História Contemporânea Da Argentina, Luiz Alberto Romero

download História Contemporânea Da Argentina, Luiz Alberto Romero

of 13

description

Introdução da obra

Transcript of História Contemporânea Da Argentina, Luiz Alberto Romero

  • Luis Alberto Romero

    Histria contempornea da Argentina

    Traduo:Edmundo Barreiros

    Jorge Zahar EditorRio de Janeiro

  • Para Ana e Jos Luis

    Ttulo original:Breve historia contempornea de la Argentina

    Traduo autorizada da reimpresso da segunda edio argentina revista e atualizada, publicada em 2005 por Fondo de Cultura Econmica de Argentina,

    de Buenos Aires, Argentina

    Copyright 2001, Fondo de Cultura Econmica de Argentina

    Copyright da edio brasileira 2006:Jorge Zahar Editor Ltda.rua Mxico 31 sobreloja

    20031-144 Rio de Janeiro, RJtel.: (21) 2108-0808 / fax: (21) 2108-0800

    e-mail: [email protected]: www.zahar.com.br

    Todos os direitos reservados.A reproduo no-autorizada desta publicao, no todo

    ou em parte, constitui violao de direitos autorais. (Lei 9.610/98)

    Esta publicao contou com apoio da Fundao Alexandre Gusmo (Funag)Capa: Sergio Campante

    Ilustrao da capa: Casa Rosada, Pablo Corral V/Corbis; Diego Goldberg/Sygma/Corbis

    CIP-Brasil. Catalogao-na-fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

    Romero, Luis AlbertoR672h Histria contempornea da Argentina / Luis Alberto Romero; traduo, Edmundo Barreiros.

    Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006

    Traduo de: Breve historia contempornea de la ArgentinaInclui bibliografiaISBN 85-7110-943-5

    1. Argentina Histria Sculo XX. I. Ttulo.

    CDD 98206-2794 CDU 94(82)

  • Sumrio

    Prefcio segunda edio, 7

    Prefcio, 9

    I. 1916, 13A construo,14 | Tenses e transformaes,26

    II. Os governos radicais, 1916-1930, 35Crise social e nova estabilidade,37 | A economia em um mundo triangular,48| A difcil construo da democracia,53 | A volta de Yrigoyen,59

    III. A restaurao conservadora, 1930-1943, 63Regenerao nacional ou restaurao constitucional,63 | Interveno e enclausuramento econmico,68 | A presena britnica,71 | Uma frente popular frustrada,75 | A guerra e a frente nacional,82

    IV. O governo Pern, 1943-1955, 91A ascenso,91 | Mercado interno e pleno emprego,98 | O Estado peronista,103 |Um conflito cultural,110 | Crise e nova poltica econmica,115 | A consolidao do autoritarismo,119 | A queda,122

    V. O impasse, 1955-1966, 125Liberais e desenvolvimentistas,128 | Crise e nova tentativa constitucional,137 | A economia,a modernizao e a crise,143 | As massas de classe mdia,148 | A universidade e a renovao cultural,152 | A poltica e os limites da modernizao,155

  • VI. Dependncia ou libertao, 1966-1976, 160O ensaio autoritrio,160 | A primavera dos povos,166 | Militares em retirada,1761973:um balano,181 | A volta de Pern,186

    VII. O Processo, 1976-1983, 196O genocdio,196 | A economia imaginria:a grande transformao,201 | A economia real:destruio e concentrao,205 | Reduzir o Estado e silenciar a sociedade,209 | A guerra das Malvinas e a crise do regime militar,217 | A volta da democracia,223

    VIII. O impulso e o freio, 1983-1989, 230A iluso democrtica,230 | A corporao militar e a sindical,235 | O Plano Austral, 240 | O apelo cidadania,245 | O fim da iluso,250

    IX. A grande transformao, 1989-1999, 254Ajuste e reforma, 254 | Uma liderana de sucesso, 263 | Uma liderana decadente, 272

    Eplogo:A nova Argentina, 281

    Bibliografia, 293

    ndice remissivo, 303

  • Uma liderana decadente

    A mesmo comeou a queda. At ento,Menem controlava a luta,bem postado nocentro do ringue,como os bons boxeadores.Mas,desde o comeo de seu segundomandato, perdeu a iniciativa.Acossado por muitos lados principalmente pelosperonistas , s conseguiu deter os golpes, receb-los da melhor forma possvel, eesperar o toque final do sinal.O paradoxal da situao foi que,para chegar inteiro,teve que tentar prolongar a luta e continuar no cargo por mais um mandato.

