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FICHA TÉCNICA

Título: História da Construção – Arquiteturas e Técnicas Construtivas

Coordenação: Arnaldo Sousa Melo, Maria do Carmo Ribeiro

Imagem da capa: Bibliothèque Royale de Bruxelles, Chroniques de Hainaut, ms 9242, folio 232

Edição: CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória» LAMOP – Laboratoire de Médiévistique Occidentale de Paris (Université de Paris 1 et CNRS)

Apoios: UAUM – Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho ISISE – Instituto para a Sustentabilidade e Inovação em Estruturas de Engenharia SAHC – Mestrado Erasmus Mundus em Análise Estrutural de Monumentos e Construções Históricas

FACC – Fundo de Apoio à Comunidade Científica – Fundação para a Ciência e a Tecnologia

Design gráfico: Helena Lobo www.hldesign.pt

ISBN: 978-989-8612-08-3

Depósito Legal: 366514/13

Composição, impressão e acabamento: Candeias Artes Gráficas – Braga

Braga, Novembro 2013

O CITCEM é financiado por Fundos Nacionais através da FCT-Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projeto PEst-OE/HIS/UI4059/2011

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SUMÁRIO

Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 Arnaldo Sousa Melo e Maria do Carmo Ribeiro

Présentation . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 Arnaldo Sousa Melo e Maria do Carmo Ribeiro

El Foro de Segobriga y la formación de la arquitectura imperial en la Hispania Romana: entre innovación y continuidades . . . . . . . . . . 15 Ricardo Mar e Patrizio Pensabene

A construção do teatro romano de Bracara Augusta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 Manuela Martins, Ricardo Mar, Jorge Ribeiro e Fernanda Magalhães

Os processos construtivos da edilícia privada em Bracara Augusta: o caso da domus das Carvalheiras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 Jorge Ribeiro e Manuela Martins

L’emploi de l’opus craticium dans le sud-ouest de la Gaule Antique – le “pan de bois” dans l’Antiquité du sud de la Gaule . . . . . . . . . . . . . . 99

Christian Darles, Magali Cabarrou e Catherine Viers

Il reimpiego nelle cripte del XII secolo in Tuscia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117 Daniela Esposito e Patrizio Pensabene

Arquitectura y técnicas constructivas en la miniatura castellana del siglo XIII . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135

Rafael Cómez Ramos

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Construire dans les campagnes bourguignonnes au XIVe siècle: approche géo-archéologique des savoirs et savoir-faire des maçons dans la seigneurie de l’abbaye de Saint-Seine . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153 Patrice Beck, Jean-Pierre Garcia e Marion Foucher

Charpentes médiévales en Provence: traces archéologiques et techniques de construction . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179

Émilien Bouticourt

Dos abrigos da pré-história aos edifícios de madeira do século XXI . . . . . 199 Paulo B. Lourenço e Jorge M. Branco

O processo construtivo dos paços régios medievais portugueses nos séculos XV-XVI: O Paço Real de Sintra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 213

Arnaldo Sousa Melo e Maria do Carmo Ribeiro

A construção monástica no Portugal medievo: algumas reflexões . . . . . . . . 245 Saúl António Gomes

A casa rural comum no Norte de Portugal nos finais da Idade Média. Subsídios para o seu estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 267

Manuel Sílvio Conde

Droits et techniques constructives. Une mise au point historique . . . . . . . . 287 Robert Carvais

A arte de construir. Artefactos, linguagem e literatura técnica . . . . . . . . . . . 307 João Mascarenhas Mateus

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O PROCESSO CONSTRUTIVO DOS PAÇOS RÉGIOS MEDIEVAIS PORTUGUESES NOS SÉCULOS XV-XVI: O PAÇO REAL DE SINTRA

O PROCESSO CONSTRUTIVO dOS PAÇOS RÉGIOS MEdIEVAIS PORTUGUESES NOS SÉCUlOS XV-XVI: O PAÇO REAl dE SINTRA

ARNAldO SOUSA MElO�

MARIA dO CARMO RIbEIRO�

InTroduçãoO modo como se construíam os edifícios na Idade Média, nomeadamente as

grandes estruturas é, ainda, uma questão pouco estudada para a realidade portugue-sa. Referimo-nos, nomeadamente, a ausência de obras de síntese que identifiquem e caracterizem as diferentes fases do processo construtivo medieval deste tipo de edificações.

Na realidade, a concretização deste objetivo passa por uma combinação harmo-niosa de diferentes tipos de fontes, nomeadamente escritas, arqueológicas, gráficas e cartográficas, circunstância que até ao momento tem sido difícil de obter. Passa, igualmente, pela integração dos estudos parcelares realizados até ao momento bem como pelo seu incremento.

De facto, o estudo das grandes obras de construção medievais, nomeadamente dos paços régios medievais portugueses é um tema que suscita inúmeras inter-rogações, em particular devido à escassez de vestígios materiais mas, também, escritos que permitam fundamentar e analisar as suas origens e, paralelemente, as características arquitetónicas e as técnicas construtivas utilizadas na elaboração das residências régias desde o seu surgimento.

1 Departamento de História; CITCEM – Universidade do Minho; [email protected] Departamento de História; Unidade de Arqueologia; CITCEM – Universidade do Minho;

[email protected]

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Na verdade, a documentação escrita permite comprovar a existência de vá-rios paços régios nos séculos XII a XVI, muito embora o seu estudo se encontre bastante dificultado, quer pela escassez de evidências físicas, quer pela raridade de documentos que os descrevam pormenorizadamente, circunstâncias que têm condicionado a profundidade das abordagens realizadas.

Efetivamente, apesar do conhecimento de que os monarcas portugueses tiveram residência em várias cidades, como por exemplo em Guimarães ou Coimbra, os vestígios materiais da sua existência são praticamente nulos. Por vezes, os desig-nados paços dos séculos XII a XIII seriam, com forte probabilidade, meras casas sobradadas3, em virtude da própria conjuntura da época.

Todavia, o estudo dos paços régios medievais portugueses dos séculos XV e XVI conheceu, nos últimos anos, avanços bastante significativos, nomeadamente no que se refere à morfologia, organização espacial e funcionalidade dos diferentes espaços que compunham estes edifícios4.

Na realidade, a partir do século XIV regista-se, em geral, um aumento do núme-ro de paços por todo o território nacional e, em particular, de paços régios, alguns dos quais conservados, pelo menos parcialmente, até aos nossos dias. Entre estes, o Paço de Sintra constitui a residência régia medieval mais paradigmática, pelas suas dimensões, pela forma como conservou as suas características construtivas mas, também, pela documentação escrita que permite complementar a sua histó-ria arquitetónica. De facto, é aquele que melhor se conservou, tendo-se mantido como residência régia até ao final da monarquia. Estas circunstâncias permitiram a produção de inúmeras obras acerca do Paço Real de Sintra, sendo de destacar uma primeira monografia, em 1903, da autoria do Conde de Sabugosa, a que se seguiram várias outras publicações ao longo do século XX5, culminando, mais recentemente, com a obra de José Custódio Viera da Silva, que analisa ao pormenor a cronologia e identificação dos espaços que compõem o Paço Real de Sinta, incluindo algumas obras de restauro que o edifício conheceu ao longo dos tempos6.

Contudo, apesar dos inúmeros trabalhos já produzidos sobre este Paço, o po-tencial das fontes existentes está longe de esgotado, sendo passíveis de ser utilizadas para estudos de diversos âmbitos, nomeadamente relacionados com a História da Construção. Efetivamente, estas fontes permitem ainda analisar variados aspetos relacionados com os sistemas e as técnicas construtivas que estiveram na base das obras realizadas em algumas das alas do Paço Real de Sintra, designadamente aque-

3 Pereira, 1995: 19-27. Para a região de Entre Douro e Minho (Almeida 1978).4 Barroca, 2002: 92-120; Silva, 2002; Serrão, 2001: 21-46.5 Sabugosa, 1903; Lino, 1948, entre muitos outros.6 Silva, 2002:199-247 e 320-321.

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O PROCESSO CONSTRUTIVO DOS PAÇOS RÉGIOS MEDIEVAIS PORTUGUESES NOS SÉCULOS XV-XVI: O PAÇO REAL DE SINTRA

las que se referem aos procedimentos e técnicas de execução levadas a cabo nos inícios do século XVI. Referimo-nos, concretamente, aos aspetos relacionados com o sistema construtivo, como sejam a preparação do terreno, a construção dos ali-cerces, as técnicas de corte e talhe da pedra e da madeira, a construção dos muros, portas, janelas, e coberturas, os acabamentos, sobretudo as técnicas de fabrico da cal e de tintas para revestimento e pintura, ou até mesmo a construção e manutenção do sistema de abastecimento de água potável ao edifício e construções anexas.

