história da filosofia 14

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Histria da Filosofia Volume catorze Nicola A bbagnano obra digitalizada por ngelo Miguel Abrantes. Se quiser possuir obras do mesmo tipo ou, por outro lado, tem livros que no se importa de ceder, por favor, contacte-me: ngelo Miguel Abrantes, R. das Aucenas, lote 7, Bairro Mata da Torre, 2785-291, S. Domingos de Rana. telef: 21.4442383. mvel: 91.9852117. Mail: [email protected] [email protected].

HISTRIA DA FILOSOFIA VOLUME XIV TRADUO DE: CONCEiO NOGUEIRA NUNO VALA.DAS CAPA DE: J. COMPOSIO E IMPRESSO TIPOGRAFIA NUNES R. D. Joo I V, 590 - Porto EDITORIAL PRESENA . Lishoa 1970 TITULO ORIGINAL STORIA DELLA FILOSOFIA JARDIM EDUARDO LOCIO

Copyright by NICOLA ABBAGNANO Reservados todos os direitos para a lngua portuguesa EDITORIAL PRESENA, LDA. - R. Augusto Gil, 2 e/v.-E. ~ Lisboa xiii O NEO-EMPIRISMO 805. CARACTERISTICAS DO NEO-EMPIRISMO Sob o nome de "neo-empirismo" ou de "empirismo lgico" podem ser reagrupadas todas aquelas filosofias que entendem e praticam a filosofia como anlise da linguagem. Mas por anlise da linguagem podem compreender-se duas coisas diferentes: 1.o A anlise da linguagem cientfica, isto , da linguagem prpria das cincias parcelares; e neste caso a filosofia reduzida lgica, qual ainda atribuda a tarefa de determinar as condies gerais e formais que tornam possvel uma qualquer linguagem. 2.o A anlise da linguagem comum, isto , das formas de expresso prprias do senso comum e usadas na vida quotidiana; e neste caso a tarefa da filosofia ser a de interpretar estas formas e de investigar o seu significado ou os seus significados autnticos, eliminando os equvocos a que conduz o uso imprprio de tais significados. primeira posio pode dar-se o nome de "positivismo lgico" porque, tal como o positivismo clssico, privilegia a cincia e

considera-a como nica forma vlida de conhecimento. segunda pode chamar-se "filosofia analtica", nome que usado pelos seus prprios defensores. Ambas as formas do neo-empirismo consideram que a simplificao da linguagem conduz eliminao dos problemas tradicionais da filosofia e, sobretudo, dos da metafsica que faam uso do vocabulrio e da sintaxe da linguagem cientfica ou comum que estranho a esse vocabulrio e a essa sintaxe. Esses problemas tornam-se assim "privados de sentido" se a linguagem em que vm expressos for reconduzida s suas regras. Reconhec-los como privados de sentido o papel curativo ou teraputico da filosofia, da qual portanto se pode dizer que tem por tarefa a libertao da prpria filosofia. A esfera da linguagem, isto , dos significados ou dos usos lingusticos, tem no neo-empirismo, e em certa medida, a funo que a "experincia" tinha no velho empirismo; ou seja, a de constituir o critrio ou norma da investigao filosfica. Mas o mais importante precedente histrico do neo-empirismo a dicotomia instaurada por Hume entre as proposies que se referem s relaes entre as ideias (tais como as proposies matemticas) e as proposies que se referem a factos: as primeiras tm em si mesmas a sua verdade, as segundas s so verdadeiras se estiverem de acordo com a experincia ( 468). Esta dicotomia geralmente admitida pelas correntes neo-empiristas, e para elas, tal como para Hume, a base para a eliminao da metafsica, cujas proposies no entram nem numa nem noutra categoria. Mas a verificao emprica supe o recurso a dados imediatos e, portanto, uma teoria da experincia, do mesmo modo que a anlise das proposies matemticas supe a lgica. O neo-empirismo aproveita de Mach a teoria da experiencia, e de

Russell os princpios fundamentais da sua indagao lgica. Simultneamente, utiliza todo o rico patrimnio de investigaes metodolgicas provocadas pela tendncia crtica prevalecente nas matemticas, na fsica e nas outras cincias nos ltimos decnios; e participa no enriquecimento dessa tendncia com contributos de importncia fundamental. 806. ESCOLAS NEO-EMPIRISTAS O neo-empirismo foi primeiro uma tendncia seguida pelo chamado "Crculo de Viena", isto , por aquele conjunto de estudiosos de vrias provenincias que se juntou, a partir de 1923, volta de Moritz Schlick. O Tractatus, de Wittgenstein. (o qual, no entanto, s ocasionalmente se encontrava com alguns membros do Crculo), publicado pela primeira vez nos "Annalen der Naturphilosophie" de 1921, e a obra de Carnap, que fora chamado para a Universidade de Viena em 1926, forneceram as principais bases das discusses do Crculo, nas quais tomaram parte, entre outros, H. Haim, F. Waisman, H. FeigI, Otto Neurath, Philip Frank, K. Gdel, G. Bergmann, K. Popper e H. Kelsen. Ao Crculo de Viena ligou-se o grupo de Berlim, que se constituiu em 1928 com o nome de "Gesellschaft f r emprische Philosophie" volta de Hans Reichenbach, e que inclui entre outros K. Lewin, W. KhIer e C. G. Hempel. A colaborao entre os dois grupos estabeleceu-se sobretudo na revista "Erkenntnis" que se publicou de 1930 a 1938 e que foi dirigida por Carnap e Reichenbach, Na Polnia, surgiu um movimento anlogo por influncia de Casimir Twardowsky, que fora aluno de Bolzano na Universidade de Viena e que renovou na Polnia a tradio dos estudos lgicos, mais tarde retomada por T. Kotarbinski, Jan. Lukasiewiez, Alfred Tarsky e

