HERBERT READ - A EDUCAÇÃO PELA ARTE

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A EDUCAÇÃO PELA ARTE [...] 1) O homem deveria ser educado para se tornar o que é; 2) ele deveria ser educado para se tornar o que não é. (READ, 2001 p 2). [...] Em um determinado ponto do processo evolutivo, o homem adquiriu autoconsciência, e de suas relações com outros seres humanos autoconscientes nasceram essas faculdades intuitivas às quais damos o nome de “consciência moral”. Essa consciência moral foi responsável pelo o desenvolvimento do das qualidades espirituais mais sutis do homem que forjaram a civilização, e nosso objetivo como educadores não é eliminar essas qualidades, mas incentivar o seu desenvolvimento. (READ, 2001 p 3). A hipótese de que o homem é natural e inevitavelmente mau é mais antiga que a hipótese da criação evolutiva, e não pode ser logicamente incluída na visão evolutiva. Ela sugere que, em um determinado ponto da História, houve uma catástrofe irracional – uma interrupção no processo evolutivo. O homem perdeu a sua inocência animal e tornou- se “um horror diante de Deus e de si mesmo, bem como uma criatura mal adaptada ao universo”. Ele só poderá atingir um estado de bondade ou beatitude se servir a Deus de maneira prescrita e, mesmo assim, apenas por meio da

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A EDUCAÇÃO PELA ARTE

[...] 1) O homem deveria ser educado para se tornar o que é; 2) ele deveria ser educado

para se tornar o que não é. (READ, 2001 p 2).

[...] Em um determinado ponto do processo evolutivo, o homem adquiriu

autoconsciência, e de suas relações com outros seres humanos autoconscientes

nasceram essas faculdades intuitivas às quais damos o nome de “consciência moral”.

Essa consciência moral foi responsável pelo o desenvolvimento do das qualidades

espirituais mais sutis do homem que forjaram a civilização, e nosso objetivo como

educadores não é eliminar essas qualidades, mas incentivar o seu desenvolvimento.

(READ, 2001 p 3).

A hipótese de que o homem é natural e inevitavelmente mau é mais antiga que a

hipótese da criação evolutiva, e não pode ser logicamente incluída na visão evolutiva.

Ela sugere que, em um determinado ponto da História, houve uma catástrofe irracional

– uma interrupção no processo evolutivo. O homem perdeu a sua inocência animal e

tornou-se “um horror diante de Deus e de si mesmo, bem como uma criatura mal

adaptada ao universo”. Ele só poderá atingir um estado de bondade ou beatitude se

servir a Deus de maneira prescrita e, mesmo assim, apenas por meio da intervenção da

graça divina. Essa doutrina cristã da Queda, e, embora não deva ser avaliada em

separado do restante do dogma cristão, ela determinou, inevitavelmente, a prática da

educação durante a era cristã. Também levou a concepção da educação como

disciplina moral, e, enquanto os cristãos contribuíam para o desenvolvimento da

concepção contrária da liberdade na educação, começaram a ignorar a doutrina do

pecado original em favor da visão mais otimista oferecida pela doutrina complementar

do livre-arbítrio. (READ, 2001 p 4).

[...] O objetivo da educação, portanto, só pode ser o de desenvolver, juntamente com a

singularidade, a consciência social ou reciprocidade do individuo. Como resultado das

infinitas permutações da hereditariedade, o indivíduo será inevitavelmente o único, e

essa singularidade, por ser algo que ninguém mais possui, será de valor para

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comunidade. Ela pode ser uma maneira única de ver, pensar, inventar, expressar a

mente ou a emoção – e, neste caso, a individualidade de um homem pode constituir

um incalculável benefício para toda a humanidade. Mas a singularidade não tem

nenhum prático quando isolada. Uma das mais acertadas lições da moderna psicologia

e das recentes experiências históricas é que a educação deve ser um processo não

apenas da individualização, mas também de integração, que é a reconciliação entre a

singularidade individual e a unidade social. (READ, 2001 p 6).

[...] Será minha intenção mostrar que a função mais importante da educação diz

respeito a essa “orientação” psicológica, e que, por esse motivo, a educação da

sensibilidade estética é de fundamental importância. É uma forma de educação da qual

apenas traços rudimentares são encontrados nos sistemas educacionais do passado, e

que só aparece de maneira acidental e arbitrária na prática educativa de hoje. Deve

ficar claro, desde o principio, que o que eu tenho em mente não é apenas “educação

artística” enquanto tal, o que seria mais adequadamente chamado de educação visual

ou plástica: a teoria a ser apresentada compreende a todos os modos de auto expressão,

literária e poética (verbal), bem como musical ou auricular, e constitui uma abordagem

integral da realidade que deveria ser chamada de educação estética – a educação dos

sentidos nos quais a consciência e, em ultima estância, a integração e o julgamento do

individuo humano estão baseados. É só quando esses sentidos são levados a uma

relação harmoniosa e habitual com o mundo externo que se constitui uma

personalidade integrada. (READ, 2001 p 8).

Esse ajustamento dos sentidos ao seu meio ambiente objetivo talvez seja a função mais

importante da educação estética, mas existe outro aspecto que teremos que considerar,

um aspecto capaz de modificar profundamente nossas conclusões. O meio ambiente do

individuo não é completamente objetivo: sua experiência não é apenas empírica.

Dentro do individuo existem dois “pátios internos” ou estados existenciais que podem

ser exteriorizados com ajuda das faculdades estéticas.

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Mais profundos, porém, e significativos que esses estados proprioceptivos são os

níveis da personalidade mental subconscientes. Características mais ou menos

destacadas desse nível entram no primeiro plano de nossa consciência em forma de

imagens. Essas imagens surgem de maneira aparentemente casual durante os estados

de sonolência, a hipnose ou sonhos normais, e as imagens mentais assim surgidas

constituem uma forma de expressão, uma linguagem, que pode ser “educada”. Trata-se

de um dos elementos fundamentais de todas as formas de atividade artística. Teremos

que considerar até que ponto essa atividade imaginativa, enquanto tal, pode ser

incentivada por nossos métodos educativos. (READ, 2001 p 9).

[...] não faço nenhuma distinção entre ciência e arte, exceto quanto aos métodos, e

acredito que a oposição criada entre elas no passado deveu-se a uma visão limitada de

suas atividades. A arte é representação, a ciência é explicação – da mesma realidade.

(READ, 2001 p 12).

[...] Portanto, o objetivo da educação é a formação de artistas – pessoas eficientes nos

vários modos de expressão. (READ, 2001 p 12).

[...] A arte é uma dessas coisas que, como o ar ou o solo, estão por toda a nossa volta,

mas que raramente nos detemos para considerar. Pois a arte não é apenas algo que

encontramos nos museus e nas galerias de arte, ou em antigas cidades como Florença e

Roma. A arte seja lá como definimos, está presente em tudo que fazemos para

satisfazer nossos sentidos. (READ, 2001 p 16).

[...] Existem todos os tipos e graus de artista, mas sempre se trata de pessoas dão forma

a algo. (READ, 2001 p 17).

[...] a forma só pode ser percebida enquanto cor: você não consegue separar o que vê

como forma do que vê como cor, pois a cor é simplesmente a reação da forma de um

objeto aos raios da luz por meio dos quais nós os percebemos. A cor é o aspecto

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superficial da forma. Entretanto a cor tem um papel muito importante a desempenhar

na arte, pois tem um efeito muito direto em nossos sentidos. (READ, 2001 p 24).