Neste sentido, os objetivos deste trabalho centram-se no estudo das técnicas construtivas e das formas de organização do estaleiro utilizadas na execução das obras do Paço Régio de Sintra, através da análise das fontes disponíveis, que se revelam excecionais no contexto português. Referimo-nos, concretamente, ao Li-vro truncado da receita e despesas de André Gonçalves, documento de contabili-dade relativo a uma campanha de obras decorridas entre 1507-15107; às vistas do Paço de Sintra que integram o Livro das Fortalezas de Duarte D‘Armas, datado de 1509/15108; mas, também ao edificado sobrevivente, que corresponde à quase totalidade do construído desde o século XIII/XIV.

Procuramos, deste modo, através da análise de um caso concreto, contribuir para um conhecimento mais alargado do processo construtivo das obras de grande envergadura nos finais da Idade Média, como são os paços régios.

1. EnquAdrAmEnTo HIsTórICoNa generalidade, a partir do século XIV regista-se um aumento do número de

paços régios, verificando-se, igualmente, uma evolução na sua arquitetura, determi-nada essencialmente pelos monarcas com o objetivo de melhorar os seus aposentos. Algumas destas construções encontram-se integradas nos recintos acastelados liga-dos às cinturas amuralhadas das cidades, como é o caso do Paço Real de D. Dinis, em Estremoz, edificado junto ao castelo9.

Nestes casos, a construção, apesar de tecnicamente melhorada com o uso de pedra e alvenaria, mantem a estrutura em forma de torre, numa dinâmica de cir-culação interna vertical, composta por uma sucessão de pisos e sobrados numa estrutura de planta quadrangular10.

Contudo, será sobretudo no século XV que a edificação de palácios conhece um impulso determinante. Trata-se de paços que se constituem como um misto

7 Documento conservado nos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, publicado por Sabugosa, 1903: 221-243.

8 Armas, 2006.9 Pereira, 1995: 19-27.10 Pereira, 1995: 19-27.

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entre o carácter de fortaleza e o espaço de habitação nobre, que se inscrevem numa longa tradição que remonta aos séculos XII-XIII, quando eram torres com dupla funcionalidade, lugares de habitação dos senhores e sedes de amplos territórios11.

A partir do reinado de D. João I são introduzidos melhoramentos que procuram minimizar os incómodos das torres. Referimo-nos, por exemplo, às alterações na principal edificação paçã régia portuguesa, o Paço da Alcáçova de Lisboa12.

A multiplicação dos paços régios e nobiliárquicos nas principais cidades do país ao longo do século XV denota a preocupação em criar espaços hierarquizados de circulação dominantemente horizontal, como por exemplo ocorreu em Leiria e em Évora, onde se situa o maior conjunto palatino régio português quatrocentista13.

Um dos principais exemplos das reformas introduzidas no século XV encontra-se no Paço Real de Sintra, que passaremos de seguida a caracterizar.

2. pAço régIo dE sInTrAO Paço Real de Sintra, localizado na serra homónima, encontra-se implantado

no cimo de uma colina, adaptando-se à estrutura rochosa onde se insere (Fig. 1 e 2). Esta serra apresenta um microclima de características mediterrânicas de influência atlântica, com reduzidas amplitudes térmicas e elevada humidade, condicionado sobretudo pelo coberto vegetal e pelo relevo, que constitui uma barreira transversal à corrente de ar marítima. O granito é a rocha dominante nesta paisagem, sendo a flora atual constituída predominantemente por Carvalho, Pinheiro bravo, Ulmeiro, Acácia, Salgueiro, Choupo, Amieiro, Cravo Romano ou o Cravo de Sintra14.

A história do Paço Real de Sinta terá sido bastante atribulada, remontando provavelmente as suas origens a uma eventual residência árabe dos antigos walis, que teria sido adaptada no tempo dos primeiros monarcas portugueses. O Paço foi particularmente valorizado no tempo dos reis D. Dinis, D. João I e D. Duarte, tendo sido posteriormente modificado, acrescentado e melhorado, no tempo de D. Manuel.

Na realidade, a primitiva feição islâmica conservou-se em pouco lugares, resul-tando a configuração atual das sucessivas campanhas de obras promovidas pelos referidos monarcas. O Paço de D. Dinis, cujos aposentos se situavam na zona mais alta e mais a norte, incluía ainda a capela palatina. Por sua vez, D. João I irá cons-truir um novo paço anexo ao anterior, estruturado em torno de um pátio central,

11 Pereira, 1995: 19-27; Silva, 2002: 119-197; Barroca, 2002: 92-101.12 Pereira, 1995: 19-27.13 Silva, 2002: 120-136.14 Gonçalves e Fernandes, 1981.

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Fig. 1. Vista aérea atual do Paço Real de Sintra.

Fig. 2. Localização geográfica de Sintra.

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ao redor do qual se articulam um conjunto de novas dependências, tendo também mandado construir as cozinhas, com enormes chaminés cónicas. O Paço de D. Manuel era composto por um novo corpo construído a nascente, bem como pela grande torre quadrangular que alberga a Sala dos Brasões, a poente (Fig. 3).

De facto, as sucessivas intervenções régias operadas desde D. Dinis consistiram, na generalidade, na construção de novos corpos anexos aos existentes, permitindo a preservação e integração dos edifícios anteriores. Esta circunstância possibilitou que o complexo do Paço Real de Sintra se constitua atualmente como o resultado de sucessivas intervenções construtivas mandadas realizar por distintos monarcas.

Fig. 3. Identificação das áreas construídas correspondentes aos 3 grandes momentos de ocupação do Paço Real de Sintra, sobre planta adaptada de Silva 2002: 320.

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Deste modo, o Paço Real de Sintra integra atualmente grande parte das estru-turas que pertenceram à residência dos monarcas que de forma mais expressiva intervieram na sua arquitetura, designadamente D. Dinis, D. João I e D. Manuel (Fig. 3).

A parte mais recuada do morro onde se implanta o Paço Real de Sintra cor-responde à residência do tempo de D. Dinis. O 1º andar era constituído por uma câmara larga (atual Sala Chinesa), um pequeno compartimento que permitia o acesso a outra câmara (atual Quarto de D. Afonso VI) e completada no topo por uma outra dependência de dimensões reduzidas, de planta sensivelmente quadrada, tal como a anterior. Correspondem, no conjunto, à definição dos interiores de uma habitação nobre: antecâmara, câmara e trascâmara. O 2º piso alberga as partes que complementam um paço: uma sala (atual Sala do Bonet) e uma câmara. O acesso ao 2º piso fazia-se por uma escada inserida no corpo central saliente, voltado a norte, que poderia tratar-se de uma antiga torre da muralha da alcáçova moura, reaproveitada para essa função. Deste paço poderia também fazer parte a Casa de Meca, que se encontrava isolada deste corpo, assente sobre um muro e apresen-tando um andar alto avançado, caraterístico da arquitetura civil medieval. Esta Casa, ainda representada nas vistas Leste e Leste Sudeste do Livro das Fortalezas de Duarte d’Armas (Fig. 4 e 5) foi destruída e substituída pela Torre da Sala dos Brasões, no reinado de D. Manuel. Outra grande obra de acrescento de D. Dinis terá sido a capela palatina. No entanto, a comunicação direta entre a capela e o paço provavelmente só se irá fazer por um corpo acrescentado no tempo de D. Duarte. A capela desenvolvia-se segundo uma nave única de planta quadrangular, com transepto pouco saliente e capela-mor também retangular, mais estreita. Em data posterior será alterada, aprofundando-se a capela-mor, como se pode observar atualmente15 (Fig. 6).