muitos outros. Depois da vitria do nazismo na Alemanha e na ustria, muitos representantes do neo-empirismo retiraram-se para os Estados Unidos da Amrica, tendo a encontrado um ambiente receptivo sobretudo entre os pensadores da corrente pragmatista que se inspiravam em Peirce e Dewey. Foi assim possvel retomar a ideia, expressa em 1929 numa espcie de manifesto, do Crculo, de uma "cincia unificada" que tivesse por objecto toda a realidade acessvel ao homem e que se servisse de um nico mtodo de anlise lgica. Nascia assim a Enciclopdia Internacional da Cincia Unificada, que se comeou a publicar em Chicago em 1938 sob a direco 10 de Neurath, Carnap e Morris e que publicou monografias assinadas por cientistas e filsofos de muitos pases (Bohr, Dewey, Rougier, Reichenbach, Russell, Tarski, etc.). Apesar do valor de muitos dos contributos publicados na Enciclopdia, no nos devemos esquecer de que ela mostra uma substancial diferena de opinies sobre o prprio modo de entender a unidade da cincia. Com efeito, esta unidade ainda compreendida por Neurath no sentido clssico, como combinao dos resultados das vrias cincias e tentativa de os reunir num sistema axiomtico, nico (Internat. Enc. of Un. Sc., 1, 1, 1938, p. 20). entendida por Dewey como uma exigncia de estender o papel e a funo da cincia a todo o palco da vida (Ib., p. 33); para Russell, apresenta-se como "unidade de mtodo"; para Carnap, como unidade formal que respeita s "relaes, lgicas entre os termos e as leis dos vrios ramos da cincia" (Ib., p. 49); para Morris, como "uma cincia da cincia", isto , implicando que tal unidade se verificasse no mbito da semitica, de que ele defensor (Ib., p. 70). Por outros termos, o prprio conceito da cincia unificada no

se apresenta suficientemente unificado nos seus diversos defensores, que atribuem a essa expresso significados diversos e demonstram assim, de facto, o seu carcter utpico. Na realidade, o conceito de unidade da cincia no um conceito cientfico mas sim filosfico que, portanto, acolhe e respeita a diversidade das filosofias. Mais do que unidade, pode-se falar legitimamente de "conexes" ou relaes recprocas entre as cincias; e tais conexes ou relaes constituem 11 problemas filosficos importantes aos quais se dedicam tilmente os neo-empiristas (e no apenas eles). Em 1939 Wittgenstein foi chamado a Cambridge, na Inglaterra, para suceder na ctedra a G. E. Moore. Nessa poca, comeava a elaborar a segunda forma da sua filosofia, que se inspira no clima filosfico caracterstico da Inglaterra nestes ltimos decnios: o da chamada "filosofia analtica", que assume como tarefa fundamental a anlise da linguagem comum. Hoje, no entanto, o neo-empirismo j no apangio de uma escola localizada. Muitas das suas exigncias foram largamente aceites, e os resultados a que se chegou, sobretudo no campo da metodologia das cincias e da crtica da lgica, podem ser examinados e discutidos independentemente das posies polmicas em que se inspiravam os seus primeiros defensores. 807. NEO-EMPIRISMO: SCHliCK O homem em torno do qual se concentra o Crculo de Viena, Moritz Selilick (1882-1936), foi assassinado na escadaria da Universidade

de Viena e o seu assassino foi exaltado pelo nazismo como sendo o homem que impedira o desenvolvimento de uma filosofia "viciosa". Os fragmentos publicados postumamente com o ttulo Natureza e cultura (1952) do-nos a conhecer a oposio de Sclilick estrutura moral da sociedade e do estado nazis. A vida moral era considerada por Sclilick como a continuao da vida natural e, logo, como directamente 12 dirigida ao prazer e consistindo essencialmente na escolha do prazer. A anttese polmica desta posio era constituda, segundo Schlick, pela filosofia dos valores e pela sua tentativa de tornar absolutos os prprios valores. Schlick comeava por realizar uma interpretao crtico-realista da cincia (Teoria geral do conhecimento, 1918); mas aceitou imediatamente o ponto de vista de Wittgenstein e Carnap, reproduzindo-o e desenvolvendo-o em numerosos artigos publicados no "Erkenritnis" e noutras revistas, artigos que depois da sua morte foram recolhidos em livro. O seu ponto de partida o de Wittgenstein: a filosofia no uma cincia mas sim uma actividade; e uma actividade intrnseca ao prprio exerccio da investigao cientfica. Esta, com efeito, condicionada pela rigorosa comprovao dos termos que emprega; e esta comprovao precisamente o objectivo da filosofia. Mas a filosofia no pode ser definida como "cincia do significado" dado que na comprovao dos significados no chega a proposies mas sim a actividades ou a experincias imediatas. "A descoberta do significado de uma proposio deve, em ltima anlise, terminar num acto, num procedimento imediato, como por exemplo na indicao de uma cor; no pode ser dada numa

proposio. A filosofia como procura do significado, no pode consistir em proposies, no pode ser um cincia. Essa procura no mais do que uma espcie de actividade mental" (Gesammelte Aufstze, 1938, p. 130). A filosofia conserva assim, aos olhos de Schlick, a sua dignidade -de "rainha das cincias"-, 13 mas a rainha das cincias no pode ser uma cincia, mesmo atendendo sua incluso no campo especulativo de todas as actividades cientficas. Deste ponto de vista, no existem outros problemas cognitivos alm dos cientficos. Quanto aos chamados problemas filosficos, ou so resolveis pelos mtodos das cincias parcelares ou so problemas fictcios que devem ser considerados carentes de sentido. Por exemplo, o problema de o mundo ser finito ou infinito, que Katit julgara impossvel de resolver, foi resolvido, no sentido da finitude do mundo, pela fsica moderna, mais precisamente pela teoria da relatividade generalizada e por observaes astronmicas. Por outro lado, existem problemas que no so susceptveis de uma soluo que possa ser verificada empIricamente: tal , por exemplo, o problema do "mundo externo", entendido como uma realidade transcendente que se encontra para alm da natureza dada empiricamente. A existncia ou no existncia deste inundo externo nada altera em relao experincia efectiva: no pode assim ser comprovada experimentalmente e, como tal, carece de sentido. Aqui deparamos, segundo Sclilick, com o critrio que permite distinguir os problemas verdadeiros dos falsos. "Uma questo em princpio resolvel se pudermos imaginar as experincias que deveramos fazer para dar-