    No momento, isso talvez no tenha sido percebido.A crise mexicana, a pri-meira advertncia sria, foi superada.Apesar da corrida, o sistema bancrio pdeser salvo,mesmo que custa de forte concentrao e estrangeirizao,e uma boaparte dos 6 bilhes de dlares que havia fugido nas primeiras semanas do ano vol-tou.As empresas conseguiram superar os problemas derivados da sobrevaloriza-o do peso, um pouco devido forte queda dos salrios reais, e tambm a umamelhoria na produtividade, alcanada pelas grandes empresas, as mesmas que, aocontrrio de quase todos,podiam obter crditos no exterior com facilidade.Apa-rentemente,os bons tempos estavam de volta.O Produto Interno Bruto,que caiumais de 4% em 1995, se recuperou em 1996 e cresceu com fora em 1997,acimade 8%. Mas, por outro lado, o desemprego, que estava definitivamente instalado,no cedeu muito e se manteve pouco abaixo de 15%.

    Havia outro dado preocupante.A dvida externa crescia continuamente, e os60 bilhes de dlares de 1992 se converteram em 100 bilhes em 1996.Definiti-vamente, a economia argentina estava no CTI. Dependia do fluxo de capitaisexternos e do humor dos investidores,que,a partir da,em geral,esteve muito ruime ainda pior nos anos em que vrios mercados emergentes foram derrubados.Em1995, a poca de afluncia fcil de capitais externos e da conseqente folga fiscalterminou.A tendncia dominante foi a restrio, com seus efeitos conhecidos:aumento das taxas de juros, recesso, penria fiscal e doses maiores de ajuste ereforma. Por esse caminho, restou pouca margem para o que, at ento, Menem e seu grupo, com a tolerncia dos tcnicos, tinham feito com eficincia distri-buir um pouco, compensar, silenciar queixas e ganhar cumplicidades. Na novaconjuntura,os zelosos auditores externos j no admitiam isso,e seu aval era indis-

    272 | Histria contempornea da Argentina

  • pensvel para obter a renovao dos crditos.O governo ficou preso entre as exi-gncias de um ajuste mais forte,para fechar as contas, e as crescentes demandasde uma sociedade que ia recuperando sua voz;perdeu a possibilidade de fazer pro-jees a longo prazo,e se limitou a lidar com a situao no dia-a-dia.

    Quem sentiu primeiro o impacto da nova conjuntura foi Cavallo.O ministro,que saiu com sucesso da crise de 1995, iniciou uma nova srie de privatizaes,conseguiu que fosse declarada emergncia provisria e,basicamente,restringiu osfundos transferidos aos governos provinciais, que passaram por momentos deangstia.Muitos no conseguiram pagar os salrios de seus funcionrios, e final-mente foram obrigados a realizar seu prprio ajuste, sacrificando algumas de suasfontes de clientelismo.Venderam empresas pblicas e bancos provinciais, reduzi-ram o quadro de funcionrios e transferiram os seus sistemas de previdncia paraa nao. Mas Cavallo ficou no olho do furaco. Os dirigentes provenientes doperonismo tradicional anunciaram o forte mal-estar social, que afetava suas pr-prias bases eleitorais. Reclamaram contra uma poltica que agora consideravampouco peronista e excessivamente apegada s normas do Fundo Monetrio Inter-nacional, e voltaram suas baterias para o ministro.No incio de 1996,obstrurama aprovao da Lei de Oramento e se negaram a aprovar outra, que ampliava asatribuies econmicas do Executivo.O pacto estava ferido.

    O maior conflito foi entre Cavallo e sua equipe tcnica e o bando dogoverno,ou seja:o vasto contingente de agregados que rodeava o presidente,ges-tores de negcios pouco claros e intermedirios obrigatrios de qualquer grupode interesse particular.Em relao Lei de Patentes Medicinais,Cavallo apoiou aposio norte-americana e bateu de frente com os senadores, liderados porEduardo Menem, que defendiam os laboratrios locais, um lobby poderoso egeneroso com seus amigos.A privatizao do correio produziu outro enfrenta-mento.Segundo Cavallo,que era partidrio das empresas postais norte-america-nas, o Congresso estava fazendo uma lei para atender aos interesses de AlfredoYabrn,o empresrio postal que tinha negcios vastos e pouco conhecidos.Como apoio do embaixador e do prprio presidente norte-americano,Cavallo acusouYabrn de evaso fiscal e de ser mafioso.Tambm acusou dois ministros prximosdo presidente de auxili-lo e de manipular juzes em seu favor:o do Interior,Car-los Corach,e o da Justia,Elas Jassan.