O edificado localizado na vertente da colina que desce com maior suavidade para a vila corresponde ao paço mandado construir por D. João I. Trata-se, na rea-lidade, do segundo momento mais significativo da história construtiva do palácio de Sintra, correspondendo à sua ampliação, ou criação de um novo paço, isolado e autónomo em relação ao de D. Dinis. O paço joanino foi concebido de forma bastante distinta do dionisino, refletindo a importância que a casa de habitação nobre conhece desde meados do século XIV. A estrutura do novo edifício, conhe-cida pela descrição pormenorizada realizada pelo filho de D. João I, D. Duarte16, desenvolve-se em torno de um pátio central – o Pátio do Esguicho (Fig. 7) –, sendo constituída por uma grande sala (a Sala Grande, atual Sala dos Cisnes, totalmente

15 Silva, 2002: 204-208. 16 D. Duarte, Livro de Conselhos…, p. 166-168; Silva, 2002: 209-213.

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HISTÓRIA DA CONSTRUÇÃO – ARQUITETURAS E TÉCNICAS CONSTRUTIVAS

Fig. 4. Paço Real de Sintra (Vista Leste do Livro das Fortalezas, de Duarte d’Armas).

Fig. 5. Paço Real de Sintra (Vista Leste Sudeste do Livro das Fortalezas, de Duarte d’Armas).

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isolada de todas as outras dependências), e por um conjunto de câmaras privadas e oratórios, dos quais se destaca a “casa onde el rei costuma dormir”, atual Câmara dos Árabes. Note-se que o nível dos pavimentos neste paço é variável, em adaptação à topografia da colina e à constituição rochosa sobre a qual está assente todo o paço, o que implicou a construção de sucessivos vãos de escadas. O lado direito do pátio central seria fechado por uma grandiosa cozinha que, tal como era comum, devido aos incêndios, formava um corpo isolado, apresentando duas grandes chaminés cónicas, que fazem dela um dos corpos atualmente mais emblemáticos do palácio17

17 Silva, 2002: 208-217.

Fig. 6. Foto atual da Capela do Paço Real de Sintra.

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HISTÓRIA DA CONSTRUÇÃO – ARQUITETURAS E TÉCNICAS CONSTRUTIVAS

Fig. 7. Foto atual do Pátio do Esguicho do Paço Real de Sintra.

Fig. 8. Foto atual do Paço Real de Sintra.

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(Fig. 8). Uma representação da entrada principal nos inícios dos séculos XVI é oferecida pela Vista Sul do Livro das Fortalezas de Duarte D‘Armas (Fig. 9).

Finalmente, refira-se a intervenção de D. Manuel, realizada em duas fases dis-tintas. A 1ª fase, que se desenvolveu no essencial entre 1497 e 1510, caracterizou-se pela modificação de vãos (portas e janelas), revestimentos em azulejos e melhora-mentos, em geral, em todo o paço já existente. Esta fase está documentada através de algumas cartas de quitação e, sobretudo, do Livro truncado da receita e despesas de André Gonçalves, que cobre uma campanha de obras decorridas entre 1507-1510. A documentar este período encontram-se, igualmente, as vistas do Paço de Sintra que integram o Livro das Fortalezas de Duarte D‘Armas, de 1509/1510. A 2ª fase construtiva de D. Manuel caracterizou-se pela edificação de novas dependências, que passaram a constituir um novo paço, ao lado do corpo da entrada (atual Sala dos Cisnes), de planta em L, mas, também, pela construção, no lugar da Casa de Meca, de uma torre alta e volumosa, a da Sala dos Brasões18 (Fig. 10).

18 Silva, 2002: 217-240.

Fig. 9. Paço Real de Sintra (Vista Sul do Livro das Fortalezas, de Duarte d’Armas).

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3. FonTEsA concretização dos objetivos enunciados para este trabalho resulta da análise

de três importantes fontes relativas a este Paço, únicas no seu conjunto no âmbito português, designadamente o Livro truncado da receita e despesas de André Gonçal-ves, referente às obras realizadas entre 1507-1510, o Livro das Fortalezas de Duarte D‘Armas, datado de 1509/1510 e, ainda, o edifício que se conservou até aos dias de hoje.

Na verdade, o Livro truncado da receita e despesas de André Gonçalves constitui um documento de valor singular ao permitir reconstituir pormenorizadamente os trabalhos ordenados por D. Manuel no Paço de Sintra, entre 1507 e 151019. Este

19 Documento conservado nos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, publicado por Sabugosa, 1903: 221-243. Doravante será designado por Livro truncado da receita…, indicando-se as páginas da sua publicação.

Fig. 10. Foto atual da Sala dos Brasões do Paço Real de Sintra.

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livro é composto por vários registos contabilísticos de receitas e despesas descri-minadas, durante o período em que André Gonçalves foi “recebedor e vedor das obras dos paços de Sintra”, ou seja, o responsável régio da obra20. Note-se que André Gonçalves, almoxarife, teve como encargo receber os recursos, em dinheiro e em materiais, alocados em cada ano para estas obras, provenientes dos diversos rendimentos régios, nomeadamente da Casa do Rei, e da Casa da Mina, bem como de outras origens21. Estes rendimentos eram gastos pelo mesmo André Gonçalves nos pagamentos de materiais e salários destinados às obras do referido paço nos anos de 1507-151022.

Este documento constitui um dos raros casos de contabilidades medievais por-tuguesas relativas à atividade construtiva, em particular de grandes estruturas, que se conservaram. Acresce ainda o facto de se tratar de um documento relativo a um dos principais paços régios medievais portugueses. Saliente-se que, a nível euro-peu, é com base neste tipo de fontes contabilísticas que tem sido possível realizar importantes estudos sobre história económica, social e das técnicas, em geral, e acerca da história da construção em particular23.

Tal como já referido, o documento descreve as obras de manutenção e melho-ramento que, em geral, foram feitas neste período no paço, designadamente na Cerca dos Coelhos, que conhece a abertura de nova porta de ligação ao Paço e a renovação da respetiva cerca; e na Casa da Estrebaria de Meca, objeto de obras de renovação, mas também de alargamento, nomeadamente do aposento do estre-beiro. Entre os principais locais intervencionados refira-se ainda a Capela, a Casa das Sisas, a Casa da Fazenda, o Pátio das Damas e a Varanda da Rainha, espaços pertencentes aos Paços já existentes24.

Através da análise do Livro truncado… de André Gonçalves é possível avaliar os requisitos necessários à execução de obras, entre os quais se destacam os cui-dados a ter com a preparação do terreno, a construção de alicerces, paredes, pi-sos e telhados, bem como os materiais utilizados, ou reutilizados, e a decoração, permitindo deste modo, analisar as técnicas e o sistema de construção utilizados neste período.

De igual modo, o Livro das Fortalezas, da autoria de Duarte D‘Armas reveste-se de grande importância, ao possibilitar uma representação gráfica do Paço para os

20 Livro truncado da receita…, p. 221. Sobre vedores e direção de obra em Portugal na Idade Média cf., entre outros, Melo e Ribeiro, 2011: 109-113.

21 Sobre as várias formas de financiamento de construções na Idade Média cf. Melo and Ribeiro, 2012: 305-312.

22 Livro truncado da receita…, p. 221-243.23 Entre muitos exemplos cf. Braunstein, 2003: 373-395; Sosson, 2005: 62-72; Vroom, 2010.24 Silva, 2002: 218-219; Livro truncado da receita…, p. 221-243.

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anos em análise. Este manuscrito, mandado executar por D. Manuel com o objetivo de registar graficamente as fortificações que se localizavam nas zonas da fronteira portuguesa com Castela, acabou por incluir outros espaços, designadamente o Paço Real de Sintra, acerca do qual são produzidas três vistas (Leste, Leste Sudeste e Sul)25. Deste modo, a totalidade do complexo existente em 1509/1510 – data pro-vável de produção do Livro26 - encontra-se documentada graficamente, permitindo uma clara ilustração dos espaços e áreas construídas observarei no período em que foram levadas a cabo as obras descritas no Livro truncado … de André Gonçalves.

Por fim, a circunstância do complexo arquitetónico atual que compõe os Paços de Sintra corresponder, na generalidade, às principais fases construtivas que co-nheceu, permite o cruzamento com a informação proveniente das fontes escritas e iconográficas, bem como a sua confrontação.

A existência de diferentes tipos de fontes, escritas, iconográficas e materiais, relativas a um mesmo edifício e para o mesmo período cronológico, constitui uma circunstância rara, se não única, em Portugal neste período, possibilitando o pre-sente estudo.

