História da Língua Portuguesa Seminário de Léxico Africano

8
História da Língua Portuguesa "A língua é ou faz parte do aparelho ideológico, comunicativo e estético da sociedade que a própria língua define e individualiza." (Leonor Buescu) "Só a partir da segunda metade do século XVIII é que o Brasil pode começar a ser definido como um espaço de língua dominante portuguesa, devido à conhecida política lingüístico-cultural desenvolvida pelo Marquês de Pombal. A repressão ao uso de línguas indígenas, sobretudo de base tupi tronco lingüístico mais difundido na área já colonizada, desencadeada por essa orientação política, tirou o Brasil de um rumo que poderia tê-lo levado a ser um país de base lingüística majoritariamente indígena. Os dois séculos e meio de colonização que precederam a decidida política pombalina recobrem múltiplas situações de contacto lingüístico, entre falantes da Língua Portuguesa e centenas de línguas autóctones (continuam vivas e em uso, por minorias, é claro, ainda cerca de 180 delas) e múltiplas línguas africanas, chegadas ao Brasil desde 1538 até à extinção do tráfico no século XIX. " (Rosa Virgínia Mattos e Silva, 1995, " O Português são dois") Contribuições Tupi ao Léxico Português Embora tendo prevalecido sobre as demais línguas aqui postas em contato, o português não poderia deixar de sofrer modificações e de receber influências e contribuições. A influência tupi é mais significativa no vocabulário, conforme se verifica nos exemplos abaixo. Topônimos Abaeté, Andaraí, Aracaju, Anhangabaú, Atibaia, Araxá, Baependi, Bagé, Bauru, Borborema, Butantã, Caçapava, Cabuçu, Caju, Carioca, Catete, Catumbi, Cambuquira, Gamboa, Guanabara, Guaratiba, Jacarepaguá, Jurujuba, Inhaúma, Irajá, Icaraí, Itajaí, Maracanã, Pavuna, Pará, Paraná, Paranaguá, Paranaíba, Paraopeba, Paranapanema, Tijuca, Taubaté, Tamandaré, Tabatinga, Sumaré, etc. Antropônimos Araci, Baraúna, Cotegipe, Caminhoá, Guaraciaba, Iracema, Iraci, Jaci, Juraci, Jurema, Jupira, Jucá, Moema, Piragibe, Sucupira, Ubirajara, Araripe, Sinimbu, Bartira, Graciema, Inaiá, Irani, Jacira, Jandira, Iara, Oiticica, etc.

Transcript of História da Língua Portuguesa Seminário de Léxico Africano

Page 1: História da Língua Portuguesa Seminário de Léxico Africano

História da Língua Portuguesa "A língua é ou faz parte do aparelho ideológico, comunicativo e estético da sociedade que a própria língua define e individualiza." (Leonor Buescu)

"Só a partir da segunda metade do século XVIII é que o Brasil pode começar a ser definido como um espaço de língua dominante portuguesa, devido à conhecida política lingüístico-cultural desenvolvida pelo Marquês de Pombal.

A repressão ao uso de línguas indígenas, sobretudo de base tupi tronco lingüístico mais difundido na área já colonizada, desencadeada por essa orientação política, tirou o Brasil de um rumo que poderia tê-lo levado a ser um país de base lingüística majoritariamente indígena.

Os dois séculos e meio de colonização que precederam a decidida política pombalina recobrem múltiplas situações de contacto lingüístico, entre falantes da Língua Portuguesa e centenas de línguas autóctones (continuam vivas e em uso, por minorias, é claro, ainda cerca de 180 delas) e múltiplas línguas africanas, chegadas ao Brasil desde 1538 até à extinção do tráfico no século XIX. " (Rosa Virgínia Mattos e Silva, 1995, " O Português são dois")

Contribuições Tupi ao Léxico Português

Embora tendo prevalecido sobre as demais línguas aqui postas em contato, o português não poderia deixar de sofrer modificações e de receber influências e contribuições. A influência tupi é mais significativa no vocabulário, conforme se verifica nos exemplos abaixo.

Topônimos

Abaeté, Andaraí, Aracaju, Anhangabaú, Atibaia, Araxá, Baependi, Bagé, Bauru, Borborema, Butantã, Caçapava, Cabuçu, Caju, Carioca, Catete, Catumbi, Cambuquira, Gamboa, Guanabara, Guaratiba, Jacarepaguá, Jurujuba, Inhaúma, Irajá, Icaraí, Itajaí, Maracanã, Pavuna, Pará, Paraná, Paranaguá, Paranaíba, Paraopeba, Paranapanema, Tijuca, Taubaté, Tamandaré, Tabatinga, Sumaré, etc.