    Cavallo,furioso,arremeteu contra todos. Ao fazer isso,instalou o tema da cor-rupo governamental definitivamente na discusso pblica,que cresceu vertigi-nosamente nos anos seguintes.Recebeu uma resposta contundente.Seus homens,e ele mesmo,foram acusados de outras negociatas e processados pela justia.Acos-sado,Cavallo chegou at a citar o presidente:No se atreve a me olhar nos olhos,

    A grande transformao, 1989-1999 | 273

  • disse.Foi o fim da relao.No fim de julho de 1996,Menem o demitiu e o subs-tituiu por Roque Fernndez, um economista ortodoxo que presidia o BancoCentral.Os mercadosaceitaram-no com naturalidade e no se agitaram.

    Ao contrrio de Cavallo,Roque Fernndez no tinha pretenses de poltico,e tampouco preocupaes de longo prazo.Formado com base na ortodoxia libe-ral,preocupado exclusivamente em ajustar as contas fiscais,no se afastou nem umpouco dessa linha e resistiu com eficincia a todo tipo de presso.Assim, aumen-tou sem piedade o preo dos combustveis, elevou o Imposto sobre Valor Agre-gado, que chegou ao nvel extraordinrio de 21%, reduziu o nmero de funcio-nrios pblicos e finalmente realizou cortes importantes no oramento.Almdisso,acelerou as privatizaes pendentes:o correio,os aeroportos,o Banco Hipo-tecrio Nacional, e vendeu as aes da YPF em poder do Estado para o acionistamajoritrio, a empresa espanhola Repsol.Tudo foi resolvido rapidamente, com anica preocupao de fazer caixa.

    Fernndez enfrentou resistncia crescente no setor poltico do governo,preo-cupado com as futuras eleies.Cada medida de ajuste que exigia uma lei teve deser arduamente negociada no Congresso,onde o ministro fracassou na legislaoque flexibilizava as leis trabalhistas.Tratava-se de uma questo emblemtica paraos empresrios e para o FMI,que suscitava forte oposio dentro e fora do pero-nismo, e, principalmente, entre os sindicalistas. No fim de 1996, Menem tentoupassar por cima da resistncia do Congresso com um de seus Decretos de Neces-sidade e Urgncia,que surpreendentemente sinal da mudana dos tempos foivetado pela justia. Em 1997, em plena temporada eleitoral, Menem deixou areforma de lado e pensou nos eleitores. Erman Gonzlez, novo ministro do Tra-balho,chegou a um acordo com os sindicalistas,garantindo-lhes o monoplio sin-dical na negociao dos convnios coletivos.A lei assim aprovada foi rechaadapelos empresrios, e Fernndez exigiu o veto de alguns artigos. Ele tambm seops categoricamente a outra lei que assegurava um fundo de melhoramento sala-rial para os professores,e obstruiu um projeto ambicioso de construo de 10 milquilmetros de auto-estradas,que teria significado uma reduo rpida do desem-prego e um bom aumento do dficit.Em suma,Fernndez defendeu os critriosdo contador,com a permisso daqueles que,nessa poca,se dedicavam a vencer asprximas eleies.Sua tarefa se limitava a dizer no.

    Devido conjuntura financeira internacional,no havia muita alternativa.Emjulho de 1997, a Tailndia desvalorizou sua moeda e desencadeou a crise. Com ocolapso da bolsa de Hong Kong em outubro, os financistas comearam a ver osmercados emergentes com desconfiana, incluindo o argentino.As quebradeirascontinuaram: Coria, Japo, Rssia, e finalmente o Brasil, que desvalorizou sua