4. sIsTEmA ConsTruTIvo dos pAços régIos TArdo mEdIEvAIs: o CAso do pAço rEAl dE sInTrA

Independentemente do período cronológico ou do estilo arquitetónico, a cons-trução de edifícios parece ter obedecido desde sempre, de forma mais ou menos consciente, a determinados requisitos, de modo a garantir, desde logo, que a obra seja “perfeita”, realizada no menor tempo possível e com os menores custos. Evi-dentemente que as formas utilizadas para a concretização deste princípio básico da construção divergiram e evoluíram muito ao longo da História, dependendo em larga medida do rendimento das ferramentas e da mão-de-obra, do tipo de materiais ou das técnicas construtivas utilizadas, entre outros.

De igual modo, a construção de uma obra terá implicado sempre o seu fasea-mento, contemplando uma primeira fase onde se incluem os trabalhos preliminares iniciais que antecedem a construção propiamente dita, uma fase de edificação e outra de acabamentos entre outras.

Todavia, as tarefas realizadas em cada uma destas fases, bem como o modo como eram executadas terão conhecido significativas alterações ao longo dos tempos.

Deste modo, procuraremos, através da análise das obras descritas no Livro truncado… de André Gonçalves, realizadas no Paço Real de Sintra, entre os anos de

25 Armas, 2006: 117v-120.26 Armas, 2006: 16.

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O PROCESSO CONSTRUTIVO DOS PAÇOS RÉGIOS MEDIEVAIS PORTUGUESES NOS SÉCULOS XV-XVI: O PAÇO REAL DE SINTRA

1507 e 1510, caracterizar as tarefas efetuadas em cada uma destas fases, bem como o modo como foram concretizadas.

4.1. Trabalhos preliminaresOs trabalhos iniciais que antecedem a construção efetiva de uma obra podem

incluir um gama muito diversificada de procedimentos, que tem por objetivo asse-gurar que todas as condições necessárias à sua execução se encontrem reunidas.

Atualmente esta fase inclui a escolha do local, a elaboração do programa de obras, os estudos ao nível do subsolo, o projeto, terraplanagens, a locação da obra27, entre outros, envolvendo um elevado e diferenciado número de pessoal qualifica-do.

Durante a Idade Média, esta fase encontrar-se-ia organizada de forma distin-ta, quer ao nível do tipo de trabalhos preliminares, quer ao nível de especialistas envolvidos. No entanto, tal não significa que não fossem realizadas várias tarefas preparatórias com vista à boa execução das obras.

A existência de projeto para a construção de grandes edifícios encontra-se ates-tada, como prática habitual, desde os finais da Idade Média. Na realidade, o mais correto seria falarmos de projetos, no plural, e não de projeto, pois habitualmente a construção de grandes complexos podia não ser projetada toda de uma vez, mas completada, no decurso da obra e à medida das necessidades, com projetos de detalhe28.

O projeto poderia ser representado sob diferentes expressões, que podiam ser complementares e simultâneas, tais como: a descrição, oral ou escrita, a maqueta e o desenho. Com frequência, a forma do edifício encontrava-se apenas na “cabeça” do mestre de obra, que a guardava mentalmente e a expunha oralmente, muitas vezes apenas quando necessário29. Igualmente, o projeto podia existir sobre a forma escrita, onde era feita a descrição com precisão variável, em função do contexto da obra. O grau de detalhe podia divergir, incluindo a indicação pormenorizada de alguns aspetos, como a dimensão de elementos construtivos, ou a espessura dos muros, mas, também, com frequência se limitava a remeter para o costume, ou seja, para as “boas práticas” da época. Por vezes, o mestre recorria ainda à indicação de que se deveria construir seguindo como modelo outros edifícios já existentes30.

Tal como já referido, no caso do complexo arquitetónico do Paço Real de Sin-tra, cujas principais construções se prolongaram durante cerca de três séculos,

27 Marcação no terreno de todos os elementos constitutivos da obra.28 Bernardi e Piñeiro, 2007: 511-520; Bernardi, 2011: 165.29 Bernardi e Piñeiro, 2007: 513-520; Bernardi, 2011: 166.30 Bernardi 2011: 167.

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assiste-se entre 1507-1510 a uma campanha de obras que visava a manutenção e melhoramento de estruturas já existentes, em particular a Estrebaria de Meca e a Cerca dos Coelhos.

A Estrebaria de Meca localizava-se junto da Casa de Meca, na parte mais alta e acidentada da colina, como bem ilustram as Vistas Leste e Leste Sudeste de Du-arte D’Armas (Figs. 4 e 5), foi objeto de um conjunto de obras de melhoramentos, designadamente a ampliação da Casa do Estrebeiro. Por sua vez, a intervenção na Cerca dos Coelhos, documentada nas mesmas Vistas, incidiu no muro de vedação, que rodeava uma área por edificar na parte ocidental do complexo, acompanhando o declive do terreno.

Muito embora não se tenham conservado registos escritos ou gráficos dos respetivos projetos, estas novas construções adaptaram-se de modo harmonioso ao edificado anterior, o que permite inferir a existência de um projeto prévio, de acordo com as práticas conhecidas a nível europeu.

De igual modo, as referidas obras implicaram cuidados prévios relacionados com a sua implementação, designadamente a preparação do terreno para o efeito. Na realidade, foi necessário proceder ao nivelamento do solo através da destruição de penedos e remoção de entulho, para executar a posterior cobertura com terra ou lajes. Com frequência os documentos registam a necessidade de “quebrar penedos que estavam dentro dela, tirar terra e faze-la igual de dentro (nivelar) e cavar para fazer o chão igual ao dos outros”31.

Para este tipo de atividade construtiva encontramos, igualmente, a utilização de variados utensílios, tais como enxadas e sachos, picões, picaretas, bem como padiolas, corsas e couchos para o carregamento de materiais em geral. Refira-se ainda o uso de cestos de verga para transporte de terra, como os utilizados “para a terra que se cavou para o entulho do pomar da rainha e também para as obras do cerco dos coelhos”32.

Estas atividades seriam desempenhadas sobretudo por braceiros, cabouqueiros e pedreiros. Os braceiros aparecem recorrentemente associados às tarefas de cavar a terra, transportar os entulhos de pedra e terra, bem como “abrir os alicerces”. Trata-se de trabalho menos especializado, razão que justifica que, muitas vezes, os braceiros surjam identificados nos documentos como “criados de pedreiros” e até, por vezes, “escravos de pedreiros”33. Por sua vez, os cabouqueiros, também desig-nados “pedreiros cabouqueiros”, seriam aqueles que quebravam os penedos. Nestas atividades de preparação, os que surgem mencionados com menor frequência são

31 Livro truncado da receita…, p. 226-227.32 Livro truncado da receita…, p. 233.33 Livro truncado da receita…, p. 238-239.

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os pedreiros, exercendo funções de direção e aparecendo referidos, sobretudo, em atividades mais especializadas e complexas, como assentar lajes, fazer janelas e paredes34.

Uma vez nivelado e preparado o terreno, o plano do futuro edifício era traçado no solo. Esta ação poderia ser materializada de diferentes formas, nomeadamente através da incisão na rocha, da marcação com tinta colorida no solo, ou através do uso de estacas e cordéis, entre outras35. A menção a elevadas quantidades de cordel registada para as obras da Estrebaria e da Cerca, no Paço Real de Sintra, poderá indiciar a utilização desta última prática na construção das novas estruturas. Refira-se, por exemplo, a compra de 60 braças de cordel (cerca de 110 m) a Fernão Rodrigues tendeiro em 1508, “para as medidas da obra do cerco dos coelhos”36. Na realidade, entre os múltiplos usos do cordel, destaque-se também a sua utilização como técnica de medição.

No entanto, em geral, o uso da vara de madeira como utensílio de medição no solo parecer ter sido a prática mais comum na construção medieval, em virtude de, ao contrário do cordel, não ser suscetível de variar no seu comprimento com o tempo37.

4.2. Trabalhos de edificaçãoA fase de construção propriamente dita implica a realização de um conjunto

diversificado e amplo de tarefas, que incluem a abertura de valas de fundação e alicerces, a construção de paredes, divisórias, escadas, telhados e pisos, mas, também, a armação de andaimes, intervenções relacionadas com os sistemas de abastecimento e escoamento de água ou resíduos, o revestimento das paredes, entre outros.

As tarefas enunciadas aplicam-se tanto aos dias de hoje como à Idade Média. Neste caso, é fundamentalmente o modo como são realizadas que diverge de época para época, de acordo com as técnicas construtivas aplicadas.