Antropônimos

Araci, Baraúna, Cotegipe, Caminhoá, Guaraciaba, Iracema, Iraci, Jaci, Juraci, Jurema, Jupira, Jucá, Moema, Piragibe, Sucupira, Ubirajara, Araripe, Sinimbu, Bartira, Graciema, Inaiá, Irani, Jacira, Jandira, Iara, Oiticica, etc.

Flora

Abacaxi, brejaúva, buriti, carnaúba, capim, caruru, cipó, jacarandá, jaboticaba, peroba, pitanga, canjarana, caroba, jiquitibá, mandioca, aipim, imbuia, ingá, ipê, sapé, taquara, tiririca, araticum, maracujá, caju, caatinga, etc.

Fauna

Araponga, acará, caninana, capivara, coati, curiango, curió, gambá, irara, jacu, jaburu, jararaca, juriti, lambari, nhambu, mandi, paca, piranha, sabiá, sanhaço, maitaca, saúva, tamanduá, siriema, tanajura, tatu, urubu, saracura, surubi, sucuri, sagüi, etc.

Usos, Costumes, Crenças, Moléstias.

Arapuca, jacaá, pari, tipiti, urupema; moqueca, curau, mirandó; saci, caipora, curupira, cuca; sapiroca, catapora, sapiranga; pororoca, piracema, carijó, sambanga, sarambê, punga, etc.

Page 2: História da Língua Portuguesa Seminário de Léxico Africano

Fraseologia

Estar ou andar na pindaíba, andar ao uatá ou atá, chorar pitanga, estar à tocaia ou de tocaia, cair na arataca, estar em arataca, ficar de bubuia, etc.

As áreas lingüísticas mais afetadas pela influência do negro foram a fonética e a morfologia, nas quais se nota uma tendência para a simplificação. Os exemplos abaixo comprovam esta afirmação:.

Contribuições Africanas ao Léxico Português

Embora menos acentuadamente, a área do vocabulário também apresenta alguma influência africana.

Da Língua Nagô

Ogum, Orixá, vatapá, abará, cará, acarajé, afurá, alujá, babalaô, babalorixá, Exu, orô, Oxum, Xangô, aberém, acassá, afofiê, agogô, etc.

Do Quimbundo

Moleque, cachimbo, quitanda, maxixe, samba, molambo, bangüê, banzar, caçula, cafuné, camundongo, canga, carcunda, cochilar, dengue, fubá, marimbondo, marimba, birimbau, mocambo, muxiba, quitute, senzala, sungar, xingar, etc.

A Língua Portuguesa na África

A Língua Portuguesa foi levada ao continente africano devido à expansão colonial portuguesa. Imposta como língua do colonizador em Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Angola, São Tomé e Príncipe, ela conviveu sempre com uma imensa diversidade de línguas nativas, que servem, efetivamente, como instrumento de comunicação na vida diária. O português constituiu-se como a língua da administração, do ensino, da imprensa e das relações com o mundo exterior.

A partir do processo de descolonização que se seguiu à revolução de 25 de abril de 1974, as cinco repúblicas independentes estabeleceram o português como língua oficial, ao lado das inúmeras línguas tribais, de famílias lingüísticas de origem africana. Oficialmente, esse "português da África" segue a norma européia, mas no uso oral se distancia cada vez mais, aproximando-se muito do português falado no Brasil.

Ao lado dessa situação lingüística, existem inúmeras línguas crioulas. São o resultado da simplificação e da reestruturação do português, feitas por populações africanas que a adotaram por necessidade -- no caso, a

questão da escravatura dos negros.

Os crioulos portugueses começaram a formar-se desde os primeiros contactos entre portugueses e africanos, provavelmente no século XV. Apesar de uma base lexical comum, os crioulos africanos são, hoje, muito diferentes do português na sua organização gramatical.

A Colonização do Brasil e a Implantação do Português

São os seguintes os dados históricos relativos à implantação do Português no Brasil, a Língua Portuguesa , em sua versão européia do final do século XV, foi trazida para o território americano em 1500, quando Cabral aportou no Brasil. Caminha, o escrivão de Cabral, relatou que foi impossível "haver fala ou entendimento de proveito", por isso trocaram impressões como mudos, gesticulando.

