Historia Da Vida Privada No Brasil
-
Upload
wilsonmriopinheirosi -
Category
Documents
-
view
223 -
download
0
Transcript of Historia Da Vida Privada No Brasil
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 1/45
0 8 H i s t ó r i a d a V i d a v a d a n o B r a s i l )
H 6 7 3
V . 3
- 9 I j l l l l l l l l l j l l l ~
COMPAN HIA
DAS LET RAS '
----
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 2/45
C- \ ~ • LI . 1 , ) r> ')
?: -
J
-:? ' ~ .:..
J ~
Cop yright \l:I 19 98 by Os Autores
Pro je to gráfi co e c apa :
Héli o de Alme ida
sob re foto de
Propagand a de rádio em Se le ções,
tom o
I.
n:
2.
ma rço de 1942
I
' .
1
I'
F
1
-
.. J-
;: . . . .
I
SUMÁR IO
Gu arda s:
Fot o de A u gu sto M alta. Igreja de S ant a Lu zia e o Craf Ze ppelin .
R
'
de
lane i 193 0 ' ce rvo do M useu da
Ima gem
e do Som . R io de Ia neiro
0 e aneL ro ) )
rv
Edi toração
eletrôn ica:
Ae qU ll Es túd io Gráfi co
Secre tari a edi torial :
Fe rnanda Carv alh o
Pes qui sa icon ográ fica :
Yur a Sc hre ibe r
'
Introduçã o . O prelúdi o repu blican o, astú cias da ordem e ilusõ es do pr og resso
- N icolau S evccnko, 7
-
---
----
~
índice rem issivo:
Ma ria C láu dia Carva lho M attos
Preparação:
M árcia Ca pola
R evisã o:
Rearriz M ore ira
Ana M ari a Ba rbosa
C lá ud i a C an ra rin
1 . D a es cra vid ão
à
lib erd ade: dim ensõ es de um a pr iva cid ade poss íve l - M aria
Cr istin a Co rte z W isse nba ch, 49
-I
2. Hab ita ção e vizinh an ça: lim ite s da priva cid ade no surgim ent u das metrópoles
brasilei ras - Pa ulo César Carcez M ar ins, 131
Hisnu .a
doi .
\id
? I \'.nid no
Brasil I coordenador ~.:r,, d.•01.
~dl F('r'~ :ld, -\ Nevar- org.•.nzador do
vc lu- nc ,
,,1•
... 1
)evlelli.... . - SdO Pado Companhia das ~a.ls,
19 i :. -
I bM o da vrd.•pr wada M Brasil ; J)
3. Im igran tes : a v ida pr ivada dos pobres do ca m po _ Zul eika Alvirn, 215
-:I: .
A
dimensão côm ica da vida priv ada na R ep ública - E lia s T horne Saliba, 289
\ ,j~IO ••utores
Blbilo~r ••fi4
*. '
fi 7104-0)1-1
(cbr a cornpletal
Li
85·7164 i41- X
2.,. R ecô nd itos do mundo feminino - M arin a M aluf e M aria L úcia
MOl1,
367
I. Br..sd (.I\,ilz.l r~O]
6 cO I \l1 -
H tstq ria - R CT ihh l d
Ida<; . 3 b f. )U -
L. ,,)~
e costumes I. ~1 alS F-em. m d(· A.
I ~ \
u. Scv cenko,
NI ;01 oIU_I
Ser i e
. 6. Ca rtõe s-postai s, álbu ns de fam ília e íc one s da int im idade -- Ne lson S ch apo-
chnik,423
9g-04~ ._
In<h. ... p u .• caulogo sistemático:
I br ll:
V IO . : .
privada : Crvihzaçêo . Hisrória get
j
7. A caplla l irr adiante: téc n ica, ritmos e ri tos do R io - N ico lau Sevcenko, 513
1998
Notas , 621
To dos os direitos des ta ed ição reserv ad os
à
l :D I T O K A
~HW,A.RCZ
L T D A
R ua Bandeir a Paulis ta, 702. cj.
n
045.1)-002 -
Sã o Paulo - sp
T elefone:
(011) 866·0801
Fa x: (O
11) 866-0814
e_ma i .col etras@ mt ecnet sp .co m .br
Ohras citadas, 655
Créd ito s das ilust raç ões, font es e b ibliog raf ia da ico nogr afia, 679
ín dic e remi ssiv o, 70 7
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 3/45
130 • HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO BRASil 3
49. Na ve nd a de vassouras
d c pia çav a e e spanad ores de pe nas ,
o s trabalhos fe ito s jun to às ruas
demandavam
proteção
adic ional ,
qu e o a mbulan te garan tia
CO rll
seu s
pa tu ás e a mu letos
co nie cc ionad os
poss ive lm ent e de den tes
de po rco-d o- ma to . (Vi ncenzo
Pastare;
sem títu lo, 1908-14)
I ,
Na vida em senzala, nos ajuntamentos de negros escra-
vos e forros nas cidades, nas formações sociais de homens
livres que foram se avolumando ao longo dos séculos deli-
neou-se uma outra noção de privacidade, identificada menos
à domesticidade e mais à sobrevivência, ampliada da intimi-
dade às formas de associação e de convívio social, celebrada
em expressões de identidade social, religiosa e cultural. No-
ção que muitas vezes levava a ser recomposto no espaço pú-
blico o que havia s ido desarticulado com o domínio escravis-
ta, reequacionando o que era tradicionalmente colocado nos
limites de quatro paredes. Contraditoriamente ou não, a priva-
cidade popular se orientava em di reção ao mundo das ruas.
2
\
I
HABITAÇÃ O E V IZINHANÇA :
LIM ITES D A PR IV AC ID AD E N O
SU RG IM ENTO DAS M ETRÓ PO LES
BRASILEIRAS
Pau l o C ésar G arc ez M arins
\ .
1
- - - - - - - - - - ~- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - . - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 4/45
132 • HISTÓ RI A DA V iDA P RI VA DA ~IO ô~ASil 3
HABITAÇÃO E Vlll:-.lHAr ÇA • 133
-bF
im da escra vidão. M ig raçõ es e im ig raç ão . A aur ora do
. re gim e repu blica no dava-se em meio a transformaçõe s
de mo gráficas e sociais, qu e lib erav am po pulaçõe s, e
fran quea va no vos destinos geo gráfico s à s esperanças d e so bre-
vivê nc ia de mu itos dos velho s e novos brasileir os. M utações
difíceis, todav ia . A s grand es cidades sur giam no horizont e
como o espaço das novas possibi lid ades de v id a, do es qu eci-
mento das mazelas do camp o, da memória do cative iro.
Novos habitantes , vindos da s antiga s senza las e case bres
do interior do pais ou dos portos es trangeiros, somav am -s e
aos ant ig os e sc ra vo s, forros e brancos pobr es qu e já in chav am
as cida des imp eriais, e junt o a eles aprend eri am a sobreviver
na instabilidade que marcaria suas vidas també m em se u
novo habitat . M ov imentar-se-iam , todos eles , pelas ru as alvo -
ro çadas em busca de empregos e de tetos ba ratos pa ra abr i-
gar-se, num deslocamento contínuo que fun dia
vivências ,
experiênci as, tensões - e espaços .
Tum ult o
e
desordem
fo ram palavras fác il e co mumente
aplicad as à dinâmi ca das capitais já repu blicanas , à oc upação
de sua s ruas e c asas, e a seus habitantes, cada ve z mais nurne -
ro so s e m ovediços. A s elites em erge nt es impu tavam-se o de-
ve r de livrar o pais do que considera va m atr aso , atrib uído
a o p ds sa do co lo nial e im perial do pa is, e vis ível na aparente
con fu são dos esp aço s u rban os , povo ado s de ru as popu losas e
barulhentas, de h a bi ta ç õe s s u pe rl ot ad as, d~ ep id em ia s q ue se
alastravam com rapidez pelos bairros, assolando co ntinua-
ment e as gra nd es ca p it ai s l it or ân e as.
A cred itar na adjetivação qu e as in tenções norm ativas das
elites atr ibu íam à aparência das ru as e ca sa s das a nt ig as c ida-
de s, herd ada s da Co lônia e d o Im pério, inviabiliza, entretan-
to, a po ssi bi lid ad e d e c om pr ee nder ess as c id ad es e as expe-
ri ências hu ma na s, a li vivid as em seu s múltiplo s es paços, em
uma de sua s maiores caracterís tic as: a instabilidade. D es or-
de m e tumulto eram justame nte as dimensõe s, mui to efi-
c ient es, que grand e parte das po pulaçõ es u rb an as brasileiras
en co ntravam para sua sobrevivência, para seu agir social.
C asas e ru as fu ndiam -s e numa dinâm ica pl asmada e di -
fusa , em qu e os limites espac iais co nstituíam -s e hi storic a-
mente ao sabor da ambi ção fund iária dos proprie tári os e da
co mp lacê ncia son sa da s autoridades . O des leixo , descrito
em um estudo no táv el ,' pareci a co mand ar a pr átic a de justa -
por casas e alin har ruas - quadro em qu e as au tor id ades se
situaram , num equ ilíb ri o su til. Nesse ap arent e des leixo es -
gueirav am -se as a pare nte s desord ens fu nciona is, nu m to r-
velinh o de diluiçõ es e m im eti smos em qu e escravos, for ros e
se us des cenden te s, m ise ráv eis e remediad os, log ravam obter
mai s facilme nt e as cond ições de sua sobrev ivê nci a, e de se us
pr ópr ios padr õe s cul tu rai s e de sociabilidade.' S eria essa di-
nâm ica aq uela a re ceb er os forasteir os da R epúbl ica , vind os
da s faz end as ou das ald eia s européia s oitoc en tis tas.
O quadro difu so e in stável da s cid ad es bras ileiras, já na-
tu ralmente hipe rt ensio nado pe la escravi dão e s eus proc ess os
de exclus ão social, tendeu a se ag rav ar com a A bolição e c om
a in staur aç ão de princípi os dem ocráticos. S ur gia entã o a fi-
gura ater radora da mass a de ci dadão s pobre e peri gosa , vi -
ci osa, a qual emergia da multidão de c as as tér reas, de e st al a-
ge ns e c ortiço s, de casas de cômodos , de palafitas e m ocam bos
que eram a vastidão da paisagem das cidades herdadas do Irn -
pério .' A cu sa da s de atrasadas , inferiores e pes ti le nta s, es sas po -
pul açõ es se riam persegui das na oc up ação q ue faz iam das ru as ,
mas sobr etu do seriam fusrig adas em sua s habi tações.
.. ;o E lo s do país co m o e xterior, R io de Ja neiro, S alva dor,
R ec ife , Por to A legre e o bin ômi o Sa ntos -Sã o Pau lo espanta-
va m inve stime nto s e im igrantes an siados pelas el ite s alicerça-
da s na eco nom ia das fazendas e usinas . U rgia ci vili zar o
L _
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 5/45
134 •
HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO BRASil 3
1 . C o r tiço no Bexi ga . Na ironia
do ende reço, as di f iculdades
daque les qu e lu ta va m p or SIW
sobrev ivênc ia, d estituído; dos
priv ilég ios d a p ri va cidad e ou
domesttcidade no no vo con texto
republicano. (R ua da A bolição
124 , São Pa ulo, s. d .)
~ país, m odernizá-Ia, espelhar as potências industriais e d emo-
cr ati za das e inser i-lo, compu lsória e firm emente , no trânsito
de ca pi ta is , p rodu tos e popu lações liber ado s pelo h em isfério
no rt e. ' A s grandes capi ta is da jovem Repú bl ic a c o ns ti tu í am o
ho rr o r a qualq uer um que es tivesse habituado aos padrões
arquitetõnic os e sanit ári os de g ra ndes capita is eu ropéias,
co mo Pari s, L o nd re s, V iena e S ã o P etcrsbur go , a Nov a York
e W as hington , ou m esmo às cidades sec un dária s do s pa íse s
- cen tra is.
A s grandes cidades do hem isféri o norte , lo cal pr iv ile gia do
de con ce ntr ação demog ráf ica , industria l e simbó lic a , erguidas
pela s fo rtunas burg ues as, h av ia m sid o alvo de vas tos pr ogra-
m as de ref o rm as urb anas dur ante grand e parte do Oitocen -
tos . Pr essionadas pela s cr esc ent es m ig rações ru rais, por co n -
vívio s so ciais tensio nad os pela m isé ria promov ida por ba ixo s
salá rio s e m ás cond ições h ig iên icas , des estabilizadas pelos
distúr bios populares qu e m arca ram as revo luçõe s lib era is que
cul m in aram na déc ad a de 1R4 0, as g rande s cap itaís eu ropéi as
seguir iam , ca da um a a sua escal a , o gr ande mod elo de cirurgia
m ateria l e so cia l con stitu íd o pela cap ita l de N apoleão m , e m
que se des tacou a fi gura
tirânica
de Haus srnann , o gestor da
Pa ri s bur guesa e m onumen tal sur gid a ent re 1853 e 187 0.
A s necessidades de
aerac ão.
circu laç ão , lazer, de m onu -
\ m entalida de e de co nt role só cio -polí ti co de term ina das pe los
/ di sc u rsos técnico s e pela s an siedad es das elites em erge ntes do
--.
-----___--- ._--
HABITAÇÃO E VIZINHANÇA •
13 5
S e gu nd o Im pé ri o f ra nc ês f or am s at is fe it as a g o lp es v io le nt os
c on tr a a s a nt ig as tradiçõe s d e c on v ív io s oc ia l e d e p ro pr ie da -
d e f un diária que m an tinham os parisi en se s a qu ar te la do s e m
s ua s c asa s, r uela s e b ai rr os - d im en sõ es e sp ac ia is q ue s e
sucediam , num em aranhado susc etível a b ar ric ad as que a
q ua lq ue r m o mento pod eriam ob stru ir o co ntr ole d a c id ad e
pela s autoridades .
..; R asgando o tec id o c on tín uo d a cidade, qu e ainda lem -
brava aqu ela do A ntigo R egime, os g ra nd es b ul ev ar es de
H au ssm an n a rtic ulav am P ar is m ed ia nte u m siste ma v iá rio
qu e co br ia to da a c id ad e, g er in do a l oc ali zaçã o e f un ci on al i-
da de de espaços p úb lico s e c on tr olan do os g r an d es b a ir r os
on de h ab ita va m o s p arisie nses pobres o u m i se rá ve is qu e
am eaçavam a segurança e o espl endor das burguesias, as
qua is res plandeciam nos lu cros e no lu xo faustoso do S e-
gun do Im péri o .'
M ais do que qu alqu er ou tro tipo de c on st ru ç ã o f u nc io-
nal , fo ram as casa s e os edifício s re sidenciai s aq ueles m ais
intensam en te atingido s p elas c ir u rg i as c a pi ta n ea d as po r
H au ssm ann. A s m o ra di as f or am a lv o d a e nx ur ra da d e d is cu r-
so s
e p rá tica s n orm ativ as q ue p ro cu ra va ch egar ao cidadã o
em seu e sp aço m ais difuso, m ais su speito - e m enos alcan -
çad o pelos tent ácul os do E sta do. A privac id ade das pop ul a-
ções pari sienses deveri a suj e it ar-se ao interess e público ,
ap anágio d efin id o p or o utras in tenções privadas alojadas
n o a pa relho ins ti t ucio r la l.
M ilhare s d e un id a des habitacionais fo ram des truída s em \,
Pa ri s à cu st a d e d es ap ro p ri açõ es, e a s m u it as r em a ne sc en tes I
fo ram fustigadas pela s po stura s cada ve z m a is o us ad as. A s
nov as co nstr uções fo ram subm etid as à aprovaçã o g ov ern a-
m ental, o que restringi a in te nsam en te a po ssib ilid ad e d e se
Con st ru ir como se qu isesse . A esp ecul aç ão estabe lecia um a
lóg ica parale la de exclusão es pa cial, em qu e as imediações da s
gr and es ar téri as foram lent am ente im possibilitando o habi -
tar po u co c us to so .
A lu sões
à
matriz parisie nse foram se esp alh an do pelas
an tig as capita is européia s, qu e so friam in terven çõ es d e g ran -
de esc al a, co mo V iena, Fl o rença ou B rux ela s, a ti ng in do ainda
cida de s su l- am eri canas com o B uenos
A ires.
E m todas elas as
novas di scipl ina s impostas alca nç av am em cheio os l imites
tradicionalm ent e va sto s da s co ncepções do qu e v inha a ser a
~ ~
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 6/45
propriedade ou a habitação. As casas e os espaços domésticos
foram então o mais possível submetidos a uma ordem está-
vel, necessária às novas funções urbanas promovidas pelo ca-
pitalismo industrial. O privado passava a ser, portanto, con-
trolado não apenas pelos desígnios do indivíduo, mas pela' ,
ordem imposta pelo Estado. Esse modelo de convívio urbano, r
trespassado pelos procedimentos de especialização espacial e
segregação social, esteve pulsando no cerne dos procedimentos
de controle da habitação e vizinhanças implementados nas ca-
pitais brasileiras a par tir do advento da República.
Marcadas pelas distantes referências dos países setentrio-
nais, às elites republicanas urgia constituir uma estreita dife-
renciação espacial em cidades e populações completamente
avessas aos modelos europeus. Percorreremos algumas das
muitas tentativas de implernentação das referências euro-
péias no Rio de Janeiro e nas principais capitais do país, em
que o Estado buscou, por todas as frentes, estabelecer a ca-
racterização dos espaços de abrangência pública, reservada à
circulação e lazer controlado, e daqueles privados, reservados
à prática da intimidade institucionalizada pelos códigos de
comportamento específicos e rígidos, a serem mantidos e
promovidos preferencialmente pela família nuclear. A uma
.':, ordem estipulada pelos gestores do Estado para as ruas -
públicas - devia corresponder outra destinada às casas -
privadas.
A diferenciação entre ruas e casas, entre espaços públi~
cos e privados , devia ainda ser necessariamente acornpa-',
nhada pela geografia de exclusão e segregação social, que aca-
basse separando em bairros distintos os diversos segmentos
í
da sociedade. Privacidade, portanto, não poderia mais con-
fundir-se com domesticidade, com os simples limites da casa,
mas escapava para uma dimensão que abarcava os convívios,
os vizinhos - todos sujeitos a uma mesma gramática de
comportamento. Harmonizando-se as vizinhanças facilitava-
se o conhecimento da fisiologia urbana - e das múltiplas
disfunções geradas nas clivagens sociais altamente tensio-
nadas nas capitais brasileiras, sobretudo após a concentração
de grandes massas populacionais nas cidades já na primeira ~
década republicana.
Asestratégias de institucionalização encadeada de casas,
ruas, bairros e, por fim, da própria cidade, sofridas pelas ca-
1
1
'I
J
--
. . . •
_----_._------
--
- --------
136 • HISTÓRIA DA VIDA PRIV ADA NO BRASil 3
HAIiITAÇ~,O E VIZINHANÇA •
1 37
pitais brasileiras, deparavam-se não apenas com a t radição
do tumulto e do desleixo ': mas com a dif iculdade da orga-
nização republicana em gerar suas células constitut ivas - os
cidadãos -, de quem se poderiam exigir deveres quanto
mais se oferecessem direi tos, viabilizadores da estabilidade
proposta para os espaços.
Sea formação das grandes periferias sem infra-estrutura
- e os múltiplos processos de exclusão que as alimentaram
- será a característica da expansão das grandes metrópoles
brasileiras contemporâneas, as ilusões de controle total das
convivências sociais - e da dinâmica social enredada entre
espaços públicos e privados - teriam que enfrentar asações
e persistências dos brasileiros que praticaram suas próprias
noções de identidade, intimidade, habitação e vizinhança. De
suas ações privadas, múltiplas e confrontantes já na Belle
Époque, surgir ia o perfil contraditório e tenso da construção
da própria coisa pública -
Res publica .
LI MI T ES P RIVA D OS EM CO NFR ONTO NA BEL LE É P OQ U E :
CORT IÇOS, FAVELAS, PA LA CE TE S E V fL l\S
->
Primeira cidade brasileira a sofrer um amplo projeto de
reformas após o advento republicano, referenciado no exem-
plo civilizador da Paris haussmanniana, o Rio de Janeiro,
capital da nação até 1960, seria alvo das mais variadas tenta-
tivas de controle das moradias, no sentido.de.hajmonizar as
v.. zinhança.L~estendeLLdim..e. ls.ã..Q~9I~Ii~, >-p-úlica, os pa-
drões de prjyací.d.a.decontrolada e estável. A_fOl flli:~riv;Te-
gjada da cidade, sede de~~~~ _~~RO~tlRúblico, não
fQ . ,.Q l
tretan to,Ja toL.SUliçiene 'p-ªg.~ ~ .~el1~~as resultas-
~-12'andes sucessos.
À
ineficiência dos procedimentos
fiscalizadores, somava-se a limitada dimensão das interven-
ções oficiais, incapaz de dialogar com o fluxo contínuo de
novos habitantes que acorriam
à
capital da República.
As iniciativas.reforrnadoras tomadas pelas autoridades\
J~úºli cas, sobretudo após a posse de Rod~ Alves em \
19Qwsbarravam tambérn.na.mescla de atividades e [unções
~ue...j.ustapun.ham_em. quase.tndas.as.ruas da cidade, em
e.~p~aLnos..distrito.s.cen.tr.ais. Casas de comércio dividiam
paredes com habitações luxuosas ou remediadas, e não raro
com cortiços , estalagens ou casas de cômodos. Tudo alinhado
--,
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 7/45
138 • HISTÓRIA DA VIDA PRIVAD A NO BR ASil 3
2. O lu xo e xa cerbado do s salõe s
de v isi tas dos palacet es da Be lle
É po qu e a co lh ia t od a um a
pa rafernália d e ob je tos de cor ativos
p ro du zi do s p el as i nd ústrias
eur opé ias. (Au gu st o M a lt a, lnterior
de residência, Ri o de Ja ne ir o,
c. 1905)
dire tamen te sob re as ru as, m ediado pelas numero sa s ja nelas
e por tas , e pelos mur os do s quintais.
J á
se di ss e, c om c erto ex ager o, qu e so br ados e rua s e ra m
in im igos na g en erali dadLd. ..ª_L c.idades · bras ile ir as .' Mui ta s
moradi as esta va m, c ertament e, marca das pelos anti gos hábi-
tos de reclu são form al , herdados das trad ições islám icas e do
ce r imonial ar istoc ráti co lu sit ano - matriz do s a n ta gon ism os
es paciais c ul tivados pela s e~ . M as da m aior par -
te das co nst ru ç õe s a ss obradada s e da imensid ão de casa s tér-
reas da s cid ades, o que se dev e lembr ar mais v iv am ent e é o
inten so en tra-e-sai nas portas, uma dilu iç ão c ontín ua de es -
paços - algo m ais necessário à d u ra s ob re v iv ê nc ia im provi-
sa da dia a di a pe los m uitos pobre s e m is erá ve is q ue p ov oa-
va m as ci dades brasileiras do q ue as ilusões de re clusão e
disc riçã o propaladas pela s
elites.
O R io repub licano recebera - e mant eri a - uma larga
faixa d e vida s ba se ada s em um cotidi an o d ifícil, muito dis-
tant e d as d ife rencia çõ es e reg ram ent os promovidos pela mo-
ral bur guesa ou pelo capitalismo indust rial, ta nto quant o já o
er a pa ra as tra diç ões q ue exi gi am reclu s ão . M e sm o o impres -
ci ndív el contro le d e e pid em ias tr opicais , q u e d e va st av am p o -
pu lações ca ri ocas, so bretu do após 1850, era incip ien te , e q ua -
s e impossí vel em um a cidade na qua l mal se d iv isa vam os m o-
rador es d as freg ues i as , q ue m uda vam de dom ici lio com a m es-
ma f re q üência com que tr oc avam de empr ego.
A casa, o espaço dom éstico , era urna referência basica -
m en te móv el para essas populações, co mo o era a sua pr ópr ia
so br ev ivênc ia A s construçõ es dis poníve is para a m oradia
pop ular rest ringiam-se a obedecer à s poucas exi gê nci as pos-
sívei s d ia nt e da pobr efa c da própr ia mobilidade, re stando à s
autorid ades apenas mul tar aqui ou ali os prop riet ários ou
locadores m ais de sobedientes - um a debilidade qu e se re pe-
tia no cont ro le dos lo gradouro s públ ico s.
A s pos turas das ve reanças, as co ncessões d e s er viço s p ara
in fra-estru tu ra urbana e o pequeno e xé rcito d e m édi co s s ani-
ta ri stas po uco tinha m podi do fazer pelo cont rol e efetivo da
din âm ic a da cida de, e de suas habi t aç õe s p opul ares supe rpo -
voadas e mater ialm ente prec ária s, muitas delas lev anta das
so b o im pu lso da li ber açã o de capitai s do tr áfico e do au -
mento da s ativi dad es portu ári as e indust riais da co rte. O R io
de J a ne i ro i ngre ss ava no rol da s c apita is republ ican as do Oc i-
dente, sob o es cár n io e o horro r de via jan tes estrangeiros ,
nego cia nt es e im igra nte s.