4.2.1. AlicercesA construção a partir de fundações era uma prática utilizada na Idade Média,

embora nem sempre se aplicasse, em virtude da reutilização de fundações de edi-fícios anteriores, da natureza rochosa do solo ou da leveza relativa do edificado.

34 Livro truncado da receita…, p. 237-239. Sobre as atividades dos pedreiros e trabalho da pedra cf., entre outros, Melo e Ribeiro, 2011: 114-115.

35 Bernardi, 2011, 179-180.36 Livro truncado da receita…, p. 232.37 Bernardi, 2011, 180.

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Nas obras realizadas no Paço Real de Sintra, a abertura de valas de fundação para a construção de estruturas é uma técnica que se encontra bem documentada, aparecendo frequentemente referida como a necessidade de “fazer e abrir alicerces”, como por exemplo para as paredes da Estrebaria de Meca e para Cerca dos Coelhos, tarefa que, tal como já referido, seria desempenhada principalmente por braceiros38. A abertura de alicerces para a construção destas estruturas poderá justificar-se pela sua pertença a um complexo de prestígio régio, pelo tipo e funcionalidade das estruturas mas, também, pelas características topográficas do solo em que se edificaram. Todavia, a reutilização de fundações de estruturas anteriores encontra-se igualmente documentada, como por exemplo para uma das paredes da referida Estrebaria, construída sobre as fundações duma parede do forno velho, de tijolo, que foi desfeita para esse efeito (“desfazer a parede do forno velho de tegelo onde se fundou a parede da Estrebaria”) 39.

4.2.2. muros, vãos, pavimentos e estruturas de estabilidadeA elevação de uma construção traduz-se na edificação de muros, vãos, escadas

e elementos de estabilidade. A técnica de construção destas estruturas podia in-cluir pedra, madeira, argamassa, tijolos, entre outros. O ritmo construtivo destes elementos podia ser variado e faseado no tempo, com períodos intercalados, de maior ou menor intensidade construtiva, ou mesmo de paragens.

No caso das obras do Paço de Sintra em análise, verifica-se que estas constru-ções se realizaram entre 1507-1510, um período de tempo relativamente curto, para a época.

Técnicas de construção em pedraA construção de muros de pedra constituiu a solução mais utilizada nas novas

obras realizadas no Paço de Sintra entre 1507-1510, designadamente para cercas, paredes, ou portas. Entre as construções totalmente novas destacam-se as realizadas na Estrebaria de Meca e na Cerca dos Coelhos, ainda que por vezes aproveitando parcialmente estruturas anteriores.

A proveniência da pedra utilizada em Sintra poderia ser variada. Muito embora se desconheça as pedreiras exatas onde era extraída a pedra nova, o local onde o Paço foi implantado é constituído por um maciço pedroso granítico, que terá sido utilizado para extração de alguma dessa pedra. Esta dedução encontra alguma

38 Livro truncado da receita…, p. 226-228; 238-239; sobre a organização do trabalho na constru-ção cf. Melo e Ribeiro, 2011: 114-115 e 120-122.

39 Livro truncado da receita…, p. 226-227.

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fundamentação nas referências abundantes à prática de “quebrar penedos” na pre-paração do terreno para as novas obras no Paço40. Com alguma probabilidade esta pedra poderia ser utilizada nas novas construções, à semelhança da pedra resultante de estruturas anteriores, inutilizadas, que seria reutilizada41.

As obras realizadas nestas duas estruturas incluíram a construção de paredes novas, quer na Estrebaria, quer na Cerca dos Coelhos. A título de exemplo refira-se as “3 braças de parede de alvenaria que fez no aposento do estribeiro”, na Estrebaria de Meca42, ou as “246 peças de cunhais emxilares de pedraria”, para a obra da Cerca dos Coelhos e para a Casa da Fazenda43. Através deste último exemplo podemos constatar a compra de um número elevado de elementos pétreos, que chegavam ao estaleiro já cortados e preparados para aplicar em zonas precisas da estrutura, neste caso, os cantos. A quantidade de peças, definida com rigor, permite igualmente supor a existência duma planificação prévia das estruturas a construir44.

Simultaneamente, procedeu-se a obras de alteração e melhoramento em edifí-cios já existentes, nomeadamente na Casa das Sisas, na Casa da Fazenda, no Pátio das Damas e na Varanda e Pomar da Rainha. O desmonte de algumas estruturas preexistentes e a reutilização ou reemprego dos seus materiais para novas cons-truções, bem como a sua adaptação, como por exemplo através da abertura nas paredes existentes de portas e janelas, ou do fecho de vãos anteriores, constituem exemplos deste tipo de intervenções efetuadas neste período.

Entre vários exemplos, podemos destacar a necessidade de desfazer a parede do “forno velho” de tijolo, para fundar a parede da Estrebaria de Meca45. Outro aspeto interessante consiste nas alterações mandadas efetuar numa parede, para modificar a localização duma porta. Neste caso, o monarca ordenou “romper a parede nova da Estrebaria para desasentar e assentar o portal que el rei mandou mudar”46. Por sua vez, na Casa das Sisas regista-se a abertura de uma nova janela47 e de uma nova parede48, enquanto na entrada da Casa da Fazenda se procedeu

40 Livro truncado da receita…, p. 227.41 Cf. diversas formas de aprovisionamento de pedra, nova ou reutilizada, em Esposito 2012:

59-75; Melo e Ribeiro, 2012: 127-166, entre outros. Sobre reutilização de materiais ver, sobretudo, Bernard, Bernardi e Esposito, 2008.

42 Livro truncado da receita…, p. 225.43 Livro truncado da receita…, p. 225.44 Como se atesta documentalmente, por exemplo, na construção da muralha do Porto na se-

gunda metade do século XIV (Melo e Ribeiro, 2012: 150).45 Livro truncado da receita…, p. 226-227.46 Livro truncado da receita…, p. 225-227.47 Livro truncado da receita… p. 224.48 Livro truncado da receita… p. 225.

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à abertura de 2 janelas de pedraria e de um portal de pedraria49. No âmbito das obras realizadas verifica-se, igualmente, a ampliação de algumas das estruturas já existentes, como foi o caso da edificação de 6 degraus de pedraria que se “laurou e assentou na Varanda da Rainha”50.

Assiste-se, simultaneamente, à construção de outro tipo de elementos de ar-quitetura, designadamente ombreiras e cimalhas de pedra, como por exemplo a “cimalha e ombreira de pedraria que laurou e assentou sobre o patim das damas”, ou a cimalha que foi colocada no “cunhal do canto do meio” do Pomar da Rainha51.

Por fim, refiram-se as obras relacionadas com o revestimento de pavimentos ou paredes, com o recurso a técnicas diferenciadas, tais como a utilização de lajes, como no Pátio das Damas, onde se mandou “assentar lajes”, ou o uso de ladrilho, como se verificou nas obras da Estrabaria e do Cerco dos Coelhos52. Trata-se de intervenções realizadas por pedreiros, muito embora o material utilizado possa não ter sido apenas pétreo, uma vez que o ladrilho inclui revestimentos em pedra ou em cerâmica.

Numa fase final da obra de pedraria, realizavam-se ainda um conjunto de tra-balhos relacionados com o revestimento das paredes, que recorria à aplicação de argamassas, técnica que se encontra maioritariamente documentada, através da utilização de expressões como cafelar, acafelar ou rebocar.53 Dos trabalhos realiza-dos nesta fase pelos pedreiros, consta ainda a abertura de cavidades nas paredes destinadas ao encaixe dos vigamentos de madeira, tarefa designada na época por tochar. Como exemplo, refira-se os trabalhos de “acefellar e atochar as traves das logeas e sobrelogeas”, dos aposentos dos Infantes54.

Através de um conjunto de expressões documentais, nomeadamente lavrar, gastar, arrancar, acarretar e assentar, podemos deduzir que, no processo de cons-trução de novas estruturas ou de realização de alterações nas já existentes, as ta-refas desempenhadas pelos pedreiros consistiam em extrair a pedra, trabalhá-la, aparentemente na pedreira e transportá-la, no caso da pedra nova, mas também em adaptá-la e assentá-la na obra, quer se tratasse de material novo ou reaproveitado. A estes mesteirais cabia ainda a realização de diversas técnicas aplicadas na construção de elementos específicos de arquitetura, nos revestimentos, ou na preparação de estruturas de pedra para a construção com outros materiais.

