HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO DA COMUNIDADE DE … · de terra das áreas planas e férteis, assim...

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UFRRJ INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE MONOGRAFIA “História da colonização da comunidade de Picada Felipe Essig e características da agricultura familiar ali desenvolvida” Paulo Francisco Conrad 2002

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UFRRJ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E

SOCIEDADE

MONOGRAFIA

“História da colonização da comunidade de

Picada Felipe Essig e características da

agricultura familiar ali desenvolvida”

Paulo Francisco Conrad

2002

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO,

AGRICULTURA E SOCIEDADE

“História da colonização da comunidade de Picada Felipe Essig e

características da agricultura familiar ali desenvolvida”

Paulo Francisco Conrad

Sob a Orientação do/a Professor/a

Nelson Giordano Delgado

Monografia submetida como requisito

parcial para obtenção do diploma de

Pós-graduação Lato Sensu em Desenvolvimento,

Agricultura e Sociedade

Seropédica, RJ

Novembro de 2002

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA

E SOCIEDADE

PAULO FRANCISCO CONRAD

Monografia submetida ao Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e

Sociedade como requisito parcial para obtenção do diploma de Pós-graduação Lato

Sensu em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade

MONOGRAFIA APROVADA EM -----/-----/------ (Data da defesa)

Nome completo. Título (Dr., Ph.D.) Instituição

Nelson Giordano Delgado

Nelson Giordano Delgado (Ph.D.) CPDA/UFRRJ

Silvana de Paula (Ph.D.) CPDA/UFRRJ

Nora Beatriz Presno Amodeo (Ph.D.) REDCAPA

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SUMÁRIO

HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO DA COMUNIDADE DE PICADA FELIPE ESSIG E

CARACTERÍSTICAS DA AGRICULTURA FAMILIAR ALI DESENVOLVIDA .................................. 2

Introdução ................................................................................................................................................. 2

História da ocupação do Rio Grande do Sul ............................................................................................. 2

As reduções Jesuíticas e as Missões ......................................................................................................... 3

As concepções de Sesmarias .................................................................................................................... 3

Processo de colonização alemã no Rio Grande do Sul ............................................................................. 3

Localização de Picada Felipe Essig .......................................................................................................... 4

A topografia e as características do solo ................................................................................................... 4

Origem do nome da comunidade .............................................................................................................. 5

Origem das terras de Picada Felipe Essig ................................................................................................. 6

O desenvolvimento da comunidade de Picada Felipe Essig ..................................................................... 6

Iª. FASE – PERÍODO 1875 A 1965 ......................................................................................................... 7

A FASE DE ESTRUTURAÇÃO DA COMUNIDADE E DA AGRICULTURA DE SUBSISTÊNCIA 7

A vida religiosa e a cultura ....................................................................................................................... 7

A organização social e esportiva da Comunidade .................................................................................... 9

A organização Escolar da Comunidade .................................................................................................. 10

Aspectos comerciais da Comunidade ..................................................................................................... 11

A agricultura e sua estrutura de apoio .................................................................................................... 11

Atividades agro-industriais e de serviços existentes na comunidade neste período ............................... 12

Outras questões importantes na organização da comunidade ................................................................. 13

Aspectos ambientais associados ao período ........................................................................................... 13

Vista geral da comunidade e das águas do rio Forqueta ......................................................................... 14

IIª FASE – 1965 A 1990 ......................................................................................................................... 15

A INTENSIFICAÇÃO DA PRODUÇÃO E A TECNOLOGIA EXTERNA. ....................................... 15

O Processo de abertura da comunidade. ................................................................................................. 15

As novas entidades associativas ............................................................................................................. 15

A saída da maioria dos jovens da comunidade ....................................................................................... 16

O investimento na moradia e na propriedade. ........................................................................................ 17

A diferenciação entre as famílias. ........................................................................................................... 18

Aspectos ambientais associadas a este período ...................................................................................... 19

IIIº. FASE – 1990 ATÉ 2002 ................................................................................................................. 20

A PRODUÇÃO EM ESCALA, A INDÚSTRIA CALÇADISTA E APOSENTADORIA RURAL ..... 20

O novo cenário e as estruturas comunitárias .......................................................................................... 22

Esclarecimentos sobre a tabela dos moradores ....................................................................................... 27

Aspectos ambientais referente a este período ......................................................................................... 29

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................. 30

O período de 1875 a 1965 ...................................................................................................................... 30

O período 1965 a 1990 ........................................................................................................................... 31

O período 1990 a 2002 ........................................................................................................................... 32

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................................ 34

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RESUMO

CONRAD, Paulo Francisco. História da colonização da comunidade de Picada

Felipe Essig e características da agricultura familiar ali desenvolvida. Seropédica: UFRRJ, 2002. 32P.

(Monografia, Pós-graduação lato sensu em Desenvolvimento, Agricultura e

Sociedade).

Este trabalho foi realizado na comunidade de Picada Felipe Essig, município de

Travesseiro, Estado do Rio Grande do Sul, e teve como objetivo buscar junto aos

moradores e a bibliografia existente sobre o assunto, conhecer a história da

colonização da comunidade, contada pelos seus moradores e resgatada dos

conhecimentos das pessoas que a mais tempo residem neste local. A metodologia usada

para tal foi a realização de um diagnóstico rápido participativo e as ferramentas

metodológicas utilizadas foram entrevistas enfocando o itinerário de desenvolvimento

da comunidade, buscando conhecer aspectos da colonização, organização inicial das

propriedades, estruturação da comunidade nos aspectos sociais, culturais, esportivos,

religiosos, produtivos e ambientais. Também foi confeccionado um mapa da

comunidade com a identificação dos moradores, as localizações das moradias das

famílias, assim como foi elaborado uma tabela onde se inseriram as atividades

desenvolvidas pelas mesmas e as estratégias econômicas de cada uma delas. A análise

que se desenvolveu foi sobre as mudanças que ocorreram na comunidade e nas famílias,

neste período de 127 anos de existência desta comunidade, analisando os diversos

aspectos acima citados e as influências das políticas públicas emanadas pelo estado,

assim como mais recentemente a influência das políticas de desenvolvimento que o

governo impulsionou. Estas mudanças ocorridas na comunidade caracterizam três

períodos bem distintos no desenvolvimento da comunidade, sendo que o período inicial

que foi desde a chegada das primeiras famílias até o ano de 1970 e que se caracterizou

pelo trabalho de estruturação comunitária realizada pelos próprios moradores e o

desenvolvimento de uma agricultura baseada na subsistência familiar, sendo seguido

por outro período que perdurou até o ano de 1990 aproximadamente e, que se

caracterizou pela intensificação da produção de alguns produtos em detrimento da

segurança alimentar da família e a saída de muitos jovens e famílias inteiras para as

cidades próximas e finalmente este último período que se caracteriza pela mudança de

estratégia de sobrevivência das famílias, sendo que das atuais 125 famílias da

comunidade, 47 complementam a sua renda com atividades fora da agricultura,

enquanto que outras aliaram-se às integradoras, intensificaram a produção ainda mais, e

que tem como característica a capitalização no período anterior, aliado ao fato da posse

de terra das áreas planas e férteis, assim como metade das famílias tem seu sustento

proveniente da aposentadoria rural.

Palavras chave: organização comunitária, saída dos jovens, atividades não agrícolas.

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HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO DA COMUNIDADE DE PICADA FELIPE

ESSIG E CARACTERÍSTICAS DA AGRICULTURA FAMILIAR ALI

DESENVOLVIDA

Introdução

O tema que procurarei desenvolver neste meu objeto de estudo é resgatar um

pouco do histórico da comunidade de Picada Felipe Essig, desde a sua colonização até

os dias atuais, buscando desta forma identificar também as principais características da

agricultura familiar, ali desenvolvida por seus moradores ao longo da história. Além do

resgate da história desta comunidade, é objetivo fazer também uma fotografia atual da

comunidade com seus moradores, em seus aspectos econômicos, sociais, ambientais e

culturais.

Por outro lado pretendo avaliar como as políticas públicas do estado

influenciaram o desenvolvimento desta comunidade, especialmente a partir da década

de 1970 até a data de hoje, procurando conectar estas influências com a realidade atual

dos moradores e de sua comunidade.

História da ocupação do Rio Grande do Sul

Antes de iniciar a descrever a colonização da comunidade de Picada Felipe

Essig, acho oportuno fazer um breve relato do processo de ocupação do Rio Grande do

Sul até chegar ao ano de 1875, que foi a data de início da colonização da Comunidade, a

qual nos reportaremos no estudo.

Segundo os livros que narram a história do Rio Grande do Sul, estes contam que

o Rio Grande do Sul era inicialmente todo ocupado pelos indígenas, com suas diferentes

tribos, que viviam as margens dos cursos de água, vivendo daquilo que a natureza lhes

oferecia. Na comunidade em estudo, há sinais evidentes da presença indígena, através

da guarda, pelos moradores até os dias atuais, de objetos de cerâmicas indígenas, pontas

de flechas e outros utensílios desta cultura. Segundo descreve o historiador Lauro

Nelson Fornari Thomé em seu livro “Arroio do Meio 50 anos”, 1984, na pág. 30, no

capítulo “Solo Agreste,” que neste período nativo nosso território era habitado por

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índios Patos, mais tarde feito cativos, expulsos, exterminados ou aldeados e

catequizados.

As reduções Jesuíticas e as Missões

A primeira ocupação do Rio Grande do Sul, conforme os mesmos livros, ocorreu

através das missões, promovidas pelos padres Jesuítas na região noroeste do estado, que

segundo os relatos foram fundados no período de 1626 e duraram até meados do século

XIV. Estas reduções foram eliminados pelas sucessivas incursões dos bandeirantes, que

saqueavam as reduções jesuíticas e escravizavam os índios. Também o mesmo

historiador Lauro N.F. Thomé fala no seu livro “Arroio do Meio 50 anos” que

“Também os bandeirantes acamparam em nossa região. Em 1636, Antônio Raposo

Tavares com 120 paulistas e mil índios a seu serviço, precedido do capitão Diogo de

Mello, em outubro desse ano teria acampado nas barrancas do Rio Taquari, município

de Arroio do Meio”, da qual Picada Felipe Essig fazia parte.

