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HEDVANE FERREIRA DE SOUZA COESÃO E COERÊNCIA EM REDAÇÕES ESCOLARES DO ENSINO MÉDIO Monografia apresentada como requisito à obtenção do título de Especialista em LÍNGUA PORTUGUESA TEXTO E DISCURSO, pelo UNICEUB - ICPD, sob a orientação da Professora DOUTORA F. CORDÉLIA OLIVEIRA DA SILVA. Brasília, setembro de 2006

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HEDVANE FERREIRA DE SOUZA

COESÃO E COERÊNCIA EM REDAÇÕES ESCOLARES

DO ENSINO MÉDIO

Monografia apresentada como requisito à obtenção do

título de Especialista em LÍNGUA PORTUGUESA

TEXTO E DISCURSO, pelo UNICEUB - ICPD, sob a

orientação da Professora DOUTORA F. CORDÉLIA

OLIVEIRA DA SILVA.

Brasília, setembro de 2006

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CAPÍTULOS

CAPÍTULO I .....................................................................

CAPÍTULO II ...................................................................

CAPITULO III ..................................................................

CAPÍTULO IV ........................................................

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INTRODUÇÃO

Qualquer produtor de texto pretende ao construí - lo informar, divertir, explicar,

convencer, discordar, ordenar, etc. O texto é uma unidade de significado produzida sempre com

uma determinada intenção. Assim como a frase não é uma simples sucessão de palavras, o texto

também não é uma simples sucessão de frases, mas um todo organizado capaz de estabelecer

contato com nossos interlocutores, influindo sobre eles. Quando isso acontece, temos um texto

em que há coerência.

A coerência é resultante da não-contradição entre os diversos segmentos textuais que

devem estar encadeados logicamente. Cada segmento textual é pressuposto do segmento

seguinte, que por sua vez será pressuposto para o que lhe estender, formando assim uma cadeia

em que todos eles estejam concatenados harmonicamente. Quando há quebra nessa

concatenação, ou quando um segmento atual está em contradição com um anterior, perde-se a

coerência textual. O contexto extraverbal também influencia na coerência, dado que aquilo que o

texto faz referencia precisa ser conhecido pelo receptor. A coesão pode ser entendida como um

conceito semântico referente às relações de sentido que se estabelecem entre os enunciados que

compõem o texto e o definem como texto. Pode-se dizer, então que um discurso possui coesão na

medida em que permitem um desenvolvimento proposicional eficaz, e que as frases possuem

uma forma apropriada na medida em que permitem esse desenvolvimento.

Nesse contexto evidencia-se entre jovens e adultos uma grande dificuldade em se

expressar na forma escrita, tornando necessário em todos os níveis de escolaridade o incentivo à

produção de textos como forma de prazer, momentos dedicados à escrita sem a preocupação de

tirar notas proporcionando a interação entre a coesão e a coerência textual.

Para tanto se mostra a necessidade de atividades e de novas estratégias de trabalho que

focalizem o aspecto da coesão e coerência em produções textuais, apontando caminhos

diferentes de ensinar esse conteúdo conforme Marcos Bagno ( 1999 ), sendo relevante investigar

se há elementos de coesão e coerência em textos produzidos por alunos do Ensino Médio.

Analisar os elementos de coesão e coerência em produções escritas pelos alunos do

ensino médio de uma escola em Boa-vista – G.O será o objetivo desta pesquisa apoiando-se em

outros específicos como: analisar algumas produções textuais dos alunos do ensino médio;

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identificar marcas e não-marcas de coesão e coerência nos textos escritos e sugerir alternativas

para trabalhar e desenvolver melhor os elementos de coesão e coerência em produções escritas

dos alunos.

Para nortear esta pesquisa, serão utilizados alguns conceitos de autores especialistas em

coesão e coerência textual como Leonor Lopes Fávero em Coesão e coerência textuais e também

Ingedore Villaca Koch em A Coerência Textual que expõe claramente a constituição dos

sentidos nos textos e também se apóia em exemplos bem escolhidos para expor a complexa

propriedade da coerência textual. Além de Beaugrande, Dressler e Travaglia.

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I- COMPETÊNCIA TEXTUAL

A competência textual é formada por habilidades que se dividem em capacidades de

parafrasear um texto, de resumi-lo, de atribuir-lhe um título, de produzir um texto, a partir de um

título dado, e de distinguir um texto segundo os vários tipos de texto.

O termo “texto” pode ser tomado em duas acepções:

Texto em sentido amplo, designando toda e qualquer manifestação da

capacidade humana ( musical, um filme, uma escultura, um poema, etc)

e, em se tratando de linguagem verbal, temos o discurso, atividade

comunicativa de um sujeito, numa situação de comunicação dada,

englobando o conjunto de enunciados produzidos pelo locutor e o evento

e sua enunciação.( FÁVERO e KOCH, 1983, p. 25 )

O texto consiste, então, em qualquer passagem falada ou escrita num contínuo

comunicativo caracterizado pelos fatores da textualidade dentro dos quais falar-se-á da coerência

e coesão. Coerência é a ligação em conjunto dos elementos formativos de um texto; a coesão é a

associação consistente desses elementos. Estas duas definições literais não contemplam todas as

possibilidades de significação destas duas operações essenciais na construção de um texto e nem

sequer dão conta dos problemas que se levantam na contaminação entre ambas.

As definições apresentadas constituem apenas princípios básicos de reconhecimento das

duas operações. A distinção entre estas duas operações ou fatores de textualidade está ainda em

discussão quer na teoria do texto quer na lingüística textual.

Entre os autores que apenas se referem a um dos aspectos, sem qualquer distinção, estão

Halliday e Hasan, defendem ser a coesão entre as frases o fator determinante de um texto

enquanto tal; é a coesão que permite chegar à textura (aquilo que permite distinguir um texto de

um não-texto); a coesão obtém-se em grande parte a partir da gramática e também a partir do

léxico. Por outro lado, autores como Beaugrande e Dressler(1981) apresentam mais um ponto de

vista: coerência e coesão são níveis distintos de análise. A coesão diz respeito ao modo como se

liga os elementos textuais numa seqüência; a coerência não é apenas uma marca textual, mas diz

respeito aos conceitos e às relações semânticas que permitem a união dos elementos textuais.