Os pedreiros podiam ser contratados à empreitada, recebendo um pagamento por todas as tarefas efetuadas, ou ser pagos à jorna, modalidade que se regista com

49 Livro truncado da receita… p. 225.50 Livro truncado da receita… p. 225.51 Livro truncado da receita…, p. 225.52 Livro truncado da receita…, p. 237.53 Livro truncado da receita…, p. 237.54 Livro truncado da receita…, p. 236.

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O PROCESSO CONSTRUTIVO DOS PAÇOS RÉGIOS MEDIEVAIS PORTUGUESES NOS SÉCULOS XV-XVI: O PAÇO REAL DE SINTRA

maior frequência nas obras em análise55.Por fim, refira-se ainda a utilização de material cerâmico nas obras do Paço,

destacando-se em particular os tijolos de diversos tipos, nomeadamente tijolo de portal, tijolo de alvenaria e tijolo forçado, que seria utilizado com alguma expressão, como se deduz, por exemplo, pela compra de 500 peças de tijolo forçado para as obras56. Saliente-se ainda que este tipo de material era comprado já acabado, mas normalmente o seu custo incluía o transporte até ao estaleiro, como a expressão “Postos na obra às suas custas” (do produtor) permite atestar57. Dentro do material cerâmico incluem-se ainda as telhas e os azulejos, que abordaremos mais à frente.

Técnicas de construção em madeiraA madeira constituía um tipo de material muito utilizado na construção durante

a Idade Média. O seu uso era muito abrangente, em particular nas obras interiores relacionadas com o travejamento, nomeadamente para os telhados, o madeiramento dos pisos, bem como para a construção de portas, janelas e diversos elementos decorativos. Simultaneamente, a madeira era bastante aplicada nos mais variados utensílios de construção e técnicas, tal como os andaimes58. Todos estes usos se encontram bem documentados nas obras do Paço de Sintra, como analisaremos de seguida.

A proveniência da madeira utilizada no Paço podia ser bastante heterogénea, muito embora o coberto vegetal da Serra de Sintra oferecesse uma gama diversifica-da de espécies, que podiam ser utilizadas na construção. Deste modo, nas obras em análise a madeira podia ter uma origem local, de propriedade régia, como aquela proveniente do Castanhal do rei, ou privada, como a que foi desbastada (falquejar) no Castanhal de Lopo Diaz, para a Estrebaria de Meca59. Todavia, regista-se também exemplos vários da utilização de madeira de origem mais longínqua, como a que foi comprada em Lisboa, em grandes quantidades, e transportada por via fluvial da Ribeira para Paço d’Arcos, e daqui, por via terrestre, até Sintra. A exemplificar esta situação, encontramos o pagamento a João Martins, barqueiro, pelo frete de duas viagens de barca que realizou de Lisboa a Paço d’Arcos, tendo transportado 36 vigas, 36 couceiras e 30 dúzias de tabuado para as obras do Paço60. Refira-se, igualmente, os 36 carros de madeira “de toda a sorte” provenientes da Casa da Mina,

55 Sobre as modalidades de pagamento nas construções medievais cf. Melo e Ribeiro, 2011: 120-123.56 Livro truncado da receita…, p. 233.57 Livro truncado da receita…, p. 228.58 Bernardi, 2011: 137-143; Melo e Ribeiro, 2012: 127-166.59 Livro truncado da receita…, p. 224 e 235.60 Livro truncado da receita…, p. 233.

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HISTÓRIA DA CONSTRUÇÃO – ARQUITETURAS E TÉCNICAS CONSTRUTIVAS

em Lisboa61, local de centralização dos produtos oriundos de Além-Mar, onde se poderiam incluir madeiras exóticas.

Todavia, entre as diferentes espécies de madeira utilizadas, destacam-se o castanho e o pinho. A utilização da primeira encontra-se atestada, por exemplo, nas 20 dúzias de tabuado de castanho provenientes do Paço da Madeira, de Lis-boa, ou nas 30 dúzias oriundas da Casa da Mina, que deram entrada no estaleiro de Sintra, em dois meses seguidos, respetivamente, em junho e julho de 150862. Entre os inúmeros exemplos de pinho, destaca-se o “rolo de pinho serrado para corregimento de padiolas e couchos”63, ou a compra de quatro tabuas de pinho para “repairo de padeolas”64. Por fim, saliente-se ainda a utilização de outras madeiras, como foi o caso da compra de “um pau grosso de ulmeiro para uma corça”65.

Tal como se constata nos exemplos atrás referidos, a madeira podia ser obtida sob diversas formas, nomeadamente por trabalhar, sendo posteriormente trans-formada no estaleiro, ou chegar às obras do paço sob formas específicas tais como tabuado, traves, tirante (viga), ripa, ou cabra ripa, entre outras66.

A madeira por trabalhar que chegava ao estaleiro era, num primeiro momento, entregue a serradores que a desbastavam (falquejar) e serravam, sendo posterior-mente trabalhada de forma mais especializada pelos carpinteiros, ainda que estes também apareçam por vezes a realizar o trabalho dos serradores. Aos carpinteiros acrescia ainda tarefas de reparação, manutenção e substituição de estruturas de madeira já existentes, bem como a elaboração de elementos decorativos. A título de exemplo, refira-se o caso de João Cordeiro, mestre de carpintaria, que executou os serviços de colocação de soalhos (emssolhar) nas sobrelojas dos aposentos dos Infantes, bem como as obras de manutenção e reparação (correger e repairar) “dos sobrados de casas dos paços e das manjedouras”67. Este mesmo mestre ficou ainda encarregue de fazer elementos decorativos para a capela palatina, nomeadamente rosas, estrelas e rezimbros68.

De facto, a madeira era utilizada para a elaboração de diferentes elementos cons-trutivos, como soalhos, pisos e elementos decorativos, mas também na execução e

61 Livro truncado da receita…, p. 222.62 Livro truncado da receita…, p. 222.63 Livro truncado da receita…, p. 224.64 Livro truncado da receita…, p. 241.65 Livro truncado da receita…, p. 241.66 Sobre a utilização da madeira na construção portuguesa na Idade Média cf. Melo e Ribeiro,

2012: 143-145 e 148-162.67 Livro truncado da receita…, p. 234-235.68 Livro truncado da receita…, p. 234-235.

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O PROCESSO CONSTRUTIVO DOS PAÇOS RÉGIOS MEDIEVAIS PORTUGUESES NOS SÉCULOS XV-XVI: O PAÇO REAL DE SINTRA

reparação de portas e janelas, escadas, paredes divisórias interiores e estruturas do telhado. Refira-se ainda que a madeira podia servir para revestir de forma genérica o interior de alguns compartimentos (madeirar), como por exemplo o tabuado que serviu para soalhar e forrar as dependências dos Infantes, atestado nas expressões do tipo “lavrar tavoado para solhar as sobrelojas dos infantes” 69.

Cumulativamente a madeira era muito usada no fabrico de mobiliário execu-tado no próprio estaleiro do Paço de Sintra. Como exemplos refira-se as mesas e bancos feitos para uma estadia do Rei, em 150870, ou outro tipo de mobiliário, como armários para a Casa das Sisas71.

A madeira, tal como já referido, era ainda utilizada para o fabrico e reparação de utensílios de construção, como padiolas, couchos e corsas, mas também para a construção de andaimes. De facto, encontramos referências à construção de an-daimes, com alusão à compra de madeira, por vezes de castanho, destinada aos andaimes das obras de manutenção e reparação dos Paços72.

Ferragens (ferrolhos, fechaduras, chaves e estruturas de suporte)Na reparação e manutenção dos Paços foi dada particular atenção às portas e

janelas, nomeadamente no que se refere à sua reparação em madeira, tal como já referido, mas também através da substituição de ferrolhos, fechaduras e chaves, ba-tentes e dobradiças, fechos corrediços e grades, bem como ferragens em geral73.

O material em que estes elementos eram feitos variava entre o ferro, o estanho e o latão da Flandres74. Os elementos de ferragens eram, em geral, comprados já feitos, o que não significa que em alguns casos os metais não fossem trabalhados no estaleiro, a julgar pelos dois foles de ferreiro que foram comprados em 150775, mas também pelos exemplos de compra de fio de arame para fazer a estrutura de suporte das vidraças das janelas da capela, a executar no próprio estaleiro76.