As concepções de Sesmarias

Após o período jesuítico, relatam os livros didáticos escolares, que narram a

história do estado gaúcho, que a partir daquele momento, o governo Português iniciou o

processo de ocupação do Estado através de concessões de terras em forma de

Sesmarias, aos portugueses que se destacavam na defesa da coroa.

As terras da então futura comunidade de Picada Felipe Essig, que pertenciam ao

município de Arroio do Meio no período, que o historiador Lauro N. F. Thomé, em

1984, relata em seu livro “Arroio do Meio ano 50”, que parte das áreas deste município

foram concedidas em 1816 a Ricardo José Villa-Nova pelo Marquês de Alegrete, sendo

após também agraciados com Sesmarias, o Senhor Bernardo Joaquim da Silva, ao lado

de Sesmaria do primeiro, ou seja, a de Ricardo J. Villa-Nova. Também cita o autor que

as áreas do distrito de Travesseiro, distrito que se emancipou em 20/03/1992,

desmembrando-se do município de Arroio do Meio, suas terras haviam sido concedidas

em 16/03/1846 ao Capitão Francisco Silvestre Ribeiro, que jamais havia tomado posse

antes da sua morte. Os herdeiros para legitimar a posse junto ao estado cederam em

troca da medição, metade de sua Sesmaria para os medidores da mesma. A legalização

da escritura foi obtida em 6 de novembro de 1888.

Processo de colonização alemã no Rio Grande do Sul

Michael G. Mulhall em seu livro “O Rio Grande do Sul e suas colônias alemãs”,

1873 em seu capítulo 13 relata, “A primeira colônia foi a de São Leopoldo, estabelecida

pelo pai do atual Imperador D. Pedro I, nas férteis terras da Antiga Feitoria da

Cânhamo, ainda chamada de Feitoria Velha, nas margens do Rio dos Sinos, há quarenta

e sete anos atrás. Segue o autor “A primeira leva de colonos alemães, compreendendo

26 famílias e 17 pessoas solteiras, chegou em 25 de julho de 1824 e foi seguido alguns

meses após, por mais 157 famílias com 909 pessoas”.

Também relata o autor “Os primeiros colonos receberam lotes gratuitos de terra

inculta, além de ferramentas agrárias, sementes e um subsídio para o seu sustento, até o

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segundo ano”. Ainda relata o autor, que as autoridades não haviam medido e demarcado

corretamente as terras e esta questão gerou conflitos entre os colonos e muitos saíram

em busca de colônias novas que estavam se formando.

Este processo relatado por Michael G. Mulhall em seu livro escrito em 1873,

descreve a forma da colonização pública promovida pelo governo imperial do Brasil. A

partir daquele momento, muitas levas de alemães aportavam pelo sul do Brasil,

impulsionadas pelo progresso das colônias velhas, instituindo novas colônias, na

maioria não em áreas públicas, mas adquirindo colônias de terras em áreas particulares.

Lauro N.F. Thomé em seu livro “Arroio do Meio 50 anos” relata que o processo

de colonização de Arroio do Meio, da qual Picada Felipe Essig fazia parte, foi muito

moroso, explicado em parte, pois o herdeiro da sesmaria, família Fialho de Vargas, era

também dona de outras áreas e estava promovendo os loteamentos de Moinhos e

Conventos, no município de Lajeado. Tanto que em 1870, a sesmaria onde fica hoje a

sede do município de Arroio do Meio, não somava ainda 10 famílias de colonizadores.

E assim chegamos que em 1875, mais precisamente no mês de fevereiro quando

chegou o primeiro colonizador das terras que hoje são objetos do estudo, o qual foi o Sr.

Phillip Essig.

Localização de Picada Felipe Essig

A comunidade de Picada Felipe Essig situa-se à margem esquerda do Rio

Forqueta, a 25 km do seu desembocar no Rio Taquari, que é considerado como o rio

mais veloz do estado. A comunidade situa-se ao longo da estrada geral, numa extensão

de 8 km, que liga a sede do município de Travesseiro até a sede do município de Pouso

Novo.

A Picada Felipe Essig pertence atualmente ao município de Travesseiro-RS, o

qual se emancipou em 20/03/1992 do município de Arroio do Meio. Por sua vez o

município de Arroio do Meio foi criado em 28/11/1934, desmembrando-se do

município de Lajeado, o qual foi instalado como município em 26/02/1891. A

comunidade de Picada Felipe Essig dista 150 km de Porto Alegre.

Em termos geográficos regionais, ela se localiza na região denominada de Vale

do Taquari, sendo que o Rio Forqueta é um dos principais afluentes do Rio Taquari.

Com a emancipação política de Travesseiro do município de Arroio do Meio e de

Marques de Souza do município de Lajeado, a comunidade de Picada Felipe Essig

encosta com as duas áreas urbanas destas duas cidades.

A topografia e as características do solo

A topografia da comunidade de Picada Felipe Essig é composta por duas áreas

distintas, podendo-se caracterizar a estrada geral, em seus 8 km de extensão, como

divisor topográfico. Na faixa compreendida entre a estrada geral e o Rio Forqueta

localizam-se terras planas, denominadas pelos moradores de várzeas, situados na

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altitude de 88 m acima do nível do mar, com boa fertilidade natural, sendo que algumas

destas áreas estão sujeitas a inundações, e representam 20% da área da comunidade.

As terras localizadas no outro lado da estrada geral são essencialmente

declivosas. São as recostas do morro, que chegam a altitude de 450 m, circundando todo

o lado da comunidade, sendo que sobre o topo da mesma passa o travessão que separa a

comunidade das outras. As terras são rasas, porém de boa fertilidade natural. Portanto a

comunidade se localiza entre o Rio Forqueta e o morro que a circunda em uma extensão

de 8 km, residindo os moradores ao longo da estrada geral.

Mapa plani-altimétrico da comunidade

Origem do nome da comunidade

A comunidade objeto deste estudo a partir deste momento é a comunidade de

Picada Felipe Essig, porém seu nome já foi alterado várias vezes, mas sempre

permanecendo a sua relação com o seu primeiro colonizador. Inicialmente era chamada

de Essig-pikade ou Picada Essig. Com o advento da IIª. Guerra Mundial, com a

declaração de guerra pelo Brasil a Alemanha, momento em que a língua alemã foi

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proibida no Brasil, o nome da comunidade foi traduzido para o português, sendo

chamada deste momento em diante de Picada Vinagre e finalmente em 1950, seu nome

foi novamente definido de Picada Felipe Essig, pela Lei nº. 9 do então prefeito de

Arroio do Meio, Sr. Antônio Fornari.

Origem das terras de Picada Felipe Essig

Todas as terras da comunidade de Picada Felipe Essig, pertenciam anteriormente

a Frederico Adolfo Moog, o qual residia em São Leopoldo. Em fevereiro de 1875,

conforme descrito na Árvore Genealógica da Família Essig,

onde descreve a vida de Phillip Essig, em artigo assinado por

Érico Egônio Essig, descendente do mesmo, o Sr. Phillip Essig

adquiriu as três primeiras colônias de terra de Frederico Adolfo

Moog, localizadas na parte sul da comunidade e subindo de

canoa pelo Rio Forqueta em fevereiro de 1875, encontrou suas

novas terras, todas cobertas densamente de matos virgens.

Em 1895, mais precisamente no dia 28 de janeiro, já no

final da Revolução dos Maragatos e por desentendimento com

um vizinho, que queria fugir dos revolucionários que estavam

próximos e, sendo este contrário a este grupo, necessitando

para tal a canoa emprestada do Sr. Phillip Essig para se dirigir

ao outro lado do rio, este foi morto pelo vizinho e encontra-se enterrado em cemitério

particular da família em sua propriedade, na comunidade de Picada Felipe Essig.

O desenvolvimento da comunidade de Picada Felipe Essig

Este capítulo tem por objetivo descrever como ocorreu o desenvolvimento da

comunidade, desde o ano de 1875 até os dias atuais, analisando os aspectos econômicos,

sociais, culturais, religiosos e ambientais e para tanto estamos subdividindo este período

em três fases, que caracterizam o processo de desenvolvimento da comunidade,

especialmente no fator econômico, que traz consigo as implicações nos demais aspectos

da comunidade, especialmente no período mais recente da comunidade, ligado a forma

de exploração da terra e na prática da agricultura.

A técnica utilizada foi um diagnóstico participativo com a comunidade e

consulta ao material bibliográfico existente. A metodologia utilizada foi aquela no qual

os moradores contaram o que conheciam da história da comunidade, descrevendo seu

itinerário de desenvolvimento, não só no aspecto econômico, mas também as questões

sociais, culturais, ambientais e preconceitos que existiram ao longo desta história.

Outra ferramenta metodológica utilizada foi a construção de um mapa atual com

as famílias e a sua inserção econômica.

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Iª. FASE – PERÍODO 1875 A 1965

A FASE DE ESTRUTURAÇÃO DA COMUNIDADE E DA

AGRICULTURA DE SUBSISTÊNCIA

Após a chegada dos primeiros moradores, as famílias logo tentaram se organizar

para existir como comunidade. Mais e mais famílias foram chegando, após a chegada do

Sr. Philip Essig e foram dando vida e consistência a mesma, tentando reproduzir tudo

aquilo que conheciam das suas comunidades de origens e mesmo muito do que haviam

trazido da pátria mãe.

