Historia da educacao/ Pós-Graduação

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VERA REGINA BELTRÃO MARQUESVERA REGINA BELTRÃO MARQUES

HIST

ÓRIA

DA

EDUC

AÇÃO

istóriada Educaçãoistóriada Educação

História da Educação

HH

Fundação Biblioteca NacionalISBN 978-85-387-3030-9

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Vera Regina Beltrão Marques

História da Educação

IESDE Brasil S.A.Curitiba

2012

Edição revisada

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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ _______________________________________________________________________________M315h Marques, Vera Regina Beltrão História da educação / Vera Regina Beltrão Marques. - 1.ed., rev. - Curitba, PR : IESDE Brasil, 2012. 100p. : 28 cm Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-3030-9 1. Educação - História. I. Título. 12-5839. CDD: 370.9 CDU: 37(09)

15.08.12 22.08.12 038208 _______________________________________________________________________________

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SumárioIntrodução à História da Educação ......................................................................................5

Da História da Pedagogia à História da Educação ..................................................................................5

A Educação na Antiguidade Clássica ...................................................................................9Grécia .......................................................................................................................................................9

Roma ....................................................................................................................................17Entrando pela história ..............................................................................................................................17Educando à romana ..................................................................................................................................17A educação grega revisitada ....................................................................................................................19

Sob as asas dos ensinamentos cristãos: a Educação na Idade Média ..................................21Como se educava o povo? .......................................................................................................................21Dos colégios às universidades .................................................................................................................22Por que ir à universidade? ........................................................................................................................24A formação dos ofícios ............................................................................................................................25

A modernidade educativa: o humanismo .............................................................................27Histórias que cumpre contar ....................................................................................................................27O Renascimento na Educação .................................................................................................................29

Os inícios da Pedagogia Moderna ........................................................................................33Escolas reformadas ..................................................................................................................................33Educação da Contrarreforma ...................................................................................................................35

A Educação da Contrarreforma aporta no Brasil .................................................................37As escolas dos jesuítas: a formação dos clérigos e dos curumins ...........................................................37As indígenas reivindicavam saber ler e escrever .....................................................................................38

Revolucionários da Ciência: a Educação do século XVII ...................................................41As ciências chegam à escola ....................................................................................................................42A escola moderna e a formação do homem civil .....................................................................................44

No Brasil, a revolução pedagógica deitava arcas .................................................................47Ainda entre clérigos .................................................................................................................................47E as mulheres coloniais? ..........................................................................................................................48“Mulher que sabe muito é mulher atrapalhada, para ser mãe de família saiba pouco ou saiba nada” ....49Os conventos educavam as mulheres ......................................................................................................50

As luzes na Educação e o homem novo ...............................................................................53A Educação dos cidadãos .........................................................................................................................54Como deve ser a escola do homem novo? ...............................................................................................54A criança entra para a história .................................................................................................................55

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A quem cabia educar no Brasil setecentista? .......................................................................57Jesuítas expulsos, professores régios são contratados: inicia-se o lento processo de laicização educacional ...............................................................................57Os colégios-seminários: a Educação vetada aos judeus, negros, mulatos e aos filhos de “uniões ilícitas” ..................................................................................................59Corporações de ofício: homens brancos e livres aprendiam atividades manuais ....................................................................................................60

O século da Pedagogia e os vínculos com a sociedade: a Educação oitocentista ...........................................................................61

Novos sujeitos passíveis de serem educados ...........................................................................................61As escolas para crianças pobres; escolas para o povo .............................................................................62A Educação dos pequenos .......................................................................................................................64

Os anos Oitocentos no Brasil: cabe derramar a instrução para todas as classes ...................................................................65

Cabia formar professores .........................................................................................................................67O ensino que profissionaliza ....................................................................................................................68Escolas para os pequeninos .....................................................................................................................68

A República sustenta o direito à Educação? ........................................................................71Educação: questão nacional .....................................................................................................................71Templos da civilização: os grupos escolares ...........................................................................................71Imigrantes e Educação .............................................................................................................................73

A Educação higienizada .......................................................................................................75A ordem médica chega às escolas ............................................................................................................75A escola higiênica e as propostas eugenizadoras .....................................................................................75Saúde, moral e trabalho: máximas para todos .........................................................................................76

Nos tempos da Escola Nova ................................................................................................79O manifesto, novos métodos, novos programas escolares: o aluno está no centro do processo educativo ..........................................................................................79As classes populares tiveram acesso à Educação? ..................................................................................81

Sob a Ditadura Militar .........................................................................................................85A Educação na Constituição de 1967 ......................................................................................................85E a escola da Ditadura? ............................................................................................................................86

As universidades brasileiras: ainda a Educação de poucos .................................................89Faculdades e universidades ......................................................................................................................89Incluídos e excluídos das hostes universitárias .......................................................................................91

Referências ...........................................................................................................................95

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Introdução à História da Educação

Da História da Pedagogia à História da Educação

A disciplina História da Educação tem seu começo, diferentemente do que poderia se supor, no campo da Pedagogia, e não como uma especialização temática da História. Esse procedimen-to teria se originado na Europa e nos Estados Unidos, vinculado às Escolas Normais e aos

cursos formadores de professores. E os historiadores, até muito recentemente, pouco se debruçaram sobre problemas alusivos à educação.

Por que isso teria acontecido?

Reportando-nos aos inícios da história da pedagogia (séculos XVIII e XIX), é possível detectar as causas desse vínculo primeiro. Os estudos históricos realizavam-se a partir da escola, orientados por objetivos de (con)formar técnicos e cidadãos, em duas vertentes: educação-instrução e matrizes teóricas. História persuasiva e teoricista unificava classes sociais, pouco abordando as instituições educativas em suas singularidades. Assim, a educação patrocinada por diferentes instituições – famí-lia, escola, fábrica, exército, prisão, manicômios, igreja etc. – foi tratada sem que houvesse qualquer distinção, abordada através de modelos ideais nos quais passava a caber, amparada nos grandes mes-tres da filosofia. Contemplava-se, em especial, a história das ideias pedagógicas (CAMBI, 1999).

Já desde o segundo pós-guerra, porém, difundiam-se novas orientações historiográficas, também no campo peda-gógico, e, ao mesmo tempo, entravam em crise alguns pressupostos daquele modo tradicional de fazer a história da pedagogia. Iniciava-se, assim, um longo processo que levou à substituição da história da pedagogia pela mais rica, complexa e articulada história da educação, que só em anos recentes aparece definitivamente constituída como modelo-guia para a pesquisa histórica em educação e pedagogia. (CAMBI, 1999, p. 23)

Com essa nova orientação contribuíram saberes de outras ciências, e, como salientava Lucien Febvre, em Combates pela História, seus estudiosos precisam ser menos historiadores e mais sociólo-gos, juristas, geógrafos, antropólogos e não podem encarar a história como uma necrópole adormeci-da “onde só passam sombras despojadas de substância”. É preciso penetrar na história animado pela vontade de lutar e combater, “avivando as luzes e restabelecendo o barulho”. E convém lembrar: “o historiador não é um juiz, nem sequer um juiz de instrução. E a história não é julgar, mas compreen-der – é querer compreender” (FEBVRE, s.d., p. 167).

Assim, a metodologia histórica sofre, por sua vez, uma transformação radical: articula-se segundo muitos âmbitos de pesquisa, acolhe uma multiplicidade de fontes, organiza-se em setores especializados, e cada vez mais espe-cializados, de modo a dar vida a subsetores de pesquisa doravante reconhecidos e reconhecíveis pela autonomia de objetos e métodos que os marca, assim como pela tradição de pesquisa que os une”. A pesquisa histórica da educação passa a contemplar a história das teorias e das instituições escolares e formativas, a história da didática, da infância, das mulheres ou ainda do imaginário, fosse de adultos, jovens ou crianças. (CAMBI, 1999, p. 24)

Estão assim alterados: os métodos empregados (quando se perdeu a “certeza do método”); o tempo histórico e não mais o tempo do relógio (o qual conta pouco como, por exemplo, quando tem as mentalidades como tema de pesquisa, e cuja mudança só é apreendida na longa duração); os docu-mentos (não como monumento, mas efeito de interpretações) (LE GOFF, 1994).

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Modo novo de fazer a história dos eventos pedagógico-educativos, “toman-do a noção de educação seja como conjunto de práticas sociais seja como feixe de saberes”. Verdadeira revolução historiográfica que redesenha “o domínio históri-co da educação e todo o arsenal da sua pesquisa” (CAMBI, 1999, p. 24).

Para que tal revolução ocorresse, em muito contribuiu a escola dos Annales. Inspirada no marxismo,

enriqueceu e matizou sua lição ao introduzir o estudo de estruturas (ou infraestruturas) não só econômicas, como a mentalidade, tendo em vista uma história por inteiro, que leve em conta todos os fatores e aspectos de um momento ou de um evento histórico. Os Annales sublinharam, assim, o pluralismo da pesquisa histórica e o jogo complexo das muitas perspectivas que acabam por constituí-la, relacionando-a com as diversas ciências sociais”. (FEBVRE, S.d.)

Mas o próprio marxismo, os aportes da psico-história americana, o estru-turalismo, entre outros, não podem ficar de fora quando se aborda essa revolução historiográfica (CAMBI, 1999, p. 24-26).

E como teria começado a história da educação no Brasil?

Warde também localiza no terreno da educação os começos dessa história. Nossos renovadores da educação a partir da década de 1930 buscaram estabelecer as “singularidades teóricas e práticas da educação brasileira” e para tal lança-ram mão das matrizes científicas que a amparavam. Nesse contexto, a história da educação foi inserida como ciência auxiliar, abordada como enfoque. As matri-zes conferidoras do estatuto de ciência foram buscadas na Biologia, Psicologia e Socio logia. A História da Educação foi incorporada como matéria formadora de natureza disciplinar, mas com o intuito de despertar valores humanos na prática educacional. Assim a “História da Educação foi conformada para ser útil, para oferecer justificativas para o presente e não para interpretar ou reinterpretar os processos históricos específicos da educação brasileira” (WARDE, 1990).

O fato de a trajetória da História da Educação estar relacionada à Pedagogia e ao ensino dificultou sua constituição como uma área de pesquisa propriamente dita. É muito recente o movimento no Brasil, concretizado na fundação de associações, grupos de trabalho, periódicos especializados, que insistiu na necessidade de realização de pesquisas em ar-quivos e no tratamento historiográfico das fontes. (LOPES; GALVÃO, 2001)

Ademais, eram os próprios educadores os responsáveis pelo desenvolvimen-to das pesquisas históricas, tarefa para a qual não tinham a formação necessária, nem suficiente.

É claro que todo esse movimento no campo da História da Educação trouxe também dilemas ao professor. Como ensinar aos alunos a História da Educação dos gregos aos nossos dias, da Europa e da América, aos estudos e pesquisas hoje desenvolvidos no Brasil?

Realizar qualquer tentativa de abarcar tamanha complexidade por meio de um único livro, ou manual, se revestiria de uma tentativa fracassada. Fadado ao insucesso, nosso libelo também poderia ser taxado de herético!

Heresias à parte, esse guia, em 18 lições, pretende apontar pistas, caminhos a trilhar para o entendimento dessa importante área que é a História da Educação,

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indicando bibliografia e filmes. Logo, tenha-o como referência e leia a bibliografia recomendada.

Este livro está elaborado a partir dos sujeitos da educação: quem tinha aces-so às escolas em diferentes períodos históricos e como as instituições educativas organizavam o ensino. Na educação grega e romana, “carreguei nas tintas” do contexto histórico, pois aí estão fincadas as matrizes da pedagogia ocidental. A escola é uma invenção da educação grega. O humanismo renascentista também teve seu período e cenário mais detalhados, afinal marca a volta do homem para o palco da história. O teocentrismo (Deus como centro) é substituído pelo antropo-centrismo (homem adquire centralidade) na visão e explicação do universo e das relações entre homem-Deus-natureza-sociedade. Claro que são transformações que não se dão por etapas ou linearmente. Há idas e vindas: há rupturas, mas também permanências. Lembre-se disso.

Bom estudo!

UMA CIDADE sem passado. Direção de: Michel Verhoeven. Alemanha: Globo Vídeo, 1990.

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A Educação na Antiguidade Clássica

Grécia

A civilização grega é o resultado de um amplo processo de relações socio-culturais estabelecidas principalmente a partir de 2000 a.C.

Sobre um território estéril, de topografia montanhosa, levas sucessi-vas de povos indo-europeus foram estabelecendo-se. Agrupando-se em pequenas comunidades primitivas, esses povos (aqueus, jônios, eólios, dórios) ao longo do tempo, premidos pela necessidade de novas áreas cultiváveis para a produção de alimentos e impulsionados por movimentos de conquistas de novos territórios, espalharam-se ao longo do Mediterrâneo.

A Grécia antiga – chamada Hélade – ocupando o sul da Península dos Bal-cãs, as ilhas do Mar Egeu e Jônio e o litoral da Ásia Menor, constituiu um mosaico de pequenas comunidades independentes.

Os grupos humanos dividiram-se em extensas famílias – os genos – cujos membros, mais do que formarem uma associação natural, devido aos laços con-sanguíneos, constituíam uma associação religiosa.

Os gregos, no entanto, não foram um povo unitário étnica e culturalmente. A formação de reinos isolados e independentes, favorecida pela própria formação geográfica, não impediu a elaboração de uma profunda unidade espiritual que deu vida a uma civilização comum. “Embora geograficamente dispersa, a Gré-cia antiga mantém uma vida cultural relativamente homogênea, que se manifesta numa língua comum, em formas de organização política semelhantes e em mes-mas crenças religiosas” (VALVERDE, 1987, p. 16).

Ao conformar os agrupamentos humanos em formações sociais cujas men-talidades estavam impregnadas de crenças em divindades, a criação de mitos, deuses e heróis daria sustentação à constituição de uma estrutura hierárquica, que por longo espaço de tempo dominou o modo de vida da sociedade grega.

A Educação do guerreiro não é a do povoAs obras homéricas, como muitas lendas e mitos gregos, trazem à tona im-

portantes aspectos de uma Grécia arcaica, dividida em reinos independentes, social-mente estratificados que exercitavam práticas religiosas, comerciais e culturais sob o poder monopolizado pela aristocracia, abrigada sob o manto dos reis-guerreiros. São essas obras que dão esteio à educação heroica esboçada tanto na Ilíada quanto na Odisseia, voltadas aos adolescentes aristocráticos, abrangendo “tanto o aspecto físico-esportivo quanto o cortês-oratório-musical” (CAMBI, 1999, p. 77)1.

1A Ilíada, de Homero, narra eventos finais da

guerra de Troia nos quais se envolve o guerreiro Aqui-les e, a Odisseia, descreve o retorno do herói Ulisses que vaga após a derrota de Troia por dez anos pelos mares até chegar a Ítaca, sua terra.

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Esses poemas dão testemunhos da existência de um intenso vigor cultural. São, portanto, produtos de “séculos de poesia oral, composta, recitada e transmi-tida por bardos de profissão”, sem o auxílio da escrita (FINLEY apud CAMBI, 1999, p. 76), o que evidencia uma profunda unidade espiritual do povo grego2.

Delineando nestes escritos um ocaso dos costumes mais antigos, aponta para a “afirmação de uma sociedade menos brutal e mais racional, que se organiza em torno dos valores de força e da persuasão, da excelência física e espiritual, das armas e da palavra”, elaborando um novo modo de viver e de pensar (CAMBI, 1999, p. 76). Assim, os poemas homéricos servirão – por séculos – de textos de formação das classes dominantes.

Já em Os trabalhos e os dias, do poeta Hesíodo, outro destacado poeta do século VIII a.C., encontramos importantes aspectos da educação voltados ao povo. Descrevendo as difíceis condições de vida dos pequenos agricultores à mercê dos grandes proprietários rurais e dos usurários, defende em seu poema a “necessi-dade do trabalho como condição humana”, apontando para o papel crucial das práticas de iniciação “para o crescimento e inserção social das jovens gerações na sociedade adulta, sancionando uma futura maturidade do indivíduo”, como assinala Cambi (1999, p. 77).

Em Teogonia, Hesíodo explica a criação do mundo, “ordena os vários mi-tos contraditórios entre si, explicando os fenômenos da natureza e da história”. Mostra que os deuses amam, traem e lutam entre si e que após a vitória de Zeus instalam-se no Olimpo liberando o homem de suas maquinações. A justiça de Zeus premia ou castiga os homens, em conformidade com seus atos e responsabi-lidades – o homem já é livre para pensar por sua conta.

A formação do cidadãoA estrutura política consolidada na Grécia antiga a partir das invasões dos

dórios no século XI a.C., ou seja, reinos independentes e territoriais, passa por gradativas, mas profundas, mudanças. A intensificação das trocas comerciais com o desenvolvimento de uma economia monetária, a expansão dos contatos com o exterior favorecendo o aparecimento de novas ideias e técnicas, a conformação de novas classes sociais, apontavam para a desagregação irreversível das formações humanas fundadas com base na organização gentílica da sociedade.

A unidade política estabelecida em torno da figura do rei sofre profundos aba-los diante do acirramento dos conflitos entre os diversos grupos sociais, entre as pró-prias famílias aristocráticas, e entre essas e as camadas mais pobres da população.

As transformações econômicas, sociais, políticas e culturais decorrentes dessa permanente tensão culminaram no desaparecimento da realeza e ascensão ao poder político por parte de uma aristocracia de ricos proprietários de terra, dando origem a uma nova forma de organização política e social – a pólis.

Surgida em meados do século VIII a.C., no final da época homérica, a cidade-Estado (pólis) busca responder aos desafios colocados pela evolução dos

2Se Homero retrata acon-tecimentos que teriam

ocorrido por volta de 1260 e 1250 a.C., período anterior ao por ele vivido, sua difusão se dá em Atenas por volta do século V a.C., após a sua morte.

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acontecimentos históricos. Consolidando-se com uma “forte unidade espiritual (religiosa e mitopoética) que organiza um território, é sobretudo aberta ao ex-terior (comércio, emigração, colonização)” (CAMBI, 1999). As cidades-Estados gregas eram independentes entre si. Governadas por regimes ora monárquicos, ora oligárquicos, ora tirânicos, ora democráticos. Com frequência, envolviam-se em acirradas disputas, somente estabelecendo frágeis alianças quando enfrenta-vam um inimigo em comum.

Sua intensa vida comunitária influiu de maneira decisiva no desenvolvi-mento do pensamento humano, resultando numa verdadeira revolução da menta-lidade e da política, cujas principais características, segundo o historiador francês Jean-Pierre Vernant (apud VALVERDE, 1987), são:

o caráter público de todas as decisões políticas, com a elaboração de leis escritas, para que todos pudessem conhecê-las;

a ampliação do culto, perdendo a religião o caráter de saber secreto, transformando-se numa religião de Estado, acessível a todos;

a supremacia do logos (significando palavra ou razão), retirando da condição social e econômica o poder decisório sobre assuntos da pólis, transferindo-o para a força das palavras e capacidade de argumentação dos oradores.

Esse formato de organização social e política desembocou na construção da democracia, possibilitando a todos os cidadãos – isto é, menos às mulheres, crianças, estrangeiros e escravos aos quais a cidadania era negada –, reunidos em assembleias, deliberarem sobre questões de âmbito público, além de, ao estruturar um saber que buscava explicar os diversos fenômenos sem o concurso das forças místicas e divinas, fazer surgir a Filosofia.

As práticas e os modelos educativosNesse cenário, por volta do século VI a.C., começam a tomar forma as

primeiras ideias sobre as quais se assentaria o pensamento ocidental.

A família é o primeiro espaço de socialização do indivíduo, na qual adquire regras de comportamento, assimila sistemas de valores e concepções do mundo. Nela as mulheres exercem um papel secundário e submisso ao homem. Sua vida se desenvolve no interior do òikos (casa), onde fia e tece, organizando a vida da casa entre nascimentos, casamentos e mortes, porém sob a chancela e olhares atentos do homem. Suas funções públicas se resumem a participações em fune-rais para lamento e choro dos mortos, para a partida e retorno do guerreiro, como portadora do kanòun (cesto sacrificial) nos sacrifícios e nas festividades dançando ou integrando o coro (CAMBI, 1999).

A infância é pouco valorizada em toda a cultura grega, vista como uma “idade de passagem, ameaçada por doenças, incerta nos seus futuros”, como sa-lienta Ariès. A criança controlada pelo “medo do pai”, que pode reconhecê-la ou abandoná-la, é alvo de poucos investimentos afetivos (CAMBI, 1999).

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Quanto aos cidadãos, sua consciência é, sobretudo, influenciada pelas leis que fixam ações e proibições e pelos ritos e mitos que, ao estipularem padrões comportamentais e oferecerem uma interpretação para a complexidade do mun-do, exercem um importante papel regulatório.

Entre os gregos, o teatro e os jogos agonísticos – ginásticos – masculino e feminino ocupam destacado lugar na educação comunitária. Os principais autores tea trais (Ésquilo, Sófocles, Eurípedes) por intermédio de dois gêneros dramáticos, a tragédia e a comédia, elegem o teatro como lugar de representações das contradições que permeiam o corpo social, fustigam e ridicularizam comportamentos, fomentando a reflexão e auxiliando a comunidade a educar-se a si mesma. Os jogos agonísticos, através dos desafios e disputas, buscam alcançar, pelo uso da inteligência, da comu-nicação e da imaginação, a excelência formativa, aspirando atingir com o domínio do corpo uma harmoniosa e precisa atividade espiritual (CAMBI, 1999).

Esparta e Atenas ocupam papel de destaque entre as pólis gregas gerando modelos políticos, sociais e culturais distintos entre si, mas que se consolidaram como referência original no desenvolvimento de toda a cultura ocidental.

Nelas, dois ideais de educação vieram à luz: um, o de Esparta, desenvol-vendo-se numa perspectiva militarista de “formação de cidadãos guerreiros, ho-mogêneos à ideologia de uma sociedade fechada e compacta”, o outro, de Atenas, basea do na “concepção de paideia, de formação humana livre e nutrida de experi-ências diversas, valoriza o indivíduo e suas capacidades de construção do próprio mundo interior e social” (CAMBI, 1999, p. 82).

O Estado espartano constituído por volta do século IX a.C., após a inva-são do Peloponeso pelos dórios, compreendia cinco aldeias desprovidas de mu-ralhas rigidamente organizadas em comunidades gentílicas, localizadas no vale formado pelo Rio Eurotas. Ao fundar diversas colônias e em busca de novas áre-as de colonização, por volta do século VIII a.C. conquistou a vizinha Messênia, submetendo-a. Em meados do século VII a.C., os dórios adotaram uma política de isolamento restringindo o contato com outros Estados além de reforçarem a separação entre a minoria governante e os povos conquistados. “No final do sé-culo VI a.C., depois da conquista da Messênia, o Estado espartano completou sua organização, transformando-se em verdadeiro ‘acampamento militar” (AQUINO et al., 1985, p. 186).

“Na verdade, toda a sociedade e a educação espartanas estavam voltadas para a guerra”. Nesse sistema educativo, delineado pelo mítico Licurgo, as crian-ças do sexo masculino, a partir dos sete anos, eram retiradas da família e entregues ao Estado para que este cuidasse de sua educação. Inseridas em escolas-ginásios rece biam, até os 16 anos, uma formação do tipo militar que deveria favorecer a aquisição da força e da coragem.

Das letras aprendiam apenas o indispensável; toda a educação restante dizia respeito a bem obedecer a ordens, resistir a fadigas e vencer em combate. Por isso, ao chegar a idade, a exercitação era mais extensa; seus cabelos eram cortados rente e habituavam-se a mar-char descalços e a brincar quase sempre nus. Aos doze anos passavam a viver sem túnica, recebiam um manto por ano, andavam sujos, desconhecendo o banho e os unguentos [...] (PLUTARCO apud AQUINO, p. 187)

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As mulheres, a quem era delegada a responsabilidade de gerar filhos sadios, também deveriam, através da ginástica, robustecer o próprio corpo.

Além da educação dos jovens o Estado espartano impunha rígida vigilância sobre a vida familiar dos cidadãos, preocupando-se com o casamento, e por meio da Lei Atímica impunha penas para os celibatários.

Já o modelo ateniense de educação seguia outras premissas. A ocupação da Ática pelos jônios, a partir do século X a.C., culminou na cria ção de Atenas. Pe-netrando pacificamente na região, miscigenaram-se com os antigos habitantes e se estabeleceram em aldeias fortificadas, vivendo sob o regime de comunidade gen-tílica. Segundo o historiador Tucídides, imputa-se ao rei Teseu a responsabilidade pela fusão dos povoados da Ática e formação do Estado ateniense. Em Plutarco (Vidas paralelas), havia em Atenas três classes sociais distintas entre a população livre: os eupátridas (a aristocracia agrária); os geomores (pequenos proprietários rurais) e os demiurgos (artesãos), que viviam de seu próprio trabalho. As duas últimas classes constituíam o povo. Um grande número de estrangeiros (metecos), atraídos pelo desenvolvimento das trocas comerciais, também se fixou em Atenas. Esses comerciantes, pessoalmente livres, não possuíam direitos civis ou políticos (AQUINO et al., 1985).

Com o crescimento do comércio e diversificação da produção artesanal, as novas camadas sociais – comerciantes, assalariados (urbanos e rurais) – além dos camponeses e artesãos, assumiram uma importância econômica cada vez maior, sem a correspondente participação no poder político.

Diante desse quadro, a acirrada luta de classes elevou-se de patamar quan-do, no século VII a.C., o movimento de colonização grega atingiu o apogeu e teve início a cunhagem de moeda.

Ameaçados de perder o monopólio político, a classe dominante – repre-sentada pela aristocracia agrária – viu-se obrigada a implementar uma série de reformas exigidas pela massa urbana. Assim é que em 621 a.C. foram publicadas as primeiras leis escritas, obrigatórias para todos, redigidas pelo Arconte Drácon (AQUINO et al., 1985).

Mesmo com os avanços obtidos, a situação das classes subalternas não mu-dou substancialmente, dando prosseguimento às tensões sociais.

Fortalecidos economicamente com a colonização, os ricos comerciantes conseguiram, em 594 a.C., com a eleição de Sólon, realizar importantes reformas socioeconômicas e políticas, exaurindo a organização gentílica de sociedade. Do-ravante uma sucessão de novos regimes políticos foram sucedendo-se (Plutocra-cia, Tirania, Democracia Escravista), espelhando um maior nível de organização e participação política.

Assim, ao findar-se a Época Arcaica e iniciar-se o século V a.C.– período da maior pros-peridade de Atenas, em particular, e da Grécia, em geral –, vamos encontrar uma grande parte das cidades-Estados gregas vivendo sob o regime da Democracia Escravista. (AQUINO et al., 1985, p. 196)

Nos séculos V e IV a.C., “a cultura grega caracterizada agora pelo papel he-gemônico de Atenas entra numa fase de crise e de transformação em paralelo com

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A Educação na Antiguidade Clássica

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a profunda mudança da sociedade em seu conjunto”. A pólis, como organismo educativo, entra em crise; a ela se contrapõe o indivíduo, o sujeito, que vive uma profunda desorientação e é levado a buscar uma nova identidade.

Delineia-se uma cultura mais crítica em relação ao saber religioso e mitopoético e mais técnico-científica, que exalta a dimensão livre e o livre exercício da razão próprio de cada indivíduo e disposto a submeter à analise qualquer crença, qualquer ideal, qualquer prin-cípio de tradição. (CAMBI, 1999, p. 85)

A escrita difundiu-se por todo o povo; os cidadãos livres passaram a se de-dicar à oratória, à filosofia, à literatura, desprezando o trabalho manual e comer-cial. As mulheres também passaram a participar da vida cultural.