4.2.3. TelhadosA análise dos telhados inclui vários aspetos que se interligam, em particular, a

sua forma, as partes que o constituem, os seus acessórios, os sistemas de evacuação

69 Livro truncado da receita…, p. 234-235.70 Livro truncado da receita…, p. 234-235.71 Livro truncado da receita…, p. 242.72 Livro truncado da receita…, p. 227.73 Livro truncado da receita…, p. 223, 233, 240, 241.74 Livro truncado da receita…, p. 223.75 Livro truncado da receita…, p. 222.76 Livro truncado da receita…, p. 233.

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de águas pluviais e os materiais empregues. A variedade de formas dos telhados do Paço de Sintra pode ser observada através das vistas publicadas por Duarte d’Armas, em 1509-1510. De facto, podemos constatar a presença de telhados com diferentes graus de inclinação, uns ligeiramente inclinados, outros de forte pendor, de uma ou de várias águas. Destacam-se ainda telhados de flecha poligonal, ou mesmo cónicos, que cobriam diferentes espaços, desde torres, compartimentos, capela e alpendres. Paralelamente identificam-se inúmeras chaminés distribuídas pelas diferentes coberturas do Paço, bem como pequenos espigões nas cumeeiras dos telhados, adornados com bandeiras, algumas das quais poderiam ser de metal, funcionando como cata-vento (Figs. 4, 5 e 9).

Na Idade Média, os materiais empregues na cobertura dos telhados poderiam ser de diferentes tipos, refletindo o prestígio e importância do edifício. De facto, o telhado, visível do exterior e de longe, desempenhava uma função estética, re-fletindo simultaneamente o estatuto social do proprietário. Entre os diversos tipos de material utilizado nos telhados, a telha, com frequência, surgia associada aos edifícios mais emblemáticos77.

Neste sentido, tratando-se duma residência régia, não será de admirar que no Paço de Sintra se encontrasse um predomínio da telha. Ao que tudo indica, a telha não seria toda igual, encontrando-se referências a telha e a telha galega, adquiridas em diferentes fornos, como por exemplo as “telhas do” forno do Arneiro, do forno da Várzea, do forno de Gonçalves Anes, telheiro da Granja, do forno do Sabugo, do forno de João Donzel, entre outros78. Através dos vários exemplos referidos, sabemos que as telhas eram compradas já fabricadas, em fornos situados na zona de Lisboa.

O processo de compra seria controlado por mestres pedreiros da obra dos Pa-ços, que selecionavam nos fornos as telhas a comprar. Por exemplo, João Rodrigues, mestre pedreiro, estava incumbido de escolher telha nos fornos para as obras dos Paços, em 150879.

Saliente-se, ainda, que entre os materiais mais utilizados na construção ou re-paração dos telhados do Paço, se destaca, além da telha, a grande quantidade de madeira e de pregos, tal como os 2 milheiros de pregos de telhado comprados, em janeiro de 1507, ou os 5500 pregos de telhado adquiridos em setembro do mesmo ano80.

77 Bernardi, 2011, 247.78 Livro truncado da receita…, p. 228, 229 e 242.79 Livro truncado da receita…, p. 242.80 Livro truncado da receita…, p. 223

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4.2.4. o abastecimento de água potávelCom alguma probabilidade, o sistema geral de abastecimento de água potável

ao Paço de Sintra encontrava-se, em 1507-1510, já definido. O provimento de água fazia-se sobretudo através de canos de chumbo. Para o fabrico destes canos, para além do chumbo, era utilizado o betume, feito com linho e outros elementos ligan-tes, como o azeite81. Estes canos eram soldados com recurso ao estanho, conforme é expressamente referido nos documentos82.

Todavia, atendendo à própria especificidade deste tipo de construção, estes ca-nos de água necessitavam de manutenção frequente, como se deduz, entre outros, pela obrigação do Mestre pedreiro “em fazer betume e correger os canos de água” durante a estadia do rei e da rainha, nos Paços, em 150883.

O chumbo era comprado centralmente, pelo almoxarife da obra, como por exemplo os 40 quintais (cerca de 2400 Kg) de chumbo comprados a Rui Gomes tesoureiro da Casa da Mina84. Posteriormente, devia ser trabalhado e fundido no estaleiro, utilizando-se para tal caldeiras e recipientes apropriados, como o capa-cete e o tripé (trempem), conforme aparece referido na expressão “huma trempem grande para o mestre dos canos para fundir o chumbo”. Atesta-se, igualmente, o uso de vários instrumentos de ferreiro, designados de “miúdos”85. Para fundir o chumbo para fazer estes canos era igualmente utilizado o carvão, a lenha e “foga-reiros grandes”86.

Estes canos corriam dentro de estruturas construídas para esse efeito, prova-velmente pétreas ou cerâmicas, como se atesta pelas referências à construção de paredes associadas a estas canalizações de água potável87, à semelhança de outros exemplos conhecidos na época88.

A construção de tubos de chumbo para abastecimento de água potável era assegurada, no estaleiro, pelos “mestres dos canos de água”, que eram, em geral, pedreiros, que também tinham a seu cargo outras tarefas de trabalho do metal, como por exemplo fazer “as redes com fio de arame para amparo das vidraças”89.

81 Livro truncado da receita…, p. 233, 240, 242.82 Livro truncado da receita…, p. 222.83 Livro truncado da receita…, p. 236.84 Livro truncado da receita…, p. 222.85 Livro truncado da receita…, p. 222, 240.86 Livro truncado da receita…, p. 239.87 Livro truncado da receita…, p. 240.88 Melo, 2007: 130-134.89 Livro truncado da receita…, p. 233.

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4.3. Trabalhos de acabamentoA parte final de uma obra contempla a realização de um conjunto de tarefas de

acabamentos com vista ao remate da construção, onde incluímos os revestimentos e as pinturas, a colocação de vidros e de diferentes tipos de equipamentos, bem como as limpezas finais, entre outros. Na análise deste tipo de tarefas realizadas no Paço de Sintra, pudemos aferir o modo como eram produzidos no estaleiro alguns materiais, designadamente a cal e as tintas.

Fabrico de calAs técnicas de revestimento do Paço realizadas no período em estudo utiliza-

vam de forma abundante a cal90. Esta seria previamente produzida pelos braceiros que tinham a seu cargo “amassar, terçar e acarretar” a cal para os pedreiros, que a aplicavam91. A cal seria preparada através do uso de determinados instrumentos, tais como diversos tipos de peneiras, nomeadamente joeiras e cirandas92, sendo sujeita a um processo de “curtição” em tinas de madeira, compradas a tanoeiros93. A referência a uma “tina grande” parece indiciar o uso frequente da cal, o que mais uma vez se coaduna com as obras de manutenção e reparação que o Paço conheceu entre 1507-1510. A sua aplicação encontra-se atestada documentalmente para diversas áreas do Paço, nomeadamente no portal de pedraria da Estrebaria de Meca, ou no Pátio das Damas, entre outros.

Nestas obras, a cal era utilizada como material de revestimento para reboco das paredes, mas também para pintar (pincelar)94.

Fabrico de tintasOs Paços de Sintra foram igualmente objeto de obras intensas de pintura e

renovação de pintura, tal como se deduz pela frequente menção a contratos com pintores para “pintar, dourar e renovar as pinturas dos paços”95. A aplicação das tintas seria realizada generalizadamente pelos pintores, pagos maioritariamente à jorna. No entanto a compra dos materiais para produzir as tintas estaria a cargo de um único mestre pintor, a quem a direção do estaleiro pagava essas aquisições. Entre os materiais adquiridos para o fabrico das tintas para o Paço destacam-se o

90 Sobre o uso e fabrico da cal na Idade Média cf. Bernardi, 2011: 149-152; Bernardi e Esposito, 2012: 453-460.

91 Livro truncado da receita…, p. 238, 239.92 Livro truncado da receita…, p. 233.93 Livro truncado da receita…, p. 233 e 240.94 Livro truncado da receita…, p. 233.95 Livro truncado da receita…, p. 233 e 234.

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vermelhão, o alvaiade (pigmento branco), o azul, o roxo terra, o zarcão e o ocre mas, também, óleo, gesso e grude96.

Na generalidade, as tintas são produzidas a partir de um pigmento, de um elemento ligante e de um solvente. Assim sendo, nos Paços de Sintra, e face aos registos dos materiais comprados, as tintas seriam produzidas no estaleiro, a partir dos pigmentos, como o vermelhão, aos quais se misturava o grude, como elemento ligante, e o óleo, como solvente.

