ão Pau lo m ediante o cumprimento das normas

mínimas exigidas legalment e, espalhand o -se pelos bairros

das zona s les te e oeste da cida de, serv ido s pelo s tr ens e bon -

des .  O tim izando o cont ro le sanitário sobre as casas co ns-

tru ídas in dividualmente, as v ilas ain da subm eteram seus

ocupantes à s pr imeira s ex per iênc ias de massifi ca çã o da m o-

ra dia , se ja pela disposição rí gid a das pl ant as arquite tônicas

,

, .

em ca da unidade pr iv ada se ja pela pr ópria uniform idade ex-

te rna do s blocos de ha bita çõ es.

A in cip iênc ia da ur banizaç ão pau lis ta na por ocasião d a

R epúbl ica acabou po r viabilizar não só um c on tro le m ais

efic iente dos bairro s e h ab itações populares , mas o pr óprio

zon eamento dessas áreas, em lo cais efetivam ent e disti nto s

daq ue les em qu e depr essa se concentrar am as m orad ias obe-

dientes à clivage m ent re esp aç os pr iv ados e públic os almeja -

da pela s elites republ icana s . O in chaço abrupto e insa lubre

sofrido por Sã o Paulo não obstou qu e os se tor es socia is m ais

abas tado s e m édi os fo ssem agreg an do-se, já a partir da déca -

da de 1880, em nov os e am plo s bairros , pr óximos en tre si,

que acabar am por gara ntir as vizin hanças homogên eas que

se des m anchav am no R io de Janeiro e nas out ras gr and es

ca pit ai s es ta dua is.  A a usênci a de morro s ou vales nas proxi-

m id ades dos bairr os pl an ificados e prov idos de rnelh orias

exim iu os pala cetes e casas m édi as de vizinhos des toantes,

co m o fav elas ou mocam bo s.

Ca m pos E lí sios , porções de S an ta

Ifi gêni a

e da L iberda -

de, e s ob retu do o em bl em át ico bai rr o ar rua do em [893, H i-

gi enópol is, p as saram a abriga r as fa mílias abas tadas ligadas

ao s neg ócio s da cafeic ultura . E m 189 1 foi in augura da a a ve-

n ida Paul is ta, a qua l, a pa rti r da déc ada seg ui nte, também

pas saria a aco lh er im igrante s enr iqueci dos ou fa m ília s lig a-

da s a atividades fin ancei ras e imobiliári as que const ru iriam

amp las res idê ncias para rivali zar com os suntuosos pa lac et es

da s famílias do s ba rõe s do ca fé - ou de suas pod ero sas

_ _ _ _ _ I I i i i I o o   _

23. A pou cos metro s da avenid a

Pa ulis ta , a p erm an ênc ia das

moradia s po pular es na Bel a Vista.

As águas usad as po r lavadeiras

e as águas ser vida s de latrinas

esc or riam para o cen tr o europ e izado

de São P aul o. (La trina abrind o -se

sob re um reg o -d'água - S arac ura

G ran de, Sã o Pa ulo, s. d. )

176 •

HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO BRASil 3

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24. Na

impo nênaa

do

po rtão,

o e vi dent e e sol ene lim ite en tr e

o

pa lace te e a ave nid a, entre casa

e r ua. (Portão pri nc ip al

da res id ênc ia de Lu pércio

Camargo , situada na

av o

A ngéli ca ,

Sã o Pa ulo,   d .)

25. Na di versida de de anda res

~ mi rantes, ex tem av,j-se o lux o

L: privac idade go za da pel os

im igrant es Q sc e llde1ltes, in stal ado s

lU;

aI' enid a P aulis ta. (Fachada da

V ila Fortunata.

São Pa ulo , 1970)

viú vas ou fi lhas - instalados solidamente em Hi gienópo lis e

nos bairr os mais centrais.

S e os porões alt os encarr egavam-s e de distanciar os cô-

modos das casas médi as da circu lação das ruas , jardin s fr on-

tais e lat erais assegu ravam a intim idad e do s pa lac et es. G rad is

de ferro compl etavam a se pa ração entre o espaç o d a p ri vaci-

dade e o domíni o público, as seg urada pe los portões ostensi-

vos, de grande s dimensõe s e lava r carr eg ado. O s pa lac etes

H~BITAÇÃO E VIZINHANÇA •

177

filiados aos padr ões franceses - c1as sic ista s ou art no uveau

- fixaram -se como paradigma no s pr ojet os dos en genhei-

ros-arqu ite to s, disputando as preferência s das elites co m as

res idências impregn ada s d as fo rm as d o n eorn an eirismo, di s-

ponívei desde o último quartel do séc ul o XiX em razão da

presença dos mestres -de -ob ras e artesãos ital ian os.  

.• A d iferen cia ção espacial en tre as rua s e os lutes da s re si-

dên cias ab astad as pross eg uia no s ambientes internos. A s

plantas arquitetõ nicas e as re sidê nc ias qu e restaram do perío-

do evide nc iam uma intensa es pec ialização dos côm odos, es -

tab elec endo uma gram ática rígi da para as atitud es privadas

das fam ílias - o q ue dificilm ente ocor ria nos cômodos su-

per lo tado s da s habitações populare s. A s ár ea s so ciais

são

re-

partidas em salões num erosos, com fun ções espe cíficas: ha ll,

re ce pção form al, estar (liv ing), jogos, [umoir, música, escritó-

r io , g abin ete el e . C ad a asp ecto da vida privada da s fam ílias

devia se processar em seu es paço co rreto, característ ica qu e

dis tin gui a também os cômodos pa ra homens, mu lheres e

26. Bu lcv ar de l'a lu CC ICS

e chácaras tr açado em m~J ao mu to,

a

aveni da

Pa ulista

to rn ou-se UII 

do, prime iro s refugIo;

p~r

aq ue/ ,'s

que queriam es capar

à

prom isc uidade soa al e espac i ,d

da s rua s cen tral ; de São Pa ulo.

(G u ilhe rm e Ca em  )'. S ão Paul» ,

c .

19 0 

178 • HIS TO RIA D A V ID A P RIV ADA NO BRASil 3

HABITAÇÃO E V IZINHANÇA •

179

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27. C ad a cô m odo com su a fu nção.

Na sala dou ra da d a r esidênc ia

de d . OU via G ue de s P e n teado,

pr om o tor a do s m odern istas

pa ulistano s,

mús i ca

e

ce ri mônia

se subm eti am à eti qu e ta p revi sta.

(Salão Dourado,

Sã o P a ll lo ,

5.

d.)

I

I

I

I

1

:,

crianças : Nos cô modo s Ín tim os as sep ara çõe s prosse gu iam

median te saletas Íntimas (boudo ir s) , quartos para vesti r e o

uso do maior nú mero possív el de d ormitórios, asseguran do a

in timi dade dos membros da fam ília. Os cômodos de se rvi ço

pe rma neciam se greg ad os na parte posterio r das construções,

assi m com o as acom odações de e mp regad os domésticos. 

A marcant e diferenciaçã o dos espaços privados pr aticada

pe las elites em sua s pr ópri as res id ências pode representar um

pr otótipo das distinções espaciais, da orde m  que de sejavam

disseminar por toda a cid ade. S ua escala pr ogre ss iva pode se r

traçada do s diferentes cômodos entre si ao contras te da hab i-

tacão com o terreno ajardinado , pa ss ando pelos recu os co m

os ' vi zin hos do bai rr o, ch eg and o até o zone amento so cia l do s

próprios bairro s da capital. A norm atizaç ão do privado aca-

bava, pois, entrelaçan do-se com a pr ópria configur ação dos

espaços  púb licos .

A con strução dos novos ba irro s res idenc iais elegan tes,

adequados aos preceitos sanit ários, pl ás ticos e co mporta-

me nta is ge rados no cotidian o bu rguês das cidades eu ropéias,

co nseguiu for ja r em São Paulo uma mancha co ntínu a de vi-

zinhanças homogênas . E xclu iu-se a p rox imidade dos meno s

f av or ec id os , d esestimul ando -se seu trânsito públic o nas ruas

dos bairr os de elit e. U ma ampla faixa que ce rco u o centro

pa ulistano de oeste a sud oe ste liv rou-s e da inte rse ção de b air-

ros ou habitaçõe s populares .

- A área central, considerada não civ ilizada': tamb ém fo i

atingida pela s d em oliç õe s e xcludentes, da mesma fo rma que

no R io de Janeir o. A s refor ma s im plc mentadas ao longo da

prim eira década do sécul o xx nas ges tõe s co nsec utiva s do con-

selh eiro A ntônio da S ilv a P rado, int egran te da mais in flue nte

fam ília pa ulistana de en tão, promoveram a co nst ruc ão de

gran des edi fícios ofic iais, conso lid ando-se a pon tua ção dos

e sp aç o s p úb li cos po r edifícios mon umentais ini ciada já na

primeira dé ca da

republicana.

Um extenso programa de re tificações e alargamento das

ruas centr ais perm itiu melhor defin ição dos espaços de circu-

lação pública, ga rantind o flu ide z viária e

angulaç ão

ao s no vo s

ed if íc io s e rg u id os. Logrou-s e também a expul são de mui tas

res idências

populares que se mant inham no centr o, alhe ias à

necessidade de in stituir uma área de n eg óc io s liv re de habi ta-

ções ou, pi or, de ativ id ades obscuras como a prostituição. 

Visavam- se sobretudo as construções qu e des af iav am os sécu-

los com seus beirai s de telha s co loni ais e facha das  ca iad as de

barro esbranqui çado - a tabating a -, qu e eram nu merosas

ainda n a d éc ada de 10 em tod a a área centra l.

Os res ult ados das ref ormas de A ntônio Pr ado acabaram

assemelha ndo-se aos obtid os na mesma década no R io de

Ja neiro. O s morad ores expu ls os pe las obr as mi graram para as

construções que aind a restavam nas proximidades, acentua n-

d0 o c ontra ste en tre os qu arteirõ es

novos

e aqu eles an tigo s

2 8. A s re fo rm a s d e A nt ôn io P ra do

e

Du pra t ga ran tiram um pro cesso

d e v al oriza ção da s á reas centrais

d e S ão P au lo , v iabi l izando

a e xp u ls ã o d as nlui ta s m o ra d ias

populare s q u e r es ta vam 1I0S casarões

d e ta ipa da outr o ra cidade colonia l

e i mp eria l. (Travessa Santo Amam,

atual rua do Ouvidor, c. 1910)

180 •

HISTÓRIA DA  IDA PRIVADA NO BRASil 3

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29 . A lgo fr ancesa, a lgo ita li ana,

a

ele gant e

pri va ci da de d as e lites

do café res guardavam -se atrá s

d e gradis - que exibiam

a pu jallça de seu s propri etários

aos tra n se untes da avenid a

Hi gietzól'oli s . (R es id ência do casa l

Martinho da Si lva Prado c St ela

Penteado, São P aulo, s. d. )

q ue e sc ap aram à s d em olições, tam bém povoados de casas

térreas e sobrados en velhecidos . A ges tã o d o p re fe ito seg um -

te , o barã o de D uprat, pr ossegu iu no i ntuito de prove r a

cida de d e espaços públicos bem definidos, que co rres po ndes-

sem ao qu e se conse gu ia no s bairros residenciais. A s novas

áre as de la zer da re gião ce nt ral- o P arque do A nha ngab aú e

o D . Pedr o 1 1 - cont aram co m o sanea ment o das várz eas que

a ce rcavam e com a valori zação dos terr enos im edi atos, ar- •

ras ando-se novamente m uito s ca se bres e casinhas que pe r-

m aneciam nas borda s das ru as euro peizadas. 