Afirmou-se um ideal de formação mais culto e civil, ligado à eloquência e à beleza [...] ca-paz de atingir os aspectos mais próprios e profundos da humanidade [...], que em particu-lar a filosofia e as letras conseguiam nele fazer emergir e amadurecer. Assim, a educação assumia em Atenas um papel-chave e complexo, tornava-se matéria de debate, tendia a se universalizar, superando os limites da pólis. (CAMBI, 1999, p. 84)

A ideia harmoniosa de formação que inspirava o processo educativo pre-via que os jovens atenienses, numa primeira fase, frequentassem “a escola e a palestra, onde eram ensinados através da escrita, da música e da educação física, sob a direção de três instrutores: o grammatistes (mestre), o kitharistes (profes-sor de música), o paidotribes (professor de gramática). O rapaz (pais) era depois acompanhado por um escravo que o controlava e o guiava; o paidagogos”. Havia também uma grande preocupação com o cuidado com o corpo, para torná-lo belo e sadio. Aos 18 anos o jovem era efebo (auge da adolescência) e se inscrevia numa circunscrição (demo), após a realização de uma cerimônia, na vida de cidadão e prestando, depois, dois anos de serviço militar (CAMBI, 1999, p. 84).

Na consolidação da democracia de Atenas, a afirmação de uma educação voltada à formação de cidadãos aptos à vida pública revela-se como preocupação central. O emprego da palavra como instrumento de ação política ressalta a neces-sidade de bons oradores, que saibam argumentar em público; os quais os sofistas se encarregariam de formar.

Mestres em retórica, iam de cidade em cidade, fazendo conferência sobre diversos assuntos, sendo pagos para isso. Dedicando-se aos grupos sociais emer-gentes, criticavam a moral tradicional – para Trasímaco, “a Justiça é simplesmen-te o interesse do mais forte” – , tendo alguns de seus seguidores desenvolvido teo rias a respeito da legitimidade ou não da existência do Estado. Os princípios democráticos por eles defendidos entrechocavam-se com as ideias reacionárias da aristocracia territorial.

Os sofistas (literalmente, sábios) estudando as relações entre a Natureza e a sociedade, deram um grande impulso à ciência e à Filosofia.

Nem vilões, nem heróis, homens de seu tempo, o que os sofistas fazem é tentar acumular conhecimentos e técnicas sobre as mais variadas atividades humanas, que se diversificam cada vez mais, mesmo que isso signifique ser superficial. (VALVERDE, 1987, p. 46)

Os sofistas, portanto, indicam uma dupla virada na cultura grega: uma atenção quase exclusiva para o homem e seus problemas, como também para suas técnicas, a partir do discurso; além da cultura tradicional, naturalista e religiosa, cosmológica, que é submeti-da a uma dura crítica. (CAMBI, 1999, p. 85)

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A Educação na Antiguidade Clássica

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E “a transmissão dessa cultura” torna-se “a tarefa fundamental da atividade educativa” (VEGETTI apud CAMBI, 1999, p. 86).

No entanto, Platão, Aristófanes dedicaram-lhes ferozes críticas, “tanto que os sofistas nem são tidos como filósofos, e atualmente ‘sofista’ virou sinônimo de ‘demagogo’, e ‘sofisma’ de falso argumento”3 (VALVERDE, 1987, p. 46).

Sobre o universalismo da cultura grega e sua influência, poderíamos con-cluir com Isócrates:

De tal modo a nossa cidade se distanciou dos outros homens, no que toca ao pensamento e à palavra, que os seus alunos se tornaram mestres dos outros, e o nome de Gregos já não parece ser usado para designar uma raça, mas uma mentalidade, e chamam-se Helenos mais os que participam da nossa cultura do que os que ascendem a uma origem. (AQUINO et al., 1985, p. 215)

Mas o esplendor da hegemonia ateniense teria um alto preço: o crescimento da rivalidade com Esparta vai culminar, em 431 a.C., com a Guerra do Peloponeso. O regime democrático que já se encontrava debilitado por intrigas, conspirações e corrupção, cede com a capitulação de Atenas, em 404 a.C., ao governo dos cha-mados Trinta Tiranos.

Com as rivalidades entre os Estados gregos, os divisionismos políticos in-ternos da Grécia possibilitaram, no século IV a.C., que o exército de Felipe II, rei da Macedônia, ao derrotar as forças aliadas de Tebas e Atenas, impusesse unidade à Grécia, submetendo-a ao seu domínio.

A Macedônia iniciou na época de Felipe II um movimento de expansão rumo à Ásia. A partir de 336 a.C., com o assassinato de Felipe II, seu filho Alexandre deu prosseguimento ao movimento expansionista derrotando os persas na Ásia Menor, em 334 a.C., conquistando as cidades gregas aí localizadas. Em 333 a.C., novamente vencem os persas, conquistando a Fenícia e a Palestina.

No Egito, Alexandre empreendeu a fundação da cidade de Alexandria, no delta do rio Nilo, que logo se projetaria como importante centro comercial, além de se tornar polo irradiador de cultura, com suas construções públicas, palácios, templos, museus e sua monumental biblioteca.

Estabelecendo sua capital na Babilônia, a Macedônia constituiu-se, a partir de Alexandre, em núcleo de um vasto Império, que somente seria superado em extensão pelo Império Romano, séculos mais tarde.

Alexandre desenvolveu uma hábil política de relacionamento com os persas conquistados, antes submetidos aos persas, apresentado-se como seu libertador. As instituições políticas e religiosas foram respeitadas, sendo inclusive os jovens persas, educados no idioma, nos costumes e nas técnicas militares dos gregos e incorporados ao exército grego-macedônico.

A cultura grega foi amplamente difundida, tendo como centros as cidades fundadas ou conquistadas no decorrer das campanhas militares (Alexandria, Pér-gamo). A fusão de elementos culturais gregos e orientais deu origem a uma nova cultura, que caracterizaria, daí em diante, as regiões do Império de Alexandre – a cultura helenística”. (AQUINO et al., 1985, p. 260).

3Na história do pensa-mento, raros pensadores

devem ter sido tão odiados como os sofistas.

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A Educação na Antiguidade Clássica

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Apesar da presença desses elementos, a cultura helenística foi profunda-mente original e marcante; muito mais do que uma simples transposição da tradi-ção grega para um cenário mais amplo.

Assim como outros povos se adaptaram aos valores helênicos, passando a adotar a língua, a arte e o pensamento gregos, a própria cultura grega sofreu modificações. Isso implicou uma grande virada na compreensão que os gregos tinham de si mesmos. Na medida em que a pólis sucumbiu ao Império, a condição de cidadão referida basicamente ao homem grego perdeu seu fundamento; agora todos – gregos e bárbaros– igualam-se na condição de súditos.

Do mesmo modo, a cultura helenística não é mais grega ou “bárbara”: prevalecem os valo-res gregos, mas já mesclados com as mais diversas tradições e culturas à sua volta – é uma cultura cosmopolita [...], não mais de uma pólis, mas da cosmópolis, a cidade universal. (AQUINO et al., 1985, p. 102)

Todos os campos das humanidades sofreram influências. A religião polite-ísta tolerante em relação aos demais cultos viu novas práticas mágico-religiosas serem introduzidas, produto da mistura dos cultos gregos com os orientais. O Teatro – com a Nova Comédia –, as Artes Plásticas, a Arquitetura e a Escultura deixaram registros significativos.

Porém, as maiores realizações intelectuais ocorreram no campo das Ciências: a Filosofia, a Astronomia, a Matemática, a Geografia, a Botânica e a Zoologia obtiveram significativos avanços.

O Império macedônico, todavia, não resistiu à morte de Alexandre, em 323 a.C., mas suas notáveis realizações foram duradouras e desempenharam impor-tante papel no progresso das sociedades posteriores.

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Roma

Entrando pela história

E ntre os séculos IX e VIII a.C., a Itália primitiva encontrava-se dividida em vários territórios ocupados por povos de origens diversas. Latinos, sabinos, équos, entre outros, que possuíam diferentes níveis de vida material e cultural.

Os etruscos, de origem controvertida, fixados na fértil planície da Etrúria provavelmente desde o século IX a.C., iniciaram em VIII a.C. um movimento de expansão ao sul, resultando no domínio sobre Roma.

Desde o século VIII a.C., havia povoações latinas espalhadas nas colinas da margem esquerda do rio Tibre, as maiores situadas no Palatino e no Esquilino. Roma se constituiu da junção dessas povoações em uma única comunidade. Embora resultante de um longo processo de expansão e fusão dessas cidades, alguns historiadores, confirmando a tradição, aceitam o ano de 753 a.C. como o da fundação de Roma.

A tradição romana que nos chega através da obra de Tito Lívio – historiador romano do século I a.C. – narra a fun-dação como tendo sido realizada por um par de gêmeos, Rômulo e Remo. Pela descrição de Tito Lívio, verifica-se que a fundação da cidade obedeceu a ritos etruscos: tomada dos auspícios (meio de conhecer a vontade dos deu-ses), traçado dos limites sagrados da cidade, com arado, por exemplo. Por essas e outras razões os historiadores afirmam ter sido a fundação de Roma obra dos etruscos. (AQUINO et al., 1985, p. 227)

O “caráter agrário de toda a civilização arcaica de Roma” era marcado, até então, por uma forte cultura “tradicionalista, pelo intercâmbio de mercadorias agrícolas, pela constituição de latifúndios, por um estilo de vida frugal e por uma religiosidade ligada à terra, às estações do ano, à produção agrícola” (CAMBI, 1999, p. 104).

Educando à romanaEm seu arcaico modelo cultural, o centro da vida social era ocupado pela família. Nesta, os

elementos constituintes, denominados patrícios, submetiam-se à autoridade absoluta do pai (pater familias), o qual possuía plenos poderes, inclusive “de vida e de morte” sobre os filhos, podendo reconhecê-los ou rejeitá-los, governá-los, inclusive na plena maturidade e ao qual se devia, ao mesmo tempo, uma atitude de reverência e temor (CAMBI, 1999, p. 104).

Nesse modelo, a tradição – “o espírito, os costumes, a disciplina dos pais” – ocupava papel cen-tral. As relações sociais típicas de uma sociedade agrícola atrasada enfatizavam as virtudes públicas e privadas: “a frugalidade, o sacrifício, a dedicação à coisa pública, o desinteresse, o heroísmo”, como “exemplares ao jovem romano e ao cidadão em geral” (CAMBI, 1999, p. 104), situando-se entre os objetivos primários da educação arcaica romana.

Na Roma etrusca, no entanto, apenas os patrícios (cujo nome deriva de pater), detentores do poder econômico e militar, eram contemplados na sua plenitude; os plebeus, embora homens livres e que compunham a maioria da população, não participavam das decisões políticas, assim como os

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Roma

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clientes (geralmente estrangeiros sob proteção jurídica de uma família patrícia). O escravo considerado como coisa, era objeto de propriedade de um patrício.

A organização social, no entanto, já no período da realeza (753-509 a.C.) pas-sava por um profundo processo de mudanças. A antiga forma gentílica de associa-ção foi desintegrando-se em famílias restritas, acompanhando o desenvolvimento da economia, a evolução política e a expansão territorial.

As transformações operadas nos modelos éticos-civis passaram a incorpo-rar as demandas das camadas subalternas, em constante ebulição.

Esse é o caso das primeiras leis escritas, em 450 a.C., conhecidas como Lei das Doze Tábuas. Antes do período republicano, os antigos códigos de conduta pautavam-se nos costumes baseados nos preceitos religiosos, cujo monopólio do conhecimento e interpretação estava nas mãos dos patrícios. As primeiras leis escritas, gravadas sobre doze tábuas de bronze e fixadas no fórum para conhe-cimento de toda a população, passaram a abranger “o direito civil, o privado, o penal e aspectos do direito público, e que de modo geral equiparava juridicamente os plebeus aos patrícios” (AQUINO et al., 1985, p. 139).

Segundo Cícero, “o texto-base de educação romana foi por muito e muito tem-po o das Doze Tábuas” que “fixavam a dignidade, a coragem, a firmeza como valo-res máximos, ao lado, porém, da pietas e da parcimônia” (CAMBI, 1999, p. 105).

A educação romana, sobretudo na época arcaica, era investida de umcaráter prático, familiar e civil, destinada a formar em particular o civis romanus, superior aos outros povos [...], formado antes de tudo em família pelo papel central do pai, mas também da mãe, por sua vez menos submissa e menos marginal na vida da família em comparação à Grécia. (CAMBI, 1999, p. 106)

A mãe romana foi educatrix de seus filhos no sentido mais amplo da palavra, que abarca campos semânticos indicando tomar conta de alguém nas suas exigências tanto mate-riais como espirituais: da nutrição à criação, da instrução, ao sustento; em suma, de seu crescimento físico e moral. (FRASCA apud CAMBI, 1999, p. 106)

Diferente, entretanto, é o papel do pai, cuja autoridade destinada a formar o futuro cidadão, é colocada no centro da vida familiar e por ele exercida com dureza, abarcando cada aspecto da vida do filho (desde a moral até os estudos, as letras, a vida social), usando inclusive o porrete. A educação para as mulheres era direcionada no intuito de preparar-lhes para exercerem seu papel de esposas e mães,

mesmo se depois, gradativamente, a mulher tenha conquistado maior autonomia na so-ciedade romana. O ideal romano de mulher, fiel e operosa, atribui a ela, porém, um papel familiar e educativo que não tem nada de marginal.

Marginais, pelo contrário, são as crianças, totalmente fechadas no âmbito da vida fami-liar, sujeitas a doenças e à morte precoce, às vezes mimadas e cuidadas, em geral, porém, brutalizadas e violentadas, submetidas ao duplo regime do “medo do pai” e da orientação ética da mãe, além da vigilância dos pedagogos e do autoritarismo dos mestres. (...) as crianças romanas, através de sua educação familiar, entram em contato com os valores e os princípios da vida civil, incorporando-os como valores comuns e modelos de compor-tamentos. (CAMBI, 1999, p. 106)

A introdução dos filhos nos meandros da vida civil se dava pelo acompa-nhamento dos pais nos tribunais e até nas sessões do Senado; ao completarem 16

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ou 17 anos, “o jovem abandonava a toga pretexta para adotar a toga viril. Então entrava no exército e na vida pública” (AQUINO et al., 1985, p. 60), não sem an-tes ter passado um ano, geralmente acompanhado de um político experiente, na aprendizagem da vida pública.

A educação romana primitiva caracterizava-se por um “espírito de sobrie-dade e austeridade, operosidade e disciplina” em cujo conteúdo tinha um duplo aspecto: “de um lado, a educação física, com caráter pré-militar mais que espor-tivo e, de outro, a educação jurídico-moral, baseada na Lei das Doze Tábuas” (AQUINO et al., 1985).

Sempre ameaçada por povos vizinhos, a partir do século IV a.C., a política romana tornou-se mais agressiva, levando Roma às guerras de conquista. A ex-pansão romana pelo Mediterrâneo até alcançar seu domínio completo, culminou num vasto Império que no seu auge, nos séculos I e II d.C., abrangeria a quase totalidade da Europa ocidental, o norte da África e a Ásia Menor.

Dessas conquistas, no entanto, decorreriam importantes mudanças na po-lítica interna de Roma. O controle de todo o Império impunha uma melhor pre-paração dos quadros burocráticos, ao lado de uma maior centralização do poder, necessária também para conter as contínuas conspirações e agitações aguçadas em decorrência da acentuada divisão entre a minoria economicamente poderosa e a massa proletária cada vez mais empobrecida, porém politicamente mais forte.

Como consequência da riqueza excessiva de alguns e da pobreza e miséria de muitos, ins-talaram-se o luxo e o desregramento dos costumes nas famílias aristocráticas e nas dos Ca-valeiros, enquanto que a massa da população, aglomerada em grandes habitações coletivas, convivia com a promiscuidade, as doenças e a ignorância. (AQUINO et al., 1985, p. 237)

As transformações socioeconômicas operadas produziram mudanças nos costumes da população, notadamente nas cidades. “As antigas formas de vida foram dando lugar a novos hábitos e à dissolução dos antigos costumes”, a despei-to de inúmeras manifestações, como a do Censor Catão, opondo-se “à crescente influência da cultura grega na sociedade romana” (AQUINO et al., 1985).

A educação grega revisitadaA influência da cultura helênica foi marcante nesse período, principalmente

a partir do século II a.C., quando Roma anexou a Grécia e a Macedônia. “O co-nhecimento do idioma grego tornou-se necessário ao comércio e também símbolo de prestígio social: as famílias aristocráticas encarregavam preceptores gregos (geralmente escravos) da educação de seus filhos” (AQUINO et al., 1985).

Reflexo dessa influência é o desenvolvimento ou fundação de escolas, ain-da que em caráter particular. As raras existentes eram muito elementares; sendo que a assimilação do universo cultural helênico estimulou a sua proliferação. A princípio havia duas classes de escolas: uma que ensinava em grego, outra em que predominava o latim. Em ambas estruturou-se três graus que mais tarde se torna-riam clássicos no ensino: elementar, médio e superior.

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Roma

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Frequentadas por meninos e meninas, logo mista a partir dos sete anos, a es-cola primária “tinha um programa muito elementar, consistente em leitura, escrita e cálculo, com algumas canções, disciplina muito rigorosa e frequentes castigos físicos” (LUZURIAGA, 2001, p. 61).

Na escola secundária foi onde mais se fez sentir a influência da cultura gre-ga. Estudava-se gramática latina e grega, com base nos clássicos e nos poemas de Homero; igualmente estudava-se retórica, oratória e matemática. A música e a ginástica recebiam pouca atenção, ao contrário dos estudos jurídico-políticos. Os alunos começavam a frequentá-la com 12 anos, permanecendo até os 16. Nessa fase, meninos e meninas se separam. Elas, se pertencerem a uma família abasta-da, passam a aprender com preceptores, eles continuam na escola. Vale lembrar que uma menina aos 14 anos já era considerada adulta (VEYNE, 1991).

Como salienta Veyne, os meninos não estudavam para se tornar bons cida-dãos, nem para adquirir algum ofício. “Em Roma não se ensinava matérias for-madoras nem utilitárias, e sim prestigiosas e, acima de tudo, a retórica” (VEYNE, 1991, p. 33).

No terceiro grau escolar, uma espécie de escola de direito destinada à minoria governante, ao lado do estudo jurídico-político cultivava-se a retórica, especial mente a oratória inspirada na filosofia grega.

A educação romana, na época imperial, difere da anterior mais pela or-ganização que pelo conteúdo, ao ultrapassar os limites da educação particular e alcançar a esfera da educação pública.

A criação de escolas municipais no século I a.C., demarca essa transfor-mação, com o Estado intervindo com subvenções e certa inspeção; mais tarde, arvora-se como legislador e diretor do processo.

A determinação em ampliar as oportunidades de acesso por meio de au-mento do número de escolas fez com que os imperadores estimulassem as munici-palidades a criarem escolas públicas, não só em Roma, mas em todo o Império.

À permanente necessidade do Império de funcionários com formação su-perior, adicionou-se a preocupação com a universalização da cultura romana, em particular da língua latina e do direito romano. A escola seria o principal veículo a suportar essas importantes funções, transformando-se em um instrumento es-sencial da romanização do mundo (GIARDINA, 1994).

Ainda que os teóricos da educação romana não alcançassem a proeminência atingida pelos educadores gregos, a contribuição de seus principais pensadores, entre eles: Catão (234-149 a.C.); Marco Terêncio Varrão (116-27 a.C.); Marco Tú-lio Cícero (106-43 a.C.); Marco Fábio Quintiliano (35-96 d.C.); Sêneca (4 a.C.-65); Plutarco (46-119 d.C), seria projetada na futura escola ocidental.

E é na Antiguidade Clássica, nas culturas grega e romana que estão fincadas as raízes da pedagogia ocidental.

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Sob as asas dos ensinamentos cristãos: a Educação na Idade Média

P ara o medievalista Jacques Le Goff, a longa Idade Médiaé o momento da criação da sociedade moderna, de uma civilização moribunda ou morta sob as formas campo-nesas tradicionais, no entanto, viva pelo que criou de essencial nas nossas estruturas sociais e mentais. Criou a cidade, a nação, o Estado, a universidade, o moinho, a máquina, a hora e o relógio, o livro e o garfo, o vestuário, a pessoa, a consciência e finalmente a revolução. (LE GOFF, 1993, p. 12)

Tempo de grande impulso criador, cortado por crises, graduado por deslocações no espaço e no tempo, escreve o historiador.

E ele tem o cuidado de salientar: não se trata de contrapor a modernidade como se fosse uma lenda dourada à lenda negra medieval. E sim considerar a longa Idade Média em todos os aspectos que compõem esse sistema, que funciona desde o Baixo Império Romano até a Revolução Industrial dos séculos XVIII e XIX.

Aí deve ser buscada a nossa modernidade para entender as transformações que são o fundamento da história como ciência e experiência vivida. E esse domínio do passado, detido pelos historiadores, é tão indispensável aos contemporâneos quanto a física e a biologia quando dominam a matéria e a vida (LE GOFF, 1993).

A Educação, como outros aspectos da vida na sociedade medieval, foi marcada pelos princípios do cristianismo, porém um cristianismo que foi sendo reatualizado de diferentes formas ao correr da longa Idade Média. Contemplaremos neste texto a educação do povo, tendo como recorte o período que se estende do século V ao início dos anos mil e a partir daí abordaremos a criação da universidade e a formação nas corporações de ofício.

Como se educava o povo?“Como já ocorria no mundo antigo e como havia sido teorizado por Platão em A República, a edu-

cação do povo se cumpria, essencialmente, pelo trabalho”, afirma Cambi (1999, p. 166). A criança já co-meçava aprender na oficina: sob a direção do mestre, copiando e reproduzindo seu saber, submetendo-se à sua autoridade. “A Educação que se realizava no local de trabalho era uma Educação da reprodução, das capacidades técnicas, das classes e das relações sociais, sem valorizar realmente a inovação”.

Além do tempo do trabalho, no tempo do lazer também se ensinava. Os sermões eram memo-ráveis e complementavam as leituras litúrgicas da missa. Enquanto o bispo falava do púlpito, a pa-lavra ouvida tinha a função de prover a “abertura da alma” para a grandiosidade, tanto arquitetônica e plástica como da inteligência e da palavra. Mais pastoral do que retórico, o discurso apoiava-se na sensibilidade e na memória da Bíblia, alimentando a inteligência, a conduta, a moral e a vida interior dos fiéis (LAUAND, 1998).

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Sob as asas dos ensinamentos cristãos: a Educação na Idade Média

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Poucas pessoas liam, logo a memória era tudo: sermões mais lembravam verda-des já sabidas do que transmitiam novos conhecimentos, seguindo a missão de educa-dora do povo, tomada pela Igreja desde o fim da Antiguidade. Imbuída como a grande escola de formação humana e moral, os pregadores, entre eles Agostinho, realizavam seus sermões atuando “sobre o ouvinte como os slogans da publicidade, com a dife-rença de que eram espontaneamente procurados pelo destinatário, não em busca do fútil consumo, mas da transcendência” (LAUAND, 1998, p. 13).

Havia ainda as festas religiosas que adentravam o imaginário popular atra-vés de símbolos e signos que ao mesmo tempo em que exaltavam figuras e com-portamentos, também geravam temores e expectativas (CAMBI, 1999).

Lembremos que por volta do ano 1000, portanto na primeira fase da Idade Mé-dia, houve quase que um total desaparecimento das escolas públicas na Antiguidade romana. Os mosteiros passaram a monopolizar a educação. Ensinando as Sete Artes Liberais divididas em Trivium (gramática, retórica e lógica) e Quadrivium (aritmé-tica, geometria, astronomia e música) somente propunham-se a preparar clérigos para o ingresso na carreira eclesiástica, privilégio de poucos naquele período.

A educação medieval desenvolve-se em comunhão com a Igreja e suas ins-tituições, à exceção do ensino direto dos ofícios; são elas as educadoras por ex-celência. “Da Igreja partem os modelos educativos e as práticas de formação, organizam-se as instituições e programam-se as intervenções, como também nela se discutem tanto as práticas como os modelos. Práticas e modelos para o povo, práticas e modelos para as classes altas [...]” (CAMBI, 1999, p. 146).

A própria escola tal qual a conhecemos hoje é um legado da Idade Média. A figura do professor que ensina a um determinado número de alunos, respondendo por sua atividade, seja disciplinar ou de avaliação, tem sua origem nas escolas- -catedrais e nas universidades (CAMBI, 1999). É também no período medieval que nossas modernas universidades fincam suas raízes.

A partir dos séculos XII e XIII, as universidades começam a tomar corpo tanto por meio de comunidades de alunos, como as de professores, ou ainda, por intervenção do poder público.

Dos colégios às universidadesA historiografia francesa e italiana não têm dúvidas no que tange aos co-

meços da universidade: os colégios teriam sido a semente inicial. Claro que não seriam quaisquer colégios e sim aqueles em funcionamento permanente junto às grandes catedrais: as denominadas escolas-catedrais.

Da passagem de escolas-catedrais à universidades, o tempo e as necessida-des se encarregariam.

Trabalhando como escolas ativas, haviam sido criadas para formar clérigos instruídos já que as escolas monásticas1 encontravam-se em declínio. As primei-ras funcionaram nas cidades de Orléans, Paris, Chartres, entre outras.

E o que se aprendia nestas escolas?

1As escolas monásticas foram criadas a partir

do século VI, escolhendo crianças e exigindo dos clé-rigos certos conhecimentos. Dotadas de biblio teca e ateliê de cópias de manuscritos. En-fatizavam o apren di zado da gramá tica (latim) que capaci-tava para o aprendizado das Escrituras, além do canto e do cálculo (VERGER, 2001).

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Artes liberais, compostas pelo ensino de gramática, retórica, geometria, ló-gica aritmética, música e astronomia, além de instruções acerca da Sagrada Escri-tura (CHARLE; VERGER, 1996).

Muitos dos clérigos formados tornavam-se professores, passando muitas vezes a atuar nessas escolas. Havia, por exemplo, egressos das escolas-catedrais ministrando aulas extramuros na cidade de Paris, às margens do Rio Sena. Em função do prestígio que ultimavam conquistar, logravam aglutinar alunos para suas aulas, proliferando escolas particulares que passavam a funcionar por meio da licentia docendi – autorização de ensino conferida pela Igreja católica, por ser dela o monopólio do ensino escolar. Houve mestres que se tornaram preceptores; outros se ligaram às autoridades de cidades e burgos (VERGER, 2001).

Vários professores de “bom nome”, agrupados em escolas particulares, firma-ram contratos com alunos fundando universidades que passaram a atuar autonoma-mente, sob o crivo da Igreja (CHARLE; VERGER, 1996; VERGER, 2001).

Em Paris, mestres de Artes Liberais passaram a se associar nas primeiras déca-das do século XIII, constituindo as faculdades de Teologia e Direito, exemplo seguido em Oxford e depois em Cambridge. Em Montpellier, mestres associados fundam tan-to a Faculdade de Medicina quanto de Direito (CHARLE; VERGER, 1996).

O mesmo ocorreu nas regiões mais distantes, a exemplo daquelas locali-zadas além dos Alpes, onde muitos professores passaram a ser contratados por comunidades de alunos agrupados de acordo com sua nacionalidade (ingleses, alemães etc) (CHARLE; VERGER, 1996).

A Faculdade de Direito localizada ao norte da Itália, na cidade de Bologna, e a de Medicina em Salerno, ao sul, foram criadas dessa forma.

Essas comunidades de alunos formaram universidades juramentadas, esta-belecendo seus estatutos, elegendo seus representantes, criando formas de auxílio mútuo e regulamentando o exercício autônomo (CHARLE; VERGER, 1996).

Claro que tal avanço só foi possível pelas migrações que se processavam e pelo franco progresso urbano daquele período favorecendo a vida associativa com novas oportunidades de emprego, moradia e circulação de moedas (VERGER, 2001).

Nos séculos XIV e XV, as universidades continuavam a expandir-se pas-sando a ser fundadas por soberanos de vários reinados. No século XIII haviam sido criadas as universidades da Península Ibérica (Portugal, Aragão e Castela) e no século XIV as alemãs. Nesse período dissemina-se a ideia de que uma univer-sidade deveria congregar quatro faculdades: Artes Liberais; Medicina; Direito e Teologia (CHARLE; VERGER, 1996).