O Sr. Phillip Essig se dedicou após a sua chegada e a vinda do restante da sua

família, à agricultura desenvolvida pela família. Segundo artigo escrito em sua

biografia, Livro da “Árvore genealógica da Família Essig”, consta que suas principais

culturas cultivadas foram o milho, arroz, feijão, batata inglesa, cana-de-açúcar e

naturalmente o cultivo de hortaliças. Poucos produtos eram aceitos no mercado e seus

preços eram nada compensadores. Os produtos eram produzidos para sobrevivência da

família. Também é descrito em sua biografia que eles se dedicavam, mesmo de forma

rudimentar a produção de tijolos, os quais eram vendidos aos novos vizinhos para a

construção de fornos de pão e fogões de chapas de ferro.

A medida que novos moradores iam chegando, estes também iam se dedicando a

agricultura de subsistência e desenvolvendo outras habilidades, as quais conheciam e

que eram necessárias para o desenvolvimento da comunidade.

A vida religiosa e a cultura

Assim a comunidade foi crescendo e se desenvolvendo, sendo que em 1908, foi

erguida a primeira igreja da comunidade, a qual foi a Igreja Evangélica de Confissão

Luterana do Brasil (IECLB), situada onde ainda hoje existe a igreja da mesma

confissão.

Igreja da comunidade da IECLB

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Um fato pitoresco é que praticamente todos os moradores eram e ainda são da

confissão luterana ou ditos de protestantes. Porém em 1926, ocorreu um

desentendimento entre alguns moradores e o pastor da comunidade, o qual se recusou a

confirmar parte dos Confirmandos, alegando que só seria possível no ano seguinte. Um

grupo expressivo de membros se retirou da congregação e em terreno cedido por Adão

Kheller construíram nova igreja, também evangélica, mas ligada a Igreja Evangélica

Luterana do Brasil (IELB), inaugurada em janeiro de 1928. Esta crise religiosa da

comunidade trouxe também reflexos em outros setores por longo tempo, especialmente

na questão educacional.

As igrejas tiveram forte influência organizativa na comunidade. Agregado a elas,

na fase inicial havia as escolas evangélicas, alem também do desenvolvimento da

habilidade dos cantos através dos Coros mistos de cantores das duas igrejas fundadas

respectivamente em 1932. Além do desenvolvimento dos Coros mistos estimularam a

criação dos departamentos femininos da Ordem Auxiliadora das Senhoras Evangélicas

de ambas as igrejas, sendo a da IECLB fundada em 1957 e a da IELB em 1955.

Acoplado às igrejas existiam

os galpões para as festas da

comunidade os quais mais recente-

mente, a partir de 1997 foram

adaptados em casas mortuárias para

os membros das comunidades.

A comunidade também é

servida por dois cemitérios,

pertencentes a cada igreja, no qual

são enterrados seus membros

falecidos. Outro cemitério existente,

porém já desativado é o que pertencia a família do primeiro morador, o qual o fez em

sua propriedade e onde foram enterrados seus familiares no início da colonização.

Outro fator cultural de forte influência é a Sociedade de Cantores Concórdia,

fundada em 1911, composta por 7 fundadores, que existiu durante todo o período e que

imprimiu vida cultural a comunidade, através da realização dos bailes de corais, sua

participação em cultos, festas e enterros de membros da comunidade.

A comunidade também foi muito rica em aspectos

musicais. Muitos desenvolveram a habilidade da música e

formavam conjuntos que animavam as festas e bailes da

comunidade e das comunidades vizinhas. Outro fato

importante foi a presença hábil de regentes de corais, que

orientavam os grupos locais e também prestavam seus

préstimos aos grupos de outras comunidades.

Na comunidade também existe um monumento em

homenagem ao seu primeiro morador, Sr. Phillip Essig, o qual

traz os dados do mesmo. Este monumento foi inaugurado em 1950.

Coro misto da comunidade IELB

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Outro fator cultural importante a destacar neste período, foi o conhecimento

existente na família e na comunidade de habilidades de transformação de tudo o que se

produzia e necessitava para a sobrevivência e tornar as famílias auto-sustentáveis. Este

conhecimento foi trazido pelos primeiros colonizadores e passado de geração a geração

por dentro da família. Neste mesmo sentido, destaque para o conhecimento da saúde e

cura que também se centralizava na família e naquilo que a natureza lhes oferecia.

A organização social e esportiva da Comunidade

A organização social no início da colonização sempre esteve muito ligada a vida

religiosa. As igrejas realizavam as suas festas periódicas com intuito de arrecadar

fundos, para investir na melhoria das estruturas. Inicialmente as festas eram realizadas

em bosques que ofereciam sombra e ali se montavam a infra-estrutura para a realização

das mesmas, sempre precedidos de cultos e animados por bandinhas. Posteriormente as

igrejas construíram seus galpões para festas, acoplados a mesma e que eram providos de

infra-estrutura, especialmente churrasqueiras, cozinha e bar (bodega).

A Sociedade de Cantores Concórdia também freqüentemente promovia seus

bailes de cantores, integrando diversos grupos de cantos de outras comunidades.

Outra data marcante foram os “Kerb”, realizados anualmente no terceiro final de

semana do mês de janeiro, eram realizados em família, onde se recebia a visita de

parentes e amigos de outras comunidades e nas noites se realizavam os bailes de Kerb

no salão da comunidade. Os Kerb sempre eram festejados durante três dias.

Também eram festejados com ênfase os feriados religiosos como a Páscoa,

Natal, Pentecostes, Ano Novo e assim como o Dia do Colono e muito respeitados os

feriados ocorridos na Semana Santa e nos Finados. Os acontecimentos familiares

sempre eram motivos de confraternização como os batizados, confirmações religiosas e

o casamento. Destes costumes tão tradicionais, muito pouco resta, a não ser o feriado

pelo feriado, sem o sentido que estava por trás dele.

As ligas femininas das igrejas também promoviam os seus encontros, que

combinavam momentos de devoção com um tradicional café colonial. Esta prática ainda

existe até os dias de hoje, porém com menor freqüência.

O primeiro time de futebol da comunidade foi fundado na década de 1940 e seu

nome foi Esporte Clube 1o. de Maio e que atualmente se denomina de Sociedade

Esportiva Recreativa Cultural Felipe Essig. Em 1958 foi fundado próximo ao passo da

barca o Esporte Clube 15 de Novembro, que por falta de atletas deixou de existir alguns

anos mais tarde.

Também na questão social cabe destacar a relação de vizinhança, sempre forte,

unida e solidária. Nesta relação de vizinhança se trocavam idéias, produtos e se

desenvolvia atividades de ajuda mútua. Esta relação de vizinhança sempre foi um dos

pilares do desenvolvimento da família e da comunidade.

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A organização Escolar da Comunidade

A preocupação com a educação escolar sempre era forte nas colônias alemãs e

todo esforço era despendido pela família a propiciar o máximo de conhecimento aos

seus membros.

Segundo relato dos moradores,

as primeiras crianças a irem na escola,

o faziam atravessando o Rio Forqueta,

onde freqüentavam a escola existente

em Marques de Souza.

Com um número já razoável de

crianças na comunidade, os pais

contrataram um professor e as aulas

eram realizadas no Salão Khol, que

posteriormente foi destruído por um

incêndio. A partir deste momento, a comunidade criou a Escola Evangélica Alemã, a

qual funcionava na igreja já construída pertencente a congregação da IECLB.

Em 1926, com o desentendimento entre membros da comunidade, que culminou

com a construção de uma nova igreja, os alunos dos pais que se desligaram desta,

foram impedidos de freqüentar a antiga escola, o que fez com que nesta nova igreja uma

outra escola fosse criada, isto em 1926, pertencente a congregação da IELB.

No ano de 1947 ocorreu o acerto entre os membros das duas comunidades

religiosas e escolares e de comum acordo resolveram fundar a Escola Particular São

Emanuel, em terras doadas por Arthur Walter, pagando cada sócio a quantia de 150 mil

reis, sendo a partir daí extintos as escolas ligadas as igrejas.

Em 1963, com o crescimento do número de famílias foi criada a Escola

Municipal Picada Vinagre, que inicialmente desenvolvia suas aulas no Salão Nied e em

1964 foi inaugurado seu atual prédio, sendo seu primeiro professor o Sr. Erreno

Jommertz, que chegou a um máximo de 54 alunos da primeira a quinta série primária.

Com o aumento ainda maior do número de famílias e de crianças em idade escolar e a

longa distância até as escolas por parte de alguns alunos, em 03/1967 foi construída a

Escola Municipal Picada Vinagre Alta, que contava com 33 alunos sendo a primeira

professora a Srª Elides Bettio. Contava a comunidade apartir daí com três escolas

primárias.

No ano de 1994, encerrou suas atividades por falta de alunos a Escola

Municipal. de 1o. grau Incompleto Felipe Essig, antiga Escola Particular São Emanuel e

no ano de 1996, a Escola Municipal de Picada Vinagre Alta também encerrou suas

atividades com apenas um aluno matriculado.

A Escola Municipal Picada Vinagre, ainda funciona atualmente, porém, com

apenas 10 alunos, mas com perspectiva de encerrar suas atividades no final deste ano.

Escola Evangélica Alemã

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Alguns destes alunos são trazidos de outras comunidades, sendo que no momento só

funciona a 2a. série primária.

Aspectos comerciais da Comunidade

No começo da colonização toda a comercialização de produtos ou aquisições

eram feitos em Lajeado, naquela época ainda Vila, distante 28 Km da comunidade de

Picada Felipe Essig. O deslocamento era feito de canoa pelo rio e após por carroças e

mulas em piques e estradas que iam sendo abertas.