A o m esmo tempo que as a uto ridades pú bli ca s lu tav am

para discernir o s e spaços e as fu nções da ár ea cent ra. l, .sur gia

um impul so def in iti vo para a ho mogeneização de vizinha n-

ç as h abitacionais. A se paraçã o so cial pr ocessada m ediante a

di stin çã o das áre as h abitac ionais, já pa rcialm ent e e~ pertmen -

tadas no s bair ros abert os nos fin s do sécul o XJX, fO I ra dic ali -

za da pela ex peri ên cia do s bairr os -jardins. O no vo tipo de

loteam ent o para mor ad ia s a ce ntu ou a exclusão S OCialno que

co nce rn e ao s e sp aços d om éstic os e à homogeneização de vi-

zinhanças, gerando um a pai sagem que ca rac teriz a S ão Paulo ,

dife renciando-a das dem ai s c ap itais br as ileiras .

Por suge stão de B ouva rd , o eminente arquite t~ franc ês

contratado pa ra grande s remodelações em Buenos A ires - e

que pres tav a assessoria a D uprat nas re fo rm as de S ão Pau lo -,

princip iou- se a formação de um a empresa im ob il iá ria que

relac ionou ca pi tai s fr ances es e in glese s a in teres ses de e mpr e-

sá rios paulistasj A partir de 1 911 , a City of S ão P aulo Im pro-

ve ment s an d F re ehold Co . - a Companhia C ity - iniciou a

com pra de en ormes ex tensõ es de terr as na cidade, visando

execut ar loteamento s. Já em 1913 co m eçava a sur gi r o Jar-

dim A mérica, prim eiro bairr o da Com panh ia, loc alizado

na áre a sub urba na a sud oeste da cidade, no iní c io d a p la -

níc ie situ ada ab aix o d o esp ig ão da aveni da Paul ista. O bair-

ro fo i pr ojetado pe lo s c onsa grados arquiteto s ingleses B arry

Parker e R aymond U nwi n, res ponsáveis pej o pr oj eto de

Hamps te ad, nos ar redo res de L ondres. Os arquiteto s eram

os sucessores de E be nez er Howard , o criador das

gar d en s

city, as   cidades-ja rdi ns , um a pr opos ta de habitação su bur -

b an a p ara cl ass es m éd ia s e pob res , ideali za da pa ra aten uar

a s p recár ias co ndições de moradia das grand es metrópoles

industr iais in glesas.'

Com as m esmas soluções d e r uas sin uosas, muitas área s

ve rde s, arborização e ca sa s situ adas em meio a jardi ns, pr eco-

nizad as por H ow ard e pr es en te s n as

ga rdens city

ingle sa s, f o -

ra m p ost os à v en da o s lo tes d o J ardim A mérica, cujo projeto

inic ial seria alterado numa visita do pr ópr io Par ker a S ão

Pa ul o en tre

1917

e

1919.

M as , ao contrário do que ocorria

com as cidades-jard ins britâni cas, o primeiro ba irro da C ity

n ão foi de stin ad o a segmentos meno s f av o re c id o s.70

A Companhia direcionou seu prim eiro lo te am e nt o a os

segm ento s mais a ba st ad os, abandonando as idéias iniciais

HABITAÇÃO

E

VIZINHANÇA •

181

30. Jard ins asseg ura vam ao rico

palacete afrancesad o de Hi gienópolis

uma dis tânc ia co nv en iente

do burburinho da s ru as .

(Residência do cas al Joa quim

M end onç a F ilho e Cor.na Prado,

São P au lo, s. d.)

18 2 • H ,S TÓR IA DA V ID A P RI VADA r<ü BRA S'l 3

HAB ITAC ÃO E ViZINHANÇA • 18 3

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I

i

V,dól de campo lfanqudla 8

I

 <Idl. em ~.nil C PlIAI

ti

com

todo n coorc-rc das grandes 1

me 

operes -

50 no

JARDIM AMERICA I

- InCOnr ,;nd~<11~INO mod~o, verdade ro

ta~C m de ,eSldenCI,IS. I

l~ ._ - . ...__..

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: : : . : : ~ . :: ~   7 :   -   ::   - : - : - .• • . ;: : : . . :=.

. =

_ • . . . . . • . .. • .. . . . .• .. •

3 l.  Co n stru ç ões re gI/l am entada s,

1510 é  garan r ta de boa vó nha l1ça':

p rom et ia o an lÍn cio pub li c itá rio

do [a rd im Amé r ica, p ri m e ir o

bai rr o-j a rdim de Sã o Pa u lo

<'

do Br a sil . () con tr ole da cO lb tr uç ão

do s espa ço s

do-n é su cos

fo i ass egu ra do

pe la leg i sl a çã o públ ica , ga ran tindo -s e

inlrtw c icJ/l a lment e perfi l exc lusiv o

do ba irr o

paulutano.

(Se m títu lo ,

1929)

das gardens city, e e m a lgun s an os o bairr o se torn ari a sím bo lo

do viver distinto das el ites paulistan as, D ispositivos propos tos

por Park er reg ul aram min uc ios am ente a pr oporção e lo ca liza-

çã o da s con st ruçõ es dent ro do s lot es - de talhavam -se inclu si-

ve as cercas en tre os terrenos part iculares -, controlando-se

de man eira indir eta o p erf il dos pr opr ietári os e costum es dese-

jados pela Companhia . A lém de assegurar viz in hanças homo-

gê ne as, Pa rk er im pôs aind a um outro di spositivo , incorporad o •

na leg islação mu nic ip al anos depois: def iniu o bairro para uso

ex clu sivament e res id encial, as pec to ex plorado com ênfase em

anúncio s d a C o mp anhia , em que se de st ac av am a s dez razõe s

que di stin gui am o bairro:  Po r qu e se dev e comp rar e co ns-

tru ir neste bairro: [ .. .] P orque jardim A méric a é em São Paulo

o único bairro reserv ado exclusivamente para re sidências . [.. . ]

Porqu e todo o prop rietário tem a vizinhança garantida me-

diant e servidões mútua s . 

Ga rantiu-s e, portan to , a m an ute nção dos pr opr ietários e

de se us es paç os privados , erguidos sob fisca lizaçã o rig oro sa ,

que era pre vista no s con tratos de servidão exigidos por oca-

sião da ve nda d e lotes, visando  co nstru ções reg ul am ent adas ,

is to é, g ara ntia de bo a viz inh ança .  A s caracterí stica de pri-

va cida de, impos tas aos m o ra do re s, a ca bari am ainda por es-

tend er-se aos próprios espa ços públi co s do bairro, m edia nt e

a co nfiguração das rua s ou do de stin o d ad o às áreas verd es de

us o comum.

O ar ru am ento do bairro foi rea lizado num esq ue ma g eo-

m étri co qu as e fecha do. S end o as r ua s p úblicas , não se podia

impedir o a cess o de es tr anh os a o b airro , mas a priva cidad e dos

la re s e st ava raz oav elm en te g aran tida pela sin uos idade viári a,

confusa pa ra o tran seunte ou para os que qui se ssem usar as

ru as co mo p as sa ge m d e tráf ego. A inda as sim , o fluxo de f or as-

t ei ro s e ra ra ro , poi s pouco se teria a fazer no bairro senão

visitas, já qu e comerc io e serv iço s e st av am pro ibid os de se ins-

tal ar nos IO les.

73

O s inusitad os ja rd ins pro jetados no interio r das quadras

res idenciai s, franquead os ao público nas alt erações propostas

por Pa rker , foram grad ualm ente extin tos m edian te a in cor-

poração dos es paços pelos lo tes lindeiros.  O máx im o de

área s públicas

rnantida-

ao long o da implantação do ba irr o

foram prJça s re qu ena ~ , de escal a pouco convidativa a foras-

teiros.

~ O padrão exc lus ivo do Jardim A mérica foi expa nd ido pela

propna Com panhia City para muitas das gIebas qu e adquiri ra

a pa rtir de

J

91

J ,

s ur gi nd o n os anos e dé cada s s eg uintes, e com

o mesm o t ra ta mento paisagístico do Jardim A mérica, os bair-

r os d o A n ha ng ab aú , City

Butantã,

A lto da L apa, B ela A lianc a,

Pa caembu, A lto de Pi nheiros, Jardim Gueda la , Bo aç ava e Ca-

xm gui. M uito s do s bairros foram de stin ados tam bé m aos seto -

re s m é dios da pop ulaçã o, embora o comp ortam ento excluden-

te d os disposi tivos de constru ção, a p lasticidade e o acentuad o

c on fo rt o a mbien ta fo ss em e 1iti za nd o sua oc up a çã o p au la ti -

nam ente.

. O modelo da Companhi a City foi seguido por outros

in corporadore s em S ão Pau lo, e logo sur giram no v os b ai rr os-

32 . P ri va cidade nu m ba irr o de via s

pú bl icas : na s ru a s curva s

ou

se m

saí da do Ja rd im Am érica ,

co mb inavam -se uma

persp ecu va

fechada, m ai s ín tim a, e um a

c ircul a çã o e ma ranhada , que

dif icu l ta va a pa ss agem de estra nho s.

(C omp anh ia C ity ,

194 6)

._---~~-------

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186 . HISTÓRIA DA VIDA PRiVADA NO aRAS l 3 .(,, 

hABIT ACÃO E V:ZINH ;NÇA •

187

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(J

jard ins , igualm ente zo nead os fun cional e so cialrnenteí lardim

E urop a, Ja rdim Pa ul ista no , a C idade Jardim, S um a r é, Jar -

dim das Bandeiras e , an os m ais tarde , la rgas porçõe s nos al tos

do M orumbi , fo ram formando uma mancha m ais ou m enos

co nt ín ua de bairr os semelh ant es conce ntr ados na re gião su-

do este da ca pi ta l pa ulista, todos abe rt os já em meados do

século xx, em fran co c on traste com aqueles de ru as re tilíneas

que se espalh av am vel oz m ent e por toda a per iferia da cid ade

N os vaz io s ent re os bair ros de ru as sin uos as, outros em -

preendimento s de traçado quadrangul ar for am adota ndo al-

gum as caracterí st icas hab it ac ionais ou paisagís tica s dos vizi-

nhos qu e se co nsa gra va m . Jardim Paul ista , Jardim L usit âni a ,

V il a Pau lis ta, V il a Pr im ave ra ou, em men or esc ala, Perd izes,

Á g ua B ra nca, Paraíso, V il a A méri ca e partes da Conso lação

ga rantiram a p ad ronização v isual e socia l da s área s entre os

bai rr os-jardins st ri c to sensu , fo rjand o um a experi ência habi-

tac ion al s in g ular da capita l paul ist a que seri a referên cia para

inco ntáveis in corporadores em cidades por todo o B rasi l. 

E ra po ss ív el , e ain da é , andar quilôm etros dentr o da ci-

da de de S ão P aul o ve nd o-se pouquís sim as casas e ru as fo ra

do padrão que d isting u ia os bairr os-jard in s, o quais se to r-

naram pouco a pouco o refúg io preferid o do s pa u lista nos

an sioso s por privar-se da convivênc ia íntima com as mazelas

e m i sé ri as que se avo lu rnav ar n na cidad e i nd u strial, o pri nci-

pal par que do país já a partir da década de 20 ,í6

A e xpansão form idáv el do s bairr os-j ardin s era alim en ta -

da pel a própr ia desestabiliz ação dos bairro s m ais ant igo s, em

que an te s se concentravam as elites pa ulistas ins talad as na

ca pital .