lhe uma resposta. A resposta a uma pergunta sempre uma proposio. Mas para entender uma proposio devemos poder indicar exactamente quais as circunstncias particulares que a tornariam verdadeira ou falsa. 'Circunstncias' significa factos de experincia; sendo assim, a experin14 cia decide sobre a verdade ou falsidade das proposies, isto , verifica as proposies; ser resolvel todo o problema que puder ser reduzido experincia possvel" (Ib., pgs. 141-142). A diferena entre o velho e o novo empirismo consiste no facto de o primeiro ser uma anlise das faculdades humanas e o segundo uma anlise das expresses em geral. Todas as proposies, linguagens, sistemas de smbolos, e mesmo filosofias, devem exprimir qualquer coisa. Mas para que assim seja necessrio que exista alguma coisa que possa ser expressa: esse o material do conhecimento, e afirmar que deve ser dado pela experincia uma forma de dizer que as coisas devem existir antes de as conhecermos. Schlick mostra-nos o pressuposto fundamental da sua concepo, pressuposto que tambm o de toda a moderna metodologia da cincia: conhecer no significa identificar-se com o objecto conhecido. "A** ffituio, a identificao do esprito com um objecto, no o conhecimento do objecto e no ajuda a alcan-lo, pois no realiza a tarefa que define o conhecimento. Esta tarefa consiste em encontrar o nosso caminho por entre os objectos, em prever o seu comportamento, e isto faz-se descobrindo a sua ordem, assinalando a cada objecto o seu lugar na estrutura do mundo. A identificao com uma coisa no nos ajuda a encontrar

esta ordem, antes nos impede de o fazer. A intuio desfrute, e este vida, no conhecimento. E se disserem que isto mais importante do que o conhecimento, eu no os contradirei; mas esta mais uma razo para no o confundir com o conheci15 mento (que tem uma importncia prpria)" (Ib., p. 196). Schlick v em Scrates o pai da filosofia assim entendida. "Foi um investigador do significado das proposies, particularmente daquelas que servem aos homens para avaliar mutuamente o seu comportamento moral. Reconheceu que estas proposies, as mais importantes para dirigir a nossa conduta, so tambm as mais incertas e difceis dado que no se atribui s proposies morais nenhum significado claro e unvoco. E o mesmo sucede ainda nos nossos dias, salvo no que se refere ao significado das proposies que so continuamente confirmadas ou refutadas pelas nossas experincias quotidianas, tais como as que tratam dos utenslios, da nutrio, das necessidades e das comodidades da existncia humana. Pelo contrrio, reina hoje nas coisas de ordem moral a mesma confuso que nos tempos de Scrates" (Ib., p. 396). 808. NEO-EMPIRISMO: NEURATH A ala extrema das primeiras posies empiristas representada pelo socilogo e economista vienense Otto Neurath (1882-1945), que foi um dos filsofos mais importantes do Crculo de Viena e o mais resoluto defensor da unidade de todas as cincias na linguagem (Sociologia emprica, 1931; Unidade da cincia e da psicologia, 1933; Fundamentos das cincias sociais, 1944, na EncicUintern. da cincia unificada). O ponto de vista de Neurath o

de um nominalismo radical que reduz a cincia linguagem, 16 sem referncia a nada externo. "A linguagem, afirma (in "Scientia", 1931, p. 299), essencial para a cincia: apenas no seio da linguagem que ocorrem todas as transformaes da cincia, e no num confronto da linguagem com um 'mundo', com um conjunto de 'coisas', cuja diversidade seria reproduzida pela linguagem. Fazer uma tal tentativa seria entrar no campo da metafsica. Apenas a linguagem cientfica pode falar da prpria linguagem, isto , uma parte dela pode falar da outra parte; mas no se pode passar para alm da linguagem". Esta intranscendibilidade da linguagem, a tese fundamental de Neurath, que se encontra neste ponto em polmica com os outros representantes do Crculo de Viena, especialmente com Carnap e Sclilick ("Erkenntnis", 111, 1932, pgs. 204 e segs.; IV, 1933, pgs. 346 e segs.). O critrio de verdade das proposies lingusticas no consiste no seu confronto com dados ou experincias imediatas mas sim no seu confronto com outras proposies lingusticas, dentro do sistema universal da linguagem cientfica. As expresses s podem ser confrontadas com outras expresses; so consideradas verdadeiras quando cabem no sistema lingustico geral e falsas quando no encontram lugar nele, mas no possvel falar de "linguagem" e emitir juzos sobre ela colocando-nos fora da prpria linguagem, no ponto de vista da "realidade". Esta , para Neurath, "a totalidade das proposies", isto , a linguagem, j que no existe isomorfismo, ou seja, correspondncia entre linguagem e

realidade, mas sim uma identidade; e como a realidade a linguagem, tambm a linguagem a realidade, isto 17 , um facto fsico ao mesmo ttulo de qualquer outro. esta a tese do fisicalismo, na sua forma extrema. Deste ponto de vista, Neurath rejeita a existncia de "protocolos originrios" relativamente a um sujeito singular, rejeitando deste modo o solipsismo de Carnap. Uma proposio protocolar, enquanto proposio lingustica, em si mesma universal e inter-subjectiva mesmo que inclua nomes prprios e circunstncias bem determinadas. evidente que este ponto de vista deve excluir, como privado de sentido ou como puro lirismo", qualquer problema filosfico que no possa ser formulado na linguagem fsica, e tende mesmo a reduzir a prpria linguagem ao facto fsico do som. Neurath formulou nestes termos as premissas de uma sociologia fisicalista, uma parte da cincia unificada que estudaria o comportamento social. Esta sociologia devia limitar-se observao das correlaes de factos existentes entre os fenmenos sociais, tentando prever o futuro. A sua ltima formulao deste conceito (na Enciclopdia da cincia unificada), no entanto, refere-se largamente ao carcter incerto e problemtico de toda a previso sociolgica. 809. WITTGENSTEIN: LINGUAGEM E FACTOS A figura dominante do neo-empirismo a de Ludwig Wittgenstein, nascido em Viena em 26 de Abril de 1889 e falecido em Cambridge a 29 de Abril de 1951. Antes da primeira guerra mundial