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A coerência de um texto é facilmente deduzida por um falante de uma língua, quando não

encontra sentido lógico entre as proposições de um enunciado oral ou escrito. É a competência

lingüística, tomada em sentido lato, que permite a esse falante reconhecer de imediato a

coerência de um discurso. A competência lingüística combina-se com a competência textual para

possibilitar certas operações simples ou complexas da escrita literária ou não literária: um

resumo, uma paráfrase, uma dissertação a partir de um tema dado, um comentário a um texto

literário, etc.

Coerência e coesão são fenômenos distintos porque podem ocorrer numa seqüência

coesiva de fatos isolados que, combinados entre si, não têm condições para formar um texto. A

coesão não é uma condição necessária e suficiente para constituir um texto.

A coerência de um texto depende da continuidade de sentidos entre os elementos descritos

e inscritos no texto. A fronteira entre um texto coerente e um texto incoerente depende, em

exclusivo, da competência textual do leitor para decidir sobre essa continuidade fundamental que

deve presidir à construção de um enunciado. A coerência e a incoerência revelam-se não direta e

superficialmente no texto, mas indiretamente por ação da leitura/audição desse texto. As

condições em que esta leitura/audição ocorre e o contexto de que depende o enunciado

determinam também o nível de coerência reconhecido.

A primeira reação de um leitor comum é a de não reconhecer qualquer elemento específico

que permita concluir tratar-se de um texto literário, mesmo que seja possível reconhecer nele

coesão (o enunciado está construído linearmente e respeita todas as regras gramaticais de

conexão). O que se duvida da literariedade e da textualidade deste texto é a sua aparente falta de

sentido na relação entre o sinal gráfico de exclamação, centralizado como um título, e o

enunciado subjetivo. De certeza, muitos resistirão inclusive à aceitação de tal texto como um

texto e dirão tratar-se de uma "aberração lingüística", um "capricho semântico", uma "construção

acidental de palavras e sinais", ou qualquer outra coisa semelhante. Um leitor mais exigente

poderá argumentar que tal construção é de fato um texto literário, cuja literariedade e

textualidade estão associadas à combinação intencional entre um signo gráfico e signos

lingüísticos, com o objetivo de produzir uma relação significativa simbólica - existirá, portanto,

certa coerência. A explicitação de tal relação significativa variará naturalmente de leitor para

leitor, conforme a sensibilidade literária de cada um.

Neste segundo caso, em que se procura uma significação literária para uma construção

aparentemente não literária, dificilmente poderia se defender a pretensa literariedade e a

textualidade com argumentos lógicos para todos os leitores, o que nos leva a concluir que o que

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faz a literariedade e a textualidade de um texto é em primeiro lugar o reconhecimento geral dessa

propriedade por toda uma comunidade interpretativa.

Não esquecer ainda que qualquer texto pode resistir à tentativa de controlar a sua

organização interna, isto é, pode resistir a qualquer delimitação do seu nível de coerência. Nisto

se distingue da coesão, que possui um grau de resistência menor. A coerência está mais sujeita à

interpretação do que a coesão. Se não é possível determinar uma classificação textual, porque

não é possível sistematizar processos de resolução hermenêutica, já é possível determinar regras

gramaticais de coesão e sistematizar processos de construção textual.

Para além da lingüística textual, pode-se discutir os conceitos de coesão e sobretudo o de

coerência no âmbito da textualidade puramente literária, por exemplo, na construção de uma

narrativa. Tradicionalmente, todas as formas naturais (para distinguir das formas subversivas de

vanguarda) de literatura ambicionam a produção de textos coesos e coerentes, por exemplo, no

caso do romance, com personagens integradas linearmente numa narrativa, com uma intriga de

progressão gradual controlada por uma determinada lógica, com ações interligadas numa sintaxe

contínua, com intervenções do narrador em momentos decisivos, etc. Por outro lado, nunca

ficará claro que todas as formas de anti-literatura possam ser desprovidas de coesão e de

coerência.

As experiências textuais que tendam a contrariar as convenções de escrita e/ou até mesmo

as regras da gramática tradicional também podem distinguir-se por uma forte coesão ou

coerência dos seus elementos.

Nenhum leitor terá dificuldade em reconhecer a coesão textual com os seus elementos

léxico-gramaticais devidamente postos numa seqüência lógica, e a coerência das idéias

comunicadas num contínuo narrativo convencional. Numa primeira leitura, o texto oferece

resistência a ser considerado um texto, a ser considerado um texto coeso, a ser considerado um

texto coerente. Este texto é uma forma de anti-literatura, cuja coesão e coerência dependem em

exclusivo da capacidade de abstração do leitor para poder ser entendido. Se começamos por dizer

que um falante necessita de possuir uma competência textual e uma competência lingüística para

reconhecer a coerência e a coesão de um enunciado escrito ou oral, também é legítimo exigir

uma competência literária e cultural ao leitor que quiser interpretar um texto anti-literário de

textualidade literária não convencional.

Não é de desprezar o conceito de coerência dentro da filosofia, nomeadamente no âmbito

das especulações sobre a verdade, que ocuparam pensadores como Espinoza, Leibniz, Hegel,

Bradley, Neurath ou Hempel, Beaugrand, Dressle e Koch cada um defendendo abordagens

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diferentes entre si, mas todos estudando o critério da verdade a partir do conceito de coerência.

Resume-se assim, as principais proposições que os teóricos da coerência discutem: 1) a coerência

é o critério da verdade; 2) a coerência é uma propriedade essencial do mundo; 3) a verdade só

pode ser definida em termos de coerência.

