História Da Função de Leibniz Até Euler

14
História da Função de Leibniz até Euler: O Período da Dicotomia No século XVII, o conceito de função apresenta considerável avanço por meio de Descartes (1596-1650) e Fermat (1601-1665). Na mesma época, iniciaram-se os estudos sobre o método analítico para introduzir relações, trabalhando com as equações indeterminadas (várias soluções) envolvendo variáveis contínuas. Essa noção de variável foi fundamental para o desenvolvimento do cálculo (COSTA, 2004, p. 22). A história da Matemática, conforme Otte, de Descartes à Comte (1798-1857), é descrita: Pela universalização da comparação, sobretudo com a ajuda do conceito matemático de função. O que existe de especial no conceito de função é que ele pode ser ao mesmo tempo concebido como objeto e como operador, e que daí em diante, de acordo com a interpretação, surgem diferentes formas de encadeamento (1993, p. 274). Na metade do século XVIII dão-se os prolegômenos para o início da ruptura na Matemática mencionada por Boutroux que ocorreria no próximo século. Neste tempo surgem Newton (1642-1727) e Leibniz (1646-1716), que são considerados como os grandes expositores do Cálculo Diferencial e Integral. Segundo Pelho: Newton quem estabeleceu pela primeira vez o termo específico para função, ao utilizar o nome de

description

História Da Função de Leibniz Até Euler

Transcript of História Da Função de Leibniz Até Euler

Page 1: História Da Função de Leibniz Até Euler

História da Função de Leibniz até Euler: O Período da Dicotomia

No século XVII, o conceito de função apresenta considerável avanço por meio

de Descartes (1596-1650) e Fermat (1601-1665). Na mesma época, iniciaram-se os

estudos sobre o método analítico para introduzir relações, trabalhando com as equações

indeterminadas (várias soluções) envolvendo variáveis contínuas. Essa noção de

variável foi fundamental para o desenvolvimento do cálculo (COSTA, 2004, p. 22).

A história da Matemática, conforme Otte, de Descartes à Comte (1798-1857), é

descrita:

Pela universalização da comparação, sobretudo com a ajuda do conceito matemático de função. O que existe de especial no conceito de função é que ele pode ser ao mesmo tempo concebido como objeto e como operador, e que daí em diante, de acordo com a interpretação, surgem diferentes formas de encadeamento (1993, p. 274).

Na metade do século XVIII dão-se os prolegômenos para o início da ruptura na

Matemática mencionada por Boutroux que ocorreria no próximo século. Neste tempo

surgem Newton (1642-1727) e Leibniz (1646-1716), que são considerados como os

grandes expositores do Cálculo Diferencial e Integral. Segundo Pelho:

Newton quem estabeleceu pela primeira vez o termo específico para função, ao utilizar o nome de ‘fluentes’ para representar algum relacionamento entre variáveis. Ele descreve suas ideias de função ligadas à noção de curvas e a taxas de mudança de quantidades que variam continuamente (2003, p. 20).

Enquanto Leibniz, o homem que por vezes é considerado como o último sábio

que possuiu o conhecimento universal “não é responsável pela moderna notação para

função, mas é a ele que se deve a palavra ‘função’, praticamente no mesmo sentido em

que é usada hoje” (BOYER, 1968, p. 280).

Contudo, para esses dois matemáticos a principal finalidade era estudar curvas

geométricas, ou seja, os problemas que deram origem ao cálculo eram geométricos e

cinemáticos, eles não visavam exatamente às funções matemáticas no conceito

moderno.

Apesar da gênese do conceito de função ser anterior a Leibniz e seus contemporâneos (...) o termo função foi usado pela primeira vez por Leibniz,

Page 2: História Da Função de Leibniz Até Euler

em manuscritos datados de 1673 e, em particular, no La méthodo inverse des tangentes ou au sujet des fonctions (O método inverso das tangentes ou sobre as funções), para designar quantidades geométricas variáveis relacionadas a uma curva como, por exemplo, coordenadas, tangentes, subtangentes, raios de curvatura, etc. (DAHAN-DALMEDICO; PEIFFER apud PALARO, 2006, p. 110).

Boutroux, explica que a noção central da ciência de Descartes e Leibniz era o

signo ou o símbolo, onde a álgebra e a análise algébrica eram uma arte simbólica,

principalmente por este motivo é que atualmente a notação do Cálculo de Leibniz é

mais utilizada do que a de Newton, pois a simbolização à torna mais importante.