18 foi para Cambridge estudar com Russell durante alguns anos. Depois da guerra foi professor em escolas elementares austracas e esteve em contacto com alguns membros do Crculo de Viena. Em 1929 voltou a Cambridge onde, em 1939, sucedeu na ctedra a Moore. Durante a segunda guerra mundial foi por algum tempo empregado num hospital de Londres. Demitiu-se da ctedra em 1947. Em 1921 publicava nos "Annalen der Naturphilosophie" o Tratado lgico-filosfico, que no ano seguinte (1922) foi publicado em Londres, traduzido e prefaciado por Russell. Durante todo o resto da sua vida s publicou um artigo (Observaes sobre a forma lgica, nos Actos da "Aristotelian Society", 1929). Mas deixou inditos numerosos manuscritos, alguns dos quais correram privadamente a Inglaterra com o nome de Cadernos azuis (Blue Book, 1933-34) e de Cadernos castanhos (Brown Book, 193435). Foi deste material indito que se extraram mais tarde as Investigaes filosficas., publicadas em 1953, as Notas sobre os fundamentos da matemtica, em 1956, e os Cadernos azuis e castanhos, em 1958. O Tratado e os outros escritos, especialmente os publicados nas Investigaes filosficas, constituem as principais fontes de inspirao das duas correntes fundamentais do neo-empirismo: o Tratado foi a base do neo-positivismo, e os outros escritos da filosofia analtica. A principal fonte de inspirao da primeira fase do pensamento de, Wittgenstein foi a

obra de Russell. A filosofia de Wittgenstein substancialmente, nas suas duas faces, uma teoria da linguagem. Com 19 efeito, os termos de que se serve so dois: o mundo, como totalidade de factos, e a linguagem como totalidade de proposies que significam tais factos. As proposies, por sua vez, enquanto palavras, signos, sons, etc., so factos; mas, diferentemente dos outros factos, que ocorrem mas que so mudos, eles tm um significado que consiste precisamente em factos. Estes pressupostos constituem os limites genricos de todas as investigaes de Wittgenstein. No Tratado lgico-filosfico, a relao entre os factos do mundo e os da linguagem expressa pela tese segundo a qual a linguagem a refigurao lgica do mundo. No existe, de acordo com este autor, uma esfera do "pensamento" ou do "conhecimento" que seja mediadora entre o mundo e a linguagem. Afirmaes como as seguintes: "A refigurao lgica dos factos o pensamento" (Tract., 3); "A totalidade dos pensamentos verdadeiros uma refigurao do mundo" (3.01); "0 pensamento a proposio significante" (4), equivalem identificao do pensamento com a linguagem e extenso ao pensamento da mesma limitao que vale para a linguagem: no pensvel nem exprimvel aquilo que no for um facto do mundo. este o pressuposto empirista fundamental da filosofia de Wittgenstein. Como se disse, e na opinio de Wittgenstein, o mundo "a totalidade dos factos"; mais precisa' mente, a totalidade dos factos atmicos (Sachverhalte = estados das coisas), isto , dos

factos que ocorrem independentemente uns dos outros (2.042.062). Todo o facto complexo composto por factos atmicos. Por sua vez, um facto atmico 20 composto por objectos simples, isto , indecomponveis, que constituem "a substncia do mundo" (2.021). Chama-se forma dos objectos ao conjunto dos modos determinados em que eles se podem combinar nos factos atmicos. por isso que a forma dos objectos tambm a estrutura do facto atmico, sendo o espao, o tempo e a cor considerados como formas dos objectos (2.02512.034). Os objectos assim entendidos so aquilo a que Mach chamava "elementos" e que identificava com as sensaes ( 785). Segundo Mach, estes elementos entram na composio das coisas e dos processos psquicos que permitem o conhecimento das coisas. Segundo Wittgenstein, os objectos entram na composio dos factos atmicos que so os elementos constitutivos do mundo e, sob a forma de nomes, na composio das proposies atmicas que so os elementos constitutivos da linguagem. Com efeito, a proposio , segundo este autor, a refigurao (Bild) de um facto; mas no no sentido de construo de uma imagem ou cpia e sim no de uma refigurao formal ou lgica do facto, isto , da representao de uma configurao possvel dos objectos que constituem o facto. Toda a refigurao deve ter qualquer coisa em comum com a realidade refigurada. A proposio tem em comum com o facto atmico a forma dos objectos, isto , uma determinada possibilidade de combinao dos objectos entre si. Isto estabelece a conexo necessria entre as proposies e os factos: conexo que por um lado torna os factos refigurveis, isto , exprimveis na

linguagem, e que por outro lado toma vlida, ou 21 seja, dotada de sentido, a prpria linguagem, garantindo-lhe a sua concordncia com o mundo. Deste ponto de vista, uma proposio tem sentido se exprime a possibilidade de um facto: isto , se os seus constituintes (signos ou palavras) se combinam numa forma que seja uma forma possvel de combinao dos objectos que constituem o facto. Wittgenstein afirma que o sentido de uma proposio consiste numa "situao construda atravs da experincia" (4.031), pretendendo dizer com isto que uma proposio que seja dotada de sentido refigura um facto possvel, e possvel na medida em que possvel a combinao de objectos que o constituem. O sentido da proposio diferenciada da sua verdade, que existe quando a proposio refigura no um facto possvel mas sim um facto real. A forma afirmativa e a forma negativa da mesma proposio (por ex., " Esta rosa vermelha", "esta rosa no vermelha") tm sentido por serem igualmente possveis; mas s uma delas verdadeira (4.05-4.061). Deste ponto de vista, fcil justificar a validade das cincias empricas da natureza. Com efeito, "o mundo completamente descrito por todas as proposies elementares acrescidas da indicao de quais so verdadeiras ou falsas" (4.26); e "a totalidade das proposies verdadeiras c constitui a cincia natural total ou a totalidade das cincias naturais" (4.11). Mas as cincias so constitudas, para alm das proposies elementares, por leis, hipteses e teorias; acerca do valor destes instrumentos, Wittgenstein assume uma atitude que reproduz a