Um dos primeiros comerciantes da comunidade teria sido um senhor Khol, o

qual possuía também um pequeno salão de baile. Outros comerciantes da comunidade

em sua fase inicial foram Albano Gehwer, Henrique Geiss, Alfredo Aydar. Em 1960

existiam quatro pontos comerciais fortes, sendo um deles a Cooperativa Agrícola Mista

Picada Essig, fundada em 07/1957, a casa Comercial de Bruno G. Storck e Miguel

Pilger; outra de Osvino Weizenmann e finalmente a de Fridoldo Wanderer, junto ao

passo da barca.

A Cooperativa foi incorporada pela Cosuel em 1968, transformada em Posto 9 e

em 1973 foi desativada e vendida, sendo adquirida por Walter Weimer que preserva a

única casa comercial ainda existente na Comunidade, hoje de propriedade de seu filho

Edison O. Weimer.

No ano de 1940 foi adquirido o primeiro caminhão da comunidade pelo Sr. Arno

Lienemann e também neste ano teve início a criação de uma linha regular de ônibus na

comunidade, passando uma vez por semana.

A agricultura e sua estrutura de apoio

A base da produção da comunidade nesta fase sempre foi a agricultura,

desenvolvida pela família, aliada a um forte conhecimento de transformação dos

produtos produzidos e ao conhecimento dos processos de conservação dos mesmos.

Esta era uma característica inerente aos colonizadores, que chegavam as suas

comunidades e implantavam um forte sistema produtivo, baseado na segurança

alimentar da família e no domínio de todo processo produtivo por parte da família e na

biodiversidade. Outra característica desta fase foi a implantação de estruturas de apoio

na comunidade como moinhos, ferrarias, carpintarias entre outros, as quais eram

desenvolvidas pelos próprios agricultores, que além da lavoura se dedicavam a esta

prestação de serviço.

O prof. Friedhold Altmann, em seu livro “A Roda”, escrito em 1991 fala da sua

comunidade no vizinho município de Teutônia, igualmente colonizada por alemães, na

pg. 17 e 18 descreve a vida em sua casa dizendo:

Em nossa casa havia um bom relacionamento entre pais e irmãos. Desde cedo as

crianças ajudavam nas lidas domésticas e da lavoura, executando tarefas compatíveis com

sua idade e habilidade. Os produtos da colheita destinavam-se em primeiro lugar a suprir

as nossas necessidades, depois disso se vendiam as sobras. Vendíamos banha, manteiga,

aves, ovos, feijão e batatas. (Altmann, 1991, p. 17 e 18)

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Fala ainda que faziam schmier, doces, lingüiça, carneavam ovelhas em dias de

festas e curtiam os pelegos. Tinham gansos, patos que produziam penas para

travesseiros e cobertores.

Segundo os relatos dos moradores da Picada Felipe Essig, sua estruturação

produtiva foi semelhante. A propriedade era organizada num sistema de produção,

combinando lavouras e criações onde todas as atividades tinham importância no sistema

produtivo, lhe conferindo sustentabilidade e produtividade.

Esquema produtivo de uma propriedade familiar neste período e sua

biodiversidade conforme narrativa dos moradores da comunidade:

CULTURAS CRIAÇÕES

milho, abóbora, aipim, mandioca, alfafa,

amendoim, arroz, batata-doce, batata

inglesa, cana-de-açúcar, cebola, feijão,

frutas, lentilha, linhaça, pipoca, trigo,

vassoura, vime, porongos, melão, ervilhaca,

banana, fumo, soja, melancia de porco,

cará, esfregão, ervas medicinais, flores,

etc...

bois

vacas

cavalos

porcos

ovelhas

cabritos

abelhas

coelhos

patos

perus

gansos

cachorros

gatos

galinha de angola

Baseado neste sistema de produção, combinando lavouras e criações, as famílias

desenvolviam suas habilidades de transformação, produzindo na propriedade ou na

comunidade: açúcar, melado, schmier, cerveja, cachaça, manteiga, fumo em corda, nata,

queijo, móveis, vassouras, cordas de couro, chapéus, cestas, vinagre, salame, banha,

vinho, polvilho, conservas, erva-mate, cuias, colchões, cobertores, travesseiros, roupas,

utensílios domésticos e ferramentas, calçados, compotas, etc... Alguns destes produtos

eram comercializados e os demais destinados para a segurança alimentar da família e de

seu conforto.

Os principais produtos comercializados no período foram: suínos, banha, leite,

ovos, galinhas, feijão e mel. Segundo o historiador Rodolfo Roberto Schroeder Filho em

seu livro “Pelas trilhas do Passado” ele cita na crônica “Reminiscência do Frigorífico

Ardomé S.A, páginas. 101 a 103, que o frigorífico instalado em Arroio do Meio

adquiriu suínos no segundo semestre de 1946 dos dois comerciantes de Picada Felipe

Essig respectivamente: Alfredo Aydar, 444 suínos e Laurindo Weide, 585 suínos, em

meio ano. O que é confirmado pelos moradores, que a atividade suinícola sempre esteve

presente em todas as propriedades e era a principal fonte de dinheiro da família,

inicialmente pela comercialização de banha e couro e depois pela venda direta dos

suínos.

Atividades agroindustriais e de serviços existentes na comunidade neste

período

Segundo os moradores existiam neste período na Comunidade: serrarias,

marcenarias, ferrarias, funilarias, lapidarias, alambique, moinho, fábrica de cerveja,

açougue, alfaiate, auto-de-praça, parteira, fábrica de caseína, desnatadeira, barbearia,

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sapataria, olaria, costureira, barqueiros, caíqueiros e outros profissionais como pedreiros

e pintores.

Como a comunidade se localiza ao longo do Rio Forqueta, desde logo os

moradores estabeleceram passagens pelo rio, pela possibilidade de intercâmbio com as

comunidades do outro lado do mesmo. Estas passagens consistiam em barcas e canoas,

sendo que em 1883 o Sr. João de Potter se estabeleceu com uma barca e em 1890 o Sr.

Phillip Essig, inaugurou a sua barca em local hoje chamado Passo de Marques de

Souza, que funciona até os dias de hoje. Além disto havia várias canoas que também

faziam a passagem dos moradores para ambos os lados do rio.

Barca sobre o Rio Forqueta que serve a comunidade desde 1890

Outras questões importantes na organização da comunidade

Outro fator importante na estruturação da comunidade foi a implantação da rede

de energia elétrica. Segundo os moradores desde 1930, ocorria o abastecimento de

energia elétrica, produzido por motor à lenha, abastecendo os moradores no entorno do

passo de Marques de Souza. Porém, a rede geral de energia elétrica foi viabilizada pelos

moradores no ano de 1957, estendendo sua rede para aproximadamente 70% dos

moradores. A rede inicial chegou desde o início sul da comunidade até a propriedade do

Sr. Ermindo Kraemer. A rede somente foi estendida a todos os moradores no ano de

1975. Cabe ressaltar que todo o custo de instalação das redes de energia foi custeada

pelos próprios moradores, sendo que a ampliação de 1975, foi financiada por recursos

públicos, ressarcidos pela comunidade, na modalidade de crédito rural.

Aspectos ambientais associados ao período

Os principais problemas ambientais associados ao período inicial de

colonização, ligados a prática da agricultura de subsistência e destacados pelos

moradores foram: desmatamento das florestas nativas, uso da queimada, pesca

predatória no rio, perseguição de animais silvestres e a expulsão dos índios.

Neste período também destacam os moradores o zelo que as famílias tinham por

alguns recursos naturais disponíveis, especialmente a água e o solo. A erosão era

combatida de todas as formas, utilizando práticas conservacionistas adaptadas, e a água

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das fontes e das pequenas sangas era utilizado para banho, lavar roupa, saciar a sede dos

animais e para o consumo de muitas famílias. A comunidade era muito rica em água,

especialmente fontes naturais e pequenos riachos.

Este período também foi caracterizado pela saída de muitas famílias de

agricultores, especialmente jovens casais, que iam para novas áreas de colonização,

situadas no noroeste do estado, assim como também iam para Santa Catarina e Paraná

atrás de novas fronteiras agrícolas. A causa apontada pelos moradores foi o grande

número de filhos existentes na maioria das famílias e as propriedades já pequenas

inviabilizavam a repartição das mesmas para todos, pois a área herdada seria

insuficiente para a sustentação desta nova família. Aliado a este fato estava o espírito

desbravador destas famílias e também o fato das cidades não absorverem a mão-de-obra

excedente do meio-rural.

Vista geral da comunidade e das águas do rio Forqueta

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IIª FASE – 1965 A 1990

A INTENSIFICAÇÃO DA PRODUÇÃO E A TECNOLOGIA

EXTERNA.

A partir da metade da década de 70 ocorreram muitas mudanças na comunidade

de Picada Felipe Essig assim como em toda a região.

Este período, segundo os moradores, foi o da intensificação da produção e da

produtividade de apenas alguns produtos da comunidade, porém com variedades e

técnicas diferentes das que tradicionalmente utilizavam os agricultores, abandonando ou

relegando para segundo plano muitas culturas da subsistência familiar.

O Processo de abertura da comunidade.

Segundo os moradores, este período se caracterizou por relações mais amplas e

com atores de fora da comunidade. A comunidade se abriu para as atividades da cidade

e se caracterizou por relações mais comerciais ou de fundo comercial.

As atividades agrícolas intensificadas, já não eram mais as que o produtor tinha

domínio, ou nas quais a sua propriedade se adaptava. As principais atividades

incrementadas foram a suinocultura, o leite, a soja e o milho. Mas também abriu um

ciclo de dependência de insumos, o que se estendeu para dentro da família, pois o

agricultor abriu mão da produção para a subsistência familiar e foi buscar no mercado o

que mais necessitava para a sua alimentação.

As famílias sentiram o gosto pelo mercantilismo. Produzir somente para vender

e comprar tudo o que precisavam para sobreviver. Esta fase estimulou em muito a

concorrência entre os agricultores e o individualismo das famílias, cada um querendo

produzir mais, pois a valorização das famílias se dava pelo volume de produção, sua

relação com os atores do mercado e pelos bens de luxo superiores aos demais que

possuíam.

