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Clínica Universitária de Otorrinolaringologia Hipertrofia da Amígdala Lingual Catarina Cabral Soares Maio’2018

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Clínica Universitária de Otorrinolaringologia

Hipertrofia da Amígdala Lingual

Catarina Cabral Soares

Maio’2018

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Clínica Universitária de Otorrinolaringologia

Hipertrofia da Amígdala lingual

Catarina Cabral Soares

Orientado por:

Dr. Marco Alveirinho Simão

Maio’2018

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RESUMO

A Amígdala Lingual é um elemento do anel de Waldeyer que tem sido

negligenciado na prática clínica.

Pela sua localização e composição em tecido linfoide, alterações desta estrutura,

nomeadamente da sua dimensão, são passíveis de provocar sintomas faríngeos

incomodativos (globus faríngeo, sensação irritativa na garganta, necessidade constante

de engolir ou de pigarrear, tosse irritativa, alteração da voz, rouquidão, voz nasalada,

respiração ruidosa) e até colocar a vida em risco pela obstrução da via aérea.

A Hipertrofia da Amígdala lingual é precisamente a alteração patológica mais

comum desta estrutura e pode ser consequência de infeções crónicas, imunossupressão,

Doença do Refluxo Gastroesofágico, Doença Alérgica Crónica e até Hiperplasia

Folicular Reativa, secundária a adenoidectomia e amigdalectomia.

Dado o aumento fisiológico do tecido linfoide e o estreitamento relativo da via

aérea na criança, esta patologia tem maior importância clínica na infância, sendo

bastante rara durante a idade adulta. É particularmente significativa na etiologia de

Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono persistente pós-adenoamigdalectomia nas

crianças com Síndrome de Down.

É pouco provável detetar Hipertrofia da Amígdala Lingual num exame de rotina

da orofaringe. Apenas um alto nível de suspeição clínica que conduza a posterior

investigação imagiológica complementar permite o diagnóstico da mesma.

A amigdalectomia lingual mostrou ser eficaz no tratamento desta patologia.

Palavras-chave: Hipertrofia, Amígdala Lingual, Hiperplasia Folicular Reativa

O Trabalho Final exprime a opinião do autor e não da FML.

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ABSTRACT

The lingual tonsil is an element of Waldeyer’s ring that has been neglected in

clinical practice.

Due to its location and composition in lymphoid tissue, alteration in this

structure, and in particular its size, are liable to provoke uncomfortable pharyngeal

symptoms (globus pharyngeus, scratchy sensation in the throat, throat clearing, dry

cough, vocal changes, hoarseness, nasal voice and noisy respiration) and even endanger

life by airway obstruction.

Hypertrophy of the Lingual Tonsils is precisely the most common pathological

alteration of this structure and may be a consequence of chronic infections,

immunosuppression, Gastroesophageal Reflux Disease, chronic allergic disease and

even Reactive Lymphoid Hyperplasia secondary to adenotonsillectomy.

Due to the physiological increase of the lymphoid tissue and the relative

narrowing of the airway in children, this pathology has greater clinical importance in

childhood, being rare during adulthood. It is particularly significant in the etiology of

persistent obstructive sleep apnea after adenotonsillectomy in children with Down’s

Syndrome.

It is unlikely to detect Hypertrophy of Lingual Tonsil during a routine

examination of the oropharynx. Only a high level of clinical suspicion that leads to

further imaging investigation allows the correct diagnosis.

Lingual tonsillectomy has been proven to be effective in treating this pathology.

Keywords: Hypertrophy, Lingual Tonsil, Reactive Follicular Hyperplasia

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ÍNDICE

Introdução 6

Noções anatómicas e histológicas a cerca da Amígdala Lingual 7

Hipertrofia da Amígdala Lingual 9

Epidemiologia 9

Etiologia e Fatores de Risco 10

Apresentação Clínica 15

Diagnóstico 21

Diagnóstico Diferencial 22

Tratamento 23

Notas Finais 25

Agradecimentos 26

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INTRODUÇÃO

A amígdala lingual é um elemento do anel de Waldeyer que tem sido

negligenciado na prática clínica. Por um lado, os sintomas provocados pela alteração

desta estrutura são muito inespecíficos, sendo facilmente confundíveis com outras

etiologias. Por outro lado, maior parte das vezes, a amígdalas lingual não é visível

durante o exame orofaríngeo, sendo apenas possível aceder à sua visualização através

de exames de imagem mais invasivos.

Nesta revisão, abordarei a patologia da Amígdala Lingual, incindindo sobretudo

na Hipertrofia deste órgão, uma patologia com consequências clínicas graves e

potencialmente fatais, mas facilmente corrigível por via cirúrgica.

Assim, apresentarei as principais características da Hipertrofia da Amígdala

Lingual, nomeadamente a epidemiologia, fatores de risco associados, possível

sintomatologia, relação com outras patologias e diagnóstico diferencial, pretendendo

com isso alertar a comunidade médica para uma doença com apresentações clínicas, por

vezes, pouco óbvias, uma vez que apenas um alto nível de suspeição que conduza a

posterior investigação imagiológica complementar permite o diagnóstico da mesma.