    274 | Histria contempornea da Argentina

  • moeda nos primeiros dias de 1999.Esse foi um golpe duro para a Argentina,j afe-tada pelo encarecimento do crdito e pela queda dos preos de suas exportaes,eimpossibilitada de adotar a soluo da desvalorizao. Nos bons tempos, Menem e Cavallo tinham estimulado a integrao acelerada no Mercosul, sem se preocu-par em chegar a um acordo em questes como a poltica monetria. Em 1995, aabertura do mercado brasileiro foi providencial para a Argentina,que exportou ali-mentos, petrleo e veculos automotores. Em 1997, comearam a surgir algunsproblemas.Os produtores de acar denunciaram que o Brasil fazia dumping,e con-seguiram criar uma lei que taxava sua importao, o que foi vetado por Menem,preocupado em fortalecer o Mercosul. A desvalorizao do real,em 1999,reduziuo mercado brasileiro para as encarecidas exportaes argentinas, e desencadeouuma enxurrada de reivindicaes de proteo,enquanto as maiores empresas,commais liberdade de ao,comearam a considerar a possibilidade de se mudar para oBrasil,ou pelo menos subcontratar parte do que produziam nesse pas.

    A crise iniciada em 1998 foi mais profunda e prolongada que a do Mxico,eno teve um final anunciado.Tudo se somou, o aumento dos juros da dvida, aescassez e o alto custo do crdito,a queda dos preos de produtos de exportao ea recesso interna.Nesse ano,o PIB encolheu cerca de 4% e a produo de auto-mveis caiu quase pela metade.A situao aprofundou a internacionalizao.Vrios bancos e empresas foram comprados por corporaes multinacionais oupor grandes fundos de investimento, como o Exxel, que adquiriu as empresas deYabrn.O governo Menem chegou ao seu fim sem margem sequer para fazer ben-feitorias eleitorais, e teve de fechar o oramento com um dficit to grande queno se atreveu a declar-lo.Nessa poca,a dvida externa chegava a 160 bilhes dedlares,o dobro da de 1994.

    Forado a aprofundar o ajuste, sem margem para negociar,Menem comeoua sofrer uma oposio social cada vez mais ativa.Os que at ento tinham ficadocalados, comearam a falar, e os anseios confluram e se expressaram de maneiranova e efetiva, agitados at por uma oposio que se manifestava dentro do pr-prio peronismo.

    O ano de 1995 foi crtico. Houve manifestaes violentas em vrias provn-cias, encabeadas por funcionrios pblicos que recebiam bnus de valor duvi-doso.Em Tucumn,a situao se agravou com o fechamento de vrios engenhos,e,na Terra do Fogo,com a sada das indstrias eletrnicas,diante do fim dos regi-mes de incentivo.No ano seguinte, enquanto as organizaes sindicais a CGT,o MTA e o CTA finalmente se uniram para organizar duas greves gerais contraa flexibilizao da lei trabalhista e contra a poltica econmica,a oposio poltica a Frepaso e a UCR estimulou o protesto cidado.Um apago de cinco minutos

    A grande transformao, 1989-1999 | 275

  • e um panelao,que foi apoiado por todo tipo de entidade,at as defensoras dosdireitos humanos. Nessa poca, mudou a direo da Conferncia Episcopal omonsenhor Estanislao Karlic,mais severo,substitui Quarracino,complacente como governo e a Igreja passou a somar sua voz aos protestos.

    No ano seguinte,os sindicatos de professores a CTERA ,que vinham rea-lizando passeatas e greves sem sucesso, encontraram uma nova forma de atuao,que se revelou muito eficaz.Eles instalaram uma tenda branca em frente ao Con-gresso, onde grupos de professores de todo o pas se revezavam em um jejum,enquanto recebiam visitas e adeses, organizavam atos e faziam declaraes pelordio e a televiso. Em suma, eram notcia permanentemente, e sem o custo deinterromper as aulas.Algo parecido, apesar de em outro tom, foram os bloqueiosde estradas em Cutral C e Tartagal, localidades das zonas petroleiras de Neuqune Salta, muito afetadas pela privatizao da YPF e pelas demisses em massa.Piqueteiros e fogoneros que tambm apareceram em Jujuy, afetados pelasdemisses do Engenho Ledesma interromperam o trfego, incendiaram pneus,organizaram refeies populares e reuniram em seu apoio trabalhadores desem-pregados, jovens que nunca conseguiram trabalhar, seus familiares e amigos, dis-postos a enfrentar a eventual represso de peito aberto,com pedras e paus nas mos.Era a mobilizao dos desocupados,violenta e,ao mesmo tempo,resistente a qual-quer tipo de ao organizada.O governo s vezes apelou para a justia e a polcia,e,ento,houve violncia,feridos e um ou outro morto.Em outras ocasies,nego-ciou com a ajuda sempre presente de padres ou bispos.No havia muito a ofere-cer,mas os piqueteiros costumavam se contentar com pouco:ajuda em alimentosou roupa,e,principalmente,contratos de emprego temporrio,os planos Traba-lhar,com os quais se aliviava a situao.