22 de Hume. De uma proposio elementar no se pode inferir nenhuma outra (5.134) porque toda a proposio elementar diz respeito a um facto atmico e os factos atmicos so independentes uns dos outros. No existe nenhum nexo causal que justifique tais inferncias e assim impossvel inferir os acontecimentos do futuro a partir dos do presente. "A f no nexo causal uma superstio" (5.1361), afirma Wittgenstein. Deste ponto de vista, no existem propriamente leis naturais. Estas, ou melhor, a regularidade que elas exprimem, pertencem apenas lgica e "fora da lgica tudo acontecimento" (6.3). As teorias que reduzem a uma forma unitria a descrio do universo, como por exemplo a mecnica de Newton, so comparadas por Wittgenstein a um reticulado bastante fino, de malha quadrada, que cubra uma superfcie branca na qual existam manchas negras irregulares. Com o reticulado possvel reduzir a uma forma unitria a descrio da superfcie, na medida em que se pode afirmar que cada um dos quadradinhos negro ou branco. Mas trata-se ento de uma forma arbitrria, dado que poderia utilizar-se uma malha triangular ou hexagonal. Da mesma forma, so arbitrrios os vrios sistemas que podem ser usados para descrever o universo, e quanto muito pode-se dizer que possvel conseguir com um sistema uma descrio mais simples do que com outro. A rede a instrumentao lgica da teoria, instrumentao que fornece os tijolos para a construo do edifcio da cincia, e isto porque uma teoria cientfica significa apenas: "Se queres construir um edifcio,

tens de o construir 23 com estes tijolos e s com estes" (6.341). Uma teoria cientfica no nos diz nada, portanto, sobre o universo, tal como a rede do exemplo anterior nada nos diz sobre a forma das manchas. Mas j nos diz algo sobro o universo o facto de ser possvel descrev-lo mais simplesmente utilizando uma teoria em lugar de outra (6.342). Estas consideraes retiram ao universo todo o tipo de necessidade: "No existe nenhuma necessidade que obrigue uma dada coisa a acontecer pelo simples facto de outra ter acontecido" (6.37). O facto de o Sol surgir amanh uma hiptese, o que equivale a dizer que no sabemos se ele surgir. Mesmo a probabilidade no seno ignorncia. Com efeito, uma proposio no em si mesma provvel ou improvvel, porque o facto a que ela necessariamente se refere ocorre ou no ocorre, sem que haja solues intermdias (5.153). Utiliza-se a probabilidade quando nos falta a certeza, quando no se conhece perfeitamente um facto mas se sabe algo sobre a sua forma, isto , sobre a sua possibilidade (5.156). 810. WITTGENSTEIN: AS TAUTOLOGIAS Estas consideraes do autor equivalem confirmao da doutrina, comum a Leibnitz e a Hume, do carcter contingente (no necessrio) das proposies relativas aos factos. Mas paralelamente a tais proposies Leibnitz admitia "a verdade da razo" e Hume as verdades que respeitam s "relaes entre ideias"; e a este outro tipo de proposies

24 ambos atribuam a "necessidade", no sentido de que a sua negao implica a contradio. Wittgenstein admite, alm das proposies elementares que exprimem a possibilidade dos factos e que so verdadeiras quando os factos as confirmam, proposies que exprimem a possibilidade geral ou essencial dos factos mas que so verdadeiras independentemente dos prprios factos. Estas proposies so chamadas tautologias e o seu estudo constitui uma das maiores contribuies de Wittgenstein para a teoria lgica. A proposio "Chove" exprime a possibilidade de um facto e verdadeira se o facto acontece, isto , se na realidade chove. A proposio "No chove" exprime tambm a possibilidade de um facto e do mesmo modo verdadeira se na realidade no chove. Mas a proposio "Chove ou no chove" exprime todas as possibilidades que se referem ao tempo. Ela verdadeira independentemente do tempo que faz; e o facto de chover no a confirma nem a desmente. Por outro lado, a proposio "Este solteiro est casado" no exprime um facto mas sim uma impossibilidade (j que "solteiro" significa "no casado"): ela portanto falsa independentemente de qualquer facto, dado que o estado de solteiro ou casado em que se encontre o homem a que ela se refere no adianta nada relativamente impossibilidade da frase. Ora "Chove ou no chove" um exemplo de tautologia, "Este solteiro casado" um exemplo de contradio. Tautologia e contradio so assim necessariamente verdadeiras ou falsas, independentemente de qualquer experin25 cia. Isto acontece, segundo Wittgenstein, porque a

tautologia verdadeira e a contradio falsa para todas as possibilidades de verdade das proposies elementares que as constituem; ou por outros termos, a primeira verdadeira e a segunda falsa seja o que for que acontea (4.46-4.461). Mas isto quer dizer que tautologia e contradio no so refiguraes da realidade, isto , no representam nenhuma situao possvel. A primeira permite toda a situao possvel, a segunda nenhuma (4.462). Ento, elas i-io tm o "sentido" que se pode atribuir s proposies elementares; mas tambm no se podem considerar "sem sentido" porque faz= pai-te do simbolismo, isto , constituem o verdadeiro campo da lgica. Todas as proposies da lgica so tautologias, segundo Wittgenstein (6.1). "No dizem nada": so analticas, no sentido kantiano (6.11). A sua caracterstica fundamental consiste em s se poder reconhec-las como verdadeiras tendo em conta o smbolo, enquanto que a caracterstica das proposies no lgicas o no se saber se so verdadeiras ou falsas atendendo apenas s proposies (6.113). As proposies lgicas no dizem nada porque no dizem respeito a factos mas a possveis modos de conexo entre as proposies ou de transformao de uma proposio noutra; isto , respeitam a operaes puramente lingusticas que estabelecem equivalncia (ou no equivalncia) de significado entre expresses lingusticas. por esta razo que a experincia no pode confirmar ou negar as proposies lgicas (6.121-6.1222). A nica relao entre as pro26 posies lgicas e o mundo que elas pressupem que os nomes tenham significado e que as proposies elementares tenham sentido. A lgica revela aquilo que existe de necessrio na natureza dos signos lingusticos: "Na lgica, fala a prpria natureza dos