Ora, se não há filosofia sem a coerência de juízos, também não há teoria nem crítica

literária, ou qualquer ciência que pretenda alcançar alguma forma de conhecimento. Em termos

de textualidade convencional, um texto necessita da mesma coerência de juízos para formar

sentido e poder constituir-se como texto legível. Esta coerência pode ser aceita como critério

geral de textualidade como é aceita na avaliação filosófica da veracidade dos juízos. O teórico da

literatura só não precisa concordar (ou provar) que o mundo seja igualmente coerente - tarefa das

crenças ontológicas na coerência. Ao contrário da matemática, por exemplo, a literatura não é

uma rede de verdades que consideramos verdadeiras porque é possível provar objetivamente que

são coerentes com outras verdades - em literatura, uma verdade não implica necessariamente

outra verdade, tal só deve ser possível e lógico ao nível da textualidade pura, que exclui certos

problemas epistemológicos como a indeterminação, verdadeiros inimigos da coerência, não da

literatura. Por tudo isto, a coerência como critério de textualidade só faz sentido ao buscar-se

uma determinada ordem sistemática num texto, em oposição à desordem que proporciona a

ilegibilidade, cuja aceitação dependerá sempre da posição crítica do leitor.

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II. COESÃO E COERÊNCIA SEGUNDO BEAUGRANDE, DRESSLER, KOCH E

TRAVAGLIA.

Pretende-se construir um quadro teórico que, em princípio, estará pautado nos

seguintes autores: Robert de Beaugrande, Wolfgang Dressle, Ingedore Villaça Koch.

1. A lingüística textual

O estudo da coesão textual tem sido predominantemente desenvolvido dentro do ramo

da lingüística a que se denomina de Lingüística do Texto.

A Lingüística do texto foi uma corrente de pesquisa que surgiu nos anos 60, cujo objeto

particular de investigação era o TEXTO. Só veio a ter projeção a partir dos anos 70. Teve

inicialmente, por preocupação descrever os fenômenos sintático-semânticos que ocorriam entre

enunciados ou seqüências de enunciados. Este é o momento a que se denomina “análise

transfrástica”, no qual não se faz, ainda, distinção nítida entre fenômenos ligados uns à coesão,

outros à coerência do texto.

Na década de 70, muitos estudiosos encontraram-se, ainda, bastante presos à gramática de

texto. A partir da descrição de fenômenos lingüísticos inexplicáveis pelas gramáticas de frase -

já que um texto não é simplesmente uma seqüência de frases isoladas – mas uma unidade

lingüística como propriedades estruturais específicas. Tais gramáticas tiveram por objetivo

apresentar os princípios de constituição do texto em dada língua (Koch,1989 ).

Foi a partir de 1980 que as Teorias do Texto ganharam corpo. Assim, a Lingüística

Textual amplia-se e apresenta-se em diversas vertentes. Existem vários representantes de cada

uma delas como Givon, Weinrich, Van Dijk, Petofi, Schmidt, Hallidy e Hasan, Beugrande e

Dressler, entre outros.

A fundamentação teórica desta pesquisa irá se deter nas teorias apresentadas por

Beuagrande e Dressler. Os mesmos têm se dedicado ao estudo dos principais critérios ou padrões

de textualidade e do processamento cognitivo do texto. Apontam como critérios de textualidade a

coesão a coerência (centradas no texto ); a informatividade, a situcionalidade, a

intertextualidade, a intencionalidade e a aceitabilidade ( centrados no usuários). Adotam entre

outros pressupostos, os da semântica, dá realce ao estudo da coerência e do processamento do

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texto, não só ao conhecimento declarativo (dado pelo conteúdo proporcional dos enunciados),

mas também ao conhecimento construído.

2. Coesão e Coerência segundo Beaugrande e Dressler

Segundo Beaugrande e Dressler (1981), existem alguns elementos ou fatores

responsáveis pela textualidade. Tais fatores são em número de sete: coesão, coerência,

informatividade, situacionalidade, interxtualidade, intencionalidade e aceitabilidade. Este

trabalho será dedicado ao estudo de dois fatores: coesão e coerência textuais.

De acordo com os mesmos, a coesão textual é a maneira como os componentes da

superfície textual, isto é, as palavras que ouvimos ou vemos são mutuamente conectadas em uma

seqüência. A coesão dentro da frase, oração e período resultando de dependências gramaticais de

curta distância, prontamente identificáveis e que são, assim, mais diretas e óbvias que as

existentes entre unidades de discurso mais extensas como frases e parágrafos. Nestes segmentos

maiores do texto, o que se faz é descobrir como os elementos e estruturas já usados podem ser

reutilizados, modificados e compactados, o que se dá por mecanismo de repetição, substituição,

omissão e assinalamento de relação.

Para os autores existem sete tipos de coesão: recorrência, pró-formas, elipse, tempo e

aspecto, junção, perspectiva funcional, frase e entoação.

2.1 Recorrência - é a repetição de elementos e se dá quando a ocorrência original é

reiterada uma ou mais vezes. Existem vários tipos de recorrência – lexical que é a repetição da(s)

mesma(s) palavra(s) ou expressão (ões); parcial que ocorre quando há repetição de elementos

básicos de palavras já usadas, mas mudados para uma classe diferente e a paráfrase onde há

recorrência de conteúdos, mas com mudança de expressão.

2.2 Pró-formas – recursos coesivos usados na comunicação diária para abreviar e

simplificar a superfície textual. São palavras pequenas, econômicas, vazias de sentido e que

ficam no lugar de outras no texto. A mais conhecida das pró-formas é o pronome. Pode ser usado

depois da expressão substituída, o que poderá ocorrer, então, é a anáfora. Mas pode vir antes da

expressão que substitui, e, neste caso, tem-se a catáfora. Há outros tipos de pró-formas, uma que

pode estar no lugar de um verbo ou frase verbal, isto é, um pró-verbo; uma outra que é um pró-

modificador cuja palavra pode funcionar como pró-complemento e ficar no lugar de qualquer

modificador ligado ao verbo.