[...] descobrimos dois elementos presentes em toda a obra de arte plástica: a forma, que

atrelamos à operação das leis universais da natureza, e a cor, que é a propriedade

superficial de todas as formas concretas, servindo para enfatizar a natureza física e a

textura dessas formas. [...] A composição é a soma total dessas propriedades

secundárias inclusive a cor, e o objetivo da composição é organizar todos os elementos

físicos que transformam a obra de arte em um padrão coerente, que agradam aos

sentidos. Se a obra de arte envolver uma ilusão de espaço, então todas essas

propriedades deverão contribuir para a ilusão. (READ, 2001 p 26).

[...] Pois a obra de arte, ainda que concreta e objetiva, não é constante nem inevitável

em seus efeitos: ela exige a cooperação do espectador, e a energia que o espectador

“coloca” na obra de arte recebeu o nome especial de “empatia”. (READ, 2001 p 26).

[…] Por “empatia” referimo-nos a um modo de percepção estética em que o

espectador descobre elementos do sentimento na obra de arte e identifica seus próprios

sentimentos com esses elementos – isto é, descobre espiritualidade, aspiração, etc. nos

pontudos arcos e torres de uma catedral gótica, podendo então contemplar essas

qualidades em uma forma objetiva ou concreta: não mais como sentimentos

subjetivamente vagamente apreendidos, mas como massas e cores definidas. Mas

obviamente essas percepções “enfáticas” variam de individuo para individuo, segundo

suas emoções emotivas ou psicológicas, ou seja, a apreciação da arte, não menos que a

sua criação, é colorida por todas as variações do temperamento humano. (READ,

2001 p 27).

[…] também é possível reconhecer quatro modos distintos de atividades estéticas

expressos nas obras de arte. Este resultado também pode ser alcançado por uma

classificação empírica dos estilos históricos da arte, e a assistemática fraseologia da

história da arte realmente inclui quatro estilos ou tipos distintos. Existe o estilo

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conhecido como realismo ou naturalismo, que consiste em fazer uma imitação da tão

exata quanto possível dos fatos objetivos presentes no ato da percepção; existe o estilo

conhecido como idealismo, romantismo, super-realismo, arte fantástica ou

imaginativa, que ao fazer uso de imagens de origem visual, constrói, a partir delas uma

realidade independente. Temos ainda o estilo que chamamos de impressionista, e é

determinado pelo o desejo do artista de encontrar uma correspondência plástica para as

suas sensações imediatas, suas reações de temperamento a uma percepção de da

experiência. Por fim, existe o estilo que se esforça para evitar todos os elementos

pessoais e pede uma resposta estética às relações puramente formais de espaço, massa,

cor som, etc. este estilo é por vezes chamado de abstrato, mas “construtivo”,

“absoluto” ou “intuitivo” seriam termos exatos para designá-lo. (READ, 2001 p 29).

(READ, 2001 p 26).

[...] Portanto, o que estou afirmando é suficientemente simples e sempre deveria ser

admitido; ou seja, que não existe um tipo de arte a que todos os tipos de homem

deveriam se ajustar, mas tantos tipos de arte a quanto são os tipos de homem; e que as

categorias em que dividimos a arte deveriam corresponder naturalmente às categorias

em que dividimos os homens. [...] Mas, de um ponto de vista científico, cada tipo de

arte é a expressão legitima de um tipo de personalidade mental. Assim, de um ponto de

vista científico, realismo e idealismo, expressionismo e construtivismo são todos

fenômenos naturais, e as escolas antagônicas em que os homens se dividem são meros

produtos da ignorância e do preconceito. Um verdadeiro ecletismo pode, e deveria,

desfrutar todas as manifestações do impulso criativo do homem. (READ, 2001 p 30).

[…] Os sentimentos que se ligam a uma prontidão à resposta – seja numa única

percepção ou numa série de percepções, talvez interrompida por pausas de sono e

distração – são estéticos. São os sentimentos estéticos que marcam o ritmo da vida,

mantendo-nos em nosso curso por meio de um tipo de peso e equilíbrio... Uma

disposição para sentir a totalidade de um fato vivenciado como sendo correta e

adequada constitui o que chamamos de fator estético da percepção. (READ, 2001 p

40).

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[…] Alguns psicólogos vêem o objeto percebido como o tipo mais perfeito de imagem

visual, mais é mais comum considerar a imagem como algo divorciado do ato da

percepção. (READ, 2001 p 40).

[…] As imagens perceptivas (ou eidéticas) são fenômenos que ocupam uma posição

intermediária entre as sensações e as imagens. Como as imagens psicológicas comuns,

elas sempre são vistas no sentido literal. Apresentam esta propriedade de necessidade e

sob todas as condições, e a compartilham com as sensações. Em outros sentidos,

também podem exibir as propriedades das imagens (Vorstellungen). Nos casos em que

a imaginação tem pouca influência, são apenas pós-imagens modificadas, desviando-

se da norma de maneira definida, e, quando essa influência é quase ou completamente

zero, podemos vê-las como pós-imagens ligeiramente intensificadas. (READ, 2001 pp

43/44).

[…] Hogarth relata que, desde tenra idade, ficava insatisfeito com a prática da “cópia”

ou “transcrição”. “Desenhar em uma academia”, ainda que seja a partir de um modelo

vivo, não fará de um estudante um artista; pois como olho é muitas vezes afastado do

original para desenhar um pouco de cada vez, é possível que seu conhecimento do que

esteve copiando, quando a obra estiver terminada, não seja maior do que era antes de

iniciá-la... (READ, 2001 p 45).

[...] “O valor que se atribui ao trabalho pedagógico”, “a ênfase que lhe é dada e as

esperanças que estão centradas nele sempre são medidos pelo grau de plasticidade ou

educabilidade que se acredita possuir a organização psíquica. Sempre se supôs

corretamente que os eventos psíquicos mais elevados podem ser influenciados com

facilidade, mas com relação aos mais elementares isso só ocorre com dificuldade. Mas

se supunha que essa natureza ‘plástica’ do psíquico só se iniciava acima da esfera

percentual, o que sempre foi visto como algo absolutamente rígido e meramente

determinado maneira psicológica. Os novos resultados referentes à estrutura da

percepção mostram quanto à natureza é ‘plástica’, muito mais do que os otimistas

admitiam. Eles mostraram que até mesmo a esfera perceptiva é plástica, embora

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sempre tenha sido vista como a parte mais rígida e a menos plástica do inventário da

mente – o que, efetivamente, é tudo isto não é apenas uma teoria, mas fato

comprovado por experiências. (READ, 2001 p 52).

[...] A conclusão do professor Bartlett não é muito diferente: “Ficará claro... que

acredito que, com toda a certeza, a imagem é, em geral, relevante para o processo do

pensamento”. Na verdade eu iria mais longe, dizendo que, na medida em que a forma

do pensamento deve receber o material genuíno com o qual possa trabalhar, mais e

mais imagens devem ser utilizadas em nosso processo de pensar. (READ, 2001 p 55)

Além desse pensamento puramente abstrato, em geral se admite que a faculdade de

visualisar pode ter uma função ancilar no processo de pensar – as imagens são “ajudas

visuais” do pensamento. “Não pode haver... dúvida quanto á utilidade da faculdade de

visualizar, quando está devidamente subordinada ás operações intelectuais mais

elevadas. Uma imagem visual é a forma mais perfeita de representação mental onde

quer que se faça referência à forma, posição e relações dos objetos no espaço. Ela é

importante em toda habilidade manual e profissão em que o desenho se faz necessário.

Nossa educação teórica e palavrosa tende a reprimir essa preciosa dádiva da natureza.

Uma faculdade que é de importância em todas as ocupações técnicas e artísticas, que

dá acuidade às nossas percepções e justeza às nossas generalizações, é subjugada pelo

desuso preguiçoso, em vez de ser criteriosamente cultivada, de tal forma que possa nos

oferecer o melhor dos retornos”. (READ, 2001 p 56).