signos necessrios" (6.124). A matemtica que, segundo Wittgenstein, "um mtodo da lgica" (6.2), reduz-se a esta ltima. O sinal de igualdade, usado na matemtica, exprime a substituibilidade recproca das expresses que rene, o que quer dizer que as duas expresses tm o mesmo significado, isto , so tautolgicas. A lgica e a matemtica constituem todo o campo da necessidade. A necessidade e a impossibilidade s existem na lgica, dado que os factos no tm necessidade e que as proposies que exprimem factos no a podem ter como caracterstica. Wittgenstein diz sobre isto que a verdade das tautologias certa, a das proposies possvel, e a das contradies impossvel (4.464). No entanto, a necessidade da lgica no restringe nada; deixa que os factos aconteam de forma puramente casual (6.37; 6.41). Assim, Wittgenstein retomou a dicotomia instaurada por Hume corno distino entre as proposies significantes que exprimem os factos possveis e as proposies no significantes, mas verdadeiras, que so chamadas tautologias. Como Hume, admite tambm a existncia de proposies nem significantes nem tautolgicas, os no-sensos. A maior parte das proposies filosficas so no-sensos, isto , derivam do facto de no se compreender a lgica da 27 linguagem. Com efeito, as proposies significantes so apangio das cincias naturais e no consentem nenhuma inferncia para

alm daquilo que mostram ou manifestam; por outro lado, as tautologias, de que se ocupa a lgica, s se referem forma das proposies e no permitem dizer nada sobre a realidade do mundo. Nem umas nem outras permitem assim nenhuma generalizao filosfica, nenhuma viso ou intuio do mundo na sua totalidade. A nica tarefa positiva que Wittgenstein reconhece na filosofia a de ser uma "crtica da linguagem" (4.0031), isto , "uma aclarao lgica do pensamento" (4.112). Mas neste sentido a filosofia no uma doutrina e sim uma actividade; e a sua tarefa no consiste em fornecer "proposies filosficas" mas em esclarecer o significado das proposies. "A filosofia deve esclarecer e delimitar com preciso as ideias que de outro modo seriam, por assim dizer, turvas e confusas" (4.112). E esta precisamente a tarefa a que se dedicou o Tratado lgico-filosfico. Todas as teses desta obra so condicionadas pelo princpio que constitui a posio ontolgica fundamental de Wittgenstein: o mundo constitudo por factos, e os factos ocorrem e manifestamse nesses outros factos que so as proposies significantes. Assim, os limites da linguagem so os limites do mundo e os limites da minha linguagem so os limites do meu mundo, isto , de tudo aquilo que compreendo, penso e exprimo. Neste sentido, o solipsismo ser verdadeiro no quando reduz o 28 mundo ao eu mas sim quando reduz o eu ao mundo. Mas os limites de que falamos no pertencem ao

mundo (no so factos do mundo), e por isso no se exprimem na linguagem e no podem ser ditos: ento, at o solipsismo inexprimvel (5.62-5.641). E no se pode falar do mundo na sua totalidade, dado que ento deixa de ser um facto. Afirma Wittgenstein: "Aquilo que mstico o que o mundo, e no o como ele " (6.44). Os factos constituem, e as proposies manifestam, o como do mundo, as suas determinaes; nunca o que, a sua essncia total e nica, o seu valor, o seu porqu. E o valor, que um dever ser, nunca um facto; se for um facto deixa de ser valor, j que "no mundo no existe nenhum valor e, se existisse, no teria valor" (6.41). Tambm no podem existir proposies da tica; e a tica, inexprimvel (6.42). Nem se pode falar da morte, que j no um facto ("No se vive a morte", 6.4311). Assim, no se pode pr nenhum dos problemas relativos ao mundo, vida, morte ou aos fins humanos: no podem ter resposta porque nem sequer podem ser formulados como perguntas. Wittgenstein no nega que o inexprimvel exista: afirma que ele "se mostra, e que constitui o mstico" (6.522). Mas o que significa este existir do inexprimvel, coisa a que o autor se no refere. E quanto ao seu mostrar-se, tambm nada nos diz. Quando se mostrou que todas as perguntas metafsicas carecem de sentido e que se deve guardar segredo de tudo aquilo de que no se pode falar, no resta nenhuma pergunta. Mas esta precisamente a rs29 posta: o problema da vida resolve-se quando desaparece (6.52-7). 811. WITTGENSTEIN: A PLURALIDADE DAS LINGUAGENS A teoria da linguagem que exposta no Tratado , tal como a de

Aristteles, uma teoria afirmativa: a linguagem a manifestao daquilo que . Mas para Aristteles "aquilo que " constitui a estrutura necessria do mundo, e essa estrutura determina necessariamente as formas lingusticas que, nas suas expresses essenciais, a reproduzem. Para Wittgenstein, pelo contrrio, "aquilo que " um conjunto de factos que simplesmente "acontecem", sem ordem e sem relaes recprocas, isto , sem serem necessrios. No entanto, esses factos determinam as suas manifestaes lingusticas, isto , as proposies atmicas; e indirectamente determinam a necessidade das proposies da lgica. Ora a necessidade da relao mundo-linguagem, se bem que concorde com o empenho ontolgico de Aristteles, para o qual o mundo necessidade, no corrente com o de Wittgenstein, para o qual o mundo causalidade. No admira portanto que este autor tenha a certa altura abandonado as teses do Tratado e tenha introduzido na relao mundo-linguagem o carcter no necessrio que reconhecera nos factos do mundo. Ora se tal relao fosse necessria, seria tambm nica (no pode ser diferente da que ), e seria nica a linguagem definida pela natureza da prpria relao. Mas se essa relao no necess30 ria, pode assumir formas diferentes; e so ento possveis diversas formas de linguagem, correspondentes s vrias formas que a relao pode assumir. Foi esta tese que Wittgenstein comeou a desenvolver a partir de 1933 e que tem a sua melhor expresso nas