Os sistemas pedagógicos eram então diferenciados, porém o método de es-tudo baseava-se na escolástica, a escola urbana ancorada na filosofia cristã. A es-colástica pretendia possibilitar ao homem o entendimento das verdades reveladas. Logo não se tratava de encontrar a verdade, pois ela já fora revelada por Deus. Cabia entendê-la, conciliando fé e razão (VERGER, 2001).

Com a onda de traduções das obras de Aristóteles, Avicena e Averroés ex-pandiam-se os textos estudados para além daqueles de Lógica.

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A universidade oferecia saberes que elaborados na Antiguidade co-briam o domínio da cultura erudita. As Artes Liberais constituíam as dis-ciplinas propedêuticas que logo seriam as bases de formação de qualquer faculdade. Dividiam-se em:

a) Trivium no qual se estudava a gramática, a retórica e a dialética, compon-do a arte da palavra e do signo;

b) Quadrivium formado pelos conhecimentos da aritmética, geometria, as-tronomia e música o qual tratava das artes, das coisas e dos números (CHARLE; VERGER, 1996).

Como se pensava determinado assunto?

1. Leis da linguagem: é o sentido da palavra que elabora o raciocínio.

2. Domínio dos instrumentos: constroem o pensamento.

3. Leis da demonstração: são possíveis pela dialética (recorre a argumen-tos contrários).

4. Leis da autoridade: conformados pelas fontes cristãs como a Bíblia e os próprios padres da Igreja.

5. Leis da razão: proporcionam a compreensão mais profunda de todas as coisas.

6. Leis do pensamento clássico: Platão e Aristóteles.

O método poderia ser aplicado de duas formas: lectio – leitura, comentário e análise do texto e disputato consistia no debate e em proposições (LE GOFF, 1995).

Por que ir à universidade?As universidades eram centros de formação profissional.

Muitos alunos procuravam-nas movidos pelo simples desejo de saber. Cerca de 5% da nobreza ali buscava conhecimento. Havia também a aspiração por uma carreira honorífica ou lucrativa, além da possibilidade de ascender socialmente. Filhos dos artesãos e comerciantes que haviam enriquecido buscavam esse reco-nhecimento social e intelectual. Ademais não se pode perder o caráter de corpo prestigiante, na acepção de Le Goff (1993), atribuído às universidades, como for-madoras de uma aristocracia intelectual.

Não convém esquecer que o período de formação e desenvolvimento das universidades correspondeu ao período de crescimento, tecnicização e especiali-zação dos ofícios públicos, quando então dispor desses formandos na constituição dos quadros administrativos revelou-se promissor (LE GOFF, 1993).

Além disso, por meio das faculdades era possível desenvolver diversas ações de cunho social. As Faculdades de Medicina, por exemplo, exerceram importante papel quando se fez necessário resolver questões de salubridade e saúde pública. Colocadas pelo crescimento das cidades, regras de higiene urbana foram deman-dadas. Houve também surtos epidêmicos que precisaram ser combatidos, princi-

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palmente após a grande peste, cuja responsabilidade e ação eram competência das autoridades públicas (LE GOFF, 1993).

“Fazer uma universidade” tinha então dois aspectos: por um lado agregava prestígio intelectual, por outro proporcionava uma formação utilitária que se rea-lizaria no trabalho do futuro profissional formado.

Além disso, as universidades sempre mantiveram estreitos laços com os po-deres públicos, o que abria a possibilidade de acesso aos mesmos. No decorrer do Renascimento chegaram mesmo a andar a reboque destes, formando castas nas quais prevalecia o nepotismo e a submissão jurídica e econômica. Manteve tam-bém estreitos vínculos com a Igreja, pois os interesses de ambos convergiam e como manifesta Le Goff (1993), muitos funcionários públicos são eclesiásticos e os interesses da Igreja estão em consonância com os dos Estados.

Somente na Revolução Industrial, as universidades tornar-se-iam centros de uma nova intelectualidade, pondo em causa os poderes públicos e obedecendo somente quando estivessem em causa princípios e ideais que transcendessem os interesses do Estado.

A formação dos ofíciosJá nas corporações de ofício, trabalho e aprendizagem encontram-se imbri-

cados. Os aprendizes eram assumidos pelos mestres, sendo que o número daque-les que eram instruídos variava em função do ofício. Diferentemente do que hoje chamamos escola do trabalho não havia uma escola, mas um lugar de trabalho no qual se aprendia. Aos aprendizes não destinavam-se tarefas de produção separa-das daquelas da aprendizagem.

Para iniciarem seu aprendizado, os pretendentes faziam um exame que apontava suas qualidades morais e os avalizava para ingressarem no treinamento. O tempo de preparação do aprendiz variava de quatro a dez anos. No trabalho adquiria-se habilidades da arte e os conhecimentos necessários para o seu exercí-cio, estabelecendo-se uma relação educativa (MANACORDA, 1989).

Embora os mestres cobrassem, nem sempre os aprendizes podiam pagá-los, o que acabava redundando em estender o período do aprendizado. Os certificados eram expedidos pelas corporações e de posse deles os recém-formados buscavam junto à autoridade competente as credenciais que permitiria exercer o ofício. Ha-via os regulamentos das artes e todos se empenhavam em trabalhar em conso-nância com os usos e normas em vigor, não admitindo qualquer transgressão. O segredo do fazer também era zelosamente guardado, principalmente em relação aos ajudantes (MANACORDA, 1989).

Assim, as corporações de ofício eram muito fechadas, com leis, regras e administrações próprias e o sistema de aprendizado era minuciosamente estrutu-rado. Manacorda salienta que os documentos alusivos pouco revelam em relação à formação do mestre, o que é compreensível. Se os segredos da arte deveriam ser mantidos, como estampá-los em documentos?

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O NOME da rosa. Direção de Jean-Jacques Annaud. Alemanha, 1986.

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Histórias que cumpre contar1

O período, compreendido no intervalo dos séculos XI e XIV, assistiu o ressurgimento do comércio e das cidades. A intensificação dos conta-tos entre o Ocidente e o Oriente proporcionado primeiro pelas Cruza-

das, depois pela instalação de feitorias comerciais permanentes, garantiam um fluxo contínuo de produtos, especiarias e sobretudo de um estilo de vida novo na Europa.

As grandes cidades (burgos), tornadas centros de produção artesanal e co-mercial, criadas e desenvolvidas pelo estabelecimento desse eixo comercial, foram favorecidas pelo crescimento demográfico e pelo aumento da produção de alimen-tos nos campos europeus, decorrente da introdução de novas técnicas agrícolas.

A predominância das cidades sobre os campos, a superação das trocas na-turais pela economia de base monetária e a dinâmica do comércio promoveram mudanças e uma ruptura nas corporações de ofício medievais e, principalmente, projetaram e fortaleceram uma nova camada – a burguesia – ávida pelo poder político e prestígio social, correspondentes à sua opulência material.

No entanto, a conjugação de diversos fatores estruturais internos associados àquelas condições, progressivamente, abalaram os sustentáculos feudais, prenun-ciando seu final.

No século XIV eclode grave crise, acarretando drásticas transformações. Entre as causas apontadas pelos historiadores como sendo as principais responsá-veis, encontramos: a peste negra, que dizimou entre um terço e metade da popula-ção europeia; a Guerra dos Cem Anos (1346-1450) deflagrada entre os soberanos da França e da Inglaterra, que ampliou o funesto quadro; e, as revoltas populares provocadas pela desorganização da produção e disseminação da fome nos campos e cidades, decorrentes dessa mortalidade.

Além disso, o declínio demográfico viria sobrecarregar os camponeses re-manescentes, os quais teriam sua jornada de trabalho e seus impostos aumentados pelos senhores feudais, que não queriam ter seus rendimentos diminuídos. Era contra essa superexploração que os trabalhadores se revoltavam.

A busca de uma fórmula para se produzir mais encontrou a saída preferen-temente na adoção do trabalho assalariado, ou seja, através do arrendamento os servos seriam liberados para venderem os excedentes no mercado das cidades.

1Essa síntese histórica foi produzida a partir dos

livros: O renasci mento; His-tória das sociedades; His tória do pensamento e Histó ria da pedagogia, principalmente.

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Estimulados pela perspectiva de aumento de seus rendimentos, os arren-datários incrementaram as técnicas e aumentaram a produção; por outro lado, ao passar a predominar as atividades agrocomerciais sobre as culturas de sub-sistência, a necessidade de áreas de cultivo maiores suscitou o aparecimento de reivindicações de propriedade exclusiva e privada de terras. Tudo concorria para a dissolução do sistema feudal de produção.

No desenrolar desses acontecimentos, as estruturas social e política sofre-ram profundas modificações. Os senhores feudais dispendendo recursos para fa-zer frente às despesas da longa guerra e aos custos aumentados da produção, endividavam-se frente aos capitalistas burgueses, e com frequência viam-se obri-gados a desfazerem-se de partes de suas propriedades. Se por um lado a nobreza depauperava-se e enfraquecia-se, o oposto ocorria com a classe burguesa.

O comércio, outro componente importante desse processo agora já fortale-cido, à procura de menores preços do transporte de mercadorias, estimularia e se beneficiaria da procura de novas rotas marítimas, que com as descobertas de no-vas terras veria o Atlântico transformar-se no cenário principal, deslocando para um segundo plano o Mar Mediterrâneo.

As cidades surgidas como centros comerciais nessas novas rotas, entre elas Sevilha, Lisboa, Londres, foram acompanhadas por cidades como Lion, na Fran-ça, Antuérpia em Flandres e Augsburg na Alemanha, frutos de uma maior inte-gração do transporte marítimo com o terrestre.

O campo político no qual os conflitos de interesses invariavelmente afloram com muita intensidade, não ficaria imune a essas transformações.

O fortalecimento das monarquias locais colocava às claras que uma nova hegemonia política, social e cultural estruturava-se. A gestação do Estado moder-no “interessado no domínio da sociedade civil e que exerce um domínio racional, pensado desde o centro e disseminado por toda a sociedade ...”, configurou-se (CAMBI, 1999, p. 244).

A unificação política em torno da monarquia, vista como um recurso legí-timo contra as arbitrariedades da nobreza, pressupunha também a instituição de impostos, moedas, leis e normas, pesos e medidas, fronteiras e aduana.

“A ruptura dos antigos laços sociais de dependência social e das regras corporativas pro-movem, portanto, a liberação do indivíduo e o empurram para a luta da concorrência com os outros indivíduos, conforme as condições postas pelo Estado e pelo capitalismo. O sucesso ou fracasso nessa nova luta dependeria, segundo Maquiavel – o introdutor da ciência política precisamente nesse momento – de quatro fatores básicos: acaso, engenho, astúcia e riqueza. Para os pensadores renascentistas, os humanistas, a educação seria o fator decisivo. [...] O momento histórico colocava em foco sobretudo a capacidade criativa da personalidade humana” (CAMBI, 1999; SEVCENKO, 1984, p. 10).

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O Renascimento na EducaçãoTodo esse complexo processo vem também tocar profundamente a educação

e a pedagogia, que são, por sua vez, radicalmente transformadas tanto no terreno político e religioso como no ético e social. No âmbito político, o nascimento do Estado moderno, “pensado desde o centro e disseminado por toda a sociedade que se vê assim controlada em todas as suas manifestações, é que vem determinar uma pedagogia política, típica do mundo moderno (melhor: típica e central, até os dias de hoje) e uma educação articulada sob muitas formas e organizada em muitos agentes (família, escola, associações, imprensa etc.), que convergem num processo de envolvimento e conformação do indivíduo, de maneira cada vez mais capilar” (CAMBI, 1999, p. 244).

O despertar cultural que caracteriza o início do Renascimento é sobretudo uma afirmação renovada do homem, dos valores humanos nos vários domínios: desde as artes à vida diária (GARIN, 1991). Nesse movimento colocava-se

aberta polêmica com a tradição medieval e escolástica, toda propensa a valorizar o papel da transcendência religiosa e a colocar o indivíduo dentro de uma rígida escala social, a nova civilização concebe o homem como “senhor do mundo” e ponto de referência da criação, “cópula do universo” e “elo de conjunção do ser”. (CAMBI, 1999, p. 224)

Um homem quenão exclui Deus, mas que volta as costas aos ideais de ascese e da renúncia, pronto para imergir no mundo histórico real com o intento de dominá-lo e nele expandir sua própria humanidade. O homem da nova civilização, uma vez adquirida a consciência de poder ser o artífice de sua própria história, quer viver intensamente a vida da cidade junto com seus semelhantes; para isso mergulha na vida civil, engaja-se na política, no comércio e nas artes exprimindo uma visão harmônica e equilibrada dos aspectos multiformes dentro dos quais se desenvolve a atividade humana. (CAMBI, 1999, p. 224)

A Itália, por seu desenvolvimento econômico e posição geográfica privile-giada, que lhe havia facilitado o domínio comercial no Mediterrâneo, é que mais condições reúne para o desabrochar do Renascimento. Suas comunas evoluem conformando-se em cidades-Estados, que embora formalmente democráticas, en-contram-se sob o domínio de “poderosas famílias burguesas: os Visconti e, depois, os Sforza, em Milão, e os Medici, em Florença, são os principais exemplos. Sua ri-queza permite contratar sábios, filósofos, cientistas e artistas, ou, então patrocinar a sua formação”, além de sua proximidade com Constantinopla transformá-la em “abrigo natural de seus emigrados” recebendo através destes toda uma tradição intelectual e cultural do Império do Oriente (VALVERDE, 1987, p. 191).

Esses financiadores de uma nova cultura, burguesia, príncipes e monarcas, eram chama-dos mecenas, isto é, protetores das artes. Seu objetivo não era somente a autopromoção, mas também a propaganda e difusão de novos hábitos, valores e comportamentos. [...] As atividades e os campos de reflexão que mais preocupavam os pensadores renascentistas aparecem condensados nas artes plásticas: a filosofia, a religião, a história, a arte, a técni-ca e a ciência. (SEVCENKO, 1984, p. 24)

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Nesse contexto histórico e social afirmado, primeiro na Itália e posterior-mente no restante da Europa, baseado numa concepção nova de homem como sujeito ativo, exige uma formação polivalente garantidora do “exercício de fun-ções variadas na sociedade. [...] Tal formação se realiza através de um currículo formativo baseado essencialmente na leitura dos clássicos gregos e latinos. O es-tudo direto dos clássicos permite não só superar a utilização puramente grama-tical e estilística que deles fez a cultura medieval, mas sobretudo descobrir uma humanidade feita de valores universais elaborados e produzidos na Antiguidade. [...] ainda que não desapareçam completamente as gramáticas e os compêndios de inspiração escolástico-medieval” (CAMBI, 1999, p. 225).

Todavia,essa ação cultural não foi desenvolvida tanto pelas escolas como pela própria vida de uma minoria cortesã e cidadã, e pela cultura que um escol garimpava de Grécia e Roma. A massa do povo quedou à margem dessa influência, bem que não privada dela graças à contemplação dos espetáculos e obras de arte promovidos pelos príncipes e pelas cidades. [...] A influência humanista foi naturalmente maior no ensino e cultura superior, em acade-mias fundadas no estilo platônico e em ateneus docentes. (LUZURIAGA, 2001, p. 95)

Mesmo que de caráter eminentemente aristocrático, não se deve deixar de sublinhar seus indiscutíveis méritos, ao “atribuir grande importância no plano didático aos jogos e à educação física, no âmbito de uma revalorização, depois da decidida negação medieval do mundo físico e natural, e mais ainda de descobrir a infância, o valor da vida infantil, da sua especificidade e de assegurar-lhe um lugar não secundário no quadro do mais amplo contexto social” ... preparando aquele “interesse psicológico” e aquela “preocupação moral” que estarão nos fun-damentos da pedagogia moderna e contemporânea (CAMBI, 1999, p. 226-7).

Costuma-se atribuir a Francesco Petrarca (1304-1374) a exposição da concepção humanista sobre a formação do homem. Não escreveu sobre edu-cação, mas sua Vida dos antigos, suas cartas e toda a sua obra poética nela influíram grandemente.

Entre outros importantes autores ligados à formação do homem renas centista, encontraremos Pier Paolo Vergerio (1370-1444). No seu tratado De ingenuis mo-ribus et liberalibus studis adulescentiae defende a importância da educação para uma vida de engenho e livre do ócio. “Desenvolve positivamente um quadro de estudos liberais necessários a todos indistintamente, não só para aqueles de no-bres costumes, mas também ‘para aqueles de engenho medíocre, os quais devem ser tanto mais ajudados quanto menor for a sua natural capacidade’” ... Também sobre o processo de aprendizagem, faz afirmações significativas inferindo que o mesmo “requer uma vida ordenada e metódica, além de uma distribuição racional do tempo nas diversas ocupações, mas também quando requer a ligação entre a educação intelectual e a física, de modo que ‘o corpo possa tolerar por ser forte e obedecer com facilidade’ e ‘a mente possa discernir e racionalmente comandar’” (CAMBI, 1999, p. 230).

Vittorino da Feltre, lecionou gramática e matemática por vinte e dois anos em Pádua, onde abriu a Casa Giocosa, ensinando filhos de príncipes, de nobres e de gente humilde. “Foi, na realidade, a primeira escola nova da Europa, onde se

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ensinavam, em ambiente de liberdade, a cultura clássica e a fé cristã e se conside-rava a vida integral dos alunos, com a música, os exercícios físicos, a poesia, as ciências etc.” (LUZURIAGA, 2001, p. 96).

Com Leon Battista Alberti (1404-1472), “o humanismo adquire uma dimen-são menos ligada ao espírito do classicismo e mais alinhada com as exigências práticas do tempo”. Em suas páginas “redescobre-se uma grande atenção pela infância, quando ele censura aqueles que ‘batem e espancam’ as crianças, descar-regando sobre elas seus desgostos e ressentimentos” [...] (CAMBI, 1999, p. 232).

Ressaltaria ainda: Erasmo (que será tratado no movimento da Reforma do século XVI); Juan Luís Vives (1492-1540) cujo grande destaque pedagógico re-sidiu na aplicação da psicologia à educação, no emprego da língua materna para o aprendizado das línguas clássicas e na utilização do método indutivo no ensi-no; Rabelais (1495-1553) atento observador da natureza a relaciona às ciências da educação. Foi duro contestador da escolástica e suas críticas adquiriram corpo em duas obras. Gargantua e Pantagruel satiricamente fazem a crítica dos formalis-mos educativos herdados da Idade Média.

Não seria possível deixar de mencionar Montaigne (1532-1592), arguto crí-tico de sua época, propõe a educação integral como a formação desejada: “Não basta fortalecer só a alma, é preciso também endurecer os músculos” e formar o juízo. “Entre os estudos liberais comecemos por aqueles que nos façam livres”. “O fruto do nosso trabalho deve consistir em fazer o aluno melhor e mais prudente” (LUZURIAGA, 2001, p. 106-7).

Se muitos são os expoentes da studia humanitatis (estudos humanísti-cos), Garin não deixa de garantir o título de humanistas também aos “pequenos mestres-escolas, os professores de Gramática e de Retórica. Foram esses mestres que prepararam os jovens para os primeiros contatos com os clássicos, que subs-tituíram finalmente os auctores octo medievais” (1991, p. 15).

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Os inícios da Pedagogia Moderna

O século XVI marca os inícios da pedagogia tal como a conhecemos. Pensado como tempo de importantes transformações caracterizadas sobretudo pelo individualismo, já anotado com o advento da educação

humanista, pela secularização que se dissemina e pela constituição dos Estados modernos, o Quinhentos revelou-se extremamente promissor.

Tempo de descobertas de mundos e homens novos, a educação e a pedago-gia não ficariam imunes às transformações que se processavam.

Como revela Cambi (1999, p. 245), neste século tem início mudanças nas técnicas educativas e escolares: “nasce uma sociedade disciplinar que exerce vi-gilância sobre o indivíduo e tende a reprimi-lo/controlá-lo, inseri-lo cada vez mais em sistemas de controle [...]; forma-se a escola moderna: instrutiva, planificada e controlada em todas as suas ações, racionalizada nos seus processos”, que come-çados aí, desenvolver-se-ão ao longo da Idade Moderna.

Escolas reformadasA educação da Reforma insere-se no grande movimento humanista do Re-

nascimento – em sua vertente religiosa –, desencadeada a partir do cisma da Igreja Católica, ocorrido no século XVI. Martinho Lutero, monge agostiniano inconfor-mado com a venda de indulgências realizadas pelo alto clero, lança em 1517, suas 95 teses nas quais denuncia a corrupção que grassava nas hostes católicas e pro-põe novo (re)direcionamento à Igreja de Roma no sentido de uma volta às origens. Instado a retratar-se sob pena de excomunhão, Lutero afasta-se definitivamente compondo o movimento de reforma religiosa.

O movimento de reforma religiosa e cultural, iniciado por Lutero na Alemanha, que tem importantes consequências na história da cultura europeia, assume desde seus inícios um importante significado educativo. Seja Lutero ou Melanchton, os dois maiores representan-tes da Alemanha reformada também no que diz respeito ao campo pedagógico, embora com ênfases em partes diferentes, voltam sempre a enfrentar o problema educativo. Se de fato a “Reforma” põe como seu fundamento um contato mais estreito e pessoal entre o crente e as Escrituras e, por conseguinte, valoriza uma religiosidade interior e o princípio do “livre exame” do texto sagrado, resulta essencial para todo o cristão a posse dos instrumentos ele-mentares da cultura (em particular a capacidade de leitura) e, de maneira mais geral, para as comunidades religiosas, a necessidade de difundir essa posse em nível popular, por meio de instituições escolares públicas mantidas às expensas dos municípios. Pode-se dizer que com o protestantismo, afirma-se em pedagogia o princípio do direito-dever de todo cidadão em relação ao estudo, pelo menos no seu grau elementar, e o princípio da obrigação e da gratuidade da instrução, lançando-se as bases para a firmação de um conceito autônomo e responsável de formação, não estando mais o indivíduo condicionado por uma relação mediata de qualquer autoridade com a verdade e com Deus. (CAMBI, 1999, p. 243-4)

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Baseadas nas escolas humanistas, a educação da reforma tem como eixo o ensino das línguas – as antigas e as vernáculas – de cada país, com forte acento na educação gramatical; afinal somente seu conhecimento e domínio permitem a lei-tura dos textos sagrados. As escolas deveriam ser organizadas em quatro áreas:

a) línguas (latim, grego, hebraico, alemão), permitindo o acesso às Sagra-das Escrituras;

b) obras literárias (pagãs e cristãs), para o ensino da gramática;

c) ciências e artes; e

d) jurisprudência e medicina.

As aulas teriam duração de duas horas diárias sobrando tempo para que os educandos trabalhassem em casa, aprendendo um ofício. Logo, estudo e trabalho andariam lado a lado (CAMBI, 1999, p. 243-4).

Dado que a formação de cidadãos cultos, polidos e honrados só traria bene-fícios às comunidades, às escolas estariam reservadas bibliotecas sortidas e bons professores, capazes de formar jovens em substituição à família, quando esta não bem representasse seu papel.

Sob inspiração da Reforma, a educação alemã reorganizou escolas muni-cipais e fundou algumas secundárias – os ginásios –; porém, as destinadas às camadas populares não tiveram um maior incremento.

Como assinala Chartier (1991, p. 121)já em meados da década de 1520, Lutero abandona a exigência da leitura individual e universal da Bíblia em prol de outro projeto, que enfatiza a prédica e o catecismo – por-tanto a missão de ensinar e interpretar restituída aos pastores, que assim devem controlar a compreensão do texto sagrado. Instaura-se uma nítida separação entre as políticas es-colares dos Estados luteranos, que acima de tudo visam à formação das elites pastorais e administrativas, e a obra de educação religiosa do povo que, baseada no ensinamento oral e na memorização, pode muito bem conviver com o analfabetismo.

Logo não se deve atribuir o avanço das práticas de leitura na Alemanha somente ao protestantismo.

Fazendo alusão à região do Reno, anota Chartier que em meados do século XVI os inspetores encarregados de examinar os conhecimentos religiosos dos fiéis constatavam “recitações sem compreensão, respostas decoradas e falhas que provam que a catequese não visa a uma leitura pessoal da Bíblia, mas apenas à memorização de fórmulas ensinadas oralmente” (CAMBI, 1999, p.121).

Por onde a renovação religiosa estendeu-se, a educação pretendia andar a passo com as reformas concebidas. É o caso da Suíça e da Holanda, onde ganha-ram relevância os trabalhos de João Calvino (1509-1564) e Erasmo de Rotterdam (1466-1536).

Calvino, ao acreditar na predestinação, não desprezava o aspecto educacio-nal. Ao contrário, fazia com que os crentes procurassem o sinal de sua eleição, impulsionando-os para a responsabilidade e para o trabalho. Segundo ele, deve-ria ser acentuado o aspecto laico da educação de forma a preparar os cidadãos para a república e para a sociedade. Logo, o saber se impõe como necessidade

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pública: assegura a boa administração política, proporciona apoio à Igreja e man-tém a humanidade entre os homens. Daí a importância da criação de escolas ele-mentares, colégios secundários e universidades tanto para ricos quanto para po-bres. Calvino enfatizava o conhecimento das Escrituras, das línguas nacionais, bem como o espírito progressivo de indagação e investigação (LUZURIAGA, 2001; GILES, 1987).

Erasmo, por sua vez, não deixa de enfatizar o valor da educação: sendo a razão o traço que diferencia os homens deve ser cultivada em profundidade, pois só assim a verdadeira humanidade se desenvolverá. A atividade educativa deveria se dar a partir dos três anos de idade, respeitando as características naturais da criança. Realçando o papel do professor – pois é este que deverá buscar o melhor método –, destaca a função pública da educação e, segundo Cambi, é o mestre quem elabora o sistema didático mais completo do humanismo europeu no que diz respeito aos estudos dos clássicos e “enfrenta, segundo perspectivas novas e com notável organicidade, os problemas mais gerais da pedagogia, apontando soluções (atenção à infância, promoção da educação pública, formação dos educa-dores) em profunda sintonia com as subsequentes elaborações da época moderna” (CAMBI, 1999, p. 255).

Educação da ContrarreformaOperada a ruptura do cristianismo, a Igreja Católica passa por importante

processo de renovação. Eleito o papa Paulo III e convocado o Concílio de Trento (1546-1563) as decisões tomadas vão de encontro a manter a essencialidade da doutrina católica, quais sejam: a Igreja e o valor dos sacramentos, as obras que redimem os homens, além da intervenção da graça divina. Buscava-se não só responder aos desafios colocados pela Reforma como promover mudanças dentro da própria Igreja, no intuito de difundir o catolicismo no Novo Mundo ao mesmo tempo em que tentava conter o que passou a ser chamado de heresia protestante. Como registra Cambi (1999, p. 256),

a Igreja adquire uma maior consciência de sua própria função educativa e dá vida a um significativo florescimento de congregações religiosas destinadas de maneira específica a atividades de formação não só dos eclesiásticos, mas também dos jovens descendentes dos grupos dirigentes. Nisso consiste a diferença mais significativa no plano educativo entre o movimento da Reforma e o da Contrarreforma. O primeiro privilegia a instrução dos grupos burgueses e populares com o fim de criar as condições mínimas para uma lei-tura pes soal dos textos sagrados, enquanto o segundo, sobretudo com a obra dos jesuítas, repropõe um modelo cultural e formativo tradicional em estreita conexão com o modelo político e social expresso pela classe dirigente.

A criação da Companhia de Jesus (1539) é o exemplo mais acabado da nova filosofia educativa da Igreja Católica. Segundo Santo Ignácio de Loyola, nas “Constituições” da Companhia apareciam a catequização, a pregação, a confissão e o ensino como meios para ajudar os homens a alcançarem o fim para o qual foram criados. A educação acabou por tornar-se o instrumental para a realiza-ção dessa grande missão. Como não havia escolas facilmente acessíveis coube à Companhia criá-las. Ignácio de Loyola seguia os ideais dos estudos humanistas

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Os inícios da Pedagogia Moderna

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alicerçando-os na filosofia de Aristóteles, a mesma abraçada por Tomás de Aqui-no. Método essencialmente verbal, consistia em lição ou preleção, explicação, repetição, composição e memorização. Destacava-se a elocução, redação, assim como a leitura dos clássicos, desde que não constassem do Index-índice dos livros proibidos (LUZURIAGA, 2001; GILES, 1987).