A

parti lh a de heran ça s, as flutuações financeiras e o

paula tin o aban dono dos mode los de famíl ia extensa, de mui -

to s filhos e ampl as paren telas, [oram modifi cand o as form as

de sociab ilid ad e que ergue ram as resi dências elega n tes da

B ell e

Époque.

A manute nçã o de muito s dos gran des palacetes e so br a-

dos , ob sol etos , ou por dem ais cu stos os, in via bili zo u a perm a-

nênc ia da s elit es em Ca mpo s E lísio s, L uz, Hi gienópolis, Con-

so lação, L ibe rd ade, na avenida B ri gad eir o L uí s A nt ôni o , e

posteri orm ente na pr ópr ia ave nida Pa ul ista, A ausên ci a de

uma legis laçã o r ígida de controle do us o e o cu pa ção da s cas as

e te rre nos nos bai rros m ai s antigos, como hav ia no s bair ros-

jar d ins, a maio r pro ximidade de área s de gra nd e circu lação ou

de bair ros pop ul ar es , as migra çõ es vin das do co m balid o in te-

ri o r c af ee iro e a própria alt a na demanda por al uguéis foram

esvaz iand o os gr and es pala ce tes e os bairros m ais ant igo s da-

qu eles set ores so cia is qu e o s h av ia m e rg ui do , Já na déca da de 30

vár ios palac et es d e H i g ie n ópo lis t in h am s e con vertid o em p en-

sõ es p ar a setores médi os, cuja s famíl ias res id iam , ind ivid ual-

m ente , n os num erosos e amp lo s c ômodos das res idências . 

A mo di fi cação do perfil social da s moradias , ocorrida

no s antigo s bairro s ele gan tes de S ão Paulo, não foi su fic iente-

ment e si gn ificat iva no qu e se referi a aos l imites da clivagem

sociaJ q ue se des enhara nos bai rros de fu nção residencial da

cid ade . T an to a ca pital paulista com o o R io de J an ei ro , ao

fi nal da R ep úblic a Velh a, seriam objeto de pr opos tas de a de-

quação ur bana visa nd o gar antir a rá pi da expansão dos bair -

ros res idenciai s popu lares e di str itos industr iai s, assegu ran -

do-se um alívio à s pr es sõ es que se ab atiam so bre a ge og rafia

ex clu de nte dos esp aç os priva dos , A difusã o de um nov o mo-

delo de hab itação e v iz in hança - os ap artamentos - iri a

relac ion ar -s e in tensamente com as tensõ es so c ia is a c umul a-

das na escalad a de ur bani zação das populações br as ileir as

du ran te a B elle Époque,

OS A PA R TA ME TO S E A M A SS IF ICA ÇÃO D A M ORA D IA :

[)OS CON D OM INIOS A OS CON JU l\'TOS HA B ITACIO A IS ,

PA SSAN DO PELAS REM OÇOE S

A re si st ência à morad ia co let iva , disc rim ina da pelo s di s-

curso s ofi c ia is com o sin ôni m o de todas as de sg raç as sanitá-

ri as p resentes nas ca pitais brasileiras desde o Im pé rio , fo i aos

pouco s arr ef ece ndo diant e da nov id ade consti tuí da pelos

apa rtamentos, in icialmente dirig id os aos segm ent os mais

ab astados das grande s ci dad es, O re ceio de decair socialm en-

te , ad vin do do despr ezo para com as coabita ções, fo i ve ncid o

co m a ado çã o de ac ab am e nto s cust oso s uti liz ado s no s revés-

t imentos externos e nas áre as i nt ern as de circ ulação dos ed i-

fí c ios, Ju sti fica va-se, ass im , o apelo d a denom ina ção dos pr i-

meiros ed ifíc ios, palacetes ': pa lavra co nsa g rada , cap az de

at enu ar he si tações ou preconceitos . 

E m S ão Pa ul o, os ed ifí ci os de apar tamento s for am

ocupando mui tos dos bai rros que eram

abandonado,

pelas

elit es, apr oveitando os g ran des lotes , a arborização da s rua s

-.----------- __ r.lllÍ;CliÔlla... ._

188 • HISTÓRIA DA VIDA PRivADA NO B~AS l 3

HABI AÇÃO E

Vlll

HA ç . 189

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34. A lguma s re sidênci a s apalacetadas

de H igie nopoli s , ou trora des t inadas

a moradia ou a alu gu e l uni jam iuar ,

ac abaram por ser transformadas

em pensões para fam ílias , depois

d a m ud an ça o u d ec ad ência de se us

a nt ig os pro pr ie tá ri os . F oi o q ue

oc orreu com cas as de ste qu arte irã o

da ru a DOl la V er idian a, du rante

as décadas de 40 e 5 0.

(Ru a M arqu ês de [tu, esqu ina

com D ona Veri diana Pra do, Sã o

Pau/o, /900)

ou

O

prestíg io , em panado, dos an tigos bairr os eleg ante s. Os

 palacete s fo ram erguid os di re tam ente nas calçadas, co mo

na s capitais européias o itoc enti stas, padrão que entraria pela

déc ada de 30 . Os bairros de S an ta l fi g ê n i a , m as sobretudo

Vila Buarque e Santa Ce cíli a, sã o reg iõe s que tes temunham o

pr im eiro modelo de vertica lização , o qual guard a na aus ência

de rec uo s, nas portarias com acabamentos lu xu osos e no

prop rio gabarito de

sete

ou oito anda res a referência d ireta à s

expe riências de edificação das cid ades eu ropéias .

M as as carac terística de pri va cid ade e iso lamento ex pe-

rim en tadas nos bair ros de pa lac etes e nos  ja rd ins   , acabariam

se repetin do na ve rtic alização da moradia. D isp osi tivos da

leg isla ção paulistana exig iram , já em 1937, que os ed if íc io

erguidos nos ba irr os residenciai s privilegiado guard asse m

recuos laterais e

frontais. 

Is so a ss egurou a inso laç ão e

ven ti-

lação aos apartam en tos , e ao interior dos quarteirões, ao

m esmo tempo qu e se repetia o afas tam ento entre os espa ço s

público e pr ivado , in serid os naqu ele s bair ros qu and o abri ga-

vam os palace tes. Hi g ien ópo lis é o exemp lo m ais consisten te

de sub stituição das casa s po r edi fícios de apa rtam ento s de n-

tro das ex igê ncias de 1937, num parad igma do modelo que se

repro duziria em quase todos os bairr os que não en co ntrav am

lim ites ao adensament o, como aq ueles da Compan hia City.

A s pressõ es por moradi a, qu e permanec iam nas bord as

d a m an cha do s bairr os de eli te, deveriam se r afastada s o

quant o possível d as á re as ce nt rais, a fim de evitar o enco rti -

ça mento dos antigos sobrad os e pa lac etes - e a des valoriz a-

ç ã o d e fi ni tiva do s bairros já deca dente s . O Plano de A ve-

nidas, sug erid o pa ra São Pau lo pelo engen heiro e depois

pr efeito Pr es te s M aia, e qu e foi im plemen tado ao long o das

décadas se guintes, co incidiu com a nec essid ad e de pr es erva r

as v iz inhan ça s do s bairr os pr ivile gia dos , medi ant e o redire-

ciona me nto do c res cim ento daq ueles populares.

Prestes M aia preconizou a abertura de grandes artérias

rad iais qu e partia m para os bairros, enfeixa das em torno de

um a avenida perim et ral à áre a cen tral. A ex ecução de seu

proje to , ini cia da a partir de 193 8, qu and o ele já er a prefei to

de S ão Pau lo, garantiu ac ess o rápido aos arr abald es, vi abiii-

zand o o cr escim ent o atab alhoado e es peculativo gera do pela

ve nd a de lotes popu lares, dest in ados a alu guel ou autocons -

tru ção .  A ve rti cal izaç ão fo i também facilit ada, se ja por m eio

da ampliaçã o da altura total dos edifícios, se ja por meio das

nov as vias públicas im plant ada s pelo pro jeto de Prestes M aia,

qu e deveriam rec eber o increm ento do fluxo gerado nos bair -

ros ade ns ados hori zo nta l ou vert icalment e.

O R io de Janeiro ve io a conh ecer um processo de vert i-

calizaç ão

igualment e ac en tuad o, em que a relação ent re a

oc upação dos lo tes e as.rua s ma nt ev e-se por muito tempo fiel

ao s padr õe s oitoc entistas das ca pita is européias - e à pr ó-

pria tr ad ição ur bana da cid ade. A ex igüidade de terrenos na s

regiõe s cent ra l e sul cari oc as fav orec eu um a ocu paç ão in tensa

do s lotes di sponívei s nos bairros espre m idos ent re os maci -

ço s roc ho so s qu e pontuam a fai xa litorânea da ci dad e. A s di-

fi culd ades em co nt rolar as justaposiçõe s so ciais na Zona Sul,

já sensíve is desd e a expa nsão das fa v ela s a o longo da década

de 10, iriam nov ament e se ev idenciar, ac entuando o contr as te

entre as form as de habitaçã o e vi zinh ança nas du as m aiores

cid ade s do país.

A co nstru çã o de un ida des hab ita cion ais ve rtica is com e-

ça ra no R io de Janeiro des de fins da década de 10 , em vo lta

da praça Fl or iano Peixoto, e se intensifi caria na década de 20,

co m uma cres cente par tici pação dos bairros da Zona Sul na

proporçã o dos prédi os le van tados . I

 

190 . HISTÓRIA DA V,OA P1;VADA NO BRASil 3

HABITAÇÃO E VIZlNHANÇ.o. •

19i

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35 , 3 6. Nos côm odos ap er tado s

do s edif ícios paulis ta nos

espremi am-se móv eis e {un çõe s

copiados dos amplos cim lOdo,

das wsas aburguesat1l1s. (35 . Lea l 

Li/Jermal , Ed ifício Am ália -

sala de estar, São P aul« ; 1q~();

36 . U m apa rtam ento - sala

de alm oço c cozinha, SilO Puuio,

194 0)

A fas e ini c ial de co nstru ção de habita ções ve rticais fo i

marc ada pe la

edificaçã o

de : pré di os de altíssimo lu xo, com

elaborad as fa cbad as de ins piracâo no classicis rn o f ra nc ês .

Pontu ando a pr aça Floriano Pei.x.oto e a aveni da B eira-M ar,

os prim eiros edifí c io s re petiram o pa pel de seus co ng êl~eres

paulis tan os - m uito mais modes to, - no p ap el de arr efec er

os preconce itos relat ivo s

à

ha bitação coletiva. .

Princip iava a c ompe tiçã o dos in corporad ores pe la m ora-

dia dos setores mais aba stado s do R io de Jan eiro , o seg ment o

so cial a que se direc iuD ou in icia lmen te o nova gêner o habita-

cio na l. A s orl as da Gl óri a, flamengo e Botafogo foram esco-

lhidas para situar os prim eiro s préd ios de apartament os da

Zo na Sul, em que a fusão d os c ustosos elem ent os decorativos ,

de refe rência francesa ju ntava-se à s esc alas vi ndas da s Ci dade s

norte-am eri canas .