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2.3 Elipse - ocorre quando se pode verificar uma perceptível descontinuidade na

superfície textual. Quando a estrutura completa se encontra antes da elipse tem-se uma anáfora

elíptica.

2.4 Junção - pode dar-se com ou sem uso de partículas seqüenciadoras. A função sem

partículas extrapola o âmbito da coesão textual, pois diz respeito ao modo dos componentes da

superfície textual se encontram conectados entre si através dos elementos lingüísticos.

Inexistindo tais elementos, cabe ao leitor construir a coerência do texto e estabelecer

mentalmente as relações semânticas ou discursivas. Nesses casos, o lugar do conector ou

partícula é marcado, na escrita, por sinais de pontuação ( vírgula, ponto -e-vírgula, dois pontos e

ponto ) e, na fala, pelas pausas. A junção com partícula se estabelece em um seqüenciamento

coesivo entre porções maiores ou menores da superfície textual.

Justifica-se a não citação dos outros tipos de coesão pelo fato de que a perspectiva

funcional da frase diz respeito, também, à informatividade e a entoação, aos discursos orais, o

que foge ao objetivo deste trabalho.

3. Aplicação das teorias de Beaugrande e Dressler segundo Koch.

Koch (1989) adotará em seu trabalho “A coesão textual” alguns tipos de coesão

apresentadas por Beaugrande e Dressler. Serão utilizados exemplos da mesma, para

demonstrarem-se os mecanismos que envolvem a coesão textual enfocados no tópico anterior.

Recorrência é a repetição de elementos e se dá quando a ocorrência original é reiterada

uma ou mais vezes.

No que se refere à recorrência, pode-se classificá-la em:

3.1 - Recorrência de termos: É a repetição da mesma palavra ou expressão: “O trem

corria, corria, corria...”

3.2 - Recorrência de estruturas: É a repetição de estruturas, mas preenchidas com

expressões diferentes (paralelismo sintático): “Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm

mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores....” Gonçalves Dias.

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3.3 – Recorrência de conteúdos semânticos: Se refere à paráfrase que é a recorrência

de conteúdos, mas com mudança de expressão: “Eu nunca havia visto um assassino... símbolo

respeitável que dá reparação ao tirador de vidas”.

3.4 – Recorrência de recursos fonológicos segmentais: “ O poeta é um fingidor: finge

tão completamente, que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente.”( Fernando Pessoa p.8)

Quanto às pró-formas a autora irá chamá-las de formas remissas. Tem a seguinte

classificação:

3.5 - As formas não-referenciais presas: são as que acompanham um nome,

antecedendo-o e também ao modificador anteposto ao nome dentro do grupo nominal. São elas

artigos, os pronomes, adjetivos, os numerais cardinais e ordinais e também quando acompanham

o nome os pronomes pessoais de 1º e 2º pessoas que se prendem ao elemento situacional.

“Um índice importante do descalabro da atual situação econômica do país é o gradativo

empobrecimento da classe média.”

“Preciso de alguns alunos para ajudar na pesquisa. Dois procederão ao levantamento do

corpus... O primeiro aluno que se apresentar como voluntário será o coordenador.”

3.6 - As formas não referenciais livres: são aquelas que não acompanham um nome,

mas que são utilizadas para fazer remissão, anafórica ou cataforicamente, a um ou mais

constituintes do universo textual são eles:

3.6.1 - Pronomes pessoais de 3º pessoa: ele (s) ela(s) “ As crianças estão viajando. Elas

só voltarão no final do mês.”

3.6.2 - Pronomes substantivos / demonstrativos, possessivos, indefinidos, interrogativos

e relativos. “Os candidatos foram convocados no edital. Os mesmos deverão apresentar-se,

munidos de documento.” ; “ Esta é a minha opinião sobre o assunto. E sua qual é?; Trouxeram-

lhes flores, doces, presente. Foi tudo em vão."” Quantos e quais são os países da América do

Sul?”; “ Cerca de mil pessoas compareceram à homenagem, dentre as quais se destacaram os

políticos, os artistas e os esportistas célebres.”

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3.6.3 - Numerais: “Antônio, José e Pedro estudaram desde pequenos. Os três

pretenderam forma-se em medicina.”.

3.6.4 - Advérbios: “Perto do parque há um pequeno restaurante. Lá se reúnem muitos

jovens ao entardecer”.

3.6.5 - Locuções adverbiais: “Luciano acha que a desonestidade não compensa. Pena é

que sua mulher não pense de modo semelhante”.

3.6.6 - Verbo: “O presidente resolveu reduzir os gastos da administração pública. Os

governadores fizeram o mesmo”.

3.7 - As formas remissas referenciais: são aquelas que, além de trazerem instruções de

conexão, fornecem indicações no nível da referência. São elas:

3.7.1-Expressões ou grupos nominais definidos: “Lula perdeu a batalha

no congresso”. “O presidente do Brasil vem sofrendo sucessivas derrotas políticas.”

3.7.2 - Nominalização: “Os grevistas paralisaram todas as atividades da fábrica. A

paralisação durou uma semana.”

3.7.3 - Expressões sinônimas: “A porta abriu e apareceu uma menina. A garotinha tinha

olhos azuis e longos cabelos dourados.”.

3.7.4 - Elipse: tem valor referencial “Os companheiros chegaram atrasados. (�) Tinham

errado o caminho e custaram a encontrar alguém que os orientasse”.

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3.7.5 - Justaposição: está dividida em três grupos: meta- nível / “ A hipótese acima

aventada faz previsões que podem ser verificadas empiricamente.” ; marcadores de situação

de tempo ou espaço: “Tratarei, primeiramente, da origem do termo, depois falarei de sua

evolução histórica. E por fim, marcadores convencionais: “ Parece que nossas autoridades

econômicas não estão se entendendo muito bem. Por falar nisso, o que você me diz do novo

choque econômico?”