    Esse tipo de mobilizao teve imitadores e se acentuou medida que a criseaumentava.Estudantes fechavam as ruas das cidades,e produtores rurais realizavamtratoraos, somados a algum episdio violento, com o ataque e saque a prdiospblicos. Isso indicava um estado de efervescncia generalizada e o ressurgimentoda poltica das ruas,como nos anos 1970,mas,dessa vez,diante das cmaras de tele-viso, veculo fundamental para que a ao tivesse conseqncia e eficcia, pois adramaticidade e o espetculo foram elementos-chave no novo protesto.

    Simultaneamente, o governo acumulava problemas em sua frente interna.Aressurreio do peronismo histrico,que descobria os problemas do ajuste e dareforma,aconteceu no momento em que se discutia a mudana de liderana,ou,mais simplesmente, a escolha de um candidato presidencial justicialista para1999. Em 1995, logo aps as eleies presidenciais, o governador de BuenosAires,Eduardo Duhalde,anunciou que seria candidato e comeou a agir como tal.

    276 | Histria contempornea da Argentina

  • Viajou pela Europa e pelos Estados Unidos,anunciou seus planos de governo e afir-mou sua vontade de se distinguir do modeloe recuperar as bandeiras histricas doperonismo. Apesar de a Constituio ser clara e categrica a respeito da impossibi-lidade de nova eleio,a idia que Menem tinha do poder,to tipicamente peronista,no inclua transferi-lo em vida.O presidente tentou,um pouco por sua f cega noque chamava de seu destino,e um pouco para que no o considerassem morto antesda hora.No incio, o fez por caminhos indiretos.Estimulou a candidatura rival dePalito Ortega popular,apesar de sua administrao desastrosa em Tucumn ,imo-bilizou os governadores,que dependiam da incerta assistncia financeira do TesouroNacional, e lanou sua candidatura informalmente, com milhes de camisetas,bales e cartazes que diziam simplesmente Menem 99.

    A guerra entre o velho chefe e aqueles que queriam suced-lo passou dos ges-tos e ameaas para atos contundentes.As boas maneiras democrticas apenasesconderam prticas mais brbaras,que lembravam aquelas dos militares ou a dosExrcitos germnicos.A luta se desenvolveu, em parte, nos meios de comunica-o.Enquanto Cavallo continuava com suas denncias de negcios ilcitos,outraspessoas fizeram chegar aos jornalistas informaes para prejudicar seus rivais,queforam amplamente divulgadas pelos meios de comunicao.A profunda corrup-o do grupo governante tornou-se pblica,como o caso da venda clandestina dearmas Crocia e ao Equador,que envolvia vrios ministros e at mesmo o presi-dente;os negcios da mfia do ouro,que fazia exportaes fictcias; a alfndegaparalela, mais tolerante que a oficial, e, finalmente, o suborno pago pela empresanorte-americana IBM a diretores do Banco Nacin.Tambm houve fatos violen-tos,como a exploso da fbrica de armamentos de Ro Tercero,o que teria apagadoos rastros do contrabando de armas, custa de muitas vidas;os duvidosos suicdiosde um intermedirio nessas vendas e da pessoa que pagou o suborno no BancoNacin,e o seqestro e tortura da irm do fiscal que investigava o caso do ouro.

    Houve uma grande exposio de fatos,estimulada pelo jornalismo investiga-tivo e facilitada pela guerra interna do peronismo.A polcia da provncia de Bue-nos Aires, a Bonaerense, que, em certo momento, foi qualificada por Duhaldecomo a melhor do mundo, apareceu implicada em vrios casos de corrupo,com roubo de carros, trfico de drogas e prostituio.Chegou a se provar sua par-ticipao no brutal atentado contra a AMIA.O carro usado para explodir o edif-cio foi fornecido por um importante chefe da polcia.Quando Duhalde comeoua sua limpeza, estourou o caso Cabezas. Um fotgrafo foi brutalmente assassi-nado e seu corpo apareceu nas proximidades da residncia de veraneio do gover-nador.Atiraram um cadver em mim, afirmou Duhalde, convencido de quetinha recebido uma ameaa mafiosa.Os jornalistas, com tenacidade,mantiveram