O quarto tipo de desenvolvimento também é de óbvio interesse pedagógico: Koffka

chama-o de: “comportamento ideacional”, e é simplesmente a habilidade de controlar

as nossas ações, não em relação ao mundo fenomenológico realmente percebido pelos

nossos sentidos, mas em relação aos ideais que formamos quando ao mundo. Este tipo

inclui efetivamente todo o campo intelectual, ético e de comportamento finalista, e a

educação tem tido como seu principal objetivo ensinar a criança a se disciplinar desse

modo finalista. (READ, 2001 p 60)

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[...] Os grandes sistemas filosóficos, em que o conceito de vida subjaz a cultura

predominante è sempre refletido da maneira mais fiel, em grande parte vêem numa

determinada forma de lógica e disciplina diretiva. (READ, 2001 p 61).

“A investigação da estrutura da personalidade da criança na fase eidética do

pensamento mostrou... que o paralelo mais próximo com a estrutura da personalidade

da criança não é a estrutura mental do lógico, mas a do artista. (READ, 2001 p 62).

[...] mas, se examinarmos as autobiografias de cientistas bem-sucedidos, veremos que

o pensamento produtivo deve ter uma estreita relação com a produção artística...

(READ, 2001 p 63).

[...] O objetivo de uma reforma do sistema educacional não é produzir mais obras de

arte, mas pessoas e sociedades melhores. (READ, 2001 p 63).

[…] Se a criança aprende a organizar sua experiência por meio dos sentimentos

estéticos, então, obviamente, a educação deveria ser direcionada para o fortalecimento

e desenvolvimento desses sentimentos. Mas existe uma enorme diferença entre

reconhecer esse fato e pô-lo em prática. (READ, 2001 p 66).

[…] Mas o que Platão propôs, embora muito simples e explícito, foi algo muito mais

fundamental. Ele afirmou, como os modernos psicólogos, que toda a graça do

movimento e da harmonia da vida – a própria disposição moral da alma - são

determinadas pelo o sentimento estético: pelo reconhecimento do rimo e da harmonia.

As mesmas qualidades, afirmou ele, “entram em grande parte na pintura e todas as

outras artes, na tecelagem e no bordado, na arquitetura e em toda manufatura de

utensílio em geral; e ainda na constituição de todos os corpos e plantas existentes; pois

em todas essas coisas a graça e ausência de graça encontram lugar. E a ausência de

graça, do ritmo e da harmonia está intimamente ligada a mau estilo e um mau caráter:

enquanto a sua presença está aliada, ao mesmo tempo em que o expressa, ao caráter

oposto, que é bravo e sóbrio”. (READ, 2001 p 67).

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“[…] A vida, com efeito, é um ritmo, que é uma sucessão continua de unidades

múltiplas, formando um todo indivisível. A individualidade também pode ser vista

como um ritmo, pois a combinação de suas faculdades, muitas delas conflitantes,

constitui uma entidade. Mas toda vida e toda obra de arte que está conforme apenas

com as indiossincracias do individuo é arrítmica, pois o ritmo da arte e da vida exige

uma fusão de todos os traços do caráter e do temperamento”. (READ, 2001 p 71).

[...] o objetivo da educação, como o da arte, deve ser a preservação do todo orgânico

do homem e de suas faculdades mentais, de modo que, à medida que ele passa da

infância para a condição de adulto, da selvageria para a civilização, retenha não

obstante, a unidade de consciência de que é a única fonte de harmonia e social e

felicidade individual. (READ, 2001 p 74).

O objetivo da educação lógica pode ser descrito como a criação, no

individuo, de uma capacidade de integrar a experiência dentro de uma concepção

lógica do universo, uma concepção que inclui os conceitos dogmáticos do caráter e da

moralidade.

O objetivo da educação imaginativa foi adequadamente descrito por Platão:

dar ao individuo uma correta consciência sensorial da harmonia e do ritmo que entram

na constituição de todos os corpos e plantas existentes, consciência essa que é a base

formal de todas as obras de arte, a fim de que a criança, em sua vida e em suas

atividades, compartilhe da mesma graça e beleza orgânicas. Por meio dessa educação,

tornamos a criança consciente daquele “instinto de relação” que, antes mesmo do

advento da razão, capacitará à criança a distinguir o belo do feio, o bem do mal, o

padrão correto de comportamento do padrão errôneo, a pessoa nobre da ignóbil.

(READ, 2001 p 75).

Portanto, já deverá estar claro para o leitor que meu pleito com relação à obra de arte

no sistema educacional é de extrema importância. Na verdade, esse pleito não é mais

que isto: a arte, amplamente concebida, deveria ser a base fundamental da educação.

Pois nenhuma outra disciplina é capa de dar a criança não apenas uma consciência de

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que a imagem e o conceito, a sensação e o pensamento são correlatos e unificados,

mas também, ao mesmo tempo, um conhecimento instintivo das leis do universo, e um

padrão de comportamento em harmonia com a natureza. (READ, 2001 p 76).

As imagens da memória… são ‘bem estruturadas’ ou representações integradoras de

uma experiência anterior em que os traços notáveis ganham proeminência e o detalhe

irrelevante torna-se obscuro ou não representado. Combinados com imagem visual

estão os impulsos motores e as tendências afetivas que dão a imagem o seu significado

como agente da produção de uma resposta adaptativa. Se a imagem da memória não

passasse de cópias de impressões, nossa vida mental seria um caos inextrincável de

registros fotograficamente precisos. Essa condição não facilitaria a organização, a

fusão, o resumo e a troca que capacitam o individuo a variar suas reações; uma

imagem por demais ligada a uma situação prévia especifica tenderia inevitavelmente a

estereotipar seus modos de resposta. (READ, 2001 p 77).

Já ficou claro, a partir de nossa definição de arte e de nosso exame da função de

imagens, que o processo da educação é imperfeito e tirânico quando baseado num

simples conceito do “homem” ou da “natureza humana”. A natureza humana é

infinitamente variada, e nosso primeiro cuidado deve ser o de não quebrar os ramos

que se inclinarem numa direção desejada. Ou seja, a educação deve basear-se em uma

compreensão das diferenças de temperamento, o que agora desejamos deixar claro é

que os modos de expressão plástica da criança constituem a melhor maneira de

atingirmos seu temperamento próprio. (READ, 2001 p 81).

As pessoas que conservam a disposição eidética depois da infância tenderão a ser

“integradas”, em vez de “desintegradas”, e essa classe incluirá todos os tipos

mentalmente criativos, seja artistas ou cientistas. A “intuição”, que é tão característica

do tipo integrado, pode perfeitamente operar nas matemáticas e nas ciências exatas; na

verdade, isso deve ser verdadeiro se procura atingir o trabalho produtivo. Mas o tipo

integrado tem uma relação mais íntima com a arte, de modo que a diferença entre

indivíduos artísticos e não-artísticos também recai no grupo fundamental – e muito

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mais amplo – dos tipos integrado e desintegrado. Também a arte é uma tentativa de

reverter da desintegração induzida pela civilização para os modos de orgânicos de

ser. (READ, 2001 p 91).

[…] O primeiro objetivo do professor de arte seria produzir o mais elevado grau de

correlação entre o temperamento da e seus modos de expressão. (READ, 2001 pp.

114/115).