O plano de estudos seguido nos colégios da Companhia baseava-se na Ratio Studiorum, como um programa de formação de caráter católico. Nele estavam traçadas as rígidas normas organizativas a serem seguidas nos colégios: as fun-ções dos dirigentes (reitores e provinciais), disposições didáticas a respeito de pro-fessores e alunos, bem como disciplinas a serem ensinadas, no escopo de formar “uma consciência cristã culta e moderna e orientar, também mediante a institui-ção escolar, para uma obediência cega e absoluta à autoridade religiosa e civil”. Contemplando o grego e o latim, nesses estudos os idiomas nacionais ficavam relegados (CAMBI, 1999).

Os colégios da Companhia ensinavam aos noviços gramática, retórica, lógi-ca, seguidas pela filosofia natural, moral e metafísica, além de teologia escolástica e conhecimentos de grego, hebraico e demais línguas, desde que atendessem aos fins missionários. Os estudos superiores tinham caráter teológico e universitário ao passo que os inferiores contemplavam as disciplinas das escolas humanistas, inexistindo estudos em língua nacional e ciências físico-naturais. Porém, desde 1546, alunos que não seguiriam a vida religiosa frequentavam essas escolas. Para que se avalie o impacto desses educandários, vale frisar sua expansão pela Euro-pa: em 1554 havia 35 colégios; em 1586 somavam-se 162, sendo 147 externatos (GILES, 1987); foi tão significativo, que Cambi (1999, p. 263) destaca a novidade trazida pelas escolas dos jesuítas como a “construção de um ambiente educativo rigoroso e coerente, organizado segundo uma severa disciplina, mas aberto para fora através das cerimônias, dos prêmios e das disputas”.

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A Educação da Contrarreforma aporta no Brasil

As escolas dos jesuítas: a formação dos clérigos e dos curumins

O s jesuítas para cá vieram com uma missão bastante ampla. A eles coube a tarefa de integrar os bárbaros nativos ao mundo então civilizado, e, especialmente, à Igreja Católica, recém contrarreformada. Porém, no decorrer do tempo, a Companhia de Jesus acrescentou à sua

meta de catequizar, também aquela de ensinar.

Catequese em primeiro lugar, eles puseram as mãos na massa. Sem fé (a católica), rei (a Coroa) ou lei (as normas jurídicas), como salientou Pero de Magalhães Gandavo, os gentios da América portuguesa nem humanos pareciam, na visão desses pastores de Deus. Porém enfrentaram o desafio, afinal a natureza era pródiga, com todo o tipo de riquezas a explorar e os jesuítas fizeram grandes negócios nestes lados do Atlântico.

A instrução dispensada aos indígenas com intuito de catequizá-los consistia em inseri-los nos rituais cristãos, iniciando-os no mundo das escrituras, do catecismo, das festas religiosas, dos sa-cramentos e tudo mais. Adentrar ao mundo do colonizador, tomar suas regras e principalmente sua organização social. Segundo Manuel da Nóbrega, assim que chegaram posicionaram escolas e passa-ram a ensinar a ler, escrever, contar e cantar, sendo que em 1551 já se afirmava que o colégio também pretendia educar “cristãos para os ensinar e doutrinar” (PAIVA, 2000).

Primeiramente o gentio se deve sujeitar e fazê-lo viver como criaturas racionais, fazendo-lhe guardar a lei natural [...]

A lei, que lhes hão de dar, é defender-lhes comer carne humana e guerrear sem licença do Governador; fazer-lhes ter uma só mulher, vestirem-se pois têm muito algodão, ao menos depois de cristãos; fazê-los viver quie tos sem se mudarem para outra parte, se não for para entre cristãos, tendo terras repartidas que lhe bastem, e como estes Padres da Companhia para os doutrinarem. (TORRES apud DAHER, 2001, p. 51).

Esse discurso proferido pelo padre Manuel Torres da Bahia, em 1558, vem de encontro aos objetivos destacados por Vilalta (1997): inculcar a obediência, a fé, a lei e o rei foi o apostolado. En-tretanto, isso não impediu que os gentios questionassem muitos dos ensinamentos ministrados, como a virgindade de Maria após o nascimento de Jesus ou mesmo o celibato dos padres, conforme atestam as cartas de Anchieta.

Em muitas das missões construídas significados foram trocados entre rituais cristãos e guaranis e nestas aproximações entre indígenas e jesuítas, Maria Leônia Chaves de Resende identificou práti-cas de aculturação dos indígenas. Mas a historiadora demonstra, também, que os sacerdotes cristãos partilharam intensamente do universo dos gentios enquanto tratavam de convertê-los.

Daher ao analisar o Diálogo sobre a conversão do gentio, de Manuel da Nóbrega, explora o discurso jesuítico do ponto de vista de sua função primordial “de conduzir o índio à ordem hierár-

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A Educação da Contrarreforma aporta no Brasil

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quica do Império português” (2001, p. 44). Hansen, discutindo o mesmo diálogo, destaca que a Nóbrega parecia não haver necessidade de padres letrados para con-vencer os indígenas, e sim virtuosos: “considerando a depravação dos costumes do clero regular e dos colonos amancebados com índias, afirmava que somente os bons exemplos da moralidade católica fornecidos pelos soldados de Cristo po-deriam vingar, donde sua ideia de uma conversão operada antes pelo exemplo de vida virtuosa que por palavras”, isso para “mantê-los reduzidos e sujeitados aos portugueses” (HANSEN, 2001, p. 28).

Mas os jesuítas não instruíam somente os brasis. Dedicavam-se também à ação educacional dos mandantes coloniais. Não esqueçamos da guerra deflagrada pelos católicos contra hereges e reformistas protestantes convindo, portanto, zelar pelas ovelhas do rebanho. Primando pelo ensino dos textos clássicos gregos e latinos privilegiavam a retórica e a eloquência, baseados na velha escolástica. Por impedimento da Metrópole não forneciam diploma de curso superior, obrigando aos que queriam e podiam, deslocar-se à Coimbra para obtê-lo.

O ensino elementar era ministrado por preceptores ou familiares dos senho-res, que também aprendiam línguas e instrumentos musicais, embora esse grau de ensino fosse oferecido, após 1549, em colégios jesuíticos. Havia ainda outras ordens religiosas ensinando aos filhos dos portugueses, vide por exemplo a dos Frades Me-nores que já no século XVI aqui estavam (CHAMBOULEYRON, 1999).

Ademais, o ensino público ou popular não existia a rigor e os homens pardos não tinham acesso aos colégios dos jesuítas. Vilalta (1997) refere uma ordem de D. João V expedida ao governador de Minas, em 1721, ordenando que em cada vila se pagassem mestres para ensinar a ler, escrever e contar, além do latim a todos os filhos ilegítimos da Capitania. O governo local, porém, não tomou ne-nhuma iniciativa já que todos eram filhos de negras.

As indígenas reivindicavam saber ler e escrever

Os indígenas não entendiam porque suas mulheres não podiam aprender a ler e escrever. Afinal, eram elas as mais presentes e assíduas nas sessões de ca-tequese, não cabendo afastá-las das letras. A veemência do pedido deve ter sido tanta que o padre Manuel da Nóbrega não se esquivou de escrever à rainha de Portugal, dona Catarina, solicitando instrução para ensiná-las (RIBEIRO, 2000).

O pedido não foi atendido. Se nem as mulheres da Corte frequentavam a escola, pois classes para elas lá não havia, imagine a ousadia e as “consequências nefastas que o acesso das mulheres indígenas à cultura dos livros da época pudes-se representar”, instruiu a rainha (RIBEIRO, 2000, p. 81).

No entanto, Catarina Paraguassu, considerada por alguns autores como a filha de Caramuru, o Diogo Álvares Correia, e por outros como sua mulher, escre-ve em 1561, ao padre Manuel da Nóbrega uma carta de próprio punho iniciando

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A Educação da Contrarreforma aporta no Brasil

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as mulheres das terras dos brasis na arte da escrita. Foi o passo inicial e não o derradeiro. Pois tempo decorrerá até que a instrução feminina se institucionalize entre nós.

A MISSÃO. Direção de Roland Joffé. Inglaterra, 1986.

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Revolucionários da Ciência: a Educação do século XVII

S e o nascimento do pensamento pedagógico moderno é tributário dos séculos XVI e XVII, é neste último que as escolas europeias começaram a institucionalizar-se, embaladas pelo ímpeto reformador religioso no qual muitas delas foram criadas pelas municipalidades. Almejando

conseguir acesso à palavra de Deus a um número maior de pessoas adiantando a leitura, à Reforma tem-se atribuído a responsabilidade de promover linearmente a queda nos índices de analfabetismo na Europa. No entanto, como observou Chartier (1991, p. 121), tal assertiva merece ressalvas:

Só com a “Segunda Reforma”, iniciada pelo pieteismo no final do século XVII, a relação individual com a Bíblia – que supõe o domínio da leitura – é colocada como uma exigência universal, apresentada inicialmente pelo ensino mútuo dos conventículos religiosos, afirmada a seguir pelos Estados nas ordenações que regula-mentam os programas das escolas elementares. Donde uma alteração no próprio status da Bíblia: enquanto que, na Alemanha do século XVI, ela é um livro de pastores, de candidatos ao ministério, de bibliotecas paroquiais, na Alemanha de inícios do século XVIII ela se torna um livro de todos, produzido em massa e a baixo custo.

Assim reforça o historiador: é com o pietismo e não com a Reforma luterana que a prática da leitura se difunde de forma maciça na Alemanha (CHARTIER 1991, p. 121).

O pietismo, movimento de renovação da religião luterana reformada, visava valorizar o aspecto íntimo e espiritual em vez do dogmático e intelectual. Hermann Francke (1663-1727), seu idealizador, fundou em 1695, em Halle, uma escola para crianças pobres na qual desenvolveu seu modelo peda-gógico, depois adaptado para outras instituições educacionais. Diferentemente do que ocorria nas escolas católicas, nas quais preponderava a parte literária, propugnava que o objetivo primordial das escolas deveria ser religioso, com ênfase realista e científica, colocando os alunos em contato com a natureza e com a realidade. De suas propostas desenvolveu-se a escola primária, popular e na língua alemã; a escola secundária – o colégio – no qual se ensinava o latim e promovia a leitura dos clássicos; o Pedagogium, escola secundária de tipo científico de onde se derivou o colégio realista e o seminário para formar professores – as primeiras escolas normais alemãs (LUZURIAGA, 2001).

Jean Battiste de La Salle (1651-1719), como Francke, também voltava suas preocupações para as escolas populares, pautando o ensino como de caráter obrigatório, gratuito e dirigido a todos; pen-sava-o como formação integral: instrução com ênfase na formação religiosa. Logo, deveria ensinar--se leitura e escrita em língua vernácula, as quatro operações e o catecismo, além de uma formação técnico-científica que profissionalizasse. Funda escolas dominicais e um instituto para menores infra-tores (CAMBI, 1999).

As escolas para o povo – os institutos de beneficência – seguiam propostas elaboradas no interior da Igreja, fosse reformada ou não, consistindo basicamente em uma educação de tipo instrumental – en-sinar a ler e escrever. Ter acesso a esses locais, no entanto, constituía-se em privilégio conferido a poucos alunos. Os poderes públicos omitiam-se quando o assunto era educação das massas (CAMBI, 1999).

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Revolucionários da Ciência: a Educação do século XVII

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Na Europa absolutista preponderavam os modelos educacionais para os fi-lhos da nobreza, pois aí residia o poder político, econômico e religioso. “A edu-cação dos nobres realiza-se através do ensino de preceptores particulares ou no interior dos ‘seminários dos nobres’, colégios próprios nos quais os jovens aris-tocráticos são formados tanto no plano intelectual como no do comportamento, mediante um programa de estudos que, ao lado das línguas modernas e das novas ciências, contempla também a atividade de vida prática como a equitação, a caça, a esgrima e a dança” (CAMBI, 1999, p. 296)1.

François S. de la Mothe-Fénelon (1651-1715), homem nobre e de Igreja, diretor de uma congregação feminina, esmera-se em descrever a educação das crianças nobres. A “maciez do cérebro” permitia que tudo se imprimisse nele, daí a importância de bem prepará-lo para a instrução, educando-as indiretamente através dos aspectos de utilidade. Histórias e fábulas curtas revelavam-se promis-soras, pois educavam moralmente de forma agradável. No tempo das fábulas de La Fontaine, a narração de histórias revelava-se interessante para o aprendizado de preceitos morais, “e para a formação de um gosto literário alinhado com a edu-cação nobiliária e de corte que Fénelon estava esboçando”, ressalta Cambi.

As ciências chegam à escolaAs escolas europeias do século XVII não ficariam imunes à revolução cien-

tífica desencadeada. Não esqueçamos a questão candente do Seiscentos: explicar o cosmos, o universo e o lugar nele ocupado pelos homens.

As grandes navegações e “descobrimentos” revolucionaram a ordem es-tabelecida, colocando por terra muitas verdades afirmadas pelas autoridades eclesiásticas. Já em 1543, o clérigo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543), confirmaria o heliocentrismo proposto por Aristarco, apresentando a teoria he-liocêntrica em contraposição à teoria geocêntrica elaborada por Ptolomeu, no século II. Johannes Kepler (1571-1630) propôs o conceito de órbitas elípticas, opondo-se às órbitas circulares das teorias de Platão e Aristóteles. Galileu Ga-lilei (1564-1642), professor de Matemática na Universidade de Pádua, publicou em 1610, no livro A mensagem das estrelas os achados de Copérnico e Kepler, além de descobrir os satélites de Júpiter e afirmar a lei da queda dos corpos. Ademais, afirma em seus estudos que se pode descobrir e expressar em termos matemáticos as leis que governam o universo.

Francis Bacon (1561-1626) por seu turno, ao propor que todo conhecimento se origina da experiência sensível dá um novo ordenamento às ciências, distin-guindo fé e razão como essencial para a compreensão da realidade. Criador do método indutivo de investigação em oposição ao método dedutivo de Aristóteles, é considerado o fundador do moderno método científico. Põe por terra a escolásti-ca e a lógica aristotélica, afirmando que a nova instrução científica deve ir além da sabedoria, trilhando-se os caminhos da experiência. Os colégios deviam propiciar o conhecimento das causas e dos movimentos da realidade em estudo, ampliando os limites do império humano. Logo, o processo educativo precisaria passar pela

1Na época de Luís XIV não bastava nascer aris-

tocrata, era preciso tornar-se um, o que era obtido através dos hábitos “civilizados” e por competências técnicas na guerra, desenvolvidas em quatro etapas: 1) a infância passada junto às mulheres na maisonnée; 2) a cultura letra-da aprendida com o preceptor ou em colégios; 3) a formação específica na academia (equi-tação e conhecimento de geo-metria eram úteis na guerra); 4) apresentação à Corte, se-guida nas famílias mais ricas por uma grande viagem ao estrangeiro, especialmente à Itália, da qual extraíam-se diários e relatos (HANSEN, 2001, p. 38).

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experiência, pelos laboratórios, mesmo a matemática voltar-se-ia para objetivos práticos. Atente-se para a revolução que tal pensamento causou; até então as mais afamadas universidades continuavam valendo-se da tradição escolástica para ex-plicar a realidade, presa aos livros e às compilações de textos aristotélicos e de outros autores clássicos (GILES, 1987).

Já René Descartes (1596-1650), em sua obra o Discurso do método (1637), demonstra como estudar e pesquisar através do método dedutivo. Essa obra repre-sentou um passo decisivo para a revolução científica, pois colocava a dúvida como princípio fundamental: nada deve ser aceito quando não puder passar pelo critério da clareza e da evidência.

A razão seria a base de averiguação da verdade. Penso logo existo, consti-tuía a pedra de toque de todo o conhecimento. O mundo natural, material, criado por Deus poderia ser perscrutado e compreendido pelos homens através da luz natural da razão, havendo assim a possibilidade de domínio da natureza.

Descartes assentou em posição dualista a questão ontológica da filosofia: a relação entre o pensamento e o ser. Convencido do potencial da razão humana, propôs-se a criar um método novo, científico, de conhecimento do mundo e a substituir a fé pela razão e pela ciência. Tornou-se assim o pai do racionalismo. Sua filosofia esforçou-se por conciliar a religião e a ciência. (GADOTTI, 1996, p. 76)

Vinte anos depois da publicação do Discurso do método, João Amos Come-nius (1592-1670), lança sua Didática magna – considerada como o tratado mais importante do século – propondo um método pedagógico para ensinar o conheci-mento das coisas a qualquer criança com rapidez e sem fadiga, de forma a inseri- -las na vida social (GADOTI, 1996). Considerado o maior pedagogo do Seiscentos, baseava-se no pansofismo, a sabedoria universal. Através dessa educação preten-dia alcançar a visão unificada da existência (corpórea e espiritual) permitindo ao homem atingir seu fim natural, quando a ignorância e o mal seriam sobrepujados (GILES, 1987).

Previa a reforma da civilização via educação, baseada na ciência e funcio-nando como salvadora da humanidade ao constituir o “homem virtuoso”, sem distinção de sexo ou classe social. “É preciso garantir-lhe um ‘pequenino impulso e um sábio guia’ para que se torne homem e possa assim gozar ‘os maravilhosos tesouros da divina sapiência’”. Nessa concepção constrói seu projeto de educação, daí ser considerado o primeiro sistematizador do discurso pedagógico, relacio-nando técnicas de formação com a reflexão sobre o homem (CAMBI, 1999).

Segundo ele, as escolas deveriam estar organizadas em: a) escolas mater-nais para os infantes (nela reside “toda a esperança da reforma universal das coi-sas”); b) escola nacional ou vernácula para a meninice (articulada em 6 classes nas quais se aprende a leitura, escrita, matemática, preceitos da moral e da fé; c) escola de latim – porque educa para expressar-se elegantemente – ou ginásio para adolescentes (“colocar em forma a floresta de noções recolhidas pelos sentidos para um uso mais claro do raciocínio”); d) academia para a juventude (congrega sapiência, virtude e fé em lugar à parte, funcionando como um conselho de sábios) (CAMBI, 1999, p. 290).

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Propostas voltadas a organizar a escola moderna, do Seiscentos, não fal-tavam. Fossem para nobres, burgueses, ou para as classes populares, as escolas renovavam-se. O Estado tentava tomar a frente endossando ora uma ou outra feição de instituição de ensino na perspectiva de formar o “homem-cidadão, o homem-técnico, o intelectual, e não mais o perfeito cristão ou o bom católico [...]. O século XVII mudará profundamente os fins, os meios e os estatutos da escola, atribuindo-lhe um papel social mais central e mais universal e uma identidade mais orgânica e mais complexa: aquela que, dos anos 700 em diante, permaneceu no centro da vida dos Estados modernos e das sociedades industriais, mesmo na sua fase mais avançada” (CAMBI, 1999, p. 290).

A escola moderna e a formação do homem civil

A civilização das boas maneiras tão bem posta e pesquisada por Norbert Elias, na sociedade europeia que transita da Idade Média à Modernidade, não descuidou de lançar mão de processos educativos.

Os códigos sociais que distinguiam as classes foram apropriados e muitas vezes simplificados e tornados mais próprios à burguesia do Seiscentos, sempre ciosa de utilizá-los como distintivos já que os separavam do povo. Afinal, a bur-guesia assumia papel cada vez mais relevante e principiava por constituir a socie-dade civil.

No século XVII, a linguagem através da qual a sociedade da corte se ex-pressava era diferente da utilizada pela burguesia. Elias (1990, p. 117) ilustra essas diferenças, no exemplo a seguir. Thibault, filho de pais burgueses em visita a uma sociedade aristocrática, ao ser perguntado pela saúde do pai responde, “Ele é seu humilde servidor Madame e continua acamado, como a senhora bem sabe, já que teve um bocado de vezes a gentileza de perguntar pelo seu estado de saúde”.

“Quase todas as palavras que o jovem Thibault diz são, pelos padrões da so-ciedade da corte, desajeitadas e canhestras, com ‘hálito de burguesia’ como dizem os cortesãos. Na sociedade da corte ninguém diz ‘como bem sabe’, ‘um bocado de vezes’ ou ‘acamado’” (ELIAS, 1990, p. 118).

Ao imitar regras de comportamento, hábitos, linguagem, relações sociais, usos do corpo, a burguesia em ascensão ia criando seus rituais de reconhecimento e distinção, fazendo desse processo educativo uma marca a constituir a sociedade civil. Como frisa Cambi, escreviam-se livros sobre boas maneiras, estabeleciam--se regras, máximas, provérbios, de forma a memorizar normas, difundindo-as. Iniciavam com as crianças, envolvendo os filhos da burguesia em campanhas de civilidade, que perpassavam a família e a escola, inserindo-as na civilização das boas maneiras.

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Revolucionários da Ciência: a Educação do século XVII

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A educação das altas camadas burguesas e em especial do gentleman inglês foi exemplarmente delineada por John Locke (1632-1704), considerado o fundador do empirismo, movimento que valoriza a ciência tanto como meio, quanto fim educativo. Afirma-se o que pode ser provado pela verificação experimental, diz ele no Ensaio sobre o entendimento humano.

O gentleman de Locke é o homem virtuoso. Capaz de renunciar aos próprios desejos, segue a razão, obedece a mente, nutre sentimentos de humanidade, tem hábitos de boa educação e não subestima os outros. Os princípios fundamentais que norteiam essa educação são:

a) mente sã em corpo são;

b) raciocinar com as crianças como meio de ensino;

c) priorizar a formação prático-moral em relação à intelectual tendo em vista a utilidade das disciplinas a serem ensinadas;

d) centralidade das experiências – despertar a curiosidade da criança por meio do jogo e do trabalho. Para promover tais princípios, o preceptor deveria ter cultura, boa educação, seriedade e conhecimento do mundo, dando o bom exemplo (CAMBI, 1999).

Assim, em que pesem as diversas concepções de educação e processos edu-cativos atinentes aos diferentes extratos sociais, a escola do século XVII,

se racionaliza e se laiciza, torna-se um instrumento cada vez mais central na vida do Estado (e também da sociedade civil) e, portanto, cada vez mais submetida ao controle e à planifi-cação por parte do poder público; processo que exalta sua função e difunde a sua ideologia, ligada à disciplina e à produtividade da educação-instrução. (CAMBI, 1999, p. 308)

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No Brasil, a revolução pedagógica deitava arcas

Ainda entre clérigos

Embora a educação no Brasil colonial do século XVII se mantivesse ancorada no ensino dos jesuítas e a formação de clérigos permanecesse na ordem do dia, algumas transformações já se faziam sentir.

A partir de 1549, quando foram fundados, até 1599, os colégios brasileiros tinham a catequese e o ensino entre os seus objetivos, segundo as propostas do padre Manoel da Nóbrega para a Bahia. Ensinava-se a ler, escrever e gramática (leia-se latim, pois este além de constituir a formação básica dos letrados, era indispensável aos futuros clérigos). No colégio de São Vicente dava-se aulas de leitu-ra, escrita, canto, flauta e latim; em São Paulo, José de Anchieta ministrava aula de latim no Colégio Piratininga, em 1554. No ano de 1568 foi proposto o curso de dialética para o Colégio da Bahia, tendo o curso de artes (filosofia e ciências) começado em 1572 (com 20 alunos em 1593, já contava com 40 em 1598). Havia ainda teologia moral – ou Casos de Consciência – em 1556 no Colégio de São Vicen-te; teologia dogmática (ou especulativa) a partir de 1572 (HANSEN, 2001).

Depois de 1599, aplicou-se a Ratio Studiorum em todos os colégios brasileiros e os estudos dividiram-se em inferiores e superiores. Os inferiores eram gramática (latim), humanidades e retórica. Os estudos inferiores ti-nham uma cadeira privada (retórica e gramática) para os irmãos da Companhia e quatro classes públicas (pri-meira, segunda e terceira de gramática; além da escola elementar para os meninos). Os estudos superiores eram teologia, filosofia e matemática. (HANSEN, 2001, p. 17)

Os cursos de artes (basicamente filosofia) ministrados em Portugal eram propedêuticos aos cur-sos da Universidade de Coimbra, porém os aqui ministrados não preenchiam esse requisito, obrigando os alunos a cursá-los mais uma vez, ou prestar exames de equivalência. A Ratio Studiorum e todos os preceitos de ensino que a compunham estavam diretamente relacionados a combater as heresias, leia--se lutar contra as verdades da Igreja reformada. Assim, a retórica adquiria importância fundamental: era “um modo de pensar e de organizar todas as representações das matérias em todas as atividades dos cursos”, pois a pregação oral funcionaria como modo privilegiado de propagar a fé, opondo-se às teses de Lutero de que a leitura da Bíblia prescindia do clero, pois se constituía em exercício indivi-dual. A retórica era ensinada através de preceitos, estilo e erudição, recuperando autoridades antigas: Cícero, Quintiliano, Aristóteles e Santo Agostinho.

Assim no século XVII buscava-se implementar a Ratio. Após a publicação da Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Iesu, em 1599, contemplava-se o que “havia de melhor” em todas as experiências desenvolvidas nos colégios jesuíticos.

E o que aparecia como novo?

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No Brasil, a revolução pedagógica deitava arcas

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O conhecimento deve ser produto da prática coletiva dos padres que repe-tem saberes autorizados como aplicação imediatamente útil, assegurando unidade de pensamento e ação (HANSEN, 2001).

Ao fim e ao cabo estava (re)colocada a ortodoxia da Igreja de Roma contra os luteranos, calvinistas e heréticos em geral. A Ratio era um código prático de leis pedagógicas, como descreve Hansen. O conhecimento advinha de modelos que devem ser exercitados, repetindo-se exemplos que guiarão as ações. Esses processos intelectuais e práticos servem para todos os cursos, tanto inferiores quanto superiores. O currículo tem doze classes, a aprendizagem das matérias é graduada, atendendo idade e nível dos cursos.

Desde a classe inferior de gramática, os alunos aprendem as cerimônias e os ritos cristãos, que são sistematizados doutrinária e teoricamente nos cursos de artes, ou filosofia, e teo-logia. Todos os cursos são orientados pelo estudo de preceitos, estilos e erudição, ou seja, prescrições e regras das línguas, da retórica, das letras, da filosofia, e teologia; exercícios com os vários gêneros retórico-poéticos de representação das matérias das humanidades, memorizadas como tópicas ou lugares-comuns já aplicadas e desenvolvidas pelas várias autoridades estudadas; memorização de técnicas de falar e escrever, além dos esquemas da própria arte da memória. (HANSEN, 2001, p. 18)

Porém, como ressalta Hansen, embora a educação jesuítica tivesse manti-do aspectos da tradição utilizados pela Ratio, o ideal de homem a ser formado encontrava-se em consonância com aquele demandado pelos Estados católicos do Seiscentos: inseria-se no corpo místico-político, atendia a civilização dos costu-mes, conformava o homem discreto, letrado e virtuoso.

E as mulheres coloniais?Rezar, ler, trabalhar são ocupações úteis que podem preservar do ócio, mas não devem ter um objetivo secular. São atividades que devem manter a jovem ocupada enquanto está em casa; e não deve sair de casa a não ser para ir à igreja. As mulheres não podiam transpor os limites da esfera privada para se introduzirem no espaço exterior onde, na vida econô-mica, social, política e cultural, quem prevalecia era o homem. Esse regime de castidade, decoro, obediência e silêncio era reservado às mulheres. (KING, 1991, p. 219)

No entanto, após o Renascimento se passou a acreditar que não havia defei-to congênito na mente que impedisse as mulheres de ter acesso ao saber. Porém, os principais objetivos ao educá-la residiam em desenvolver a honestidade e a castidade, como afirmava Juan Luis Vives, em obra do século XVI, denominada De institutione foeminae christiane. Se essa era a regra, havia exceções e várias mulheres europeias ricas dedicavam-se ao mecenato1, ou dirigiam os estabeleci-mentos dos maridos quando eles se ausentavam, o que implicava em uma educação que extrapolasse o recato e a devoção. Na primavera e no verão da França de 1689, a condessa de Rochefort inspecionou colheitas, mandou reparar o moinho, inventa-riou frangos e perus, dirigiu o corte e a cardação da lã, a produção da seda, além de ter tratado da produção, armazenamento e venda de vinho (KING, 1991).