Analisando por este prisma, tanto a matemática de Descartes e Leibniz do século XVII e

XVIII quanto à de Euler e Lagrange (1736-1813) são baseadas na combinação de

signos, ou seja, uma matemática sintética, enquanto a matemática pura dos séculos XIX

e XX como a de Cauchy é uma ciência de conceitos, ou melhor, uma matemática

analítica.

Mas quem foi Euler e quais as suas contribuições para o desenvolvimento do

conceito de função?

Leonhard Euler (1707-1783) nasceu na Suíça e em vida publicou cerca de 530

trabalhos entre artigos e livros. Otte afirma que Euler foi “o maior matemático do século

XVIII, uma personalidade como cientista que se sobressai na história da ciência pela

variedade e quantidade de sua produção científica” (OTTE, 1993, p. 228). Euler foi o

construtor das notações mais bem sucedidas de todos os tempos, entre estas se encontra

uma importante notação, que é a f(x) usada para uma função de x (BOYER, 1968 p.

305).

Para as exigências da Matemática do século XIX Euler não pensava em função

de um modo formal, mas na verdade confundiu a função com suas representações,

sejam essas representações uma curva traçada à mão livre sobre um plano ou “qualquer

expressão analítica formada daquela quantidade variável e de números ou quantidades

constantes” (BOYER, 1968, p. 306).

Este matemático escreveu um trabalho intitulado Introduction in Analysin

Infinitorum (Introdução à Análise Infinitesimal) em 1748; que nos dias atuais define a

estrutura inicial da Matemática nas universidades. Nesta obra Euler chamou de

quantidades constantes as iniciais do alfabeto a, b, c, etc. E de quantidades variáveis as

últimas letras do alfabeto z, y, x etc. (EULER, 1980).

Page 3: História Da Função de Leibniz Até Euler

Na referida obra Euler explica a diferença entre função contínua e função

descontínua segundo a sua visão, que logicamente, era baseada nos signos e na

combinação de signos e em fórmulas relacionadas à Matemática de sua época. Para ele,

uma função é contínua quando é formada por uma única expressão analítica. Enquanto

as funções formadas por mais de uma expressão analítica, mesmo que o gráfico fosse

formado por apenas uma curva, eram consideradas como funções descontínuas

(PALARO, 2006, p. 115).

Na verdade não existia uma definição geral para o conceito de função, havia

vários tipos de funções, como funções trigonométricas, funções transcendentais, funções

lineares etc., que eram estudadas e definidas separadamente, sendo que algumas funções

poderiam ser classificadas como funções contínuas. O conceito geral de função como

relação entre conjuntos surgiram apenas no século XIX. Para tanto, foi necessário uma

definição mais clara e correta do conceito de continuidade.

A Transformação de Ideia da Função durante o Século XIX

No início do século XIX floresce um novo movimento com um conhecimento

composto por novos objetos trazidos para o pensamento, onde a partir desses objetos

eram gerados novos conhecimentos. O conceito de função foi uma peça fundamental

para que todas essas ideias afluíssem. Otte afirma que este conceito “representa o

verdadeiro núcleo da famosa ‘revolução do rigor’, introduzida em 1821 pelo Cours

d’Analyse, de Cauchy. Tentava-se reduzir o conceito de função ao discreto, à aritmética

dos números naturais, e assim eliminar a continuidade” (OTTE, 1993, p. 223).

Este século é conhecido como o século do rigor matemático. Para representá-lo

Boyer o destaca como: “o período do rigor na Matemática” (1968, p. 358) o autor ainda

escreve:

Mais do que qualquer outro período, o século dezenove merece ser considerado a Idade de Ouro na Matemática. Seu crescimento durante estes cem anos é de longe maior que a soma total da produtividade em todas as épocas precedentes. O século foi também, excetuado talvez a Idade Heróica na Grécia antiga, o mais revolucionário na história da Matemática (BOYER, 1968, p. 343).

Page 4: História Da Função de Leibniz Até Euler

Ocorreu um desligamento entre o conceito de função e as modalidades concretas

e isto traz hoje certas dificuldades cognitivas.

Essa transformação pode ser observada por meio da dificuldade que se

apresentou no desenvolvimento do conceito de função contínua, principalmente pela

forma como Euler o definiu, pois o conceito de função contínua é a peça fundamental

para se entender o desenvolvimento da Matemática e as suas principais mudanças no

século XIX.