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NOÇÕES ANATÓMICAS E HISTOLÓGICAS A CERCA DA AMIGDALA

LINGUAL

A Amígdala Lingual corresponde a um aglomerado de tecido linfoide localizado

na base da língua, que juntamente com as amígdalas palatinas, as amígdalas

nasofaríngeas (adenóides), as amígdalas tubáricas e ainda com as bandas faríngeas

laterais, integram o Anel de Waldeyer.

Encontra-se posteriormente às papilas circunvaladas e anteriormente à epiglote,

estendendo-se de uma fossa tonsilar faucial à outra, estando dividida medialmente pelo

ligamento glossoepiglótico. Não possui cápsula, mas por vezes apresenta uma camada

de tecido fibroso que a delimita da mucosa lingual.

Figura 1 Amígdala lingual e a sua relação com restantes estruturas na orofaringe. Netter, Frank H. Atlas Of Human Anatomy. Philadelphia, PA : Saunders/Elsevier, 2011. Print.

A irrigação arterial é feita a partir do ramo lingual dorsal da artéria lingual, a

qual nasce da artéria carótida externa. A drenagem linfática é feita para os nódulos

suprahioideus, submaxilares e cervicais profundos. A inervação sensorial depende do IX

e X pares cranianos (ramo laríngeo superior).

Histologicamente, a amígdala lingual é coberta por epitélio escamoso

estratificado, com dobras crípticas, semelhante à mucosa lingual, sob o qual se encontra

tecido linfoide denso contendo folículos linfoides. Em certas áreas, o tecido linfoide

está circunscrito por tecido fibroso, mas em outras áreas mistura-se com tecido

fibroadiposo, glândulas seromucinosas ou fibras de musculoesqueléticas.[1]

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Pela sua localização na entrada dos tratos respiratório e alimentar, este conjunto

de formações de tecido linfoide, interceta antigénios inalados ou ingeridos e inicia uma

resposta imune. Assim, ao nível das criptas epiteliais, os antigénios são digeridos pelas

células dendríticas e posteriormente apresentadas a células T CD4+ nas áreas extra-

-foliculares. Estas células T helper estimulam a diferenciação de células B naive do

folículo em plasmócitos produtores de anticorpos e células B memória. Ainda que o

Anel de Waldeyer represente a primeira linha de defesa contra agressores exógenos que

se apresentam pelo trato respiratório ou alimentar, ainda não está completamente

esclarecido porque é que amigdalectomia na infância não cursa com consequências

clínicas significativas.[2]

Figura 2 Criptas amigdalianas, que invaginam na

profundidade do tecido linfoide. Os nódulos

linfoides contêm centros germinativos com padrão

“noite estrelada”.

Fossum, C.C., Chintakuntlawar, A. V., Price, D.L.

and Garcia, J.J. (2017) Characterization of the

oropharynx: anatomy, histology, immunology,

squamous cell carcinoma and surgical resection.

Histopathology, 70, 1021–1029.

Figura 3 Linfoepitélio reticulado, caracterizado

pela co-existência de epitélio e células linfoides e

por uma membrana basal descontinua.

Fossum, C.C., Chintakuntlawar, A. V., Price, D.L.

and Garcia, J.J. (2017) Characterization of the

oropharynx: anatomy, histology, immunology,

squamous cell carcinoma and surgical resection.

Histopathology, 70, 1021–1029.

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HIPERTROFIA DA AMÍGDALA LINGUAL

A alteração mais comum associada à Amígdala Lingual é a sua Hipertrofia.

Fisiologicamente, o tecido linfoide do anel de Waldeyer encontra-se aumentado

durante a infância, tendendo a involuir com o avançar da idade, pelo que a Hiperplasia

Folicular exuberante é particularmente característico nas crianças e jovens adultos e

muito menos comum nos idosos.[3]

O aumento fisiológico da infância distingue-se de uma hiperplasia patológica,

pela ocorrência de sintomas faríngeos na última.

Figura 4 Hiperplasia Folicular exuberante da Amígdala Lingual.

Acar, G.Ö., Cansz, H., Duman, C., Öz, B. and Ciǧercioǧullar, E. (2011) Excessive reactive lymphoid hyperplasia in a

child with persistent obstructive sleep apnea despite previous tonsillectomy and adenoidectomy. Journal of

Craniofacial Surgery, 22, 1413–1415.

EPIDEMIOLOGIA

Segundo alguns estudos, a prevalência da Hipertrofia da Amígdala Lingual

(HAL) na população geral é de 2 a 3%.[4] A incidência está muito aumentada em

pacientes com imunossupressão, chegando aos 10% em adultos e 28% em crianças pós-

-transplantadas[5][6]. No entanto, a informação a cerca da epidemiologia desta patologia

é escassa, ficando por esclarecer se a incidência difere consoante os sexos, sendo

necessários mais estudos para comprovar a prevalência da mesma.