Os no vos arra nha-cé us da Zona S ul enfren tavam a du ra

co nco rrência da s suntuo sas res id ênciJs erguida , em San ta

T eres a , e na s ru as S ão C lem en te, da s L aranjeiras , S enador

Verg ueiro , M arqu ês de A brante s e su as im ediações , espa ços

pref erid os d as el ites re sidente s no R io du ran te as d écad as de

19 00 a 19 20 . Pon t if i ca ram nesse período os pal ace tes da fa -

m ília GuinJe, erg uid os po r A rm and o Carlos da S ilva T el les ,

que suplantavam de longe se us congêne res paul istanos. S e-

m elhantes às maiores r e si d ência s de B ueno s A ires , muitos tra -

ça dos em Paris por R ené Sergent,  os palac etes dos Gui nJe ,

erguidos na capita l fe deral e no es tad o do R io de Janeiro, sã o

notáv eis pelo empreg o de caríssim os aca bamentos e obr as de

ar te importados da E ur opa. Paradi gma de luxo durante a

R ep ública Velh a, lembram ain da o no táve l conjunt o de re si-

dênc ias do s Vanderbilt , ergui das na Nova Ing laterr a e e xem -

plo mai or da vocação sun tuos a da s moradi as das eli tes emer-

ge ntes norte- am eri ca na s.

E ra im perioso con ferir exc lu sividade e lu xo à queles qu e

se dispusessem a m igrar dos palacetes para os ap art am ento s,

j á que eram in cont orn av elm ent e um gênero de mor adi a co le-

uv a, aspecto nause ant e pa ra as eli tes, que conden avam os

cor ti ços , estalagens e ca sas de cômod os .

O regime de se rv iços comun s, pres ent e em muitos dos

prim eir os apa rtamento s - as chamad as  ca sas de apa rta-

m ent o , um gênero de fla t -, foi rapi damente sub stitu ído

pela segmen taç ão total das unidades , que passaram a in clu ir

192 .

HISTÓRIA DA

VIDA

P<Iv ADA NO 6

ASI '

3

HA alTA CA O E Vil'N 'A NC A -

193

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3 7. A

oputénc ia

dos Guin lt ,

 , aglla tas da Rep úbl ica Velha ,

expressava-se em suas sunruosas

re sidêllcra s, e spa lhadas nOS ba,rro s

da ZO lla Su l do R io de Jane iro ,

} ,mt o

i1

b aía d e Guan ab ara

ou  w, scrnl5 [unntnenses.

( l'ôl acC lf IlJ rua ~ão (Jernen«.

Botafogo .

1Y 97)

depe nd ências complet as de se rv iço. Foram condenados ao

des aparec imen to os an dare s res erv ad os à hab itaçã o comum

dos em preg ad os d omés ti co s, cu jo s e sp a ço s nos apartamento s

passariam

a se r dem arcad os com ri gi dez . geran do um zo ne a-

m ento inte rn o que já foi assina lado como uma carac terística

marcan tement e nacional] A d iferenciação ríg ida entre área s

íntimas e de serviço - e entre seus res pec tiv os oc upa nte s -

fo i um anseio que escapou largam e nt e a os a pa rt am e nt os de

lux o. A permanência e a ci rcul açã o mer ece ram a cri ação de

caminhos e espaços dif erenciad os. sedim en tando para os se -

tore s médios uma dist inção em que se sente o bafe jar dos

tempos da escravi dão.

A ap rovação da L ei de Co ndom íni os em 1928 con so li-

dou em defini tivo a poss ibilid ade jurí dica de ind ivid uação

co mpleta de c ad a u ni da de habit aci onal, restringind o a áre a

co m um apenas aos espa ços de ci rculação e rec epção. custo sa-

ment e deco rados. Proc urav a-se afastar de uma ve z por toda s

o espectro que co nde nava os prédi os de apart am entos ao s

estigmas relacionados à s habi taç ões co letivas. vindos des de o

Im pério. e qu e por mui tos an os ain da ge ro u um sugestiv o

apelid o a os co ndo mínios res id en ciai s ve rticais:   cor tiço s de

lu xo

u

.

8

}

Copac abana co nst itu iu o exemplo mai s notáv el de ve rt i-

ca lização hab itac ionaJ do R iu de Janeiro, tend o sido al i as

ca sas leves. p ra ianas , rapi dam ente su bstituídas pelo s pr édi os

de apartament os. erguidos de in ício na re gião em torno da

pr aça B ern ard elli - o L id o -. coraçã o el eg an te do ba irro

lito râneo. A sof isticaçã o qu e cercou o bai rr o. loc al do hotel

Co pa ca ba na Palace, não foi. en tret anto , fo rt e o basta nte para

lo go am eaç ar a pr im az ia das antiga s regiões res id enciais ao

longo da baía de Guanab ara, que disputaram por déca das

com os bairros at lânt icos as parce la s mais aba stadas da popu -

laç ão ca rio ca . B otafog o, L aranjei ra, mas so bretudo a linh a

lit orânea do Flam engo e do morro da Viúv a pe rm ane ceram

por m uitos an os como reduto dos apartamentos essen cia l-

m ent e urbanos e elegantes , deixando a Copa ca ban a a aura do

mora r ba lneá rio .

A pres sã o dos in corporadores im ob il iá rios jun to

à

adm i-

ni str açã o pública po ssibilitou a concentra çã o paul atina de

novos pré dio s de apart amen tos , esparr amados pe las ave nida s

lit orân ea s ao lon go da s d écadas de 30 e 40. O ga barit o - a

alt .u .ratotal do s edifíc ios - foi con tinuam en te ampl iado. per-

:nltmdo a exploraç ão in te ns a dos lot es. fa tor que aos poucos

im pedi u a próp ri a visualizaç ão das montanha s ca riocas , além

38. Loc alizados en tre

os

pal acetes

a linhados na pr a ia do

F lamengo,

os

Apa rtam ento s G uin le

[oram

do > pr im eir os a se r con struidos

na s ant igas ár eas

ll Sde lCa : i

da Zona 5,, 1 c anom .

A s

áreas

pa ra

emprega dos

do méstico, eram

man tidas rrQ ma l lSa rd L l   fora

das unidades do s

proprietário».

(Apartamentos

Guinle , Flarnengo .

1 9 9 7 )

r f

194 • HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO BR ASIL 1

HABITAÇÃO E VIZINHANÇA •

195

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I

• I

de compr om eter a salub rid ade tão almejada pelas elite s qu e

conduziram a reform a da antig a ca pita l im pe ri al, fato que já

nã o es ca pava ao s visionário s d e e ntã o: [ ... ] d ia v irá em q ue ,

fat a lm ent e, os g ra nd es e di fí ci os d e a pa rtamen tos , po r falta de

área s disponíveis para sua ve ntilação e ins olação, forma rão

um ag lom erado asfix ia nte de morad ia s in sa lu bres e impr ó-

prias à vida humana ' i 

_ Co pa cab ana conh ec eu em p ou cos an os um a m as sa com-

pac ta de prédi os se m re cuos fr on ta is o u l at er ais - diferind o

de modo ra dic al do q ue s e p ro cessa va n os bairros equivalen -

tes de S ão P aul o -, o que prati c amen te pr iv ou os hab it antes

d o i nteri or do bair ro da s ensa çã o d e e star a metr os da praia e

do s vent os m arí tim os. A p rerno niç ão do artig o d e 1 92 8 che ga a

ser ir ôni ca , s e s e c o ns id e rar que o morr o do Cas telo, berço da

cid ad e, fora arr asa do an os an tes ju stam en te so b a a legação de

bloquea r a b risa saneadora . O B air ro P e ix o to, p or çã o m ais in -

ter na de Cop ac abana , é ex em plo da lut a do s ha bit ante s loc ais

para con ter a vo rac id ade de agentes ligados

à

esp ec ulação

im obiliári a , ansiosos por liber ar o gab arito loca l, qu e oscilou

pr eca ri ament e entre três e quat ro pav imen to s res id enc iais ao

lo ngo da s d éc adas do sé cu lo

XX

86

A s alt eraç ões nas condi ções de inquilin ato e as fa ci lida-

de s de crédito fo ram res pons áveis pe la pr olif er ação de apar-

tamentos m inú scu lo s, mu itos comprado s pelos pr ópr ios m o-

radores, es pal hand o- se pelo bairro, durante as déc adas de 40

e 50, os ed if íc ios de kitchenettes e c on ju gados , habitações

compac ta das sem luz ou aeração condizentes com o clim a

ca rio ca . O s apart am ent os m odestos ao s po uco s al terara m o

pe rfil dos bairr os da Zo na S u l, e m es pecia l C opaca bana e

Ipa ne rna , m o di fi cand o a destinação elitista previ sta de sde o

Pl ano A ga che, prim eira tenta tiva sistem áti ca de zo nea r so -

cialm en te os bair ros do R io de Janeir o, re ali za do dur ant e a

ges tão pr es idencial de W ashi ng ton L uís e , portanto , c on tem -

porâne o ao P la no d e A v e ni da s de Pr estes M aia . 

' R es erva dos por Agache para o hab itar do s se tores m é-

d ios e a lto s da população carioc a, os bair ros da Zon a S ul não

fo ram alvo, en tretant o, de um a experiên cia ocup acional re s-

tr it iv a s eme l han te à oc orrida nos b a ir ro s-j ardins de S ão Pau-

l o, c uj as dispos ições d e exclusivid ade funcional , in co rp o radas

e ex pand idas pelos dispositiv os lega is, pr opi cia ram à ca pital

paulista área s e xtensa s de horn oge neid ad e so cial, em que os

I i

, I

, I

I

'--

39, 40 . E m m enos de c inqü ent a an os ,

Co pa caba na pa ssou de um im enso

ar eal , ass inalado po r um a fi le ira

de eleg ant es pala c ete s p ra iano s ,

a um a m isc el ân ea de edi fí c ios

de todo s   padr õe s so ciais

justapo sto s a gr and e s f av el as.

(Copacabana de ontem e de hoje,

c. 1890 ec . 1938 )

< . .. ~

_o .

 

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.

.

, .  

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------.-------_IÍIiIIIIIIiIiIIIíIia. _

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I

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196 •

HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO BRASil 3

HABITAÇÃO E VIZINHANÇA •

197

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espaços pr ivados estend iam , indir etament e, sua ca rac terística

ex clu de nte à s ru as e aos bai rros - aos espaços públicos.

... . A ve rti ca liza ção de algu ns ba ir ros paulistanos de oc upa -

çã o não exclu siva, como Hig ienópoli s, Perd izes e V ila A méri -

ca , preservo u de modo razoável a vizinhança dos bair ros res -

tritivos, sen do os apartamentos hab itados bas ica mente por

se tores de eli te ou da ch am ada classe média alta. N o R io de

Janeiro, o G rajaú, na Zo na No rte, a Urca, alguns lotea men~ os

em L aranjeiras e no Jardim B otâ n ico, ou o B air ro Peixo to , na

Zo na Sul, fo ram experiências tím id as de es pecialização social

de moradias. M antida precariamente, a oc up açã o d es se s b ai r-

ros não chegou a abriga r os ríg ido s pad rõe s de oc up ação

ex clu siva dos bairros-ja rdins paulistanos, nem a se genera li -

zar nos b airros da Zona Sul do R io, tarn po uco n as d em ais

reg iõ es da cidade. 