Page 3: História da Língua Portuguesa Seminário de Léxico Africano

Datam de 1540 e 1550 as primeiras notícias sobre a língua dos índios, relatadas por europeus que a aprenderam, transformando-se em "línguas", termo utilizado para designar os intérpretes para o português.

A Língua "Geral" de Base Tupi

Os jesuítas tiveram um importante papel nos estudos das línguas indígenas. O Padre Manuel da Nóbrega incentivou os estudos do tupi, mas nunca pôde aprendê-la, por ser gago. Numa carta datada de 1549, escreveu.

"trabalhamos de saber a língua deles, e nisto o Padre Navarro nos leva vantagem a todos. Temos determinado de ir viver às aldeias, quando estivermos mais assentados e seguros e aprender com eles a língua e il-los (sic) doutrinando pouco a pouco. Trabalhei por tirar em sua língua as orações e algumas práticas de Nosso Senhor e não posso achar língua (intérprete) que m o saiba dizer, porque são eles tão brutos que nem vocábulos têm. Espero de as tirar o melhor que puder com um homem (Diogo Álvares, o Caramuru), que nesta terra se criou de moço."

Nessa década, falavam-se várias línguas e alguns colonos portugueses aprendiam pelo convívio, sem lições, o tupi e outras línguas indígenas e as africanas, pois os negros da Guiné já haviam sido introduzidos no Brasil, como atestam as cartas de Nóbrega.

Destaca-se, entre os jesuítas, o Padre José de Anchieta, que percebeu a existência de enorme variedade de línguas em função das diferentes nações indígenas existentes. Confirmando essa diversidade, lemos em Pero de Magalhães Gândavo, 1575.

"a língua de que usam, toda pela costa é uma, ainda que em certos vocábulos difere n algumas partes, mas não de maneira que deixem uns aos outros de entender, e isto até altura de vinte e sete graus, que daí por diante há outra gentilidade, de que nós não temos tanta notícia, que falam já outra língua. Esta de que trato, que é geral pela costa, é muito branda, e a qualquer nação fácil de tomar". (Pero M. Gandavo, "História da Província de Santa Cruz" Ed. no Annuario do Brasil, Rio de Janeiro, 1931, p.73.)

Fernão Cardim foi o primeiro a descrever a diversidade de nações e língua:

"em toda esta província há muitas e várias nações de diferentes línguas, porém uma é a principal que compreende algumas dez nações de índios; estes vivem na costa do mar, e em uma grande corda do sertão, porém são todos estes de uma só língua, ainda que em algumas palavras discrepam e esta é a que entendem os portugueses; é fácil, e elegante, e suave, e copiosa, a dificuldade está em ter muitas composições. (...) Eram tantos os desta casta que parecia impossível poderem-se extinguir, mas os portugueses tanto os têm combatido que quase todos são mortos, e lhes têm tal medo que despovoam a costa e fogem pelo sertão adentro até trezentas ou quatrocentas léguas." (Do princípio e origem dos índios do Brasil e de seus costumes, adoração e cerimônias", in Tratado da terra e da gente do Brasil. São Paulo, Companhia Editora Nacional,1939).

Estes tupi da costa foram, em grande parte, subjugados e aculturados pelos portugueses; serviram-lhes de guias e aliados na marcha de penetração da terra. De acordo com os tupi, os portugueses consideravam todos os demais indígenas como "tapuias", que era o nome para "inimigo" em tupi. A partir daí, criou-se uma dicotomia tupi-tapuia, que ficou valendo por muito tempo como uma divisão étnica e lingüística.

Cardim enumera, então, os de línguas diferentes: os potiguar, os viatã, os tupinambá, os caeté, e muitos outros grupos, num conjunto de 76 diferentes nações e línguas diferentes, povos mais selvagens, distintos dos que viviam próximo ao mar. Quanto aos tapuias, dizia que "não se pode fazer conversão por serem muito andejos e terem muitas e diferentes línguas dificultosas."(Ob.cit., pp.180-181) Consta ainda de suas anotações a informação de que "os meninos índios que freqüentavam a escola de ler e escrever eram bilingües, falavam sua língua e o português". ( Ob.cit., pp.278-279 )

Rosa Virgínia Mattos e Silva (1995), em artigo sobre a sócio-história do português brasileiro, afirma.