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ETIOLOGIA E FATORES DE RISCO

Existem várias possíveis causas que explicam o desenvolvimento de Hipertrofia

da Amígdala Lingual, nomeadamente infeções crónicas, imunossupressão, Doença do

Refluxo Gastroesofágico, Doença Alérgica Crónica e até Hiperplasia Linfoide

Compensatória secundária a adenoidectomia e amigdalectomia.[7] No entanto, a

etiologia da HAL ainda não está completamente esclarecida. Como tal, muitos dos

trabalhos de investigação relativos a esta patologia têm procurado encontrar associações

e até estabelecer causalidade entre vários fatores de risco e a HAL.

Vários estudos têm determinado associação com diversos fatores,

nomeadamente idade, sexo masculino, tabagismo, obesidade, história de

amigdalectomia na infância, Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS),

evidência endoscópica de Refluxo Gastroesofágico, imunossupressão, certos fármacos

(como fenitoína) e ainda certas malformações craneoencefálicas (como as observadas na

Síndrome de Down).[8]

Analisaremos alguns dos trabalhos mais recentes, desde já com a ressalva de que

ainda não existe uma escala de gradação universal para Hipertrofia da amígdala lingual,

pelo que todos os estudos têm usado métodos heterogéneos para classificar a existência

e gravidade de HAL. Como tal, não existe consenso geral sobre a importância de certos

fatores de risco, sendo que a discrepância dos resultados poderá efetivamente estar

relacionada com as escalas de scoring usadas pelos diferentes autores. Enquanto não se

estipula essa escala universal, é importante que os estudos avaliem as Amígdalas

Linguais recorrendo a métodos de imagem de múltiplas vistas, de modo a determinar

com maior acurácia o nível de hipertrofia.

Idade, género, tabagismo

Hwang et al procuraram identificar os fatores associados ao desenvolvimento de

HLA na população geral, bem como numa população com Síndrome de Apneia-

hipopneia Obstrutiva do Sono. Numa população submetida a laringoscopia flexível por

diversos motivos (desde queixas relacionadas com o sono, patologia das cordas vocais,

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rinosinusite crónica, etc), foram avaliadas as dimensões das amígdalas linguais em

múltiplas posições, categorizadas numa escala de 0 a 4 e posteriormente correlacionadas

com múltiplas variáveis demográficas e dados do exame físico. Concluíram que o

género masculino e o consumo de tabaco estava relacionado com HAL e que a idade

estava inversamente relacionada.[9]

Harris et al levaram a cabo um estudo em que participaram 102 adultos

canadianos que necessitaram de ser submetidos a nasofaringoscopia flexível como

complemento do seu exame objetivo. Neste, procuraram relacionar a presença de

Hipertrofia da Amígdala Lingual (avaliada através de fotografias da base da língua e da

laringe capturadas durante o referido exame endoscópico) com alguns dados

demográficos colhidos através de questionário, incluindo idade, IMC, antecedentes

pessoais de SAOS, de alergias ambientais, antecedentes cirúrgicos de amigdalectomia

na infância, presença de sintomatologia relacionada com refluxo gastroesofágico (foram

considerados positivos valores superiores a 13 no reflux symptom Index (RSI)) e ainda

com avaliação endoscópica, que consistiu em avaliar a gravidade da Hipertrofia

Amigdalina e ainda a presença de achados de Refluxo Gastroesofágico (reflux finding

scale, positivo quando >7). Entre outras conclusões, verificaram que não existia uma

relação entre idade e tamanho da amígdala lingual nesta população de adultos.[10]

Síndrome de Down

Num estudo que recorreu a avaliação por Ressonância Magnética Nuclear

(RMN) para esclarecer as causas anatómicas de SAOS persistente pós-

adenoamigdalectomia em crianças com Síndrome de Down, a Hiperplasia Linfoide da

Amígdala Lingual representava uma causa comum (contribuindo para 30% dos casos),

depois da macroglossia (74%) e glossoptose (63%).[11]

Um outro estudo concluiu que em crianças com síndrome de Down e SAOS

persistente após adenoamigdalectomia e HAL, a amigdalectomia lingual melhorou

significativamente o Índice de Apneia-Hipopneia, Índice Apneia-Hipopneia Obstrutiva

(IAHo) e Saturação de O2, com uma taxa de sucesso (IAHo<5 eventos/hora) em 62% dos

casos.[12]

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História de amigdalectomia na infância

Muitos doentes que apresentam hipertrofia da amígdala lingual, têm

antecedentes cirúrgicos de amigdalectomia palatina e adenoidectomia prévias.

De facto, um estudo quantificou a prevalência de HAL num grupo de crianças

submetidas a amigdalectomia palatina (78%), que se revelou bastante superior quando

comparado ao grupo de controlo não submetida a cirurgia (22%).[13]

Alguns autores explicam esta relação sugerindo que a HAL se trata de uma

manifestação da abundância geral de tecido linfoide faríngeo, que levara à necessidade

de amigdalectomia em primeira instância. Outros têm proposto uma relação causal, em

que a remoção de tecido linfoide gera um mecanismo de hiperplasia compensatória, nas

crianças, não estando no entanto esclarecido se o mesmo efeito persiste ou também

ocorre na idade adulta.