O qu adro pr ec ário das
habi taçõ es
da s ma i or es faixas da s
po pu lações ur b anas carioc as se repetia na s d em ais capitais
HABlfAÇÃO E VIZINHANÇA • 139
3. C o nc en tr an d o p o pu la çõ es t ão
num er osa s q uanto desp rovida s,
as ca sa s e rgui do s ainda na C o lô ni a
ou no Im p ér io e sp alhavam- s e pe la s
áre as cen trai s da s m aior es c idades
do p a ís , f o rç and o c on vív ios
e c o nf r onto s so ciais . (Castelo (alto
do morro),
Ri o de Jane iro,
c.
1920 )
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 8/45
140 • HISiORIA DA VIDA PRIVADA NO B~ASIl 3
4. No s cort iços e estalagens cario ca s
a s expec tat iva s d e privac idade
di luíam -se , co mp arti lhada s
nos varais , ta nques e port as ab erta s.
(A ugu sto Ma lta, sem títul o, Ri o
de Ja nei ro , s. d .)
,
pr ovinciais, o que se to rn av a evid en te nas altas taxas de
mortalid ad e q ue a co metiam os dom icíl io s p op u la res, provo -
cadas pel as suc essão de su r to s d e c ólera- mo rb o, f eb re a marela,
va rí o la , ma l ária e em par tic ul ar d e tu bercul ose , a lém da pe ste
bubônica , que passari a a fa zer muitas vít imas em fins do
sécu -
1 1 0 XlX,
D oe nça s to das que grassava m em razão das pé ssimas
condições de sal ubri da de oferec ida s pela s rua s im und as , m as
sobr etu do pelas casa s lotadas e sem infra -estrut ura de
esgota
mento e aba stecim en to de água, ins ufi c ient es e in efi ci en te s
mesmo na corte. O s efeito s da s epidemias e endern ias er am
multip lica dos por causa dos ainda in cip ie nt es resul tados profi -
lá tico s da medici na cie nt ífi ca , à s vésperas do salto microbioló-
gic o, e da s p rá tica s cur at iva s v in da s d as tr adições afri can as e
hip oc ráticas, muito dissem inad as na capita l. J O
U rg ia aos d irig ent es do re gi m e que se in sta lav a, ins pir a-
do nas idé ias
tec nocráticas
de gover no, arran ca r o R io de
Jane iro da let argia e ino perância qu e atr ibuíam ao ex ecrad o
re g im e im peri al , julga do inc apaz de liv rar a cidade de COI1\ I-
vio s consid era dos p rom ísc uos e dese stabilizadores da saúde
públic al,Faz ia-se m iste r gene ralizar os proc edim en tos di sci-
pl in ares pa ra os espa ços público s e priv ados , d if er encia ndo-
os m ed iante a o pos içã o
à
di nâm ic a difusa qu e os m es clava, e
qu e fa voreci a a c onv ivência entre se gm en tos e int eress es so -
ci a is muito di st in to s m esmo nas áreas m ais cen tr ais da ca p i-
ta l. Co mpreende-se , poi s, a priorid ade co nce di da ao comba te
HABITAÇÃO E VIZINHANÇA •
1
A
1
. .
in~ti t~ci?n al à s h ab i~ a 5õ es p o pu la re s,. c o ns ~ d er a da s ~ omo
O S
p rm C Ip al s f oc os d e d is pe rs ão d as e pid em ia s p el a C Id ad e, e
ha v ia m uito te mp o c on de na da s à e xtirp ação p elo s m éd ic os
higienista s, ansio sos por curar as cidades de su as patologias
sanitárias , so ci ais e e spaciais.
A Jlmbição de arranc ar do sei o da capit a l as habitações e
mo ra do re s i nd esej a do s p ela s elit tu il li gentes começo u a se
fQ ?te rializ ar co m as medidas visa nd o a d emo lição ~Q L Ilum e-
rosos
cortiço s e e st al ag en s, espalhados p or t od as a s f re g uesia s
ce ntrais d o R io d e Ja ne iro , o q ue se processou sob.a.leg itima-
ç ão c on fe ri da p el o sanitarismo. A i na ug ur aç ão d as medida s
de exclusão hab it acional e socia l na ª pita l da R e pú bl ic a p e r-
mire entrev er , n o en tant o, as muitas dificu ld ade s na implan-
t~ ªo das re fe rências ur ban izad ora s estrangeir as qu e se r ep e-
tir j~ . L J) .aL déç ad ªi se g i L ~~ ~qu 0E~m naufragar os
a ns ei es d e h o m< :&~_~~ ar _~ 'izin b:~ça ~e_p .Q U t i za r o s âmb it o s
privados à J .ev~~ .. s au:n<g clª-s....s..oÚ ai s..
A s primeir as atitude s objetiva nd o a eliminação do s cor-
ti ços ca r ioca s m os tra va m -se tã o tímida s quanto in capa zes de
re o rientar para longe a moradia das popu laç õe s expul sas.
Pod e-se sup or com certa segur ança que já na demolição do
cé lebr e Ç abeç a de Po rco - sit ua do n as fald as do m orro da
Prov id ência e post o abai xo pel o p re fe it o B ar ata R ibeir o em
1893 - co m eç aram a sur gir os ir ôni cos res ultados inicia is
co lh id o s pelo atr opelo das in tervenções republicanas .
A m isér ia e os m ise ráveis que haviam per di do suas habi-
taç ões na der ru bada vi olent a do cort iço tinham à disposiç ão
o mo rr o c on tígu o - e as m adei ras da demolição que a pró -
pr ia pr efeitura lhe s perm itira re colher. B arr ac os de madeira
ja esta va m diss em inados no morro de S an to A ntô ni o, ponto
pr iv ilegiado da cid ad e, e lo go e st ari am pr es entes no da Prov i-
dência , nos anos qu e se seguiram à s pic aretas de B arata R ib ei-
ro. N a v izinhança do Ca be ça de Porco, sur g ia a Favela , a p eli-
do qu e seria da do ao morr o da Provid ência pela tr opas vinda s
de Ca nu dos em 18 97 , a s q uais es tac iona ram ali e acabara m
denominando o local des se nom e por ass ocia ção a plantas
c om f av as, co m uns tanto no morro car io ca quant o na s ce rca-
ni as do arra ia l de A ntônio C onselhe ir o, o B elo
Monte.
A s fa ve la s, s urgida s no R io de Janeiro quase contempo -
ranearnent e à R ep úb lica, inaugura vam de mod o exe mplar o
ro l d e fr ustraç õe s da s elites em elim inar as conv iv ências de
/
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 9/45
142 . HIST ÓR IA D A VIDA PRIV AD A NO BRASil 3 HABITAÇÃO E VIZINHANÇA • 143
5. Na guerra ent re o p re fe ito ca rioca
Ba ra ta R ibe iro e o Cabe ça de
Po rco,
o pod er p úblico vet ce a p ri me ira
ba ta lh a, d evo ran do o o po ne nte e m
1 89 3. A lia s depoi s, ltaS
v izinhança s
do 1uc al do corri ço de rruba do,
prosperav a a Fav ela , con jur lto
d e b arraco s que ap e lid ar ia
dema is
agr upame ntos popula res dos m or ros
cariocas.
(C abeça de Po rco, }
893)
ANNO 18
ç ã o
dos e sp aç os p úb li cos e priv ad os das área s m a is c entra is
da capita ls T inham esperança de ga ra nt ir a tr an sf orm aç ão
so cial e cultural da c id ad e, e o bter um ce nário decente e
at ra ente aos fl uxos do capit a li sm o inte rnac ional, tão ref rea -
do s pe las p rec árias cond ições da capit a l q ua nt o am bic iona -
dos pe las eli te s atr e lada s aos gr and es in tere ss es e xportado re s
ins talado s no governo da U ni ão .
Ag indo ta nto no con trol e dos espaços privad os c omo no
dos l og ra dou ros
públi cos,
as refo rm as urb ana s car iocas ex-
pulsari am grande parte da pobreza e da m isé ria, das m ani -
fes ta çõ e s p opul ar es e das ativi da d es t ra di cionai s visíveis nas
ruas e na s ca sas m odes tas da cid ade. A s p r á t ic as san itá ria s con-
sa gr ariam os di tam es da m edi cin a científica co ntra o cu ran-
de iri sm o. A obri ga to ried ade o fici al de vacinação contra a va -
ríola ge raria em 19 04 o m ais in tenso lev an te pop u lar havido
no R io de Janeiro , a R evol ta da Vac in a, qu e tr ansf orm aria o
ce ntro da cidad e num caos de q uebra-que bra s e b arric ad as.
Insta lou -se um clim a de a nsie da de e des confia nç a e ntre os
integ ran tes das elit es lo cais, in clu ind o- se aqueles m embros
que em princíp io s om aram sua s v o zes
à
av ersão do s popula-
res p ela v acin a ou con tra o ro l in termináv el de dem oliçõe s
que s e h av iam in iciado na capi ta l.
O s pu do re s da s cas as e fam í li as , as sac rossa nta s i dé ias de
p ropried ade pr ivad a, as tr ad ições religi os as de cul to a O rn o-
hab it aç õe s e popu lações diversas no sei o da m aior e m ais
importante cidad e br as ile ira de então, fo rn ec endo um para-
d igm a do que s e p r oc ess ar ia ao lon go do sécul o xx em quase
todas as m edidas qu e visa vam a exclu s ão s oc ial m edian te a
cond enaç ão e elim in ação d e h ab it ações inc onve nientes.
_ A s vastas re form as ur ban as empreen d id as a partir de
19 03 no R io de Janei ro pelas ações combin adas dos gove rno s
federal e municipal m irav am em ch eio a lib erdade de ocupa-
4
6. O
mor ro de Sa nt o A ntônio foi,
provavelme nte, o p rim e iro a ab rigar
ba rra co s no Ri o de
[aneiro
republica no. Ir onic am ent e , muitas
da s pa red es e te lh ados for am
levan tad o s com despojo s
da s demoliç õe s efe tua da s na ár ea
cen tr al . (Aug us to M al ta ,
Morro
de Santo A ntóruo , s . d.
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 10/45
144 • HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO BRASil 3
7. Na inú til ten tat iva de subm eter
a Fa vela, os sa ni tar is ta s pouco
pudera m faz er al ém da p olí c ia
- a s m oradia s do mo rro
dt l P rov idê nc ia cons o lidaram -s e
c cheg a ram a té
fins
do sécul o XX .
(U ma limpeza indispensáv el,
s.
d.)
I
I
j
lu, O orixá ligado à varíola, tudo era exíguo diante das serin-
gas de vacinas, ou dos inspetores sanitár ios que violavam a
intimidade de lares de todos os segmentos sociaiss' Devassa-
varn-se corpos, casas e quintais, em razão da imperiosa im-
posição oficial de eliminar a varíola, a febre amarela e a peste.
A privacidade devia ser estimulada, desde que se adequasse aos
interesses da esfera pública, trespassada por interesses parti-
culares dos que ditavam as regras políticas e sanitárias
-0
que naturalmente atingia muito mais as habitações coletivas e
os bairros em que se concentravam, foco do levante de 1904,
do que os palacetes e casas médias, na maioria obedientes aos
dispositivos legais para construção e saneamento básico.
_ A profilaxia dos espaços públicos e dos corpos deveria
ser, portanto, acompanhada daquela dos lares e, por extensão,
dos bairros e do centro, livrando a capital das convivências
tachadas de insalubres e perigosas, sanitária e socialmente.
Caso fosse necessário, punham-se as habitações condenadas
abaixo, garantindo ao menos a eliminação das moradias inde-
sejadas por suas permeabilidades , consideradas promíscuas.
Os ecos da Revolta da Vacina calaram a maioria das pos-
síveis dissensões entre as elites locais. Os divergentes rapida-
mente se acomodaram às somas pagas pelas desapropriações
de seus imóveis, pelas compensações em títulos públicos,
substitutos das rendas de aluguéis, ou pela possibilidade de
HABITAÇÃO E VIZINHANÇA • 14 5
I
\
I ·
reconstruções lucrativas, estimuladas pela; reformas coman-
dadas por Rodrigues Alves. Tudo embalado pelo triunfo das
práticas sanitarizadoras implementadas por Oswaldo Cruz e
amplificadas pelas demolições dos projetos haussmannianos
do prefei to Pereira Passos e de
P au lo
de Frontin.
Ainda que as reformas de Pere ira Passos não tenham
tido o grau de complexidade sistêmica daquelas realizadas na
Paris oitocentista, que ele mesmo vivenciara em seu período
de estudos na França, o Rio de Janeiro foi palco de uma
firme tentativa de reformar os costumes, aliando o controle e
o redesenho dos espaços públicos ao ataque violentíssimo
aos espaços privados e às propriedades edificadas.
A apropriação parcial do programa parisiense, adequado
a ~a cidade industrializada e com forte demanda de serviços,
vena seus resultados chocarem-se com uma soc iedade, e com
uma economia nacional, que não podia acolhê-Ia satisfatoria-
mente nem mesmo em sua escala reduzida, tampouco fazê-Ia
frutificar segundo as ambições dos dirigentes brasileiros.
Instalou-se um bota-abaixo de cortiços, estalagens, so-
brados e casas térreas classificadas como insalubres e indig-
nas, sob a aparência das melhores intenções sociais. Para
aqueles que compartilhavam das idéias intolerantes dos diri-
gentes das reformas, as rnelhorias nas canalizações e infra-
estrutura não eliminavam a chaga social das habitações po-
pulares miscigenadas à s casas comerciais do centro ou às
moradias destinadas aos setores sociais mais estáveis estabe-
lecidos nos arrabaldes.
Certamente não basta obtermos água em abundância e
esgoto: regulares para gozarmos de uma perfeita higiene ur-
bana. E necessário melhorar a higiene domiciliária, transfor-
mar a nossa
edificação,
fomentar a construção de prédios
modernos e este desideratum somente pode ser alcançado
rasgando-se na cidade algumas avenidas, marcadas de forma
a satisfazer as necessidades do tráfego urbano e a determinar
a demolição da edificação atual onde ela mais atrasada e re-
pugnante se
apresenta?
Era a j ustificação para o vasto pro-
grama de alargamento de ruas e traçado de novas avenidas
sob o antigo tecido dos quarteirões das freguesias centrais e
da linha portuária, articulando-os com os arrabaldes em que
se multiplicavam os interesses especulativos desde a instala-
/
/
---__-
------_
_-----------
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 11/45
146 • HISTÓRI.~ DA VIDA PRIVADA NO BRASil 3
ção
d a s c ompa nhi as de bond es e e sta çõ es de trem ao sul e a o
nort e d a c id a de .
O acesso da área cent ral aos sub úrb io s p op ulares ao
norte da cidade, além de São Cristóvão , fo i fa cili tado pelo
pr olongamento da avenida do M angue, na C idade N ov a, e
pelos at err os na Prainha, Valon go , G am bo a e na
praiã
Fo r-
m o sa , o nde se ass e nto u o n ov o cais po rtu ário e a lo ng a a ve-
nid a Rodr igues
A lves .•
No vetor su l d a cidade , os aterros entre
a M iseric órd ia e a pr aia da Saudade deram abr igo à avenida
B eir a-M ar, que a rt icul ava o centro aos bairr os em que desde
os tem pos de d. Joã o VI v ic ej av am as ch ác ar as de estrangeiros
e aristo crat as. A gora , o acesso à G lória, Ca te te , L a ra n je iras ,
Co sme Ve lho, Fl amengo e Botafogo er a rápido e elegante ,
tend o sid o a Gu an ab ara flanqueada com jardi ns e escultura s
inspirado s em Paris. O arej am en to atlânt ico de Copa caba na,
liga da ao R io por bond es qu ando era pouco mais que. um
imenso are a l , e s tava aind a mais acessív el às nov a s m or adias e
à esp ecul ação, sob retudo após a in augur aç ão do tún el do
L em e, em 1906.
18
A
legislaçã o im p lem ent ada pe la tiran ia de Pe reir a Passo s
em 1903, im pos ta à cidade em meio ao f echamen to da
Câ -
mara - suscetível à s pressõe s dos que vi viam de alu guéi s em
co nstr uções precári as e ba ra ta s -, pr oibia a constr ução de
estalagens e c orti ços na cida de, e d e cas as térrea s nu m amplo
pe rímetro que englobava o centro e os bairr os ao sul, al ém de
regula r enf at icamente as novas edif ica ções :
A part e ref eren te à s condiçõe s do terr eno estabeleci a
normas quanto ao ate rr o dos pân tanos ou alag adiços;
pr oibia qu e em rua s nov as ou po uco edi ficad as se con s-
truísse em terrenos com meno s de 6 m de largur a (vi-
sa ndo a lim ita r o p ar celamen to espe cula tivo indisc rim i-
nado dos lotes urba nos, e, quem sab e, inviabi liza r
as
pe qu enas moradi as em área s qu e te ndiam a se r rap id a-
ment e ocupada s); eJÇ j&LCJ-ue JQQoole rr ~n o_ con st ru L ~o
fos se fechado por um m ur o o u g ra dil .
T rat and o da s condiçõ es q ue dev ia m sa tisfazer os pré di os
a co nstruir ou rec onstru ir, regulam enta va as fachada s, a s
pare des divisó ri as de pr édi os contíg uos, os alice rc es , o s
materi a is de co nstrução empreg ados , o areja mento e a
vent ilação , a altura m áxim a dos prédios em relação à
HABITAÇÃO E ViZINHANÇA • 147
largu ra das ru as , 'a col ocação de res er va tórios de água,
encanam ent os de esgotos , lat ri na s etc.
S ubm eti a-se a pos sibilidade de no va s c onstr uçõ es a os de -
sígni us impostos pelo poder públi co, na espe ra nç a d e re gu la r a
intim idade e a pr ivacidade das residência s m edia nte os pa-
d rõ es s ani tários de in fr a-estrutur a , o q ue e ncarecia os custos ,
limitando o ro l de p ro priet ários capaz es d e c on stru ir . O âm bi -
to pr ivado dev ia ser explic itamente diferi do do públi co , p or
meio d a e xi gê ncia d e g rad is e m uros, ao mesmo tempo qu e se
con tinh am vizin ha nças popu lares am plia nd o a s d im en sõ es
m ínim as do lote , o que se ali ava
à
in terdição das casas térreas
no centro e na Z ona S ul.
O d ese jo d e e sp argir as ha bitaçõ es c iv ilizadas pe la cida -
de chegava à
qu intessência
n os a rr abald es liw rán eos , onde se
materializav am as cara cterístic as d o h abitar aerado e
higiêni-
8. Loca d e prornenades c co rso s
e le gant es ,
[ardins
d a e n se a da
do Bot afo go eram esp aço : pu b li ca s
cujas no rmas de uso
P
CO r/dura
acabaram por
res tr ing ir
5 us uár ios
a um gru po se leto,
aviuzudo .
As praias ca riocas -- púb licas por
exigê nc ia legal -o {-asSU rt urn gr and e
pa rte do s éc ulo XX
ccr cad .is
pur um
grad il
iguaímeme
SUTi e
invisivel
(A ven ida Be ira-M ,», enseada
do Botafog o, R io do : laneiro s. d. )
f
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 12/45
1 .18 •
HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO iASll 3
;.; cJS eg uin do trad ições que já vi nh am do reino e do Im pério ,
solares e p a la ce tes eram erguidos em m eio a jardins, muito s
d eles iso lad os e m se us lo tes e p ro te gid os p or e xten so s grad is
de f er ro q ue a fa st av am se us f ro ntis píc io s f austo so s e a in tim i-
d ad e d os m or ad ores do movimento das ruas.
20
C omo quase
todo s os vizinhos edificavam - e comporta vam -se - de ma-
neira semelhante, chegava- se à pos sib ilid ade d e ha bitar en tre
iguais, nu ma g en era liz aç ão d e alcance público advind o dos
p adrõ es d omés ticos e privado s homogêneos .
_ A m ig ração das elites para os bairros ao sul da cidade
assegur ava-lhes distânc ia da pr om is cuidade da s áreas ce n-
trais e da s adjacências do palác io imperia l de S ão Cr istó vão ,
o nd e m uitas re sidência s outrora distintas ha viam sido trans-
fo rm adas em casas de cô mo dos, ou avizinharam- se à s in dús -
trias qu e se in stalava m na re gião . M esmo a m o ra d ia do s mor-
to s elegantes deband ava do s an tigo s cem itérios terceiros do
Caju e Catumbi, inse ridos em bairro s claramente populares ,
para o C emi tério S ão Jo ão B a ti st a, no Botafog o, co m sua
vi zin hança sofisticada.
A ânsia de ass egurar vizinhanças homogêneas atingiu a
pr ópria sede do governo nac ional, que
já
havia se des loca do
desde 1897 do Palác io do Itamaraty pa ra o Palácio do Catete,
antiga res id ência do s barõe s de Nova FriburgoY S ituado na
ru a la rg a de S ão Joaquim, o pa lacet e adquirido à marquesa de
Itamara ty em 188 9 localizava -se em meio ao oceano de ha bita-
çõe s co letiv as qu e povoava as freg uesias imediatas de Sa nt a
R it a e S anta na , a metr os do própr io Ca be ça de Porco , vizi-
nhança por demais incô moda que in clu ía, nat ur alm ent e, o
Ministéri o da Guerra, exces sivamente pr óx im o.
A s am enidades do vetar sul da cid ade foram consid er a-
das mais de ce nt es aos despa chos presidenc iai s d~ R epú blica,
iro ni cament e re alizados sob os teto s er gui dos com a fortuna
de um dos ma iores pro prie tár ios de escravos do Império . A
se de do E xecut ivo nac ional abandonava o equ ilíbr io neo clás -
si co do solar dos Itamaraty para alojar-se no lu xo os tent ad o
p elo n eo maneirismo veneziana do palácio dos Friburgo -
u ma c ur iosa R epú blica que se abrigava em sím bolos da titu -
lada elit e im peria l e q ue não se di gn ari a jam ais erguer para si
um palácio enq uanto perm aneceu se diad a no R io de Janeir o.
A s boas cas as do re gim e ant igo pu deram ser - às es câ nca -
ras - as r es id ências dos repu bli can os at avi stas , qu e se guiam
HABITAÇÃO E VIZINHANÇA • lA9
os pa ssos das elites escr av ocráticas em d ireção aos palacetes e
vil/as
da Zon a Sul.
E não eram apenas essa s as r em in isc ências trazidas do
Império a a lim enta r as pretensões da s elites refo rm ado ras e
ex clusivas. Petrópolis permanecia como referência de bem
vi ver, uma pequena E uropa serra acima, o rn ad a d e ela bo ra-
das moradias neo clá ssicas e ecléti cas, e iso lada dos calores e
epidemia s tropicais do R io.
M ai s do que uma refinada f an ta si a e ur op éi a, P et ró po li s
era ainda um a cidade de p ob re za q ua se i nv is ível, e cli ps ad a n as
dependências domést ica s do s pa lacetes ou no co m ér ci o r es tr i-
to . I de al , p aradi gmática para as ment es que, desterradas no s
trópi co s, im ag in avam po de r civilizar as ca pita is d as antigas
pr ovíncia s e a pr óp ri a sede nac iona l se gundo os ditames da
sonhada Eur opa, Petrópolis transformou-se em espaço.m ítico
de um prese nt e repu blican o l iv re d os i nc ôm o do s h er da dos do
passad o es crav ista qu e embalava o R io de Janeiro, e que expu -
nha as maze las e vi zinh anç as da po breza em todos os pontos
ce nt rais da cid ad e. S an ead a dos convívio s bárb aros e aviltant es
à s amb içõ es dos dir ige nte s repu bli cano s qu e ver aneavam no
alto da ser ra da Es trela , Petró po lis transitou do Impér io à R e-
públ ica co mo lemb ranç a pr ecio sa dos bons tempos dos Bra-
ga nça, em que ca da u m d os viv entes sabia seu lugar - me s-
mo qu e tal lugar fosse bastant e fluido em cad a um a da s
movimen tadas ru as da ant iga corte , ataca das a p artir de 19 04
pejas de mol ições e remoç ões de Pereira Pa ss os.
O s sonhos de civilização emergiam, serra aba ixo , na c on-
sol idação dos ba irros refinados da Zona S ul ca rioc a, re fúgio
cad a vez m ais ac ent uad o de espa ço s pr ivados se melhantes no
ab urguesam ento, avizi nha dos na mesma harmonia mítica de
Petrópolis. A intenção de as se gur ar a implantaç ão de área s
res ide ncia is homogêneas arti culav a-se ainda com as grandes
obras pública s da área centr al. In úmeras propr iedades priv a-
das, inclui ndo re sid ências de tod os os se gme ntos sociais, fo-
ram sub met idas à in tenção de def inir logradouros espec íficos
pa ra a c ircul aç ão , em que a ocup ação de ruas e av enidas de-
via ex pulsar as antigas prática s de pe rmanê ncia do s qu e se
aloja va m ou trabalhava m nos espaç os púb li co s.