De acordo com Otte (1993) a identificação entre conceito e símbolo a qual fazia

a forma de representação simbólica da função uma característica fundamental da

continuidade, trouxe grandes dificuldades e imprecisões, pois a mesma função poderia

ser caracterizada como uma função contínua e também por representações descontínuas.

Cauchy preocupado com este problema concebeu o conceito de função contínua,

utilizada até os dias atuais.

Para o matemático Pierre Boutroux “um dos mais importantes conceitos da

análise moderna é o conceito de função matemática” (BOUTROUX, 1920, p. 164,

tradução nossa). O autor complementa:

Na própria análise: temos antes todo o trabalho da concepção de função y(x), isto é dizer, uma intuição da lei matemática após a qual, quando escolhemos um valor arbitrário de x, encontra-se certo valor de y para o mesmo desígnio, só depois esforçamo-nos para obter equações que exprimam o menor mal possível desta estranha relação das duas variáveis x e y (BOUTROUX, 1920, p. 206, tradução nossa).

Segundo Boutroux o mais difícil para entender era exatamente o fato que entre

dois termos variando simultaneamente existe uma relação constante. A dificuldade é

sempre distinguir entre representação, fato ou objeto representado.

Atualmente, para os matemáticos é mais fácil aceitar o conceito de função

contínua, entretanto, no ensino esses problemas permanecem, pois o professor é

seduzido a ensinar por meio de exemplos, porém um exemplo só pode ser usado à base

de uma representação, por isso, nos dias atuais tem sido difícil concordar com esta

concepção abstrata do conceito de função, que transforma logo de início o próprio

conceito num objeto completamente desconhecido.

Como afirma Boutroux: “a correspondência matemática não é uma consequência

das operações algébricas, mas é o próprio objeto que as determinam” (BOUTROUX,

1920, p. 206, tradução nossa). Ou seja, existe uma relação objetiva, que não deveria ser

Page 5: História Da Função de Leibniz Até Euler

confundida com uma representação, mas que mesmo assim pode ser introduzida na

atividade matemática através de uma representação particular.

Como já foi mencionado, em 1920 Boutroux escreveu o livro O ideal Científico

dos Matemáticos, neste trabalho o autor defende a tese de que houve não apenas uma

revolução, mas também uma ruptura na História da Matemática ocorrida no final do

século XVIII, que apresentou como base dois eventos. No primeiro evento, a

Matemática deixa de ser uma ciência sintética e torna-se uma ciência analítica, no

segundo, houve uma quebra da harmonia entre os meios e os objetos da Matemática.

Segundo a visão de Boutroux, a Matemática nos séculos XVII e XVIII era

propriamente sintética, os matemáticos se preocupavam com o caminho para se chegar

aos resultados e se interessavam pela maneira ou pelo método.

Enquanto que a concepção analítica da Matemática nos séculos XIX e XX não

está preocupada com o caminho, a tarefa ou a demonstração, mas com o próprio objeto.

Boutroux deixou bem claro isto quando afirmou:

O que costumava ser mais interessante, era a demonstração, que foi os processos e o sucesso dos cálculos; os resultados e as combinações obtidas podendo evidentemente divergir em todos os sentidos e ser multiplicado ao infinito, não se tinha lugar para atar um grande valor a sua enumeração; a unidade que perseguia a ciência não podia ser uma unidade de método. Atualmente, ao contrário, isto é que conta é o resultado que dá ao trabalho sua unidade; os artifícios da demonstração são apenas trabalhos de arte sem os quais, nós que não sabemos voar, estaríamos fora do estado de superar as dificuldades e os acidentes do terreno que se encontram sobre nosso caminho [...]. As verdades matemáticas são fatos objetivos, independente de nós e que descobrimos e analisamos, de certa maneira, exteriormente [...]. Inclinamo-nos, por outro lado, a ver na demonstração o instrumento e não o fim da ciência (BOUTROUX, 1920, p. 211-212, tradução nossa).

Boutroux ainda exemplifica esta mudança quando relata sobre a teoria das

equações algébricas de grau n: anxn + an-1xn-1 +...+ ax + a0 = 0, onde a resolução de

equação de grau superior à quatro não tinha solução, até que Abel concluiu ser

impossível representar as raízes da equação geral de quinto grau, em termos de radicais.