    A grande transformao, 1989-1999 | 277

  • viva a questo,e Duhalde promoveu a investigao,convencido de que seu futuropoltico dependia disso.A investigao chegou rapidamente Bonaerense, emseguida ao empresrio Yabrn, o homem misterioso que Cabezas tinha fotogra-fado contra sua vontade, e, por ltimo, ao crculo presidencial, e at ao prprioMenem,que,no incio,defendeu Yabrn.Finalmente,foram incriminados um ofi-cial da polcia de Buenos Aires, autor da morte,e o chefe de segurana de Yabrn,seu mandante direto. Quando a Justia pediu sua priso,Yabrn se suicidou deforma espetacular.Muitas coisas permaneceram obscuras,mas duas ficaram bemclaras.A corrupo penetrava em todas as instituies do Estado,e ningum vaci-lava diante dos meios na disputa pelo poder e pelos negcios.

    Antes do desenlace, em outubro de 1997, o justicialismo sofreu uma grandederrota nas eleies legislativas.Perdeu at em seus redutos,como Santa F,EntreRos e Buenos Aires, onde a esposa do governador encabeava a lista de deputa-dos. O candidato natural, Duhalde, saiu ferido. Menem o golpeou ainda mais.Ele afirmou que era o nico que poderia ganhar em 1999,e se lanou abertamentea uma nova reeleio, apesar de, dessa vez, ningum mostrar muito entusiasmo.Menem tentou jogar vrias cartas ao mesmo tempo como uma interpretaocaprichosa da Constituio por parte da Corte Suprema, um plebiscito sobre areforma constitucional,uma presso para que os governadores o apoiassem e dei-xassem Duhalde desamparado. Chegou mesmo a meter uma quinta-coluna noterritrio do governador, comprando alguns de seus colaboradores mais fiis.Nesse momento, a oposio, unificada, vislumbrava o sucesso eleitoral em 1999,mas Menem no fez outra coisa alm de tentar destruir Duhalde,arriscando tudoo que o justicialismo tinha avanado em sua institucionalizao partidria.Quando lanou, em La Rioja, um plebiscito pela reforma, Duhalde respondeuconvocando outro na provncia de Buenos Aires, onde, sem dvida, o presidentesofreria uma derrota contundente. Nesse ponto, os lderes peronistas abandona-ram Menem. Discretamente, o deixaram sozinho. Foi quando ele desistiu de suacandidatura,se auto-excluiu,apesar de no estar totalmente convencido.Mesesdepois, tentou novamente,mas, dessa vez, a Justia declarou que sua inteno eraabsolutamente ilegal.

    Menem fracassou,mas conseguiu manter viva a iluso quase at o final de seugoverno, atenuando o problema do fim do reinado.Alm disso, afetou profunda-mente Duhalde, que,na campanha eleitoral, teve de acentuar seu perfil opositor,e apresentar propostas alternativas,de pouca credibilidade e que no mobilizaramningum.Por outro lado,os governadores peronistas preferiram se afastar do con-flito e muitos anteciparam as eleies em suas provncias para no se comprome-terem com o destino de Duhalde,que no pde contar com um partido unido e

    278 | Histria contempornea da Argentina

  • forte em seu apoio.Como em 1983,o peronismo chegou eleio de 1999 semum lder,e perdeu.

    Desde 1995, foi crescendo o espao potencial para uma fora poltica oposi-tora, cujas caractersticas ainda iriam se definir.No fim desse ano,e pouco depoisda grande vitria presidencial de Menem, o governo sofreu trs derrotas eleito-rais:em Tucumn,pelas mos do general Bussi,uma figura do Processo;no Chaco,diante dos radicais,com o apoio da Frepaso;e na capital federal,onde Graciela Fer-nndez Meijide, da Frepaso, foi eleita senadora, com 46% dos votos, superandocom folga a UCR e o justicialismo.