[…] O objetivo da educação estética das crianças nunca pode, portanto, ser a produção

de um tipo de arte que se conforma com um padrão canônico ou estético “superior”,

embora a existência desse padrão seja admitida. Esse objetivo seria apenas forçar um

desenvolvimento intelectual no próprio sujeito destinado a corrigir o preconceito

intelectual. O que nossas investigações da questão dos tipos demonstraram é que o

objetivo da arte da arte na educação, que deveria ser idêntico ao propósito da própria

educação, é desenvolver na criança um modo integrado de experiência, com sua

correspondente disposição física “sintônica”, em que o pensamento sempre tem seu

correlato na visualização concreta – em que a percepção e o sentimento se

movimentam num ritmo orgânico, numa sístole e diástole, em direção a uma apreensão

mais completa e mais livre da realidade. (READ, 2001 p 116).

[...] a arte e o intelecto são duas asas da mesma criatura viva, que, juntas, asseguram o

progresso do espírito humano em direção a mais elevada esfera de consciência.

(READ, 2001 p 116).

[...] Lowenfeld vê a arte como uma forma de brincadeira, vemos a brincadeira como

uma forma de arte. [...] Já definimos a arte como o esforço da humanidade por atingir a

integração com formas básicas do universo físico e com ritmos orgânicos da vida.

(READ, 2001 p 121).

[...] A palavra “inspiração” deve ser reservada para a liberação ocasional da tensão

mental... [...] Harding define inspiração como “o resultado de um fator desconhecido

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que acidentalmente se encontra em operação na mente do homem da ciência ou do

artista no determinado momento em que ela é cercada por uma determinada tensão,

seja por acúmulo de ‘visões, cores, formas’ seja por fatos e pela ponderação sobre eles,

numa tentativa vã de resolver um problema. Embora à inspiração possa ocorrer a

qualquer pessoa, ela só se manifestará em seu mais alto grau nas pessoas capazes dessa

tensão emocional”. (READ, 2001 p 123).

[...] “Criação”, por outro lado, deve implicar o trazer a existência algo que,

anteriormente não tinha forma nem traços. Trata-se de uma palavra anômala, pois,

estritamente falando, só pode haver criação a partir do nado, como no mito da Criação.

(READ, 2001 p 124).

[…] Desenhos livres só são possíveis quando temos uma criança livre à qual tenha

sido permitido crescer e se aperfeiçoar na assimilação de seu meio ambiente e na

reprodução mecânica; e que, quando liberada para criar e se expressar, realmente cria e

se expressa. (READ, 2001 p 126).

[…] Portanto, é necessário admitir que o artista infantil usa, simultaneamente para o

mesmo objeto, dois estilos diferentes de representação: um para a sua própria

satisfação pessoal, e outro para a satisfação de outras pessoas. (READ, 2001 p 136).

[…] “a criança desenha o quer dizer, o que pensa, o que sabe – não o que vê”. [...] A

crença de que a contemplação, pura e simples, constitui os primórdios de toda a

preensão, e que a partir dela, o conhecimento e o julgamento abstratos se desenvolvem

lentamente não mais se sustenta... Também se descobriu que, de início, que a

representação pictórica só é vista como símbolo de algo que se quer dizer, de algo

pensado, e que só depois de muito esforço que se desenvolve a capacidade de manter a

representação pictórica das coisas como elas aparecem aos sentidos, livres de todas as

características ‘intencionais’, ou seja, das características que correspondem ao

conhecimento e às idéias do desenhista. (READ, 2001 p 146).

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[…] O tipo háptico, por outro lado, “preocupa-se, basicamente, com suas próprias

sensações físicas e com o espaço real que o cerca. O artista plástico não está,

basicamente, preocupado com um objeto do mundo exterior, mas com seu próprio

mundo interior de sensações e sentimentos. Este tipo não é necessariamente cego ou

deficiente visual: ele simplesmente não usa seus olhos. (READ, 2001 p 147).

Quanto às outras, elas podem ser penosamente ensinadas a fazer uma representação

naturalista dos objetos, mas não exibem nenhum impulso espontâneo para fazê-lo, e

quando se entregam a qualquer atividade gráfica de origem espontânea, esta é sempre

de caráter “esquemático”. Essa “duplicidade”, que é tão calara nas crianças, continua a

existir num número surpreendente de adultos. Essas pessoas vão argumentar que “não

sabem desenhar”, mas se compelidas a fazê-lo, produzem desenhos de caráter

esquemático infantil. As pessoas com deficiência mental, bem como as pessoas

normais em seus momentos de “ausência” ou de “garatujas”, desenham de maneira

bastante espontânea desse modo regressivo. (READ, 2001 p 149).

Em suma, temos de reconhecer que a expressão também é comunicação, ou, pelo

menos, uma tentativa de comunicação, e a questão que estamos levantando, portanto, é

por que a criança deseja comunicar-se. (READ, 2001 p 182).

[...] o motivo direcionador do desenvolvimento do individuo é a tentativa de superar a

ansiedade da separação que se inicia com o processo de desmame, e em todas as suas

atividades sociais – inclusive a arte, a ciência e a religião – o individuo busca uma

restauração ou um substituto do amor materno perdido na infância. (READ, 2001 p

182/183).

[...] A arte da criança declina depois da idade de 11 anos porque é atacada por todos os

lados – não apenas excluída dos currículos, mas também da mente, pelas atividades

lógicas que chamamos de aritmética e geometria, física e química, historia e geografia,

e até literatura da maneira como é ensinada. O preço que pagamos pela distorção da

mente do adolescente é altíssimo: uma civilização de objetos hediondos seres humanos

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disformes, de mentes doentes e lares infelizes, de sociedade dividida e equipada com

armas de destruição em massa. Alimentamos esses processos de dissolução como

nosso conhecimento e nossa ciência, com nossas invenções e descobertas, e nosso

sistema educacional tenta manter-se no ritmo do holocausto; mas as atividades

criativas que poderiam sanar a mente e tornar belo o nosso meio ambiente, unir o

homem com a natureza e nações como nações, nós as descartamos como se fossem

fúteis, irrelevantes e vazias. (READ, 2001 p 185).

[…] Se a consciência é relativa, produto da experiência social e educação individual,

então fica evidente que o grau e a qualidade dessa consciência são modificados, ou

podem ser modificados, por quaisquer mudanças fundamentais no meio ou no

treinamento. A mudança mais fundamental desse tipo foi marcada pela a invenção ou

evolução da fala... (READ, 2001 p 194).

O corolário dessa proposição, que a torna relevante pra nossos interesses educacionais,

é que o equilíbrio psíquico, que é a base de toda a uniformidade e integração

intelectual, só se torna possível quando esta integração de elementos formais abaixo

do nível consciência tem permissão para ocorrer ou incentivada a fazê-lo, coisa que

ela realiza notavelmente em todas as formas de atividade imaginativa – sonhar

acordado, elaboração espontânea da fantasia, expressão criativa pela cor, linha, sons

e palavras. (READ, 2001 p 185).

[...] É só a educação, em seu sentido mais amplo, como crescimento orientado,

incentivo à expansão, a criação como ternura, que pode garantir que a vida seja vivida

em toda sua espontaneidade criativa natural, em toda a sua plenitude sensual,

emocional e intelectual. (READ, 2001 p 222).

Veremos que existem, com efeito, três atividades distintas que são amiúde

confundidas:

A) A atividade da auto-expresão – o inato no individuo precisa comunicar seus

pensamentos, sentimentos e emoções a outras pessoas.

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B) A atividade da observação – o desejo do individuo de registrar suas impressões

sensoriais, de esclarecer seu conhecimento conceitual, de construir sua

memória, de construir coisas que auxiliem suas atividades práticas.

C) A atividade de apreciação – a resposta do individuo aos modos de expressão

que outras pessoas dirigem ou dirigiram a ele, e, geralmente, a resposta do

individuo aos valores do mundo dos fatos – a reação qualitativa aos resultados

quantitativos das atividades A e B. (READ, 2001 p 231).