A av en ida Cen tra l. depois ren ornea da R io B ra nco em
home nagem ao barão que de fin ira os tam bé m confuso s lim i-
te s geogr áficos do Imp ério e da R epúblic a, aparecia com o a
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 13/45
15 0 • HISTÓRIA DA VIDA PRIV,\DA NO BRASil 3
9 . C on t emp lando O vale
d as L ara n je ir as , o p al ac ete
da eminência pa rda d o p o de r
presidencia l, a ss en ta va -s e o nde
já
m oravam rico s ClIr ioc as d es de
t em po s d e d. João VI. (Palacete
Pinheiro Machado (morro
da Graça), R io d e lanci ro , s . d )
mais emblem ática das no vas artérias sur gid as do bota-abai-
xo, in sp ir ad a n os b ulev ares pari sienses e na av eni da de M ayo,
q ue p re si dia desde 18 94 o c en tr o abu rgues aclo da rival B ue-
no s A ires , ca p ita l q ue nos prim eiros ano s do século x x ultra-
passara o R io de Janeiro com o p rin cipal centro portu ário
sul-americano.
- .yA nova avenida co roa va as in tenções de rcd efin içã o da
antig a rela çã o e ntr e es paço s púb lic os e privados na ca pit al da
R epúblic a.D fausto das co nstru ções in stitucio nai s e pa rtic u-
lares consagrava-lhe novo s ritm os espac iais, tud o pat roc ina -
do diretam ent e pela U niãQ )que ence tava no cen tro da capital
o símb olo do contro le do s e sp aç os p úb licos, abert os à s cu sta
da violen ta submiss ão das propr iedades privadas aos proce-
dimento s desapropriadorest.Os an tigos ocu pan tes das ruas
ap ertadas e baru lh en tas da ár ea central, os m esmos que se
beneficiavam do tumulto e da des ord em , dev iam se r ex -
cluí dos do s no vo s logra dou ros públicos . R eservados para
aq ueles que soubess em se comportar dentro de padr õe s de
civ ilidade , as novas art érias expulsavam - em tese - os
m iser áv eis do R io, privati za nd o pa ra as elit es e setores mé-
dios um es pa ço, em princíp io , comu m, público '~
A co ncentraç ão do suntuoso conjunto form ato pelo S e-
nad o Fede ral (Palác io Monroe), pela Bibl iotec a [aciona l,
M useu N acional de Belas -Artes e pelo T eatr o M un icipal na
extr emidade sul da nova avenida indicava o tam bém novo
co ra çã o da cidade. O centro a go ra voltava-se para os bairros
res i de nc ia is n o s l ad os da enseada de B otafogo e do A tlântico ,
cr ia nd o-se o eixo qu e enlaçav a as re giões en f im subord in adas
à no va gram átic a entr e os espaç os públicos e os privados
ambic iona da pe las elites reformistas.
Davam -se as costa s pa ra o c ampo de S antana, S ão C ris -
tóvão e os bairros em volta do E ngenho Velho, lembrança
mo nárquica cheia de solar es decadente s. O Norte da cid ade
er a de ix ado ao s médi os , aos m iseráveis qu e eram ex pulsos
da s res id ênci as c ol et ivas demolid as na área ce nt ral, e à s leva s
de car ioc as e im igrant es qu e pod iam insta lar -se nas casa s
mod esta s d a z on a s ub u rb a na , cre scent e ao lo ngo das estradas
de ferro Central, L eopoldina, R io d 'Our o e Me lhoram entos
do B ras il. Com as verb as gov emamenta is canaliza das para
as ref orm as portu ári as e para o Iausto do s alargamen tos e
ate rr os a jar dinados no cen tro e nos bairro s sulin os, re stari a
aos subúr bio s in ic iar décadas de reivindicações para a infra -
es tru tura de casa s e ruas, e soluçõ es pa ra o transporte entre
os em preg os, na s áreas centrais, e as di stantes moradias qu e
se gui am a sa crifican te geo gr afia da lóg ic a e spec ulativa: Em
ru as da cidade e ru as de seu s subú rb ios m ais próxim os , aos
q ua is o mun ic ípi o já deu tod as as vant ag en s que pod ia d ar ,
encontra m-se a cada pass o ter renos desabitados. E m com -
-
-----------_--..~------------_._-----
HABITAÇÃO E VIZINHANÇA • 15 1
10. E la: Vo cé m e d is se que is to a q ui
era uma terra ci vi lizada ... M uito
bo ni ta civ ili za çã o. An tes o m eu
a rr ai al do se rtã o Qu erem arr asa r
o m orro? Po i s a r ra s em,
rtI 5
s e n ão
há c as as , f aça m b arra c ões p ara
a ge n te pobr e Is t o a s si m
é
um a
po uca v er go n ha de
de sajoro,
qu e ,
se eu f os se h omem , h avia de pi nta r
o diabo I le: C al a-te , mul her
Cala-te
e
vai p ux and o c om (/ t ro ux a
Isto aqui é com o e m to da a pa rt e: .
tratam-se o s ricos nas pa lminhas
e
po bres a os
pont apés
M as o dia
da nossa v inga nça h á d e ch egar. Ol á,
se há de ... A q ue le s d esaloj ad os p el as
refo rmas cariocas que não toma ram
o ru mo d os s ub úr bi os, e stabeleceram
su a pre se nça r enegada na s fa ve las,
que s e e s pa lhar am r ap id a me nte
pe lo s m or ro s
I/Q
Zo na Su l carioca
já na década de 10. (Descendo
o Castelo, 1905 )
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 14/45
152 •
HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO BRASil 3
pensação, no s b airr os m ais rem oto s, a con struçã o é inces-
sante ,
Q uan to m ais long e ficassem as populações - e suas
h ab itaç ões - e xp ulsa s p elas re fo rm as e se us a ge nte s, ta nto
m elh or se ria . A s plan ícies que se es tend iam p ara além do
morros do T el ég r af o , do P ed re gu lh o e d e S ão [anuário , e da
ser ra d o E ng en ho N ov o, p assa ra m a ac olh er p arte d as lev as
de m oradores que eram expelid os d as ár ea s m ais c en tra is
p e la s d emo li çõ es ou pela valo riz aç ão d os terreno s e pela es-
peculação q ue e sto cav a as á re as m ais p ró xim as d o ce ntro .
Engenho Nov o e d e D e nt ro , M é ie r, Ca s ca d u ra , I r aj á , P a v un a ,
B on su ce sso , R am os e d ez en as d e ou tros bairros foram aco-
l he nd o o s v as to s s e g m en to s m é d io s e e mpo b re ci do s, e nq u an to
aqueles q ue n em n os s ub úr bio s f er ro vi ár io s p od ia m h ab it ar
passav am a v a g ar p e las con struções q u e r e st av am de te r io r ad as
no centro, e m ru as im ed ia tas à s á reas do pro gr am a d e r ee difi-
ca ções : A p op ul aç ão q ue se d e sl o ca v a n ão t in ha o nde mora r,
a lojav a-se aqui par a a m an hã de nov o, com a rm as e b ag ag en s,
se rem o ve r p ara um ou tro pon to . Fo i se af as ta nd o d o c en tr o .
qu ando os m eios d e fo rtu na o p er mitiam ; fo i s e aglome rando
no ce nt ro torn and o m ais peri gosa sua estadia, quando os re-
cu rsos o rdin ári os eram
parcos'.
- A pr iori dade no embe leza m en to da s rua s e a rté ria s cen-
t ra is e d o s b a ir ros a o s ul pri nc ip ia va a most ra r a r ea l d i me nsão
da ca paci dade do poder públ ico em rea deq ua r os padrões ha-
bi ta cio na is, e a pr ópr ia am bi ção de san ear e zon ear socia lmen -
te a no va cap ita l redes enh ada . O s temores do f r ac a ss o d as m e-
didas sanitária s, i nf un da dos po rque de fato ela s lograriam
elim ina r a m aioria das doen ças epi dêm ica s e endêm icas do'.
R io, p renu nciav am a c on tinuaç ão e a di sp er sã o n ão d as pato-
log ia s b io lóg icas, m as daquelas temidas , as sociai s e h a b it acio-
nais: l.. ão ex atam ente este s acúmulo s insa lub res d e mora -
dores po br es qu e t or nam impos sí ve l a san ificação c om p le ta d a
cidade . E le s já sã o a tualm en te focos epi dêm ic os. A té hoje, po-
rém , es ta vam co ncentrados em um pont o. A g or a v ã o irrad iar?
A disp ersão das popu laç ões po bres deu -se realmente , e
em grand e part e, pelos subúrbios ao norte da cidade, m as
não foi esse o ún ic o ru mo daq ueles q ue e stavam sendo ex -
pu lso s pe lo bota-abaix o e pelas no rm as q ue p erse gu iam as
pr omíscuas habitações populares.
As
a ti tu d e s g ov ernamen-
tai s de ed if icação de moradias populares e ra m t ím id as -
.. J ~ Q . - ~ HABITAÇÃO E VIZINHANÇA • 153
del as s ão t este m un ho s o s conjuntos a in d a e x is te n te s a o l o ngo
da aven ida S alvador de S á - , levando os despejados a se
aco mo d ar o n de p u de ss em . Com o a constr ucã o de n ovo s co r-
tiços e est a la g en s e st a va p ro ib id a des de 1903, a s c asa s d e cô -
m o do s, que fo ram d es crit as c om O v er bo a ssus tador d e J oã o
d o R io , te nd ia m a e sp alhar-se ainda m ais pela s ed i f ic ações
vi zin has a o n ovo cen tro do comércio e do la ze r d a B el le É po -
q u e c ar io c a, a br ig an d o b oa parcela dos de sabrigados e e n fu -
recend o os an se i a s c iv il i zadore s:
S ão as ru as da C idade Nova, d a G ambo a, de Fr ei C an eca ,
qu e sempre fo ram a hab itu al r esid ência de ge nte pobre
as qu e h oje co ntin uam a se r p ro cu rad as e por is so se
enchem ainda m ais os cô modos qu e os minguados ven-
cim en tos do s operários permitem pagar.
E , assim re un ida, a glom er ad a, e s sa ge nte - tra ba lh a-
dore s, carr oc eiros, hom ens ao ganh o , c atra ieiro s, c ai xe i-
ros d e b o de g as, lavadeira s, cos turei ras de baix a fregues ia ,
m ul heres de vid a re les ent opem as ca sas de cômodos ,
velhos ca sarõe s d e m u itos an dar es, dividid os e subd iv id i-
dos por um sem -nú m ero de tapum es de m ad ei ra, at é
nos vãos de telhados entre a co bertu ra carcom ida e o
for ro ca ru nch oso . À s vez es , nem as di~isõe s de m adeira :
na da m ai s q ue s ac os de ani agem est endidos vert ica lmen-
te em se pt os, perm itindo quase a v ida em comum , numa
pr om iscuidad e d e h orro riza r. A ex ist ência
é
a li , c omo se
po de im agin ar,
detestável.
________ iII:II•••••••. . __ ._.__
11 . Po lic ial: Que é isto' No m eio
da ru a Ho m em : Que
é
qu e
o
sen ho r qu er: nã o h á m ais casa s.
P ú bl ic o o u p ri vado' A cha rge
de 1904
já
apontav a o im prov iso
do sa nea me n to soc ia l d as á rea s
centrai s do R io de Jane iro du ra n te
a pr es id ênc ia de R od rigues Al ves.
(Po r causa das Avenidas, 1904)
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 15/45
15 4 • H ISTÓ R IA DA V IDA PR IVADA NO BR AS IL 3
Para os cariocas que nem mesmo podiam pernoita r nos
casarões havia a possibilidade de ainda fazer bom uso inter-
pretativo de um dos artigos do código de posturas de 1903.
Os primeiros barracos de madeira, que desde a década de
1890 acumulavam-se no morro da Providência, a Favela , e
no de Santo Antônio (onde ocorreriam várias tentativas de
erradicação das habitações entre 190J e 1916), começariam a
se espalhar nos incontáveis morros cariocas, disponíveis em
todas as zonas da cidade, favorecidos pela flacidez do próprio
dizer legal: Os barracões toscos não serão permitidos, seja
qual for o pretexto de que se lance mão para obtenção de
licença, salvo nos morros que ainda não tiverem habitações e
mediante licença ?
Os morros estavam por todo o Rio, e quase todos eram
desabitados; quanto às licenças ... essas puderam ser facilmen-
te esquecidas, ou mesmo contornadas. Quando ~orar n~s
habitações coletivas superlotadas alcançava um custo impos-
sível, ou as condições de moradia ficavam insuportáveis,
umas poucas madeiras e a complacência das autoridades
abriam novas - e p anorâmicas - perspectivas de habitação:
Para ali vão os mais pobres, os mais necessitados, aqueles
que, pagando duramente alguns palmos de terreno, ad-
quirem o direito de escavar as encostas do morro e fincar
com quatro moitões os quatro pilares de seu palacete ...
Ali não moram apenas os desordeiros, os facínoras
como a legenda (que já tem a Favela) espalhou; ali mo-
ram também operários laboriosos que a falta ou a cares-
tia dos Cômodos atira para esses lugares altos.
Numa singular sirnbiose com as reformas da cidade, os
moradores expulsos pelas demolições alimentavam-se dos
destroços, extraindo dali os materiais de construção-que
acabariam perpetuando as vizinhanças que as obras públi-
cas pretendiam extirpar: O desenvolvimento das constru-
ções no morro de Santo Antônio acentuou-se no governo
passado, durante as demolições para a abertura da avenida
Central. À noite, desciam as íngremes veredas, para a cidade,
bandos de homens, crianças e mulheres, insinuando-se pelos
escombros, pelas minas das velhas ruas que desabavam para
nascer a avenida, c ali, com cautela desentranhavam paus,
vigores, tábuas, velhas folhas de zinco, tudo quanto mais a
HA BITAÇÃO E V IZINr tANÇA • 15 5
mão demorava, para vol tar, a horas mortas, organizando a
triste caravana da miséria. No dia imediato, ao romper do
_ sol, já mourejavam no desbastamento do terreno, para assen-
f.
1ar os alicerces de uma nova habitação .34
c . c' ~ Apesar de as habitações coletivas tradicionais serem con-
tinuamente perseguidas, sobretudo na área central, nos bair-
ros da Zona Sul e na distante Copacabana - onde al iás exis-
tiam alguns cortiços já antes de 1905 -, asfavelas acabariam
sendo toleradas. Com uma rapidez impressionante, os barra-
cos foram erguidos por todas as regiões mais urbanizadas do
Rio de Janeiro, inclusive naquelas escolhidas pelas elites para
morar em boa vizinhança': solapando os sonhos da gestão
Rodrigues Alves.
Os 219 barracos da Favela da Providência e os 450 do
morro de Santo Antônio estavam, já em 19l3, ao alcance do
olhar de qualquer um que estivesse nas esquinas ou janelas
das novas ruas e avenidas afrancesadas abertas na década de
1900: aqueles a metros da nova avenida Marechal Floriano,
principal artéria transversal à avenida Central, e estes coroan-
do ?s céus do largo da Carioca, um dos pontos de circulação
mais
elegante da capital.
Vozes na imprensa encarregavam-se de renovar os pre-
conceitos contra a ameaça que vinha das novas formas de
habitação dos miseráveis cariocas. Controladas as epidemias
na década de 10, o s apelos do sanitarismo já não eram cabí-
veis pa:a as vontades que queriam expulsar as populações
pobres Junto com as habitações infectas. Mas, afinal, o que se
podia fazer? Se a Favela era descrita como uma vergonha
para uma capital civilizada e antro de facínoras': era tam-
bém impossível ignorar que a República dos fazendeiros es-
quecia-se de promover as reformas sociais que suportassem
as exigências feitas pelo Estado aos
novos
cidadãos. Na au-
~ência desse cuidado, a existência de miseráveis - maciça e
IDcontornável- possibilitava que eles agissem como pudes-
sem, ou quisessem, lutando pela sobrevivência nos empregos
e funções instáveis disponíveis por toda a cidade. Perto de-
les exibiam a morada de suas misérias aos olhos ansiosos pela
civilização , numa vizinhança que as autoridades foram ins-
tadas a aceitar: Tanto na Favela como no morro de Santo
Antônio moram centenas de trabalhadores, gente honesta,
digna de consideração dos poderes públicos, e que só se foi
-.-- .c:••••. _
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 16/45
156 •
HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO BRASil 3
I
i
j '
I
I
meter nos tão m als in ad o s c as eb re s p orqu e não enc on tr ou ou-
tras hab ita çõ es [ ...] C uid ad o, C alm a, Prud ên ci a s ão de bom
conselh o n es sa s c o njunturas a pe rta da s, e m q ue o p ob re tem o
d ir ei to d e ex i g ir q u e se lh e r esp eite a p róp ri a m i sé ri a, causada
principal me nt e p ela in cú ri a d o s
poderosos'.
Num tem po em que apenas trens e b on des prec ários
s er vi am a s p eriferias longínquas - a o q ue se so mav a a q ua se
intransponível topografia carioca - como es pe rar ho ras e
hora s p or em pre gad os? O s m orros e b re jos d o c en tro e da
Z ona S ul acab aram sendo a resposta cômoda para as elite s
habituadas a ag ud as e xp lora ç õe s s o ci a is. A f in al, a convivência
p ró xim a e ntre s en zala s, c o lô n ia s e s al õe s senhoria is est av a n a
m em ória d e m uitos. A pobreza acabou por avi zin har- se ao
lux o d as residências aburguesadas: a metros do s qu inta is e
jar din s f ra nceses da rua de S ão C lem en te, no B ot af o go , sub i-
ri am ano s dep ois os ba rr acos do morro D ona Ma r ta.
M a l a c ab a v am as gran des demolições e ex pu lsões da ges-
tã o R o dr ig ues A lve s, já com eç ava a su rgi r a m aio r p arte das
fave las do ce nt ro e da Zo na S ul do R io de Jan eir o. E m 190 7 ,
enc on tram -se referências a ba rracos no morr o da Babil ôni a,
se guindo -se o aparecim ent o das fa velas do S alg ueir o (190 9) ,
na T ijuca , e da Mangue i ra (1909 ), no morro do T elég ra-
fo , loc aliz ado at rás da Q uin ta da B oa V ista . Já em 19 12 e sta-
vam em m orros do A nd araí, em Copacabana e no L em e, e
tam bé m no mor ro de S ão C arl os , no
Es tácio.
O morro dos
Ca brito s, entre Copacabana e a lag oa R odrigo de Fre ir as, já
ab ri gava barr acos em 1915 , e em 1916 havia favelado s tam -
bé m no morro do Pas m a do , c oroan do a paisag em d o B otafo-
g o, e no s s ub úrb ios ao norte da cidade.
A ex pansã o da s popu laç ões fa ve lada s avanç ara no se io
dos b airr os de pa lac etes , m arc and o a pai sagem e arruinand o
as ambi ções de afa s tar as vi zinhanças empobr ec id as . O fra-
ca sso em forjar vizin hanças homogêneas no R io de Janeir o
p a ss av a a c on so lidar-s e no m es mo momento em q ue fortu-
nas de rec ursos públicos eram des tin adas espec if ic am ent e à
expu lsã o da s ha b ita çõ es popu la res das áre as cent ra is da c id a-
de . A in tençã o de civil izar » os conví vios , e di sci p liná-I as po r
m ei o do co n trole da habi tação e da s v izin hanças , não lograva
re su lta dos efic ientes nem na cap it al do paí s.
O s resultados sati sfa tóri o s para as am bições sa ne ado-
ra s» das elites fo r am f ra gm e ntado s, assim com o o fo ram as
-------_._----------------
HABITAÇÃO E VIZINHANÇA • J
57
2. Em
907, po li c ia
e san itarist as já
ttl5uiavam
um a
un iã o - inúti l - sub
41 bflll lrü
d e P er eira Pa ssos e Ü swald o Cr uz
co ntra o s ca sebres do s m urros e sua
malta de desceu psdos
(Saneamen to dos morros,
904)
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 17/45
158
HISTORIA DA VIDA P~IVADA NO BRASI, 3
I
i
to rnara o a pe li do da fo rma nova de habitar dos m iseráveis
nos espaços pri v ileg iados da c id ad e:
E u lem bro este alvitre a men os que não queira o Gover -
no ser ob ri gado a jugul ar um a rebeli ão franca mente po-
pu lar, ca usada pe la ca rência e carestia da s casas. O m e-
nos pres tigio so dos agita dore s polí ti co s lev ant ará , no di a
em que quiser, toda a população dos bairr os m iseráv eis
da cida de, hom ens, m ulh eres e c rianças, se desfra ld ar
es ta bandei ra.
S e o s senh ores repr ese ntantes da naçã o pensarem um
instante nos efeito s dessa formidável sub levação , de que
não tem notícia nem conh ecime nto o R io de Jan eiro ,
não hes ita rão em votar um a lei que dê ca bal solu ção a
esta cri se que atr avessa a p opul aç ão pob re.
E para pe nsa rem nisto, basta que pe rco rr am , um dia
ape nas. estas zo nas da suburra car ioca, para pe rceb erem ,
co m o já tenh o eu pe rce b ido, os primeiros rugidos da
tempestade próxima.
- A s palavras enfát icas d o e ng en heiro E ve rard o B ackheu-
ser . sec re tário de u ma c om is são de inquérito co nvocada em
190 5 pelo mi nistro do Interior e Ju stiça , J . J . Seabra, a fim
de propor soluções pa ra a crise habitac ional, foram publi-
cada s m eses depois d o e st ou ro da R evolta da Vacin a. em
no vemb ro de 1904, e lembr av am enfat icament e a perigo-
sa lacun a das obras ref orm adoras da gestã o de R odrigue s
A lve s. S e a maior parte do s ca rioca s aca baria send o em -
pu rrada par a os s ubúrbios se tent ri onais da cida de, não se-
ria po sível, afi nal , descartar uma vas ta po pulaç ão re sidu al,
que se acumularia nos cortiços e morros, pressio na da pela es -
pecu laç ão,
pe la ausênc ia de infra-estrutura de loc omoção e
pela pr ópria incapacidad e das elite s dirigentes em prom o-
ver um a política habi taci on al d ireta qu e ga rant iss e sua am-
bição saneadora. A lei qu e so luc ion asse a press ão popu lar
por moradia s, qu e des se cab al solu çã o a esta cri se - ja-
ma is v iria a ex ist ir . A ini ciativa de constru çã o, po r pa rte do
E stado , de co njun to s de mo radias durante as ref orm as car io-
ca s fo i
ex ígua,
ac umu lando uma demanda qu e vo ltar ia a ser
at endida anos depois , no R io e n as d iv ersa capi tai s do país
que so friam pr oces so s de exclusã o hal itaci onal refe rencia-
dos na exp eriê nc ia carioca.
~,;, D
-. -~; - .
13. ''A 1
00
met ros
dll avm id< 1 I<w
Rr U l1c ol o, l,arraco1 e tiS IIálJllOs
bá rbaros dt seus Htor ad (lr eS Ullll
s e lilllitavom apenas
ao
csc à/lda lo
do
mor ro
de
SunlO
AIlfÓlllO - j.i ,<
IIvi: m ha vml l aos jardins do Ro /(/.r,,~
e à ave /lida Atlân tica. (.'\ , nodoa.
do Rio - hairros para tJrlu\
dos morros, 1916)
atit udes e idéi as apropriada s das socied ade s e ,os modelos de
adequacão ur bana tomados dos paise s hegemont cO s. ~ r,eno-
va ão do pa ís esb arra va nas carac te rísticas de conv lvenc a
he
Ç rda da s de se u passa do co lonial e imperial . de s~a
in serç ao
, . 's nternaC lo-
secun dária nos sistem as po htlco s e ec onom lCO
I
1 . .
na is be m com o nas estra tég ias a q ue rnuitos brasi erro
l l-
nh arn se acos tu mado para enfren tar os ag udos reg im es de
exc lu são soc ial, ec onômica e polí tic a. .
A ind a que a R ev olta da Vacin a tenha S Ido tota lm en t~
debelada os pr oj etos de exclu são social e espa CIa l em preen~1
dos na c~pit al da jov em R epúbl ica foram , com ce rteza, abad a-
do s pelo grito de al erta das popu laç~es q ue e ra m .~ a_Ivo a~
efo rm as da B elle Époq ue carioc a. A s co- de penoenL la~ 50
~i ai s qu e já fo rçavam viz inhanças heterogêne as n~ pr oP:la
Zo n~ S ul so mava -se a força do pâ nico gerado pe la ll1S ur?el l-
cia qu e tinh a de vastado a ár ea c en tral e o s bairr~ s portuanos
vi zinhos ao m orro da Pr ovid ência - ber ço da Favela, qu e se
I
HABITAÇÃO E VIZINHANÇA • 159
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 18/45
I. B ar ra da T iju ca
2. F lores ta da T iju ea
3.