Pode-se inferir que a coerência textual resulta da configuração que assumem os conceitos

em relações subjacentes à superfície textual. É considerado o fator fundamental da textualidade,

porque é responsável pelo sentido do texto. Envolve não só aspectos lógicos e semânticos, mas,

também, cognitivos, na medida em que depende do partilhar de conhecimentos entre os

interlocutores. Assim, a coerência diz respeito ao nexo entre conceitos e a coesão à expressão

desse nexo no plano lingüístico, ou seja, a coesão e a manifestação lingüística da coerência.

4- A coerência textual por Ingedore Vilhaça Koch e Luiz Carlos Travaglia

A coerência está ligada à lógica e ao raciocínio textual, porém para fazer julgamento de

um texto coerente ou incoerente deve ser levado em consideração o gênero textual e contexto em

que o texto está inserido. Uma produção pode ser realizada, por exemplo, em um mundo “real”

ou “imaginário”.

...o juízo de incoerência não depende apenas do modo como

se combinam elementos lingüísticos no texto, mas também de

conhecimentos prévios sobre o mundo e do tipo de mundo em

que o texto se insere, bem como do tipo de texto.

(KOCH e TRAVAGLIA. p. 10 )

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A coerência está intimamente ligada ao sentido do texto, é a possibilidade de estabelecer

valores semânticos ao mesmo. O sentido dado ao texto é visto como um todo, uma vez que a

coerência é global.

Para haver coerência é extremamente importante que haja alguma forma de unidade ou

uma relação entre seus elementos. O texto a seguir sugerido por Ingedore Vilhaça e Travaglia,

mostra que palavras aleatórias também podem estabelecer ligações e relações com enunciados

anteriores e posteriores formando um só sentido.

(A Eterna Imprecisão de Linguagem)

Carlos Drummond de Andrade

- Que pão!

Doce? de mel? de açúcar? de ló? de ló de mico? de trigo?de milho? de mistura? de rapa? de

saruga? de soborralho? do céu? dos anjos? brasileiro? francês? italiano? alemão? do chile? de

forma? de bugio? de porco? de galinha? de pássaros? de minuto? ázimo? bento? branco?

dormindo? duro? sabido? saloio? seco? segundo? nosso de cada dia? ganho com suor do rosto?

que o diabo amassou?

- Uma uva!

Branca? preta? tinta? moscatel? isabel? maçã? japonesa? ursina? mijona gorda? brava? bastarda?

rara? de galo? de cão? de cão menor? do monte? da serra? de mato grosso? de facho? de gentio?

de joão pais? do nascimento? do inverno? do inferno? de praia? de rei? de obó? da promissão

roxa? verde da fábula de La Fontaine? espim? do diabo?

A coerência deve ser entendida como um princípio de

interpretabilidade, ligada à inteligibilidade do texto

numa situação de comunicação e à capacidade que

o receptor tem para calcular o sentido deste texto.

(KOCH e TRAVAGLIA. p. 21 )

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- Ô diabo!

Lúcifer? Belzebu? Azazel? Exu? marinho? alma? azul? coxo? canhoto? beiçudo? rabudo?

careca? tinhoso? pé-de-pato? pé-de-cabra? capa verde? romãozinho? bute? cafute? pedro

botelho? temba? tição? mafarrico? dubá? louro? a quatro?

- É uma flor!

Da noite? de um dia? do ar? da paixão? do besouro? da quaresma? das almas? de abril? de maio?

do imperador? da imperatriz? de cera? de coral? de enxofre? de lã? de lis? de pau? de natal? de

são Miguel? de são benedito? da santa cruz? de sapo? do cardeal? do general? de noiva? de

viúva? da cachoeira? de baile? de vaca? de chagas? de sangue? de Jesus? do espírito santo? dos

formigueiros? dos amores? dos macaquinhos? dos rapazinhos? de pelicano? de papagaio? de

mel? de merenda? de onze horas? de trombeta? de mariposa? de veludo? do norte? do paraíso?

de retórica? neutra? macha? estrelada? radiada? santa? que não se cheira?

- É uma bomba!

De sucção? de roda? de parede? premente? aspirante-premente? de incêndio? real? transvaliana?

vulcânica? atômica? de hidrogênio? de chocolate? suja? de vestibular de medicina? de

anarquista? de são João e são pedro? de fabricação caseira? de aumento do preço do dólar?

enfeitada? de zoncho? de efeito psicológico?

- É um amor!

Perfeito? perfeito da china? perfeito do mato? perfeito azul? perfeito bravo? próprio? materno?

filial? incestuoso? livre? platônico? socrático? de vaqueiro? de carnaval? de cigano? de

perdição? de hortelão? de negro? de deus? do próximo? sem olho? à pátria? bruxo? que não ousa

dizer seu nome?

- Vá em paz!

Armada? otaviana? romana? podre? dos pântanos? de varsóvia? de requiescat? e terá?

- Vá com Deus!

Qual?

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Extraído de: Silveira, Maria Helena. Comunicação, Expressão e Cultura Brasileira nº 3.

Petrópolis: Vozes, 1971, p. 53-55.

Nota-se no texto de Drummond que ele está todo interligado, ou seja, as palavras fazem

referência em toda a produção. O título é bastante sugestivo e dá base para detectar a relação

entre os itens lexicais.

...a coerência é a relação entre os atos de fala que as

preposições realizam (uma proposição é definida como

a representação lingüística de um estado de coisas por

meio de um ato de referência e um ato de predicação, daí

a expressão conteúdo proposicional.

(WIDDOWSON p. 25)

Ao estudar a coerência textual, surge a importância de classificá-la, para que o conteúdo

se restrinja mais e torne mais fácil a sua compreensão. Diji e Kintsch (1983) mencionam vários

tipos de coerência.

4.1- Coerência semântica: refere-se à relação entre significados dos elementos das frases,

parágrafos e o texto como um todo.