De maneira geral, a atividade da auto-expressão não pode ser pensada. Qualquer

aplicação de um padrão externo, em termos de técnica ou de forma, imediatamente

provoca inibições e frustra todo o objetivo. O papel do professor é de atendente, guia,

inspirador, parteiro psíquico. (READ, 2001 p 231).

A observação é uma habilidade inteiramente adquirida. É verdade que certos

indivíduos nascem com uma aptidão para a tensão concentrada e para a coordenação

entre o olho e a mão envolvida no ato de registrar o que é observado. Mas na maioria

dos casos o olho (e os outros órgãos sentido) precisa ser treinado tanto para a

observação (percepção dirigida) como para a notação. Foi a utilidade dessa habilidade

adquirida como auxiliar do currículo lógico e cientifico normal da escola que levou à

fanática defesa dos modos naturalistas no ensino da arte, bem como a uma preferência

pela “habilidade” em oposição à “arte”. (READ, 2001 p 231).

[...] Á ética, afirma ela, com efeito, deve preceder a estética, e depois poder-se-á

permitir, com segurança, que a criança se expresse livremente por meio de desenhos,

etc. (READ, 2001 p 232).

[...] Portanto, á questão a ser determinada não é se os desenhos infantis estão de acordo

com o padrão estético, absoluto, mas se podem estar relacionados com um dos tipos de

expressão estética, ou mesmo se constituem uma categoria sui generis. (READ, 2001

p 233).

Page 16: HERBERT READ - A EDUCAÇÃO PELA ARTE

[…] A habilidade é desenvolvida pelo desenho, e não o desenho pela a habilidade. A

habilidade que é adequada para um desenho figurativo na idade de quinze anos seria

mais adequada para um “esquema” na idade de cinco anos. (READ, 2001 p 185).

[…] O professor deve ser a mais modesta e humilde das pessoas, vendo numa criança

um milagre de Deus, e não apenas um aluno. (READ, 2001 p 234).

Esse franco reconhecimento da nova atitude para com os métodos do ensino da arte de

arte é acompanhado por uma admissão de que a “arte” deveria ser interpretada num

sentido amplo, e que não deveria haver nenhuma divisão artificial entre a “arte” e a

“habilidade manual”, “que deveria ser devidamente considerada como parte e parcela

de um importante ramo do ensino”. Interpretada segundo esse amplo sentido, a arte se

torna uma disciplina da maior importância; na verdade, “nada no currículo escolar tem

um contato mais intimo com a vida. Embora poucas pessoas sejam convocadas a fazer

uma escolha entre o que é bom e o que é menos bom em termos de forma, cor e arte,

bem como a agir, seja como indivíduos seja como membros da comunidade, o que

afetará o meio ambiente”. (READ, 2001 p 237).

[...] Os sentidos devem primeiro ser educados para apreciar a qualidade do material, as

proporções visuais das medidas, as relações táteis entre as áreas e as massas. O desejo

de fazer coisas bonitas devem ser mais forte que o desejo de fazer coisas úteis; ou

antes, deve haver uma percepção instintiva do fato de que a beleza e a utilidade, cada

uma em seu grau mais elevado, não podem ser concebidas separadamente. Mais é mais

fácil reconhecer essa verdade em todo o seu caráter abstrato que aplicá-la à

organização prática da oficina escolar ou ao currículo escolar. Como logo veremos,

essa unidade, no final, só pode ser garantida pelo tipo de correto de professor. (READ,

2001 p 239/240).

[…] Segue-se que, do nosso ponto de vista, a disputa com relação ao quadro de horário

é tão desnecessária quanto inconveniente. Nosso objetivo não são duas ou mais aulas

extras. Pedimos nada menos que o total de 35 aulas em que se divide arbitrariamente a

Page 17: HERBERT READ - A EDUCAÇÃO PELA ARTE

semana da criança. Ou seja, pedimos um método educacional que seja formal e

fundamentalmente estético, e em que o conhecimento e habilidade manual, a disciplina

e a reverência, não sejam mais que subprodutos espontâneos e inevitáveis da natural

indústria infantil. (READ, 2001 p 245).

[...] o método lúdico, se seguido adequadamente, não deveria sugerir mera falta de

coerência e direção no ensino – isso é brincando de ensinar, e não ensinar brincando;

dar coerência e direção ao lúdico significa convertê-lo em arte, e foi por este motivo

que se levantou uma objeção no último capítulo ao tratamento teórico da arte como

forma de diversão. Brincar é mais uma atividade informal, capaz de se transformar em

atividade artística e, assim adquirir significado para o desenvolvimento orgânico da

criança. (READ, 2001 p 246).

Veremos que as várias brincadeiras infantis podem ser coordenadas e desenvolvidas

em quatro direções, correspondentes às quatro funções mentais básicas, e que quando

assim desenvolvidas, as atividades lúdicas naturalmente incorporam todos os assuntos

apropriados à fase primária da educação.

- A partir do aspecto do sentimento, o lúdico pode ser desenvolvido, por meio da

personificação e da objetivação em DRAMA.

- A partir do aspecto da sensação, o lúdico pode ser desenvolvido por meio da

auto-expressão, em FORMA visual ou plástica.

- Do aspecto da intuição, o lúdico pode ser desenvolvido, por meio das atividades

construtivas, em DANÇA e MÚSICA.

- Do aspecto do pensamento, o lúdico pode ser desenvolvido, por meio das

atividades construtivas em ARTESANATO. (READ, 2001 p 247).

A educação primária deveria ter como ideal um individuo em que todas as funções

mentais se desenvolvessem harmoniosamente juntas. É nesse sentido que podemos

voltar, com maior entendimento, á afirmativa de Edmond Holmes de que a função da

educação é fomentar o crescimento. (READ, 2001 p 255).

Page 18: HERBERT READ - A EDUCAÇÃO PELA ARTE

[…] “nada, com certeza, poderia ser concebido em um método educacional tão

inadequado, tão lamentosamente fragmentado quanto o sistema de sala de aula para o

ensino de disciplinas”. (READ, 2001 p 256).

[...] “O lúdico, como eu vejo”, diz ele – a arte como eu a vejo -, “vai muito mais fundo

que o estudo; ele passa além, do raciocínio e, iluminando as câmaras da imaginação,

estimula o corpo do pensamento e experimenta todas as coisas em ação. O estudo dos

livros, ainda que completo, pode manter-se superficial, no sentido de que não pode

haver qualquer senso de realidade por trás dele. ‘Nenhuma impressão sem expressão’ é

uma máxima venerável, mas mesmo hoje aprender amiúde significa saber, sem muita

atenção para com o sentir e quase nenhuma pelo fazer. Aprender pode permanecer

como algo isolado, como uma peça de roupa, sem identificação com o ser. Mas

quando digo Lúdico (Arte) refiro-me a fazer qualquer coisa que se conheça com

sinceridade. A apreciação final, na vida e no estudo, é colocar-se dentro da coisa

estudada e alí viver de maneira ativa” (READ, 2001 p 257).

“O artista descobre o mundo ao seu redor (ou seja, em sua matéria-prima) relações,

ordem, harmonia – da mesma forma que o músico descobre essas coisas no mundo dos

sons. Isso não pode ser realizado pela mente consciente, esquematizador, planejadora.

A arte não é um esforça da vontade, mas uma dádiva da graça – para a criança, pelo

menos a coisa mais simples e mais natural do mundo. Sempre que as pessoas são

sinceras e livres, a arte pode surgir... É por isso que a felicidade (ou falta desta) da

criança na presença do professor é muito importante, e que a escola de hoje é, ou

deveria ser, o ambiente perfeito para a arte infantil. Não é exagero afirmar que, a

menos que exista uma relação de amor entre os professores e as crianças, a arte

infantil, como é entendida, fica impossível. (READ, 2001 p 259).