P i co d a T i ju c a
4. Ped ra do A nda raí
5. Fave la do Borel
6. Favela da Mangueira
7. M ar acanã
8. S ão C ri stóvão
9. T úne l R ebouças
10.
Tune l Sa nta B árbar a
11 . Av .
Preso vargas
12.
Central do B rasil
13 . M orr o da Providência
14 . Saúde e Ga mbo a
15. Ca beça de Porco (demo lido )
16. C ai s do Porto
17. A v. Ri o B ra n co
18 . A erop ort o Sant os
Durnon t
14 Flarn engo
20. Bo ta fo go
21 . Pã o de Aç ucar
22 . Leme
23 . Fa vela Chap éu M ang uei ra
Mo rro da Ba bi lônia
24. Copacabana
25. Fav e la
Santa Iar ta
26. Cor cov ado
27 .
Favel a; do C antagalo,
Pavao/Pav ãozi nho
28 . Favela da Catacumba (dem olida)
29 .
Ipanema
30 . Favela da Praia do Pinto (dem olida )
31 . Le bl on
3: ' . Fave la do Vtd igal
33. F avela da R oc inh a
34 . Sã o Conrado
35. P ed ra da
G ávea
3 6 . M o rr o D o is
lnnãos
37 F a v el a do Pas ma do (dem olida)
38 . La ranjeiras
3q. Fave la
do
Ca tumbi
40. T liuca
4 í • Favela do Satguc irc
l Qumta da Bo a Vi sta
4J. M eier
14 .
Pr ime ir a c ap ital da /{epúblic
e cidade-esta du, o RIO de Ja ne ir o [D i
alv o, duran te grand r pa rte do secul ,l
XX, de nu me ros a s re form ,,-, c plL lT los
u rba n íst ico s, qu e a um estab elec er
li m a ge ogra fia u rb ana e so c ial
exc luden te, ali cerçada na dls ribuiçl iu
dos e sp aç os e propriedades pr ivada .,
de sru s d iverso s segm enw s SOC IU I;
em bairro s d if erenc es e di sia -ue s.
A s fav ela s, su rgidas já
na pr ime ira década da Re púb uca ,
mu ltipl ica ram -se no C entro e r1 ~ S
ZO llLlSN orte e S ul da cidade -- um a
vi: .~h ança fo rçadu qu e dnbl ou
as aut or ida des e reprodu zIu em cada
um do; ba ir ro s c ari o ca s um
micrcco-m o da SOC Iedade br a sileira .
(Vista em vôo de pássaro -
Rio de Janeiro, 1997)
fJ
I
I
lí
\
\
- ,
--------~~---~_
._
-
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 19/45
162 .
HISTÓRIA DA V iDA PRIVADA NO B RA Si l 3
15 , 16 . As pr im eir as pr op osta s c
pr ojet os de cor tS truçao nW5sijicad a
de mora dias pop ulares alcança va
e re gula va os mora dores no in terio r
de seus la res, med iante a defini ça o
de cad a um do s côm odos
reside nciai s .
(15. S r.
Schroed er,
Ca sa
das Operár ias, R io de Janeiro,
s. d. ; 16.
C. S . Barc elos, Planta
de ha bitação popular , s. d.)
i
i,
i
I
i
í
f .IO~JANEIRO ,ACOSTO
tgo~
_,,>Asdificuldades geradas pela experiência fragmentária e
irresoluta das reformas urbanas do Rio de Janeiro repercuti-
riam nas maiores cidades da República, que tentavam repro-
duzir nos estados os modelos europeus ou cariocas de reade-
qu ação espacial. E se já havia sido trabalhosa a obtenção dos
imensos financiamentos que pagariam as reformas cariocas,
no Recife, em Salvador e Porto Alegre as dificuldades foram
ainda maiores - tanto para implementa r intervenções que
livrassem as cidades das epidemias e da promiscuidade en-
tre espaços públicos e privados, quanto para homogeneizar
vizinhanças ou assegurar a exclusão das moradias populares
do centro.
Os jornais da capital gaúcha de ixam, por exemplo, entre-
ver uma cidade tomada pelas sobreposições de convívios so-
ciais semelhantes àqueles que estavam sendo combatidos no
Rio de Janeiro. Uma not ícia de 1898
é
clara no ataque à
antiga justaposição social, a qual permitia que habitações
completamente díspares se alinhassem em ruas ou quartei-
HABITAÇÃO E VIZINHANÇA •
163
HABITAÇÕES POPULAR ES SAL UBRES, ECONOMICAS
SfRIES EM 'PER FIS DE IIITfADOS
. 'F..SC AL A-1:: I()O
. ._ . _
. . .. . . . . . .. . .• . .. . • . .
_ _ ._------- . • ._
rões próximos, a rranjo que era o mesmo em todas as cidades
brasilei ras de então: .
A moradia em porões
é
de necessidade urgente proibir,
mas de modo terminante, sem transigências. Os pseudo-
filantropos, proprietários de porões e cortiços, pergunta-
riam logo: mas onde irá morar essa gente pobre?
É
fácil a resposta. Há 4 anos dificilmente encontrar-
se-ia casa grande ou pequena mesmo em arrabalde; ago-
ra não existem menos de 400 em disponibilidade.
O s
arrabalde s es tão aí , e devem ser ha bi tad os pe los pro letá -
ri os . N a ci da de propriamen te dita , só dev em resi d ir
qu e
podem suje itar-se às reg ra s e pr ecei tos da hi gi ene .
Ora, num porão ou cortiço, não pode haver asseio e,
conseqüentemente, a higiene desaparece.
O que resulta desta aglomeração de indivíduos sujos,
sem escrúpulos de ordem alguma, é a infecção atingir os
_-----------------------------
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 20/45
16 4 • HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA Nú BRASil 3
I
I
I
I
I '
asseados, porque de n ad a serv irá que o m ora dor do p av i-
m en to superi or pratiqu e tu do a bem da saú de , se e le tiv er
n o i nf erior ou m esm o do lado um viz in ho im und o.
Condenar os porões in totum, proibindo a moradia
nos piores, e elevando a décima nos melhores, será um
passo enorme no sentido do saneamento da cidade.
A voz do jornal podia ser o libelo de qualquer um dos
programas de reformas urbanas do início da República. O
discurso sanitário, higiênico, endossa a intenção de livrar a
cidade dos seus convívios patológicos , numa medicina ur-
bana que expulsasse aqueles que não podiam se enquadrar
nos preceitos apropriados dos modelos burgueses da Europa
e dos Estados Unidos. Repetiam-se no Rio Grande do Sul as
mesmas intenções praticadas no Rio de Janeiro, visando en-
quadrar a capital gaúcha no padrão de controle necessár io às
cidades portuárias integradas nas redes capitalistas, aptas
para receber os fluxos internacionais, tornando-a digna da
projeção econômica de celeiro e centro do charqueado brasi-
leiros.
Grandes edifícios públicos passa ram a pontuar a paisa-
gem de Porto Alegre nos primeiros vinte anos do século, sem
que houvesse fôlego para uma intervenção drástica no tecido
urbano e na geografia das habitações e setores sociais. Edifí-
cios administrativos acabaram sendo, durante a Belle Épo-
que, os grandes marcos da intervenção oficial na cidade, que
viu a maior parte de seu Plano Geral de Melhoramentos,
criado em J914 pelo engenheiro João Moreira Maciel, ficar
apenas na
planta.
O vasto plano de ajardinamento, reti6J;açãO de ruas e
abertura de..avenidas citação evidente das reformas de.Paris.e
d.Q..Rio de Janeiro, seria implem~~tado apenas aQ_lO..Qgº-
década de
20 ,
e ainda assim parcialmente. A abertura da ave-
nida Júlio de Castilhos foi a maior obra realizada, correndo
paralela à linha central de retificação do cais do Guaíba. Asse-
gurou-se a ligação do centro com os bairros ribeirinhos a
sudeste do núcleo da capital, os quais concentrariam mais e
mais a população operária que começava a se avolumar na
cidade. Asparcelas privilegiadas da população local se estabe-
leceriam ao longo do es pig ão da cidade, nos novos lotearnen-
tos que tinham a avenida da Independência como eixo de
HABIT AÇ ÃO E VI ZINHANÇA
16 5
expansão e circulação. Propiciava-se, assim, a diferenciação
de vizinhanças necessárias às idéias do habitar civilizado, o
que as habitações e confrontações heterogêneas da área cen-
tral não permitiriam concretizar.
Nasgrandes capitais nordestinas, Salvador e Recife- ter-
ceira e quarta cidades mais populosas do país em J 90 0 _44
as pressões demográficas ocasionadas pelas migrações do
Agreste e do sertão, assolados pelas secas, tendiam a multipli-
car as vizinhanças heterogêneas, comuns nas habitações justa-
postas de suas áreas centraisl As elites dirigentes que sealteQ2..a-
vam no poder proÇ faram, ao longo das primeiras décad~do
.séG@ , aparelhar as cidades segundo os ms>d®llUIOpeus e
cariocas, lutillao Ilara..evitar_a_p_érdaa pmje_çã..Q.na_ciollal_que
atingia havia décadas a Bahia e
Pernarnbuco .
Era
irnnres cin d i-
ve l
q uÚell vrassern.as.capitai.s._çl~s p
ecá ri~ ~
cO ldi0~i higi
êni -
cas ~g l_e_estavarn..submetidas,-poisestas e~pantavam as
possi-
bilid9-
d
es de.incrementcnas ativic aç ~$jnd-~tri~~,~-ªTeJando
também o Qa~l desem~nh~ldº-p_or..saly-ªd.uu_B.~ctf~de inter-
m~iadores..2ortuários~uas respectiv~_~reas de abra~gêl -
cia.no.Nordeste.
Com bairros extensos e populosos construidos desde os
séculos xvru e XIX, as capitais acabavam apresentando a~ mes-
mas precariedades sanitári as do Rio de Ianeiro, As condições
17.
Leõ es de
ch ácar a v izm ho s à
Vi la
Doia . em P or to A le gre, lembram
a ne cessidade d e s er em b e 1 z ..vi nd os
visitantes.
(c.
19()f , )
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 21/45
166 •
HISTÓRIA DA V ID A PR IVADA NO BRASil 3
18. Do Ca mp o Grande à Vit ória ,
o re nque de pala cet es da avenida
Set e de S e te m bro garantia
a homo gen e id ade de vizinhanças ,
im pos sív e l nos distr i to s cen trais
da ca p i ta l b a ia n a . (A ve ni da S ete
de S e tembro (S a lvador), Bahia ,
c.
19 0Ó)
I
I
\
i
I
i
1 - ·
I
d e h ab it aç ão e ra m e sp ec ia lm en te indesejáveis, pois os alto s
so br ado s d as rua s m a is c en tr ais tinh am elev ado índice de
ocupantes e dom icílio s, versões locais da s cas as d e c ôm o dos
do R io de Jane iro . A lvo privilegiado das refo rm as u rb an as
ef etuadas n a R e pú blica V elh a, o s b air r os c en tr ais d e S a lv ador
e Recife sofr iam as cos tumeir as ac usaçõe s de conc ent rar po-
pulações con tag io sa s, q u e se riam cap az es d e a me aç ar a p ros -
peri dad e da s cap itais em razã o das rn íseras e pr om íscuas
co ndições hab ita cio nais em que v iv iam , de ond e es palh ari am
sua s m aze la s pelo restant e das ci da des . A s demol iç õe s fo ram
novam en te a so lu ão fT .aisad o .~ d- - ª-.2e .9_apareihõst a ta l p;rra
Úvrar .as cap itais dQHO .llvívjosg~ e_m~~lavaJ~ .~ a~~9sa s-
e set ores so cia is - e qu e faz iam das cidades, a inda no séc ulo
xx,
o asp ect o v ív ido do pa ssa do urba no co lonial e imperi a l
que os di rigente s republic an os queriam a todo custo
abolir.
A s p ri m eiras reformas em S alvad or acumul aram -se em
J 90 6 e 1910, priorizando a C idade B aixa. A in tervenções
concentraram-se so br etu do n a ampl iação do cais e na aber-
tu ra d a a ve nid a [equitaia , para facil ita r o aces so a Penha e
M ares. H ouv e ta m bé m várias demolições de casaria nos d is-
trit os do Pilar e C on ceiçã o d a Pr aia , v i sa n do ao c om b ate da s
epidemias que se di sp ersa va m pela cidade a p artir da áre a
portuária , p on tuada de habitaç ões populares.
Á reas tradic io nalm en te ha bitadas pelas elit es du ran te o
período co lon ial, o s d is tr it os ce ntrais da C ida de A lt a v in ham
já faz ia algum as décadas perdendo os moradores de m aio r
pod er aqu isi nvo , m igr ados para os ba irros em direção da
venti lad a barra da b aía de T odos os Santos , oc upados pelas
c há ca ra s d e ingleses de sd e os pr incípios do sé cu lo
XIX :
S eme-
lh an te a os arrab ald es ca rio cas de La ranj eiras, C osm e Velh o e
B otafo go, a áre a c omp reendida pe lo Ca mpo G ra nde , V itóri a
e G raç a, e ainda G arcia, C an ela e B arr a, acabou por at rai r
pr ogress ivament e os m orado res a ba sta do s d e S alva dor, que
passa ra m a se in sta lar em cas as e palacet es cercados po r j ar -
d ins, recu os e gradis que os afa stavam do convívio dir eto
co m o movim ent o das ru as . A ba ndonavam as casas da S é e
d o P as so , c ada vez m ai s a s soladas pela s viz inhança s in cô mo-
das. at raí das pela transf o rm ação da s an tig as re sidênci as se -
nh or ia is em casa s de cômodo s. C om o no s po rõe s d e P orto
A le gre , o s subt err âneos e as loj as do s so brados abrigavam
popu laçõ es que se com prim iam em espaç os sem ventilação
ou in so la çã o, O qu e se rep etia nos cômodos dos compri dos
and ares sup eriores, fu nd os e m al ilum inados - co ndições
sem elh an te s à qu ela s dos altos sobrados d o s d i st rito s centra is
da ca pit al p e rn ambuca na, sobretudo em S anto A ntôn io e no
bair ro do
Recife.
E ntr e J 912 e 1916 a m igraçã o das el ites pa ra os bairros
do distrito da V itó ria fo i cons agrada po r um ampl o progra-
m a d e a la rgam ent os vi ári os com a nd ad os p or J . J . S e a br a, m i-
ni str o do In terior e ju stiça li a ge s tã o R o d ri gu es A lve s - o
m es mo qu e conv oca ra a com issão se creta riada por E verar do
B ackheuser em J 90 5 . A s o bras de S ea bra culminav am com a
HABITAÇÃO E VIZINHANÇA •
167
19 . U rna pequena E ur op a i ns ta la da
lIa periei ta distin ção d os ja rdms
e pa lac e tes do la rg o d a G ra ça -
o ch al é do s C ar valh o fi ng e a gu a rd a r
as ne vascas , so b o so l escaldante
de Sa lvador. (Ja rdim da G raça,
Bahia,
c.
19 0Ó )
.
--
-
----- -
--
-
---------
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 22/45
16 8 • HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO BRASil 3
ab ertu ra d a av en id a S ete d e S et em b ro , nov o b ulev ar q ue asse-
gurava o rápido des locamento do s ba irros residen ciais da s
elites pa ra o c en tro. t'tl'oi também o m omento de mo der n iza -
ção arq uitetôni ca das no vas vias pú blica s de S alva dor, pro -
mov en do -s e a d em o li çã o to tal o u p arcial de igr ejas c olon iais
co mo a A juda, S ão Pedro, R osário e M ercê s, r ec on struídas
todas na linguagem dos mov imento s hi storicistas europeus.
O mesmo ocorria n a restauração do pal ácio do go verno esta-
dual , bombar deado du ran te a interv enção de
1912,
na refor-
ma da Câmara e nos no v os e di fí cios da ru a Chile, sede do
co mércio ref ina do da c id ade e via de rece pção do tráfego da
av en id a S et e. O s novo s palac etes da Vitória, tam bém hi stori-
ci stas, encontravam sua id en tid ade comum à s obras que re -
defin iam os es paços públicos da velh a capital baiana.
Para as lar gas faixas de so tero poli tano s que estava m pri-
vados dos requintes das moradias d a V itó ria, aquel es qu e
nem mesmo supo rtavam pagar os al ugu éis do s so b ra do s c en -
trais in sa lubr es - mas ca ros e dis puta dos em virtud e da
pr oximidade do s locais em que co nsegu iam ou ag enciav am
trabalho - acabavam por demandar os arra ba ld es , f omen-
tando o c res cim ent o per if ér ic o a ta b al hoado. S ant o A nt ônio
A lém do Carm o e B ro ta s, di stri tos urba no s de S alvador com
ab undante s terr enos bald ios, pas saram a acol her novo s mo-
radores e su as habi tações precár ia s, am pl iand o as prim eir as
ag lomer ações suburbanas qu e for mariam grand es bairros
popu lares e neg ro s - como aquele sugesti va ment e denomi-
nado L iberd ade.
A lgun s va les próximos ao distrito da Vi tória passar iam
també m a abr iga r aqueles qu e não podi am construir suas mo-
radi as no s caros terreno s dos cum es dos bair ro s lito râne os,
reservado s às res idências do s se tores mais abastados . In ve rter-
se -ia em Salva dor a ge ografia do habitar carioc a: os ricos e
médi os nos morros, e a pobreza no fundo do s vales - ree la -
botando-se as vizinhanças que tin ham moti vado as el ites a
deb and ar dos di stri tos ce nt rais de S alvad or .
A mes ma dificuldad e em assegu rar v iz inh ança s hom og ê-
neas ocorria no R eci fe , qu e cr escia tent acularm ente ao longo
da malha aq uát ica em que se assentava. N os alaga dos e nas
pl aní cies exten sas, a capital per nam buca na se exp andia por
meio de uma multidão de cas ebres, con st ru idos inicialmen te
em taip a de mão , palm ác ea s e ca pim - os notó rios moc arn -
,
'j
.
.
1
I
HABITAÇÃO E V:ZINHANÇA • 169
20 . Re levos ir re gular es e terre no s
ba ldi os a sse guraram
a
Br o tas um
perf il social heterogê neo . (A m eida
&
Irmão, Es trada d e B rotas, Ban i •.•
c. 19 06)
bos. O setor de ch ácaras aba stad as que se de sen volvera no
deco rrer do século
X I X
na s cercani as do Cap iba rib e, na M ada-
l en a, e m A pipu co s e Torre, se ria ao s po uco s cir cundad o pelos
ag lomerados de moc arnbos , qu e se est end eriam ai nda por
A fog ados, nas v izinhanças da praia da B oa Viag em . E nv ol ve-
riam as áreas centrais num cin turão de moradi as que se riam
a máx im a c on tr ad içã o ao p ad rão de ad eq uaçã o habitacion al
para uma cidade cujas el ites qu eriam
ê r n u l a
ele Paris ou do
R io ele Janeiro .
6 .J2re ca rieda de san itária qu e grassava na cid ade leva ria as
autorid ade s ª-Jie .sill .ç;uul .. e~ el..(Q S 'ã tU rrfiD Q _e J?r ifo para a
c~ .p~ .fH am -bllGa~ h_4.fR .oiL dcseu suce sso~as
(~sãO - e--higi en izaçã o_efetua.~ :Is p1_~a.- .1 io s,orto
paulista d o c af é. O pl ano de san ea ment o de
1909-10
ass ocio u-
se ao pr og rama de demoliçõ es do bairro do R ec if e. o m ais ant i-
go da ca pi tal, já em and ament o desde as desa propriações in icia-
das em
1909.
Avenidas foram sur g indo à custa das co stumeir as
condena ções e demolições de es tabele cimen tos comerciais e ha -
bitações enquadrados no s conceitos de in salubridade.
A d em oliçã o de moradias redu zi u em cerca de
50%
o
n úm ero de ha bitantes do bair ro entre
1910
e
1913,
gerand o
u m a c are sti a habi taci onal qu e só viria a agra var as condições
atropelada s em que se con stitu íam as cada vez mais numero-
sas periferia s da cidade. N o mesmo an o de
1913
os ar rab al de s
já
ab rigav am cerca de
37735
moc ambos -
43,3%
do to tal de
ha bi taç ões do R ec ife .
,
170 .
H IS TÓ RI A D A V ID A P RI VAD A N O BR ASi l 3
HABITAÇÃO E VIZINHANÇA • 171
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 23/45
: · r
21. No r íg id o a linha m ento de ru as
e lot es retiiin eo s de Bel o
iiorizonte
a
pr im ei ra da s
nov a;
ca pi tais
repuhucanas , residia a in te n ção
de dif ere nciar os espa ços
pú bl icu s
e p ri va dos . (j.
M ont ei ro ,
Vis ta
pa rcia l da rua Sc rgipe ent re
Ai morés e Gonçalves D ias ,
1930)
A s intervençõe s ha vidas no R ec ife entre 19 10 e 1913, ex -
cessivamente fragmentada s e co nce nt radas nas área s cen trais,
acabaram alim en tan do a ex pansão desenfreada dos ar raba lde s
pe rifér icos, assim como ocorria em Sa lvador, no R io de Janeiro
e me smo na n ov a capi tal m ine ira. E m Belo Ho ri zo n te , in augu-
rada em 1897 s ob fo rte re ferenciamento das idéias zoneadoras
fr anc esa s, o r íg id o controle: proposto para a área centra l, fixad o
num sistem a de lotes, av eni das e ruas dispo stos numa malh a
quadrangular circunda da por u ma av enida d e m ed iaçã o peri-
fé ric a, m ostrar-se-ia igua lment e in ca pa z d e regrar a rápi da ex-
pansão das habit ações nos arrabaldes.
BA IR R OS COMO ESPA ÇO S PfnVADOS :
S ING U LA R ID AD ES D A lJ RBANIZAÇAO PA lJU STAN A
.'
Po de- se dizer que, coincidindo com o nascimen to de
B e lo H o rizonte , a capi tal paulista também ressurgia. A cidade
de S ão Pa ulo ch eg av a à R ep úb lica rec up eran do -se d o m aras-
mo que estendera o aspecto setecentista até meados da déc a-
da de 1870. S ofreria experiência s de se gregação soc ial, pr o-
mo vida s ou protegidas pelo aparelho estata l, bem mais
co ns is te nte s e e fic ie nte s do qu e as oco rridas n as o ut ras gran-
des ca pita is b ras i le ir as r ep ub lican as.
_ A nte riores às in terve nções nordes tinas e gaúcha s, e con-
temporâne as àq uela s realiz ad as na cid ad e d o Ri o de Janeiro
d uran te a presid ên cia de R od rigue s A l ve s, a s p ri meira s atitu -
de s governamentais para a
redefiniçã o
do s espaços pú blico s e
pr ivad os de S ão Paulo afinavam -se com os mesmos princí-
pi os qu e norteari am as re fo rm as e os pr oces sos de exclu são
habi tacional das grande s cid ade s br asileiras j á m e nc io n ad as.
A pequena área ur bani zad a e a própria es ca la p o pu la ci onal
da capita l paulista, de porte bastante reduzido até 1890, an o
em qu e tin ha cerca da metade da populaçã o do R ecife, fo ra m
fatores m uito favo ráv eis às in terv enç ões e à abertura de nova s
áreas urbanizad as afe itas a princípios de zoneamento social e
disc iplinamento do cons truir e do
habitar,
Permitiu-s e, as-
sim , o surgimento de uma fis ionom ia e uma fisiologia ao
go sto do exc lud ent e sa ni tarismo social em voga na s ment es
das elit es repub lic anas , qu e bu scava livrar as cidades de su as
pa tologias coloniais e im peria is.
A s primei ras in tervenções de af ormoseam ento de espa-
ço s pú blico s já vinham acontec endo desde a d éc ada de 18 70,
qua ndo a capita l pauli sta pa ss ou a centraliza r defin itiva men -
te a economia da pr ov ínci a. E ntronca nd o as linhas férreas qu e
levavam à corte e ao Vale do Para íba, ao pr ós pe ro O este e a
S an tos , porto escoado r da prod uçã o cafe eir a, S ão Paulo conso-
lido u-se co mo centro po lítico e finance iro paul ista. Pa ss ou a
at rai r levas cumul ativ as de fazende iros qu e m ig rava m sobretu-
do da s fa ze nd as e cida des do Oeste , e q ue se fix avam na capital
bu sc ando asc en são definitiva aos neg óci os da pr ov íncia, ma r-
cada pelo mov imento repu blicano qu e repres entava os int eres -
se s da nova área cafeeira.