4.2- Coerência sintática: refere-se aos meios sintáticos utilizados para expressar a coerência

semântica, como, por exemplo, os conectivos, o uso de pronomes, de sintagmas nominais etc.

4.3- Coerência estilística: refere-se ao estilo do registro lingüístico. Esta noção tem utilidade na

explicação de fenômenos de quebra estilística, por exemplo, o uso de gírias em textos

acadêmicos. etc.

4.4- Coerência pragmática: está relacionada a uma seqüência de atos de fala. E essa seqüência

tem que satisfazer as mesmas condições presentes em uma dada situação comunicativa, como

por exemplo, os vocábulos pedidos x atendimento, possuem relação de sentido, já pedido x

ameaça não possuem seqüência de atos.

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5- Relação entre Coerência e Coesão

A coerência se relaciona com a coesão, uma vez que a coesão se entende por ligação,

relação, os nexos que se estabelecem entre os elementos que constituem a superfície textual. Já a

coerência é uma questão de raciocínio (interna) enquanto a coesão é explicitamente relevada por

meio de marcas lingüísticas. Ainda assim, a coesão ajuda a estabelecer a coerência na

interpretação textual, porque surge como uma manifestação superficial da coerência no processo

de produção desses mesmos textos.

...o texto não é coerente porque as frases que o compõem

guardam entre si determinadas relações, mas estas relações

existem precisamente devido à coerência do texto. A relação

entre coesão e coerência é um processo de mão dupla: na

produção do texto se vai da coerência (profunda), a partir da

intenção comunicativa, do pragmático até o sintático, ao

superficial e linear da coesão e na compreensão do texto se

percorre o caminho inverso das pistas lingüísticas na

superfície do texto à coerência profunda.

(Benárdez p. 36)

Apesar de a coesão favorecer o texto e auxiliar no estabelecimento da coerência, ela não é

garantia de se obter um texto coerente, uma vez que os elementos lingüísticos da coesão não são

suficientes para que a coerência aconteça.

6- Fatores de Coerência

A coerência deriva de vários fatores em diversas ordens: lingüístico, discursivo,

cognitivos, culturais e interacionais. Eis alguns fatores que contribuem com a coerência:

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6.1 - Elementos lingüísticos

Os elementos lingüísticos contribuem para dar pistas dos conhecimentos guardados na

memória, constituem também o ponto de partida para elaboração de inferências, etc.

Todo o contexto lingüístico contribui na construção de um texto coerente, pois se devem

levar em consideração o significado das palavras, os recursos que permitem retomar coisas já

mencionadas e apresentar idéias que serão apresentadas posteriormente.

6.2 - Conhecimento de mundo

O conhecimento de mundo interfere no estabelecimento da coerência, uma vez que o

texto se tornará compreensivo se há conhecimento no que for lido.

O nosso conhecimento de mundo desempenha um

papel decisivo no estabelecimento da coerência: se

o texto falar de coisas que absolutamente não

conhecemos, será difícil calcularmos o seu sentido

e ele nos parecerá destituídos de coerência. É o que

aconteceria a muitos de nós se nos defrontássemos

com um tratamento de física quântica.

(Koch e Travaglia p 72)

6.3 - Conhecimento compartilhado

Na análise de um texto faz-se necessário que tanto o produtor como o receptor tenham

conhecimento em comum e quanto maior for esse conhecimento, maior é a interpretabilidade da

produção textual.

Cada texto traz informações já conhecidas e informações novas, para que o texto seja

coerente deve haver um equilíbrio entre essas informações.

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6.4 - Inferências

As inferências ocorrem em todas as leituras, pois os textos não vêm prontos e acabados,

várias partes dele podem ser percebidas por inferências feitas pelo leitor. A coerência textual tem

sido tão cobrada em exames vestibulares e concursos que de um modo geral iniciam suas

questões da seguinte forma: “Infere-se do texto que...”

Quase todos os textos que lemos ou ouvimos

exigem que façamos uma série de inferências

para podermos compreendê-los integralmente.

Se assim não fosse, nossos textos teriam de ser

excessivamente longos para poderem explicitar

tudo o que queremos comunicar.

(Koch e Travaglia p. 79)

6.5 - Fatores de contextualização

São aqueles que amparam o texto em uma determinada situação comunicativa, a

contextualização dá subsídios para uma melhor compreensão do mesmo.

6.6 - Situacionalidade

A situação comunicativa do texto é extremamente importante para o estabelecimento da

coerência e vem atuando em duas direções:

a) da situação para o texto – interfere na produção e na recepção do texto, um exemplo claro

dessa situação é notado quando o contexto sociopolítico-cultural em que o texto está inserido.

b) do texto para a situação – levando em consideração que um mundo textual não é jamais

idêntico ao mundo real, mas sim um mundo visto pelo produtor a partir de determinada

perspectiva e determinadas intenções.

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6.7 - Informatividade

Esse conteúdo diz respeito ao grau de previsibilidade da informação contida no texto, ela

vai determinar a seleção e o arranjo das alternativas de distribuição da informação no texto.

6.8 - Focalização

Está relacionada à concentração, tanto por parte do produtor, como por parte do receptor,

em apenas uma parte do conhecimento. Diferenças de focalização podem causar problemas

sérios de compreensão e tem relação direta com o conhecimento de mundo e o conhecimento

compartilhado. Um mesmo texto, dependendo da focalização pode ser lido de modo totalmente

diferente.

No ensino de redação, é conveniente orientar o aluno a delimitar o seu assunto, nesse

caso é feita uma abertura para a teoria da focalização.

6.9 - Intertextualidade

É um fator muito importante para a coerência textual, uma vez que o processamento

cognitivo na produção e na recepção de um texto, recorre-se ao conhecimento prévio de outros

textos. Essa recorrência pode ser consciente ou inconsciente e sempre auxilia na formação de um

texto organizado no que se refere às idéias.