Educação feminina bastante restrita às famílias de posses, sofreu algumas mudanças com o advento da Reforma. A partir de fins do século XVI instituíram--se escolas para as mulheres, especialmente na Alemanha. Inicialmente ensinava-

1A título de exemplo: Isabella d’Este, filha do

duque de Ferrara, teve como pre ceptor um importante ho-mem de letras. Do mi nava o grego e o latim, tocava alaú-de, dançava e conversava de modo erudito. Casada, pre-sidia festas e representações da corte, protegia artistas, mú sicos e estudiosos. Quan-do o marido foi preso durante guerras na Itália, governou brilhantemente, embora tenha recebido o desprezo por ter se saído muito bem (KING, 1991).

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-se o essencial de forma que conseguissem ler, quando então poderiam voltar para as artes do fuso, instrução que foi paulatinamente sendo alterada no decorrer da Idade Moderna (KING, 1991).

Já no Brasil Seiscentista, as mulheres deveriam permanecer escondidas no sacrossanto lar. Como admitia um relatório holandês de 1638, “os homens são muito ciosos de suas mulheres e as trazem sempre fechadas [...]” (ARAÚJO, 1997, p. 58).

Mulheres trancafiadas em casa a fiar e a coser, ou quando educadas so-mente obteriam sê-lo para a submissão e a contenção, povoaram a historiografia brasileira por um longo período. Como ressalta Vainfas (2000, p. 414-6), a mulher no Brasil dos tempos coloniais ganhou vários estereótipos: as brancas passavam por castas e enclausuradas; as negras, mestiças e indígenas por pervertidas, pois extremamente excitadas sexualmente. Porém a partir dos anos de 1980, há outra vertente de estudos que dá conta de outras “realidades desafiadoras”.

Desde o início da colonização mulheres colocaram-se à frente dos negócios mais varia-dos, como donas de engenho, vendas, tabernas. Estudos quantitativos demonstraram por outro lado, o elevado percentual de domicílios chefiados por mulheres, sobretudo nos centros urbanos, onde quase 50% das unidades domésticas eram chefiadas por mulheres. A insubmissão também pôde ser constatada pela quantidade expressiva de raptos, com a concordância das mulheres, e de fugas. Em quase todos os divórcios ocorridos no Brasil colonial, foram as mulheres que iniciaram o processo, o que tem sido interpretado como reação de esposas maltratadas.[...] A historiadora Leila Algranti afirma que romper com os estereótipos de reclusão e submissão das mulheres foi uma contribuição definitiva da historiografia, mas alerta para o risco de se excluírem da história as mulheres menos ou-sadas que viveram reclusas ou se submeteram à dominação masculina, possivelmente a grande maioria, segundo a autora. (VAINFAS, 2000, s. p.)

Adverte, Vainfas sobre o mito da pobreza das não brancas.Inúmeras mulheres pretas ou pardas, livres ou libertas acumularam pecúlio e escravos suficientes para enriquecer, embora sem o prestígio das brancas. Tais mulheres talvez tenham lutado mais que as brancas para manter seus lares e filhos. Reconstruíram identi-dades num mundo tecido à margem dos modelos dominantes. (VAINFAS, 2000)

E como teriam sido educadas essas mulheres?

“Mulher que sabe muito é mulher atrapalhada, para ser mãe de família saiba pouco ou saiba nada”2

Os poetas bem exprimiam através de seus versos como deveriam ser educa-das as mulheres, tanto em Portugal quanto no Brasil. Gonçalo Trancoso aprovei-tando-se de seu público leitor, principalmente masculino, expressava a mentali-dade da época: “Afirmo que é bom aquele refrão que diz: a mulher honrada deve ser sempre calada”. E ele mesmo ao ser solicitado a ensinar a ler a uma senhora portuguesa lhe teria indicado as contas de um rosário de orações, acompanhado de um abecedário moral. A letra A, era seguida do conselho: a mulher deve ser amiga de sua casa; H significava ser humilde ao marido; M mansa; Q quieta; R regrada e assim por diante. Finalizava com a máxima: cumprido à risca, o

2Verso declamado tanto no Brasil quanto em Por-

tugal. Ver “Mulheres edu-cadas na Colônia”, de Arilda Inês Miranda Ribeiro.

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abecedário revelava-se mais promissor do que aqueles livros de orações que a senhora desejava ler (RIBEIRO, 2000).

Como assinala Ribeiro, duas mulheres assinavam o nome em 1627 em São Paulo, inserindo-se no espectro das abastadas. Eram elas: Leonor de Siquei-ra, sogra do Capitão-Mor Pedro Taques de Almeida e Madalena Holsquor, de origem flamenga.

A exemplo do que acontecia na Europa, aqui também as mulheres adminis-travam negócios públicos e privados quando os importantes maridos se ausenta-vam. Vide D. Ana Pimentel, responsável pela capitania de São Vicente, quando Martin Afonso de Souza precisou retornar a Portugal, ou D. Beatriz de Albuquer-que, esposa de Duarte Coelho que assumiu a capitania de Pernambuco. Tanto uma como outra tomaram medidas administrativas, doaram terras, apaziguaram conflitos dando conta do recado (RIBEIRO, 2000).

Claro que muitas mulheres endinheiradas, como hoje dizemos, não faziam nada. Deixavam-se carregar em liteiras, quase imóveis, engordavam, deforma-vam-se, fosse pelo excesso de comida ou pelo número excessivo de filhos (RIBEI-RO, 2000).

Lembremos que entre 1650 e 1759 fundaram-se os principais colégios jesu-ítas, porém lá não estudavam meninas3.

Se as mulheres dos altos signatários portugueses basicamente não se instruíam, as mulheres negras e escravas, tudo pareciam aprender no trabalho e suas filhas lhe seguiam a trilha. Porém, o fato é que as pesquisas a respeito da educação das mulheres no século XVII, no Brasil, ainda estão por fazer.

Os conventos educavam as mulheresReivindicado de longa data, enfim os moradores de Salvador teriam um con-

vento feminino. Em 1665, D. Afonso VI autorizou o funcionamento do Convento de Santa Clara do Desterro, tendo licença papal somente em 1669. As autoridades se furtavam a conceder licença para abertura de conventos, pois as mulheres co-loniais, em especial as brancas, deveriam casar-se e constituir as famílias cristãs, ao gosto da Metrópole que muito queria ver o território povoado, e não moças recolhidas (SILVA, 1994).

Diferentemente da Coroa, as famílias dos senhores coloniais, tinham lá suas razões. Ter filhas no convento atendia vários quesitos: era medida de distinção social; garantia que suas terras não seriam divididas caso tivessem muitas filhas; poderiam aí trancafiar suas mulheres quando se revelassem adúlteras e também tiravam de circulação filhas rebeldes (RIBEIRO, 2000).

Nos conventos, as mulheres tinham acesso à educação, aprendendo leitura, escrita, música, cantochão, órgão e trabalhos domésticos tais como preparo de doces ou flores artificiais e a rigor não pareciam sofrer grandes privações, pois as filhas de famílias ricas vestiam “por baixo de seus hábitos camisas bordadas[...]

3Os colégios dos jesuítas, seu grau de ensino e lo-

calização estão descritos no verbete “colégios” no Dicio-nário da história da coloniza-ção portuguesa no Brasil, co-ordenado por Maria Beatriz Nizza da Silva.

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calção e meia de seda ligando-as com fivelas de ouro cravadas de diamantes” (RIBEIRO, 2000).

Entrar e ser educada em um convento não era acessível a quem tivesse somente vocação, pois dispendiosos eram os valores cobrados a título de dote. Para o ingresso na categoria denominada freiras de véu negro, exigia-se 600$000 réis e para as de véu branco 300$000, pagos com financiamento muitas vezes proporcio nado pelas rendas do próprio convento, auferidas pelo acúmulo de dotes e doações, que eram então emprestados a juro às famílias das futuras noviças (SILVA, 1994)

“A condição econômica estabelecia a posição social da população feminina dentro do convento”; além das freiras de véus havia ainda educandas que paga-vam para estudar e ainda as servas – mulheres brancas –, pois só depois de 1720, negras e mulatas puderam ali trabalhar.

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As luzes na Educação e o homem novo

P ara os iluministas, o homem poderia ser formado como ser moral e intelectual pela Educação e pela política. “Ora isso significa dizer que, ao refletir sobre a natureza humana, os iluministas encontravam a cultura, a sociedade e a educação” em estreita relação. Logo, o papel social do

homem estaria diretamente conectado a ele mesmo e à sociedade na qual se inserisse (HILSDORF, 1998).

A autora relembra: se os homens haviam sido desnaturalizados e infelizes e assim descritos por pensadores de períodos anteriores, fora decorrência do domínio teológico e feudal; maculados pelo pecado original, vivendo em um estado natural e imperfeito, só lograriam vencer se a educação alcançasse reprimir essas tendências naturais. Ademais, os racionalistas do Seiscentos acreditaram no a priori inato que marcava os homens, cabendo pouco à Educação. Somente obter-se-ia corrigir ou evidenciar o existente.

Se nas concepções de cunho religioso a graça divina salvava o homem, para os iluministas somente sua razão poderia construí-lo. Esse caráter racional-antropológico oferecia vastas possibili-dades à educação, porém, sempre variáveis já que diferentes pesos lhe foram atribuídos pelos homens das luzes. Um grande debate estabeleceu-se, tendo como foco o poder da Educação e seus limites, destacando-se Diderot, Helvetius e Rousseau entre os principais polemistas (BOTO, 1996).

Rousseau afirmava que a Educação não era tudo no processo de resgate da natureza humana, não acreditando na sua onipotência, pois havia a capacidade de opção, de desvio da norma prescrita (BOTO, 1996).

Já Helvetius, ferrenho defensor dos poderes educativos ilimitados, opunha-se a Rousseau, pois acreditava que a Educação tudo podia: não havia diferenças, fossem provenientes do nascimento, ou de qualquer ordem, todos seriam contemplados com as mesmas possibilidades físicas e mentais, sen-do a sociedade e a cultura as responsáveis pelas diferenças. O homem é moldável à Educação e aos hábitos, segundo afirmava (BOTO, 1996; HILSDORF, 1998).

Para Diderot, a Educação poderia muito e em sua Refutação de Helvetius, escrita entre 1773 e 1775, defendia que o homem não seria essa tábula rasa, donde tudo se inscreve, havendo limites para a ação educativa (BOTO, 1996). As estruturas mentais diferenciadas e as desigualdades deveriam ser respeitadas e compensadas no processo educacional, acessível a todos por meio da instrução pública (HILSDORF, 1998).

Grosso modo poder-se-ia dizer que, embora com variações e matizes, a Educação representaria o desenvolvimento da natureza humana.

Com o espocar das Revoluções Americana e Francesa acompanhadas dos princípios demo-cráticos que as marcaram, a questão da educação entrou na ordem do dia. Tratava-se de instruir os cidadãos e o processo educativo foi, nos dois países, objeto de grandes e representativas assembleias. Como assinala Manacorda (1989), “os políticos são os novos protagonistas da batalha pela instrução, ainda que Locke e Rousseau sejam seus inspiradores”.

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Jefferson e Franklin referindo-se aos direitos naturais dos homens afirma-vam que a liberdade exigia um certo grau de instrução do povo e assim lançaram uma “cruzada contra a ignorância”. Franklin argumentava pela instrução pautada nas boas maneiras lockianas, na moralidade, nas línguas vivas e mortas e em to-dos os ramos da ciência e das artes liberais. Jefferson por seu turno, defendia a es-cola elementar, gratuita para todas as crianças de 07 a 10 anos, após o que seriam selecionadas para o secundário e universidade (MANACORDA, 1989).

Na França revolucionária, Condorcet defendia uma instrução única, gratuita e neutra como direito de todos. Salientava que os conteúdos deveriam ser reno-vados, havendo predominância das coisas (ciências) sobre as palavras (as letras) relacionando-as com a vida social e produtiva (MANACORDA, 1989).

O movimento pela escola laica garantida pelo Estado vinha sendo discutido em vários países da Europa, na segunda metade do Setecentos, embalado pelas Luzes e pela Enciclopédia das Ciências, das Artes e dos Ofícios, organizada por Diderot e D’Alembert. Publicada em 1750, essa obra de letrados pretendia expor e classificar os conhecimentos e princípios nos quais assentava-se a ciência.

A Educação dos cidadãosA Educação pública estatal e civil aparecia assim como a chave mestra da

vida social, objetivando formar um sujeito humano civilizado, ativo, responsável, capaz de viver como homem-cidadão (CAMBI, 1999).

Nem Bíblias, nem figuras de pai, padre ou rei; nem mesmo a teologia ou a metafísica deve intentar formar esse homem autônomo, concebido segundo a razão iluminada. As novas instituições educativas devem ser independentes em relação aos antigos regimes, assinala Cambi; e a família, até então núcleo de interesses de linhagem, educadora segundo modelos autoritários e conformistas, transformar- -se-á em berço da educação, momento importante da experiência educativa.

A escola deve então passar por mudanças. Não aos colégios! – pois estes haviam se revelado obtusos em relação às línguas modernas e às ciências expe-rimentais, mantendo uma cultura fortemente humanística, retórica, classicista e antimoderna (CAMBI, 1999).

Como deve ser a escola do homem novo?Para desenvolver os homens e as potencialidades do seu intelecto, as insti-

tuições educativas precisavam ser renovadas, o que implicaria em:

nível de organização: o sistema escolar deveria ser orgânico, submeter-se ao controle público e articular-se em várias ordens e graus;

nível dos programas de ensino: novas ciências deveriam constituí-lo, bem como as línguas nacionais e os saberes úteis, afastando-se do mode-lo humanístico (linguístico-retórico e não utilitário);

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nível da didática: os processos de ensino-aprendizagem deveriam ser inovadores, mas científicos, empíricos e práticos.

Logo a escola estaria estruturada em um sistema, em permanente diálogo com as ciências e os saberes em transformação, confiante na alfabetização e na di-fusão da cultura como processo de desenvolvimento democrático (CAMBI, 1999).

O desenvolvimento da Educação das luzes esteve diretamente articulado à imprensa e à divulgação do livro, ao aumento do número de leitores e às articula-ções dos trabalhos impressos, enfim à “democracia entre páginas”, como Cambi denominou esse grande movimento. A divulgação da cultura efetuava-se através da leitura propiciada pelas sociedades de leitores, pelos círculos de livros, nos quais despontava o próprio gosto em ler. Havia bibliotecas circulantes e clubes livreiros e surgiram as primeiras lojas vendendo livros exclusivamente.

Assim, finalmente, pregava-se a Educação para o povo como instrumento para libertá-lo do atraso e da marginalidade psicológica e cognitiva (CAMBI, 1999).

A criança entra para a históriaJean Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo e escritor, em seu mais famoso

livro Emílio, um romance pedagógico de importante repercussão até nossos dias afirmava: “é bom tudo o que sai das mãos do criador da Natureza e tudo degenera nas mãos do homem”. Assim tudo o que intentava era ensinar o seu personagem a viver (“Viver é o ofício que lhe quero ensinar”).

O romance de Rousseau acabou tornando-se o manifesto do novo pensa-mento pedagógico. Pregou ser “conveniente dar a criança a possibilidade de um desenvolvimento livre e espontâneo.” [...] A Educação, segundo ele, não devia ter por objetivo a preparação da criança com vistas ao futuro nem a modelação dela para determinados fins: devia ser a própria vida da criança. Mostrava-se, por-tanto, contrário à Educação precoce. Era preciso ter em conta a criança, não só porque ela é o objeto da Educação (GADOTTI, 1996).

Pensando a criança como criança e não como um adulto em miniatura, Rousseau acabou por descobrir a criança e tornou-a sujeito, com história e identidade.

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Jesuítas expulsos, professores régios são contratados: inicia-se o lento processo de laicização educacional

O ilustre Antônio Ribeiro Sanches, grande inspirador do Iluminismo português, conhecia bem sua terra e mais do que isso, seus patrícios e a educação preconizada no amplo império d’aquém e além mar. O que se ensinava em terras lusitanas, segundo ele, somente possibi-

litaria ser sacerdote ou jurisconsulto.

De fato, nas terras da América portuguesa a preocupação das ordens religiosas centrava-se na formação de seus próprios quadros. E mesmo quando o ensino de primeiras letras e gramática estendia-se à população leiga, como ocorria em vários conventos, a maior preocupação das ordens re-ligiosas estava dirigida em dar formação aos monges para que eles pudessem participar dos cursos de filosofia e teologia e assim alcançar os estudos eclesiásticos. Os beneditinos, carmelitas e franciscanos assim procediam nas terras dos brasis (CARVALHO, 1985).

Após a expulsão dos jesuítas em 1759, extinguiram-se os seus colégios, iniciando reformas no ensino de latim, grego e retórica. Além disso, o Comissariado Geral de Estudos, criado pelo Estado português, instituiu novas disciplinas: aulas de ler e escrever, gramática latina, retórica e filosofia. No ensino médio surgiram novas matérias: línguas vivas, matemática, física, ciências naturais, sendo instituídas as Aulas Régias, em perfeita sintonia com o Iluminismo português, ou seja, cristão e católico.

Valendo-se daquelas ordens religiosas que permaneciam na Metrópole, a Coroa também passou a realizar concursos para contratar novos mestres e assim dar conta do ensino pós-reforma.

Os novos professores foram então remunerados com recursos provenientes de impostos cobrados na venda da aguardente e de carne abatida nos açougues. Denominado Subsídio Literário, esse recolhi-mento mostrou-se insuficiente e não raras vezes foi utilizado em práticas clientelistas de toda sorte.

Por seu turno, os professores régios não deixavam de escancarar as dificuldades encontradas no desenvolvimento de seu ofício. Como fervorosos batalhadores da laicização da educação no Brasil, avessos ao ensino peripatético ainda em vigor, não poucas vezes se dirigiram às autoridades. Veja a representação enviada à Rainha D. Maria I, em 15 de janeiro de 1787, por João Marques Pinto e Ma-noel Ignácio da Silva Alvarenga, respectivamente professores de grego e retórica:

Senhora – Nós os Professores Régios de Humanidades desta cidade do Rio de Janeiro abaixo nomeados, vendo com mágoa o abatimento em que se acham os estudos régios, não podemos deixar de pôr [...] as causas de tão funesto efeito, e apontar alguns meios com que estas nos parecem que poderão ser atalhadas para que não diga o público presentemente, nem a posteridade para o futuro, que nós advertidos pelos fatos passados, deixamos expi-rar em nossas mãos sem lhes procurar algum remédio, uns estudos que vimos há pouco serem restaurados à custa de tantos trabalhos pelo Augustíssimo Senhor rei Dom José da ruína em que estiveram sepultados por espaço de dois séculos, a fim de fazer feliz a sua Monarquia. [...] Criando pela lei de 06 de novembro de 1772 escolas de

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Filosofia, Retórica, Língua Grega nas cabeças de Comarca, como terras mais populosas, para tirar da infeliz ignorância seus Vassalos, e promovê-los à mesma prosperidade em que se acham aqueles povos onde estas e as outras ciências mais florescem.

Porém tal lei permanecia inócua. Fôra tamanha a resistência das ordens reli-giosas em aplicá-la, na cidade do Rio de Janeiro, que tais estudos haviam sido

não só abandonados pela mocidade que se destina ao Sacerdócio, por ser admitida fran-camente às Ordens, mas também (o que é mais) que os Clérigos e Religiosos devendo ser os primeiros em aconselhar [...] são pelo contrário os que mais se põem em campo contra eles a favor da ignorância e superstição, e os que mais se esforçam em persuadir a dita mo-cidade e mais vassalos de Vossa Majestade a que os desprezem, chegando os Religiosos, arrogando-se o ensino da mocidade [...] ao excesso de arrancarem industriosamente de nossas aulas para as suas, apesar dos nossos clamores, quantos desses poucos discípulos, que nós tínhamos, lhes foi possível, sem que ainda soubessem, como devia ser, Gramática Latina, nem as outras faculdades que lhes ensinávamos, atropelando as Ordenações de Vossa Majestade [...] das instruções feitas para regular as escolas Reais, e isto para que entretanto a mocidade por uns poucos de anos com a sua filosofia peripatética, já proibida pelas Leis como inútil e prejudicial ao progresso das ciências, e desviando-a de se ilumi-nar com os estudos de Vossa Majestade, a conservarem sem a mínima resistência na sua obediência por meio de uma ignorância que põe em descrédito a mesma Nação, como há pouco praticaram os Religiosos Beneditinos, e de Santo Antônio, e praticarão para o futu-ro se a força superior de Vossa Majestade não coibir os seus despóticos excessos. (RHIGB apud SANTOS, 1992)

Rebatendo também as críticas desfechadas pelas ordens religiosas de que não cabia aos seminaristas saírem com suas becas para frequentarem aulas de profes-sores em casas particulares, os mestres de humanidades solicitavam que o prédio no qual funcionava o ex-colégio dos jesuítas fosse transformado em colégio pú-blico para que ali ministrassem aulas e realizassem as demais funções literárias ordenadas. Convictos de que as forças dos conselhos são mais persuasivas do que as armas, reivindicavam também: “nenhuma pessoa se assente praça de cadete (onde certamente se sobe aos postos militares) sem ter seguido os mesmos estudos, segundo exemplo das nações mais civilizadas” (RHIGB apud SANTOS, 1992).

Enfim, propunham que nenhum vassalo da cidade do Rio de Janeiro se or-denasse sem apresentar certidões autênticas de ter estudado com aproveitamento língua latina e grega, retórica e filosofia nas escolas régias, “por serem estas as únicas onde se ensina à mocidade pelos métodos de sábios planos, [...] pois a Filo-sofia já banida que os religiosos ensinam ao público (devendo somente ensiná-la aos seus alunos Religiosos) consiste em umas apostilas peripatéticas, cheias de questões escuras e inúteis” [...] que só lograriam fazer perder o gosto pelos estu-dos, consumindo inutilmente anos. Afirmavam que o Rio de Janeiro deveria espe-lhar-se no Bispado de São Paulo, pois lá o iluminado prelado cobrava dos futuros sacerdotes o conhecimento dessas matérias (RHIGB apud SANTOS, 1992)1.

As ordens reais pareciam não ter o efeito esperado de sorte que a reforma pombalina dos estudos não foi efetivada de maneira uniforme pelas capitanias brasileiras. As aulas régias de primeiras letras previstas para existirem em todas as vilas nunca agregaram os mestres necessários, pois o recolhimento do subsídio literário não alcançava pagar nem os magros salários ofertados (SILVA, 1994).

1As aulas régias de gra-mática latina foram mui-

to escassas nos 700. Em 1772 só havia 15: 2 no RJ; 3 na BA; 4 em PE; 3 em MG; 1 no PA e ainda 1 em SP. Aulas de grego e filosofia somente existiam no RJ e BA e aulas de retórica também eram re-duzidas. Consultar Dicioná-rio da história da colonização portuguesa no Brasil, organi-zado por Maria Beatriz Nizza da Silva (p. 82-3).

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Mesmo após a vinda da família real para o Brasil, não parece ter havido ime-diata alteração na qualidade da educação escolar. Das aulas de primeiras letras às aulas régias – as classes foram ministradas de forma avulsa, faltando professores, manuais e recursos para custear a educação pública (VILALTA, 1997).

Os colégios-seminários: a Educação vetada aos judeus, negros, mulatos e aos filhos de “uniões ilícitas”

Tamanha falta faziam os recursos que expedientes diversos foram utilizados quando a carne escasseava e, então, o Subsídio Literário despencava. D. Azeredo Coutinho, por exemplo, no desempenho da direção-geral dos estudos em Per-nambuco, ao defrontar-se com uma intensa seca que rareou os estoques de carne fresca abatida, passou a exigir que fossem cobrados tributos sobre a carne-seca, além daqueles aplicados sobre a carne importada. A fora ter criado na Diocese de Olinda, um imposto pessoal sobre todos os habitantes com mais de 12 anos, ale-gando ser essa a única possibilidade para que estudantes e seminaristas pobres in-tentassem formar-se no colégio-seminário daquela diocese. Diga-se de passagem, instituição só frequentada por jovens ricos, no qual aprendia-se gramática latina, retórica, filosofia – com ênfase na natural – pois esta permitiria o levantamento das riquezas naturais do Brasil, geometria e teologia (ALVES, 2000).

O Seminário de Olinda, em que pese suas particularidades em grande medi-da alavancadas por Azeredo Coutinho, no que tange aos educandos frequentado-res em nada ficava a dever aos demais em sua época. Mantinha a tradição desses educandários em todas as ordens: formar seus próprios quadros. E mais, nesse caso específico o seminário fora fundado pela ala regalista da Igreja Católica, de cunho privado, porém financiado com recursos públicos.

Alves assim aponta as fontes de recursos do Seminário:[...] o Subsídio Literário, alargado ao incidir também sobre a carne-seca, e o impos-to pessoal de vinte réis. Logo, a partir dos doze anos, indiscriminadamente, todos os habitantes da capitania contavam-se como seus contribuintes. Contudo, não podiam usufruir dos serviços do colégio-seminário jovens nascidos de ligações matrimoniais ilícitas, que abundavam nos albores do século XIX, nem judeus, negros e mulatos, so-bre os quais pesava “infâmia de jérasão das reprovadas em Direito”. Assim a totalidade dos cidadãos era obrigada a custear os serviços escolares, mas a grande maioria, desde o princípio, não apresentava os pré-requisitos impostos pelos rígidos critérios que se-lecionavam os colegiais. Jovens pobres e órfãos jamais usufruíram de seus benefícios. (ALVES, 2000, p. 73)

Frente a tantas vicissitudes não seria de se estranhar, a escassa valoriza-ção atribuída à escola pela população pobre colonial. Parafraseando Vilalta, para a grande parcela das gentes era impossível valorizar a escola: como fazê-lo se a luta pela sobrevivência ou a ambição no caso dos colonizadores, levava-os a

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embrenhar-se pelos matos à procura de metais, “peças”, almas, animais [...]. Como fazê-lo, ainda, sendo escravos, estando sujeitos a outrem? Como pensar em escola, por fim, sendo homem livre expropriado, pobre, em uma palavra “desclassifica-do”, encontrando-se sempre sob a expectativa de recrutamento pelas autoridades para a execução de tarefas das mais diversas?

Haveria alguma possibilidade de a escola sensibilizar a esses homens e aos seus filhos?

Corporações de ofício: homens brancos e livres aprendiam atividades manuais

Filhos de pessoas de “menor qualidade” – referência de época às camadas populares – no máximo poderiam trabalhar e aprender às custas de sustento e cria ção, e quem sabe assim, adestrar-se em algum ofício mecânico. E olhe lá, pois os melhores mestres cobravam o aprendizado. Os aprendizes boticários, por exemplo, além do trabalho desempenhado no dia a dia, quando ousavam aprender com os melhores do ofício, só conseguiam mediante pagamento. Embora muitos deles fossem escravos, não encontrei fonte que ateste que um só deles tenha se tornado um boticário (MARQUES, 1999).

No Brasil colonial esse ofício mecânico tinha certo status de tal sorte que os escravos não logravam senão desempenhar os ofícios de sangrador ou barbeiro. Como salienta Beatriz Nizza da Silva (1993, p. 326), negros desempenhavam seus ofícios, inclusive em leprosários nos quais outros oficiantes da cura negavam-se a trabalhar: “só há [no Hospital de Lázaros no Rio de Janeiro] ao presente dois barbeiros, escravos, capazes, que se ocupam em ajudar a curar as feridas dos en-fermos, sangrá-los, a cujo exercício indivíduo algum de condição livre se quererá sujeitar, pelo asco e horror que causa a enfermidade”.