A reg ião da L uz, ao n orte da cidade, abrigou ainda no
Im pér io os pr ime iros fazendeiro s in sta lados em pala ce te s, s e-
melh antes à qu eles neoclássicos qu e povo avam as est radas do
Botafo go e Fl ame ngo, Vitó ria ou a vá rze a do Ca pibar ibe . A fa s-
tados do alinhamento das ru as, e mo biliados e d ecora do s de
aco rd o com o gosto suntuoso do S egund o Im pério francês ,
172 • HISTÓRIA DA VIDA PRIV ADA NO BRASil 3
HABITAÇÃO E V IZINHANÇA • 173
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 24/45
diferiam já radi calmente da au ste rid ad e d os sobrados de tai pa
api loada, ch eios de escr avos a servir, qu e pontu avam as ruas
m ais n obr es do nú cleo da cid ade, co mo a Direita e S ão B ent o.
Os in teg rantes antigos da s elites lo cai s, ou m ig ra das , que
ainda re sid iam nas ruas cent rais foram progressivament e
ab an donand o os sobra dões e a viz inh ança social hetero gê ne a
de ru as quas e todas pov oad as de c asas térrea s, in tim ament e
associada s à populaçã o neg ra da cid ade, que sob rev ivia de'
ag ência s improvisa das , num cotidiano urbano alheio aos
pr ove nto s do ca fé, cultiva do em distant es áreas do in terior da
provínc ia= U ma cidade cujas taip as di ss olviam -se po r ca usa
das chu va s, em que a dif iculdade de acompanhar a irnponên-
cia da s cida des imp eria is do lit oral po de se r se ntida na singu -
lar col eç ão de fotog raf ias rea liza das po r M ilitão A ugusto de
A zev ed o a o longo das três últ im as décadas do Imp ério, ch eias
de c as as s em i-arru inadas em todas as ruas centr ais.
•.• T o do esse aspecto, em que se entrev iam os tempo s rudes
da antiga capitania de se rtanista s e tropeiro s, era o h orr or do s
tr iunf ant es cafeicult ores e em pr es ário s paulistas rep ublicanos.
A pós a mort e de F lori ano Peixo to, a p ro em inênc ia ec onô m ica
das elites pau list as as lev ari a a ascender incontes tavelmente
como gr upo político dominante na R epúb lica, fazendo três
pr esidentes conse cut ivos e regendo co m os m ineiros o con-
certo dos partido s rep ublicanos da R epúb lica Velh a. E ra m
ina dm iss íveis aos inte resses do s ca feicultor es, e do florescente
parque industria l, as condições de in sa lubri dade das hab ita -
çõ es paul is tanas, que não dife riam muito das que havia nas
de mais capitais brasileiras - por pouco a f ebr e amarela não
prod uzia na cidad e de S ão Pau lo os mesmos estr agos que
fazia nos dem ais estados da R epú blica, e n o p ró prio li toral e
interior paulistas.
A profunda alteração da demog raf ia pau lis tan a, oc orrida
n a d éc ad a de 1890, sinc ronizo u- se e se ampliou em relação à s
mudanças drásticas ocorri da s na socie dade do país entre
1888-9 e 1900. A im igraç ão estrange ir a deman dada pela ca-
fe icultura , so bret udo de italianos, sofr eu alt erações de gestã o
que perm it iram uma m igração gigantesca de po pu lações
pa ra a an tiga capital, a qu al quadruplicou sua popu lação du -
rante a década de 1890.
5 7
A s c on di çõ es p re cá ri as das habi tações popul ares genera-
lizavam-se tanto nas antigas constru ções de taipa c tijolos da
l
,
i
,
á re a c entr al, quan to nas casinh as que p ip oc avam nos ba ir ro s
e ar rabalde s lo calizados ao longo das lin ha s fé rreas da Cen -
tra l do B rasil, S orocabana e S ão Paul o R ailw ay
(Santos=-Iun-
dia í), e tamb ém das terr as alagadi ças que cercavam a área
urbani za da da ci dade a leste, ao norte e a sud es te. O abrup to
in ch aç o h abita cio nal agudizava o perigo das epidem ias , qu e
já asso lavam o R io de Janeiro, as capitais no rde stinas e ti -
nham sido com mui to c us to c om ba tid as e m S an to s.
A instabilidade do s empregos nas ma nufaturas ou as
agência s improvisada s a cab a sendo o de stino amplo das espe-
ranças dos estran ge iro s que, como os ex- esc ravo s e seus des-
cendentes , pa ssa ram todos a. inchar as ruas, casas e cômodos
do B rás, M ooc a, Cambuci, B om R etiro , B arra Funda, Pari e
Bexiga, ou ainda das ár eas ao lo ngo da s estações férreas do
fu turo Alie - San to A ndré , S ão B ernardo e S ão Caetano - já
in te gra da s no ' pr oce sso de industrialização e urba ni zação da
cidade desde fins do O itocentos .
Al inhada s diretam ente com as ca lçad as, as habitações po-
pulares formaram a paisa ge m m arc an te do s ba irros d e imi -
gra ntes , em cujas jan elas debruçadas sobre as rua s romp ia- se a
de se jada di ferenciaç ão espac ial das eli tes emp enh adas em dis-
ce rnir fronteiras entre es pa ços públicos e pr ivados. D e espa ço
pr ev isto pa ra a cir cu lação viári a, os log rad our os, com escasso
mo vimen to au tomot ivo, transforma va m- se em extensão das
pe quenas salas de es tar, e ro das de cad eiras es pa lhavam-se pe-
las calç ada s, meta rno rf osean do a sociab ilida de dos vilarejo s
ru rais europ eus. A s música s, o v oz erio alto e aca lor ado rom -
piam os tênu es lim ites de pa redes e vidraças , fundindo expe-
ri ências - e fomentand o so li da riedades .
A s p re c árias condições san itár ias presentes nas ca sas dos
bai rros de imigran tes, juntamente co m as encontradas nos
cortiços espa lhados por qu as e toda a cidad e, justifica ram a
expansão do aparelho of icia l de fisc alização hig iênica , cu jo s
re sul tad os an tecederam os que seriam alcança dos no R io de
Janeir o na pr imei ra déc ada do sécu lo xx - não por acaso
pe las me sm as elites paulist as. A remo delação do S er viço S a-
ni tário deu- se ainda em 1892, se guida pela edi çã o do Có di go
Sani tári o de 18 94 - qu e proibiu novos corti ço s - e as nor-
mas de 18 96 e 1906 , culminand o o re aparelh amen to do s dis -
pos itiv os de fisc alizaçã o com a re form a do pr ópr io Código
em 1911, qu e de fin iu como sendo dos mu nic íp ios a co mpe-
________ ....Iio i~ ••••••• . . _
174 • hiSTÓR IA DA VIDA PR IVADA NO BRA S il 3
HA BITAÇÃO E VIZINH ANÇA • 175
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 25/45
r
I
22 . C ad a porta 30$ - no preço
b ai xo a c er teza de comparri lhar
a in fra -est ru tura domé st ica po r
meio de espaço s co mu s a to dos
mor ador es. (C ort iço do
sr. Joaqu im A n tu ne s, M oo ca,
São P aul o,
5.
d. )
J
tência de adequaç ão sa ni tá ria das habi ta çõ es , A s in ten çõ es
normat ivas do pode r púb lico sur pree nderam a c ida de de S ão
Pa ulo no iní ci o de s ua expan são geográ fica , o qu e possibili-
tou uma paulat ina pad ronização dos espa ço s d om é st ic os ,
disciplinand o-os m ediante o a p an á g io da saúde públic a :
Que r no ponto de vista so ci al, quer sa ni tário , a hi giene
dom icilia r merece de tido exam e dos poderes púb licos [ ,]
S ão as ca sa s imundas o berç o do v ício e d o crim e,
O s indivíd uos que vivem na m iséria e ab riga dos aos
pare s, em cubí culo s es cur os e res pi ra nd o gases mefí tic o s,
qu e ex alam de seus pr óprios corp o s não asseados, perdem
de um a vez os pr incípi o s da moral e atiram-se cegos ao
crim e e ao roubo de form a a perderem sua li be rdad e ou a
ganharem por essa fo rma m eios de se alim enta rem ou
dormirem me lh or .
-- .; U m a solu ção para as coabi tações e ind efi nições de espa-
ços domé stico s familia res das m oradias coletiv as tradicion ais
foi a d as v ilas o pe rá ri as o u de ca sas pop ul a re s, j á p re se ntes no
R iu de Janeir o desde os fi ns do Im péri o, A m ba s s e e xp an di-
ram em S ão Pau lo m ediante o cumprimento das normas
mínimas exigidas legalment e, espalhand o -se pelos bairros
das zona s les te e oeste da cida de, serv ido s pelo s tr ens e bon -
des . O tim izando o cont ro le sanitário sobre as casas co ns-
tru ídas in dividualmente, as v ilas ain da subm eteram seus
ocupantes à s pr imeira s ex per iênc ias de massifi ca çã o da m o-
ra dia , se ja pela disposição rí gid a das pl ant as arquite tônicas
,
, .
em ca da unidade pr iv ada se ja pela pr ópria uniform idade ex-
te rna do s blocos de ha bita çõ es.
A in cip iênc ia da ur banizaç ão pau lis ta na por ocasião d a
R epúbl ica acabou po r viabilizar não só um c on tro le m ais
efic iente dos bairro s e h ab itações populares , mas o pr óprio
zon eamento dessas áreas, em lo cais efetivam ent e disti nto s
daq ue les em qu e depr essa se concentrar am as m orad ias obe-
dientes à clivage m ent re esp aç os pr iv ados e públic os almeja -
da pela s elites republ icana s . O in chaço abrupto e insa lubre
sofrido por Sã o Paulo não obstou qu e os se tor es socia is m ais
abas tado s e m édi os fo ssem agreg an do-se, já a partir da déca -
da de 1880, em nov os e am plo s bairros , pr óximos en tre si,
que acabar am por gara ntir as vizin hanças homogên eas que
se des m anchav am no R io de Janeiro e nas out ras gr and es
ca pit ai s es ta dua is. A a usênci a de morro s ou vales nas proxi-
m id ades dos bairr os pl an ificados e prov idos de rnelh orias
exim iu os pala cetes e casas m édi as de vizinhos des toantes,
co m o fav elas ou mocam bo s.
Ca m pos E lí sios , porções de S an ta
Ifi gêni a
e da L iberda -
de, e s ob retu do o em bl em át ico bai rr o ar rua do em [893, H i-
gi enópol is, p as saram a abriga r as fa mílias abas tadas ligadas
ao s neg ócio s da cafeic ultura . E m 189 1 foi in augura da a a ve-
n ida Paul is ta, a qua l, a pa rti r da déc ada seg ui nte, também
pas saria a aco lh er im igrante s enr iqueci dos ou fa m ília s lig a-
da s a atividades fin ancei ras e imobiliári as que const ru iriam
amp las res idê ncias para rivali zar com os suntuosos pa lac et es
da s famílias do s ba rõe s do ca fé - ou de suas pod ero sas
_ _ _ _ _ I I i i i I o o _
23. A pou cos metro s da avenid a
Pa ulis ta , a p erm an ênc ia das
moradia s po pular es na Bel a Vista.
As águas usad as po r lavadeiras
e as águas ser vida s de latrinas
esc or riam para o cen tr o europ e izado
de São P aul o. (La trina abrind o -se
sob re um reg o -d'água - S arac ura
G ran de, Sã o Pa ulo, s. d. )
176 •
HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO BRASil 3
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 26/45
24. Na
impo nênaa
do
po rtão,
o e vi dent e e sol ene lim ite en tr e
o
pa lace te e a ave nid a, entre casa
e r ua. (Portão pri nc ip al
da res id ênc ia de Lu pércio
Camargo , situada na
av o
A ngéli ca ,
Sã o Pa ulo, d .)
25. Na di versida de de anda res
~ mi rantes, ex tem av,j-se o lux o
L: privac idade go za da pel os
im igrant es Q sc e llde1ltes, in stal ado s
lU;
aI' enid a P aulis ta. (Fachada da
V ila Fortunata.
São Pa ulo , 1970)
viú vas ou fi lhas - instalados solidamente em Hi gienópo lis e
nos bairr os mais centrais.
S e os porões alt os encarr egavam-s e de distanciar os cô-
modos das casas médi as da circu lação das ruas , jardin s fr on-
tais e lat erais assegu ravam a intim idad e do s pa lac et es. G rad is
de ferro compl etavam a se pa ração entre o espaç o d a p ri vaci-
dade e o domíni o público, as seg urada pe los portões ostensi-
vos, de grande s dimensõe s e lava r carr eg ado. O s pa lac etes
H~BITAÇÃO E VIZINHANÇA •
177
filiados aos padr ões franceses - c1as sic ista s ou art no uveau
- fixaram -se como paradigma no s pr ojet os dos en genhei-
ros-arqu ite to s, disputando as preferência s das elites co m as
res idências impregn ada s d as fo rm as d o n eorn an eirismo, di s-
ponívei desde o último quartel do séc ul o XiX em razão da
presença dos mestres -de -ob ras e artesãos ital ian os.
.• A d iferen cia ção espacial en tre as rua s e os lutes da s re si-
dên cias ab astad as pross eg uia no s ambientes internos. A s
plantas arquitetõ nicas e as re sidê nc ias qu e restaram do perío-
do evide nc iam uma intensa es pec ialização dos côm odos, es -
tab elec endo uma gram ática rígi da para as atitud es privadas
das fam ílias - o q ue dificilm ente ocor ria nos cômodos su-
per lo tado s da s habitações populare s. A s ár ea s so ciais
são
re-
partidas em salões num erosos, com fun ções espe cíficas: ha ll,
re ce pção form al, estar (liv ing), jogos, [umoir, música, escritó-
r io , g abin ete el e . C ad a asp ecto da vida privada da s fam ílias
devia se processar em seu es paço co rreto, característ ica qu e
dis tin gui a também os cômodos pa ra homens, mu lheres e
26. Bu lcv ar de l'a lu CC ICS
e chácaras tr açado em m~J ao mu to,
a
aveni da
Pa ulista
to rn ou-se UII
do, prime iro s refugIo;
p~r
aq ue/ ,'s
que queriam es capar
à
prom isc uidade soa al e espac i ,d
da s rua s cen tral ; de São Pa ulo.
(G u ilhe rm e Ca em )'. S ão Paul» ,
c .
19 0
178 • HIS TO RIA D A V ID A P RIV ADA NO BRASil 3
HABITAÇÃO E V IZINHANÇA •
179
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 27/45
27. C ad a cô m odo com su a fu nção.
Na sala dou ra da d a r esidênc ia
de d . OU via G ue de s P e n teado,
pr om o tor a do s m odern istas
pa ulistano s,
mús i ca
e
ce ri mônia
se subm eti am à eti qu e ta p revi sta.
(Salão Dourado,
Sã o P a ll lo ,
5.
d.)
I
I
I
I
1
:,
crianças : Nos cô modo s Ín tim os as sep ara çõe s prosse gu iam
median te saletas Íntimas (boudo ir s) , quartos para vesti r e o
uso do maior nú mero possív el de d ormitórios, asseguran do a
in timi dade dos membros da fam ília. Os cômodos de se rvi ço
pe rma neciam se greg ad os na parte posterio r das construções,
assi m com o as acom odações de e mp regad os domésticos.
A marcant e diferenciaçã o dos espaços privados pr aticada
pe las elites em sua s pr ópri as res id ências pode representar um
pr otótipo das distinções espaciais, da orde m que de sejavam
disseminar por toda a cid ade. S ua escala pr ogre ss iva pode se r
traçada do s diferentes cômodos entre si ao contras te da hab i-
tacão com o terreno ajardinado , pa ss ando pelos recu os co m
os ' vi zin hos do bai rr o, ch eg and o até o zone amento so cia l do s
próprios bairro s da capital. A norm atizaç ão do privado aca-
bava, pois, entrelaçan do-se com a pr ópria configur ação dos
espaços púb licos .
A con strução dos novos ba irro s res idenc iais elegan tes,
adequados aos preceitos sanit ários, pl ás ticos e co mporta-
me nta is ge rados no cotidian o bu rguês das cidades eu ropéias,
co nseguiu for ja r em São Paulo uma mancha co ntínu a de vi-
zinhanças homogênas . E xclu iu-se a p rox imidade dos meno s
f av or ec id os , d esestimul ando -se seu trânsito públic o nas ruas
dos bairr os de elit e. U ma ampla faixa que ce rco u o centro
pa ulistano de oeste a sud oe ste liv rou-s e da inte rse ção de b air-
ros ou habitaçõe s populares .
- A área central, considerada não civ ilizada': tamb ém fo i
atingida pela s d em oliç õe s e xcludentes, da mesma fo rma que
no R io de Janeir o. A s refor ma s im plc mentadas ao longo da
prim eira década do sécul o xx nas ges tõe s co nsec utiva s do con-
selh eiro A ntônio da S ilv a P rado, int egran te da mais in flue nte
fam ília pa ulistana de en tão, promoveram a co nst ruc ão de
gran des edi fícios ofic iais, conso lid ando-se a pon tua ção dos
e sp aç o s p úb li cos po r edifícios mon umentais ini ciada já na
primeira dé ca da
republicana.
Um extenso programa de re tificações e alargamento das
ruas centr ais perm itiu melhor defin ição dos espaços de circu-
lação pública, ga rantind o flu ide z viária e
angulaç ão
ao s no vo s
ed if íc io s e rg u id os. Logrou-s e também a expul são de mui tas
res idências
populares que se mant inham no centr o, alhe ias à
necessidade de in stituir uma área de n eg óc io s liv re de habi ta-
ções ou, pi or, de ativ id ades obscuras como a prostituição.
Visavam- se sobretudo as construções qu e des af iav am os sécu-
los com seus beirai s de telha s co loni ais e facha das ca iad as de
barro esbranqui çado - a tabating a -, qu e eram nu merosas
ainda n a d éc ada de 10 em tod a a área centra l.
Os res ult ados das ref ormas de A ntônio Pr ado acabaram
assemelha ndo-se aos obtid os na mesma década no R io de
Ja neiro. O s morad ores expu ls os pe las obr as mi graram para as
construções que aind a restavam nas proximidades, acentua n-
d0 o c ontra ste en tre os qu arteirõ es
novos
e aqu eles an tigo s
2 8. A s re fo rm a s d e A nt ôn io P ra do
e
Du pra t ga ran tiram um pro cesso
d e v al oriza ção da s á reas centrais
d e S ão P au lo , v iabi l izando
a e xp u ls ã o d as nlui ta s m o ra d ias
populare s q u e r es ta vam 1I0S casarões
d e ta ipa da outr o ra cidade colonia l
e i mp eria l. (Travessa Santo Amam,
atual rua do Ouvidor, c. 1910)
180 •
HISTÓRIA DA IDA PRIVADA NO BRASil 3
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 28/45
29 . A lgo fr ancesa, a lgo ita li ana,
a
ele gant e
pri va ci da de d as e lites
do café res guardavam -se atrá s
d e gradis - que exibiam
a pu jallça de seu s propri etários
aos tra n se untes da avenid a
Hi gietzól'oli s . (R es id ência do casa l
Martinho da Si lva Prado c St ela
Penteado, São P aulo, s. d. )
q ue e sc ap aram à s d em olições, tam bém povoados de casas
térreas e sobrados en velhecidos . A ges tã o d o p re fe ito seg um -
te , o barã o de D uprat, pr ossegu iu no i ntuito de prove r a
cida de d e espaços públicos bem definidos, que co rres po ndes-
sem ao qu e se conse gu ia no s bairros residenciais. A s novas
áre as de la zer da re gião ce nt ral- o P arque do A nha ngab aú e
o D . Pedr o 1 1 - cont aram co m o sanea ment o das várz eas que
a ce rcavam e com a valori zação dos terr enos im edi atos, ar- •
ras ando-se novamente m uito s ca se bres e casinhas que pe r-
m aneciam nas borda s das ru as euro peizadas.
A o m esmo tempo que as a uto ridades pú bli ca s lu tav am
para discernir o s e spaços e as fu nções da ár ea cent ra. l, .sur gia
um impul so def in iti vo para a ho mogeneização de vizinha n-
ç as h abitacionais. A se paraçã o so cial pr ocessada m ediante a
di stin çã o das áre as h abitac ionais, já pa rcialm ent e e~ pertmen -
tadas no s bair ros abert os nos fin s do sécul o XJX, fO I ra dic ali -
za da pela ex peri ên cia do s bairr os -jardins. O no vo tipo de
loteam ent o para mor ad ia s a ce ntu ou a exclusão S OCialno que
co nce rn e ao s e sp aços d om éstic os e à homogeneização de vi-
zinhanças, gerando um a pai sagem que ca rac teriz a S ão Paulo ,
dife renciando-a das dem ai s c ap itais br as ileiras .
Por suge stão de B ouva rd , o eminente arquite t~ franc ês
contratado pa ra grande s remodelações em Buenos A ires - e
que pres tav a assessoria a D uprat nas re fo rm as de S ão Pau lo -,
princip iou- se a formação de um a empresa im ob il iá ria que
relac ionou ca pi tai s fr ances es e in glese s a in teres ses de e mpr e-
sá rios paulistasj A partir de 1 911 , a City of S ão P aulo Im pro-
ve ment s an d F re ehold Co . - a Companhia C ity - iniciou a
com pra de en ormes ex tensõ es de terr as na cidade, visando
execut ar loteamento s. Já em 1913 co m eçava a sur gi r o Jar-
dim A mérica, prim eiro bairr o da Com panh ia, loc alizado
na áre a sub urba na a sud oeste da cidade, no iní c io d a p la -
níc ie situ ada ab aix o d o esp ig ão da aveni da Paul ista. O bair-
ro fo i pr ojetado pe lo s c onsa grados arquiteto s ingleses B arry
Parker e R aymond U nwi n, res ponsáveis pej o pr oj eto de
Hamps te ad, nos ar redo res de L ondres. Os arquiteto s eram
os sucessores de E be nez er Howard , o criador das
gar d en s
city, as cidades-ja rdi ns , um a pr opos ta de habitação su bur -
b an a p ara cl ass es m éd ia s e pob res , ideali za da pa ra aten uar
a s p recár ias co ndições de moradia das grand es metrópoles
industr iais in glesas.'
Com as m esmas soluções d e r uas sin uosas, muitas área s
ve rde s, arborização e ca sa s situ adas em meio a jardi ns, pr eco-
nizad as por H ow ard e pr es en te s n as
ga rdens city
ingle sa s, f o -
ra m p ost os à v en da o s lo tes d o J ardim A mérica, cujo projeto
inic ial seria alterado numa visita do pr ópr io Par ker a S ão
Pa ul o en tre
1917
e
1919.
M as , ao contrário do que ocorria
com as cidades-jard ins britâni cas, o primeiro ba irro da C ity
n ão foi de stin ad o a segmentos meno s f av o re c id o s.70
A Companhia direcionou seu prim eiro lo te am e nt o a os
segm ento s mais a ba st ad os, abandonando as idéias iniciais
HABITAÇÃO
E
VIZINHANÇA •
181
30. Jard ins asseg ura vam ao rico
palacete afrancesad o de Hi gienópolis
uma dis tânc ia co nv en iente
do burburinho da s ru as .
(Residência do cas al Joa quim
M end onç a F ilho e Cor.na Prado,
São P au lo, s. d.)
18 2 • H ,S TÓR IA DA V ID A P RI VADA r<ü BRA S'l 3
HAB ITAC ÃO E ViZINHANÇA • 18 3
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 29/45
I
i
V,dól de campo lfanqudla 8
I
<Idl. em ~.nil C PlIAI
ti
com
todo n coorc-rc das grandes 1
me
operes -
50 no
JARDIM AMERICA I
- InCOnr ,;nd~<11~INO mod~o, verdade ro
ta~C m de ,eSldenCI,IS. I
l~ ._ - . ...__..
~ ..: .. . ;~ :~~ :.
-_ ......-~~..._.~....
~ • A _
. • .. . . . . .
~.-...~
.
-
-.::= ::.~..i::'.:-= = -
• - • . • IC __
: : : . : : ~ . :: ~ 7 : - :: - : - : - .• • . ;: : : . . :=.
. =
_ • . . . . . • . .. • .. . . . .• .. •
3 l. Co n stru ç ões re gI/l am entada s,
1510 é garan r ta de boa vó nha l1ça':
p rom et ia o an lÍn cio pub li c itá rio
do [a rd im Amé r ica, p ri m e ir o
bai rr o-j a rdim de Sã o Pa u lo
<'
do Br a sil . () con tr ole da cO lb tr uç ão
do s espa ço s
do-n é su cos
fo i ass egu ra do
pe la leg i sl a çã o públ ica , ga ran tindo -s e
inlrtw c icJ/l a lment e perfi l exc lusiv o
do ba irr o
paulutano.