__ A s pr es sõe s do capit al imo biliário, ex tremamente com-

petit ivo nu con texto de desaceleração da indú stri a ca rioca ,

fo ram aos pou cos reprodu zind o, em toda a Zo na S ul, a expe-

riência de convívios so ciais e co mp ortamenta is ju stap osto s,

qu e se quise ra extin guir na capit al na cional de sde os an os em

que e materializav am as id éias re fo rmadoras e trag ment adas

da Bclle Ép.ique. A justaposiçã o su foc ante de pré dios de

ap artame ntos, mu ito díspare s ent re si , fui aind a asse di ada

pelos barraco s dos morro s da Zon a Sul cari oca, que se ex -

pand iam inc oI ltrolave lmente .

A s favelas , que já eram detectáveis nos bairros litor âneo s

de sde a década de l.O, pros pe raram diante da prec ari edade do

poder pú blico em erradicar até as co ncen traçõ es de moradias

pop ula res mais centrais, pr óx imas aos s ím bo los do R io  civ i-

lizad o S e 0<; numero so s corti ços e ca sas de cô modos do

ba irro da M isericó rd ia e do morro do C astelo furam elim ina-

dos do centro do R io de Janeiro apenas en tre 192 0 e 192 2,

pe los esforços co mb ina dos de E pitá cio Pes soa e do prefeito

Ca rlos S ar np aio, o qu e se poderia esp erar do comba te aos

ba rracos? Multiplicavam-s e as favelas, com o se multi pl ica-

vam as rep roduçõ es do modelo insuficient e de refo rma ur ba -

na experim entado desde a el imi nação do Cabeça de Porco-

os morado res e as moradi as indese já ve is , e xp ulsos, ag rega-

va m-s e na s proxim idade s, e suas ma zelas cob riam novo s

morros , em oldurando a ilusão da s planíc ies arenosas, cobr in-

do a face Jo R io de  chagas  tão indesejáveis quanto inevitá-

II

T

veis : tCons truídas cont ra todos os pre ceitos da hi gie ne, sem

canaliza çõe s d'ág ua, sem esg otos, sem se rvi ço de limpeza pú-

b li ca , s em ordem , co m material he teróc lit o, as favelas con sti-

tu em um perigo permanen te de in cê nd io e infecções epidê-

micas para todos os bairros através dos quais se infiltram . A

su a lep ra su ja a vizin ha nça das pr aia s e os ba irros mais gra-

c io sa m en te d ot ad os pela natureza . 

A s p al av ras de A gach e p rev iam a conf rontação social no

fut ur o que seria gerada pela co nv iv ência heterogênea de ha-

bi tações e dos seg ment os sociais nela s r es id en te s, ac usan do

as favelas de corromp er o R io de J an eiro  nã o só sob o ponto

de vista da or dem social e da seg ur ança , como so b o pont o de

vi sta da higie ne ger al da cidade , sem falar da

estética'. 

S · f o

ap elo trad icio nal aos pa vo res epid êmi cos já não era suficien,te

para justif ica r remoçõe s, e se nd o o fat or p lá st ic o c onsiderado

qua se desprezível, rec orr ia-se então , sem pu dores, à s di sc re -

pân cia s s ócio- econôm icas para alimentar o anseio de nova-

me nte impuls ionar a remoção das populações , que ousav am

_ _ _ _ _ .. . . : I ii I •• • •• •• •• • . _

41 . Logo atrá s d a B ib liotec a

Nacional e d o MU Sel / Na cional

de Be la s-Artes - e a me tro s

do Sen ado Federal e da C âmara

MU rlic ipal -, os gigan tesc os cort iço .'

da ru a d a A jud a exibiam suas

maz ela s a exa tam ent e um quartei rão

do centr o da nova cap ita l de P ere ira

P ass os , a p raç a Fl oria no P e ix oto.

P erm aneceram al i at é ce rca de J

922 .

qu a lld o foram arrasad as jun tam ent e

com

o morr o do Castelo , reduto

de m orad ias popu lare s. (Augus to

Malta, Morro do Castelo, R io

de Janeiro ,

/921 )

198 • HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO BRASil 3

HABITAÇÃO E VIZINHANÇA •

199

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ag regar-se ao s bairro s elitiz ad os : P ou co a pouco su rg em ca -

sinhas per tence nt es a uma população pob re e hete rog ênea ,

nasce um princíp io de orga nização social, as siste-se ao co-

m eço do sentim ento da p rop riedade terr ito ria l. Fa m íli as in-

tei ras vivem a o la do uma da outra, cri am -s e laços de vizi-

nh an ça , e st abelecem -se costum e s, d es en volve m -s e p eq ue no s

comércios , 

U ma e fic iéncia soci al o co rrend o n os interstíc io s d o be m

viver ,

escanca rados aos olhos que se vo lt assem para a exube -

rânc ia da topogr af ia ca ri oc a, não mais apenas no ce ntro,

co mo o co rria no s an os que cerc ar am a s r ef or mas de Perei ra

Passos, m as galopantemente pelas zonas sul, n orte e suburba -

na . U ma vizi nh an ça q ue, a lém de enlaçada nos empr eg o s o fe -

re c idos nos apart am entos e casas, tinha seu poder de barga-

nh a p ar a d il ui r a s t en ta tiva s de remoção de favelas.

Entre 1917 e 1926 , h o uv e r eg is tros de remoções de bar-

r ac os e p op ul açõ es f av ela da s nos morros d a B a bi lôni a e D ois

I rm ão s, e no do T elégrafo , e st e j á n as p or tas da ár ea s ub urba-

na ao norte d a c id ad e. A o mesmo tempo, ac usav a- se a exis -

tência de f av e la s no C atumbi, e também na L a go a, l pa nerna,

L eblon e Gáv ea, send o ain da ess e o período em qu e urgiram

duas das m aiore s f av elas cariocas - a Rocinh a e a da pr aia

d o P in to . 

O advento de Vargas t ra ri a, c o nt udo, um a rev ira volta

n os p la no s e xclu dent es de A gache e da s el ites que o cont ra ta-

ram, suavizando o c ombate às favelas e às suas popu lações, o

que se este nd er ia pelos quinze an os que se seguiram a o té r-

m ino d o E stad o N ovo. A s migraçõ es do cam po para a cidade

s e i nt ensificavam , estimuladas pel os s ur tos de ind ust ri al iza -

çã o ob servado s entr e 19 30 e 1960, e cada ve z mais as m ass as

urba nas destacavam -se nas práticas de c oo ptação po lític a, de

que se s er v iu l ar gament e tanto o E sta do Nov o q u an to o regi-

m e populista que o suced eu

até

19 64 .

A in da q ue h ou vesse umas pou cas remoções no período

d e Va rg a s, v itimando  centen as e cent enas de cria turas, cujo

único mal é serem pobr es na cid ade m ais linda do mun d o'; as

f av e la s p rosperaram enorm emente. S e a dé cad a de 40 tem

sid o c onsi de ra da a quela do boom dos ap art am ento s na Zona

S ul, fo i tam bém a de um a ver da de ir a e x-plosão de: bar rac os

no s m orros de toda a c id ad e, bem como nos bairr os subu r-

banos, em fra n ca e x pa nsão ao lo ngo das linh as fé rre as e CO[1-

ce ntr aç ões indu str ia is , so b os olh os c ompl ac en tes das aut ori-

da des públ ica s. 

O cen tra lismo da adm in istr ação do E sta do Novo fize ra

vi sta gr oss a ao cumprimen to do Có di go de Obras cari oca ,

criado aind a em 1 93 6 e qu e pro ibia ampl iaçã o ou melh or ias

nas áreas fave ladas da ca pi tal . A s grandes atu ações da adm i-

ni str ação pú bl ica, especialm en te na g es tã o municipal de

D odsw orth (19 3 7- 45 ) , c once ntra ram-se na aber tur a da s a ve -

nidas Pr es idente Va rgas e B ras il , facilita nd o a articul aç ão do

ce nt ro da cidade com os s ubúrbios, estra da s in tere staduais e

os mun icíp io s da B aixa da Flum ine nse, qu e já pr inc ipiava m

a a ssumir ca racterís ticas de cidade-do rm itó rio . Ignorou- se o

combate à s vizinhanças dís pa res nas zonas S ul e Norte, ou

mes mo a necessid ade de sa neamento bás ico nas fa ve la s. 

E mbora a maior part e das fav elas e po pul aç õe s f av eladas ,

se gun do o c enso de fav ela s r e al iz a do no R io de Janeiro entr e

1 94 7 e 19 4 8, e stiv es se n as zon as su bu rb anas (44% e 43% ), e

no binôrn io ce ntro-Zona Norte (22% e 30% ), era na Z ona

Sul ,

co m

24%

e

21

% respec tiva m ent e, que as conce ntraçõ es

de barr ac os ca usa vam maior escând alo e constit uí am um

atentado à c onstrução de um a imagem adequada a uma cap i-

tal na cio na l b em c om o a os in te re ss es d a e sp ec ulação imobi-

liár ia , á vid a p or v alorizar os te rrenos

litorâneos. 

A le targ ia n o co ntro le d o zo neam ent o social durante o

E stad o N ov o ge raria a titudes rompantes, com o a criação de

um a Comissão para B x:t in ç ão de F av ela s, e m 1 94 7. A C om is-

sã o reto mo u, sem g ran de s efeito s p rático s, algumas poucas

atitudes - tím idas - do E stado Novo, como a const ru çã o

do s c h ama d os Par que s Proletá ri os Provisó ri os, entr e 194 1 e

1 94 4, n o C aju, n a G áv ea e na p raia d o P into, as duas últ imas

n as im ed iações da la go a R o dr ig o d e F re ita s. N os parques fo -

r am a lo jados os moradores de barracos re mo vid os d os m or -

ros do L ivram ento e do P into , e de bord as da L agoa; m as a

substituição das casas transitórias p elas defin itiv as ja ma is

ocor reria.

A el ab o ra çã o e a p li cação do program a dos P arques P role-

t á ri o s con tou c om a p ar ti cipação-chave do m édico per nam bu-

c an o V í to r T a v ar es d e M o ur a, v ete ra no n a lu ta tr av ad a e nt re a s

elites de Pe rnam buco e o gigant es co n úm e ro de m o ca m bo s

qu e já cercavam o R ecif e a o f in dar d a R e pú blica V el ha , e qu e

constituir ia a m ais er nb lem átic a lu ta p ela extinção d e ha bita-

___ __ __ _ ..... iif .. l:::: I:I :b _

200 . HtSTOPiA D~ V iDA r IVADA NO 9,ASil 1

HABITAÇÃO E VIZ N·jANÇA • 201

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  1 2   UH l tl

Ju s maiores

COI l C t  nl r açi J es

d( ' barraco s da ZO lla Sul do

RIU

de [a nei ro, a a ve /a da {'ra l,' do

PInto era

\/i~inhll das mausocs

do   eblcm

c

da

G  J I'La,

a t, ,u

crradiwção ./lI década

de

60

A áisposiça « d s /IIoradares

 x pulios

csta~ larn  

[avela s

co lada., lILb

el lcos ws do m or ro Duis

irm ãos -

lima dela s, a Rocinha  torno u-s e

a //Jalor Ia ,'ela cari oc a, wroalld o

o reduto residencial mais soj i; ticad o

do R io de Jane ir o. a p raia

da Gáve a . (Fa ve la da pr aia

do Pinto,

194 1 )

ç õ e s

po pul ares di tas in sa lub res no Norde ste, a ponto de servir

como referên cia para as experi ências do R io de Ianeiro . 