Essas palavras foram escritas tendo em mente o ensino do desenho, mas elas se

aplicam igualmente bem aos outros três ramos da educação: a música e a dança, o

drama e os trabalhos manuais. Pois qualquer que seja o aspecto da educação que

consideramos, e em qualquer estágio, a ligação estabelecida entre o professor e a

Page 19: HERBERT READ - A EDUCAÇÃO PELA ARTE

criança é o fator de maior importância. O aumento da confiança, a eliminação do

medo, a força unificadora do amor e da ternura – são estes com que o professor deve

trabalhar. Não apenas a assimilação do conhecimento, aceitação da disciplina e a

percepção do eu dependem do correto desenvolvimento desses processos psicológicos,

mas, o que é ainda mais importante, também a integração do indivíduo com o grupo ou

sociedade a que ele pertence. (READ, 2001 p 260).

[…] Queremos um conceito de professor como um guardião do grupo, e não como

alguém que passa informações sobre um determinado assunto; e a integridade do

provavelmente seja um fator educacional muito poderoso que a graduação progressiva

dos professores. (READ, 2001 p 262).

Pode-se dizer, em primeiro lugar, que a maioria dessas células assimilará o plasma

humano sem preparação especial além da fornecida por uma educação geral como a

que delineamos. A educação deveria dar ao indivíduo a sabedoria que vem do

discernimento e da sensibilidade, e que é a própria célula – ou seja, a atividade da

destreza – que molda a sabedoria básica as suas necessidades especificas. Essa é a

justificativa de uma educação contínua, uniforme ao longo dos estágios primário e

secundário. Ele dota a criança das capacidades gerais que a modificam para a

sociedade (READ, 2001 p 266).

[...] Portanto, todas as escolas secundárias, na medida em que qualificam os homens a

fazer algo na vida, compartilham mais ou menos do caráter dos institutos que

qualificam os artífices. Toda profissão, mesma a que envolve grande erudição, requer

uma destreza, e toda destreza é arte. (READ, 2001 p 267).

[...] O curso de educação, primária e secundária, deveria propiciar a gradual revelação

da aptidão individual, e isto exige um currículo suficientemente flexível para atender

as necessidades emergentes da criança. (READ, 2001 p 267).

Page 20: HERBERT READ - A EDUCAÇÃO PELA ARTE

[…] O temperamento individual da criança, revelado por suas atividades auto-

expressivas, é a base que deve ser encontrada antes de o professor construir, pelas leis

da educação, uma sociedade harmoniosa de cidadãos livres. (READ, 2001 p 268).

[…] No estágio secundário, e também no primário, deveria ser um conjunto de

atividades criativas, com a instrução como algo incidental ou instrumental com relação

ao objetivo dessas atividades. Se na escola pré-primária essas atividades podem ser

descritas como lúdicas, e na escola primária como projetos, então, na escola

secundária, deveriam se apresentar como trabalhos construtivos. (READ, 2001 p 270).

[...] Assim, vemos que é erro supor que as atividades práticas só têm valor um

utilitário na sala, ou principalmente nela. Elas são necessárias para que o aluno

entenda os fatos que o professor deseja que ele aprenda; para que esse conhecimento

seja real, e não verbal; para a que a sua educação forneça parâmetro de julgamento e

comparação. (READ, 2001 p 271).

[…] a organização ideal de uma escola secundária baseada em nosso modelo integral.

Sob as ordens do diretor haveria quatro professores principais, ou mestres do método,

encarregados das quatro atividades principais: drama, planejamento, música, trabalho

artístico. (READ, 2001 p 272).

Sob as ordens desses quatro mestres do método, haveria um certo número de

professores assistentes, para os quais o antigo nome de preceptores poderia ser

revivido, pois sua função seria a de comandar uma classe ou um grupo de alunos,

iniciando-os nos aspectos particulares das atividades grupais. Sob as ordens do mestre

de planejamento, haveria um preceptor de desenho; sob as ordens do mestre de

trabalhos artísticos, preceptores de matemática e ciências; sob as ordens do mestre de

música, preceptores de eurritmia e dança; e, sob as ordens do mestre de drama,

preceptores de história, literatura e elocução. (READ, 2001 p 273).

Page 21: HERBERT READ - A EDUCAÇÃO PELA ARTE

[...] E a escola deve ser concebida como uma comunidade orgânica e auto-suficiente

em todos os aspectos possíveis. A escola ideal terá seus jardins e a sua horta, é em

relação a essas atividades produtivas que uma parte da história natural será ministrada.

(READ, 2001 p 273).

[…] a) A educação é um investimento nacional. É um monopólio que toca por direito

a um departamento de Estado, e o Estado (ou mais concretamente os seus cidadãos)

deve ficar satisfeito quando o sistema é produtivo – quando ele está produzindo

cidadãos melhores e mais úteis que antes da introdução de um sistema compulsório de

educação, e que deixariam de existir se o sistema fosse agora abolido. O que se exige é

um teste geral de relevância ou utilidade social.

b) A educação é uma hierarquia progressiva. Certas vocações precisam de um

curso intensivo mais prolongado; portanto, os testes devem ser elaborados para

classificar os alunos de modo que os melhores se destaquem. Essa é uma diferenciação

vertical. (READ, 2001 p 276).

c) A educação é uma preparação para a vida. Ele deve preparar o jovem de uma

nação para uma vocação adequada; portanto, os testes devem ser elaborados para

determinar as vocações apropriadas do material humano. Essa poderia ser descrita

como diferenciação horizontal. (READ, 2001 p 277).

A qualidade do que é aprendido e a capacidade de reconhecer graus de qualidade do

que é aprendido não podem ser testadas por meios quantitativos. (READ, 2001 p 28).

[...] em primeiro lugar, que o valor social da educação não pode ser medido pela

“inteligência” de unidades individuais; a educação é uma preparação para as atividades

comunais, e a melhor educação, do ponto de vista da sociedade, é que deixa o

indivíduo como unidade livremente cooperativa de grupo. Se devemos conservar em

mente a relevância social da educação, a cooperação, e não a competição, deve ser

nosso princípio condutor. (READ, 2001 p 282).

Page 22: HERBERT READ - A EDUCAÇÃO PELA ARTE

[…] e esclarecimento é o verdadeiro objetivo da educação. Seu aspecto orgânico é a

maturidade. “A maturidade é tudo” – a consecução da perfeita maturação em todas as

faculdades mentais e físicas: este é o objetivo final do nosso ensino. (READ, 2001 p

283).

[...] Acredito que a razão para essa estultificação de um nobre propósito seja obvia: o

lugar da arte na educação universitária dependerá do reconhecimento a ela atribuído no

currículo normal, e, a menos que reconheça que a história da arte é tão válida na

composição de uma cultura geral quanto à história da literatura, da política ou da

ciência, é inútil esperar que o aluno, cercado por todos os lados por estudos

obrigatórios, assuma o estudo de outra disciplina, igualmente complexa e exata, com

um espírito de amor e sacrifício. (READ, 2001 p 284).

[…] Precisamos propiciar a iniciativa criativa. O impulso, assim como a sensibilidade,

é essencial, pois “a sensibilidade sem o impulso leva a decadência, e o impulso sem

sensibilidade leva à brutalidade”. E o hábito da arte é por ele definido como o hábito

de apreciar valores vividos. (READ, 2001 p 288).

[…] Mais uma vez, permitam-me citar Ruskin, cujo nome devo continuar a invocar:

“A arte de qualquer país [afirmou ele] é o expoente de suas virtudes sociais e

políticas”. “Com precisão matemática [afirmou ele em outra palestra], sujeita a

nenhum erro ou exceção, a arte de uma nação, desde que exista, é um expoente de sua

condição ética”. (READ, 2001 p 290).