(Se m títu lo ,
1929)
das gardens city, e e m a lgun s an os o bairr o se torn ari a sím bo lo
do viver distinto das el ites paulistan as, D ispositivos propos tos
por Park er reg ul aram min uc ios am ente a pr oporção e lo ca liza-
çã o da s con st ruçõ es dent ro do s lot es - de talhavam -se inclu si-
ve as cercas en tre os terrenos part iculares -, controlando-se
de man eira indir eta o p erf il dos pr opr ietári os e costum es dese-
jados pela Companhia . A lém de assegurar viz in hanças homo-
gê ne as, Pa rk er im pôs aind a um outro di spositivo , incorporad o •
na leg islação mu nic ip al anos depois: def iniu o bairro para uso
ex clu sivament e res id encial, as pec to ex plorado com ênfase em
anúncio s d a C o mp anhia , em que se de st ac av am a s dez razõe s
que di stin gui am o bairro: Po r qu e se dev e comp rar e co ns-
tru ir neste bairro: [ .. .] P orque jardim A méric a é em São Paulo
o único bairro reserv ado exclusivamente para re sidências . [.. . ]
Porqu e todo o prop rietário tem a vizinhança garantida me-
diant e servidões mútua s .
Ga rantiu-s e, portan to , a m an ute nção dos pr opr ietários e
de se us es paç os privados , erguidos sob fisca lizaçã o rig oro sa ,
que era pre vista no s con tratos de servidão exigidos por oca-
sião da ve nda d e lotes, visando co nstru ções reg ul am ent adas ,
is to é, g ara ntia de bo a viz inh ança . A s caracterí stica de pri-
va cida de, impos tas aos m o ra do re s, a ca bari am ainda por es-
tend er-se aos próprios espa ços públi co s do bairro, m edia nt e
a co nfiguração das rua s ou do de stin o d ad o às áreas verd es de
us o comum.
O ar ru am ento do bairro foi rea lizado num esq ue ma g eo-
m étri co qu as e fecha do. S end o as r ua s p úblicas , não se podia
impedir o a cess o de es tr anh os a o b airro , mas a priva cidad e dos
la re s e st ava raz oav elm en te g aran tida pela sin uos idade viári a,
confusa pa ra o tran seunte ou para os que qui se ssem usar as
ru as co mo p as sa ge m d e tráf ego. A inda as sim , o fluxo de f or as-
t ei ro s e ra ra ro , poi s pouco se teria a fazer no bairro senão
visitas, já qu e comerc io e serv iço s e st av am pro ibid os de se ins-
tal ar nos IO les.
73
O s inusitad os ja rd ins pro jetados no interio r das quadras
res idenciai s, franquead os ao público nas alt erações propostas
por Pa rker , foram grad ualm ente extin tos m edian te a in cor-
poração dos es paços pelos lo tes lindeiros. O máx im o de
área s públicas
rnantida-
ao long o da implantação do ba irr o
foram prJça s re qu ena ~ , de escal a pouco convidativa a foras-
teiros.
~ O padrão exc lus ivo do Jardim A mérica foi expa nd ido pela
propna Com panhia City para muitas das gIebas qu e adquiri ra
a pa rtir de
J
91
J ,
s ur gi nd o n os anos e dé cada s s eg uintes, e com
o mesm o t ra ta mento paisagístico do Jardim A mérica, os bair-
r os d o A n ha ng ab aú , City
Butantã,
A lto da L apa, B ela A lianc a,
Pa caembu, A lto de Pi nheiros, Jardim Gueda la , Bo aç ava e Ca-
xm gui. M uito s do s bairros foram de stin ados tam bé m aos seto -
re s m é dios da pop ulaçã o, embora o comp ortam ento excluden-
te d os disposi tivos de constru ção, a p lasticidade e o acentuad o
c on fo rt o a mbien ta fo ss em e 1iti za nd o sua oc up a çã o p au la ti -
nam ente.
. O modelo da Companhi a City foi seguido por outros
in corporadore s em S ão Pau lo, e logo sur giram no v os b ai rr os-
32 . P ri va cidade nu m ba irr o de via s
pú bl icas : na s ru a s curva s
ou
se m
saí da do Ja rd im Am érica ,
co mb inavam -se uma
persp ecu va
fechada, m ai s ín tim a, e um a
c ircul a çã o e ma ranhada , que
dif icu l ta va a pa ss agem de estra nho s.
(C omp anh ia C ity ,
194 6)
._---~~-------
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 30/45
186 . HISTÓRIA DA VIDA PRiVADA NO aRAS l 3 .(,,
hABIT ACÃO E V:ZINH ;NÇA •
187
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 31/45
(J
jard ins , igualm ente zo nead os fun cional e so cialrnenteí lardim
E urop a, Ja rdim Pa ul ista no , a C idade Jardim, S um a r é, Jar -
dim das Bandeiras e , an os m ais tarde , la rgas porçõe s nos al tos
do M orumbi , fo ram formando uma mancha m ais ou m enos
co nt ín ua de bairr os semelh ant es conce ntr ados na re gião su-
do este da ca pi ta l pa ulista, todos abe rt os já em meados do
século xx, em fran co c on traste com aqueles de ru as re tilíneas
que se espalh av am vel oz m ent e por toda a per iferia da cid ade
N os vaz io s ent re os bair ros de ru as sin uos as, outros em -
preendimento s de traçado quadrangul ar for am adota ndo al-
gum as caracterí st icas hab it ac ionais ou paisagís tica s dos vizi-
nhos qu e se co nsa gra va m . Jardim Paul ista , Jardim L usit âni a ,
V il a Pau lis ta, V il a Pr im ave ra ou, em men or esc ala, Perd izes,
Á g ua B ra nca, Paraíso, V il a A méri ca e partes da Conso lação
ga rantiram a p ad ronização v isual e socia l da s área s entre os
bai rr os-jardins st ri c to sensu , fo rjand o um a experi ência habi-
tac ion al s in g ular da capita l paul ist a que seri a referên cia para
inco ntáveis in corporadores em cidades por todo o B rasi l.
E ra po ss ív el , e ain da é , andar quilôm etros dentr o da ci-
da de de S ão P aul o ve nd o-se pouquís sim as casas e ru as fo ra
do padrão que d isting u ia os bairr os-jard in s, o quais se to r-
naram pouco a pouco o refúg io preferid o do s pa u lista nos
an sioso s por privar-se da convivênc ia íntima com as mazelas
e m i sé ri as que se avo lu rnav ar n na cidad e i nd u strial, o pri nci-
pal par que do país já a partir da década de 20 ,í6
A e xpansão form idáv el do s bairr os-j ardin s era alim en ta -
da pel a própr ia desestabiliz ação dos bairro s m ais ant igo s, em
que an te s se concentravam as elites pa ulistas ins talad as na
ca pital .
A
parti lh a de heran ça s, as flutuações financeiras e o
paula tin o aban dono dos mode los de famíl ia extensa, de mui -
to s filhos e ampl as paren telas, [oram modifi cand o as form as
de sociab ilid ad e que ergue ram as resi dências elega n tes da
B ell e
Époque.
A manute nçã o de muito s dos gran des palacetes e so br a-
dos , ob sol etos , ou por dem ais cu stos os, in via bili zo u a perm a-
nênc ia da s elit es em Ca mpo s E lísio s, L uz, Hi gienópolis, Con-
so lação, L ibe rd ade, na avenida B ri gad eir o L uí s A nt ôni o , e
posteri orm ente na pr ópr ia ave nida Pa ul ista, A ausên ci a de
uma legis laçã o r ígida de controle do us o e o cu pa ção da s cas as
e te rre nos nos bai rros m ai s antigos, como hav ia no s bair ros-
jar d ins, a maio r pro ximidade de área s de gra nd e circu lação ou
de bair ros pop ul ar es , as migra çõ es vin das do co m balid o in te-
ri o r c af ee iro e a própria alt a na demanda por al uguéis foram
esvaz iand o os gr and es pala ce tes e os bairros m ais ant igo s da-
qu eles set ores so cia is qu e o s h av ia m e rg ui do , Já na déca da de 30
vár ios palac et es d e H i g ie n ópo lis t in h am s e con vertid o em p en-
sõ es p ar a setores médi os, cuja s famíl ias res id iam , ind ivid ual-
m ente , n os num erosos e amp lo s c ômodos das res idências .
A mo di fi cação do perfil social da s moradias , ocorrida
no s antigo s bairro s ele gan tes de S ão Paulo, não foi su fic iente-
ment e si gn ificat iva no qu e se referi a aos l imites da clivagem
sociaJ q ue se des enhara nos bai rros de fu nção residencial da
cid ade . T an to a ca pital paulista com o o R io de J an ei ro , ao
fi nal da R ep úblic a Velh a, seriam objeto de pr opos tas de a de-
quação ur bana visa nd o gar antir a rá pi da expansão dos bair -
ros res idenciai s popu lares e di str itos industr iai s, assegu ran -
do-se um alívio à s pr es sõ es que se ab atiam so bre a ge og rafia
ex clu de nte dos esp aç os priva dos , A difusã o de um nov o mo-
delo de hab itação e v iz in hança - os ap artamentos - iri a
relac ion ar -s e in tensamente com as tensõ es so c ia is a c umul a-
das na escalad a de ur bani zação das populações br as ileir as
du ran te a B elle Époque,
OS A PA R TA ME TO S E A M A SS IF ICA ÇÃO D A M ORA D IA :
[)OS CON D OM INIOS A OS CON JU l\'TOS HA B ITACIO A IS ,
PA SSAN DO PELAS REM OÇOE S
A re si st ência à morad ia co let iva , disc rim ina da pelo s di s-
curso s ofi c ia is com o sin ôni m o de todas as de sg raç as sanitá-
ri as p resentes nas ca pitais brasileiras desde o Im pé rio , fo i aos
pouco s arr ef ece ndo diant e da nov id ade consti tuí da pelos
apa rtamentos, in icialmente dirig id os aos segm ent os mais
ab astados das grande s ci dad es, O re ceio de decair socialm en-
te , ad vin do do despr ezo para com as coabita ções, fo i ve ncid o
co m a ado çã o de ac ab am e nto s cust oso s uti liz ado s no s revés-
t imentos externos e nas áre as i nt ern as de circ ulação dos ed i-
fí c ios, Ju sti fica va-se, ass im , o apelo d a denom ina ção dos pr i-
meiros ed ifíc ios, palacetes ': pa lavra co nsa g rada , cap az de
at enu ar he si tações ou preconceitos .
E m S ão Pa ul o, os ed ifí ci os de apar tamento s for am
ocupando mui tos dos bai rros que eram
abandonado,
pelas
elit es, apr oveitando os g ran des lotes , a arborização da s rua s
-.----------- __ r.lllÍ;CliÔlla... ._
188 • HISTÓRIA DA VIDA PRivADA NO B~AS l 3
HABI AÇÃO E
Vlll
HA ç . 189
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 32/45
34. A lguma s re sidênci a s apalacetadas
de H igie nopoli s , ou trora des t inadas
a moradia ou a alu gu e l uni jam iuar ,
ac abaram por ser transformadas
em pensões para fam ílias , depois
d a m ud an ça o u d ec ad ência de se us
a nt ig os pro pr ie tá ri os . F oi o q ue
oc orreu com cas as de ste qu arte irã o
da ru a DOl la V er idian a, du rante
as décadas de 40 e 5 0.
(Ru a M arqu ês de [tu, esqu ina
com D ona Veri diana Pra do, Sã o
Pau/o, /900)
ou
O
prestíg io , em panado, dos an tigos bairr os eleg ante s. Os
palacete s fo ram erguid os di re tam ente nas calçadas, co mo
na s capitais européias o itoc enti stas, padrão que entraria pela
déc ada de 30 . Os bairros de S an ta l fi g ê n i a , m as sobretudo
Vila Buarque e Santa Ce cíli a, sã o reg iõe s que tes temunham o
pr im eiro modelo de vertica lização , o qual guard a na aus ência
de rec uo s, nas portarias com acabamentos lu xu osos e no
prop rio gabarito de
sete
ou oito anda res a referência d ireta à s
expe riências de edificação das cid ades eu ropéias .
M as as carac terística de pri va cid ade e iso lamento ex pe-
rim en tadas nos bair ros de pa lac etes e nos ja rd ins , acabariam
se repetin do na ve rtic alização da moradia. D isp osi tivos da
leg isla ção paulistana exig iram , já em 1937, que os ed if íc io
erguidos nos ba irr os residenciai s privilegiado guard asse m
recuos laterais e
frontais.
Is so a ss egurou a inso laç ão e
ven ti-
lação aos apartam en tos , e ao interior dos quarteirões, ao
m esmo tempo qu e se repetia o afas tam ento entre os espa ço s
público e pr ivado , in serid os naqu ele s bair ros qu and o abri ga-
vam os palace tes. Hi g ien ópo lis é o exemp lo m ais consisten te
de sub stituição das casa s po r edi fícios de apa rtam ento s de n-
tro das ex igê ncias de 1937, num parad igma do modelo que se
repro duziria em quase todos os bairr os que não en co ntrav am
lim ites ao adensament o, como aq ueles da Compan hia City.
A s pressõ es por moradi a, qu e permanec iam nas bord as
d a m an cha do s bairr os de eli te, deveriam se r afastada s o
quant o possível d as á re as ce nt rais, a fim de evitar o enco rti -
ça mento dos antigos sobrad os e pa lac etes - e a des valoriz a-
ç ã o d e fi ni tiva do s bairros já deca dente s . O Plano de A ve-
nidas, sug erid o pa ra São Pau lo pelo engen heiro e depois
pr efeito Pr es te s M aia, e qu e foi im plemen tado ao long o das
décadas se guintes, co incidiu com a nec essid ad e de pr es erva r
as v iz inhan ça s do s bairr os pr ivile gia dos , medi ant e o redire-
ciona me nto do c res cim ento daq ueles populares.
Prestes M aia preconizou a abertura de grandes artérias
rad iais qu e partia m para os bairros, enfeixa das em torno de
um a avenida perim et ral à áre a cen tral. A ex ecução de seu
proje to , ini cia da a partir de 193 8, qu and o ele já er a prefei to
de S ão Pau lo, garantiu ac ess o rápido aos arr abald es, vi abiii-
zand o o cr escim ent o atab alhoado e es peculativo gera do pela
ve nd a de lotes popu lares, dest in ados a alu guel ou autocons -
tru ção . A ve rti cal izaç ão fo i também facilit ada, se ja por m eio
da ampliaçã o da altura total dos edifícios, se ja por meio das
nov as vias públicas im plant ada s pelo pro jeto de Prestes M aia,
qu e deveriam rec eber o increm ento do fluxo gerado nos bair -
ros ade ns ados hori zo nta l ou vert icalment e.
O R io de Janeiro ve io a conh ecer um processo de vert i-
calizaç ão
igualment e ac en tuad o, em que a relação ent re a
oc upação dos lo tes e as.rua s ma nt ev e-se por muito tempo fiel
ao s padr õe s oitoc entistas das ca pita is européias - e à pr ó-
pria tr ad ição ur bana da cid ade. A ex igüidade de terrenos na s
regiõe s cent ra l e sul cari oc as fav orec eu um a ocu paç ão in tensa
do s lotes di sponívei s nos bairros espre m idos ent re os maci -
ço s roc ho so s qu e pontuam a fai xa litorânea da ci dad e. A s di-
fi culd ades em co nt rolar as justaposiçõe s so ciais na Zona Sul,
já sensíve is desd e a expa nsão das fa v ela s a o longo da década
de 10, iriam nov ament e se ev idenciar, ac entuando o contr as te
entre as form as de habitaçã o e vi zinh ança nas du as m aiores
cid ade s do país.
A co nstru çã o de un ida des hab ita cion ais ve rtica is com e-
ça ra no R io de Janeiro des de fins da década de 10 , em vo lta
da praça Fl or iano Peixoto, e se intensifi caria na década de 20,
co m uma cres cente par tici pação dos bairros da Zona Sul na
proporçã o dos prédi os le van tados . I
190 . HISTÓRIA DA V,OA P1;VADA NO BRASil 3
HABITAÇÃO E VIZlNHANÇ.o. •
19i
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 33/45
35 , 3 6. Nos côm odos ap er tado s
do s edif ícios paulis ta nos
espremi am-se móv eis e {un çõe s
copiados dos amplos cim lOdo,
das wsas aburguesat1l1s. (35 . Lea l
Li/Jermal , Ed ifício Am ália -
sala de estar, São P aul« ; 1q~();
36 . U m apa rtam ento - sala
de alm oço c cozinha, SilO Puuio,
194 0)
A fas e ini c ial de co nstru ção de habita ções ve rticais fo i
marc ada pe la
edificaçã o
de : pré di os de altíssimo lu xo, com
elaborad as fa cbad as de ins piracâo no classicis rn o f ra nc ês .
Pontu ando a pr aça Floriano Pei.x.oto e a aveni da B eira-M ar,
os prim eiros edifí c io s re petiram o pa pel de seus co ng êl~eres
paulis tan os - m uito mais modes to, - no p ap el de arr efec er
os preconce itos relat ivo s
à
ha bitação coletiva. .
Princip iava a c ompe tiçã o dos in corporad ores pe la m ora-
dia dos setores mais aba stado s do R io de Jan eiro , o seg ment o
so cial a que se direc iuD ou in icia lmen te o nova gêner o habita-
cio na l. A s orl as da Gl óri a, flamengo e Botafogo foram esco-
lhidas para situar os prim eiro s préd ios de apartament os da
Zo na Sul, em que a fusão d os c ustosos elem ent os decorativos ,
de refe rência francesa ju ntava-se à s esc alas vi ndas da s Ci dade s
norte-am eri canas .
Os no vos arra nha-cé us da Zona S ul enfren tavam a du ra
co nco rrência da s suntuo sas res id ênciJs erguida , em San ta
T eres a , e na s ru as S ão C lem en te, da s L aranjeiras , S enador
Verg ueiro , M arqu ês de A brante s e su as im ediações , espa ços
pref erid os d as el ites re sidente s no R io du ran te as d écad as de
19 00 a 19 20 . Pon t if i ca ram nesse período os pal ace tes da fa -
m ília GuinJe, erg uid os po r A rm and o Carlos da S ilva T el les ,
que suplantavam de longe se us congêne res paul istanos. S e-
m elhantes às maiores r e si d ência s de B ueno s A ires , muitos tra -
ça dos em Paris por R ené Sergent, os palac etes dos Gui nJe ,
erguidos na capita l fe deral e no es tad o do R io de Janeiro, sã o
notáv eis pelo empreg o de caríssim os aca bamentos e obr as de
ar te importados da E ur opa. Paradi gma de luxo durante a
R ep ública Velh a, lembram ain da o no táve l conjunt o de re si-
dênc ias do s Vanderbilt , ergui das na Nova Ing laterr a e e xem -
plo mai or da vocação sun tuos a da s moradi as das eli tes emer-
ge ntes norte- am eri ca na s.
E ra im perioso con ferir exc lu sividade e lu xo à queles qu e
se dispusessem a m igrar dos palacetes para os ap art am ento s,
j á que eram in cont orn av elm ent e um gênero de mor adi a co le-
uv a, aspecto nause ant e pa ra as eli tes, que conden avam os
cor ti ços , estalagens e ca sas de cômod os .
O regime de se rv iços comun s, pres ent e em muitos dos
prim eir os apa rtamento s - as chamad as ca sas de apa rta-
m ent o , um gênero de fla t -, foi rapi damente sub stitu ído
pela segmen taç ão total das unidades , que passaram a in clu ir
192 .
HISTÓRIA DA
VIDA
P<Iv ADA NO 6
ASI '
3
HA alTA CA O E Vil'N 'A NC A -
193
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 34/45
3 7. A
oputénc ia
dos Guin lt ,
, aglla tas da Rep úbl ica Velha ,
expressava-se em suas sunruosas
re sidêllcra s, e spa lhadas nOS ba,rro s
da ZO lla Su l do R io de Jane iro ,
} ,mt o
i1
b aía d e Guan ab ara
ou w, scrnl5 [unntnenses.
( l'ôl acC lf IlJ rua ~ão (Jernen«.
Botafogo .
1Y 97)
depe nd ências complet as de se rv iço. Foram condenados ao
des aparec imen to os an dare s res erv ad os à hab itaçã o comum
dos em preg ad os d omés ti co s, cu jo s e sp a ço s nos apartamento s
passariam
a se r dem arcad os com ri gi dez . geran do um zo ne a-
m ento inte rn o que já foi assina lado como uma carac terística
marcan tement e nacional] A d iferenciação ríg ida entre área s
íntimas e de serviço - e entre seus res pec tiv os oc upa nte s -
fo i um anseio que escapou largam e nt e a os a pa rt am e nt os de
lux o. A permanência e a ci rcul açã o mer ece ram a cri ação de
caminhos e espaços dif erenciad os. sedim en tando para os se -
tore s médios uma dist inção em que se sente o bafe jar dos
tempos da escravi dão.
A ap rovação da L ei de Co ndom íni os em 1928 con so li-
dou em defini tivo a poss ibilid ade jurí dica de ind ivid uação
co mpleta de c ad a u ni da de habit aci onal, restringind o a áre a
co m um apenas aos espa ços de ci rculação e rec epção. custo sa-
ment e deco rados. Proc urav a-se afastar de uma ve z por toda s
o espectro que co nde nava os prédi os de apart am entos ao s
estigmas relacionados à s habi taç ões co letivas. vindos des de o
Im pério. e qu e por mui tos an os ain da ge ro u um sugestiv o
apelid o a os co ndo mínios res id en ciai s ve rticais: cor tiço s de
lu xo
u
.
8
}
Copac abana co nst itu iu o exemplo mai s notáv el de ve rt i-
ca lização hab itac ionaJ do R iu de Janeiro, tend o sido al i as
ca sas leves. p ra ianas , rapi dam ente su bstituídas pelo s pr édi os
de apartament os. erguidos de in ício na re gião em torno da
pr aça B ern ard elli - o L id o -. coraçã o el eg an te do ba irro
lito râneo. A sof isticaçã o qu e cercou o bai rr o. loc al do hotel
Co pa ca ba na Palace, não foi. en tret anto , fo rt e o basta nte para
lo go am eaç ar a pr im az ia das antiga s regiões res id enciais ao
longo da baía de Guanab ara, que disputaram por déca das
com os bairros at lânt icos as parce la s mais aba stadas da popu -
laç ão ca rio ca . B otafog o, L aranjei ra, mas so bretudo a linh a
lit orânea do Flam engo e do morro da Viúv a pe rm ane ceram
por m uitos an os como reduto dos apartamentos essen cia l-
m ent e urbanos e elegantes , deixando a Copa ca ban a a aura do
mora r ba lneá rio .
A pres sã o dos in corporadores im ob il iá rios jun to
à
adm i-
ni str açã o pública po ssibilitou a concentra çã o paul atina de
novos pré dio s de apart amen tos , esparr amados pe las ave nida s
lit orân ea s ao lon go da s d écadas de 30 e 40. O ga barit o - a
alt .u .ratotal do s edifíc ios - foi con tinuam en te ampl iado. per-
:nltmdo a exploraç ão in te ns a dos lot es. fa tor que aos poucos
im pedi u a próp ri a visualizaç ão das montanha s ca riocas , além
38. Loc alizados en tre
os
pal acetes
a linhados na pr a ia do
F lamengo,
os
Apa rtam ento s G uin le
[oram
do > pr im eir os a se r con struidos
na s ant igas ár eas
ll Sde lCa : i
da Zona 5,, 1 c anom .
A s
áreas
pa ra
emprega dos
do méstico, eram
man tidas rrQ ma l lSa rd L l fora
das unidades do s
proprietário».
(Apartamentos
Guinle , Flarnengo .