O fracass ado prog rama car ioc a de er radi cação de barra-

cos n ão s e d e front ara c ertam ente com uma esca la d e fav eliza-

çã o co mparável à quela ob servada no avanço dos mocarnbo s

so bre as área m ai s ur bani zadas do R ecife , S e em 191 3 os

casebres já co nsti tu íam 43 ,2% do to ta l d e imóve is na ca pital

pernambucana, chegariam à cifra f or mid ável de 63,7% em

1940, ano em que o cen so na cio nal acusa va a vo lta do R eci fe

à c on di çã o d e terce iro m unicípio m ais p o pu loso do B ra sil e o

pr im eiro do Nord es te, po sto es te que viria a perd er p ara S al-

vador apenas no censo de 198 0. A s m ig raçõe vin d as d o in te-

ri or, ca da v ez m ais acentuadas, incha va m o R e cif e: s eus novos

morad ores espa lh av am -se pelo s te rr en os a la ga do s q ue com -

punh am o sistem a fluvi om ar ítim o da pl a níc ie e m qu e se as-

se n tava a cidade. 

A pressão das hab it ações e do habitar pop u lar sobre as

áreas ur b an iz ad as s egun do os pri n cí pi os n orm ativos das eli-

te s e ra ta m an ha , q ue s ur giri a , a in da n a R e pú b li ca Velha, em

19 24 , a Fund ação A Casa Operária , com a intenção de fo-

mentar o con tro le das m oradias e das populaçõe s no R ecife. 

A pressão dos loc adores agravava ain da m ais as d if íce is co n-

d iç õe s d e o bte r h ab it açã o na capita l, a sp ec to que nã o esca pa-

va à imprensa alarm ista , qu e já em 192 1 pr oc ur ava consc ie n-

tiz ar os qu e se mantinh am alheios ao pr ecário equ ilíbr io do

ten so a rr an jo social em que er am ma nt id os os habitantes da

cidade:  N ão tard ará o d ia em que es ses des espe ros [de entre-

ga r to do s o s proventos com o alugu el] se conjuguem e sa iam

p ar a a s ru as a p rocur ar dom icí lio , n ão armados de C artas de

Fi an ça e de garantias de toda ord em , m as de bem m unicia dos

ri fles e bomba s de

dinamite'. 

Os res ultados obtidos pela Fundação fo ram pequ enos

di ant e da in tens a pre ssão demog ráfica so frida pelo R ec ife ,

q ue se a grav ari a em razão do im obi lism o do aparelh o es tatal

em lid ar com a cri e habi tacional - ou co m o próprio des-

dém d os m oca mb eiros. E m prin cípio s da déca da de 20, o

pre fe ito L im a C astro con strói as 150 casas da «vil a ope rári a ,

ex per iência pio neir a de m as sificação hab it aci ona l em Per-

nambuco , com o form a de rea lo ca r e  civiliza r  os m orad ores

de moc ambos. N in guém as qu is. A s casa s pop u la res não

er am car as, m as e ra m c om pletam ente ex ótic as pa ra os c ostu -

m es popu lares : «A s Ca sas pop ul ares fi cavam vazias porq ue

nã o dav am cara ng ue jo s c omo os mocambos', lembrou um

op o ito r político. 

O s moc amb os in ic ia is de ta ipa d e m ão ou pa lha, perfei-

tam ent e adapt ados à s condições clim áticas rec o rr ent es em

todo o lit ora l, fo ram se concentrando nas área s im edi atas aos

ba irr os centrais e residenciais. Ladeados pel as ve rsões d e ca-

se bres que inco rp oravam mate ri ai s a dqu iríveis no m eio ur-

ba no - como telh as e fo lhas de zi nco , que ac abaram por

su pl an tar rap idam ente os materi ai s ru rais - , sua transfor -

mação acabo u por in viabi liz ar os dis cu rsos que viam na tipo -

log ia ori gi nal um a ex pr e ss ão a de quada do saber co nstruir

pop ul ar , pa s síve l de pr ote çã o e e stím ulo.'?'

A r eg u la m entação para as m oradi as er g ui da s p ela Fun-

dação A Casa Operár ia chocara- se ain da um a ve z co m os

cos tum es dos m ocambe iros, que d ev iam se sub m eter a exi-

_ _ . . . u z . . _

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204 .

H STÓRIA DA VIDA P RI VADA NO BRAS i 3

ci dade, instalados nas ed i fi ca ç õe s col oni ais e im pe ri a is, muito

HABITACÃO E V IZINHANÇA • 205

re cur so s pr ev isto s para habitaçõe s popu lares ao financia-

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1

1

.1

pa rcelad as e a s so ciadas à pe rmanência e ao trân sito nas ru as .

A s palav ras proferid as na entreg a do p ro je to de re fo rm a e

adequação de S anto A ntônio pr enu nciavam as atividades da

L iga, e e xp lic it am a orq ues tr ação das at ivi dades d e d is ciplina-

men to do habita r e d as h ab it açõe s: U r ba ni za r é h ig ie ni zar,

fa c i li t ar , d i s cip linar, ernbelez ar, dar, enfim ao homem, os ele-

men tos de um a v id a qu e o af aste, cad a vez m ais, das form as

ini cia is d os es tádi os in ferio res da co munidade hu m ana [... ] A

rem od elação de um a parte ce ntr al do R ec if e [ .. .] tr ará, é c la-

ro , s aú d e, im ponên cia e beleza

à

cid ad e [ . .. ] a ur ba ni za ção da

cid ade é q ue fo rn ecerá

à

Edi lida de elementos para que ela pos -

sa elevar o sta ndard de vi da do po vo, constr ui ndo casas pop u-

lare s e lib ertando Per na mbuco do ult raj e dos rnocarnbos 'U

A so lução habitac ional ao  ul traje fi co u , en tre tanto,

longe de co nseguir acompanh ar a rap idez das demoli ções ou

a continuidade da co nst ru ção de novos mocambos, cujo s

proprie tári os e mor adores ignoravam largam en te as disposi -

ç õe s o fici a is de in terd içã o, como fa ziam os fav el ados no R io

d e J an ei ro. M es mo medi an te a art iculação com associações ,

indústr ias e os ri c os in sti tu tos previd enciários nac iona is ou

loc ais, não se pôde da r conta da ex pansão da de m an da habi-

lacional e tam po uco refr ea r a e xp ansão dos mocarn bo s, E n-

tre 19 39 e 19 4 4 f oi constr uíd a pelos di versos agentes um a so -

m a de 7 5R2 nova s habita çõe s padr oni zad as; en tre [945 (an o

em que a L ig a foi ab sor vida pelo E stad o e transfo rm ada em

auta rqu ia)

e 196 1, outra s 10389 unidades-nú meros in sufi -

ciente s para abs orver as de m and as e extin guir a paisagem de

choupana s qu e ru raliz ava m a ca pital e que pareciam rep ro-

duzir-se espon taneam ente nas

periferias.'?'

As

defasa gens da política hab itacional of ic ia l ocorridas

no- R ecit e acab av am se r epetindo em toda s as g rand es cidades

do paí s, incluindo-s e as ex peri ências de caráter nac io naL A

Fun da ção da C asa Popu lar, in stituída ap ós a queda do Estado

ovo , j am ais c on to u c om am paro po lít ic o p ar a v ia bili zar os

rec ur so s nec es sário s à co nstru ção de unida de s h ab it aciona is

que suportas sem as d em and as p op ular es, o qu e natu ra lm ent e

se agravaria co m o incremento d as m i gr açõe s inter-regionais

experimentadas na d éc ad a de 50 .

O s I ó p r i o s Institutos de A posentadoria e Previdência

- Ú~ L\i's -- ac ab aram tr an sferi ndo parte subst an ci al d e s eus

I

 I

,

,

II

,

,

 

m ento d ire to d e hab itaçõe s partic ul ares ergui das no boom

das décadas de 40 e 50, o que acaba ria por enfraqu ec er o pro -

gram a de const ru ção de unidades pop ul ares e m édi as des ti -

nadas a seus p rópr i os a ss oc ia do s. Suportava -se ainda to do

tipo de in terferênci as obscuras nos pr ocessos de seleção de

credores ou inquilinos, o que t am b ém a fe ta va i nt en sa m en te

as ativida des da Fund ação da C asa Popular.

108

HABITAÇOES  C IVIL lZADORA S  : A UTO PIA NA A URORA

D A E XP LO SÃ O D A S M ETR OP OLE S

A ativid ade construto ra dos

IA Ps -

o m ais am plo pro -

gr am a de mass ificaçã o de moradias implementado na pri-

meira m etad e do sé cul o xx - suce de ra e ampliara aquela já

pe rm itida à s ant iga s C aixa s de A po sentadoria, algum as ainda

na República Velh a. A partir de 193 3, a s C ai xas passaram a ser

transformadas em institutos, e seus president es eram indic a-

dos d ire tam en te pelo M in isté ri o do T rabalh o, Indústria e

Comé rcio , o que assegur ava a asce ndência do g overn o na s

ex tens as atividades habitacionai s do s

IA Ps,

so br etudo naquele s

vi ncul ados aos industr iário s (IA PI ), comerciários (IAP C), ban -

cá rio s (IAPB), marí tim os

(IAPM),

se rvidores do E stad o (IAPSE ) c

aos emp re g ados em tran spor tes e cargas

(IAP ETEC ).

O sa ld o d e n ovas

edificaç õe s

erguid as dire tam ente pelos

IAOS

ent re 193 7 e 1 96 4 t ot al iz ou 76 2 36 u n id ad es, lev an do os

pr ogr am as habi tacionais a transform ar os institutos no m aior

grupo con stru to r de morad ias po pulares e médias do B ras il

vinculado ao E sta do, part ic ipando in clusiv e da co nst ru ção de

un idades para suprir a e xt in ção do s mocam bo s, d eflagra da

no R e ci fe . E m fins da década de 40, o IAP I já tin ha er gu id o u m

tot al de 31587 un id ad es h ab it ac iona is, espalhadas em con-

juntos residencia is pr esentes em d ez enove das m a io re s c id a-

de s indust r ia is br asi leir as , co mo o R io de Janeiro (12238),

S ão Paul o (483 5), Porto A le gre (24 96) , R ec ife (1450) , B elo

Horiz ont e (928), S alvador (69 6), O sa sc o ( 4 m il ) e S an to A n-

dr é (3 m il). O volume de unidades do IA PI e ra , c o ntudo , ir ri-

só rio d ia nte da demanda hab itacional da ca tegor ia traba lhis-

ta densam ente pr es ente nas grand es cid ad es , d ef as ag em q u e

s e a cen tu ar ia n os pro gramas hab ita ci on ais d os d em ai s in sti -

tu tos .  ?

-----...;;;..---------_.

- -

206 •

HIS TÓ RI A DA V IDA P RIVADA NO BRASil 3

T an to n a f ase in ic ial dos pr og ramas, com grande quanti-

hABITAÇÃO E VIZINHANÇA • 207

ta re fa m ais á rdua e despida de prece it os p ed a gó g ic os ... as re-

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8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil

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dade de casas, quanto no per íodo em que a constru ção de

blocos d e a p ar ta m entos foi largamente predom inante, a pa-

dronização das unidades consistiu num a saíd a p ara b ar ate ar

a produção e o finan ciamento, am pliando-se a ofe rta . A s v as-

tas sé rie s de ed ifíc io s iguais que compunham os conjuntos

levantados em todas as grand es cid ad es do país, multi plica -

va m a e xp er iê ncia p ioneira presen te nas v il as p opulares, vilas

op erárias e avenidas erguidas des de o Império na s m ai or es

capitais b ra si le ir as , perseg uin do-se a hom ogeneização dos

pa drões arqu itetônicos e hab itacio nais dos moradores . M as a

e sc al a d as f or mas inic iais de mas sificaç ão mo st ra r- se -i a i ns ig -

nif ican te diante da iniciativa construt ora dos IA Ps, cujos pro-

je tos levantavam as num erosas fachadas quase idên ticas em

todo o país.