No estudo anteriormente referido de Harris et al, dos 102 participantes, 28

pacientes tinham sido submetidos a amigdalectomia na infância, mas este fator não se

relacionou com aumento significativo do tecido da amígdala lingual.[10]

Num estudo post-mortem, foram examinados 497 corpos e descobriu-se que

apenas 16 (3,2%) tinham Hipertrofia da Amígdala Lingual. Desses, 6 (37,5%) tinham

evidência de ter sido submetidos a amigdalectomia, comparando com 119 (23,9%) da

amostra total. No entanto, não foi possível estabelecer qualquer relação estatisticamente

significativa entre o aumento da Amígdala Lingual e história de amigdalectomia.[14]

Refluxo Laringofaríngeo

A bibliografia disponível é bastante consistente ao estabelecer a relação entre

Refluxo Laringofaríngeo e Hipertrofia da Amígdala Lingual, inclusive alguns autores

consideram-na como um achado endoscópico de refluxo laringofaríngeo.[15]

O mecanismo pelo qual o Refluxo Laringofaríngeo provoca HLA ainda não está

totalmente esclarecido. No entanto, uma vez que o ácido gástrico e a pepsina danificam

a mucosa laríngea, também o tecido linfoide pode ficar inflamado e danificado pelas

mesmas substâncias.

O grupo de Sung estudou a relação entre HAL e Refluxo Laringofaríngeo numa

população previamente rastreada para SAOS, através de scores imagiológicos de HAL

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(recorrendo a endoscopia digestiva alta, radiografia e RMN) e do reflux findings score

system (RFS, baseado em critérios endoscópicos). O estudo mostrou que a espessura da

amígdala lingual estava significativamente associada com um RFS positivo (>7

pontos).[8]

DelGaudio et al demonstraram uma relação contínua entre o aumento da

severidade da hipertrofia e a maior gravidade do Refluxo Laringofaríngeo em provas de

monitorização de pH 24h.[16]

Após implementar o Reflux Severity Index (RSI), um questionário de 9 itens

sobre sintomas subjetivos de refluxo laringofaríngeo (rouquidão, fadiga vocal, tosse

crónica, disfagia, etc), em que um score>10 seria altamente preditivo de refluxo

laringofaríngeo, o grupo de Hwang demonstrou que esses mesmo scores estavam

significativamente correlacionado com o grau de Hipertrofia da AmígdalaLlingual. Os

autores sugerem que o mecanismo pelo qual o refluxo causa HAL esteja relacionado

com a exposição repetitiva às secreções ácidas do estômago. Não excluem, no entanto, a

hipótese de que a Hipertrofia da Amígdala lingual, além de efeito, possa ser também

uma causa de exacerbação de Refluxo Laringofaríngeo.[9]

No estudo levado a cabo por Harris et al, a captura de imagens através de

nasofaringoscopia flexível, permitiu verificar que um reflux finding scale positivo (>7

pontos) estava relacionado com HAL, mas um reflux symptom Index positivo (>13

pontos) não. Este dado, não entra necessariamente em conflito com os anteriores, uma

vez que é sabido que o estadio endoscópico da Doença do Refluxo Gastroesofágico não

se correlaciona com a gravidade dos sintomas.[10]

Mamede et al estudou uma população submetida a videolaringoscopia por

diversas causas, avaliando a incidência de sintomas e sinais de RGE e HAL. Os dados

obtidos permitiram concluir que há uma associação entre RGE e HAL uma vez que 1)

HAL estava presente em 29,3% dos pacientes sem sinais faringolaríngeos de RGE e em

62,4% daqueles em que os mesmos sinais estavam presentes; e 2) a incidência de HAL

aumentava com a extensão da localização dos sintomas de RGE, consoante se localizam

no esófago (ardor retroesternal, regurgitação e disfagia) ou na faringe e laringe (globus

faríngeo, tosse não produtiva, rouquidão).[17]

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Obesidade

Muitos autores afirmam que obesidade é fator de risco para Hipertrofia da

Amígdala Lingual. Juntamente com o tecido adiposo aumentado em torno da faringe e

pescoço, resulta numa redução da área transversal da via aérea, contribuindo para a

obstrução do fluxo na SAOS.

Num grupo de adolescentes obesos, Guimaraes verificou a presença de

amígdalas linguais mensuráveis por RMN em 62% dos indivíduos e a presença de

amígdalas linguais hipertrofiadas em 14%.[13] Ou seja, concluiu que, numa população de

crianças obesas, a frequência de amígdalas linguais mensuráveis é significativamente

maior comparando com os dados disponíveis da literatura, nomeadamente 0% em

crianças sem SAOS, 33% em crianças com Síndrome de Down e 50% em crianças com

Síndrome de Down e SAOS.[18]