7.0 - Consistência e relevância

Um texto consistente é aquele que a argumentação é lógica e bem feita, ou seja, todos os

enunciados do texto têm de ser verdadeiros. Já a relevância é importante para uma produção

textual na medida em que a abordagem feita pelo autor é pertinente e que o assunto não seja

distanciado do tema a ser tratado.

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III - NÃO-MARCAS DE COESÃO E COERÊNCIA EM REDAÇÕES ESCOLARES DO

ENSINO MÉDIO

São comuns os textos sem unidades, ou seja, desconexos lingüisticamente ou

desconectados, isto é, sem coesão e sem coerência. A seguir, descrevem-se partes de textos,

extraídos de redações do Ensino Médio:

TEXTO I

“O Brasil vive uma guerra civil diária e no entanto sem trégua, no Brasil se orgulha da

índole pacífica e hospitaleira de seu povo porém a sociedade organizada ou não para esse fim

também promete a matança impiedosa fria de crianças e adolescente.”

Ensino Médio, 1º Ano

TEXTO II

“O Brasil vive uma guerra civil diária. No Brasil, que se orgulha da índole pacífica de

seu povo a sociedade organizada e impiedosa e fria de crianças e adolescentes. Pelo menos sete

milhões destes, segundo estudos do Fundo das Nações Unidas para a infância vivem nas ruas.”

Ensino Médio, 1º Ano

TEXTO III

“Nosso pais, é visto lá fora como um país bondoso e que aceita tudo realmente, o que

percebemos é isso, entretanto sabemos que não é assim, somos bondosos até onde é bom par

nós; só que o bom parece que nunca chega e ficamos com as sobras, continuando a ser um pais

subdesenvolvido onde quem sofre é o povo , daí tanto miséria e discordia.”

Ensino Médio, 1º Ano

TEXTO IV

“ O Brasil nos últimos tempos vem sendo um dos países com maior indice de corrupção

politica e uma vez um membro da base governista e acusação de se envolver em um desses

esquemas. Daniel Dantas membro da câmara legislativa e acusado de fornecimento de

informações sigilosas e também caixa dois. As providências tomadas foram somente o

afastamento do cargo na câmara legislativa e Daniel Dantas está foragido da polícia.”

Ensino Médio, 2º Ano

TEXTO V

“Nas últimas semanas vimos que a Bolívia e o Brasil entraram em um pequeno

confronto. Motivo: O Acre. Estado brasileiro antes pertencente a Bolívia e que foi comprado por

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nosso país. O presidente Luís Inácio Lula da Silva viu-se obrigado a mandar o exército par o

Acre a fim de defender-mos dos ataques bolivianos enquanto passávamos por problemas com a

sociedade paulista, que foi atingida por uma onda de violência provenientes de prisões de todo o

país.”

Ensino Médio, 2º Ano.

TEXTO VI

“A oposição ataca o governo acusando-o de estar a par de todos esses casos lembram

que as eleições se aproximam e questionam o povo. Querendo um período de quatro anos o povo

brasileiro que ver o país mergulhado nesse mar de desonestidade falta de carater e incerteza.”

Ensino Médio, 2º A

Nos textos I, II e III a descontinuidade e articulação são flagrantes. As primeiras frases

lançam uma idéia que não será mais retomada explicitamente. Não é imediata a compreensão dos

termos seguintes às primeiras frases dificultando a compreensão do leitor. Esses problemas

dizem respeito mais à coerência que à coesão, visto que não se resolveriam apenas com o

simples acréscimo de algum item coesivo. Seria importante explicitar conceitos e relações

lógico-semãntico-cognitiva organizando melhor as idéias. No plano da coesão, entretanto, os

autores utilizam a recorrência de termos como Brasil e país de forma correta. Os textos também

apresentam alguns erros de ortografia e acentuação tornando a leitura cansativa.

Os textos de IV a VI apresentam também problemas com relação à coerência -

descontinuidade das idéias, progressão das idéias -, embora de forma mais branda que os

primeiros. Os elos coesivos foram utilizados corretamente. Erros de ortografia, acentuação e

pontuação foram os que mais chamaram a atenção.

A ausência de um pensamento lógico naquilo que se escreve é mais grave do que o

desvio de grafia ou de sintaxe.

Credita-se grande parte dessa realidade à colcha de retalhos que se transformou o

mundo da informação. Não se lêem reportagens longas nem artigos, a leitura tem sido dinâmica e

salteada.

Estas influências, do mundo moderno, acabam sendo notadas nos textos escritos pelos

alunos, que revelam uma sucessão de coisas ditas ou escritas, formando uma cadeia que vai além

da simples seqüencialidade. Não há um entrelaçamento significativo que aproxime as partes

formadoras do texto falado ou escrito.

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IV - MARCAS DE COESÃO E COERÊNCIA EM REDAÇÕES DO ENSINO MÉDIO

Descrevem-se, a seguir, textos retirados de redações do Ensino Médio que apresentam

marcas de coesão e coerência.

TEXTO I

Pode ser observado, no trecho abaixo, que a coerência se faz presente a partir do

momento em que há uma organização dos argumentos e uma seqüência lingüística plausível. A

coesão, também, é notada, uma vez que destacam-se os elementos “ele”, que faz referência ao

“Brasil”. “Esta” que substitui o vocábulo sociedade e “deles” que refere-se a crianças e

adolescentes.

“O Brasil vive uma guerra civil diária e sem trégua. Ele que orgulha-se da índole

pacífica e hospitaleira de sua sociedade. Esta que organizada ou não promove a matança

impiedosa e fria de crianças e adolescentes.

Pelo menos sete milhões deles vivem nas ruas das cidades do nosso país, segundo

estudos da UNICEF ( Fundo das Nações Unidas para Infância).”