1 9 9 7 )
r f
194 • HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO BR ASIL 1
HABITAÇÃO E VIZINHANÇA •
195
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 35/45
I
• I
de compr om eter a salub rid ade tão almejada pelas elite s qu e
conduziram a reform a da antig a ca pita l im pe ri al, fato que já
nã o es ca pava ao s visionário s d e e ntã o: [ ... ] d ia v irá em q ue ,
fat a lm ent e, os g ra nd es e di fí ci os d e a pa rtamen tos , po r falta de
área s disponíveis para sua ve ntilação e ins olação, forma rão
um ag lom erado asfix ia nte de morad ia s in sa lu bres e impr ó-
prias à vida humana ' i
_ Co pa cab ana conh ec eu em p ou cos an os um a m as sa com-
pac ta de prédi os se m re cuos fr on ta is o u l at er ais - diferind o
de modo ra dic al do q ue s e p ro cessa va n os bairros equivalen -
tes de S ão P aul o -, o que prati c amen te pr iv ou os hab it antes
d o i nteri or do bair ro da s ensa çã o d e e star a metr os da praia e
do s vent os m arí tim os. A p rerno niç ão do artig o d e 1 92 8 che ga a
ser ir ôni ca , s e s e c o ns id e rar que o morr o do Cas telo, berço da
cid ad e, fora arr asa do an os an tes ju stam en te so b a a legação de
bloquea r a b risa saneadora . O B air ro P e ix o to, p or çã o m ais in -
ter na de Cop ac abana , é ex em plo da lut a do s ha bit ante s loc ais
para con ter a vo rac id ade de agentes ligados
à
esp ec ulação
im obiliári a , ansiosos por liber ar o gab arito loca l, qu e oscilou
pr eca ri ament e entre três e quat ro pav imen to s res id enc iais ao
lo ngo da s d éc adas do sé cu lo
XX
86
A s alt eraç ões nas condi ções de inquilin ato e as fa ci lida-
de s de crédito fo ram res pons áveis pe la pr olif er ação de apar-
tamentos m inú scu lo s, mu itos comprado s pelos pr ópr ios m o-
radores, es pal hand o- se pelo bairro, durante as déc adas de 40
e 50, os ed if íc ios de kitchenettes e c on ju gados , habitações
compac ta das sem luz ou aeração condizentes com o clim a
ca rio ca . O s apart am ent os m odestos ao s po uco s al terara m o
pe rfil dos bairr os da Zo na S u l, e m es pecia l C opaca bana e
Ipa ne rna , m o di fi cand o a destinação elitista previ sta de sde o
Pl ano A ga che, prim eira tenta tiva sistem áti ca de zo nea r so -
cialm en te os bair ros do R io de Janeir o, re ali za do dur ant e a
ges tão pr es idencial de W ashi ng ton L uís e , portanto , c on tem -
porâne o ao P la no d e A v e ni da s de Pr estes M aia .
' R es erva dos por Agache para o hab itar do s se tores m é-
d ios e a lto s da população carioc a, os bair ros da Zon a S ul não
fo ram alvo, en tretant o, de um a experiên cia ocup acional re s-
tr it iv a s eme l han te à oc orrida nos b a ir ro s-j ardins de S ão Pau-
l o, c uj as dispos ições d e exclusivid ade funcional , in co rp o radas
e ex pand idas pelos dispositiv os lega is, pr opi cia ram à ca pital
paulista área s e xtensa s de horn oge neid ad e so cial, em que os
I i
, I
, I
I
'--
39, 40 . E m m enos de c inqü ent a an os ,
Co pa caba na pa ssou de um im enso
ar eal , ass inalado po r um a fi le ira
de eleg ant es pala c ete s p ra iano s ,
a um a m isc el ân ea de edi fí c ios
de todo s padr õe s so ciais
justapo sto s a gr and e s f av el as.
(Copacabana de ontem e de hoje,
c. 1890 ec . 1938 )
< . .. ~
_o .
..
.~'.'..
-;,.,..
- .
.
.
, .
- o
------.-------_IÍIiIIIIIIiIiIIIíIia. _
/
I
i
196 •
HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO BRASil 3
HABITAÇÃO E VIZINHANÇA •
197
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 36/45
espaços pr ivados estend iam , indir etament e, sua ca rac terística
ex clu de nte à s ru as e aos bai rros - aos espaços públicos.
... . A ve rti ca liza ção de algu ns ba ir ros paulistanos de oc upa -
çã o não exclu siva, como Hig ienópoli s, Perd izes e V ila A méri -
ca , preservo u de modo razoável a vizinhança dos bair ros res -
tritivos, sen do os apartamentos hab itados bas ica mente por
se tores de eli te ou da ch am ada classe média alta. N o R io de
Janeiro, o G rajaú, na Zo na No rte, a Urca, alguns lotea men~ os
em L aranjeiras e no Jardim B otâ n ico, ou o B air ro Peixo to , na
Zo na Sul, fo ram experiências tím id as de es pecialização social
de moradias. M antida precariamente, a oc up açã o d es se s b ai r-
ros não chegou a abriga r os ríg ido s pad rõe s de oc up ação
ex clu siva dos bairros-ja rdins paulistanos, nem a se genera li -
zar nos b airros da Zona Sul do R io, tarn po uco n as d em ais
reg iõ es da cidade.
__ A s pr es sõe s do capit al imo biliário, ex tremamente com-
petit ivo nu con texto de desaceleração da indú stri a ca rioca ,
fo ram aos pou cos reprodu zind o, em toda a Zo na S ul, a expe-
riência de convívios so ciais e co mp ortamenta is ju stap osto s,
qu e se quise ra extin guir na capit al na cional de sde os an os em
que e materializav am as id éias re fo rmadoras e trag ment adas
da Bclle Ép.ique. A justaposiçã o su foc ante de pré dios de
ap artame ntos, mu ito díspare s ent re si , fui aind a asse di ada
pelos barraco s dos morro s da Zon a Sul cari oca, que se ex -
pand iam inc oI ltrolave lmente .
A s favelas , que já eram detectáveis nos bairros litor âneo s
de sde a década de l.O, pros pe raram diante da prec ari edade do
poder pú blico em erradicar até as co ncen traçõ es de moradias
pop ula res mais centrais, pr óx imas aos s ím bo los do R io civ i-
lizad o S e 0<; numero so s corti ços e ca sas de cô modos do
ba irro da M isericó rd ia e do morro do C astelo furam elim ina-
dos do centro do R io de Janeiro apenas en tre 192 0 e 192 2,
pe los esforços co mb ina dos de E pitá cio Pes soa e do prefeito
Ca rlos S ar np aio, o qu e se poderia esp erar do comba te aos
ba rracos? Multiplicavam-s e as favelas, com o se multi pl ica-
vam as rep roduçõ es do modelo insuficient e de refo rma ur ba -
na experim entado desde a el imi nação do Cabeça de Porco-
os morado res e as moradi as indese já ve is , e xp ulsos, ag rega-
va m-s e na s proxim idade s, e suas ma zelas cob riam novo s
morros , em oldurando a ilusão da s planíc ies arenosas, cobr in-
do a face Jo R io de chagas tão indesejáveis quanto inevitá-
II
T
veis : tCons truídas cont ra todos os pre ceitos da hi gie ne, sem
canaliza çõe s d'ág ua, sem esg otos, sem se rvi ço de limpeza pú-
b li ca , s em ordem , co m material he teróc lit o, as favelas con sti-
tu em um perigo permanen te de in cê nd io e infecções epidê-
micas para todos os bairros através dos quais se infiltram . A
su a lep ra su ja a vizin ha nça das pr aia s e os ba irros mais gra-
c io sa m en te d ot ad os pela natureza .
A s p al av ras de A gach e p rev iam a conf rontação social no
fut ur o que seria gerada pela co nv iv ência heterogênea de ha-
bi tações e dos seg ment os sociais nela s r es id en te s, ac usan do
as favelas de corromp er o R io de J an eiro nã o só sob o ponto
de vista da or dem social e da seg ur ança , como so b o pont o de
vi sta da higie ne ger al da cidade , sem falar da
estética'.
S · f o
ap elo trad icio nal aos pa vo res epid êmi cos já não era suficien,te
para justif ica r remoçõe s, e se nd o o fat or p lá st ic o c onsiderado
qua se desprezível, rec orr ia-se então , sem pu dores, à s di sc re -
pân cia s s ócio- econôm icas para alimentar o anseio de nova-
me nte impuls ionar a remoção das populações , que ousav am
_ _ _ _ _ .. . . : I ii I •• • •• •• •• • . _
41 . Logo atrá s d a B ib liotec a
Nacional e d o MU Sel / Na cional
de Be la s-Artes - e a me tro s
do Sen ado Federal e da C âmara
MU rlic ipal -, os gigan tesc os cort iço .'
da ru a d a A jud a exibiam suas
maz ela s a exa tam ent e um quartei rão
do centr o da nova cap ita l de P ere ira
P ass os , a p raç a Fl oria no P e ix oto.
P erm aneceram al i at é ce rca de J
922 .
qu a lld o foram arrasad as jun tam ent e
com
o morr o do Castelo , reduto
de m orad ias popu lare s. (Augus to
Malta, Morro do Castelo, R io
de Janeiro ,
/921 )
198 • HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO BRASil 3
HABITAÇÃO E VIZINHANÇA •
199
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 37/45
ag regar-se ao s bairro s elitiz ad os : P ou co a pouco su rg em ca -
sinhas per tence nt es a uma população pob re e hete rog ênea ,
nasce um princíp io de orga nização social, as siste-se ao co-
m eço do sentim ento da p rop riedade terr ito ria l. Fa m íli as in-
tei ras vivem a o la do uma da outra, cri am -s e laços de vizi-
nh an ça , e st abelecem -se costum e s, d es en volve m -s e p eq ue no s
comércios ,
U ma e fic iéncia soci al o co rrend o n os interstíc io s d o be m
viver ,
escanca rados aos olhos que se vo lt assem para a exube -
rânc ia da topogr af ia ca ri oc a, não mais apenas no ce ntro,
co mo o co rria no s an os que cerc ar am a s r ef or mas de Perei ra
Passos, m as galopantemente pelas zonas sul, n orte e suburba -
na . U ma vizi nh an ça q ue, a lém de enlaçada nos empr eg o s o fe -
re c idos nos apart am entos e casas, tinha seu poder de barga-
nh a p ar a d il ui r a s t en ta tiva s de remoção de favelas.
Entre 1917 e 1926 , h o uv e r eg is tros de remoções de bar-
r ac os e p op ul açõ es f av ela da s nos morros d a B a bi lôni a e D ois
I rm ão s, e no do T elégrafo , e st e j á n as p or tas da ár ea s ub urba-
na ao norte d a c id ad e. A o mesmo tempo, ac usav a- se a exis -
tência de f av e la s no C atumbi, e também na L a go a, l pa nerna,
L eblon e Gáv ea, send o ain da ess e o período em qu e urgiram
duas das m aiore s f av elas cariocas - a Rocinh a e a da pr aia
d o P in to .
O advento de Vargas t ra ri a, c o nt udo, um a rev ira volta
n os p la no s e xclu dent es de A gache e da s el ites que o cont ra ta-
ram, suavizando o c ombate às favelas e às suas popu lações, o
que se este nd er ia pelos quinze an os que se seguiram a o té r-
m ino d o E stad o N ovo. A s migraçõ es do cam po para a cidade
s e i nt ensificavam , estimuladas pel os s ur tos de ind ust ri al iza -
çã o ob servado s entr e 19 30 e 1960, e cada ve z mais as m ass as
urba nas destacavam -se nas práticas de c oo ptação po lític a, de
que se s er v iu l ar gament e tanto o E sta do Nov o q u an to o regi-
m e populista que o suced eu
até
19 64 .
A in da q ue h ou vesse umas pou cas remoções no período
d e Va rg a s, v itimando centen as e cent enas de cria turas, cujo
único mal é serem pobr es na cid ade m ais linda do mun d o'; as
f av e la s p rosperaram enorm emente. S e a dé cad a de 40 tem
sid o c onsi de ra da a quela do boom dos ap art am ento s na Zona
S ul, fo i tam bém a de um a ver da de ir a e x-plosão de: bar rac os
no s m orros de toda a c id ad e, bem como nos bairr os subu r-
banos, em fra n ca e x pa nsão ao lo ngo das linh as fé rre as e CO[1-
ce ntr aç ões indu str ia is , so b os olh os c ompl ac en tes das aut ori-
da des públ ica s.
O cen tra lismo da adm in istr ação do E sta do Novo fize ra
vi sta gr oss a ao cumprimen to do Có di go de Obras cari oca ,
criado aind a em 1 93 6 e qu e pro ibia ampl iaçã o ou melh or ias
nas áreas fave ladas da ca pi tal . A s grandes atu ações da adm i-
ni str ação pú bl ica, especialm en te na g es tã o municipal de
D odsw orth (19 3 7- 45 ) , c once ntra ram-se na aber tur a da s a ve -
nidas Pr es idente Va rgas e B ras il , facilita nd o a articul aç ão do
ce nt ro da cidade com os s ubúrbios, estra da s in tere staduais e
os mun icíp io s da B aixa da Flum ine nse, qu e já pr inc ipiava m
a a ssumir ca racterís ticas de cidade-do rm itó rio . Ignorou- se o
combate à s vizinhanças dís pa res nas zonas S ul e Norte, ou
mes mo a necessid ade de sa neamento bás ico nas fa ve la s.
E mbora a maior part e das fav elas e po pul aç õe s f av eladas ,
se gun do o c enso de fav ela s r e al iz a do no R io de Janeiro entr e
1 94 7 e 19 4 8, e stiv es se n as zon as su bu rb anas (44% e 43% ), e
no binôrn io ce ntro-Zona Norte (22% e 30% ), era na Z ona
Sul ,
co m
24%
e
21
% respec tiva m ent e, que as conce ntraçõ es
de barr ac os ca usa vam maior escând alo e constit uí am um
atentado à c onstrução de um a imagem adequada a uma cap i-
tal na cio na l b em c om o a os in te re ss es d a e sp ec ulação imobi-
liár ia , á vid a p or v alorizar os te rrenos
litorâneos.
A le targ ia n o co ntro le d o zo neam ent o social durante o
E stad o N ov o ge raria a titudes rompantes, com o a criação de
um a Comissão para B x:t in ç ão de F av ela s, e m 1 94 7. A C om is-
sã o reto mo u, sem g ran de s efeito s p rático s, algumas poucas
atitudes - tím idas - do E stado Novo, como a const ru çã o
do s c h ama d os Par que s Proletá ri os Provisó ri os, entr e 194 1 e
1 94 4, n o C aju, n a G áv ea e na p raia d o P into, as duas últ imas
n as im ed iações da la go a R o dr ig o d e F re ita s. N os parques fo -
r am a lo jados os moradores de barracos re mo vid os d os m or -
ros do L ivram ento e do P into , e de bord as da L agoa; m as a
substituição das casas transitórias p elas defin itiv as ja ma is
ocor reria.
A el ab o ra çã o e a p li cação do program a dos P arques P role-
t á ri o s con tou c om a p ar ti cipação-chave do m édico per nam bu-
c an o V í to r T a v ar es d e M o ur a, v ete ra no n a lu ta tr av ad a e nt re a s
elites de Pe rnam buco e o gigant es co n úm e ro de m o ca m bo s
qu e já cercavam o R ecif e a o f in dar d a R e pú blica V el ha , e qu e
constituir ia a m ais er nb lem átic a lu ta p ela extinção d e ha bita-
___ __ __ _ ..... iif .. l:::: I:I :b _
200 . HtSTOPiA D~ V iDA r IVADA NO 9,ASil 1
HABITAÇÃO E VIZ N·jANÇA • 201
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 38/45
1 2 UH l tl
Ju s maiores
COI l C t nl r açi J es
d( ' barraco s da ZO lla Sul do
RIU
de [a nei ro, a a ve /a da {'ra l,' do
PInto era
\/i~inhll das mausocs
do eblcm
c
da
G J I'La,
a t, ,u
crradiwção ./lI década
de
60
A áisposiça « d s /IIoradares
x pulios
csta~ larn
[avela s
co lada., lILb
el lcos ws do m or ro Duis
irm ãos -
lima dela s, a Rocinha torno u-s e
a //Jalor Ia ,'ela cari oc a, wroalld o
o reduto residencial mais soj i; ticad o
do R io de Jane ir o. a p raia
da Gáve a . (Fa ve la da pr aia
do Pinto,
194 1 )
ç õ e s
po pul ares di tas in sa lub res no Norde ste, a ponto de servir
como referên cia para as experi ências do R io de Ianeiro .
O fracass ado prog rama car ioc a de er radi cação de barra-
cos n ão s e d e front ara c ertam ente com uma esca la d e fav eliza-
çã o co mparável à quela ob servada no avanço dos mocarnbo s
so bre as área m ai s ur bani zadas do R ecife , S e em 191 3 os
casebres já co nsti tu íam 43 ,2% do to ta l d e imóve is na ca pital
pernambucana, chegariam à cifra f or mid ável de 63,7% em
1940, ano em que o cen so na cio nal acusa va a vo lta do R eci fe
à c on di çã o d e terce iro m unicípio m ais p o pu loso do B ra sil e o
pr im eiro do Nord es te, po sto es te que viria a perd er p ara S al-
vador apenas no censo de 198 0. A s m ig raçõe vin d as d o in te-
ri or, ca da v ez m ais acentuadas, incha va m o R e cif e: s eus novos
morad ores espa lh av am -se pelo s te rr en os a la ga do s q ue com -
punh am o sistem a fluvi om ar ítim o da pl a níc ie e m qu e se as-
se n tava a cidade.
A pressão das hab it ações e do habitar pop u lar sobre as
áreas ur b an iz ad as s egun do os pri n cí pi os n orm ativos das eli-
te s e ra ta m an ha , q ue s ur giri a , a in da n a R e pú b li ca Velha, em
19 24 , a Fund ação A Casa Operária , com a intenção de fo-
mentar o con tro le das m oradias e das populaçõe s no R ecife.
A pressão dos loc adores agravava ain da m ais as d if íce is co n-
d iç õe s d e o bte r h ab it açã o na capita l, a sp ec to que nã o esca pa-
va à imprensa alarm ista , qu e já em 192 1 pr oc ur ava consc ie n-
tiz ar os qu e se mantinh am alheios ao pr ecário equ ilíbr io do
ten so a rr an jo social em que er am ma nt id os os habitantes da
cidade: N ão tard ará o d ia em que es ses des espe ros [de entre-
ga r to do s o s proventos com o alugu el] se conjuguem e sa iam
p ar a a s ru as a p rocur ar dom icí lio , n ão armados de C artas de
Fi an ça e de garantias de toda ord em , m as de bem m unicia dos
ri fles e bomba s de
dinamite'.
Os res ultados obtidos pela Fundação fo ram pequ enos
di ant e da in tens a pre ssão demog ráfica so frida pelo R ec ife ,
q ue se a grav ari a em razão do im obi lism o do aparelh o es tatal
em lid ar com a cri e habi tacional - ou co m o próprio des-
dém d os m oca mb eiros. E m prin cípio s da déca da de 20, o
pre fe ito L im a C astro con strói as 150 casas da «vil a ope rári a ,
ex per iência pio neir a de m as sificação hab it aci ona l em Per-
nambuco , com o form a de rea lo ca r e civiliza r os m orad ores
de moc ambos. N in guém as qu is. A s casa s pop u la res não
er am car as, m as e ra m c om pletam ente ex ótic as pa ra os c ostu -
m es popu lares : «A s Ca sas pop ul ares fi cavam vazias porq ue
nã o dav am cara ng ue jo s c omo os mocambos', lembrou um
op o ito r político.
O s moc amb os in ic ia is de ta ipa d e m ão ou pa lha, perfei-
tam ent e adapt ados à s condições clim áticas rec o rr ent es em
todo o lit ora l, fo ram se concentrando nas área s im edi atas aos
ba irr os centrais e residenciais. Ladeados pel as ve rsões d e ca-
se bres que inco rp oravam mate ri ai s a dqu iríveis no m eio ur-
ba no - como telh as e fo lhas de zi nco , que ac abaram por
su pl an tar rap idam ente os materi ai s ru rais - , sua transfor -
mação acabo u por in viabi liz ar os dis cu rsos que viam na tipo -
log ia ori gi nal um a ex pr e ss ão a de quada do saber co nstruir
pop ul ar , pa s síve l de pr ote çã o e e stím ulo.'?'
A r eg u la m entação para as m oradi as er g ui da s p ela Fun-
dação A Casa Operár ia chocara- se ain da um a ve z co m os
cos tum es dos m ocambe iros, que d ev iam se sub m eter a exi-
_ _ . . . u z . . _
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 39/45
204 .
H STÓRIA DA VIDA P RI VADA NO BRAS i 3
ci dade, instalados nas ed i fi ca ç õe s col oni ais e im pe ri a is, muito
HABITACÃO E V IZINHANÇA • 205
re cur so s pr ev isto s para habitaçõe s popu lares ao financia-
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 40/45
1
1
.1
pa rcelad as e a s so ciadas à pe rmanência e ao trân sito nas ru as .
A s palav ras proferid as na entreg a do p ro je to de re fo rm a e
adequação de S anto A ntônio pr enu nciavam as atividades da
L iga, e e xp lic it am a orq ues tr ação das at ivi dades d e d is ciplina-
men to do habita r e d as h ab it açõe s: U r ba ni za r é h ig ie ni zar,
fa c i li t ar , d i s cip linar, ernbelez ar, dar, enfim ao homem, os ele-
men tos de um a v id a qu e o af aste, cad a vez m ais, das form as
ini cia is d os es tádi os in ferio res da co munidade hu m ana [... ] A
rem od elação de um a parte ce ntr al do R ec if e [ .. .] tr ará, é c la-
ro , s aú d e, im ponên cia e beleza
à
cid ad e [ . .. ] a ur ba ni za ção da
cid ade é q ue fo rn ecerá
à
Edi lida de elementos para que ela pos -
sa elevar o sta ndard de vi da do po vo, constr ui ndo casas pop u-
lare s e lib ertando Per na mbuco do ult raj e dos rnocarnbos 'U
A so lução habitac ional ao ul traje fi co u , en tre tanto,
longe de co nseguir acompanh ar a rap idez das demoli ções ou
a continuidade da co nst ru ção de novos mocambos, cujo s
proprie tári os e mor adores ignoravam largam en te as disposi -
ç õe s o fici a is de in terd içã o, como fa ziam os fav el ados no R io
d e J an ei ro. M es mo medi an te a art iculação com associações ,
indústr ias e os ri c os in sti tu tos previd enciários nac iona is ou
loc ais, não se pôde da r conta da ex pansão da de m an da habi-
lacional e tam po uco refr ea r a e xp ansão dos mocarn bo s, E n-
tre 19 39 e 19 4 4 f oi constr uíd a pelos di versos agentes um a so -
m a de 7 5R2 nova s habita çõe s padr oni zad as; en tre [945 (an o
em que a L ig a foi ab sor vida pelo E stad o e transfo rm ada em
auta rqu ia)
e 196 1, outra s 10389 unidades-nú meros in sufi -
ciente s para abs orver as de m and as e extin guir a paisagem de
choupana s qu e ru raliz ava m a ca pital e que pareciam rep ro-
duzir-se espon taneam ente nas
periferias.'?'
As
defasa gens da política hab itacional of ic ia l ocorridas
no- R ecit e acab av am se r epetindo em toda s as g rand es cidades
do paí s, incluindo-s e as ex peri ências de caráter nac io naL A
Fun da ção da C asa Popu lar, in stituída ap ós a queda do Estado
ovo , j am ais c on to u c om am paro po lít ic o p ar a v ia bili zar os
rec ur so s nec es sário s à co nstru ção de unida de s h ab it aciona is
que suportas sem as d em and as p op ular es, o qu e natu ra lm ent e
se agravaria co m o incremento d as m i gr açõe s inter-regionais
experimentadas na d éc ad a de 50 .
O s I ó p r i o s Institutos de A posentadoria e Previdência
- Ú~ L\i's -- ac ab aram tr an sferi ndo parte subst an ci al d e s eus
I
I
,
,
II
,
,
m ento d ire to d e hab itaçõe s partic ul ares ergui das no boom
das décadas de 40 e 50, o que acaba ria por enfraqu ec er o pro -
gram a de const ru ção de unidades pop ul ares e m édi as des ti -
nadas a seus p rópr i os a ss oc ia do s. Suportava -se ainda to do
tipo de in terferênci as obscuras nos pr ocessos de seleção de
credores ou inquilinos, o que t am b ém a fe ta va i nt en sa m en te
as ativida des da Fund ação da C asa Popular.
108
HABITAÇOES C IVIL lZADORA S : A UTO PIA NA A URORA
D A E XP LO SÃ O D A S M ETR OP OLE S
A ativid ade construto ra dos
IA Ps -
o m ais am plo pro -
gr am a de mass ificaçã o de moradias implementado na pri-
meira m etad e do sé cul o xx - suce de ra e ampliara aquela já
pe rm itida à s ant iga s C aixa s de A po sentadoria, algum as ainda
na República Velh a. A partir de 193 3, a s C ai xas passaram a ser
transformadas em institutos, e seus president es eram indic a-
dos d ire tam en te pelo M in isté ri o do T rabalh o, Indústria e
Comé rcio , o que assegur ava a asce ndência do g overn o na s
ex tens as atividades habitacionai s do s
IA Ps,
so br etudo naquele s
vi ncul ados aos industr iário s (IA PI ), comerciários (IAP C), ban -
cá rio s (IAPB), marí tim os
(IAPM),
se rvidores do E stad o (IAPSE ) c
aos emp re g ados em tran spor tes e cargas
(IAP ETEC ).