Em casos ex tremos, a in tenção discipl inadora alcançava

minúcias do pró prio in terior das residências construídas pe -

los ins ti tutos. A lg uns co nju nt os , erguidos durante o E stado

ovo ou nas ge stões que o seguiram imediatamente, eram

entregues aos mo radores co m inúmeros itens de mobi liá rio

comprad os pelos institutos, sob a justifi cativa d e b ar at ea -

mento de custos e se rvind o ainda à preca ução con tra even-

t u ai s t ra n sf e rências de hábitos não hi g iênicos trazidos de cor-

tiços ou gêneros se me lh an te s d e m ora dia que co nt ami nassem

as vizin han ças. Assegur av a-se dessa fo rm a a pad ron izaçã o

sanitá ria e de  co nforto  já es tabe lec ida na s su ges t õe s t éc ni cas

do M inistério do T rab alho aos

IA Ps,

que de viam nortea r o

co nvívi o nas no vas m oradias :  A lém de a ssistência socia l, q ue

deveria aco mp anhá-Ios por muitos an os [ ] R az ões econô-

mi cas , razões de higiene [ ... ] levam-nos [ ] a pl eitear que se

dê a casa e, co m ela, os m óv eis e os utensíl io s, de um modo

geral . B ater ias de alu mín io , a pa relho s de boa louça , t al he re s

de bo m me tal, toalhas e lençó is de bom pano, tudo será aces-

sível, se com prad o em gr and e qu ant idade , se rá hi g iêni co, se

fác il de lav ar, se rá hu mano se der ao pobr e a alegria de viver

num ambien te são e confortável 

E ssas palavras, p roferidas em 1938, anu nciam o pico da

ca pac idade disciplina dora das in te nções alo ja da s no aparelh o

do E stado - e prenu ncia m se u de cl ínio, d iant e da mas sif ica -

ç ão q ue: seria ind uz ida aos espaços pr iva dos pela sut il socie -

dade de consumo do pó s-gu err a. A o aparelho esta ta l r es ta ri a

. .

moções, em tese solu ções m ais r áp id as , c h eg ariam no lim ite

de retirar-se a próp ria residência do E stado da ca p ital n acio-

na l, se io da R epública .

Co ntra ponto absol uto da lib erdade em que se con sti-

tu íam as m oradias das fav elas - qu e já ab rigavam 7,12% do s

habitantes da capita l d a R e pú bl ica, seg undo o ce nso na cio nal

de 1950 -, a rnassif ica çã o di vu lg ad a p el os lAPs, dir ig ida in-

clu si ve a s etores m édios, foi a in d a r ef erên cia p ara os empree n-

d im e nt os o fi ciais destin ados a popula çõe s de m enor renda,

justamente os ma is dif íce is de enquadrar nos conceit os de

privacidade e vi zinh ança politizados.

O s con juntos p rojetados pe lo arquiteto Affonso Reidv

par a o D epartament o de Habita ção Popular da prefeitur a ce -

rioca, entre 1947 e 1952, refinaram as solu ções rnass ificado-

ra s uti lizad as no s conjuntos do s instituto s, estend end o o co n-

trole hom oge neiza dor do s módu los habitacionais para as

áreas de conv ív io comum , ex periência já adotada em algu ns

conjuntos de IAPs. S e por um lado tin ha- se o cui dado de flexi -

bilizar lige iram ente as fac hadas, ev ita ndo insur gê ncias contra

a monotonia das solu ções dos

IA Ps,

pr evi a-s e a ju stapos içã o

aos conjuntos de apartamento s de edif ícios auxiliare s qu e

abrigasse m es cola , lav and eria s mecâni cas, me rcad o e ce ntro

de saúd e, diss em inando pelo s espaço s públicos os preceit os

 p ed agógicos   estab elecidos em âmbito privado nos bl ocos

habitacion ais.  •

O s re sultados obtidos no con jun to deno m inado P edreg u-

lh o, p ara fu ncionários mu ni cip ais de b aix a r enda, e q ue torna -

ram a prop osta m un dialment e conhe cida pela qu ali dad e do

projeto, a qu al abarcava os aca ba ment os e jardins, ficaram ,

en tretanto, como lem bran ça do desi nter es se em esten der in i-

cia tivas de tal e nv ergadura às va stas po pulaç ões mi seráveis da

capital. D es tin ado à popu laç ão fa ve lada remo vida das imedia -

ções da lagoa R odri go d e F re itas, o conjunto prev isto para

substituir o Parque Proletário Pr ovisó rio da Gávea em 19 52 foi

dr ast icamente reduzido e adulterado , terminan do ali a busca

por soluções ha bitacionais q ue v is asse m prover os a ntigos fa -

v~ lad os de rec ur sos essenciais , co mo am bulató rios, escola, jar-

dms-de-infância, cam po de jogos e pl ayg round .' 

S oluções complex as com o as pro pos ta s por R eidy ti-

nham decerto o cu sto elevado ne cessário a am bições m ais

r

208 . H,S IÓ RIA DA VIDA PRIVA DA NO BRASL 3

HABIiA ÇÃO E VIZINHANÇA • 209

tr a l br as ile iro. A deci sã o de construir a n ova capital d o B ra sil

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I

I

I

 

I I

45. Na foto aérea do Lcbl uII,

a I ma gelll do; edi( icio< padro nizada,

do COl/jun to dos ba llainos

e c/a Cr l/zada São Seb as não, I/as

rroxilllidades das fav ela, c / t i I a :

Rodrigo de Freita s c da lpanenui

 b ossa nava  - a Z Ol 1a S I/ I carioc::

sempre esteve 10ll ge d e ser 11m red u:a

exclusivo de elites 011 se tor es médIOs

ascend entes.

(Edi fíc ios da Cru zad a

S ã o S e b as tião,

Rio de Janeiro,

década de

50)

I

I

I

I I

I

I

. i

o us ad as e abrangentes do q ue as p ra tica da s p elos 1 A P s l Amba s

foram, contud o, p au la tinam en te esva ziad as d e r ec ursos e s us-

ten t ab i li da d e f in a nce ira em v irtu de do s proces sos in fl a cioná-

ri os ou de congelamentos de aluguéis p ro mov idos pela

U nião . M omento crít ic o p ara a s c id ad es, a g estã o d e J usc elino

Kubitschek seria pautada por seu no tório Plano de M etas ,

ze ra dor de su bs ta nc ia l a um en to n o f luxo m ig ratório dir igid o

o

c .

às

maiores cid ad es bra sileiras e q ue i ro n ic am e nt e n ã o

razi a

nenhum a mençã o a so lu çõ es p ara a cris e hab it ac ional, a qu al

se acentu aria no R io de Janeiro e e m S ão Paul o. 

As d i sc repânc ias sociais, a m iséri a do s e xé rcito s de reser-

va m antido s nas capita is, o desnível entre peri ferias e áreas

n ob re s , e n tre fa vela s e ed ifícios, en t re c o nj u gados e c obertu-

ras , todo o quadro de ten são das g ran des m etrópoles inc ha -

d as r esta va m irag em n os a mp los horizontes do Plan alto C en-

ve io a c ompanh ada de um pro je to urbanísti co completamen-

te dif erente da tradiçã o das cid ades br as ile iras. O pl ano pi lo -

to de B ra sí lia, pr oj e tado pelo v en cedor do co ncur so seletivo,

o arquiteto L úcio C o st a, torn av a- se a materia li zação - tota l-

mente redimen sionada - de déc adas de anse io de con trol e

espacial e social h avido nas di ve rsa s administraç ões públicas

es palh adas pelo pa ís, e qu e en co n travam na nova cid ade-

ca pital a possibi lidade de co nc retizar as idea lizações de um a

vi da ur bana no va, a lh eia à s agruras hi stóric as da sociedade

br as ileira.

A p revisão de áre as espec íf icas para os setores fun ciona is

possibilitava um a compart iment açã o de ativi dades e conví -

vios, qu e girar iam em torn o do eix o ad mini stra tivo , fu nção

essencial da ci dad e. M uito embora o m emori al d e C osta pr e-

v isse a coexist ênc ia de setores sociai s no pl ano pi loto, e a

ob rigatori edade de se p rover dentro do es qu em a pr opos to

acomodações dec ent es e econôm icas para a total idade d a p o-

pu lação , a rea lização da ca pi tal nã o ef etivou vi zinhança s dís-

pares , nem pr omov eu a co nstru çã o de moradia s popu la res

necessár ias . I 15

A di spos iç ão dos con juntos de ap artam en tos nas sup cr -

quadras , sit uadas nos setore s hab it acionai s da nov a c a pi ta l,

rom peu co m o tra dici onal al in hamento en tre lo te s e rua s p re -

sen te s n as c id ade s b r as il ei ra s , e limin an do esq uin as n os cru za -

m en tos e fo rça nd o a reversã o do s c on ví vios púb li cos ao inte-

rio r das superq uad ras, que de ve ri am se r a uto-su fic ien tes. O

comérc io e s erv iç os f oram restr it os a se to re s e r uas específicas

e .ex clus ivas , l indeiras com os conjun to s d e a partamento s.

T ra ça do s e c on ce bi dos como tra nsform adores da convi-

vê nc ia s ocial, os arr an jos das super quad ras e de seus b locos

habitacionais metam orfoseavam loc alm en te o p en sa me nto

reform ador dos Congressos I nte rn ac io na is d e A rquitetura

Modern a - os ClAM s - e a ti nh am -se à pe da go gia plá st ic a e

espacia l de L e C or bu sie r, a r ef erênc ia constan te nas ca rreiras

de Costa e N iem eyer, os qu ais su punham ser a arquitetu ra e o

urb ani sm o mod ern os veto res capazes de tran sf orm ação so-

ci al e cultural.  A s sup erquadras espalhavam pela n ov a c ap i-

ta l as pu ls aç õe s já p re ss en ti da s e m e xperiê nc ia s d o p ró pr io

C o st a, n os gr andes conju nto s d os IA PS e so bretudo nos de

A ffonso R ei dy.

210 . HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO g,~SIl 3

HABITAÇÃO E VIZIr-;hANÇA • 211

mov im en to, sem botequin , pré di os suspe nsos - iso lados -

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46 . Sí lltese de um pe nsam ent o

qu e d iluía

 

rígidos lim ites

de con vívio e ex clu sã o p ra ticad os

pela s elit es bra s ileiras na s an ti gas

capita is , as su pe rquadras

enfr en taram a dura tran sformação

do pensament o qu e as originou ,

der ivando lIum a práti ca elit is ta

e segrega rionista - urna 1I(> \·a

P etr ópol is, meta mori oseada

110 ce rrt ldo . (Ma ree I Ga utherot ,

Su perquadra, Br asíli a , LJF. 19 66 )

A dispos ição de B rasíl ia, e de sua gramática para e sp aç os

públicos e privado s, fazia conver gir duas utopias distin ta s

pa ra o P l an a lto Ce nt raI. A quela pr opalada por seu s aut ores,

que viam na cidade m oderna . libe rta das tradiçõe s mes qui-

Ilha s, a pos~ ibilida( k de for ja r uma soc iedade livre e capaz de

pro ver seus cida dãos de di gni dade, e nutra - vitorios a -

m inada pelo pensamento exclu de nte que viceja va ent re as

elit es brasileir as, as quais enco ntrari am no projet o da nova

cap it al um ha bit ar liv re dos setor es qu e perturbav am a har-

moni a tão perse gui da nas ref orm as urbanas qu e se ac umula-

ram des de a pr oclamação da República e que fr acas sav am

fragorosa rnen te no R io de Jane iro e nas demais grand es cid a-

d e s b r as ileiras.