Page 4: História da Língua Portuguesa Seminário de Léxico Africano

" Sabe-se que no Brasil se usavam para mais de mil línguas autóctones, de vários grupos lingüísticos, no início da colonização. Cálculo recente leva o Prof. Aryon Rodrigues (1993:91) a propor 1.175 línguas, das quais 85% foram dizimadas no período colonial, depois e continuam a desaparecer porque isso aconteceu com seus falantes -- dos cinco milhões em 1500, variados culturalmente e lingüisticamente em mais de 1500 povos, calculam-se 800.000 indivíduos no final da colonização, talvez 300.000 no fim do império, cerca de 262.000 hoje, falantes de cerca de 180 línguas."(Rosa V.M. e Silva, (1995) " A sócio-história do Brasil e a heterogeneidade do português brasileiro: algumas reflexões")

Anchieta, falando dos costumes do Brasil, confirma a existência de uma língua geral de origem tupi, que dominou a região do litoral brasileiro do início da colonização até meados do século XVIII: "todos os da costa que têm uma mesma língua comem carne humana." Em outra correspondência, deu esta outra informação: "como os padres sacerdotes não sabiam a língua da terra, serviam os irmãos de intérpretes para as doutrinas e peregrinações e confissões, ainda dos mestiços, mulheres e filhos dos portugueses, principalmente nas confissões gerais, para melhor se darem a entender e ficarem satisfeitos." Depreende-se daí que os mestiços, os filhos e mulheres (índias) dos portugueses precisavam de intérpretes, porque não falavam português. Anchieta foi o primeiro a escrever nessa língua brasílica, a " Arte da gramática da língua mais usada na costa do Brasil".

Os tupi do litoral, entre a Bahia e o Rio de Janeiro, formavam uma série de tribos bastante homogêneas, cultural e lingüisticamente. Os dialetos que falavam foram aprendidos pelos brancos, desenvolvendo-se uma língua geral de intercurso, que era fundamentalmente o dialeto tupinambá, de um dos grupos mais importantes e mais em contacto com os portugueses.

Os missionários jesuítas o estudaram, descreveram normativamente e ensinaram em tratados

gramaticais, para fins especialmente de catequese. Ele servia não só para as relações com os índios tupi, mas também para os contactos com todos os índios em geral. As nações não-tupi o aprendiam com relativa facilidade (o que não acontecia com a Língua Portuguesa ). Assim se estabeleceu a língua geral tupi, ao lado do português, na vida cotidiana da colônia. Constituiu-se até como língua escrita e literária, pois os missionários traduziam para ela as orações cristãs e nela compunham hinos religiosos e peças teatrais, semelhantes aos autos da literatura hispânica.

Nessa língua indígena, de intercurso, que os brancos falavam com desembaraço, o português atuou como superstrato modificando sobretudo a fonologia tupi, adaptando para o português vogais e consoantes muito diferentes das portuguesas. Em relação às formas gramaticais, especialmente no verbo, firmaram-se noções de tempo futuro, de modo subjuntivo e assim por diante. Em contacto com o português, que paralelamente se radicou na colônia, esse tupi de intercurso atuou como adstrato, pois tratava-se de duas línguas coexistindo no mesmo território.

O predomínio da língua geral firmou-se com os bandeirantes, pois todos ou quase todos falavam apenas esta língua, não sabiam o português. A respeito do papel que teve a língua geral, vale lembrar esta anotação do Padre Antonio Vieira, em carta datada de 12 de junho de 1694, informando que o uso do tupi foi de tamanha amplitude que sem ele era de certo modo impossível viver integrado ao meio social ou tirar dele qualquer benefício.

"certo que as famílias dos portugueses e índios de São Paulo estão tão ligadas hoje umas às outras, que as mulheres e os filhos se criam mística e domesticamente, e a língua que nas ditas famílias se fala é a dos índios, e a dos portugueses a vão os meninos aprender à escola."( Obras várias, 1856, pp.239-251)

Page 5: História da Língua Portuguesa Seminário de Léxico Africano

Já no século dezessete, houve um desenvolvimento da mestiçagem étnica, cultural e lingüística, com a tentativa de lusitanização do índio e a indianização do português, e ainda com a africanização dos índios e brancos, uns assimilando-se aos outros.

O historiador Sérgio Buarque de Holanda, referindo-se ao estreito contacto entre portugueses e índios, escreveu com muita propriedade: "se é verdade que, sem a presença fortemente acusada do índio, os portuguesas não poderiam viver no planalto, com ela não poderiam sobreviver em estado puro. Em outras palavras, teriam de renunciar a muitos dos seus hábitos hereditários, de suas formas de vida e de convívio, de suas técnicas, de suas aspirações, e o que é bem significativo, de sua linguagem. E foi, na realidade, o que aconteceu." (Raízes do Brasil. Rio de Janeiro, Ed. José Olympio, 1948, pp.189-191).