Mas, foi graças ao trabalho de Galois que a teoria das equações repercutiria em novas

direções.

Para Galois “foi suficiente transmitir este impulso de modificar o enunciado do

problema posto, e ‘atacar de lado’ a dificuldade que ele não podia abordar de frente”

(BOUTROUX, 1920, p. 186, tradução nossa); desta forma, Galois não buscou uma

expressão algébrica, contudo, procurou isolar certas famílias ou classes de equações tais

que as raízes das equações de uma mesma classe se exprimem por meio de fórmulas

Page 6: História Da Função de Leibniz Até Euler

algébricas em função umas das outras, assim todas as equações de uma classe seriam

resolvidas ao mesmo tempo.

O objetivo do matemático da modernidade é: “compor, a partir de elementos

simples, a união cada vez mais complexa e construir a partir das peças, sua própria

indústria, o edifício da ciência, esta parecia ser a tarefa do matemático daí em diante”

(BOUTROUX, 1920, p. 182, tradução nossa), onde os objetos da Matemática se

tornaram o próprio conceito. As maiores evidências, sobre este assunto, podem ser

constadas no trabalho de Cauchy.

Augustin-Louis Cauchy (1789-1857), considerado um grande matemático da

década de 1820-30, estudou na École Polytechnique e na Écola des Ponts et Chaussées,

formou-se em Engenharia Civil. Cauchy seguiu a tradição de Lagrange se interessando

por provas rigorosas e pela matemática pura em forma elegante (BOYER, 1968, p. 353).

Cauchy desenvolveu estudos sobre o conceito de função, contudo a chave mestre para o

desenvolvimento deste conceito foi ainda a elaboração do conceito de função contínua.

Cauchy foi conhecido como um dos matemáticos do século XIX que buscavam

o rigor. Ele escreveu na introdução do seu Cours d’Analyse de L’Ècole Royale

Polytechnique: “Quanto aos métodos eu procurei lhes dar todo o rigor que se exige na

geometria, de maneira a jamais recorrer a argumentos deduzidos da generalidade da

álgebra” (CAUCHY, 1899, p. ij, tradução nossa). Cauchy destaca-se como o

matemático que forneceu uma definição satisfatória para o conceito de função contínua,

ele definiu função da seguinte forma:

Quando quantidades variáveis estão ligadas entre si, de tal modo que, sendo fornecido o valor de uma delas, pode-se obter os valores de todas as outras, concebe-se normalmente estas diversas quantidades expressas por meio de uma dentre elas, que recebe, então, o nome de variável independente; e as outras quantidades, expressas por meio da variável independente, são as que se chamam de funções desta variável (CAUCHY, 1899, p. 31, tradução nossa).

Após definir função, Cauchy expõe uma definição para o conceito de limite e

infinitésimos, somente depois apresenta uma definição coerente para continuidade de

uma função. O próprio Cauchy relata: “Falando da continuidade das funções, eu não

pude deixar de apresentar as propriedades principais das quantidades infinitamente

pequenas, propriedades que servem de base ao cálculo infinitesimal” (CAUCHY, 1899,

p. ij, tradução nossa). Cauchy apresenta a definição de continuidade como segue:

Page 7: História Da Função de Leibniz Até Euler

Seja f(x) uma função da variável x, e suponhamos que, para cada valor de x intermediário entre dois limites dados, esta função admita constantemente um valor único e finito. Se, partindo de um valor x compreendido entre estes limites, atribui-se à variável x um acréscimo infinitamente pequeno α, a própria função receberá por acréscimo a diferença f(x+α)-f(x), que dependerá, ao mesmo tempo, da nova variável α e do valor de x. Isto posto, a função f(x) será, entre os dois limites atribuídos à variável x, função contínua desta variável, se, para cada valor de x intermediário entre limites, o valor numérico da diferença f(x+α)-f(x), decresce indefinidamente com aquele de α. Em outros termos, a função f(x) permanecerá contínua em relação a x entre os limites dados, se entre estes limites, um acréscimo infinitamente pequeno dado, a variável produzir sempre um acréscimo infinitamente pequeno da própria função. Diz-se ainda que a função f(x) é, na vizinhança de um valor particular atribuído à variável x, função contínua dessa variável, todas as vezes que ela é contínua entre dois limites de x, mesmo muito próximos, que contém o valor do qual se trata (CAUCHY, 1899, p. 43, tradução nossa).