Porém esta fase tambem trouxe alterações nos hábitos alimentares da família e

na relação da saúde com o conhecimento próprio da família e com a disponibilidade dos

remédios na natureza. Estas questões também se tornam externas à propriedade e à

família, isto é, foram buscadas no mercado e na cidade.

As novas entidades associativas

Neste período surgiram diversas associações e grupos que tinham em seu

objetivo o estímulo a produção e a produtividade. Estas associações em sua maioria

foram estimuladas por agentes externos a comunidade ou por referência de outros

exemplos em outros locais.

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Em 1965 foi criado o

Clube do Lar Girassol que

funciona até hoje, e em 1969 o

Clube 4-S Nova Aliança, também

em funcionamento até a data de

hoje, estas instituições foram

estimuladas pelo serviço de

Extensão Rural.

Já em 03/1980 foi

fundado a rede de abastecimento

de água da comunidade, a qual

levava água aos moradores que

tinham condições de se associar,

pagando cada produtor o valor de

70 sacos de soja, por sua cota-parte. Também cabe destacar, mesmo já ressaltado

anteriormente, que em 1975, foi estendida a rede de energia elétrica para toda a

comunidade.

A saída da maioria dos jovens da comunidade

Com a incorporação de novas tecnologias, apoiadas por políticas públicas,

especialmente crédito subsidiado, assistência técnica e o ensino enfocando as benesses e

facilidades da vida urbana, muitas famílias jovens e muitos jovens migraram para áreas

urbanas em busca de novos empregos, especialmente em novas agroindústrias que

estavam florescentes na época, assim também como muitos foram para o setor de

construção civil. As cidades de Arroio do Meio, Lajeado, Estrela e Porto Alegre foram

os locais de maior migração dos moradores da comunidade de Picada Felipe Essig. O

trabalho mais braçal na propriedade, fora, a partir daí substituído por novos insumos e

máquinas agrícolas, o que permitia que os pais sozinhos ou com a ajuda de um filho

movimentassem as propriedades.

Os tratores agrícolas, os herbicidas, as sementes híbridas, os adubos químicos, as

rações prontas e os implementos e máquinas agrícolas substituíram a mão-de-obra

familiar, apoiada por juros baratos e subsidiados, e mesmo assim fazendo a produção e

a produtividade das lavouras crescerem na fase inicial do modelo.

As linhas de ônibus regulares também influenciaram a ida dos jovens as cidades

próximas para trabalharem, voltando aos finais de semana com algum dinheiro e

influenciando outros jovens a buscar esta nova forma da vida, na qual sonhavam com

férias e uma aposentadoria garantida ao final do período e uma forma de trabalho menos

penosa e com horários regulares pré-estabelecidos.

Com o crescimento das cidades na região, gerando falta da mão-de-obra, muitas

famílias conseguiram se estabelecer na redondeza das cidades, em bairros menos

nobres, mas onde alcançaram a sua moradia própria, trabalhando em serviços mais

pesados, mas ao qual estavam acostumados. Os mais jovens aliaram a questão trabalho

com o estudo e conquistaram espaços em mercado de trabalho mais valorizados. Muitos

Foto de inauguração do Clube 4-S

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jovens da comunidade, que saíram no início deste período, conseguiram espaços

importantes no mercado de trabalho ou em atividades próprias como empreendedores

ou profissionais liberais.

Já a partir dos anos 80 o transporte escolar, mesmo particular, se tornou regular e

os filhos dos agricultores em sua maioria, conciliaram o trabalho junto a família com o

estudo nas cidades próximas. Mas ao final do ensino do segundo grau, estes jovens se

estabeleciam definitivamente nas cidades.

O investimento na moradia e na propriedade.

O advento da soja, da suinocultura em escala maior neste período, já não

dimensionada mais na alimentação produzida na propriedade, o solo ainda com relativa

boa fertilidade natural, o leite sendo produto disputado pelas agroindústrias da região,

geravam inicialmente um bom retorno financeiro as famílias, apoiadas por incentivos

financeiros através do subsídio no dinheiro emprestado pelo Governo Federal.

Vista da estrada geral da comunidade

Com esta geração de recursos e a intensificação da propaganda pela mídia,

especialmente rádio e televisão e a ida dos vendedores nas comunidades, normalmente

pessoas conhecidas, fizeram com que as famílias investissem na construção e reforma

das moradias, na aquisição de bens de consumo (TV, som, roupas de marca, sofá...) na

época de luxo, na aquisição de máquinas motorizadas (motosserra, serra circular,

quebradores de milho, picadores de pasto, etc...).

Esta forma de melhorias e aquisição de bens de luxo, segundo os moradores

também criou uma divisão de classe nas famílias da comunidade, de acordo com os

bens de luxo que as famílias passaram a deter. E estas posses também começaram a

influenciar posteriormente no acesso às principais políticas públicas da época, ou

mesmo nas relações sociais na comunidade. A falta de determinados itens ou posses

começam a gerar rótulos em algumas famílias como menos trabalhadoras, menos

caprichosas, menos organizadas.

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Também este período incentivou o individualismo de muitas famílias, cada uma

lutando para si, e deixando de lado a solidariedade com o próximo e o auxílio para que a

comunidade tivesse um desenvolvimento mais harmonioso e por igual dos seus

membros.

A diferenciação entre as famílias.

Característica deste período foi a desagregação mesmo parcial dos valores de

união, ajuda mútua e solidariedade existente na comunidade, definidos pelo professor

Roberto José Moreira, do CPDA como capital social e da racionalidade não capitalista

da Agricultura Familiar. Esta desagregação, ou disputa pelo econômico, ou o cada um

para si, deixou muitas famílias em menos condições financeiras, para trás, deteriorando

sua capacidade produtiva, criando condições visíveis de diferenciação por posses e por

geração de recursos. Este fato deve-se a priorização de muitas famílias por valores

monetários em detrimento do espírito comunitário e coletivo, que alavancava o

desenvolvimento da comunidade até este momento.

O fator individualismo das famílias, a topografia da propriedade da qual detinha

posse, o acesso a crédito subsidiado na época, acentuou esta diferenciação econômica

entre as famílias. A própria Extensão Rural na época criou suas classes, conforme a

rapidez na adoção de práticas, privilegiando os mais capitalizados e que respondiam

melhor as inovações tecnológicas. Assim também ocorreu quando da escassez de

recursos oferecidos pelo governo, para financiamento da atividade agrícola, fazendo

com que o setor bancário também privilegiasse apenas os que melhor respondiam em

produção e produtividade.

Portanto quem se capitalizou no período inicial do financiamento agrícola

subsidiado, aliado à topografia e fertilidade do solo da propriedade da qual detinham

posse, foram os fatores determinantes da permanência das famílias atividade,

atravessando o período pós 1983 quando o governo se retirou do apoio financeiro aos

agricultores familiares, na época dita pequenos agricultores.

Entre o período de 1960 e 75, segundo os moradores da comunidade, 70% de

toda a área da comunidade era cultivada com culturas anuais, especialmente soja e

milho, indistintamente se era terra de várzea ou áreas acidentadas. No final da década de

80, iniciou-se um processo de abandono das lavouras, pela perda de fertilidade do solo,

pelos custos de produção, pelo envelhecimento dos que estavam nas propriedades, pela

falta de valorização dos produtos agrícolas principalmente a soja, leite e suínos. Este

abandono, segundo os moradores, ocasionou uma inversão, fazendo que a partir de 1990

a área ocupada pelos moradores em lavouras diminuísse para no máximo 30% da área

total de toda a comunidade. Porém se olharmos para o mapa da comunidade vamos ver

que toda a várzea é ocupada e praticamente toda área declivosa foi abandonada. O fato

do abandono das áreas cultivadas, acentuou a diferenciação entre as famílias e as

alternativas econômicas para a maioria destes foi fora de atividade agrícola. Criando

novas estratégias de inserção econômicas, diversos fatores encaminham a comunidade a

um novo cenário, o qual caracteriza o período a partir do ano de 1990.

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Também caracteriza o período de modernização experimentado após o ano de

1965, dois fatores observados na comunidade. Um deles é o abandono das atividades

desenvolvidas fora da atividade agrícola, mas que davam suporte a comunidade como a

ferraria, serraria, sapataria, marcenaria entre outras. Outro fato é que no início deste

período praticamente todas os moradores da comunidade se dedicavam a agricultura

familiar. Porém abandonando aos poucos a maioria das culturas e criações que

desenvolviam anteriormente, especialmente as de manutenção familiar, concentrando

toda a energia produtiva nas culturas e criações para a comercialização, como a soja, o

milho, os suínos e o leite.

Neste período as famílias optaram por abrir mão, mesmo que parcialmente, da

segurança alimentar por um período de no mínimo de um ano, o que no início foi

compensado pela produção, produtividade e valorização dos produtos comercializados,

mas que se revelou desastroso logo a frente, quando o cenário destas condições se

modificaram, especialmente para as famílias que tinham ou mantém posse de áreas

declivosas.

Aspectos ambientais associadas a este período

Neste período intensificaram-se enormemente os problemas ambientais na

comunidade de Picada Felipe Essig. Este fato está intimamente ligado ao modelo de

produção a base de insumos externos, desprezando o aproveitamento dos resíduos

produzidos na propriedade e que anteriormente eram usadas no sistema de produção.

Destacam-se neste período a intensificação do desmatamento, a erosão contínua

do solo, o esterco como fonte poluidora da propriedade e dos arroios da comunidade, a

poluição causada pelos adubos químicos e venenos, sendo mais específicos os

herbicidas. Outro fato associado é a intensificação do ataque do borrachudo na

comunidade, atrapalhando a vida das famílias na comunidade. Também cabe destacar a

perda da diversidade de plantas e criações que estavam adaptadas pelos produtores e

eram substituídos por variedades não conhecidas e adaptadas ao local.