Em relação a uma população adulta, no estudo suprarreferido realizado por

Hwang et al, não se obteve uma correlação estatisticamente significativa entre o Índice

de Massa Corporal (IMC) dos pacientes e o aumento das dimensões das amígdalas

linguais ao exame laringoscópico.[9] Isto contraria estudos anteriores, como o de Sung et

al, que estabeleceu o IMC estaria independentemente correlacionado com a hipertrofia

da amígdala lingual numa população com SAOS (através de avaliação estática por

imagens endoscópicas e RMN).[8] Ora, o grupo de Hwang não encontrou esta relação,

nem mesmo ao analisar exclusivamente dados dos pacientes com SAOS. Os autores

defendem que esta diferença de resultados pode ser atribuída ao método utilizado para

aceder à amígdala linguai, sendo que uma avaliação direta e dinâmica da via aérea,

através de laringoscopia flexível, com a língua em diferentes posições, permite

resultados mais precisos do que uma avaliação estática em duas dimensões. Para além

disso, justificam que o aumento do IMC poderá estar relacionado sim com aumento da

gordura lingual. Como tal, uma língua “gorda/obesa” só por si pode obstruir a vista da

valécula, o que não indica necessariamente que as amígdalas estejam aumentadas.

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APRESENTAÇÃO CLÍNICA

As características clínicas de alterações da Amígdala Lingual estão diretamente

relacionadas com a sua composição em tecido linfoide, com a sua posição anatómica e

relação com as estruturas adjacentes.

A via aérea da criança é composta por 3 regiões anatómicas principais: a

nasofaringe, orofaringe adjacente à região retropalatal e a hipofaringe. A via aérea do

adulto difere desta, por ter adicionalmente um segmento orofaríngeo retrolingual. Serve

a seguinte imagem (Figura 5) para elucidar as diferenças das relações entre estruturas

anatómicas da faringe na criança e no adulto. Torna-se evidente que o tecido linfoide do

anel de Waldeyer, mais desenvolvido na criança, ocupa um espaço proporcionalmente

muito maior numa via aérea que é mais estreita comparativamente à do adulto.[3]

Figura 5 Em cima, Corte sagital de RMN da cabeça de uma criança (A) e de um adulto (B). Em baixo, corte axial de

RMN da cabeça, ao nível retropalatal de uma criança (C) e de um adulto (D). NP – nasofaringe; OPRP – orofaringe

adjacente à região retropalatal; HP – Hipofrainge; OPRG – orofaringe adjacente à região retroglossal.

Arens, R. and and Marcus, C.L. (2004) Pathophysiology of Upper Airway Obstruction : A Developmental

Perspective. Sleep, 27, 997–1019. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15453561.

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Como tal, a Hipertrofia da Amígdala Lingual representa uma problemática muito

mais significativa na criança, sendo um importante causa de obstrução da via aérea pós-

-adenoamigdalectomia nesta faixa etária. [19]

Figura 6 Corte sagital de RMN de um paciente do sexo masculino, com 10 anos de idade, com diagnóstico de SAOS

persistente após adenoamigdalectomia. A imagem mostra uma massa de tecido mole que estreita a via aérea ao nível

da orofaringe. Após amigdalectomia lingual, obteve-se resolução completa dos sintomas.

Acar, G.Ö., Cansz, H., Duman, C., Öz, B. and Ciǧercioǧullar, E. (2011) Excessive reactive lymphoid hyperplasia in a

child with persistent obstructive sleep apnea despite previous tonsillectomy and adenoidectomy. Journal of

Craniofacial Surgery, 22, 1413–1415.

Já na idade adulta, esta patologia muitas vezes é assintomática, sendo por vezes

diagnosticada acidentalmente durante procedimentos que envolvam a via áreas,

nomeadamente durante a realização de endoscopia digestiva alta ou na intubação da via

aérea.

No entanto, quando a hiperplasia é exuberante, tem inúmeras implicações

clinicas. O aumento da Amígdala Lingual pode ocupar a valécula inteira e sobrepor-se à

ponta e bordos laterais da epiglote, bem como deslocar a epiglote posteriormente e

inferiormente, dificultando a visualização da glote.

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Figura 7 Hiperplasia da Amígdala Lingual

Acar, G.Ö., Cansz, H., Duman, C., Öz, B. and Ciǧercioǧullar, E. (2011) Excessive reactive lymphoid hyperplasia in a

child with persistent obstructive sleep apnea despite previous tonsillectomy and adenoidectomy. Journal of

Craniofacial Surgery, 22, 1413–1415.

Em particular, a dificuldade inesperada na intubação pode ser delicada e resultar

em complicações graves como paragem cardíaca, anoxia cerebral e morte.[20] Por ser

uma estrutura frágil, não encapsulada e friável, é importante um alto grau de suspeição

com reconhecimento precoce da patologia por parte do anestesista, de modo a evitar a

manipulação inadequada e deteorização da via aérea. Esta problemática pode ser

contornada através da intubação com laringoscópico de fibra ótica.[6]