As belas-artes, portanto, representam à cultura no seu estágio mais coerente; e uma

obra de arte incorpora os valores dessa cultura com a maior vividez possível. Assim

prazer da apreciação artística é a maneira mais valiosa de adquirirmos nossos hábitos

de apreensão estética. (READ, 2001 p 291).

Isso tudo devemos lembrar, é muito bom como ideal, mas nós somos educadores

práticos. A ata de fundação da Cátedra de Watson Gordon de belas artes estabelece

Page 23: HERBERT READ - A EDUCAÇÃO PELA ARTE

que “o professor que ocupar a dita cátedra de momento deverá dar um curso de

instrução aos estudantes mediante palestras, durante o período letivo da universidade,

sobre história e teoria das belas-artes, incluindo pintura, escultura e arquitetura e

outros artísticos afins”. Ao termino do curso, ele deve examinar seus alunos para

mostrar-lhes quanto se beneficiaram com sua instrução. (READ, 2001 p 291).

O motivo predominante do curso deverá ser o desenvolvimento da sensibilidade com

relação às obras de arte. Mas um curso deve ter coerência e direção. Ambas podem ser

fornecidas pela teoria da arte ou pela a história da arte. Acredito ser melhor tomar a

história da arte como estrutura básica, pois qualquer teoria de arte deve ser, em grande

parte, pessoal, e embora, pois todo o ensino seja inevitavelmente pessoal, e deve ser

pessoal se deseja ser inspirador, em termos de apreensão estética é necessário, acima

de tudo, criar no estudante uma forma de atividade, em vez de inspirar uma atividade.

Essa forma de atividade é, por sua vez, muito pessoal, pois, como já mencionei, é

intuitiva por natureza, e não racional ou analítica. Acredito que a mente, livre de todos

os preconceitos não precisa de nenhuma outra preparação para apreciação artística.

(READ, 2001 p 292).

Mas o processo não deve terminar aí. A arte, justamente por exigir uma apreensão

intuitiva, não pode ser vista apenas como história. Ela é uma atividade atual, e eu

consideraria a minha tarefa cumprida apenas pela metade se, ao ensinar a fruição da

arte do passado, não levasse meus alunos a apreciar a arte da atualidade. A arte hoje é

um testemunho de nossa cultura, um testemunho de suas qualidades positivas e de suas

limitações, da mesma forma que as artes do passado representam as culturas do

passado. Não podemos participar totalmente da consciência moderna se não

conseguirmos aprender a apreciar a arte significativa de nossa própria época. Como as

pessoas não aprenderam, na juventude, o hábito da fruição, tendem a se aproximar da

arte contemporânea com a mente fechada. Elas a submetem a analise intelectual

quando o que ele pede é a compreensão intuitiva. Elas não têm pureza de coração e,

portanto, não conseguem compartilhar da visão do artista. Isso é triste, e parece-me

que uma das funções básicas da universidade como esta, que forma centenas de

Page 24: HERBERT READ - A EDUCAÇÃO PELA ARTE

professores e professoras, é abrir os olhos de seus alunos e ativar sua sensibilidade, de

modo que eles possam apreciar o que vêem. Pois o que eles apreciam vendo (id quod

visum placet) é arte. (READ, 2001 p 292).

Até agora, estivemos acostumados demais a ver arte como dependente da religião,

mas, do ponto de vista que aqui é expresso, é possível ver a religião como igualmente

dependente da arte, e estou certo de que num exame amplo da história da religião e da

arte essa dependência mútua poderia ser estabelecida. No final, arte deveria dominar as

nossas vidas de tal forma que pudéssemos afirmar: não existem mais obras de arte,

mas apenas a arte. Pois a arte, então, será a maneira de viver. (READ, 2001 p 293).

[...] A educação se tornou, segundo a descrição profundamente sagaz de Tolstoi, “a

tendência a um despotismo moral elevado á categoria de”, a expressão da “tendência a

de um homem a tornar os outros iguais a ele”. (READ, 2001 pp 295/296).

Do ponto de vista militar, a disciplina foi definida como “obediência forçada a

autoridade externa”, tendo se tornado dependente de um sistema de punições e

recompensas. A disciplina “sempre envolve o controle exercido de fora”, e é por esta

razão que ela se distingue do moral. “Sempre que a disciplina existe, o castigo é

infligido por uma autoridade externa ao homem ou ao grupo que é submetido a

disciplina. sempre que a autoridade parte do interior do próprio homem, temos o

moral, e não a disciplina, embora a distinção seja menos distinta que na teoria.

(READ, 2001 p 296).

[...] Os pontos que considero definidos são os seguintes:

1. Os conceitos de “bom” e “mau” são arbitrários, e não estabelecidos por

nenhum processo de raciocínio lógico.

2. Os conceitos de “bom” e “ruim” (“certo” e “errado”) são incutidos na mente da

criança durante o curso da sua educação, seja de maneira inconsciente, por

meio do processo de “introjeção”, ou de maneira consciente, por um sistema de

recompensas e punições.

Page 25: HERBERT READ - A EDUCAÇÃO PELA ARTE

3. O resultado é um estado de ambivalência psíquica peculiarmente capaz de

produzir tensões (psicoses) e rupturas (neuroses) no individuo, e um estado de

inconsciência na sociedade igualmente cheio de possibilidades de colapsos

(revoltas e guerras). (READ, 2001 p 307).

Mas a nossa tarefa como é educadores não é a cura, e sim a prevenção da neurose

social, e a prevenção consiste em não permitir que o senso de isolamento se

desenvolva no individuo. Isto só pode ser conseguido fazendo de nossa educação,

desde o seu inicio, uma educação de grupo, e é neste ponto que a análise e as

recomendações de Burrow e Piaget convergem e se reforçam mutuamente. O objetivo

da educação é a criação de um senso de mutualidade. “Pois é só quando conseguimos

que um homem entre em relação verdadeira com outros homens e mulheres que

podemos dar-lhe oportunidade de ser ele mesmo”. (READ, 2001 p 313).

[…] Só quando as atividades grupais assumirem os padrões estéticos e a vitalidade

orgânica dos grupos espontaneamente formados pelas próprias crianças (e por

adultos quando estes brincam como crianças) essas atividades passarão ater uma

superioridade moral e intelectual com relação às formas mais autoritárias da

educação. (READ, 2001 p 315).

Buber começa por examinar o conceito de “criatividade” ao qual, segundo ele, os

modernos educadores tanto recorrem. Ele mostra que foi só muito tarde que esse

conceito, antes reservado para a ação divina o universo, foi metaforicamente

transferido para as atividades humanas, mais especialmente para as obras de gênio na

esfera artística. Foi então reconhecido que essa tendência a criar, que alcança suas

mais altas manifestações nos homens de gênio, estava presente, ainda que em menor

grau, em todos os seres humanos. (READ, 2001 p 318).

O mundo influencia a criança da mesma forma que a natureza e a sociedade a

influenciam. Os elementos a educam – o ar, a luz, vida das plantas e dos animais -, e as

Page 26: HERBERT READ - A EDUCAÇÃO PELA ARTE

relações a educam. O verdadeiro educador compreende os dois; mas ele deve ser como

um dos elementos para a criança. (READ, 2001 p 321).

A luta pela liberdade, à qual os homens podem corretamente dedicar a suas vidas,

deveria ser vista como uma luta pelo o direito de experimentar: a liberdade não é um

fim em si, não é uma política ou um programa. Ser livre de todos os laços é uma

infelicidade – ter nascido como uma cruz, e não com uma coroa de glória. Significa

que a responsabilidade, em vez de ser compartilhada por muitas gerações, deve ser

pessoal. Viver em liberdade é uma responsabilidade pessoal, ou então é uma mera

farsa. (READ, 2001 p 321).