Cita-se também como problema ambiental o abandono da atividade agrícola,

mesmo que de forma parcial, das famílias que possuíam terras acidentadas,

inviabilizando economicamente sua propriedade e fazendo com que a família buscasse

novas alternativas fora da atividade agrícola. Foi também nesta fase que ocorreu intensa

migração de jovens e mesmo de famílias para as cidades próximas.

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IIIº. FASE – 1990 ATÉ 2002

A PRODUÇÃO EM ESCALA, A INDÚSTRIA CALÇADISTA E

APOSENTADORIA RURAL

O cenário da comunidade de Picada Felipe Essig, assim como toda a região teve

profundas mudanças, principalmente a partir do ano de 1990. Especialmente se

analisarmos a comunidade a partir da sua inserção econômica, que desde a sua

colonização baseou sua atividade na produção agropecuária, tendo como modelo de

exploração a mão-de-obra familiar e combinando a posse de terra na condição de

proprietários. A partir deste período uma nova realidade se desenhou, em função das

dificuldades que a agricultura familiar passou a vivenciar, influenciada por políticas

macroeconômicas relacionados com o modelo de desenvolvimento do país no processo

de globalização econômica.

A suinocultura era uma atividade que existia em todas as propriedades e estava

intimamente relacionada com a disponibilidade de alimentos produzidos na

propriedade durante a fase inicial da colonização até o período pré-1970. No modelo de

desenvolvimento implantado no país pós-64, a suinocultura na região do Vale do

Taquari, e também na comunidade de Picada Felipe Essig, mudou e passou a estar

relacionada parcialmente com o sistema de produção da propriedade (mantinha apenas

uma relação com a cultura do milho) e complementava sua forma de produção no

mercado, buscando rações, concentrados, farelos e reprodutores. Mas a atividade estava

na mão do agricultor, e este escolhia a quem vender no período da comercialização dos

suínos.

Com o surgimento do modelo de integração da atividade suinícola entre o setor

industrial e o agricultor, esta se tornou uma atividade apenas para algumas famílias, que

estavam dispostas a investir e eram aceitas por esta mesma integradora, como

integrados. Porém a atividade nada mais tinha a ver com o sistema de produção da

propriedade, a não ser o uso da mão-de-obra familiar da propriedade. A atividade

começou a ser desenvolvida em grande escala por poucos moradores.

A avicultura de corte, com sistema integrado semelhante, também passou a ser

desenvolvido por algumas famílias no mesmo sistema ao da suinocultura. A avicultura

de corte foi uma atividade nova na comunidade.

Porém se analisarmos esta seleção de famílias para estes dois setores, avicultores

e suinocultores, vamos observar dois fatores importantes e decisivos no ingresso na

atividade, os quais sejam: capacidade de obter financiamento em bancos que repassam

recursos de políticas públicas como o PRONAF e localização privilegiada que permite o

acesso fácil dos caminhões das integradoras.

A atividade leiteira que também era fonte de complementação de renda para a

maioria das famílias, deixou de ser atrativo para o produtor e para a agroindústria.

Atualmente apenas algumas famílias se dedicam a atividade em escala pouco maior,

enquanto a maioria das famílias tende a sair da atividade leiteira.

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A produção de grãos, especialmente o milho e a soja, são ainda cultivados nas

áreas de várzea, com excelente fertilidade natural, auferindo boas produtividades. Esta

atividade é desenvolvida por famílias que se capitalizaram no período do crédito

subsidiado e que eram donos de áreas de várzeas. Hoje para manterem-se na atividade,

otimizando o uso das máquinas agrícolas próprias, arrendam áreas de vizinhos ou

produzem em parceria. Além disto em sua maioria são as famílias que aliam esta

atividade com a integração de suínos ou aves.

Outra política pública que socorre 50% das famílias da comunidade é a

aposentadoria rural ou rural x urbana. Política pública que tem bastante influência na

vida de comunidade, pois são estas famílias que preservam com intensidade a questão

cultural, social, ambiental e religiosa e além disto continuam a desenvolver suas

atividades de agricultura familiar, pensando na segurança alimentar da família,

produzindo de forma agroecológica, cultivando culturas diversificadas para a

subsistência familiar. São estas famílias que preservam antigos hábitos, resgatando

costumes que haviam esquecidos nas épocas de produção intensa. Promovem trocas de

produtos, sementes e inclusive ajudam os vizinhos a desenvolver pequenas atividades.

Se visitam com freqüência e dedicam amplos espaços ao lazer. Esta segurança de uma

receita garantida ao final de cada mês, proporciona esta oportunidade para as famílias

desenvolverem atividades mais sociais, culturais e mesmo produtivas, sem a pressão

exercida sobre os demais agricultores inseridos no mercado, que são cobrados por

eficiência e produtividade em todas as suas ações. São estas as famílias que oreservam a

biodiversidade de culturas e criações na comunidade.

Desde ano de 1987 foi instalada no então distrito de Travesseiro, emancipado em

1992, uma filial da Calçados Majolo Ltda, empresa calçadista com sede no município

de Arroio do Meio. Com a crescente absorção de mão-de-obra por esta empresa e a

instituição regular de linha de ônibus específica para os funcionários da empresa, esta se

tornou uma saída estratégica para muitas famílias.

Como a migração para o setor urbano está praticamente inviabilizada, pelos altos

custos de vida urbana e a falta de empregos na cidade, a opção para boa parcela dos

jovens e/ou para um ou mais membros da família foi optar pela complementação da

renda familiar, trabalhando como empregado da empresa calçadista. A estratégia para a

maioria das famílias é um componente ou mais, trabalhar de empregado, recebendo

mensalmente recurso para fazer frente aos custos fixos das famílias, enquanto que

alguém do conjunto familiar fica na propriedade, produzindo os produtos de

subsistência ou mesmo cuidando uma atividade de integração que não demande muita

mão-de-obra.

Outro setor que absorve mão-de-obra na comunidade é a Granja de Suínos Kunz,

que se dedica a produção de leitões na forma integrada com mais de 1.000 criadeiras.

Esta granja também oferece emprego a 12 funcionários da comunidade. Além disto há

familiares que complementam sua renda prestando serviços para a Prefeitura de

Travesseiro e ao Hospital de Marques de Souza, além de serviços de pedreiros na

comunidade ou em comunidades vizinhos. Também como nova atividade da

comunidade há de se destacar a existência do Camping do Irio, que durante o verão

recebe veranistas a beira do Rio Forqueta.

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O novo cenário e as estruturas comunitárias

Esta nova fotografia da comunidade também traz alterações na estruturação

comunitária, fazendo algumas desaparecerem e novas vão surgindo. Ganham destaque a

partir deste momento as atividades que impulsionam ainda mais a produção, assim

como as infraestruturas sociais e esportivas, que permitem a realização de eventos

maiores, abrangendo não apenas a comunidade, mas de cunho regional. As estruturas

que perdem espaço são as culturais, religiosas e educacionais, além de valores

comunitários que continuam se desagregando.

Sede da União Comunitária da Picada Felipe Essig

Como fatos novos da comunidade cabe destacar a construção da sede social da

União Comunitária , inaugurada em 1996, a qual foi construída a partir da associação de

nove entidades associativas existentes na comunidade a seguir relacionados, que a

construíram na forma de mutirão, angariando recursos na comunidade e buscando

recursos junto aos poderes públicos, as quais são: SER Cultural Felipe Essig, Igreja

Evangélica de Confissão Luterana do Brasil, Igreja Evangélica Luterana do Brasil,

Escola Municipal Picada Vinagre, Clube 4-S Nova Aliança, Clube do Lar Girassol,

Sociedade de Cantores Concórdia, Grupo de Idosos Arco-íris e o Grupo de Danças

Alemãs, hoje já extinto.

Neste período também já apareceram ações proporcionadas por políticas públi-

cas compensatórias. Neste exemplo pode-se destacar a perfuração do novo poço artesi-

ano com recursos públicos e extensão da água para as famílias mais carentes e que não

participaram da construção da rede comunitária. Este fato foi gerador de crise entre os

moradores, pela razão de que os primeiros tiveram que se construir e pagar a rede de

água e os segundos a receberam de forma gratuita.

A luz elétrica trifásica também foi fornecida a toda a comunidade o que pratica-

mente viabilizou a intensificação das integrações de aves e suínos, e mesmo a atividade

leiteira. Assim como no ano de 1992 e 1993, respectivamente também foram criados

duas associações de secadores comunitários.

No ano de 1993 a comunidade instalou a sua central telefônica por ramais e em

1995, a comunidade foi beneficiada por discagem direta a distância para a maioria das

famílias.

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Também se formaram nestes últimos anos na comunidade pequenos grupos de

máquinas e implementos de forma coletiva.

Outra estrutura nova criada é o Grupo de Idosos Arco-íris, o qual foi fundado em

1993, agregando atualmente mais de 70 sócios. Este grupo é uma das estruturas mais

atuantes da comunidade, promovendo encontros de integração, excursões, festas, bailes

e outras programações. Promove também um excelente intercâmbio com os grupos

vizinhos e mesmo mais distantes.

Recentemente, através da conquista pelo Orçamento Participativo do Estado, foi

atendida uma antiga reivindicação da comunidade e região, que era uma ligação através

de ponte sobre o Rio Forqueta, facilitando o acesso até o município de Marquês de

Souza. Esta ponte teve iniciada a sua construção no ano de 2001 e com previsão de

conclusão ainda no ano de 2002. Esta nova ponte, certamente trará a comunidade no

futuro novas perspectivas de desenvolvimento.