Philosophical Investigations, cuja primeira parte s ficou completa em 1945 e cuja segunda parte foi escrita entre 1947 e 1949. Deste ponto de vista, a linguagem definida no Tratado, onde a todas as palavras atribudo um significado que constitudo precisamente pelo objecto a que corresponde a palavra, apenas uma das infinitas formas da linguagem. A multiplicidade das linguagens no pode tambm ser estabelecida de uma vez por todas: novos tipos de linguagem, novos jogos lingusticos nascem continuamente enquanto que outros caiem em desuso e so esquecidos. A expresso "jogos lingusticos" utilizada por Wittgenstein para sublinhar o facto de a linguagem ser uma actividade ou uma forma de vida. Como exemplos da multiplicidade dos jogos lingusticos, apresenta os seguintes: dar ordens e obedecer-lhes; descrever a aparncia de um objecto ou dar as suas medidas; construir um objecto partindo de uma descrio (um desenho); relatar um acontecimento; especular sobre um acontecimento; formular uma hiptese e p-la prova; apresentar os resultados de uma experincia em tabelas e diagramas; inventar Lima. histria e l-Ia; representar uma pea teatral; cantar um estribilho; descobrir enigmas; inventar uma anedota ou cont-la; resolver um problema de aritmtica; traduzir de uma lngua para 31 outra, mendigar, agradecer, maldizer, augurar, pregar (Phil. Inv., 23). A prpria matemtica um jogo lingustico. Com efeito, fazer matemtica significa "agir de acordo com certas regras" (Remarks

on the Foundations of Mathematics, IV, 1). A necessidade que preside a esta actuao, o "deve" (Must), prprio das tcnicas em que consiste a matemtica e que constituem um modo particular de tratar as situaes. "A matemtica, diz Wittgenstein, constitui uma rede de nonnas" (Ib., V, 46). A heterogeneidade dos jogos lingusticos tal que no podem ser reduzidos a qualquer conceito comum, as suas relaes recprocas podem ser caracterizadas como "reunies de famlia" e, tal como os membros de uma famlia apresentam vrias semelhanas, seja na estatura, na fisionomia, etc., tambm as vrias linguagens tm entre si relaes diversas que no se podem reduzir a um s (Phil. Inv., 67). Em muitos jogos lingusticos, o significado das palavras consiste no seu uso. "Num grande nmero de casos, se bem que no em todos, em que utilizamos a palavra 'significado', ela pode ser assim definida: o significado de uma palavra o uso que tem na linguagem" (Ib., 43). Mas o uso no uma regra normativa que possa ser imposta linguagem: aquilo que surge na prpria linguagem, o que h de habitual nas suas tcnicas. O ideal da linguagem deve ser procurado na sua prpria realidade (101). " claro, diz Wittgenstein, que todas as proposies da nossa linguagem se encontram numa ordem que a caracteriza. No procuramos a ordem ideal, tal como se as nossas frases habituais no tivessem ainda um sentido acabado e 32

WITTGENSTEIN como se ainda tivssemos de construir uma linguagem perfeita. Por outro lado parece evidente que, onde existe sentido, existe ordem. Logo, deve existir uma ordem perfeita mesmo na mais vaga das proposies" (98). A filosofia, enquanto anlise da linguagem, no pode portanto ter como tarefa a sua rectificao ou o seu desenvolvimento, at atingir uma forma mais completa ou perfeita. Segundo Wittgenstein, "no pode de forma alguma interferir no uso efectivo da linguagem mas sim, e apenas, descrev-la. Com efeito, a filosofia no pode fundar a linguagem, e obrigada a deixar tudo como encontra" (124). Ela no explica nem deduz coisa alguma: limita-se a pr as coisas nossa frente. A partir do momento em que todas as coisas se encontram perante ns, j no h nada para explicar. O que est oculto, est-o apenas devido sua simplicidade e familiaridade: no se nota porque est sempre frente dos nossos olhos, e est sempre frente dos nossos olhos porque aquilo que mais nos interessa (129). A filosofia pode igualmente comparar entre si os vrios jogos lingusticos e estabelecer entre eles uma ordem, com vista realizao de uma tarefa particular mas tal ordem ser apenas uma das muitas possveis (132). "No pretendemos, diz Wittgenstein, refinar ou completar o sistema de regras que regula o uso das nossas palavras. A clareza para que tendemos sempre uma clareza completa e isto significa simplesmente que os problemas filosficos devem desaparecer completamente. A descoberta real aquela que me toma capaz de deixar de filosofar quando quero: 33

s ela elimina a filosofia, na medida em que deixa de a atormentar com as questes que servem para a justificar (133). O conceito da filosofia como "doena", e da cura desta doena pela absteno de filosofar domina a segunda fase da filosofia do pensamento de Wittgenstein, tal como a procura de um silncio mstico relativamente aos problemas filosficos dominara a primeira. No entanto, no existe uma cura definitiva e imunizante: "No existe um mtodo de cura da filosofia, mas existem vrios tipos de tratamento" (133). Todas estas terapias consistem essencialmente em dizer as palavras do seu uso metafsico para o seu uso quotidiano; e os resultados dessas terapias so a descoberta deste ou daquele nosenso que o intelecto inventara batendo com a cabea contra os limites da linguagem. o prprio no-senso que mostra o valor da descoberta (119). Eliminando os no-sensos, a actividade filosfica curativa limita-se a reportar as palavras aos seus usos correntes e quotidianos sem afirma nada de novo. "A filosofia, diz Wittgenstein, afirma apenas aquilo que todos j sabemos" (599). A defesa da multiplicidade das linguagens ou, como se poderia dizer, do relativismo lingustico, o aspecto mais importante da segunda fase de Wittgenstein. Esta tese, que paralela e semelhante do relativismo das culturas, hoje confirmada, no terreno dos factos, pelos estudos lingusticos. Est relacionada com ela uma outra tese fundamental que surge aqui e ali nas Philosophical Investigations: a linguagem um instrumento (uma tcnica ou um 34