As tintas seriam aplicadas com pinceis, como atesta a compra deste tipo de instrumento, realizada neste período97.

Outra técnica de pintar consistia em dourar e pratear diferentes superfícies, nomeadamente através da aplicação de “ouro batido de pintor”, em particular na capela palatina mas, também, em outras dependências dos Paços. A sua execução servia para dourar, bem como renovar as pinturas existentes. Este material era comprado a um batefolhas, sob a forma de “folha” de ouro, e aplicado na obra pelos pintores98.

Algumas destas técnicas foram usadas como forma de renovar as pinturas dani-ficadas pela humidade. Tal como já referido, o local onde se situa o Paço de Sintra sofre de uma elevada humidade atmosférica, circunstância que justificava obras de manutenção e reparação frequentes.

Azulejo, vidros e diferentes tipos de equipamentosDentro dos trabalhos de acabamento incluem-se, ainda, uma gama diversificada

de outras atividades, documentadas para o Paço de Sintra. Entre estas destacaría-mos a colocação de azulejos, vidros e vitrais, bem como de certo tipo de equipa-mentos tais como grades, pias de mármore, mobiliário, entre outros.

No que se refere à utilização de azulejos para revestimento das paredes, destaca-se as quantidades, a proveniência, bem como a variedade das peças recebidas no estaleiro. Nomeadamente, em 1507 a chegada de 82 seiras de azulejos “que estavam em Belém”, e, em 1508, as 10.146 peças de variados tipos originárias das obras de N. S. da Pena, em Sintra, enviadas pelo respetivo vedor da obra99. No primeiro caso, poderia tratar-se de azulejos reaproveitados, ou sobrantes de outras obras, nomeadamente do Mosteiro dos Jerónimos, que inicia a sua construção por volta de 1500100.

96 Livro truncado da receita…, p. 234.97 Livro truncado da receita…, p. 233 e 240.98 Livro truncado da receita…, p. 232-234 e 241.99 Livro truncado da receita…, p. 222 e 229.100 Alves, 1991, p. 83-87.

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Por sua vez, a técnica de colocação de vidros aparece bem documentada nas obras da Capela Palatina. Esta técnica consistia na construção de uma rede, que servia como estrutura de suporte das vidraças, elaborada com fio de arame. Era feita no próprio estaleiro, pelo mestre dos canos, que era um pedreiro. As compras de 24 rodas de fio de arame e de 22 madeixas do mesmo fio, para as redes “para amparo das vidraças” constituem exemplos do uso frequente desta técnica nos Paço de Sintra101.

Por fim, a colocação de equipamentos variados incluiu fontes ou chafarizes, como se deduz pelas duas pias de mármore, uma delas “com seus pilares e assen-tos”, recebidas no estaleiro em 1508102, ou o gradeamento de algumas áreas, como a Açoteia do Sol103.

Dentro das tarefas de acabamento incluem-se, ainda, as relacionadas com a limpeza, nomeadamente “limpar e varrer os paços”, ou até mesmo tirar as “águas chovediças das casas e paços”104.

ConClusõEsO Paço de Sintra representa um exemplo de arquitetura paçã bastante interes-

sante, na exata medida em que constitui o resultado de sucessivas intervenções, que se traduziram na construção de novas alas, praticamente autónomas, que se foram anexando às já existentes, permitindo manter desta forma os traços gerais da arquitetura anterior.

Em termos gerais, este complexo arquitetónico é composto por um primeiro Paço do tempo de D. Dinis, ao qual foram anexados novas dependências no tempo de D. João I, que se traduzem numa nova ala, autónoma, mas que não inutilizaram as anteriores. No tempo de D. Manuel vamos assistir à continuação deste modelo de projeto de arquitetura, tendo este monarca alterado a funcionalidade de alguns espaços anteriores, nomeadamente transformando o antigo paço de D. Dinis nos aposentos da Rainha e a ala de D. João I nos Aposentos dos Infantes. Simultane-amente, construiu novos espaços, correspondentes a uma nova ala e à Torre da Sala dos Brasões. Todavia, num primeiro momento a intervenção deste monarca consistiu num programa de obras de manutenção e restauro que incluiu também a construção de novo de algumas estruturas. Esta intervenção realizada entre 1507 e 1510 encontra-se bem documentada, circunstância que permitiu realizar este estudo que visa contribuir para o conhecimento do processo construtivo de edifícios de prestígio dos finais da Idade Média.

101 Livro truncado da receita…, p. 233.102 Livro truncado da receita…, p. 222.103 Livro truncado da receita…, p. 240.104 Livro truncado da receita…, p. 226-228.

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Muito embora se tratasse dum complexo já maioritariamente construído aquan-do da primeira intervenção de D. Manuel, de acordo com projetos anteriores, os documentos que atestam as novas construções permitem analisar variados aspetos do processo construtivo, nomeadamente o modo como as obras eram projetadas, mas também como eram desenhadas e implementadas no terreno, antes do início da construção propriamente dita. De igual modo, após estes trabalhos preliminares, é possível acompanhar o desenrolar das sucessivas fases de construção, desde a abertura de valas de fundação e construção de alicerces, até à edificação de mu-ros, vãos, pavimentos e coberturas. Igualmente, as fontes documentais existentes permitem analisar os trabalhos relacionados com o abastecimento de água potável, bem como com a fase de acabamentos.

Através da análise realizada foi possível avaliar diferentes técnicas construtivas, relacionadas com distintos tipos de estruturas e materiais, nomeadamente a cons-trução em pedra, madeira, tijolo e telha, mas também as associadas aos metais, como a produção, no próprio estaleiro, de canalizações em chumbo, ou de redes de arame para as vidraças. De igual modo, na fase de acabamento puderam ser avaliadas algumas técnicas de revestimento, designadamente ligadas ao fabrico e uso da cal e das tintas.

Pudemos assim concluir que a organização do estaleiro e as técnicas constru-tivas empregues na campanha de obras de 1507-1510, constituíram um empre-endimento centralizado pelo monarca e seus agentes, verificando-se igualmente uma forte especialização do trabalho e das técnicas construtivas. Na realidade, esta tendência enquadra-se nas transformações ocorridas no processo construtivo ao longo dos séculos XV e XVI, em Portugal e na Europa.

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HISTÓRIA DA CONSTRUÇÃO – ARQUITETURAS E TÉCNICAS CONSTRUTIVAS

reSumo: O presente artigo constitui um contributo para o conhecimento do processo construtivo dos paços régios medievais portugueses, na transição dos séculos XV para o XVI. Através do estudo das intervenções realizadas em 1507-1510 no Paço Régio de Sintra foi possível avaliar diversos aspetos do modo de construir nesse período, nomeadamente ao nível dos trabalhos prévios, como a planificação, o projeto e a implementação da obra, mas também, as técnicas de construção de alicerces, paredes, vãos, telhados e de estruturas de abastecimento de água. Na realidade, este trabalho documenta e analisa as várias fases do processo construtivo, incluindo as atividades relacionadas com os acabamentos, onde se destacam as técnicas de revestimento e decoração, nomeadamente o uso da cal, de variadas tintas, de azulejos e de vidros. A organização do esta-leiro, a constituição das equipas, a especialização do trabalho, bem como os materiais utilizados, constituem ainda outras perspetivas privilegiadas de análise neste estudo.

palavras-chave: História da construção; processo construtivo; Paços régios medievais; Paço Real de Sintra séculos XV e XVI.

réSumé: Cet article présente une contribution à la connaissance du processus de bâtir les palais royaux médiévaux portugais, dans la transition des XVème et XVIème siècles. L’étude des interventions menées en 1507-1510 dans le Palais Royal de Sintra (Lisbonne) a permis d’évaluer divers aspects de la construction dans cette période, notamment le projet et l’implantation du bâtiment, mais aussi les techniques de construction des fondations, mur et baies, les couvertures et les structures d’approvisionnement de l’eau. En fait, cette étude documente et analyse les différentes étapes du processus de construction, y compris les activités liées aux finitions, qui mettent en valeur les techniques de revêtement et de décor, notamment l’utilisation de la chaux, des couleurs diverses, azulejos et verre. L’organisation du chantier, la formation des équipes, la spécialisation du travail, ainsi que les matériaux, sont autres perspectives de l’analyse privilégiés dans cette étude.

mots-clés: Histoire de la construction; bâtir; palais royaux médiévaux portugais; Palais Royal de Sintra (Lisbonne) XVe et XVIe siècles.

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