Como vês, caro aluno, o expediente de trabalhos indignos ou menores – principalmente aquele realizado com as mãos – tem permanecido como atividade a ser realizada não pelos escravos, porque livramo-nos dessa violência, mas por pessoas das classes populares.

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O século da Pedagogia e os vínculos com a sociedade: a Educação oitocentista

Novos sujeitos passíveis de serem educados

O século XIX é herdeiro das três revoluções do Setecentos: a Industrial, a Francesa e a Ame-ricana. Entendido como o século do triunfo burguês, nele muitos desafios foram colocados para a Educação.

Tratava-se de educar as massas populacionais que aportaram nas cidades em vista da expansão das fábricas, privilegiando os ideais de liberdade e do direito, a todos ampliado. Lembremos uma das máximas proposta pela Revolução Francesa: pretendia-se contemplar a Educação como direito de todos e dever do Estado.

O “século da pedagogia” como afirma Cambi (1999, p. 413-4), deparou-se com oadvento da sociedade de massa e com a afirmação do industrialismo, viu-se diante do problema da conformação a novos modelos de comportamento de novas classes sociais, de povos, de grupos, realizáveis apenas através da educação, mas uma educação nova (organizada de forma nova) regulada por teorias novas, por uma pedagogia consciente do desafio a que ela deve responder. Um século bastante rico em modelos formativos, em teorizações pedagógicas, em compromisso educativo e reformismo escolar, em vista justamente de um crescimento social a realizar-se de maneira menos conflituosa possível e de forma mais geral. É certo, porém, que este compromisso político-social da pedagogia não será inteiramente realizado, pelos conflitos entre forças sociais diferentes e seus modelos educativos que se ativarão no curso do século e que alimentarão, todavia, a riqueza e a criatividade da pe-dagogia, a sua intensa participação no complexo e contraditório desenvolvimento da sociedade contemporânea.

Os sistemas nacionais de Educação estão em pauta e todos disputam o controle da escola. Go-vernos, pedagogos, filantropos, burgueses iluminados, partidos, igrejas, procuram impor seus modelos educacionais. A proposta de uma educação nacional como mola propulsora de uma nação civilizada conta com a figura de Johann Gottlieb Fichte (1762-1814), entre os seus mais destacados inspiradores.

A escola pública aparece como o instrumento fundamental para o crescimento educativo das sociedades industriais. Sob os auspícios de leis maiores, o ensino elementar expande-se ao longo de todo o século, tanto na Europa como na América. Leiga e universal, gratuita e obrigatória a educação é proposta como direito dos cidadãos. O que já não acontece na mesma medida com a escola secun-dária, quase que exclusiva para aqueles que depois cursarão as universidades, centros de excelência e desenvolvimento da pesquisa científica. Para as crianças de 0-6 anos também são criadas escolas, e contidamente avança o ensino para as mulheres. Há uma maior preocupação com a formação daque-les que ensinam. Os professores também ganham suas escolas.1

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As escolas para crianças pobres; escolas para o povo

O suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) é considerado o idealizador das escolas populares. Influenciado pelo pensamento de Rousseau e também mo-vido pelo movimento romântico foi o primeiro criador de uma escola para órfãos na qual ensinava-se leitura, escrita e cálculo, além de uma prática laborativa.

Entendia que a humanização2 perpassava a ação educativa iniciada na família, porém, completada na escola. E as crianças deveriam aprender fa-zendo, trabalhando.

Em 1798 reuniu crianças abandonadas e tratou de cuidar delas. Ali de-senvolveu o método de ensino intuitivo e mútuo e certamente seguiu os prin-cípios delineados nas obras Leonardo e Gertrude, publicada em 1781 na qual elenca propostas acerca de reformas política, moral e social e Como Gertrude instrui seus filhos, de 1801, ambas de sua autoria. Como remarca Cambi (1999, p. 419), Pestalozzi

desenvolve uma educação elementar que parte dos “elementos” da reali dade, tanto no ensino linguístico como no matemático, analisando-os segundo o “número”, a “forma” e a “linguagem”; essa didática da intuição que segue as próprias leis da psicologia, a infantil em particular, que “procede gradativamente da intuição de simples objetos para a sua de-nominação e desta para a determinação das suas propriedades, isto é, a capacidade de sua descrição e desta para a capacidade de formar-se um conceito claro, isto é, defini-los”.

Ao fundar o famoso internato de Yverdon (1805), frequentado durante seus vinte anos de funcionamento por destacados intelectuais, vide Fröbel, Madame de Staël e estudantes de todos os países da Europa, adotou um currículo que dava ênfase à atividade dos alunos.

Apresentava-se no início objetos simples para chegar aos mais complexos; partia-se do co-nhecido para o desconhecido, do concreto para o abstrato, do particular para o geral. Por isso, as atividades mais estimuladas em Yverdon eram desenho, escrita, canto, Educação Física, modelagem, cartografia e excursões ao ar livre. (GADOTTI, 1996, p. 98)

Assim, três teorias norteiam o pensamento de Pestalozzi:

1. o processo educativo deve seguir a natureza, no qual espelha-se em Rousseau;

2. o homem deve ser formado espiritualmente como unidade de coração, mente e mão (arte), o que contempla a educação moral, intelectual e pro-fissional;

3. a instrução parte da intuição e do contato direto com as experiências vi-venciadas pelo aluno (CAMBI, 1999).

O legado de Pestalozzi mantém-se na contemporaniedade: apreende a peda-gogia e a educação em toda a sua problemática, “e também na sua centralidade e densidade históricas”, como assinala Cambi.

1A formação dos pro-fessores será tratada no

Brasil em vista desta pro-fissionalização estar em estreita consonância com a formação dos Estados, embo-ra sem perder as característi-cas gerais de sua constituição (CATANI, 2000).

2“A pedagogia do neo- -humanismo elaborada

na Alemanha por Friedrich Schiller, Wolfgang e Wilhelm von Humboldt, apre senta-se como uma referência explí-cita ao huma nismo do século XV e XVI e desenvolve-se como uma reflexão orgânica em torno do homem, bem da cultura e da sociedade em que ele deveria idealmente viver” (CAMBI, 1999, p. 420).

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Outros pedagogos também focaram seus trabalhos na educação dos mais pobres. Na Itália, principalmente no norte e no centro, proliferaram “escolas de ensino mútuo” voltadas para o atendimento dessa faixa da população. Dentro do objetivo de ensinar a ler, escrever e calcular procurava desenvolver nas crian-ças um comportamento de solidariedade recíproca, utilizando como monitores os alunos mais aplicados, capazes de auxiliar o professor na tarefa de instruir um número maior de educandos.

Um crescimento lento da escola elementar e popular é diagnosticado por Cambi, nos diversos sistemas nacionais de educação geridos pelo Estado. “Reali-za-se uma escolarização das massas, por vezes através de vias muito empíricas e de validade duvidosa (como o ensino mútuo) que estendem, porém, os rudimentos da instrução” a classes excluídas até então. Até a primeira metade do século as escolas privadas teriam assegurado uma certa instrução ao povo.

Só na segunda metade – após a regulamentação do trabalho infantil e a fixação da idade mínima para o início do trabalho (aos nove anos, na Inglaterra de 1833) – é que se opera uma escolarização mais difundida tendo em vista uma alfabetização de massa. Mas foi só em 1870 que se delineou – na própria Inglaterra – um sistema completo de instrução nacional, tornado obrigatório só em 1880, enquanto em 1891 foram abolidas as taxas para a escola elementar. (CAMBI, 1999, p. 493)

A educação do povo também foi debatida por Karl Marx (1818-1883). Rela-cionando educação e sociedade, acreditava que não havia possibilidade de pensar as práticas educativas de uma determinada sociedade desvinculadas da situação socioeconômica e da luta de classes. Ao despojar a pedagogia de qualquer aspecto que diga respeito à neutralidade inseriu-a no mundo da política e do social. Assim a proposta educativa de Marx e Engels3 desenvolve-se intrinsecamente ligada ao “papel fundamental atribuído ao trabalho no âmbito escolar”, vinculado ao trabalho produtivo da fábrica e, portanto, à sociedade na qual se insere (CAMBI, 1999).

Assim consolida-se a relação entre indivíduo e ambiente histórico-natural, fundamental para a humanização do homem. “Nas Instruções aos delegados, Marx afirma ‘numa situação racional da sociedade, toda a criança sem distinção a partir dos nove anos de idade deveria torna-se um operário produtivo’, e supõe uma divisão das crianças em três classes de idade (dos 9 aos 13 anos; dos 13 aos 15; dos 16 aos 17), nas quais a atividade laborativa deve ser respectivamente de duas, quatro e seis horas”, sempre acompanhada da instrução pensada como for-mação espiritual, educação física (ginástica a exemplo dos exercícios militares) e instrução politécnica ou tecnológica (CAMBI, 1999).

O modelo de educação marxista,introduziu na pedagogia contemporânea pelo menos duas propostas que podem ser consi-deradas revolucionárias: a referência ao trabalho produtivo, que se punha em aberto con-traste com toda a tradição educativa intelectualista e espiritualista, e a afirmação de uma constante relação entre educação e sociedade, que se manifesta tanto como consciência de um valor ideológico da educação como projeção “científica” de uma “sociedade liberada”, também no campo educativo. (CAMBI, 1999, p. 485)

3Friedrich Engels (1820-1895) é um dos fundado-

res do materialismo histórico, juntamente com Marx.

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Na Comuna de Paris, por exemplo, o modelo de Marx e Engels se fez pre-sente: a instrução popular não contemplava qualquer finalidade religiosa, proibida inclusive; todas as crianças deveriam receber a mesma instrução, independente da sua classe social, devendo a mesma ser gratuita; as mulheres teriam a mesma instrução proporcionada aos homens. Iniciam-se novas instituições de ensino com ampla preparação profissional aliadas à uma rigorosa instrução científica. “Por fim, uma atenção especial foi dedicada aos ‘abrigos’, nos quais foi introduzida uma educação completa da criança” (CAMBI, 1999, p. 485).

Também na Itália abriram-se abrigos “de escola infantil para os pobres”. Seu idealizador Ferrante Aporti (1791-?), afirmava que 12% da população estava constituída de crianças pobres que não poderiam andar a mendigar. No enfrenta-mento deste quadro propunha como solução o atendimento de crianças de 2 anos e meio a 6 anos em abrigos que, inspirados no método de educação intuitiva de Pestalozzi, instruiriam as crianças através de jogos, oração, canto e desenho.

A Educação dos pequenosO alemão Friedrich Fröbel (1782-1852) fundou uma escola para crianças de-

nominada Instituto para os pequeninos. É apontado como o pedagogo do roman-tismo4 e o grande idealizador do jardim de infância (o kindergarden); até então só havia abrigos da infância, espaços com características somente de recolhimento.

Segundo a proposta de Fröbel, os jardins de infância deveriam desenvolver atividades coordenadas por uma professora especializada e, diferentemente das escolas, encarregada mais em orientar do que propriamente administrar ou ge-renciar. Fröbel acredita que o espaço dedicado às crianças deve estar aparelhado para jogo e o trabalho infantil, como também para as atividades de canto. “No jardim é a ‘intuição das coisas’ que é colocada no centro da atividade, é o jogo que predomina”. Devem existir áreas verdes e canteiros para estimular as variadas atividades das crianças (CAMBI, 1999).

Ele acrescentava ainda atividades de dados: material didático constituído de objetos geométricos que iniciariam os pequenos na compreensão da essência da natureza, dotados de valor simbólico e didático5.

A pedagogia fröbeliana fixou uma imagem da infância como idade criativa e fantástica, que deve ser “educada” segundo suas próprias modalidades e que é, talvez, o momento crucial da educação, aquele que lança as sementes da personalidade futura do homem e que; portanto, deve ser enfrentado com forte consciência teórica e viva sensibilidade formativa. Com Fröbel, estamos diante de um pedagogo que, pela primeira vez depois de Rousseau, redefiniu organicamente a imagem da infância e teorizou a da sua escola (CAMBI, 1999, p. 427).

4“Para ele o mundo intei-ro é a imagem sensível do

devenir do espírito humano” (CAMBI, 1999, p. 425).

5Essa teoria dos “dados” foi o aspecto mais criti-

cado das propostas de Fröbel por ter sido considerada arti-ficiosa, matemati zante e abs-trata (CAMBI, 1999).

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Os anos Oitocentos no Brasil: cabe derramar a instrução para todas as classes

E xaminando a Constituição política do Império do Brasil, jurada em 25 de março de 1824, obser-vamos em sua letra um avanço significativo: a instrução elementar estava garantida. O artigo 179, parágrafo XXXII indicava: a instrução primária é gratuita a todos os cidadãos. A criação

de escolas de primeiras letras deveria ser efetivada em todas as cidades, vilas e lugarejos, reservando--se às comarcas o ensino secundário. Criar-se-iam ainda aulas para as meninas nas cidades e vilas mais populosas, promovendo os estudos “o quanto é possível”, como dizia D. Pedro em alusão ao Co-légio das Educandas, fundado no Rio de Janeiro sob a direção do bispo local, “para instruir moças”, como registra Chizzotti (2001).

Na província do Paraná, por exemplo, onde também foram criadas classes voltadas às crianças do sexo feminino diversas foram as dificuldades para a consecução desse objetivo, a começar pela indefinição do currículo. Em 3 de novembro de 1879, a professora Maria Rosa dos Santos, professora primária da vila de Palmeira, dirigiu-se ao diretor-geral da Instrução Pública para apontar as dificul-dades que se apresentavam ao bom andamento de suas aulas:

Ensinar a ler é “acender o lume”, diz Victor Hugo. Porém nesta sábia asserção estão compreendidas muitas per-cepções que devem subentender-se. Assim mesmo à meninas deve-se ensinar o mais perfeitamente possível. Ora, a ciência que ensina a ler e escrever perfeitamente (e por conseguinte, a falar corretamente) é a gramática; mas a gramática é o pomo vedado às meninas por certo número de pais, senhores absolutos de suas filhas! Nestas conjeturas esmorece a dedicação, falece o ânimo, aniquila-se o prazer e impossibilita-se os exames finais nas escolas. (BAP, 1988)

Prosseguia ainda, salientando a necessidade de maiores recursos para o aluguel da casa e uten-sílios essenciais tais como mesas e cadeiras.

Meninas tendo acesso à escola, revelava-se um avanço, mesmo que ainda separadas dos meni-nos. Ao que tudo indicava, teríamos educação para o povo.

Mas não aconteceu exatamente assim. Apesar dos intensos debates legislativos registrados nas Assembleias Provinciais, preocupadas com a “necessidade de escolarização da população, sobretudo das chamadas ‘camadas inferiores da sociedade’” (FARIA FILHO, 2000), a lei não se cumpria no seu todo.

A elite imperial educava seus filhos através de preceptores, preferentemente estrangeiros. Pre-ceptoras francesas ou alemãs, como Ina von Binzer, desembarcaram no Brasil aptas a educar filhos de fazendeiros ou pupilos provenientes de famílias abastadas (RITZKAT, 2000).

Sem acesso a essas facilidades, a grande massa analfabeta permanecia apartada da escola, caracterizando uma situação ainda precária, embora se desenvolvessem importantes iniciativas edu-cacionais no âmbito de diversas províncias, na tentativa de implantar um sistema escolar de ensino mútuo, por meio do método lancasteriano.

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Vale citar, por sua importância, a experiência de implantação do método lancasteriano no Brasil que, apesar da dimensão alcançada, não conseguiu se con-solidar como alternativa eficaz. Na Inglaterra, o método imaginado por Lancaster e Bell previa que os próprios educandos, na condição de alunos-mestres, seriam incumbidos da tarefa de ensinar outros alunos. A proposta que inicialmente pa-recia atender reivindicações há muito colocadas no sentido de proporcionar edu-cação ativa, cooperativa e humana, permitiria a formação de um número maior de alunos. Ensinando, simultaneamente, leitura e escrita, revelou-se, no entanto, limitada, pois não foram satisfeitas minimamente as condições necessárias para seu adequado desenvolvimento (BASTOS; FARIA FILHO, 1999).

Os professores primários, em sua grande maioria mal remunerados, eram considerados sem preparo adequado pelas autoridades e, comumente, casti-gavam corporalmente seus pupilos. Em 1888, havia 250.000 alunos na escola primária para uma população de mais de 4 milhões de habitantes, assinalava Werebe (1985).

Porém, estudos mais recentes, baseados em novas pesquisas, têm demons-trado que nem tudo eram “trevas”. A título de ilustração: na cidade de Curitiba, nos idos de 1874, um professor, José Cleto da Silva, fundou e manteve, após a lei que proibiu o tráfico, uma aula de ler, escrever e contar para escravos e operários do sexo masculino. Nessa aula de instrução primária encontravam-se 13 mulatos, 5 fulos e 5 pretos, sendo 21 deles ainda “posse de seus senhores” e com autoriza-ção para lá estarem. O professor, ainda em 1874, escreveu ao presidente da provín-cia solicitando apoio ao seu empreendimento, no qual enfatiza: “dedicando-me ao ensino da classe menos protegida pela fortuna, só tenho em vista prestar um bem ao meu país, sendo útil e melhorando a condição daqueles que mais precisam pelo seu estado e posição social” (PANDINI et al., 2000).

Já o ensino secundário estava reservado aos Liceus criados nas capitais de cada província. No entanto, a conjugação dos parcos recursos existentes com uma política inadequada de tributação e arrecadação limitava em muito a capacidade de ação das províncias no campo educacional (ROMANELLI, 1997). Mas, o que parece ter sido a tônica foi a tentativa de reunir antigas aulas régias em Liceus desprovidos de um mínimo de organização. Convém salientar que no Oitocentos, o ensino secundário tinha como principal finalidade o preparo do aluno para os cursos superiores, atribuindo-se muitas vezes às próprias escolas os exames de admissão exigidos para ingresso nos referidos cursos.

Não é de surpreender, portanto, que as escolas secundárias particulares des-tinadas àqueles que pudessem pagar se multiplicassem e prosperassem e que as ordens religiosas permanecessem responsáveis por esse nível de ensino. Registra--se ainda que já na segunda metade dos 800, houve uma disseminação de escolas vinculadas a grupos protestantes (ALBINO, 1996).

Em 1837 criou-se no Rio de Janeiro o famoso colégio D. Pedro II com o objetivo de servir de modelo aos demais liceus provinciais. Estes, porém, encon-travam dificuldades, a considerar a falta de professores preparados, prédios ade-

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quados e materiais necessários. Assim os liceus de Curitiba, Natal, São Luís, entre outros, foram fechados.

O relatório do ano de 1858 da Inspetoria Geral da Instrução Pública apre-sentado ao presidente da província do Paraná revelava mais uma dificuldade a ser posta: “todo arbitrário que era o plano, como a divisão do ensino, torna atualmen-te difícil a colocação dos alunos nas classes estabelecidas, tanto mais que os pro-fessores em geral propensos a fazer figurar nas escolas a classe superior, alunos que não estão preparados. Tal estado de cousas tornam solitárias e silenciosas as aulas secundárias, por falta de mocidade preparada para elas” (BAP, 1984).

Na tentativa de suprir a crônica falta de professores, são criadas, naquele século, as primeiras escolas normais brasileiras.

Cabia formar professoresO magistério inserido na educação média teve em Niterói seu primeiro esta-

belecimento, fundado no ano de 1835, e que depois seria unido, em 1847, ao Liceu Provincial de Niterói (VILLELA, 2000).

Naquele período a grande preocupação das escolas normais estava vol-tada à necessidade de divulgar uma mentalidade moralizante, maior até do que difundir conhecimentos. Havia que se controlar o próprio trabalho do professor, possível com o fortalecimento do sistema de inspeção (VILLELA, 2000), assim revelado neste relatório da Inspetoria Geral da Instrução Pública do Paraná, no ano de 1858:

Já podemos na atualidade nos preocupar com mais razão e esperança de melhor sucesso do trabalho, do método e da disciplina do pedagogo, visto como, meios se têm empregado para atrair o pessoal apto para o magistério público, melhorando, como se tem melhorado, a sorte de tais funcionários. É verdade que a aptidão provada não basta; porque se não existir uma vigilante inspeção, sobre a escola, o professor irá sempre diminuindo de es-forço ou pelo menos ficará estacionário no seu trabalho.

Na inspeção está tudo; esta vela no progresso da pedagogia, estimula os brios do professor e torna-se o complemento da escola. (BAP, 1984)

Os currículos das escolas normais em pouco diferiam do currículo da ins-trução primária, a não ser metodologicamente. Nele os professores precisavam dominar o método lancasteriano, apesar da pouca eficiência demonstrada. Porém, o potencial moralizador do método tudo parecia suplantar. Aplicá-lo significava desenvolver hábitos de disciplina, ordem e hierarquia, sem a necessidade de apelar para as punições (VILLELA, 2000). E só vinham garantir os esforços dispensa-dos pelas vigilantes inspeções a que estavam submetidos os professores. Na acep-ção das autoridades educativas, a formação pela disciplina moralizada tornava-se mais importante ao professor do que o domínio de conhecimentos. Cabia mais conformar do que informar.

Em uma sociedade patriarcal, baseada no trabalho escravo, como desenvol-ver um ensino público de segundo grau de boa qualidade?

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O ensino que profissionalizaO ensino profissionalizante, por sua vez, não oferecia atrativos às classes

sociais subalternas para as quais este era pensado e as “classes emergentes” que-riam livrar-se da pecha das ocupações consideradas de segunda categoria, vide o exemplo das escolas de agricultura fundadas ainda sob D. João VI, cujas vagas oferecidas não eram preenchidas.

Os Liceus de Artes e Ofícios destinados à classe operária tinham o intuito de instruir racionalmente, via técnicas modernas, as artes e ofícios industriais. Tanto no Rio de Janeiro (1858) quanto em São Paulo (1873) ofereciam-se cursos gratuitos, mantidos por Sociedades como a Propagadora de Belas Artes no caso do Rio, ou a Sociedade Propagadora da Instrução Popular em São Paulo. Vetados aos escravos, somente ofereciam cursos para os ofícios desempenhados por ho-mens livres, e ensinando àqueles considerados convenientes (CUNHA, 2000).

O ensino superior aparecia como a escola de maior atenção no Brasil imperial, situação cômoda se não fosse trágica, em face da massa de anal-fabetos existente.

Predominavam os cursos de Direito, seguidos de Engenharia e Medicina, principalmente em meados do Oitocentos. O país precisava de quadros políticos, técnicos e administrativos genuinamente nacionais como forma de desfazer qual-quer vínculo metropolitano. Assim, desde 1825, D. Pedro incentivava a implanta-ção de cursos de Direito. Era de suas fileiras que saíam nossos letrados fosse para a política ou cargos administrativos. Formação que guardava o teor retórico e a eloquência no qual contavam muito mais as palavras como ressalta Fernando de Azevedo, na obra A cultura brasileira.

Os engenheiros, por sua vez, se faziam necessários nos empreendimentos de várias áreas, tais como transportes, mineração e urbanização. A medicina e suas áreas afins encontravam-se em alta, já que havia predominância de práticos nas profissões da saúde, aos quais os médicos e suas instituições visavam afastar (COELHO, 1999).

Escolas para os pequeninosHavia ainda a Educação das crianças pequenas, cuja faixa etária variava

de 0 a 6 anos. As primeiras escolas aparecem no Brasil em meados do século XIX, denominando-se jardins da infância, escolas maternais ou ainda creches, dependendo da inserção social da criança atendida. Até então somente crianças, abandonadas, eram atendidas em locais especiais. Vide especialmente as Santas Casas de Misericórdia que recolhiam crianças deixadas nas rodas dos expostos, confiando-as a seguir às amas que as criariam até terem idade para ingressar em outras instituições, fossem elas filantrópicas ou de formação para o trabalho1.

As creches destinavam-se às crianças pobres, menores de 2 anos de idade, cujas mães trabalhadoras não tinham com quem deixar seus filhos, sendo funda-

1Recomendo o livro, His-tória Social da Crian ça

Abandonada de Maria Luíza Marcílio, São Paulo: Hucitec, 1998.

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das somente após a proclamação da República Brasileira. As escolas maternais haviam substituído os ditos “asilos da segunda infância”, de acordo com o modelo francês, e abrigavam crianças de 2-3 a 6 anos de idade, antecedendo-se assim à escola primária (KUHLMANN JR., 2000).

Já os jardins de infância poderiam abrigar também crianças de famílias “bem de vida”, seguindo o modelo dos jardins de infantes em voga na Alemanha, de onde são oriundos.

O primeiro jardim de infância público é construído como um anexo da esco-la Normal Caetano de Campos, em 1896, “materializando a proposta educacional do Partido Republicano Paulista. A escola primária e o jardim anexo seriam um local de estágio para as professoras e difundiriam modelos para as escolas oficiais em todo o estado, por meio da Revista do Jardim de Infância, que teve dois núme-ros publicados” (KUHLMANN JR., 2000, p. 477).

Somente na Constituição de 1988, o dever do Estado no que se refere à educação das crianças, aparece na letra da lei, “mediante a garantia de [...] atendi-mento em creche a pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade. O Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, destaca também, o direito da criança a esse atendimento” (KISHIMOTO, 2001).

Coube à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96, com-plementar ações constitucionais trazendo a educação infantil para o interior da Educação Básica, como uma etapa do sistema educacional brasileiro, garantindo a esse nível de ensino assento no sistema escolar (KISHIMOTO, 2001, p. 227).

BRINCANDO nos campos do Senhor. Direção de Hector Babenco. EUA: Universal Pictures, 1991.

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A República sustenta o direito à Educação?

Educação: questão nacional

D esde o Iluminismo a Educação tornara-se a grande responsável pela cons-trução do cidadão. A República Brasileira não fugia à regra. Os ideais republicanos estavam a demandar modernização e civilização. Logo se

fez premente constituir instituições educativas que possibilitassem o ingresso da população brasileira na República recém-instaurada.

Após a proclamação contávamos com nada menos do que 82,63% de anal-fabetos, cifra considerada vergonhosa para a jovem nação, não podendo de forma alguma compor o rol dos países cultos (ROMANELLI, 1997).

Em 1890, criou-se a Secretaria de Negócios da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, incorporada ao Ministério da Justiça, em 1891, com o firme propósito de alterar essa realidade, porém sem nenhum recurso de maior monta previsto para a instrução pública.

Com muitas propostas de reformas em discussão e sob a égide da Constitui-ção da República de 1891, instituiu-se a descentralização do ensino, reservando-se à União o poder de criar nos estados instituições de ensino superior e secundário, além de prover a instrução secundária no Distrito Federal. Coube assim aos esta-dos cuidar da instrução primária e do ensino profissional.

Benjamin Constant, primeiro Ministro da Educação, propôs uma reforma na qual o velho currículo humanista fosse substituído pelo currículo enciclopé-dico, introduzindo as disciplinas científicas em um ensino seriado. Alterava-se o ensino primário, o secundário e o superior, e criava-se o Pedagogium, semelhante ao INEP dos nossos dias (ROMANELLI, 1997).

O ensino primário, a quem se atribuiu a responsabilidade e competência para reverter o alarmante quadro de analfabetismo no Brasil, adquiria nos estados as mais diversas conformações. Variando muitíssimo de norte a sul experimentava novas saídas, principalmente em estados mais ricos como ocorreu em São Paulo.

Templos da civilização: os grupos escolaresO livro Templos de Civilização – um estudo sobre a implantação dos gru-

pos escolares no estado de São Paulo (1890-1910) – mostra como essa novidade chegou e foi implantada no Brasil, expondo seus sucessos e fracassos, apontando ainda para sua longevidade, já que os grupos escolares foram mantidos até os anos da década de 19701. Exemplificando com experiências educacionais desenvolvi-

1A nova historiografia da Educação brasileira vem

contrariando teses há muito difundidas de que o entu-siasmo pela Educação seria um fenômeno ocorrido após 1915, como afirmou Nagle e outros autores.

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das, Rosa Fátima de Souza revela, inclusive, como as ideias escolanovistas já se apresentavam na São Paulo daqueles anos.