Ponte em construção que liga a comunidade ao município de Marques de Souza

Porém se analisarmos neste novo cenário, também ocorreram alterações em

estruturas importantes na comunidade. Isto é representado pela não renovação dos

associados ou participantes em determinadas estruturas que muito tem contribuído para

o desenvolvimento da comunidade, especialmente no componente cultural, religioso,

social e esportivo. Este fato põe em dúvida a continuidade destas instituições ao longo

do tempo.

O coral da comunidade precisa constantemente de novos componentes para a

transmissão do conhecimento, o que muito pouco ocorre na atualidade, pela falta de

jovens e pelo desinteresse dos mesmos por este tipo de atividade cultural. Assim como

os coros mistos já se fundiram para poder continuar a atuar na comunidade, isto também

pela falta de renovação por novos participantes e pelo não interesse dos mais jovens.

Das três escolas anteriormente existentes na comunidade, que conta com 125

famílias, hoje existe apenas uma em funcionamento com alunos apenas da 2a. série

fundamental, com previsão da desativação de suas atividades para o final deste ano. Os

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alunos existentes na comunidade são levados para escolas pólo, pois seria anti-

econômico a manutenção de professores para tão poucos alunos.

Escola Municipal Picada Vinagre, que chegou a ter 54 alunos em1970.

Outro setor declinante da comunidade é o setor comercial local. Das quatro casas

comerciais em funcionamento no período de intensificação de produção, apenas uma

está ainda em atividade. Porém a comunidade diariamente é percorrida por vendedores

ambulantes de produtos de mercado, padarias e fruteiras.

Também chama atenção na comunidade de Picada Felipe Essig a recolocação de

famílias, as quais moravam mais distante da estrada geral da comunidade, optaram por

abandonar sua propriedade e vieram morar próximo a mesma, adquirindo pequenos

terrenos e reconstruindo sua moradia no novo local. Este fato se deve a dificuldade de

acesso ao ônibus, que inviabiliza o trabalho na indústria, o deslocamento em problemas

de saúde e a uma participação maior na vida social da comunidade. Na comunidade

existiam dois núcleos de moradores fora da estrada geral, contando inclusive um deles

com escola municipal. Estes dois núcleos estão praticamente abandonados pelas razões

acima expostas. Num dos núcleos, segundo os moradores viviam mais de 30 famílias,

sendo que hoje apenas restam dois moradores, que vivem com dificuldades de acesso e

ficam excluídos das novas opções da comunidade.

A seguir estamos apresentando um quadro geral das famílias da comunidade e

suas fontes de renda como estratégia de manutenção familiar. Cabe ressaltar que

consideramos para fins de apresentação deste quadro, que cada casa compõe um núcleo

familiar e que consideramos para definir as atividades somente as pessoas que residem

constantemente na casa, com isto eliminou-se filhos que residem em outros locais e que

eventualmente retornam a esta casa em finais de semana. Estes dados se referem a

situação em 09/2002.

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Nº. NOME APOSENTA-

DORIA A.F.P.

INTE-GRAÇÃO SUÍNOS

INTE-GRAÇÃO AVICUL-

TURA

PRODU-ÇÃO IN-

TENS LEITE

LAVOURA INTENSI-FICADA

1 Arlindo Klein X

2 Marino Stacke

3 Armin Schwartz X X

4 Loni Relly X

5 Hedy Deicke X

6 Célia Seitenfuss X

7 Décio Klein

8 Ilário Beckel X

9 Ademir Beckel

10 Ademar Beckel X

11 Criselda Presser X

12 Paulo Presser X

13 Clarisse Presser Lavoratti X

14 Elemar Schwinn X X

15 Alzira Conrad X

16 Ilvo Lienemann X

17 Danilo Plack X

18 Sigmar Nied X X X X

19 Valdir Weirich X

20 Lina Weirich X

21 Helmuth Deicke X

22 Valdir Stoll X

23 Lauri Kemerich X X

24 Ilávio Schneider X

25 Walter Weimer X

26 Carmelito Fucks X

27 Eldor Espich X X

28 Roque Martini X

29 Auri Jungken X X

30 Jaime Jungken X

31 Cláudio Dheves X

32 Edison Weimer X

33 Osmar Endler

34 Ivo Fucks X

35 Erreno Lamm

36 Astor Kremer X

37 Loro Mertz

38 Fermínio Martini X

39 Guido Storck X

40 Hugo Nied X

41 Cláudio Nied X

42 Armin Scherrer X X

43 Telmo Becker X

44 Beno Becker

45 Luísa Almeida

46 Helma Mertz X

47 Alma Weirich X

48 Elma Mertz X

49 Bruno Storck X

50 Nestor Walter X

51 Amanda Nied X X X

52 Omar Walter X X X

53 Alzidio Walter X

54 Dorival Nied X X

55 Rudimar Weimer X X X

56 Célio Specht

57 João Specht X

58 Lori Nied X

59 Décio Nied X

60 Lídia Weber X

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61 Rubem Nied X X X X X

62 Heins Bender X

63 Miloca Bender X

64 Hugo de Potter X X X

65 Ênio Bender X X X

66 Enio Nied

67 Rui Schneider X

68 Albino Simonetti X

69 Écio da Costa X

70 Alberto de Potter X

71 Ermindo de Potter X

72 Ernesto Grün X

73 Cláudio Seidel X

74 João Scherrer

75 Valdir Weisheimer X

76 Rudi Hoose X X

77 Pedro Borsatto X

78 René Fröeder X

79 Ildo Fröeder X

80 Rudimar Fröeder

81 Olga Rheinheimer X

82 Norma Weirich X

83 Laurindo Fucks X

84 Jorge Fucks

85 Elemar Noé X

86 Walter Meyer X

87 Terezinha Simonetti X X

88 Leopoldo Hoppe X X

89 Laurindo de Jesus X

90 Arno Rheinheimer X

91 Hilda Weizenmann X

92 Vilmar Gross X

93 Elsa Hoppe X

94 Noêmio Heineck X

95 Sírio Lamm X X X

96 Carlos Lamm X

97 Otto Schwinn X

98 Marino Lamm X X

99 Fábio da Silva X

100 Eraia Jungken X X X

101 Arno Becker X X X

102 Vernei Kunz X X

103 Marli Kunz X

104 Gustavo Steffler X

105 Edgar Scheuermann X

106 Ito Essig X X X X

107 Valdemar Jungken

108 Araci Stacke X

109 Jair Fontanine X

110 Nildo Deicke X

111 Irio Scherrer X X

112 Oterno Scherrer X X

113 Erreno Jommertz X X X

114 Paulo Köerbes

115 Nilson Schmeier X

116 José Hentges

117 Milton de Potter X X

118 Valmiro Castro X X

119 Euclides Bettio X

120 Nilvo Giovanaz X X

121 Décio Hemming X

122 Romano Scherrer X

123 Aldair Heffler X

124 Nair Meyer X

125 Eli Bender X

TOTAL: 62 47 13 06 12 14

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Esclarecimentos sobre a tabela dos moradores

a) Aposentadoria -> Um ou mais membros que residem na família são aposentados.

b) Atividades fora da Propriedade -> Família que tem algum membro trabalhando

fora da propriedade percebendo remuneração (fábrica calçados, granja Kunz, Prefeitura

Municipal, Pedreiros, etc.)

c) Integração Suinícola ->: Agricultores que desenvolvem a atividade em escala maior,

integradas a uma integradora.

d) Integração Avícola:-> Idem suínos porém na atividade aves de corte.

e) Produção intensiva de Leite:-> Produtores que produzem leite de forma intensiva,

produzindo em média acima de 100 lt/dia.

f) Produção intensiva de Lavouras:-> Produtores que se dedicam a produção de milho

e soja de forma intensiva, em terras próprias ou arrendados e que detenham as máquinas

agrícolas.

Pode-se observar que um grupo de famílias não se enquadra em nenhuma

situação destas, são os que continuam as atividades da agricultura familiar em pequena

escala, priorizando a subsistência familiar e comercializando os excedentes, mesmo em

pequena escala.

Este quadro evidência a alteração das fontes de renda das famílias. Esta

comunidade sempre teve como base de fonte de renda a agricultura. Porém analisando

este quadro fica evidente que as duas principais fontes de renda são atualmente a

aposentadoria rural, que está presente em 50% das famílias e as atividades fora da

propriedade, com ênfase para o setor calçados, hoje compõe a renda de 37% das

famílias.

Apenas 19% das famílias da comunidade não tem o item aposentadoria ou

atividades fora da propriedade como componente da receita familiar. Este fato

evidencia que as principais fontes de renda do conjunto das famílias da comunidade são

as atividades desenvolvidas fora da propriedade, aliada a aposentadoria rural. Esta

migração para estas fontes de renda se devem ao envelhecimento da população da

comunidade e a busca de novas estratégias de sobrevivência frente a perda de poder da

agricultura familiar.

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Mapa da comunidade feito pelos moradores

N

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Aspectos ambientais referente à este período

Este período caracterizado pela produção em escala, traz como conseqüências

ambientais bastante evidentes a questão da poluição do solo, dos rios e das águas

subterrâneas, além de deixar forte poluição do ar, por cheiro de esterco suíno na

comunidade. Segundo o jornal O Alto Taquari de Arroio do Meio, em março de 2001,

após a Secretaria Municipal de Saúde e Meio Ambiente divulgar o resultado das

análises de água feita nos poços artesianos das 16 associações de água do interior do

município de Arroio do Meio, vizinho de Travesseiro, constatou que 14 dos mesmos

estavam contaminados por coliformes fecais.

As integrações de suínos e aves fazem parte do cenário da comunidade

Por outro lado, na questão ambiental este modelo evidencia a exclusão da

maioria das famílias das atividades agrícolas mais importantes, concentrando a

produção em algumas propriedades e obrigando as demais a buscar outras alternativas

de sobrevivência. Este modelo também intensifica fortemente a diferenciação

econômica das famílias.