O professor aproxima-se da criança como portador de valores fixos. Ele representa o

cosmos estabelecido da história com relação a este elemento, o aluno, recém-nascido

do caos. (READ, 2001 p 322).

Ensinar exige alto grau de asceticismo: a alegre responsabilidade por uma vida

confiada a nós, uma vida que devemos influenciar sem qualquer indicio de dominação

ou auto-satisfação. (READ, 2001 p 323).

As forças do mundo de que o aluno necessita para a criação de sua personalidade

deveriam ser discernidas pelo educador e inferidas dele mesmo. A educação de um

aluno é, assim, sempre a auto-educação do professor. (READ, 2001 p 325).

Da mesma forma, é só na medida em que o professor é um representante adequado do

seu grupo social que ele consegue guiar o aluno até o umbral da condição de adulto e

da sociedade. (READ, 2001 p 327).

Fiquei enormemente impressionado pelo fato, a principio perturbador, de os melhores

resultados não poderem ser correlacionados com qualquer sistema de ensino ou

quaisquer qualificações acadêmicas do professor. Por vezes, o melhor trabalho

provinha de escolas onde não havia um professor ou professora de arte convencional.

Page 27: HERBERT READ - A EDUCAÇÃO PELA ARTE

Ficou igualmente evidente que bons resultados não provinham de um determinado tipo

de escola. Uma coletânea dos melhores trabalhos surgiria, em proporções arbitrárias,

das escolas públicas, elementares, secundárias e particulares. Minha primeira

conclusão foi que os bons resultados dependiam da criação, na escola ou na aula, de

uma atmosfera de compreensão, e, até certo ponto, ainda acho que isto seja verdade.

Mas, se por “atmosfera” nos referimos às comodidades que o dinheiro consegue

comprar, então não é verdade. A correta atmosfera pode existir numa escola rural, ou

nos sombrios quartéis de uma cidade industrial. A atmosfera é a criação do professor, e

criar uma atmosfera de compreensão, de feliz atividade infantil, é o principal, e talvez

o único, segredo do ensino bem sucedido. Para tanto, o professor pode não precisar

mais que um mínimo de qualificação técnica ou acadêmica: mas ele precisa do dom de

compreender ou “envolver” o aluno. (READ, 2001 p 328).

A eficiência da nossa mediação é, até certo ponto, dependente de nossa capacidade de

modificar o meio ambiente. A educação, na verdade, é inseparável de nossa política

social como um todo. (READ, 2001 p 329).

Podemos propor duas leis gerais cuja verdade é tão obvia que deveriam ser

prontamente aceitas. Primeiro, o meio ambiente oferecido pela a escola não deve ser

artificial. Se existe um completo divórcio entre a escola e lar, o resultado será tensão,

o descontentamento e até a neurose da criança. Mas, da mesma forma, poderíamos

afirmar que o ambiente do lar não deveria ser artificial; [...] Se podemos criar o

ambiente natural na escola, devemos fazê-lo e, então tentar fazer com que o lar entre

em harmonia com a escola. (READ, 2001 p 330).

Por melhores que sejam a localização e a construção de uma escola, ainda restam

elementos intangíveis que, juntos, constituem a atmosfera de escola. O mobiliário e o

complemento de uma escola deveriam ficar a cargo do arquiteto, não devendo ser

produzidos em massa, sem qualquer consideração pelo ambiente que serão

distribuídos. Muito boas escolas são estragadas por horrendas carteiras ou iluminação

inadequada. Mas muitos outros detalhes contribuem para a atmosfera de uma escola: o

Page 28: HERBERT READ - A EDUCAÇÃO PELA ARTE

uso de cortinas, a exibição de quadros e esculturas, as roupas das crianças e dos

professores, a disposição de flores, a ausência de estridência e da pressa indevida. É

por estes meio que a escola revela a sua individualidade, e por esse motivo, as crianças

sempre deveriam cooperar na criação do seu próprio ambiente. Os melhores quadros

para decorar uma escola são as pinturas das próprias crianças, mas só se essas pinturas

forem tratadas com respeito, devidamente montadas e docemente emolduradas. As

crianças deveriam é claro, entrar em contato com a obra de artistas maduros, tanto do

passado quanto do presente (e, de preferência, não por meio de reproduções), mas

também deveriam ser tratadas com respeito e exibidas num local adequado. Mas

devemos sempre lembrar que a escola é uma oficina, e não um museu, um centro de

atividade criativa, e não uma academia de aprendizagem. A apreciação como já

enfatizei, não é adquirida pela apreciação passiva: só apreciamos a beleza com base

em nossas próprias aspirações criativas, ainda que sejam abortivas. (READ, 2001 p

331).

Os sentidos das crianças só podem ser educados pela ação, e a ação exige espaço – não

o espaço restrito de uma sala ou de um ginásio, mas o espaço da natureza. (READ,

2001 p 332).

Numa sociedade racional, só existe a questão da prioridade, e nenhum serviço nessa

sociedade, com exceção dos que fomentam e protegem a própria vida, deveriam ter

prioridade sobre a educação. (READ, 2001 pp 333/335).

[...] Segue-se que um método democrático de educação é a única garantia de uma

revolução democrática: na verdade, introduzir um método educacional democrático é a

única revolução necessária. (READ, 2001 p 339).

A dificuldade não é relacionar idealismo e realidade, teoria com prática: a dificuldade

é reconciliar disciplina com liberdade, ordem com democracia. (READ, 2001 p 339).

Page 29: HERBERT READ - A EDUCAÇÃO PELA ARTE

[...] O padrão, na moralidade, na arte e na sociedade, deve ser renovadamente

percebido por todas as sensibilidades nascentes: caso contrário, o padrão simplesmente

mata a vida que ele deveria conter. (READ, 2001 p 341).

Em afinidade com os traços predominantes de sua disposição e temperamento, cada

individuo encontrará, como resultado de sua percepção educada, um padrão diferente

em sua experiência. Assim ele constituirá sua visão individual do mundo, a

Weltanschauuung de seu tipo. (READ, 2001 p 342).

[...] Os Estado surgem, florescem durante certo tempo e caem. As religiões, se não

desaparecem totalmente, sofrem tais transformações que seriam irreconhecíveis para

seus fundadores e apóstolos. Mas a arte continua – permanente e indestrutível,

acumulativa, mas sempre livre – sempre, em seus limites imediatos, ativa e expansiva.

acredito que essa expressão é espontânea é inerente á vida: que coletiva e

individualmente, vivemos um padrão inerente porém evolutivo – a “geprägte Form,

die lebend sich entwickelt” de Goethe. (READ, 2001 p 343)

.

Segue-se que, se algum tipo deve ser visto como ideal, esse tipo é o artista. Mas vimos

que não existe algo que se possa chamar de tipo “artístico”: todo tipo tem sua atitude

artística (ou seja, estética), seus momentos de desenvolvimento espontâneo, da

atividade criativa. Todo homem é um tipo especial de artista, e, em sua atividade

criativa, lúdica ou profissional (e numa sociedade natural, como afirmamos, não

deveria haver nenhum distinção entre a psicologia do trabalho e do lúdico), ele está

fazendo mais do que expressar-se: está manifestando a forma que nossa vida comum

deveria assumir em seu desenrolar. (READ, 2001 pp 343/344).

FIM

Page 30: HERBERT READ - A EDUCAÇÃO PELA ARTE

READ, Herbert. A educação pela arte. Tradução: Valter Lélis Siqueira. São Paulo:

Martins Fontes, 2001 (Coleção a).