No geral, os sintomas nem sempre são óbvios e podem incluir globus faríngeo,

sensação irritativa na garganta, necessidade constante de engolir ou de pigarrear, tosse

irritativa, alteração da voz, rouquidão, voz nasalada, respiração ruidosa.[7] Nesta

patologia, o globus faríngeo ocorre provavelmente quando os folículos tocam na parede

posterior da faringe. A sensação aumenta com o decúbito e ao engolir líquidos e pode

aliviar ao engolir sólidos, o que pode levar ao aumento da ingesta e consequente

aumento de peso. A voz nasalada e a respiração ruidosa podem ser explicadas pelo

estreitamento da coluna de ar, com desvio do mesmo para as vias nasais. A tosse seca e

o constante pigarrear resultam da presença e do atrito dos folículos na laringe. Mais

raramente, pode ocorrer dispneia, odinofagia e disfagia. Ainda que o quadro seja

sobreponível a outras patologias, como Doença do Refluxo Gastroesofágico e Globus

hystericus e nenhum destes sintomas seja específico, nem faça o diagnóstico de HAL,

estes devem alertar para a avaliação da mesma.

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Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono

Acredita-se que a Hipertrofia da Amígdala Lingual é também uma causa

incomum de Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono, podendo ser encontrada em

associação a colapso faríngeo noturno, especialmente em crianças com Síndrome de

Down. Nos adultos, existem casos descritos de SAOS causada pela HAL, mas é uma

entidade rara.

Perante a falta de dados comparando a incidência de HAL em populações com e

sem SAOS, Hwang et al rastrearam para SAOS um grupo de pacientes submetidos a

laringoscopia por diversos motivos e queixas clínicas. O rastreio começou pela

implementação de um questionário semelhante ao STOP-bang, sendo que os pacientes

com questionário positivo para sintomas de SAOS foram posteriormente submetidos a

polissonografia. Os pacientes com índice de apneia-hipopneia >5 foram diagnosticados

para SAHOS. O aumento da AL não foi significativamente preditivo da presença de

SAOS. Ou seja, o aumento das amígdalas per se não obstrui necessariamente a via

aérea, depende também da relação anatómica e dinâmica das várias estruturas da

faringe. A presença de SAOS não estava significativamente relacionada com LTH nos

adultos. No entanto, 18% dos pacientes com SAOS tinha efetivamente HAL de grau 3 e

4.[9]

Isto está de acordo com a hipótese levantada de que a Hipertrofia da Amígdala

Lingual pode ser uma de várias etiologias possíveis de Síndrome de Apneia Obstrutiva

do Sono, já conhecida como sendo uma patologia multifatorial.

Um trabalho de revisão de 2004, focou-se nos fatores de risco anatómicos e

neuromotores de obstrução da via aérea superior e o seu papel na fisiopatologia da

SAOS, não deixando no entanto de referir a importância da suscetibilidade genética e

dos fatores ambientais como o tabagismo. Entre os fatores anatómicos dá destaque aos

distúrbios neurológicos que condicionam hipotonia, anomalias craniofaciais (como as

observadas na Síndrome de Down) e dimensão alterada dos tecidos moles da via aérea

superior (nomeadamente das amígdalas linguais, musculatura e almofadas de gordura).

Assim, as dimensões destas estruturas, que são determinadas por fatores genéticos,

podem ser afetadas por inflamação, infeção e infiltração de vários componentes

metabólicos.[3]

Como já foi referido, o tecido linfoide do anel de Waldeyer aumenta

progressivamente durante a infância, atingindo dimensões máximas nos anos pré-

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19

-pubertários, coincidindo com o pico de incidência de SAOS na infância. Baseando-se

em inúmeros artigos, os autores referem que, na maior parte dos casos amígdalas

palatinas e linguais aumentadas podem explicar a sintomatologia de SAOS em crianças,

sendo que a remoção cirúrgica das mesma melhora a sintomatologia, podendo até

mesmo curá-la. Apesar disto, alertam para o facto de cerca de 10% dos casos não

responder ao tratamento cirúrgico da hipertrofia do tecido linfoide e de a relação entre a

dimensão destes tecidos (avaliada imagiologicamente) e a gravidade da SAOS ser fraca,

implicando outros fatores na fisiopatologia da SAOS na infância.

Por outro lado, na idade adulta, foi comprovado que as estruturas dos tecidos

moles da via aérea superior estão aumentadas em pacientes com SAOS, mas parece

pouco provável que uma única estrutura fosse capaz de individualmente provocar

obstrução da via aérea. Prossupõe-se sim, que todas as estruturas mencionadas interajam

de forma a estreitar o lúmen da via aérea superior, o que predispõe à sua oclusão

durante o sono. Entre os fatores que podem explicar o aumento da dimensão dos tecidos

moles encontram-se a obesidade, edema e inflamação, distúrbios musculares primários,

fatores genéticos e fatores relacionados com o sexo.

Figura 8 Corte sagital obtido por RMN da cabeça de uma criança (A) e de um adulto (B) com SAOS. Na criança, as

estruturas do Anel de Waldeyer têm maior importância na etiologia da obstrução da via aérea ao nível da

nasofaringe e orofaringe superior, enquanto que no adulto o estreitamente ocorre mais comumente ao nível da

região retroglossal.

Arens, R. and and Marcus, C.L. (2004) Pathophysiology of Upper Airway Obstruction : A Developmental

Perspective. Sleep, 27, 997–1019. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15453561.