11;

A implant açã o do proj eto ur hanis ti co d o p lan o pilo to

de Br asília des conh ec eu mesmo aqueles numeros os op erários

que a construíram . Petrópolis que ressur gia no ce rrado, a

cidad e não co nc retizou seu plano inicial de ab rigar res ide ntes

po bre s - a harmonia qu e se concr eti za va esquecia- se do s

desejo s de seu s au tores e fixava- se na au sênc ia de sup erqua-

dras e conjuntos res id enei ais

à

disposiçã o dos segmentos

mais modesto s da socied ade da capital. M as sific ada ent re

ig uai s, B rasil ia po dia assim pro sse gui r como uma tr ans for-

maç ão vi ável e irôni ca da so ciedade bra sileira . Ca lça das sem

em pi loti s, am plos gram ados , massas ar bóreas que in tim iza-

va m as s uperquadr as de morado res semelhantes , sem misé -

ria , s em c as as v elhas, sem m orr o s, se m várzeas, sem mangues .

A s cid ad es- sat élites, q ue e nv olve ri am a no va ca pi tal nas déca-

das seguintes , perm anec eram , to davi a, como lembran ça de

qu e nem a ilu sã o de remover as el ites , em lu ga r de fa vela s e

mocambos , poderi a fo rjar um a se paração de espa ço s que apa-

gasse a re alidade br as il eira.

A Vi la S ar a Kubitsc hek (1958) f oi a prim eira da s ag reg a-

ções in esperadas

à

capital, b at iz ad a no ard il dos favelados

para protege r-s e nas mercê s do manto da prim eira-dama.

Ergu id a ant es mesmo da in augur ação de B ra sí lia , a Vi la Sa ra

rev elou as poss ibilidades de repr oduç ão na nova capita l das

ocu paç ões efetuadas pelos m iseráve is na s ant igas capi ta is li -

torân eas , qu e ignoravam in ter dições e lut av am por perm a-

nências.  Suas cond içõe s de habitação eram em B rasí lia

igualmente nauseantes p ara os setores pr ivi leg iados da popu -

laç ão loc al, e nac iona l, que ve ri am ao lo ngo das déc adas se-

guin te s o a borto da s ilu sões de isola r a capital das discrep ân-

cias soc iais do B rasil, e de livrá-Ia d os c on vívios e relaç ões

espa ciais qu e in via bilizavarn a ambição de viv er seg un do os

preceitos

 civ ilizatório s' ,

passapo rte para a ins erção num a

ord em eco nômica, so ci al, polít ica que d es ejavam em seu de s-

terro i ma gi nário sul -am eric an o.

. fu nd ação e co ncep ção de

Br así lia

é o ponto culm inan-

te de décad as de tent a tiv as de im plantaç ão no meio ur ban o

da s cidades br as ilei ras das caracte rís tic as de ex clusão e mar -

gi naliza ção apr opr iadas frag mentari ament e das cid a de s g e ra -

da s pelo ca pitalismo indust ri al eur opeu e norte -americano,

ou ad equad as a el e e

à

gramátic a sa ciaica lcada em pad rõe s

burgueses de diferenciação e co ntro le sistêm ico para as di fe-

re ntes di nâ m icas das dife rentes sociedades ur ba nas .

Úni cos aspectos mais viáveis na ir npl em enta ção dos

modelos es tra nge iros, os movimentos segregacion ais per-

segu idos pelas elite s in stalad as nos aparelh os estat ais dis-

perso s pelo paí s so freram historicam ent e a ação da maio r

pa rte dos br asilei ros e estran geiros qu e residiam ou qu e

ac orr er am à s c apit ais qu e se industri aliz av am ampliando as

pos sibilidade s de emprego no setor terciár io. M as os novos

arr anjo s só ci o- econôm icos di ficilmen te os arrancariam das

212 •

HISTÓ RIA D A VIDA PRIV ADA NO BRASil 3

atividades e c ir cu n stância s in stáve is e f lu tu a nt es, a qu e se

HABITAÇAo E VIZINHANÇA •

213

gan do-se inutilmente aos preconceito s que olv idavam o

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ap eg ava, aliás, bo a p arce la d os habitantes da s grandes cida-

de s brasileiras já d e m aneira pr onunciada desde o S etecen -

tos. ? A f lu id ez do s a rr an jo s e sp ac iai s em que se en la ç av am

as característica s in stá ve is d a sociedade brasileira fo i, po r-

t an to , f oc o p ri vi le gi ado da ação re gul ado ra, dis ciplinadora

das elites in staladas no E stado .

O processo in tenso de metropo liz ação sofrido no Br asil

a partir da instalação do s parques industriais e os sur to s m i-

grató rios a eles associados inviabilizariam qual quer pro jeto

de perpetha r o contro le das form as de mo radi a e viz inh anç a

na s grandes capitais. E spaços público s e p r iv a dos pa ssaram a

se fundir a co ntragosto das intenções no rrnativas, nã o ape nas

nas ru as e na configuração he terog ênea do s bairros , m as no

av an ço sobr e m an anciais - fonte para todas as pi as, chuvei-

ros e vasos sanitários das cidades - ou n a pr ópr ia vio lência

que passa ria a as salta r ru as e casas.

Empurrando a m aior parte dos brasileiro s para condi -

çõ es de sobrevivência perm ea da s pela vi olência e pelo sofri-

m ento , mas tam bém pela gama de ações e reações com que se

debatem no ganho cotidiano, e no diálogo tenso com os se-

tore s socia is e espaços pr ivileg iados , red im en sionaram -se os

choqu es entre as suce ssiva s int enç õe s s is te matizado ras expe-

rim enta das desde a coloni zação, irre m ed ia ve lm ente atadas a

vio lento s pr oc ess os de ex clu são social, e as cont ínu as pos sibi -

lidades de se cri arem es tratég ias de tran sform ação e desv io ,

fertilizad as pela própr ia in stabi lidade oriund a dos procedi-

mentos excludentes, e que diluem m ui to da intenção de m ar-

gi naliza r popu laçõ es que es tão , enfim , int ensam ent e art ic u la-

da s ao tec id o social.

A p ir otecn ia qu e cerco u as úl timas grand e s r em oç õe s de

fa velad os da Zo na S ul do R io de Janei ro , já no lim iar do

regime militar, nã o podia esc onder a imp os sib ilid ade de ex-

clu ir os fave lados d iante da dependência da mão -de-obr a di s-

ponível nos barracos, do s ac or dos ele ito rais, da incapac id ade

de pr om over a co nstru ção de habitações po pulare s na s peri-

ferias e, so bretudo, de assegur ar tr anspo rte rápi do e b ar at o

qu e su porta ss e as de slocações dos morad or es pa ra áreas di s-

tan tes de se us an tigo s locais de trabalh o , consum o, lazer e

so ciabil idade . A s am eaças se rne adas pelos dis cur so s da Bel le

Ép o qu e a rr as ta v am -se à era das m etrópoles g iga ntescas, ape-

qu anto já era impossív el prescind ir da s v izinhanças ernpobre-

cid as ou resistir a elas.

A marginalidade ainda propalada por grande parte dos

ag entes co nstituinte s d a o pin ião pública esba rra va , e esbarra,

n a im ensa quantidade de em pr eg ad os d om ésticos e co nde-

rn ini ais, com er ciá rio s, a te ndent es , tod a sorte d e tr ab alhado-

re s es táveis ou am bulantes de qu e se serv em os moradore s,

consumidores, comerc iante s e pres tado res de serv ico s estab e-

lec id os nos ba irros pr iv ile giados , que usufruem da pr ópria

proximidade da s favela s, mocamb os ou cortiços.'? A vizi-

nh ança , tã o reneg ada, torna ra-se cumu lativa , tã o ne cessá ria

quanto in co ntornáv e l, pr óxim a m as arredi a, qu adr o ernble-

mát ico carioca que se repe te e se rea present a em S alv ad or,

Po rto A le gre , R ec ife, B elé m , F o rt al ez a, B ras íl ia, na or gul hosa

c ap it al p au lista , em todas as grandes cida des br as ileiras .

A o longo das déc adas segu intes ao fim do E stad o Nov o,

as c idad es bras ilei ra s ve riam a c on solidação da proemin ência

quantitativa das popu lações urban as sobre as ru ra is. A vi o-

lência em que se assent ava o arran jo social br as ileiro foi re-

ve lando seus frutos nas gra nd es c ap itais, diluindo a margi-

na lização espac ial das hab itações - e lim ite dos espa ços

privados. Fronteiras que se amenizam , seja por meio da cri-

minalidade e da gigan te sc a e sc al ad a de homi cí d ios , seja no

crescim ento in ten so das atividades econôm icas informais _

c uj a p ont a ma is visível 'é a multidão de am bul antes nas ruas _,

seja na própria impossibilidade de m anter a qualid ade arn-

bie nta l d os e sp aç os públicos e das m or adia s. Cercados d e g ra-

de s, ala rm es, cã es, os espa ç os p ri va d os defe nd em -s e co m to da

a p a ra f er n ália que pro longue a idéia de que é possível m ant er

os fru tos da viol ência e da ex clusão do lado de fora das por-

tas que velam pelas habitações .

V iz in ha d e um a das m aiores favelas car io ca s, a do morro

D ona M art a, L au ra R odri go Oc távio, so brinha de um at ivo

em pre ended or im obiliá rio pau lis tano, v iveu cem longos anos

a parur de 18 94, su ficientes para co nvive r com toda s as

transformações sofridas por S ão Paul o e R io de Jan eir o a pós   /

o ad ve nto republ icano. T es temunha de um dos maiores sur -

to s de urbanização ha vid os no mundo duran te o séc ul o xx e

de sua s m az elas sociai s, re signou -se com a violê ncia qu e as-

so la o cotid ia no do s fa velado s, seu s v izinh os, im pot ente s

214 • HISTÓRIA DA VIDA PRIV AD A N O B ~A Sll J

Page 45: Historia Da Vida Privada No Brasil

8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil

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47. O s ba rr aco s d o m or ro Do na

M a rta co roam a pa isage m

do B ota fo go , b a irro qu e ai nda

gua rda muit os dos m ais sunt uo sos

pal ac etes da Be ll e É po qu e c ar io ca .

U m a co nv ivê nc ia fo rçada qu e

se es palho u po r to dos os bairros

da Zo na Su l do Ri o de Ja ne iro

no de co rre r do sécul o XX. (C ar /os

C h icarin o , Favela Dona Marta,

1987)

3

IM IG RA N TES : A V ID A PR IV A D A

D O S PO BR ES D O C A M PO

Zuleika Alvim

como ela. Aoser indagada sobre como conviver com os tiro-

teios _121 em que as metralhadoras desconhecem qualquer

limite entre espaços públicos e privados -, respondeu lacô-

nica, numa metáfora da vida das centenas de favelados, tão

vulneráveis em seus pobres barracos como a senhora em seu

casarão: Se estiver com meu aparelho de surdez, tiro fora. É

muito desagradável ouvir as balas .

,

...