História da baleia
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Sérgio, António; Na Terra e no Mar; Sá da Costa Editora; Lisboa, 1ª ed; 1978
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Há muito, muito, muito tempo, vivia no mar a baleia, que comia peixes.Ainda ela, nesse tempo, podia comer peixes. Comia sardinhas etainhas, gorazes e roazes, bugios e safios, pescadas e douradas, bacalhaus ecarapaus.Todos os peixes que ia encontrando deitava-lhes a boca – ão!
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Por fim, só havia no mar um salmonete vermelhete, que nadava sempre atrás da orelha esquerda da baleia, para ela lhe não fazer mal.
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Um dia, a baleia pôs-se a pensar muito séria, e disse assim:- Tenho fome!E o salmonete vermelhete, com a sua voz muito agudita, disse à baleia:- Nobre e generoso cetáceo: já experimentou comer homens!- Não – respondeu a baleia – A que sabe? Como é?- Bom, mas traquinas – respondeu o salmonete vermelhete.- Então, vai-me buscar três dúzias deles – ordenou a baleia
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- Basta um de cada vez – disse o salmonete vermelho .- Se for à latitude 60 graus norte e longitude 40 graus oeste (isto, amigos, são umas palavras mágicas que o salmonete lá sabia) encontrará uma jangada feita de tábuas, e sobre a jangada um marinheiro náufrago, com calças de ganga azul, uma faca de ponta Aguda, e suspensórios encarnados ( não se esqueça dos suspensórios!).O marinheiro, devo dizer-lhe, é arguto, astuto e resoluto.
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A baleia, então, foi aonde lhe disse o salmonete vermelhete, e encontrou a jangada e o marinheiro.Aproximou-se, abriu a bocarra imensa, e engoliu a jangada e o marinheiro, com as calçasDe ganga azul, com a faca de ponta aguda e com os suspensórios encarnados ( nunca se esqueçam dos suspensórios!).
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E assim a baleia arrecadou tudo na despensa escura, quentinha e fofazinha, que tinha lá dentro do seu corpanzão. E como gostou, deu três estalos com a língua e três voltas sobre a cauda, levantando muita espuma.
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O marinheiro ( que era arguto, astuto e resoluto) mal se viu dentro da baleia, nadespensa escura, quentinha e fofazinha, pulou, saltou, cambaleou, espinoteou,dançou, estrondeou tanto, tanto, tanto, que a baleia se sentiu com enjoos,engulhos e soluços (já se esqueceram dos suspensórios?).
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E disse a baleia ao salmonete vermelhete:- O teu homem é muito traquinas, e dá-me engulhos. Que hei-de eu fazer?- Diga-lhe que saia cá para fora – respondeu o salmonete vermelhete.
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E a baleia gritou pela garganta abaixo:-Saia cá para fora, homenzinho, e veja se tem juízo!- Isso é que eu não saio – respondeu o homem – Leve-me primeiro para a
minha terra, e depois veremos o que se poderá fazer.E pôs-se outra vez a saltar, a pular, a espinotear e a rebolar.
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E a baleia nadou, nadou, nadou, dando à cauda e às barbatanas, mas sempre com soluços e muito enjoada. Quando avistou a terra do marinheiro, nadou para a praia, pôs a boca sobre a areia, abriu-a muito, e disse:- Cá chegámos à sua terra!
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O marinheiro, que era na verdade arguto, astuto e resoluto, tinha durante a viagempuxado da sua faca de ponta aguda, e cortado as tábuas da jangada em fasquiazinhasmuito estreitas, que ligou muito bem com as tiras dos suspensórios ( bem lhes dizia euque não se esquecessem dos suspensórios!) e fez com elas uma grade que empurrou, aosair, contra a garganta da baleia.
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E, deixando a grade bem presa na garganta da baleia, saltou para terra e foi ter com a mãe, com a qual viveu muito contente.
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A baleia foi-se embora também muito contente, assim como o salmonetevermelhete; mas a grade é que nunca mais saiu da garganta da baleia. E por isso éque a baleia nunca mais pôde comer homens, nem meninos, nem peixes – nemsardinhas nem tainhas, nem gorazes nem roazes, nem bugios nem safios, nempescadas nem douradas -, porque os peixes não podem passar pelas grades dagarganta, mas só bichinhos pequeninos, como, por exemplo, as pulgas-do-mar.
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Pouco depois, o marinheiro casou e viveu muito feliz; tinha em casa as calças deganga azul e a navalha de ponta aguda; mas não tinha os suspensórios, porque essesficaram a atar a grade, muito apertada, que só deixa passar bichinhos pequeninos –como as pulginhas do mar – na garganta da baleia
De um conto de Kipling
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