Analisando a tabulação feita pelas atividades econômicas das famílias, pode-se

observar claramente que as famílias que se dedicam a produção em escala maior são as

que detêm o domínio sobre as várzeas e que as demais famílias que detêm terras

declivosas trocaram de estratégias econômicas.

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Moradores da comunidade construindo pontilhão na estrada geral

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O período de 1875 a 1965

Este período foi caracterizado pela estruturação da comunidade e das

propriedades, todo feito sem a inserção ou auxílio público. Esta viabilização das

famílias se deu pelo forte conhecimento e domínio que as famílias tinham sobre todo o

processo produtivo da propriedade, a relação estabelecida com as vizinhanças e a

solidariedade entre os membros da comunidade.

A maioria das estruturas comunitárias foram viabilizadas nesta fase graças ao

emprendedorismo dos seus moradores, que sem nenhum apoio oficial construíram suas

igrejas, suas escolas,

pagavam seus professores,

mantinham as estradas,

construíam pontilhões,

auxiliavam e apoiavam os

moradores em dificuldades.

Outra prática fundamental

eram os mutirões entre

moradores, tanto para

trabalho em estruturas

comunitárias, como para

desenvolver atividades nas

propriedades de cada um.

Este período foi

efetivamente o que caracterizou a agricultura familiar, baseada na segurança alimentar e

na diversificação e nos princípios agroecológicos de produção e também na igualdade

de condições entre os moradores da comunidade.

No aspecto de políticas públicas diretas neste período junto a comunidade,

influindo diretamente sobre a mesma, pouco se conhece. O que se sabe é que a

comunidade se desenvolveu por iniciativa própria e baseada nas necessidades mais

fundamentais que expressassem os valores natos da colônia (religião, cultura, educação,

lazer).

Este período também caracterizou a exploração da propriedade no regime da

agricultura familiar. A família como um todo, trabalhando de forma conjunta, definindo

por si a forma de trabalho a ser desenvolvida naquela propriedade.

A propriedade era explorada dentro dos princípios agroecológicos definidos por

Miguel Altieri e Stephen Gliessman, a qual possuía um fluxo energético, fluxo hídrico,

fluxo de nutrientes e alta biodiversidade, dominado pelos agricultores nas suas

intervenções nestas propriedades.

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O período 1965 a 1990

Este período caracteriza uma grande alteração na vida da comunidade. Valores e

conhecimentos tradicionais existentes no período inicial da colonização são relegados,

isto na forma de produção, no conhecimento e domínio sobre o sistema produtivo

instalado, na diversidade de culturas e criações, na solução dos problemas da

comunidade pela própria comunidade, no conhecimento em saúde, na relação com a

vizinhança, no cultivo a tradições religiosas, na segurança alimentar, no processo de

transformação e conservação de produtos e alimentos e na centralidade da família nos

pais.

Foi neste período que a comunidade se abriu para os setores urbanos e ela

mesma iniciou um processo de urbanização, estabelecendo novos valores entre as

famílias que a partir deste período se centraram no individualismo, na produtividade e

no consumo de bens materiais.

Todo este processo foi estimulado pelo poder público, que ao apoiar o modelo

de modernização da agricultura brasileira, influi decisivamente na agricultura familiar.

Os principais instrumentos de política pública foram: crédito farto, barato e subsidiado,

porém condicionado; apoio maciço à pesquisa e assistência técnica; incentivo ao

desenvolvimento de grandes agroindústrias; alteração nos hábitos alimentares da

sociedade; definição de legislação sanitária e fiscal para comercialização de produtos

alimentares; ensino em geral voltado ao urbanismo; entre outras instrumentos de

intervenção do governo.

Esta fase do desenvolvimento na comunidade se caracteriza pela criação de

estruturas para incentivar e facilitar a produção e produtividade e os recursos repassados

a comunidade eram na forma de empréstimo, inicialmente a todos e após aos que

melhor respondiam ao incremento de produção e aliado a capacidade de pagamento dos

beneficiários.

Neste período se iniciou fortemente a diferenciação das famílias no aspecto

econômico, e isto remeteu para o período compreendido entre os anos 1990 e 2002, à

intervenção do governo criando políticas públicas diferenciados para a mesma categoria

de agricultores familiares, distinguindo-os em quatro grupos sociais dos quais três

grupos estão diretamente presentes na comunidade de Picada Felipe Essig.

Este período permitiu a capitalização maior dos agricultores detentores das terras

de várzea, sem exaurir sua fertilidade. Enquanto que os agricultores da comunidade com

terras acidentadas e com pouca preocupação com a erosão do solo e também aliado ao

sacrifício em executar suas atividades foram aos poucos perdendo produtividade e

desistiam do uso de suas terras para as atividades agrícolas, e procurando novas

alternativas de manutenção familiar.

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O período 1990 a 2002

O período que segue o ano de 1990, composto por uma conjuntura

macroeconômica praticamente homogênea no mundo, caracterizado por preços

diretamente ligados ao câmbio e a acirrada concorrência entre as grandes empresas na

disputa de mercados internacionais e nacionais e a definição de padrões de qualidade

por parte dos consumidores, fez com que muitos dos atores comerciais locais

desaparecessem e em seu lugar prevalecessem grandes corporações agroindustriais que

passaram a dominar o sistema produtivo local.

O cenário de domínio destas grandes indústrias, que a partir deste período

passam a dominar todo o sistema produtivo, inclusive sendo donos de todos os insumos

(pintos, leitões, rações, etc.), passam a selecionar também os seus integrados, centrando

a produção em apenas algumas famílias, agravam a situação dos agricultores familiares

da comunidade. Esta concentração imposta pelas integradoras, foi viabilizada por uma

política pública que em muito contribui para tal, que foi o Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar. Esta política pública criada em 1996, por

reivindicações dos agricultores familiares, colaborou em muito para viabilizar a

concentração da produção, pois a liberação dos recursos, mesmo sendo públicos, foi

remetida ao sistema bancário, que por sua vez condicionaram o acesso a produtores que

não oferecessem risco de inadimplência e que tivessem mercado garantido e estivessem

amplamente capitalizadas.

Estes rumos do PRONAF foram posteriormente corrigidos com a criação de

categorias diferenciadas de agricultores, porém para os que hoje estão fora das

atividades integradas, pouco resta de opções para sua inserção no mercado, mesmo

tendo disponibilizados recursos para tal.

Para estas famílias a saída estratégica foi o trabalho na indústria calçadista,

instalada ali próximo, por pelo menos um membro do conjunto familiar, permanecendo

o restante da família na produção de produtos agrícolas para subsistência familiar e

comercializando pequenos excedentes, assim como prestando alguns serviços na

vizinhança.

Outra política pública de extrema importância é a aposentadoria rural. Creio que

seja a principal fonte de renda da comunidade, pois está presente em 50% das famílias

da comunidade. Ela mantém o aposentado rural, mas também ajuda o restante da família

que ali vive.

Um dos fatores que contribui para este novo cenário atualmente nesta

comunidade é o custo mensal de manutenção de uma família. Este custo é composto por

itens básicos e outros de conforto, que a agricultura familiar em pequena escala não

sustenta. Estes custos fixos são a luz, a água, o telefone, planos de saúde, etc...

Segundo afirma Guilherme Delgado, no capítulo 1 do livro “A universalização

de Direitos Sociais no Brasil: A Previdência Social nos Anos 90” de José Celso Cardoso

Jr e Guilherme Delgado, onde analisa a Pesquisa de Avaliação de Previdência Social

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Rural Contextualizada, reafirmando o papel social da aposentadoria rural e da pensão

rural no momento em que importantes transformações ocorreram no setor agrícola

nacional, com o declínio do padrão de desenvolvimento da pós-guerra – a chamada

modernização conservadora, ou a Revolução Verde, como muitos a chamavam e o

ingresso do país no processo contraditório da liberação da política agrícola, que

culminou com as integrações dos agricultores com as grandes agroindústrias e

conseqüentemente a produção em grande escala e a exclusão social e econômica da

maioria dos pequenos agricultores familiares.

O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF,

com o intuito de incluir esta nova realidade rural, vem sistematicamente alterando,

através de resoluções do Banco Central, as normas de enquadramento dos beneficiários.

A Resolução 3001, de 24/07/2002 do Bacen, deixa bem característico duas questões: a

aceitação da renda não agrícola, desde que de origem rural e o apoio financeiro a

atividades agrícolas e não agrícolas desde que desenvolvidas no espaço rural. Estas

novas Resoluções do Banco Central procuram se adaptar a esta nova realidade rural,

bem característica da comunidade de Picada Felipe Essig, porém numa velocidade

muito inferior a das mudanças que vem ocorrendo no meio rural.

Nesta comunidade se identificam nitidamente a atual diferenciação econômica

das famílias através das suas estratégias de inserção econômica e reprodução social, mas

todos procurando preservar e manter esta família sob determinadas condições culturais e

sociais. Esta diferenciação de estratégias é definida por Maria José Carneiro no texto

“Agricultores familiares e pluriatividade: Tipologias e políticas”, reconhecendo três

categorias de famílias, sendo elas a família agrícola de caráter empresarial, a família

camponesa e a família agrícola “rurbana”. Estas categorias de famílias definidas pela

autora encontramos na comunidade de Picada Felipe Essig.

A família agrícola de caráter empresarial foi aquela que aliou no período anterior

duas características básicas na comunidade. Primeiramente beneficiou-se pela posse das

terras planas e férteis, denominadas de várzeas e como segunda característica, se

capitalizou neste período anterior para se adequar as novas exigências das

agroindústrias. Enquanto as demais famílias, tiveram que procurar outras saídas

estratégicas para a sua manutenção, entre elas as atividades agrícolas fora da

propriedade, atividades fora da atividade agrícola e por final adaptar-se a vida de

aposentado rural.

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BIBLIOGRAFIA

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