Assim, ainda que outros fatores contribuam para a SAOS no adulto, a amígdala

lingual deve efetivamente ser avaliada porque pode constituir causa de obstrução da via

aérea superior numa parte considerável dos pacientes.

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20

Relação entre Obesidade, Refluxo laringofaríngeo, hipertrofia da amígdala lingual e

Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono

Parece existir uma complexa relação entre obesidade, Refluxo laringofaríngeo,

Hipertrofia da amígdala lingual e Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono, em que o

refluxo laringofaríngeo surge como um potencial contribuidor para HAL e

consequentemente para SAOS. A obesidade, por sua vez, agrava cada etapa desta

sequência.

A exposição repetitiva da mucosa da laringe ao refluxo ácido provoca

inflamação e edema do tecido, que pode resultar num estreitamento da via aérea retro-

-lingual, aumentando a probabilidade de obstrução e eventos apneicos.

Por outro lado, é sabido que a Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono cria

pressões negativas intratorácicas que podem exacerbar o Refluxo Gastroesofágico.

Friedman et al, recorrendo a medições por Tomografia Computorizada (TC),

descobriram que pacientes com Refluxo Laringofaringeo e/ou SAOS tinham amígdalas

linguais maiores do que aqueles sem nenhuma das patologias, sendo que não se

verificou espessura do tecido da amígdala lingual maior que 2,7mm em pacientes sem

nenhuma das patologias. No entanto, não encontraram diferenças significantes entre o

tamanho da Amígdala Lingual em pacientes apenas com refluxo ou apenas com

SAOS.[21]

Num outro estudo, Friedman demonstrou uma redução média do Índice Apneia-

-Hipopneia de 39 para 29 em pacientes com estudo do pH negativo após terapia com

Inibidores da Bomba de Protões (IBP).[22]

Apesar de apoiarem esta teoria, estes estudos não a confirmam, sendo necessária

pesquisa adicional.

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21

DIAGNÓSTICO

Detetar Hipertrofia da Amígdala Lingual durante o exame standart da orofaringe

é muito raro. O diagnóstico desta patologia requer visualização da base da língua e

hipofaringe com laringoscopia indireta ou laringoscópio de fibra ótica. Para além do

exame endoscópico, a amígdala lingual pode ser avaliada recorrendo a Ressonância

Magnética Nuclear, Tomografia Computorizada ou através de uma simples Radiografia

do crânio ou lateral do pescoço.

O grupo de Sánchez-Morillo defende que a Laringoscopia indireta é o melhor

método para detetar hipertrofia da amígdala lingual.[4]

Friedman et al consideram que as imagens de TC da base da língua fornecem

informações suficientes para uma medição precisa da espessura da amígdala lingual.[21]

Sung et al no seu estudo obtiveram resultados concordantes utilizando gradação

endoscopia ou gradação através de radiografia lateral do crânio, bem como com a

utilização de gradação por RMN. Uma vez que a RMN é um método de imagem caro,

na prática clinica parece sensato utilizar a endoscopia como método diagnóstico, porque

oferece informação suficiente.[8]

Ainda que não exista uma classificação globalmente aceite que distinga uma

situação normal de uma amígdala lingual hipertrofiada, nem esteja definido qual o

melhor método para aceder ao diagnóstico, é importante que a amígdala lingual sejam

avaliada em múltiplas vistas, de modo a determinar com maior precisão o nível de

hipertrofia e o seu impacto clinico.

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DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

O diagnóstico diferencial de massas na base da língua incluem crescimentos

benignos e malignos de qualquer elemento presente na base da língua. Devem ser

consideradas anomalias congénitas, nomeadamente quisto dermoide, quisto do ducto

tiroglosso e tecido tiroideu ectópico. Outras alterações incluem varicosite, linfoangioma,

angiomas, adenomas, fibromas e papilomas.[7]

A avaliação histopatológica é particularmente necessária para diferenciar a HAL

de tumores malignos (como Linfoma, Carcinoma de Células Escamosas, Tumor das

glândulas salivares minor na base da língua), de doenças granulomatosas (como

Tuberculose) e distúrbios inflamatórios. Se o exame histopatológico do tecido linfoide

revelar Hiperplasia Folicular Reativa, o paciente deve manter seguimentos durante

alguns anos, uma vez que a Doença de Hodgkin pode surgir secundariamente a esta.[19]

Existe literatura sobre Linfoma não-Hodgkin, Linfoma Burkitt’s e Linfoma MALT

envolvendo a Amígdala Lingual.[23]

Amigdalite lingual aguda é caracterizada por dor aguda ao nível do hioide, mais

marcada durante a deglutição, acompanhada por febre e aumento dos parâmetros

inflamatórios. A amígdala encontra-se hiperemiada, edemaciada e com presença de

exsudado. A patologia responde a analgesia e antibioterapia.

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23

TRATAMENTO

Ainda não foi profundamente estudada a eficácia do tratamento farmacológico

dos fatores precipitantes na resolução dos sintomas da hipertrofia da amígdala lingual.