Os grupos escolares, criados em São Paulo, traziam várias inovações. Apre-sentando a escola primária como símbolo dos valores republicanos, encontravam--se organizados nos princípios da racionalidade científica e na divisão do traba-lho. A racionalidade pedagógica, por seu turno, transparecia na classificação dos alunos, no estabelecimento de um plano de estudos, na determinação da jornada escolar, visando atingir um ensino padronizado, uniforme e homogêneo. Estabe-lecidos como escolas modelares, nelas ministrava-se o ensino primário completo com um programa de ensino enciclopédico, utilizando modernos métodos e novos processos pedagógicos (SOUZA, 1998).

Como alude a autora, durante cerca de sete décadas, os grupos escolares constituíram o modelo preponderante de escola primária brasileira. Concebidos a partir de um arcabouço liberal, quando o poder redentor da educação experimen-tava seu auge, a escola e seus saberes pareciam tudo conseguir.

É claro que muitas eram as diferenças regionais. Os estudos atualmente pro-duzidos têm revelado quão desiguais e criativas foram as tentativas engendradas no intento de ampliar o acesso à educação nos mais diversos rincões do país. De qualquer forma sabe-se que, independentemente da fórmula adotada, ir-se-ia de-parar com poucas escolas e que as existentes nem sempre funcionavam em salas apropriadas e com material didático adequado; além do que, no geral, o quadro de professores em sua maior parte não contava com a devida formação.

No entanto, reformas na letra da lei sucediam-se, embaladas por discus-sões como as travadas no Congresso de Instrução de 1905, ou por trabalhos teóricos, vide os de Carneiro Leão e os de José Veríssimo. Discutia-se a educa-ção como dever do Estado e a necessidade de ensinar as classes trabalhadoras (PAIVA, 1985).

Sem perder de vista os elevados indicadores do analfabetismo que conti-nuavam a grassar no país em 1906, a lei 1.617 propunha o repasse de recursos da União para os Estados que já aplicavam 10% de sua receita em educação (PAIVA, 1985).

As imbricadas relações entre sociedade e educação transpareciam nessas propostas legislativas, denotando os movimentos e rearranjos que se promoviam.

Porém, a realidade não era nada alvissareira. Como afirmava Pascoal Leme:as escolas públicas existentes nas cidades eram frequentadas pelos filhos das famílias de classe média. Os ricos contratavam preceptores, geralmente estrangeiros ou, mandavam aos poucos colégios particulares leigos ou religiosos (muitos deles de grande notoriedade). Neste vasto país havia precárias escolinhas rurais em cuja maioria trabalhavam professo-res sem qualquer formação, professores que atendiam populações dispersas em imensas áreas; eram as substitutas das antigas aulas, instituídas pelas reformas pombalina, após a expulsão dos jesuítas. (LEME, 1988, s.p.)

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Juntando-se essa diversidade aos surtos de crescimento industrial e de ur-banização à formação da burguesia e aumento das classes médias urbanas, encon-traremos ao lado do aumento exponencial na demanda por educação, um quadro precário de ensino, agravado pelos recém-chegados imigrantes.

Imigrantes e EducaçãoConsiderando que, ao aqui chegar não encontravam escola para seus filhos,

tomaram para si a tarefa de educá-los. Foi o caso dos colonos alemães no Paraná. Vindos de um país no qual a instrução fora alvo de importantes conquistas, tudo fizeram para propiciá-la a seus filhos aqui no Brasil.

Vejamos o que nos revela o professor Amorim, neste registro de 1884, loca-lizado no Departamento de Arquivo Público do Paraná e utilizado como fonte de pesquisa (DEAP).

“Diz Luiz Gomes de Amorim que subindo já ao número de 34 meninos inclusive 5 meninas que cotidianamente frequentam a sua escola no lugar de-nominado Colônia Muricy quarteirão do Cupim, vem requerer a Sua Senhoria se designar atestar o suplicante acha-se em condições exigidas pela lei e se possui os costumes morais para esse magistério” (25 de abril de 1884). Ao que o Inspetor paroquial responde: “atesto tudo pela afirmativa” (DEAP, Códice: Instrução Pública).

Dessa forma, os colonos ao contratarem professores iam tentando dar conta da educação dos filhos e da manutenção de suas tradições culturais, à revelia das leis não cumpridas no país em que viviam.

A partir de 1938, através da nacionalização compulsória, as diversas práticas autóctones de educação foram banidas, silenciando-se suas histórias. Atualmente, a partir de fontes localizadas em sociedades e igrejas, começam a ser recuperadas e a história da educação dos imigrantes reescrita (KREUTZ, 2000).

O Estado tratou então de incorporá-los às suas hostes e a escola pública tor-nou-se veículo eficaz tanto de consolidação do regime, quanto da nacionalidade.

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A Educação higienizada

A ordem médica chega às escolas

Um país amorfo de habitantes analfabetos; como transformá-los em povo e constituir a nação? Essa era a questão colocada pelos intelectu-ais brasileiros, para a qual não vislumbravam fácil solução, nos inícios

do século XX.

Se o país fosse pensado por algum eugenista1, o problema ganhava tons ain-da mais sombrios com o diagnóstico médico revelando-se ainda mais cruel: lugar de doentes, viciados degradados, assolados pela degenerescência, por anarquistas e baderneiros.

Na óptica desses intelectuais, tratava-se de regenerar a gente do país tornan-do-as saudáveis, disciplinadas e produtivas. Muitas foram as estratégias pensadas e muitos os dispositivos acionados. Mas uma certeza perpassava a todos: cabia educar o povo. Logo, a salvadora da pátria já estava eleita: a escola.

Os médicos higienistas assumiram prontamente a tarefa de regenerar a na-ção via Educação. A higiene fazia parte dos currículos escolares desde a instaura-ção da República, quando de um ensino humanista passou-se para o enciclopédi-co, com a entrada das ciências. Além disso a higiene estendia-se por várias searas, e fora em seu nome, por exemplo, que cortiços foram derrubados e as populações ali residentes afastadas, deslocadas para distantes vilas operárias. Era a higiene intervindo de forma insidiosa sobre indivíduos e os espaços urbanos por eles ocu-pados. Transvestida em uma espécie de gerenciadora da cidade e das populações ela não tardou em chegar à escola.

Ademais, na década de 1920, a higiene especializou-se: através da eugenia ela intentou controlar o homem enquanto espécie, entendendo que só por meio do melhoramento da raça conseguiria regenerar o país.

Assim, os eugenistas viram na escola espaço adequado para constituir sujei-tos higiênicos, eugenizados, moralizados, por fim civilizados.

Como essa operação foi efetuada?

A escola higiênica e as propostas eugenizadoras

Pretendiam como anunciado no II Congresso Brasileiro de Higiene, reali-zado em Belo Horizonte, reservar à Educação higiênica função essencial na for-mação da raça. As escolas eram locais de excelência para a formação do corpo

1 Segundo Francis Galton, seu idealizador, a euge-

nia seria a ciência que se preocuparia com a melhoria da raça humana e, para tan-to, procederia à identificação dos seres mais bem dotados física e mentalmente, favo-recendo seus casamentos. Ao facilitar a ação da evolução, sua teoria converter-se-ia em uma nova religião, científica e moderna.

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e do espírito contemplando os educandos, simultaneamente, com a cultura das faculdades físicas, intelectuais e morais. Como dizia o professor Almeida Júnior “não basta legislar, convém educar”.

Educar no sentido de homogeneizar, normalizar. A forma encontrada: ação eugenética construtiva, ou seja, Educação higiênica e propaganda dos princípios da eugenia e da hereditariedade, e a edificação do corpo para assim administrar a procriação dos tipos não desejáveis.

Como os eugenistas não conseguiram aprovar leis que garantissem uma prole saudável, pois medidas como exame médico pré-nupcial não haviam passa-do no legislativo, depositaram todos os seus cartuchos nos poderes educacionais da escola. Pois, aí, os alunos poderiam ser persuadidos a realizar futuros casa-mentos eugênicos2.

E o que seriam casamentos eugênicos?

Seriam aqueles realizados seguindo a prescrição devida, o que significava realizar núpcias de casais eugenizados, “capazes de gerar elementos sadios, belos, produtivos e úteis à sociedade”. Implicavam em “melhorar” o homem brasileiro, ou seja “embranquecê-lo”, torná-lo dócil e apto ao trabalho produtivo. Era ne-cessário aumentar a natalidade e reduzir a mortalidade infantil, multiplicando os habitantes do país. Para isso, a depuração dos “sangues inferiores” tornava-se necessária, diziam os eugenistas, quando se referiam aos negros e aos indígenas.

Saúde, moral e trabalho: máximas para todos

Segundo Almeida Júnior (1922, s.p.),a educação higiênica se aproxima da educação moral: tem que iniciar-se dogmática. O aluno se fiará na ciência do mestre. Explique a este só o que puder ser compreendido, mas não adie os hábitos e os conselhos cujos fundamentos estejam acima da inteligência infantil. Quando for possível virá a razão de ser. E se não vier, ficarão, em todo o caso, os hábitos. E os hábitos são quase tudo. Primeiramente os hábitos e depois a instrução.

O autor revelava-se fervoroso adepto da educação moral de Durkheim, na qual estabelecia-se que: são as atitudes regulares e repetitivas as disciplinadoras das ações dos homens e as formadoras da vontade.

Inculcar a vontade de obedecer tornava-se então tarefa da escola. O apren-dizado do respeito às regras propiciaria o aprendizado da disciplina escolar, bem como o próprio espírito da disciplina.

O médico e inspetor sanitário Carlos Sá salientava: “nos primeiros tem-pos todos os esforços serão conduzidos no sentido de ‘criar novos instintos nas crianças’, não para que aprendam preceitos sanitários, mas sim para que façam e tornem a fazer gestos que um dia se lhes tornarão numa segunda natureza”.

As escolas primárias da época já eram modelares na própria concepção ar-quitetônica: edifícios altos, amplos, iluminados, mobiliário adequado. Buscavam

2Os esboços dessas leis podem ser consultados

em Marques (1993, p. 155-8).

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utilizar, ademais, métodos de ensino moderno em consonância com uma políti-ca de “dar a ver”, amplamente utilizada pela ordem republicana (CARVALHO, 1989).

Nessas primeiras décadas da República instruía-se detalhadamente acerca da higiene nas escolas como bem demonstram as teses defendidas nas Faculdades de Medicina, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo.

Segundo os médicos seria de suma importância que os alunos soubessem reconhecer uma escola higiênica, traçando paralelos com as demais e estabelecen-do analogias com sua própria casa.

Pois assim, ao transitar dos hábitos de higiene desenvolvidos na escola aos hábitos de higiene da própria casa, e daí ao universo da vida doméstica do aluno, a escola estaria atingindo a família do educando.

Realizar-se-ia assim a simbiose perfeita entre higiene e educação moral. Pois a higiene, com seus conhecimentos e práticas de bem viver, proporciona-ria vida saudável e ao mesmo tempo, cultivaria a vontade, podendo elevar desse modo o caráter da nação brasileira.

Vejamos um exemplo.

As práticas de higiene implicavam em normatizar o cotidiano, regulando desde a escovação dos dentes até a formação do caráter, como bem expressam os exemplos dos Pelotões de Saúde apresentados por Carlos Sá, no III Congresso Brasileiro de Higiene, cujas regras eram:

1. Hoje escovei os dentes.

2. Hoje tomei banho.

3. Hoje fui à latrina e depois lavei as mãos com sabão.

4. Ontem me deitei cedo e dormi com as janelas abertas.

5. De ontem para hoje já bebi mais de quatro copos de água.

6. Ontem comi ervas ou frutas e bebi leite.

7. Ontem mastiguei devagar tudo quanto comi.

8. Ontem e hoje andei sempre limpo.

9. Ontem e hoje não tive medo.

10. Ontem e hoje não menti.

O repetir diário dos deveres não só instituía “hábitos sadios nas crianças” como intentava disciplinar tempo X ação dos educandos pela memorização e clas-sificação do fazer a vida saudável, dentro de um universo de atividades perfei-tamente administráveis: a roupa, a nutrição, o asseio e o modo de proceder – a coragem e a verdade como hábitos mentais.

Os Pelotões de Saúde foram criados no Brasil por Carlos Sá, a exemplo dos Jogos de Saúde que nos Estados Unidos originaram as cruzadas de saúde. Os primeiros pelotões funcionaram no Rio de Janeiro, de onde se difundiram para outros estados. Na caderneta (tipo a de reservista) eram anotados os deveres cum-

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pridos, promoções e prêmios conseguidos nas atividades estipuladas.

A prática das premiações tornava-se espetáculo saudável que a escola propi-ciava às famílias e à população que as assistia, como exemplos de comportamen-tos exemplares obtidos graças à disciplina do corpo e do espírito, afora o poder normativo que se estendia de forma sutil e insidiosa, comparando, classificando e hierarquizando os melhores.

Porém, o número de escolas ainda era pequeno e os eugenistas empenha-ram-se juntamente com os educadores em ampliá-las, pois só assim seria possível criar a consciência sanitária coletiva através da educação higienizadora.

A rede que se deu às mãos na tarefa de disciplinar a criança brasileira é exemplar e estava representada por instituições médicas, filantrópicas, policiais, educa tivas e familiares.

O aluno plenamente higienizado e eugenizado seria o “perfeito trabalhador”, tão necessário ao mercado de trabalho em formação nos começos do século XX.

GATACA. Direção de Andrew Niccol. EUA: Columbia Pictures Corporation, 1997.

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Nos tempos da Escola Nova

O manifesto, novos métodos, novos programas escolares: o aluno está no centro do processo educativo

Por escola nova se deve entender, hoje, um conjunto de doutrinas e princípios tendentes a rever, de um lado, os fundamentos da finalidade da educação, de outro, as bases de aplicação da ciência à técnica educativa. Tais ten-dências nasceram de novas necessidades, sentidas pelo homem, na mudança da civilização em que nos achamos, e são mais evidentes, sob certos aspectos, nos países que mais sofreram, direta ou indiretamente, os efeitos da conflagração europeia. Mas a educação nova não deriva apenas da grande guerra. Ela se deve, em grande parte, ao progresso das ciências biológicas, no último meio século, ao espírito objetivo, introduzido no estudo das ciên-cias do homem. É possível resumir os pontos essenciais das novas doutrinas? Parece-nos que sim. Do ponto de vista dos fins da educação, a Escola Nova entende que a escola deve ser órgão de reforçamento e coordenação de toda a ação educativa da comunidade: a educação é a socialização da criança.

E emenda o educador:Do ponto de vista político, pretende a escola única e a paz pela escola. Do ponto de vista filosófico, admite mais geralmente as bases do neovitalismo, que as do mecanicismo empírico. Dentro desses pontos de vista, e para a consecução de tais fins, propõe novos meios de aplicação científica. Aconselha, primeiramente, a transforma-ção da organização estática dos estabelecimentos de ensino, pelo emprego do estudo objetivo da criança, para classificação racional: e pela verificação objetiva do trabalho escolar (testes), para avaliação objetiva do que foi aprendido. Depois, a transformação da dinâmica do ensino, a reforma dos processos. Ao invés do ensino passivo, decorrente da filosofia sensualista e intelectualista de outros tempos, proclama a necessidade do ensino funcional ou ativo, baseado na expansão dos interesses naturais da criança. Ao invés do “nada está na inteligência que não tivesse passado pelos sentidos”, o “nada está na inteligência que não tenha sido ação interessada”. Ao invés do trabalho individual, de fundo egoístico, o trabalho em comunidade, que dê o hábito da cooperação. Ao invés da discriminação de materiais, o ensino em situação total ou globalizado. Ao invés da autoridade externa, a reunião de condições que permitam desenvolver-se, em cada indivíduo, a autoridade interna: toda educação deve ser uma autoeducação. (LOURENÇO FILHO apud GADOTTI, 1996)

O destacado educador Lourenço Filho, no trecho anterior, explicitava o cerne do escolanovis-mo. O movimento pretendia alterar práticas e saberes escolares.

O fulcro da atividade educativa de fins do Oitocentos já passara a se situar na criança e nas relações de aprendizagem, nas normas higiênicas e disciplinares que moldavam corpo e mente do alu-nado, amparada por métodos científicos que construíam o conhecimento, via observação e intuição. Mas outras mudanças precisavam vir, embora muitas já despontassem aqui e ali, como ocorrera no Ceará, quando o próprio Lourenço Filho, na qualidade de diretor da instrução realizara uma reforma geral do ensino naquele estado.

Mudanças à parte, a escola permanecia como lócus privilegiado. Veja o registro de Zaia Brandão:se no império [...] o “primado da razão” exigia que se derramasse “a instrução sobre todas as classes”, nesse início da década de 30, após o impacto da primeira guerra e a crise de 29, embora surgisse a consciência da “outra face” do progresso e da civilização ainda persistia a crença na escolarização como o mais seguro caminho para dirigir e, até mesmo reorientar, o sentido das transformações sociais. (1999, p. 66)

E nossos pioneiros da Educação não tinham dúvidas: amparados nos grandes idealizadores internacionais do movimento da nova escola, em especial John Dewey, entendiam que havia chegado o momento da grande virada na escolarização brasileira. O Manifesto constituía-se numa espécie de

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carta de princípios a nortear uma nova escola, propondo um Programa Nacional de Educação.

O movimento da Escola Nova iniciara-se no Brasil a partir da experiência de várias reformas na educação, ocorridas em diferentes estados do país. Porém, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, assinado por 26 pessoas, reunia pedagogos, médicos, advogados, jornalistas, além de Cecília Meirelles e Júlio Mesquita Filho, empenhados em propor uma educação pública, laica e para além dos ensinamentos cristãos, amparada em métodos ativos, caminhando ao passo com as transformações trazidas pela Revolução Industrial1.

Nele, a educação adquiria função social, pública, cabendo aos estados or-ganizar, custear e ministrar o ensino em todos os graus, de acordo com a Cons-tituição. O sistema escolar basear-se-ia na educação integral: comum a ambos os sexos, sendo o nível primário gratuito e obrigatório (GADOTTI, 1996).

A instrução secundária deveria atender finalidades sociais, sendo uma es-cola democrática para o povo, alicerçada em uma cultura geral comum, desen-volvendo especializações fossem intelectuais (humanidades e ciência) ou manual e mecânica (caráter técnico), porém proporcionando iguais oportunidades para todos. A educação técnica e profissional, secundária ou superior, em acordo com a economia nacional teria escolas de agricultura, mineralogia, pescas industriais e profissionais, transporte e comércio, seguindo diretrizes e métodos capazes de formar técnicos e operários capazes. Instituições de psicotécnica e orientação profissional dirigiriam o alunado para a instrução que melhor contemplasse suas aptidões naturais (GADOTTI, 1996).

As universidades, por seu turno, seriam criadas e aparelhadas no intuito de elaborar ou criar a ciência, transmitindo seus saberes, realizando pesquisa e formando profissionais para o ensino e para as carreiras; criar-se-iam fundos es-colares para manter e desenvolver a Educação em todos os graus, com um per-centual da arrecadação de municípios, estados e União, além de outras fontes; desenvolver-se-iam instituições pré-escolares, tais como, creches, escolas mater-nais e jardins de infância; serviços de saúde escolar e de educação física, entre outros. Nessa proposta haveria ainda, regida por leis ordinárias, a fiscalização de todas as instituições particulares funcionando em caráter supletivo, em qualquer grau de ensino (GADOTTI, 1996, p.239-240).

E como operar a mudança na escola?

A criança deveria ver, experimentar, fazer. Precisava elaborar seu próprio conhecimento, o que pressupunha uma nova dinâmica, deslocada do ensino para a aprendizagem.

A psicologia experimental dava suporte à cientificidade da pedagogia e produzia no dis-curso da escolarização de massas populares o efeito da individuação da criança: o recurso aos testes e à constituição das classes homogêneas pretendia assegurar a centralidade da criança no processo educativo e garantir o respeito à sua individualidade em uma esco-la estruturada para um número crescente de alunos. A regulação das práticas escolares realizava-se pela contabilidade de ritmos e produção de gestos eficientes. Os materiais da escola recebiam outra importância porque imprescindíveis à construção experimen-tal do conhecimento pelo estudante. Os métodos buscavam na atividade sua validação. (VIDAL, 2000, p. 498)

1Muitos autores ocupa-ram-se em analisar a

Escola Nova no Brasil a par-tir de perspectivas teóricas diferentes. Consultar Zaia Brandão, em: A Intelligentsia Educacional: um percurso com Paschoal Leme.

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Novos materiais chegavam à escola primária: museus pedagógicos, mapas, cartazes, e coleções tornavam-se fundamentais para o desenvolvimento do ensino intuitivo; novas carteiras adaptadas aos alunos; uso de ardósias e os cadernos de caligrafia. Leitura e escrita deveriam andar pari passo. Os materiais revelavam à vista e aos demais sentidos (tato, audição, paladar e olfato) o objeto a ser conhe-cido, quando não fosse possível realizar excursões para tudo poder ver no próprio local. “As lições sobre as matérias de qualquer dos anos do curso deverão ser mais empíricas e concretas do que teóricas e abstratas e encaminhadas de modo que as faculdades infantis sejam provocadas a um desenvolvimento gradual e harmonio-so”, reafirmavam as autoridades paulistas em educação2 (VIDAL, 2000).

Ao pretender incorporar toda a população infantil, os escolanovistas en-tendiam que a escola seria “a base de disseminação de valores e normas sociais em sintonia com os apelos da nova sociedade moderna, constituída a partir dos preceitos do trabalho produtivo e eficiente”, atendendo às transformações sociais. Interiorizando normas e tempos, valia-se dos aportes trazidos pela psicologia ex-perimental para bem entender e dirigir seus alunos (VIDAL, 2000), em consonân-cia com os princípios de uma Educação liberal-democrática.

As classes populares tiveram acesso à Educação?

O número das “nossas escolas primárias e secundárias é ainda mínimo, em relação com o que há de crianças em idade escolar, em todo o Brasil”, reconheciam médicos e educadores, presentes ao V Congresso Brasileiro de Higiene, reunido em Recife, no ano de 1929 (ANAIS, p. 59).

Embora os indicadores apontassem um aumento na taxa de analfabetismo entre 1900 e 1920 (de 65, 3% para 69,9%), as alterações não eram importantes; porém, o percentual revelava-se muito elevado a considerar que desde o século anterior havia a intenção de derramar “a instrução sobre todas as classes”. E mais, cerca de 90% da população em idade escolar não frequentava a escola nos anos 1920 (LOURENÇO FILHO apud ROMANELLI, 1997).

Se considerarmos dados referentes às décadas de 1920-1970, o quadro muda bastante: enquanto os índices de crescimento demográfico dos escolarizáveis va-riou de 100 em 1920 para 276 em 1979, a matrícula modificou-se substancialmen-te passando de 100 para 1653, durante o período (ROMANELLI, 1997).

Houve, portanto, maiores possibilidades de efetivar o acesso à escola, o que permite inferir que, ao alargar as disponibilidades de matrículas, se tenha promo-vido também o ingresso das classes populares aos bancos escolares, propiciando a tão propalada democratização do ensino.

E essa democratização teria se dado em duas perspectivas, segundo Beise-gel (1986):

2O ensino que se faz via objetos de interesse da

criança foi proposto por Her-bart, nos idos do século XIX; porém, em uma perspectiva passiva, pois não havia a ex-perimentação ativa. No es-colanovismo o aluno reunia ação e experiência.

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Aumentando o número de matrículas, as classes populares teriam chega-do à escola. A assertiva que deve ser bastante relativizada, haja vista as diferenças regionais brasileiras e as que dizem respeito à disparidade de oportunidades oferecidas aos habitantes de uma mesma região, em fun-ção de sua localização, estejam no campo ou na cidade. Houve sim um aumento do número de matrículas, mas nem todos os brasileiros foram atendidos igualmente, embora campanhas tenham sido realizadas. Caso da Educação de Adultos que buscou atender também adolescentes que não haviam adentrado na escola na idade própria.

Eliminação gradual das diferenças relativas ao ensino secundário – nível médio – que organizado de forma diferenciada em função da clientela atendida foi substituído por um único modelo de escola.

Mantinha-se até as décadas de 1940-1950, um “padrão dualista” de ensino, na expressão cunhada por Anísio Teixeira. O que implicava em uma educação para o povo, iniciando-se nas escolas primárias e continuando nas escassas es-colas profissionais de nível médio, e uma educação para a elite, que também ini-ciada no primário continuava na escola secundária “organizada com a intenção de encaminhar sua clientela para as escolas superiores e para as posições mais privilegiadas da sociedade” (BEISEGEL, 1986, p. 393).

Os ginásios públicos vieram na perspectiva de universalizar esse nível de ensino.

Como remarca Fávero: “a expansão do ensino primário e do secundário – neste especialmente do ginasial – já estava ocorrendo desde os anos 1950, sobre-tudo nos Estados que se industrializavam e nos quais crescia também o setor de serviços” (2001, p. 246).

(MELLO; NOVAIS, 1998, P. 582-584)

Mello e Novais dizem que no Brasil dos anos 1950, a desigualdade era extraordinária. “Basta comparar os três tipos sociais que foram os protagonistas da industrialização rápida: o imigrante estrangeiro, o migrante rural e o negro urbano e seus descendentes. Os imigrantes ou os filhos de imigrantes, italianos, libaneses, sírios, eslavos, alemães, portugueses, judeus, japoneses, espa-nhóis, já estavam em São Paulo, o centro da industrialização, há várias gerações. Constituíram famílias semipatriarcais solidamente estabelecidas. Pouquíssimos. Em 1950, eram grandes empre-

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sários. Mas alguns tinham conseguido passar a donos de pequenos negócios, muitos trabalhavam por conta própria, ou já tinham uma tradição de trabalho na indústria. Além disso, muitas vezes com enormes sacrifícios, puderam dar educação formal a seus filhos – alguns já tendo, naquela época chegado à universidade, mesmo que em profissões consideradas então de segunda categoria (por exemplo, contadores, economistas), valendo-se da expansão da rede pública de ensino. Já a massa dos negros da cidade continuou, após a Abolição, abandonada à sua própria sorte, ocupada nos trabalhos mais “pesados” e mais precários, muitos vivendo de expedientes, amontoada em habitações imundas, favelas e cortiços, mergulhada também, no analfabetismo, na desnutrição e na doença. Poucos os que, até 1930, tinham conseguido se elevar às funções públicas mais su-balternas, ou ao trabalho especializado mais valorizado, de marceneiro, costureira, alfaiate etc. Pouquíssimos conseguiram ir muito além do abc na educação formal; contavam-se nos dedos os que tinham chegado à universidade. É verdade que, no início dos anos 50, o panorama tinha se alterado, como sublinhou Florestan Fernandes neste livro magnífico que é A integração do negro na sociedade de classes. “O negro supera, graças ao seu esforço, a antiga situação de pauperismo e anomia social, deixando de ser um marginal (em relação ao regime de trabalho) e um depen-dente (em face do sistema de classificação social) [...] Eles podem, por fim, lançar-se no mercado de trabalho e escolher entre algumas alternativas compensadoras de profissiona lização”. Mas seu ponto de partida não podia deixar de trazer as marcas ainda frescas da escravidão e do descaso dos ricos e poderosos: era muitíssimo mais baixo que o do imigrante estrangeiro, o que impunha limites estreitos à sua progressão na ordem social competitiva. Estava, isso sim, bem próximo do migrante rural.

O imigrante, italiano, sírio, libanês, espanhol, japonês etc., não poderia deixar de ser o grande vencedor dessa luta selvagem pelas novas posições sociais que a industrialização e a urbanização iam criando. O dono do pequeno negócio, até o mascate, torna-se médio ou grande empresário, na indústria, no comércio, nos serviços em geral. Muitos dos que já eram trabalhadores especializa-dos convertem-se em donos de pequenas empresas. Pais e mães ficam orgulhosos com seus filhos “formados”, médicos, dentistas, engenheiros, jornalistas, advogados, economistas, administrado-res de empresas, publicitários etc., e acompanham suas carreiras, muitas delas meteóricas, como funcionário de empresa ou profissional liberal.