Cauchy destaca que: “Segundo a definição de Euler [...] uma simples mudança

de notação será suficiente, para transformar uma função contínua em descontínua e vice

versa [...]. Assim, a característica da continuidade de funções proposta sobre o ponto de

vista ao qual, os geômetras abordaram, é uma característica vaga e indeterminada”

(CAUCHY, 1844, p. 116-117, tradução nossa). Neste texto, Cauchy parece mostrar ter

total clareza de que o modo como Euler definia função contínua era incoerente

(PALARO, 2006, p. 122).

Um perfeito exemplo da distinção de ideias a respeito da continuidade de função

entre Euler e Cauchy é apresentado por Belhoste:

A função f definida em por para e

para é descontínua no sentido de Euler,

porque ela é definida por várias expressões analíticas diferentes sobre

, mas ela é contínua no sentido de Cauchy (1985, p. 62, tradução

nossa).

Cauchy não se satisfaz com o conceito de função de Euler baseado em símbolos,

ele pensa em função contínua a base do próprio conceito de contínuo, para tanto, ele

escreveu uma definição para função contínua, totalmente por meio de conceitos.

O conceito de função pode se dividir historicamente em duas concepções. A

primeira está associada ao período que antecede o século XVII, este fundamento

Page 8: História Da Função de Leibniz Até Euler

desponta do conceito de operação aritmética-algébrica, do conceito de algoritmo e das

concepções gerais de máquina, o mesmo está intimamente relacionado ao conceito de

funcionalismo, que era vinculada ao conceito de função das modalidades concretas.

No instante em que o homem não consegue mais controlar de um modo puro e

intuitivo, seus próprios rudimentos e seus métodos de trabalho, então, é preciso que

estas necessidades sejam entendidas e analisadas como realidades objetivas e

regularmente estruturadas. E foram por meio dessas dificuldades para se construir uma

relação mútua entre o estrutural e o funcional, que o desenvolvimento histórico do

conceito de função se caracterizou (OTTE, 1993).

A segunda concepção caracteriza a função apenas como uma lei de dependência

entre uma grandeza variável e outra qualquer, utilizada para as alterações de estado e de

natureza das coisas reais no tempo. Considerava-se a função exclusivamente como uma

correspondência entre valores do domínio e da imagem, procurava-se um número ou

uma grandeza desconhecida.

Em meados do século XIX, despertou-se um novo olhar para o conceito de

função matemática, associado a uma concepção abstrata e ao princípio de continuidade

que consistia em ver uma função como um objeto único e unitário.

Começaram a surgir diferentes maneiras para se definir o conceito de função,

Lobatschewskj (1793-1856), em 1834, escreve:

A definição geral exige que uma função de x seja um número para cada x dado, e que varie progressivamente com x. O valor de uma função pode ser dado por uma expressão analítica, ou por uma condição que forneça um meio de verificar todos os números e escolher um entre eles; finalmente, pode existir a dependência, mas permanecendo, todavia desconhecida (YOUCHKEVITCH apud OTTE, 1993, p. 231).

Suas palavras evidenciam esta pluralidade pela qual uma correspondência

funcional poderia ser apresentada, e ainda representam a indispensabilidade para se

estabelecer a ligação entre o conceito de função e a sua representação simbólica ou

descrição estrutural. Existia a necessidade de olhar para função não só como uma

correspondência de valores, e em 1870 Hermann Hankel (1839-1873), escreveu:

Esta definição puramente nominal, que a seguir chamarei de definição Dirichlet, [...] não é suficiente para as necessidades da análise, pois funções desse tipo não possuem propriedades gerais, e assim são suprimidas todas as relações de valores funcionais para diferentes valores do argumento (apud OTTE, 1993, p. 232).

Page 9: História Da Função de Leibniz Até Euler

Esta concepção abstrata apresentada como princípio da continuidade,

possibilitou a interação entre a função como operação ou regra e a função como uma

regra preexistente. Logo a formação da nova concepção de função é agregada ao

princípio da continuidade. Estes conceitos se unem formando um círculo, uma cadeia

fechada onde ambos se completam. Para Otte (1993, p. 232), isto surge como “uma

circularidade que revela que significados conceituais são processos que se desdobram

na atividade epistemológica [...] indicado no conceito de complementaridade”.