    Os resultados indicavam vrios rumos possveis.O mais novo era o da Frepaso,que teve um notvel crescimento eleitoral. Nela convergiam dissidentes do PJ eda UCR,a Unidade Socialista e outros pequenos grupos provenientes da esquerdaou do populismo.Aos poucos, se juntaram fragmentos de menos prestgio damquina eleitoral justicialista.A Frepaso nunca chegou a ter uma insero terri-torial comparvel dos grandes partidos, nem uma organizao e regras explci-tas de discusso e deciso.Foi um partido de lderes.Pouco depois das eleies,ocandidato presidencial Jos O. Bordn a abandonou. Chacho lvarez, que tinhagrande desenvoltura junto aos meios de comunicao e capacidade para definirdia a dia a linha daquele agrupamento,tornou-se seu principal dirigente,apoiadopor Graciela Fernndez Meijide e Anbal Ibarra.A Frepaso entusiasmou muitagente, e foi a expresso de uma primavera nova e bem modesta.Reuniu diversasaspiraes da sociedade,nem sempre compatveis, como uma renovao da pol-tica e dos homens e a formao de uma fora de centro-esquerda, diferente dosdois partidos tradicionais.Sem repudiar a transformao econmica realizada,deunfase aos problemas sociais gerados pela mudana e s questes ticas e polticas,como a corrupo e a deteriorao das instituies.

    A UCR superou a crise que atravessava desde o fim catastrfico da Presidnciade Alfonsn,conseguiu superar as divises internas e obteve alguns xitos eleitoraissignificativos,principalmente com Fernando de la Ra candidato portenho imba-tvel , eleito, em 1996,o primeiro chefe de governo da cidade de Buenos Aires.Desde 1995, a UCR e a Frepaso coordenaram sua ao parlamentar, em seguidaestabeleceram um acordo na capital, e comearam a discutir os termos de umaaliana mais formal.No era uma tarefa fcil,devido ndole to diferente das duasforas.A UCR tinha uma longa tradio e um slido aparato partidrio,difcil dealinhar e ordenar, mas tambm era prova de mudanas bruscas de humor. Seusmilitantes no aceitaram com facilidade ceder lugar a uma fora sem histria ou a uma organizao partidria formal.Mas prevaleceu a convico de que juntas,aUCR e a Frepaso, podiam vencer o justicialismo, enquanto que separadas a der-

    A grande transformao, 1989-1999 | 279

  • rota era quase certa.Em 1997, criaram a Aliana pela Justia,o Trabalho e a Edu-cao os eixos do programa conjunto.Disputaram unidas em 14 dos 24 distri-tos eleitorais,e obtiveram uma vitria marcante nas eleies legislativas.No total,superaram o PJ por 10 pontos, venceram em distritos chave, como Entre Ros eSanta F,e Graciela Fernndez Meijide,duas vezes vencedora na capital,derrotouChiche Duhalde,esposa do governador,na provncia de Buenos Aires.

    Enquanto o justicialismo se perdia em suas disputas internas, a Aliana mar-chava com clareza rumo vitria nas eleies de 1999.No foi fcil chegar a umconsenso em torno da linha do discurso eleitoral,por causa da coexistncia de ten-dncias francamente divergentes entre as duas foras e no interior de cada umadelas.No entanto, finalmente chegaram ao acordo de no questionar a converti-bilidade, e dar nfase recuperao da eqidade social e das instituies republi-canas e luta contra a corrupo. Jos Luis Machinea, da equipe de Juan Sour-rouille e com boas relaes com o establishment, ficou responsvel pelo programaeconmico.A negociao das candidaturas,apesar de complexa,foi resolvida comsucesso.Houve uma eleio interna aberta para a candidatura presidencial,na qualDe la Ra venceu Fernndez Meijide com facilidade,e um acordo para a divisodas principais candidaturas e cargos. lvarez acompanhou De la Ra na chapa,enquanto, no justicialismo, Palito Ortega se aliou a Duhalde. Domingo Cavallocriou outra fora poltica,a Ao para a Repblica,para organizar o voto do setorde centro direita.

    Na eleio presidencial, De la Ra e lvarez obtiveram uma vitria ntida:48,5% dos votos,quase dez pontos a mais que Duhalde.No momento da posse, aAliana governava em seis distritos e tinha maioria na Cmara dos Deputados.Ojusticialismo tinha ampla maioria no Senado e controlava 14 distritos, entre elesos mais importantes: Buenos Aires onde Graciela Fernndez Meijide perdeupara Carlos Ruckauf , Santa F e Crdoba, onde os radicais perderam pela pri-meira vez desde 1983.De la Ra recebeu um poder poltico limitado e condicio-nado pela crise econmica. Logo, se juntou a isso a dificuldade para transformaruma aliana eleitoral em fora governante.

    280 | Histria contempornea da Argentina