Mas o migrante rural também se sente um vencedor. Dos que se elevaram até o empresaria-do, a maioria “saiu do nada”; pouquíssimos vieram de “profissões liberais”, poucos de postos de trabalho qualificado. Mas são incontáveis as mulheres, antes mergulhadas na extrema pobreza do campo, que se tornaram empregadas domésticas, caixas, manicures, cabeleireiras, balconistas, atendentes, vendedoras, operárias passando a ocupar um sem-número de postos de trabalho de baixa qualificação, alguns de qualificação média. Incontáveis, são também, os homens despre-zados pela sorte que se converteram em ascensoristas, porteiros, vigias, garçons, manobristas de estacionamento, mecânicos, motoristas de táxi, até operários de fábrica. Alguns chegam a traba-lhadores especializados na construção civil, pedreiros, encanadores, pintores, eletricistas, ou na empresa industrial, uma minoria às profissões liberais. Os negros, em sua esmagadora maioria, ficaram confinados ao trabalho subalterno, rotineiro, mecânico, mas também eles, em geral, me-lhoraram de vida.

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Nos tempos da Escola Nova

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Sob a Ditadura Militar“A Revolução de 64”, ao banir, pela violência, as forças do igualitarismo e da democracia, produziu, ao longo de seus 21 anos de vigência, uma sociedade deformada e plutocrática, isto é, regida pelos detentores da riqueza.

No final do período de crescimento econômico rápido, em 1980, as relações concretas entre as classes sociais guardaram uma semelhança apenas formal com aquelas observadas nos países desenvolvidos. As desigualdades relativas em termos de renda e riqueza eram muitíssimo maiores no Brasil. A dinâmica econômica e social se apoiou continuamente, de um lado, na concorrência desregulada entre os trabalhadores, e, de outro, na monopo-lização das oportunidades de vida pelos situados no cimo da sociedade.

Como resultado, em vez de a renda das grandes maiorias subir continuamente em compasso com o aumento da produtividade social do trabalho, regulando os demais rendimentos (trabalho de direção e demais funções ligadas ao controle do capital), ocorre o contrário. Ou seja, os rendimentos dos trabalhadores subalternos são comprimi-dos para abrir espaço simultaneamente para lucros astronômicos e para a diferenciação das rendas e do consumo dos funcionários do dinheiro e da nova classe média. (MELLO; NOVAIS, 1998, p. 620)

A Educação na Constituição de 1967

O anteprojeto da Comissão de juristas (encarregados de elaborar as propostas para a nova carta), mantinha praticamente inalterados os dispositivos da Constituição de 1946 relacio-nados com a educação. Apenas três modificações eram propostas: gratuidade do ensino

oficial estaria condicionada não apenas à falta ou insuficiência de recursos dos alunos, mas também ao seu “excepcional merecimento” e seria permitido ao Estado remunerar os professores de religião. (HORTA, 2001, p. 217).

Porém o projeto preparado por Medeiros Silva – indicado pelo Executivo – abdica quase que totalmente do previsto na Constituição anterior. Escassamente, em dois artigos estavam reafirmados o direito de todos à educação, à igualdade de oportunidade, à liberdade da iniciativa particular, à obrigatoriedade do ensino primário e à liberdade de cátedra. “Quanto à gratuidade, esta é substituída, no grau médio e superior, pela concessão de bolsas aos estudantes carentes de recursos, exigindo-se efetivo aproveitamento e reembolso, no caso do ensino superior” (HORTA, 2001, p. 217).

Foram muitas as reações e a ABE (Associação Brasileira de Educação), assim se pronunciou, segundo Horta:

A ABE que desde a Constituição de 1934 se tem permitido acompanhar a elaboração da Magna Carta, em matéria de educação, lamenta que as principais conquistas consagradas nas Constituições de 1934 e 1946 tenham sido postergadas do projeto divulgado na imprensa e reivindica a inclusão, pelo menos, dos preceitos relativos a esses pontos: a) direito à educação; b) obrigação do poder público em matéria de ensino, regulado por planos periódi-cos, que tendam à obrigatoriedade escolar progressiva; c) percentuais mínimos de recursos destinados ao ensino; d) desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica.

O ministro da Educação recorreu então à sua equipe técnica para que elaborasse um substituti-vo ao capítulo da educação, que seria apresentado pelo deputado Adauto Lúcio Cardoso e denomina-do Emenda 862. Recebendo o apoio dos partidos (ARENA E MDB), foi aprovado com modificações apresentadas pela Comissão Mista e pleno plenário do Congresso Constituinte (HORTA, 2001).

Porém, a vinculação da receita anual da União estabelecia que deveria ser, nunca menor de 10% para manutenção e desenvolvimento do ensino, acompanhada de no mínimo 20% daquela arrecadada em estados e municípios, por meio de impostos, o que não foi aprovado, segundo Horta.

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O fim da vinculação constitucional de recursos para a educação teria como consequência o desaparecimento legal de fundos de ensino criados pela LDB, que deixaram de constar dos orçamentos da União a partir de 1968. [...] A vinculação de recursos para a educação não consta também da Emenda Constitucional de 1969. Ela somente foi introduzida no texto constitucional em dezembro de 1983, através da Emenda Calmon, a qual seria regu-lamentada em 1985. (HORTA, 2001)

Já a garantia da gratuidade para todos, prevista para o ensino primário nas constituições anteriores, foi mantida. Nos níveis subsequentes, o ensino oficial somente seria gratuito para aqueles que não tendo recursos, provassem essa ine-xistência, a exemplo da Constituição de 1946, porém acompanhada da exigência de efetivo aproveitamento dos alunos do ensino oficial. Na medida do possível deveria se proceder à substituição desse regime de gratuidade (após o ensino pri-mário), pela concessão de bolsas de ensino, beneficiando-se do previsto no artigo 168, que trata da liberdade de conceder “bolsas de estudo entre os mecanismos de amparo financeiro dos Poderes Públicos à iniciativa particular no campo de ensino” (HORTA, 2001, p. 229).

Quanto aodever do Estado em matéria de educação, esse não se inscreverá na Constituição de 1967, como não havia se inscrito nas Constituições anteriores. Paradoxalmente, será apenas na Emenda Constitucional de 1969 que aparecerá, pela primeira vez numa Constituição bra-sileira, a explicitação da educação como dever do Estado. (HORTA, 2001, p. 232)

Fávero assinala: o projeto educacional nos diferentes níveis e modalidades de ensino e formação profissional foi adequado ao projeto nacional em pauta. “Para tanto, princípios, diretrizes, experiências, mecanismos e instrumentos fo-ram abandonados, extintos ou substituídos. [...] No que diz respeito à educação bastava assegurar o mínimo” (FÁVERO, 2001, p. 253).

E a escola da Ditadura?Muitos filhos de trabalhadores comuns tiveram acesso às escolas públicas.Em 1980 estavam matriculados no ensino fundamental proporcionado por estados e municípios nada menos do que 17,7 milhões de alunos (contra 6,5 milhões de 1960). Mas a qualidade do ensino era, em geral, péssima. De cada cem alunos, apenas 37 chegavam à quarta série, e só dezoito à oitava série: os mais pobres estavam muito sujeitos à repe-tência e tinham de abandonar a escola quando chegava a hora de trabalhar. Por força do crescimento do sistema escolar, multiplicou-se o número dos professores, merendeiras, serventes etc. (MELLO; NOVAIS, 1998)

Houve ampliação da obrigatoriedade escolar para oito anos, abrangendo crianças de 7 a 14 anos, o que implicou em um acréscimo nas obrigações do Esta-do no que diz respeito à educação do povo. Os antigos níveis primário e ginasial constituíam o ensino fundamental de primeiro grau, eliminando-se os exames de admissão através do qual muitos alunos “ficavam” impedidos de ingressar no nível médio. Se a seletividade ficava banida, a qualidade do ensino não foi melho-rada. Uma vez vencido o dualismo, o primeiro grau proporcionava educação geral e correspondia ao ensino obrigatório (ROMANELLI, 1997).

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O segundo grau visava habilitar profissionalmente, em nível médio. Com 3 ou 4 anos de duração pretendia formar o adolescente. O ensino supletivo, por sua vez, tentava recuperar o tempo daqueles que haviam adentrado à escola mais tarde, ou suprir a escolarização incompleta desses jovens e adultos. Dotado de estrutura, duração e características diferentes, era ministrado livremente através de meios de comunicação de massa (ROMANELLI, 1997).

Mello e Novais consideram os anos que vão de 1950 a 1980 –anos de transformações assombrosas, que, pela rapidez e profundidade, dificilmente en-contram paralelo neste século – não poderiam deixar de aparecer aos seus protagonis-tas senão sob uma forma: a de uma sociedade em movimento. Movimento de homens e mulheres que se deslocam de uma região a outra do território nacional, de trem, pelas novas estradas de rodagem, de ônibus ou amontoados em caminhões paus de arara. São nordestinos e mineiros, fugindo da miséria e da seca, em busca de um destino melhor em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Paraná da terra roxa; depois são expulsos do campo pelo capitalismo, de toda a parte, inclusive de São Paulo, do Paraná, agora hostil ao homem; são gaúchos, que avançam pelo Oeste de Santa Catarina, passam pelo Oeste do Paraná, alguns entram no Paraguai, outros vão subindo para o Mato Grosso do Sul e Goiás, pas-sam pela nova capital, Brasília, em direção à fronteira norte, ao Mato Grosso, Rondônia, Amapá, Sul do Pará, Sul do Maranhão, onde se encontrarão com outra corrente migra-tória de nordestinos. Movimento de uma configuração de vida para outra: da sociedade rural abafada pelo tradicionalismo para o duro mundo da concorrência da grande cidade, ou para o mundo sem lei da fronteira agrícola; da pacata cidadezinha do interior para a vida já um tanto agitada da cidade média ou verdadeiramente alucinada da metrópole. Movimento, também de um emprego para outro, de uma classe para outra, de uma fração de classe para outra. Movimento de ascensão social, maior ou menor, para quase todos. (MELLO; NOVAIS, 1998)

Em 1980, as cidades já abrigavam 61 milhões de pessoas, contra os quase 60 milhões que moravam ainda no campo, em vilarejos e cidades pequenas. Nada menos do que 42 milhões viviam em cidades com mais de 250 mil habitantes. São Paulo tinha 12 milhões contra os 2,2 milhões de 1950; o Rio de Janeiro qua-se 9 milhões contra os 2,4 milhões de 1950; Porto Alegre, 2,1 milhões contra os quase 400 mil de 1950; Recife, também 2,1 milhões contra os pouco mais de 500 mil de 1959; Salvador, 1,7 milhões contra os 400 e poucos mil de 1950. Fortaleza chegara a 1,5 milhão, Curitiba, a 1,3 milhão. Santos, Goiânia, Campinas, Manaus e Vitória eram maiores em 1980, do que Porto Alegre, ou Recife, ou Salvador, ou Belo Horizonte de 1950. Em 1980 Brasília atinge 1,1 milhão (MELLO; NOVAIS, 1998, p. 584-6).

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Faculdades e universidades

O s começos do ensino universitário no Brasil remontam à vinda da família real. Fugindo de uma premente invasão francesa D. João VI aqui chegou, acompanhado da rainha-mãe e toda a sua corte. Junto vieram os livros da Biblioteca do Palácio da Ajuda que depois com-

poriam a nossa Biblioteca Nacional, bem como a alta burocracia civil, militar e do clero. “Instituições econômico-financeiras, administrativas e culturais, até então proibidas, foram criadas, assim como foram abertos os portos ao comércio das nações amigas e incentivadas as manufaturas” (CUNHA, 2000, p. 153).

Diferentemente de outras colônias, em especial as dependentes do jugo espanhol, onde as uni-versidades foram instaladas ainda no século XVI, funcionários da coroa, senhores de engenho, pro-prietários de terras e seus filhos há muito reivindicavam cursos superiores no Brasil, pois assim evita-riam os custosos deslocamentos para Coimbra. Os apelos jamais encontraram eco e tudo que por aqui existia eram cursos de Artes (Ciências Naturais ou Filosofia) e Teologia, ministrados pela Companhia de Jesus até 1759, e depois, pelos conventos franciscanos.

A metrópole temia que esse grau de estudos só fizesse incentivar propostas de liberdade e au-tonomia, tão em voga sob os ventos iluministas que sopravam da França e cá se faziam sentir. Havia ainda o agravante de Portugal não dispor de muitos recursos docentes para poder transferi-los para sua a rica colônia do Brasil (CUNHA, 2000).

Os primeiros cursos superiores passaram a funcionar ainda em 1808, após a instalação da corte, porém sob a forma de cátedras isoladas: Medicina na Bahia e no Rio de Janeiro e, em 1810, Enge-nharia também no Rio funcionando junto à Academia Militar da qual só se desvincularia em 1874, passando a chamar-se Escola Politécnica.

As cátedras consistiam em unidades de ensino muito simples, nas quais os professores reuniam seus alunos em locais diversos, utilizando seus próprios materiais para ensinar. Veja o exemplo do médico e farmacêutico Manoel Joaquim Henriques de Paiva, lente de Farmácia do já então Colégio Médico-Cirúrgico da Bahia, assim denominado quando as cátedras independentes de anatomia e cirurgia foram reunidas a outras criadas depois. Esse professor ministrava suas lições na espaçosa botica do Convento de Santa Teresa, para onde transferira “sua cátedra e os utensílios que possuía, adquiridos a sua custa” (PEREIRA, 1923, p. 20).

Foram as escolas, academias e as faculdades, surgidas mais tarde, a partir das cátedras isoladas, as unidades de ensino superior que possuíam uma direção especializada, programas sistematizados e organizados conforme uma seriação preestabelecida, funcionários não docentes, meios de ensino e local próprios. Em 1827, cinco anos depois da independência, o imperador Pedro I acrescentou ao quadro existente os Cursos Jurídicos em Olinda e em São Paulo, com o que se completava a tríade dos cursos profissionais superiores que por tanto tempo do-minaram o panorama de ensino superior no país: Medicina, Engenharia e Direito, seguindo a tradição francesa. (CUNHA, 2000, p. 154)

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Dos inícios até a proclamação da República os cursos superiores foram to-dos estatais, dependendo do ministro do Império a nomeação dos catedráticos, a decretação dos cursos, a nomeação dos diretores e a manutenção dos estabeleci-mentos (CUNHA, 2000).

Adentramos a República com a expansão do ensino superior e igualmente com maiores possibilidades de acesso a esse nível de ensino. Isso se deu através de três vetores, segundo Cunha (1999, p. 40):

1. criação e manutenção de universidades federais, principalmente nas ca-pitais dos estados da federação;

2. criação e manutenção de universidades estaduais em capitais e cidades mais importantes, em função da necessidade, por um lado, de projetar elites locais e regionais, e por outro, de formar quadros burocráticos;

3. criação de faculdades por agentes privados, confessionais e/ou empresa-riais arregimentando os excedentes, aqueles que não conseguiam entrar nas federais ou estaduais.

Delineado na primeira década deste século, esse quadro permanece em vigor, em linhas gerais até a metade da década de 90. A modificá-lo, apenas dois elementos. Durante toda a década de 50, faculdades estaduais e privadas foram federalizadas e reunidas formando universidades, mantidas e controladas pela União, empreendimentos esses determinados por leis, no que se empenharam diversos protagonistas, inclusive as elites locais e os mantenedores privados, devidamente compensados na transferência do patrimônio e na incorporação de seu pessoal nos quadros do funcionalismo federal. (CUNHA, 1982)

As instituições privadas foram beneficiadas por dispositivos da Constituição de 1934 e das que se lhes seguiram, inclusive na de 1988, em vigor, isentando-as de todos os impostos (federais, estaduais e municipais) sobre o patrimônio, a renda e os serviços prestados. (CUNHA, 2000, p. 40)

Cabe a ressalva: durante a Colônia e o Império não houve universidade no país, somente cursos profissionais.

A primeira universidade foi fundada em Manaus em 1909, oferecendo cursos de Engenharia, Direito, Medicina, Farmácia, Odontologia e formação de oficiais da Guarda Nacional. Com recursos de grupos privados, a universidade acom-panhou o período áureo da borracha entrando em bancarrota em 1926, restando apenas a Faculdade de Direito incorporada à Universidade Federal do Amazonas, quando de sua criação em 1962 (CUNHA, 2000)

Outras duas universidades foram criadas, em 1911 e 1912: em São Paulo e no Paraná, respectivamente. São Paulo criou por iniciativa particular, cursos de Medicina, Odontologia, Farmácia, Comércio e Belas Artes, fechando as portas em 1917, depois do governo do Estado ter aberto um curso de Medicina. O Paraná, por seu turno, abriu cursos de Medicina, Direito, Engenharia, Farmácia, Odontologia e Comércio, pela ação de profissionais locais, porém com recursos do governo do Estado. Devido ao fato de Curitiba não contar à época com 100 mil habitantes a universidade não pode ser equiparada às instituições federais, sendo então dissol-vida, restando somente as faculdades livres de Medicina, Direito e Engenharia. A Universidade Federal do Paraná seria criada em 1950. As primeiras universidades

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“duradouras”, criadas, foram as do Rio de Janeiro (1920) e Minas Gerais (1927), por aglutinação de faculdades já existentes (CUNHA, 2000)

Em 1934, através de decreto estadual, é criada a Universidade de São Paulo (USP), incorporando as escolas de ensino superior já existentes como: a Faculdade de Direito, a Escola politécnica, a Escola Superior de Agronomia, a Faculdade de Medicina e a Escola de Veterinária, ao mesmo tempo em que promoveu o Instituto de Educação à categoria de Faculdade de Educação, também congregada, tornan-do-se modelo de universidade a ser seguido. Ademais, outras faculdades foram criadas: Filosofia, Letras e Ciências Humanas; Instituto de Ciências Econômicas; Escola de Belas Artes, e ainda, diversos institutos de pesquisa técnico-científica que mantidos pelo governo paulista ligaram-se à universidade como entidades complementares (CUNHA, 2000).

O projeto de criação das Faculdades, tanto de Filosofia, quanto de Educação realizava antiga concepção de Fernando de Azevedo, um dos componentes da comissão que a criou (CUNHA, 2000), indo também ao encontro das aspirações de intelectuais em “regenerar os costumes políticos da nacionalidade”, por meio de um plano para o conjunto da sociedade. Amparados no Inquérito sobre a Ins-trução Pública realizado em São Paulo, acreditavam que era necessário uma elite orientadora capaz de educar o povo “para que dele surjam as elites ou formar as elites para compreenderem a necessidade de educar o povo”. Nele a universida-de adquiria predominância nas instituições de ensino, adquirindo duas funções principais: a) formação do professorado de nível secundário e superior; b) pre-paro e aperfeiçoamento das classes dirigentes, entendendo que formar as elites intelectuais precedia a instrução das massas (CARDOSO, 1982, p. 28).

Não foram poucos os intelectuais estrangeiros contratados para compor os quadros da universidade. Se no primeiro ano havia 13 professores europeus, de 1934 a 1942, 45 professores estrangeiros trabalharam na USP, destacando-a entre as universidades existentes (CUNHA, 2000).

Incluídos e excluídos das hostes universitárias

Os primeiros cursos superiores no Brasil buscavam ou conferir uma profis-sionalização prática que atendesse necessidades burocráticas, em especial após a Independência do país quando foi necessário preencher o quadro geral da ad-ministração e da política, ou ainda, conferir graus de distinção tão ao gosto das nossas elites, desde a Colônia.

Os cursos médico-cirúrgicos, por exemplo, visavam formar os acadêmicos que viriam aplacar as mazelas do corpo doente; mas, no decorrer do Oitocentos, substituir os práticos tornara-se a grande meta. Não esqueçamos que os curadores dos séculos XVII e XVIII foram pessoas de “pouca qualidade”, como diziam os mandantes coloniais.

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Já os cursos de Medicina, Direito ou Engenharia eram frequentados por filhos de fazendeiros, senhores de engenho, letrados e industriais. Como bem está registrado na contracapa do livro, As profissões imperiais: medicina, engenharia e advocacia no Rio de Janeiro 1822-1930,

nossos ancestrais advogados, engenheiros e médicos [tudo fizeram] em busca de reconhe-cimento que os distinguisse, respectivamente, de rábulas, mestres de obras e curandeiros. À falta de mérito visível e de sabedoria específica, empenhavam-se em obter regulamen-tos e estatutos que lhes garantissem mercado exclusivo e deferência social. A genealogia das ocupações nobres em solo brasileiro revela que a nobreza que reivindicavam era refle-xo da nobreza propriamente dita postiça. (COELHO, 1999)

Assim como os jurisconsultos, também os engenheiros provinham das classes mais abastadas da sociedade colonial ou imperial. Vale lembrar que o ensino de nível médio foi de caráter humanístico e por muito tempo propedêuti-co aos cursos universitários. As classes populares nele não chegavam, pois bem antes, se lograssem permanecer na escola eram encaminhados para o ensino profissionalizante.

Quando as classes médias chegaram à universidade só fizeram por reivindi-car as mesmas “distinções” já de tanto conferidas aos senhores da vez.

Paradoxos do ensino superior brasileiro(TRINDADE, 1999, p. 27-30)

Aqui transcrevo os “paradoxos do ensino superior”, analisados pelo Prof. Hélgio Trindade, no livro A Universidade em Ruínas: na república dos professores.

Na história da educação latino-americana, o Brasil sempre ocupou uma posição singular. No ensino básico, temos um déficit histórico frente aos nossos vizinhos do Cone Sul. Basta referir a distância que se estabeleceu entre nosso limitado sistema escolar durante o Império e a Repú-blica Velha e os avanços, desde a segunda metade do século XIX, dos nossos vizinhos platinos, impulsio nados pelas políticas de “educação popular” de Sarmiento na Argentina, influenciando o Chile, e de Varela no Uruguai, que voltadas para criar as bases de uma cidadania republicana estabelecem um sólido sistema de ensino fundamental.

Os efeitos dessa situação se refletem até hoje na situação ainda crítica do ensino de primeiro e segundo graus em muitas regiões do Brasil e nos baixos índices de matrícula no ensino supe-rior brasileiro. Apesar da expansão da taxa bruta de escolarização superior no Brasil ter crescido exponencialmente, entre 1950 a 1994, de 1 para 1,4%, os níveis de seus vizinhos do Cone Sul são bem mais altos: Argentina 38,9%, Uruguai 29,9% e Chile 26,6%. Na América Latina e no Caribe, o Brasil na relação escolarização superior/população total ocupa o penúltimo lugar, superando apenas a Nicarágua (11,2%) [segundo dados da CEPAL].

No ensino superior, também somos singulares frente à tradição universitária hispano-ameri-cana. A universidade pública brasileira regional e temporã [expressão utilizada por Luiz Antonio

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Cunha], além de tardia, nunca teve a centralidade das universidades ibero-americanas trazidas pelos colonizadores [...].

Preferimos cultivar em Coimbra o gosto pelo bacharelismo de nossas elites imperiais e ape-nas na década de 30 institui-se a Universidade de São Paulo. Esta, ao estabelecer um compromisso institucional entre a tradição das Escolas ou Faculdades profissionais e o embrião da universidade nascente que foi a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, tornou-se a matriz da primeira gera-ção de instituições públicas federais e confessionais católicas.

Embora as universidades se disseminem nacionalmente a partir do modelo da USP, houve alguns esforços precursores como o da Universidade do Paraná, da Universidade Técnica de Porto Alegre sob a inspiração dos positivistas e da Universidade do Brasil no Rio de Janeiro que, em sua origem, teve uma fundação simbólica para conceder um título acadêmico ao rei da Bélgica. Outro paradoxo é a diferença que se refere à autonomia universitária. Ao contrário das universidades hispano-americanas, as universidades públicas brasileiras não gozarão da autonomia que se tor-nou um traço dominante de universidades que incorporaram essa conquista em seu próprio nome, tal como a Universidade Autônoma do México. Ainda que a bandeira da autonomia tenha sido um dos temas centrais do movimento da “reforma universitária” dos anos 60 e que se inspirava, também tardiamente, na luta histórica pelo “cogoverno” da Universidade de Córdoba na Argenti-na, no Brasil, com exceção da autonomia concedida às universidades paulistas na última década (USP, UNICAMP, UNESP), o sistema federal de educação superior jamais gozou de autonomia administrativa e de gestão financeira.

O grande paradoxo brasileiro, porém, é que o princípio da autonomia universitária inscrita na Constituição de 1988, tornou-se letra morta para as instituições públicas federais submetidas a controles kafkianos, enquanto que as universidades privadas, uma vez reconhecidas pelo governo, passam a gozá-la plenamente imunes a qualquer controle governamental.

Daí decorre um último paradoxo do ensino superior no Brasil: a dominância aplastante do sistema privado de educação superior sobre o público federal e estadual. As instituições privadas expandiram-se em três décadas de 40% para 75% das matrículas, gerando um processo de privati-zação estimulado pelos governos militares, cujo padrão na América Latina somente encontra pa-ralelo no Chile de Pinochet, fazendo com que a democratização do acesso ao ensino superior não se faça pela via da “massificação” do ensino público, como são exemplos o México e a Argentina, mas através de um ensino privado, pago e de baixa qualidade média.

Cabe ressaltar, porém, que, em termos latino-americanos, o sistema universitário público brasileiro, além de responsável por 90% da pesquisa científica e tecnológica do país, tem uma qualidade média muito superior ao setor privado dominante, salvo algumas instituições privadas tradicionais entre as quais se destacam as universidades católicas. É preciso admitir que tal dife-rença resultou, em grande medida, de políticas dos governos militares que, se por um lado viola-ram a liberdade acadêmica com inaceitáveis cassações e aposentadorias, com a reforma de 1968 tornaram essa superioridade incontrastável pelos investimentos que fizeram no sistema público universitário. Essas políticas, visando o sonho do “ Brasil-Potência”, estimularam fortemente a ex-pansão da pós-graduação nas universidades públicas e desenvolveram ações coerentes no campo do desenvolvimento científico e tecnológico. Da mesma forma que, na última década, os recursos investidos de forma estável pelo sistema de autonomia das universidades públicas paulistas permi-tiram que elas atingissem um outro patamar, especialmente no caso da UNESP, face à estagnação a que está submetido o sistema federal do ensino superior.

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A reforma de 68 e os substanciosos recursos oferecidos pelas agências de financiamento da pós-graduação e pesquisa (CAPES, CNPQ e FINEP) dentro de sucessivos Planos de Desenvol-vimento Científico e Tecnológico, profissionalizaram o sistema universitário, com a implan-tação dos regimes de tempo integral e dedicação exclusiva e, sobretudo, implementaram uma consistente política pós-graduação, com avaliação periódica pelos pares sob a coordenação da CAPES. Com os recursos para a pesquisa oriundos do Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT, hoje reduzido a menos de 10% do seu valor em 1978) e um amplo sistema de bolsas de pós-gradua ção no país e no exterior e de iniciação científica para alunos de gradu-ação, a comunidade científica expandiu-se, gerando um crescimento das sociedades científicas em ciências e humanidades.

Todos esses esforços conjugados certamente burocratizaram as universidades transfor-madas em pesadas organizações com complexo sistema de decisão corporativo, mas certa-mente modernizaram e qualificaram o sistema público de ensino superior, colocando-o numa situação de liderança na América Latina e de reconhecimento entre os grandes centros uni-versitários internacionais.

O lado negativo, porém, é que ao especializar as universidades públicas em ensino e pesqui-sa avançados, não estimulou a expansão das suas vagas públicas, colocando numa competição perversa o ensino de graduação e pós-graduação. Por outro lado, estimulou, com a conivência do Conselho Federal de Educação, que os níveis de exigência da primeira geração de universidades privadas fossem aviltados pela disseminação descontrolada de “empresas educacionais” cuja bai-xa qualidade média tem sido destacada por especialistas internacionais e está a desafiar os suces-sivos governos da Nova República.

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VERA REGINA BELTRÃO MARQUESVERA REGINA BELTRÃO MARQUES

HIST

ÓRIA

DA

EDUC

AÇÃO

istóriada Educaçãoistóriada Educação

História da Educação

HH

Fundação Biblioteca NacionalISBN 978-85-387-3030-9

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