O sa ld o d e n ovas
edificaç õe s
erguid as dire tam ente pelos
IAOS
ent re 193 7 e 1 96 4 t ot al iz ou 76 2 36 u n id ad es, lev an do os
pr ogr am as habi tacionais a transform ar os institutos no m aior
grupo con stru to r de morad ias po pulares e médias do B ras il
vinculado ao E sta do, part ic ipando in clusiv e da co nst ru ção de
un idades para suprir a e xt in ção do s mocam bo s, d eflagra da
no R e ci fe . E m fins da década de 40, o IAP I já tin ha er gu id o u m
tot al de 31587 un id ad es h ab it ac iona is, espalhadas em con-
juntos residencia is pr esentes em d ez enove das m a io re s c id a-
de s indust r ia is br asi leir as , co mo o R io de Janeiro (12238),
S ão Paul o (483 5), Porto A le gre (24 96) , R ec ife (1450) , B elo
Horiz ont e (928), S alvador (69 6), O sa sc o ( 4 m il ) e S an to A n-
dr é (3 m il). O volume de unidades do IA PI e ra , c o ntudo , ir ri-
só rio d ia nte da demanda hab itacional da ca tegor ia traba lhis-
ta densam ente pr es ente nas grand es cid ad es , d ef as ag em q u e
s e a cen tu ar ia n os pro gramas hab ita ci on ais d os d em ai s in sti -
tu tos . ?
-----...;;;..---------_.
- -
206 •
HIS TÓ RI A DA V IDA P RIVADA NO BRASil 3
T an to n a f ase in ic ial dos pr og ramas, com grande quanti-
hABITAÇÃO E VIZINHANÇA • 207
ta re fa m ais á rdua e despida de prece it os p ed a gó g ic os ... as re-
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 41/45
dade de casas, quanto no per íodo em que a constru ção de
blocos d e a p ar ta m entos foi largamente predom inante, a pa-
dronização das unidades consistiu num a saíd a p ara b ar ate ar
a produção e o finan ciamento, am pliando-se a ofe rta . A s v as-
tas sé rie s de ed ifíc io s iguais que compunham os conjuntos
levantados em todas as grand es cid ad es do país, multi plica -
va m a e xp er iê ncia p ioneira presen te nas v il as p opulares, vilas
op erárias e avenidas erguidas des de o Império na s m ai or es
capitais b ra si le ir as , perseg uin do-se a hom ogeneização dos
pa drões arqu itetônicos e hab itacio nais dos moradores . M as a
e sc al a d as f or mas inic iais de mas sificaç ão mo st ra r- se -i a i ns ig -
nif ican te diante da iniciativa construt ora dos IA Ps, cujos pro-
je tos levantavam as num erosas fachadas quase idên ticas em
todo o país.
Em casos ex tremos, a in tenção discipl inadora alcançava
minúcias do pró prio in terior das residências construídas pe -
los ins ti tutos. A lg uns co nju nt os , erguidos durante o E stado
ovo ou nas ge stões que o seguiram imediatamente, eram
entregues aos mo radores co m inúmeros itens de mobi liá rio
comprad os pelos institutos, sob a justifi cativa d e b ar at ea -
mento de custos e se rvind o ainda à preca ução con tra even-
t u ai s t ra n sf e rências de hábitos não hi g iênicos trazidos de cor-
tiços ou gêneros se me lh an te s d e m ora dia que co nt ami nassem
as vizin han ças. Assegur av a-se dessa fo rm a a pad ron izaçã o
sanitá ria e de co nforto já es tabe lec ida na s su ges t õe s t éc ni cas
do M inistério do T rab alho aos
IA Ps,
que de viam nortea r o
co nvívi o nas no vas m oradias : A lém de a ssistência socia l, q ue
deveria aco mp anhá-Ios por muitos an os [ ] R az ões econô-
mi cas , razões de higiene [ ... ] levam-nos [ ] a pl eitear que se
dê a casa e, co m ela, os m óv eis e os utensíl io s, de um modo
geral . B ater ias de alu mín io , a pa relho s de boa louça , t al he re s
de bo m me tal, toalhas e lençó is de bom pano, tudo será aces-
sível, se com prad o em gr and e qu ant idade , se rá hi g iêni co, se
fác il de lav ar, se rá hu mano se der ao pobr e a alegria de viver
num ambien te são e confortável
E ssas palavras, p roferidas em 1938, anu nciam o pico da
ca pac idade disciplina dora das in te nções alo ja da s no aparelh o
do E stado - e prenu ncia m se u de cl ínio, d iant e da mas sif ica -
ç ão q ue: seria ind uz ida aos espaços pr iva dos pela sut il socie -
dade de consumo do pó s-gu err a. A o aparelho esta ta l r es ta ri a
. .
moções, em tese solu ções m ais r áp id as , c h eg ariam no lim ite
de retirar-se a próp ria residência do E stado da ca p ital n acio-
na l, se io da R epública .
Co ntra ponto absol uto da lib erdade em que se con sti-
tu íam as m oradias das fav elas - qu e já ab rigavam 7,12% do s
habitantes da capita l d a R e pú bl ica, seg undo o ce nso na cio nal
de 1950 -, a rnassif ica çã o di vu lg ad a p el os lAPs, dir ig ida in-
clu si ve a s etores m édios, foi a in d a r ef erên cia p ara os empree n-
d im e nt os o fi ciais destin ados a popula çõe s de m enor renda,
justamente os ma is dif íce is de enquadrar nos conceit os de
privacidade e vi zinh ança politizados.
O s con juntos p rojetados pe lo arquiteto Affonso Reidv
par a o D epartament o de Habita ção Popular da prefeitur a ce -
rioca, entre 1947 e 1952, refinaram as solu ções rnass ificado-
ra s uti lizad as no s conjuntos do s instituto s, estend end o o co n-
trole hom oge neiza dor do s módu los habitacionais para as
áreas de conv ív io comum , ex periência já adotada em algu ns
conjuntos de IAPs. S e por um lado tin ha- se o cui dado de flexi -
bilizar lige iram ente as fac hadas, ev ita ndo insur gê ncias contra
a monotonia das solu ções dos
IA Ps,
pr evi a-s e a ju stapos içã o
aos conjuntos de apartamento s de edif ícios auxiliare s qu e
abrigasse m es cola , lav and eria s mecâni cas, me rcad o e ce ntro
de saúd e, diss em inando pelo s espaço s públicos os preceit os
p ed agógicos estab elecidos em âmbito privado nos bl ocos
habitacion ais. •
O s re sultados obtidos no con jun to deno m inado P edreg u-
lh o, p ara fu ncionários mu ni cip ais de b aix a r enda, e q ue torna -
ram a prop osta m un dialment e conhe cida pela qu ali dad e do
projeto, a qu al abarcava os aca ba ment os e jardins, ficaram ,
en tretanto, como lem bran ça do desi nter es se em esten der in i-
cia tivas de tal e nv ergadura às va stas po pulaç ões mi seráveis da
capital. D es tin ado à popu laç ão fa ve lada remo vida das imedia -
ções da lagoa R odri go d e F re itas, o conjunto prev isto para
substituir o Parque Proletário Pr ovisó rio da Gávea em 19 52 foi
dr ast icamente reduzido e adulterado , terminan do ali a busca
por soluções ha bitacionais q ue v is asse m prover os a ntigos fa -
v~ lad os de rec ur sos essenciais , co mo am bulató rios, escola, jar-
dms-de-infância, cam po de jogos e pl ayg round .'
S oluções complex as com o as pro pos ta s por R eidy ti-
nham decerto o cu sto elevado ne cessário a am bições m ais
r
208 . H,S IÓ RIA DA VIDA PRIVA DA NO BRASL 3
HABIiA ÇÃO E VIZINHANÇA • 209
tr a l br as ile iro. A deci sã o de construir a n ova capital d o B ra sil
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 42/45
I
I
I
I I
45. Na foto aérea do Lcbl uII,
a I ma gelll do; edi( icio< padro nizada,
do COl/jun to dos ba llainos
e c/a Cr l/zada São Seb as não, I/as
rroxilllidades das fav ela, c / t i I a :
Rodrigo de Freita s c da lpanenui
b ossa nava - a Z Ol 1a S I/ I carioc::
sempre esteve 10ll ge d e ser 11m red u:a
exclusivo de elites 011 se tor es médIOs
ascend entes.
(Edi fíc ios da Cru zad a
S ã o S e b as tião,
Rio de Janeiro,
década de
50)
I
I
I
I I
I
I
. i
o us ad as e abrangentes do q ue as p ra tica da s p elos 1 A P s l Amba s
foram, contud o, p au la tinam en te esva ziad as d e r ec ursos e s us-
ten t ab i li da d e f in a nce ira em v irtu de do s proces sos in fl a cioná-
ri os ou de congelamentos de aluguéis p ro mov idos pela
U nião . M omento crít ic o p ara a s c id ad es, a g estã o d e J usc elino
Kubitschek seria pautada por seu no tório Plano de M etas ,
ze ra dor de su bs ta nc ia l a um en to n o f luxo m ig ratório dir igid o
o
c .
às
maiores cid ad es bra sileiras e q ue i ro n ic am e nt e n ã o
razi a
nenhum a mençã o a so lu çõ es p ara a cris e hab it ac ional, a qu al
se acentu aria no R io de Janeiro e e m S ão Paul o.
As d i sc repânc ias sociais, a m iséri a do s e xé rcito s de reser-
va m antido s nas capita is, o desnível entre peri ferias e áreas
n ob re s , e n tre fa vela s e ed ifícios, en t re c o nj u gados e c obertu-
ras , todo o quadro de ten são das g ran des m etrópoles inc ha -
d as r esta va m irag em n os a mp los horizontes do Plan alto C en-
ve io a c ompanh ada de um pro je to urbanísti co completamen-
te dif erente da tradiçã o das cid ades br as ile iras. O pl ano pi lo -
to de B ra sí lia, pr oj e tado pelo v en cedor do co ncur so seletivo,
o arquiteto L úcio C o st a, torn av a- se a materia li zação - tota l-
mente redimen sionada - de déc adas de anse io de con trol e
espacial e social h avido nas di ve rsa s administraç ões públicas
es palh adas pelo pa ís, e qu e en co n travam na nova cid ade-
ca pital a possibi lidade de co nc retizar as idea lizações de um a
vi da ur bana no va, a lh eia à s agruras hi stóric as da sociedade
br as ileira.
A p revisão de áre as espec íf icas para os setores fun ciona is
possibilitava um a compart iment açã o de ativi dades e conví -
vios, qu e girar iam em torn o do eix o ad mini stra tivo , fu nção
essencial da ci dad e. M uito embora o m emori al d e C osta pr e-
v isse a coexist ênc ia de setores sociai s no pl ano pi loto, e a
ob rigatori edade de se p rover dentro do es qu em a pr opos to
acomodações dec ent es e econôm icas para a total idade d a p o-
pu lação , a rea lização da ca pi tal nã o ef etivou vi zinhança s dís-
pares , nem pr omov eu a co nstru çã o de moradia s popu la res
necessár ias . I 15
A di spos iç ão dos con juntos de ap artam en tos nas sup cr -
quadras , sit uadas nos setore s hab it acionai s da nov a c a pi ta l,
rom peu co m o tra dici onal al in hamento en tre lo te s e rua s p re -
sen te s n as c id ade s b r as il ei ra s , e limin an do esq uin as n os cru za -
m en tos e fo rça nd o a reversã o do s c on ví vios púb li cos ao inte-
rio r das superq uad ras, que de ve ri am se r a uto-su fic ien tes. O
comérc io e s erv iç os f oram restr it os a se to re s e r uas específicas
e .ex clus ivas , l indeiras com os conjun to s d e a partamento s.
T ra ça do s e c on ce bi dos como tra nsform adores da convi-
vê nc ia s ocial, os arr an jos das super quad ras e de seus b locos
habitacionais metam orfoseavam loc alm en te o p en sa me nto
reform ador dos Congressos I nte rn ac io na is d e A rquitetura
Modern a - os ClAM s - e a ti nh am -se à pe da go gia plá st ic a e
espacia l de L e C or bu sie r, a r ef erênc ia constan te nas ca rreiras
de Costa e N iem eyer, os qu ais su punham ser a arquitetu ra e o
urb ani sm o mod ern os veto res capazes de tran sf orm ação so-
ci al e cultural. A s sup erquadras espalhavam pela n ov a c ap i-
ta l as pu ls aç õe s já p re ss en ti da s e m e xperiê nc ia s d o p ró pr io
C o st a, n os gr andes conju nto s d os IA PS e so bretudo nos de
A ffonso R ei dy.
210 . HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO g,~SIl 3
HABITAÇÃO E VIZIr-;hANÇA • 211
mov im en to, sem botequin , pré di os suspe nsos - iso lados -
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 43/45
46 . Sí lltese de um pe nsam ent o
qu e d iluía
rígidos lim ites
de con vívio e ex clu sã o p ra ticad os
pela s elit es bra s ileiras na s an ti gas
capita is , as su pe rquadras
enfr en taram a dura tran sformação
do pensament o qu e as originou ,
der ivando lIum a práti ca elit is ta
e segrega rionista - urna 1I(> \·a
P etr ópol is, meta mori oseada
110 ce rrt ldo . (Ma ree I Ga utherot ,
Su perquadra, Br asíli a , LJF. 19 66 )
A dispos ição de B rasíl ia, e de sua gramática para e sp aç os
públicos e privado s, fazia conver gir duas utopias distin ta s
pa ra o P l an a lto Ce nt raI. A quela pr opalada por seu s aut ores,
que viam na cidade m oderna . libe rta das tradiçõe s mes qui-
Ilha s, a pos~ ibilida( k de for ja r uma soc iedade livre e capaz de
pro ver seus cida dãos de di gni dade, e nutra - vitorios a -
m inada pelo pensamento exclu de nte que viceja va ent re as
elit es brasileir as, as quais enco ntrari am no projet o da nova
cap it al um ha bit ar liv re dos setor es qu e perturbav am a har-
moni a tão perse gui da nas ref orm as urbanas qu e se ac umula-
ram des de a pr oclamação da República e que fr acas sav am
fragorosa rnen te no R io de Jane iro e nas demais grand es cid a-
d e s b r as ileiras.
11;
A implant açã o do proj eto ur hanis ti co d o p lan o pilo to
de Br asília des conh ec eu mesmo aqueles numeros os op erários
que a construíram . Petrópolis que ressur gia no ce rrado, a
cidad e não co nc retizou seu plano inicial de ab rigar res ide ntes
po bre s - a harmonia qu e se concr eti za va esquecia- se do s
desejo s de seu s au tores e fixava- se na au sênc ia de sup erqua-
dras e conjuntos res id enei ais
à
disposiçã o dos segmentos
mais modesto s da socied ade da capital. M as sific ada ent re
ig uai s, B rasil ia po dia assim pro sse gui r como uma tr ans for-
maç ão vi ável e irôni ca da so ciedade bra sileira . Ca lça das sem
em pi loti s, am plos gram ados , massas ar bóreas que in tim iza-
va m as s uperquadr as de morado res semelhantes , sem misé -
ria , s em c as as v elhas, sem m orr o s, se m várzeas, sem mangues .
A s cid ad es- sat élites, q ue e nv olve ri am a no va ca pi tal nas déca-
das seguintes , perm anec eram , to davi a, como lembran ça de
qu e nem a ilu sã o de remover as el ites , em lu ga r de fa vela s e
mocambos , poderi a fo rjar um a se paração de espa ço s que apa-
gasse a re alidade br as il eira.
A Vi la S ar a Kubitsc hek (1958) f oi a prim eira da s ag reg a-
ções in esperadas
à
capital, b at iz ad a no ard il dos favelados
para protege r-s e nas mercê s do manto da prim eira-dama.
Ergu id a ant es mesmo da in augur ação de B ra sí lia , a Vi la Sa ra
rev elou as poss ibilidades de repr oduç ão na nova capita l das
ocu paç ões efetuadas pelos m iseráve is na s ant igas capi ta is li -
torân eas , qu e ignoravam in ter dições e lut av am por perm a-
nências. Suas cond içõe s de habitação eram em B rasí lia
igualmente nauseantes p ara os setores pr ivi leg iados da popu -
laç ão loc al, e nac iona l, que ve ri am ao lo ngo das déc adas se-
guin te s o a borto da s ilu sões de isola r a capital das discrep ân-
cias soc iais do B rasil, e de livrá-Ia d os c on vívios e relaç ões
espa ciais qu e in via bilizavarn a ambição de viv er seg un do os
preceitos
civ ilizatório s' ,
passapo rte para a ins erção num a
ord em eco nômica, so ci al, polít ica que d es ejavam em seu de s-
terro i ma gi nário sul -am eric an o.
. fu nd ação e co ncep ção de
Br así lia
é o ponto culm inan-
te de décad as de tent a tiv as de im plantaç ão no meio ur ban o
da s cidades br as ilei ras das caracte rís tic as de ex clusão e mar -
gi naliza ção apr opr iadas frag mentari ament e das cid a de s g e ra -
da s pelo ca pitalismo indust ri al eur opeu e norte -americano,
ou ad equad as a el e e
à
gramátic a sa ciaica lcada em pad rõe s
burgueses de diferenciação e co ntro le sistêm ico para as di fe-
re ntes di nâ m icas das dife rentes sociedades ur ba nas .
Úni cos aspectos mais viáveis na ir npl em enta ção dos
modelos es tra nge iros, os movimentos segregacion ais per-
segu idos pelas elite s in stalad as nos aparelh os estat ais dis-
perso s pelo paí s so freram historicam ent e a ação da maio r
pa rte dos br asilei ros e estran geiros qu e residiam ou qu e
ac orr er am à s c apit ais qu e se industri aliz av am ampliando as
pos sibilidade s de emprego no setor terciár io. M as os novos
arr anjo s só ci o- econôm icos di ficilmen te os arrancariam das
212 •
HISTÓ RIA D A VIDA PRIV ADA NO BRASil 3
atividades e c ir cu n stância s in stáve is e f lu tu a nt es, a qu e se
HABITAÇAo E VIZINHANÇA •
213
gan do-se inutilmente aos preconceito s que olv idavam o
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 44/45
ap eg ava, aliás, bo a p arce la d os habitantes da s grandes cida-
de s brasileiras já d e m aneira pr onunciada desde o S etecen -
tos. ? A f lu id ez do s a rr an jo s e sp ac iai s em que se en la ç av am
as característica s in stá ve is d a sociedade brasileira fo i, po r-
t an to , f oc o p ri vi le gi ado da ação re gul ado ra, dis ciplinadora
das elites in staladas no E stado .
O processo in tenso de metropo liz ação sofrido no Br asil
a partir da instalação do s parques industriais e os sur to s m i-
grató rios a eles associados inviabilizariam qual quer pro jeto
de perpetha r o contro le das form as de mo radi a e viz inh anç a
na s grandes capitais. E spaços público s e p r iv a dos pa ssaram a
se fundir a co ntragosto das intenções no rrnativas, nã o ape nas
nas ru as e na configuração he terog ênea do s bairros , m as no
av an ço sobr e m an anciais - fonte para todas as pi as, chuvei-
ros e vasos sanitários das cidades - ou n a pr ópr ia vio lência
que passa ria a as salta r ru as e casas.
Empurrando a m aior parte dos brasileiro s para condi -
çõ es de sobrevivência perm ea da s pela vi olência e pelo sofri-
m ento , mas tam bém pela gama de ações e reações com que se
debatem no ganho cotidiano, e no diálogo tenso com os se-
tore s socia is e espaços pr ivileg iados , red im en sionaram -se os
choqu es entre as suce ssiva s int enç õe s s is te matizado ras expe-
rim enta das desde a coloni zação, irre m ed ia ve lm ente atadas a
vio lento s pr oc ess os de ex clu são social, e as cont ínu as pos sibi -
lidades de se cri arem es tratég ias de tran sform ação e desv io ,
fertilizad as pela própr ia in stabi lidade oriund a dos procedi-
mentos excludentes, e que diluem m ui to da intenção de m ar-
gi naliza r popu laçõ es que es tão , enfim , int ensam ent e art ic u la-
da s ao tec id o social.
A p ir otecn ia qu e cerco u as úl timas grand e s r em oç õe s de
fa velad os da Zo na S ul do R io de Janei ro , já no lim iar do
regime militar, nã o podia esc onder a imp os sib ilid ade de ex-
clu ir os fave lados d iante da dependência da mão -de-obr a di s-
ponível nos barracos, do s ac or dos ele ito rais, da incapac id ade
de pr om over a co nstru ção de habitações po pulare s na s peri-
ferias e, so bretudo, de assegur ar tr anspo rte rápi do e b ar at o
qu e su porta ss e as de slocações dos morad or es pa ra áreas di s-
tan tes de se us an tigo s locais de trabalh o , consum o, lazer e
so ciabil idade . A s am eaças se rne adas pelos dis cur so s da Bel le
Ép o qu e a rr as ta v am -se à era das m etrópoles g iga ntescas, ape-
qu anto já era impossív el prescind ir da s v izinhanças ernpobre-
cid as ou resistir a elas.
A marginalidade ainda propalada por grande parte dos
ag entes co nstituinte s d a o pin ião pública esba rra va , e esbarra,
n a im ensa quantidade de em pr eg ad os d om ésticos e co nde-
rn ini ais, com er ciá rio s, a te ndent es , tod a sorte d e tr ab alhado-
re s es táveis ou am bulantes de qu e se serv em os moradore s,
consumidores, comerc iante s e pres tado res de serv ico s estab e-
lec id os nos ba irros pr iv ile giados , que usufruem da pr ópria
proximidade da s favela s, mocamb os ou cortiços.'? A vizi-
nh ança , tã o reneg ada, torna ra-se cumu lativa , tã o ne cessá ria
quanto in co ntornáv e l, pr óxim a m as arredi a, qu adr o ernble-
mát ico carioca que se repe te e se rea present a em S alv ad or,
Po rto A le gre , R ec ife, B elé m , F o rt al ez a, B ras íl ia, na or gul hosa
c ap it al p au lista , em todas as grandes cida des br as ileiras .
A o longo das déc adas segu intes ao fim do E stad o Nov o,
as c idad es bras ilei ra s ve riam a c on solidação da proemin ência
quantitativa das popu lações urban as sobre as ru ra is. A vi o-
lência em que se assent ava o arran jo social br as ileiro foi re-
ve lando seus frutos nas gra nd es c ap itais, diluindo a margi-
na lização espac ial das hab itações - e lim ite dos espa ços
privados. Fronteiras que se amenizam , seja por meio da cri-
minalidade e da gigan te sc a e sc al ad a de homi cí d ios , seja no
crescim ento in ten so das atividades econôm icas informais _
c uj a p ont a ma is visível 'é a multidão de am bul antes nas ruas _,
seja na própria impossibilidade de m anter a qualid ade arn-
bie nta l d os e sp aç os públicos e das m or adia s. Cercados d e g ra-
de s, ala rm es, cã es, os espa ç os p ri va d os defe nd em -s e co m to da
a p a ra f er n ália que pro longue a idéia de que é possível m ant er
os fru tos da viol ência e da ex clusão do lado de fora das por-
tas que velam pelas habitações .
V iz in ha d e um a das m aiores favelas car io ca s, a do morro
D ona M art a, L au ra R odri go Oc távio, so brinha de um at ivo
em pre ended or im obiliá rio pau lis tano, v iveu cem longos anos
a parur de 18 94, su ficientes para co nvive r com toda s as
transformações sofridas por S ão Paul o e R io de Jan eir o a pós /
o ad ve nto republ icano. T es temunha de um dos maiores sur -
to s de urbanização ha vid os no mundo duran te o séc ul o xx e
de sua s m az elas sociai s, re signou -se com a violê ncia qu e as-
so la o cotid ia no do s fa velado s, seu s v izinh os, im pot ente s
214 • HISTÓRIA DA VIDA PRIV AD A N O B ~A Sll J
8/10/2019 Historia Da Vida Privada No Brasil
http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-vida-privada-no-brasil 45/45
47. O s ba rr aco s d o m or ro Do na
M a rta co roam a pa isage m
do B ota fo go , b a irro qu e ai nda
gua rda muit os dos m ais sunt uo sos
pal ac etes da Be ll e É po qu e c ar io ca .
U m a co nv ivê nc ia fo rçada qu e
se es palho u po r to dos os bairros
da Zo na Su l do Ri o de Ja ne iro
no de co rre r do sécul o XX. (C ar /os
C h icarin o , Favela Dona Marta,
1987)
3
IM IG RA N TES : A V ID A PR IV A D A
D O S PO BR ES D O C A M PO
Zuleika Alvim
como ela. Aoser indagada sobre como conviver com os tiro-
teios _121 em que as metralhadoras desconhecem qualquer
limite entre espaços públicos e privados -, respondeu lacô-
nica, numa metáfora da vida das centenas de favelados, tão
vulneráveis em seus pobres barracos como a senhora em seu
casarão: Se estiver com meu aparelho de surdez, tiro fora. É
muito desagradável ouvir as balas .
,
...