Atualmente, o tratamento cirúrgico da Hipertrofia da Amígdala Lingual é método

recomendado nos casos em que há algum grau de comprometimento obstrutivo da via

aérea, nomeadamente na SAOS.

Na criança, depois de identificada a Hipertrofia da Amígdala Lingual como

causa principal para a SAOS, a amigdalectomia lingual está indicada e a sua eficácia já

foi provada.

Numa metanálise recente, este procedimento resultou numa redução do Índice

Apneia-Hipopneia (IAH) de 8,9 eventos por hora e um aumento da saturação de

oxigénio mínima de 6,0%. No geral, as taxas de sucesso identificadas neste estudo

foram de 17% para IAH pós-operatórios inferiores a 1 e 51% para IAH pós-operatórios

inferiores a 5, pelo que, de uma perspetiva clínica, se confirmou ser um procedimento

benéfico. No entanto, a resolução completa da SAOS não é alcançada na maioria dos

casos de amigdalectomia lingual. As taxas de cura eram significativamente menores em

crianças obesas submetidas a amigdalectomia lingual, comparativamente a crianças com

peso considerado normal. As crianças obesas tinham IAH pré-operatórios mais

elevados, o que por si é um fator preditor independente de pior taxa de sucesso. Ainda

que a taxa de complicações seja baixa, estas podem ser graves e devem ser abordadas

cuidadosamente. Hemorragia intraoperatória e pós-operatória requer observação

apertada, com possibilidade de nova cirurgia para controlo da mesma. Complicações

respiratórias, como obstrução da via aérea provocada por edema da base da língua,

podem exigir oxigenoterapia, uso de corticoides ou até intubação. Neste estudo, 1% dos

pacientes apresentaram hemorragia pós-operatória e 5% complicações respiratórias. [24]

A Metanalise de Rivero et al, corrobora os efeitos benéficos da amigdalectomia

lingual na criança, com taxas de sucesso (definidas como IAH<5) de 52%, mas admite

que a taxa de cura completa bem mais baixa, inferior a 24%.[25]

Como já foi discutido neste trabalho, a patogénese da SAOS no adulto muitas

vezes é mais complexa, envolvendo obstrução a múltiplos níveis. De facto, a HAL

contribui para obstrução ao nível da base da língua, mas a real frequência dessa

patologia no grupo de pacientes com SAOS ainda não foi clarificada. Como tal, a

remoção cirúrgica da Amígdala Lingual nem sempre está indicada para o tratamento da

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SAOS no adulto. A decisão da necessidade de cirurgia deve ser sempre avaliada numa

base individual.

Historicamente, a amigdalectomia lingual tem sido um desafio devido ao difícil

acesso, edema da via aérea e hemorragia durante a remoção do tecido. Não existe

nenhuma técnica standart de amigdalectomia lingual que tenha provado oferecer

melhores outcomes cirúrgicos com o mínimo de complicações pós-operatórias. Como

tal, existem muitas disparidades na escolha das técnicas cirúrgicas, dependendo da

condição do doente e da experiência do cirurgião.

A cirurgia com laser de CO2 é atualmente a técnica universalmente mais usada,

sendo um procedimento cirúrgico seguro e eficaz no tratamento da HAL, apresentando

menor tempo de recuperação, menor percentagem de dor e hemorragia pós-operatória e

melhores resultados a longo prazo que as técnicas de excisão anteriormente usadas.[26]

Mais recentemente, a amigdalectomia lingual por eletroexcisão monopolar e por

co-ablação endoscopicamente assistida foram descritas como método efetivos para

tratar a HAL associada a SAOS.[27] A necessidade de melhorar ainda mais visualização,

levou ao desenvolvimento da abordagem robótica transoral, como forma de melhorar o

acesso e diminuir a incerteza intraoperatória. Esta técnica pode vir a ser mais relevante

num futuro em que a cirurgia videolaparoscópica roboassistida esteja disseminada,

sendo atualmente o custo da aquisição do aparelho pode ser proibitivo para a maioria

dos centros.[28]

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25

NOTAS FINAIS

Apesar de se tratar de uma patologia rara na população geral, a Hipertrofia da

Amígdala Lingual assume especial relevância em certas populações de risco,

nomeadamente entre as crianças pós-adenoamigdalectomia e com Síndrome de Down.

Nestes grupos, é uma importante causa de obstrução da via aérea, para a qual os clínicos

devem estar atentos, uma vez que é cirurgicamente reversível.

Espero, com este trabalho, ter exposto que forma esclarecedora uma patologia

com consequências importantes para a saúde, em que apenas um elevado grau de

suspeição permite o diagnóstico e respetivo tratamento.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Prof. Dr. Óscar Dias e ao Dr. Marco Simão por todo o apoio e

disponibilidade que me concederam, sem os quais este trabalho não seria possível.

Aos amigos que esta casa me ofereceu, que me acompanharam neste percurso e

o tornaram tão mais fácil.

Em especial, não posso deixar de agradecer à minha família pelo seu incentivo,

amizade, paciência e ajuda na superação dos obstáculos que foram surgindo.

A todos dedico o meu trabalho.

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