A Imposição do Português como Língua Nacional

Desta maneira, à variedade de línguas indígenas, que Vieira denominou babel, agregou-se a babel das línguas africanas. Diante desta multidão de línguas indígenas e africanas, o português, para impor-se, usou os mais variados recursos. Uma das primeiras medidas foi determinar que os índios fossem instruídos em Língua Portuguesa .

Mas os jesuítas, por conhecerem o tupi (reduzida por eles à língua geral) melhor que os representantes de outras ordens religiosas e melhor também que os colonos recém-chegados, mantiveram a barreira língüística como forma de manter seu domínio sobre os índios. Começa desta forma um período antijesuíta, que teve sérias conseqüências.

Um marco na imposição do Português como língua dominante no Brasil é a Lei do Diretório, promulgada pelo Marquês de Pombal, em maio de 1757, durante o governo de D. João VI. Tinha como um dos principais objetivos impôr a Língua Portuguesa como língua oficial na região que abrangia os estados de Pará e Maranhão, que soma um terço do atual território brasileiro.

Um dos artigos desse diretório criticava duramente a língua geral, chamando-a de "invenção verdadeiramente abominável e diabólica"; para acabar com ela, tratou de estabelecer o uso da Língua Portuguesa , não consentindo que "meninos e meninas e todos aqueles índios, que forem capazes de instrução (...) usem língua própria das suas nações, ou da chamada geral, mas unicamente da portuguesa". ( Artigo 6 do Diretório).

Em agosto de 1759, um Alvará renovava a lei do Diretório, datando daí o uso obrigatório da Língua Portuguesa , com todo o seu poder unificador, e, em conseqüência, o abandono progressivo da língua geral, que, na verdade, já se encontrava restrita, sobretudo em São Paulo, às comunidades rurais do interior.

Apesar das objeções a essa imposição, quando o Diretório foi abolido, em 1798, a Língua Portuguesa já tinha se expandido e sido adotada nas regiões tipicamente tupi do Brasil, ainda que muitos indivíduos tivessem dificuldade em usá-la.

Resumindo a questão da "vitória" da Língua Portuguesa no Brasil colonial, pode-se dizer que, durante três séculos, o português e o tupi, ou língua geral, existiram lado a lado, influenciando-se reciprocamente e cruzando-se. O tupi era a língua doméstica, familiar e corrente dos colonos, e o português, a língua oficial, que as crianças, mamelucos e também filhos de índios aprendiam nas escolas mas não falavam em casa. A realidade lingüística era muito complexa, porque, com o português, conviviam as várias línguas indígenas e as várias línguas faladas pelos negros no Brasil.

O processo cultural que impôs uma língua vitoriosa sobre as outras não foi fácil, nem sempre pacífico. Mas aprender a Língua Portuguesa se tornou quase uma questão de sobrevivência. Alguns africanos, por exemplo, aprendiam rápido, outros sofriam verdadeiros processos de adestramento, mas todos, índios e negros, tinham que aprendê-la. A variedade de tribos indígenas e africanas facilitou a obra portuguesa, que, como foi dito, preferiu, por medida de segurança, importar grupos dialetais diferentes, que não se entendiam

Page 6: História da Língua Portuguesa Seminário de Léxico Africano

e deviam se esforçar para buscar na fala portuguesa o meio de comunicar suas necessidades pessoais e sociais.

A guerra contra os índios e os negros, subjugando-os todos, era também uma guerra lingüística e cultural, que resultava num desentendimento total, numa fragmentação de culturas e línguas. Acrescente-se a isto o fato de que o português do Brasil e o de Portugal já se apresentavam em formas desiguais.

A "vitória" real e verdadeira se deu quando, na Assembléia Constituinte de 1823, representantes de várias províncias brasileiras falaram uns com os outros, notando as diferenças de prosódia, mas a igualdade da língua que era falada por todos. Era a primeira vez que brasileiros falavam sua própria língua, a qual se formara competindo com línguas indígenas e negras, e na qual se notavam variações provenientes dos diferentes grupos do português falado em regiões diversas. A "vitória" do português dependeu mais de fatores históricos que lingüísticos.

Fonte: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/historia-da-populacao-brasileira/historia-da-lingua-portuguesa.php Acesso em: 13/02/2013