conjunto de tcnicas) para resolver situaes existenciais. Afirma WitIgenstein: "A linguagem um instrumento. Os seus conceitos so instrumentos... Os conceitos aplicam-se investigao; so a expresso dos nossos interesses e dirigem esses mesmos interesses" (569-70; cfr. 11). Por outro lado, existem outras teses fundamentais de Wittgenstein que no parecem muito coerentes com estas. A primeira a de a linguagem ser um "jogo". Se bem que Wittgenstein declare servir-se desta palavra para sublinhar o carcter de actividade ou de vida da linguagem, difcil no ligar palavra a conotao comum segundo a qual o jogo unia actividade que se efectua tendo-a em vista a si mesma e no para atingir outro fim qualquer. Se a linguagem fosse jogo (pelo menos assim parece) seria um fim e no um instrumento, A segunda tese a do privilgio concedido linguagem ordinria ou quotidiana que bviamente apenas um dos jogos lingusticos possveis, e que portanto no se sabe porque dever ser a indicada para fornecer o critrio e a norma para a eliminao dos problemas filosficos e das suas dvidas. Diz o autor: "Pensem nos instrumentos que se encontram na caixa de ferramentas de um operrio: h um martelo, um alicate, uma serra, uma chave de parafusos, uma rgua, grude, pregos e parafusos. As funes das palavras so to diferentes como as destes objectos" (Phil. Inv., 11). Mas basta interessarmonos um pouco pela actividade de um arteso qualquer para nos rendermos conta de como, na linguagem em que ele se exprime, se encontram palavras, expresses ou modos de dizer que no se referem linguagem nor-

35 mal mas sim actividade especfica do arteso. As linguagens cientficas esto bviamente ainda mais longnquas da quotidiana, e tm significados ainda menos redutveis aos de uso corrente, mesmo que sejam expressos pelas mesmas palavras. Se pluralismo lingustico significa relativismo lingustico, se qualquer linguagem, como afirma Wittgenstein, est numa certa ordem tal como est, no existe nenhuma linguagem que compreenda todas as outras ou que possa oferecer s outras um critrio qualquer de interpretao ou de rectificao. Por outro lado, se a linguagem comum est sempre em ordem, se ela apresenta de uma forma aberta e evidente tudo aquilo que deve significar, como possvel que nela nasam os no-sensos que levam a dvidas angustiantes e nos tiram o sossego? 812. CARNAP: RELAES E EXPERINCIAS Uma outra figura dominante do neo-positivismo foi a de Rudolf Carnap, que nasceu em Wuppertal, na Alemanha, em 1891, ensinou na Universidade de Viena e na de Praga, e que posteriormente a 1936 foi para a Amrica onde ensinou nas Universidades de Chicago e Los Angeles. As seguintes obras pertencem ao perodo em que este autor viveu na ustria e na Alemanha: A construo lgica do mundo, 1928; Pseudo-problemas da filosofia, 1928, Compndio de lgica, 1929; Sobre Deus e a alma, 1930; A sintaxe lgica da linguagem, 1934, e ainda numerosos artigos publicados em "Erkenntnis", sendo 36

o mais importante intitulado A eliminao da metafsica atravs da anlise lgica da linguagem. Durante a sua estadia na Amrica publicou as seguintes obras: Os fundamentos da lgica e da matemtica (na " Enciclopdia Internacional da Cincia Unificada"), 1939; Introduo semntica, 1942; A formalizao da lgica, 1943; Significado e necessidade, 1947; Fundamentos lgicos da probabilidade, 1950, e ainda muitos outros artigos entre os quais sobressai o intitulado Probabilidade e significado (1936), que marca uma viragem na interpretao da exigncia bsica do neo-positivismo. Se as obras de Wittgenstein constituram a principal fonte de inspirao para os filsofos do neo- _empirismo, as de Carnap deram s teses polmicas e construtivas desta corrente a clareza e o desenvolvimento analtico que a tornaram muito importante na filosofia contempornea. Carnap teve sempre presente e defendeu constantemente uma das teses bsicas do Crculo de Viena: a cincia una, apesar da diversidade de contedo existente nos vrios campos especficos correspondentes s diversas cincias, e a sua linguagem tambm una. por isso que a doutrina de Carnap substancialmente, tal como a de Wittgenstein, uma teoria da linguagem. Mas enquanto Wittgenstein insiste no atomismo da linguagem, a qual reflecte nas suas proposies elementares a no relatividade e a causalidade dos factos atmicos, Carnap insiste no seu carcter sintctico, isto , nas relaes que ligam as proposies entre si. Assim, concorda com Wittgenstein quando admite, pelo menos a um certo nvel ou

para um certo tipo 37 de linguagem, uma relao ou contacto com um dado imediato; no entanto, este dado no um "facto" mas sim um elemento de natureza psquica. A primeira obra de Carnap, .4 construo lgica do mundo, tem a tarefa explcita de formular o sistema de conceitos (ou objectos) constitutivos da cincia utilizando por um lado a teoria das relaes aceite na lgica de Russell e Whitchead e, por outro lado, a reduo da realidade a dados elementares que prpria da filosofia de Avenarius, Mach e Driesch (Der Logische Aufbau der Welt, 3). Mas evidente na obra de Carnap a influncia do neo-criticismo, o qual insistira no carcter logicamente construtivo do conhecimento humano e que tinha considerado a relao como categoria fundamental ( 730). Deste ponto de vista, a teoria do conhecimento uma anlise do modo como so logicamente construdos os objectos da cincia a partir de certos elementos originrios que, precisamente enquanto tais, no podem ser considerados por sua vez como construes lgicas. Esses elementos so, segundo Carnap, as experincias elementares vividas (Elementarerlebnisse), que ele prefere s "sensaes" de Mach porque a psicologia da forma (Khler, Wertheimer) mostrou que as sensaes no so dados mas sim abstraces dos dados, pelo que no podem ter prioridade gnoseolgica. No entanto, Carnap defende que as experincias elementares so, tal como as sensaes de Mach, neutras no sentido de nem serem propriamente fsicas nem psquicas, e que so

referidas ao eu, no originariamente, mas apenas na medida em que se fala das experincias 38 vividas pelos outros e que so reconstrudas atravs das minhas (Ib., 65). As experincias elementares tm entre si "relaes fundamentais" j que