Ensino Médio, 1º Ano

TEXTO II

A aluna procurou se aproximar bem dos conceitos de coesão e coerência em sua produção, uma vez que utiliza os verbos fazendo referência aos seus sujeitos sem repeti-los. Utiliza conectivos, arquitetando todo o texto, como é caso de “ em conseqüência”, “por esse motivo”, “pois” e “no entanto”. O trecho em análise possui idéias pertinentes e uma seqüência de raciocínio bem estruturada. “ Oswald de Andrade, artista modernista, chegou a participar da Semana de Arte Moderna, de 1922 realizada no Teatro Municipal de São Paulo. Passou por crises financeiras no final da década de 1920, em conseqüência da queda da bolsa de valores de Nova York. Por esse motivo, viu-se obrigado a pedir dinheiro a agiotas. Uma de suas principais obras, O Rei da Vela, relata esse tema: Aberlado I tem uma “empresa”, a “Aberlado & Aberlado”. É um agiota que pode ser caracterizado como um verdadeiro capitalista, pois tudo o que pensa é em dinheiro. Aberlado II, no entanto, é um socialista assumido.”

Ensino Médio, 1º Ano

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TEXTO III Percebe-se a partir deste texto, que os elementos coesivos se fazem presentes a partir das conjunções utilizadas pela aluna. Inicia-se o texto citando datas e depois dessas citações, para se evitar recorrência, a autora utiliza “nessa época”. Apesar de haver repetição desnecessária no nome “O Rei da Vela”. Este parágrafo já foi o suficiente para uma breve análise da teoria explicitada nesta pesquisa. “Entre 1929 e 1932, o mundo viu a pior crise capitalista de sua história. Nessa época, Oswald de Andrade, já arruinado economicamente, foi obrigado a percorrer empresas de agiotagem. Seu desespero e sua angústia são apontados como a causa de escolher Abelardo I, um agiota, como Rei da Vela, personagem principal de seu livro” O Rei da Vela”], escrito em 1933.”

Ensino Médio, 2º Ano TEXTO IV A aluna evitou algumas repetições à medida que se utilizou de conectivos para complementar o sentido do texto. Percebe-se por meio dos conectivos destacados “Este, último e ambos” que eles foram utilizados para uma melhor coesão e seqüência de idéias. Nota-se a presença da coesão e, a partir desta, o texto vai se tornando coerente, ou seja, há uma lógica de idéias e raciocínio. “O livro “O Rei da Vela” foi escrito pelo artista modernista Oswald de Andrade. Este liderou o movimento modernista “Pau-Brasil” e “Antropofagia”. Ambos os movimentos visaram o nacionalismo e tinham como símbolo o tamanduá. Os mesmos se diferenciaram nos seguintes aspectos: O “Pau-Brasil” surgiu primeiro, mas Oswald de Andrade, em oposição, criou o “Antropofagia” que era totalmente radical, apesar do mesmo idealismo.”

Ensino Médio, 2º Ano

Infere-se, a partir desta breve análise, que a coesão é a manifestação lingüística da

coerência e se realiza nas relações entre elementos sucessivos: artigos, pronomes adjetivos,

adjetivos em relação aos substantivos; formas verbais nas relações espaços temporais

constitutivas do texto, na organização de períodos, de parágrafos, das partes do todo, como

formadoras de uma cadeia de sentido capazes de apresentar e desenvolver um tema ou as

unidades de um texto.

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IV - COMO ENSINAR A COESÃO E A COERÊNCIA A PARTIR DE UMA VISÃO

LINGÜÍSTICA

Observa-se atualmente que nas escolas de ensinos regulares há um privilégio de se

ensinar a gramática tradicional em detrimento às outras áreas de ensino da língua portuguesa,

como é o caso de análises e interpretações textuais e produções de texto. Esse fato faz com que o

professor de língua materna se sinta angustiado em explicar a estrutura de um texto, passar e

corrigir redações, trabalhar com debates e discussões em uma única aula.

Essa tradição metodológica de se privilegiar o ensino da gramática faz com que o aluno

não aperfeiçoe a sua capacidade de interação com a língua e acabe caindo no esquecimento, uma

vez que o aluno termina o ensino básico e muitas vezes não consegue falar e escrever de acordo

com a norma culta.

Sabe-se que a lingüística busca estudar uma determinada língua em sua totalidade, a

condenar quem o faz privilegiando apenas uma de suas variedades. Esta defende a existência de

três gramáticas: gramática internalizada, descritiva e normativa. A primeira pode ser definida

como a que o indivíduo traz em si, é a capacidade inata que este tem de falar e escrever sua

língua, já a segunda é uma espécie de gramática que descreve a língua como esta está sendo

utilizada pela população em uma determinada época – é um estudo sincrônico da mesma, por

contraste, a gramática normativa tem como principal característica o condicionamento da língua,

tentando fazer com que esta seja um instrumento estático. É justamente isso que faz com que

exista tanto conflito entre a GN e os indivíduos falantes de uma determinada língua, pois a

língua não se permite ficar estática, mas evolui continuamente e o produto final deste conflito é o

fato da GN nunca conseguir se realizar em uma dada sociedade, pois tem como ideologia o

impossível.

Diante desse posicionamento da GN, observam-se outros conflitos que a ideologia dessa

causa entre uma determinada língua e seu falante. Além de sua ideologia de não permitir a

evolução da língua, do ponto de vista sincrônico, por ter sido eleita como a forma de expressão

lingüística da elite tem o poder de dominação e descriminação. Essa dominação que tem como

conseqüência a descriminação de quem fala diferente acaba por fazer com que as pessoas,

falantes do português, sejam marginalizadas a sofrer com o preconceito lingüístico. É justamente

sob esse preconceito que a lingüística busca formular suas teorias e discutir suas questões

baseadas em argumentos plausíveis. Em meio a todo esse conflito entre falante e GN, a

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lingüística tem como principal argumento a idéia de questionar a superioridade da GN em

relação às outras variedades da língua, pois baseadas na própria história da GN percebe-se que

esta nasceu da descrição e da escolha de uma determinada variedade lingüística, entre outras,

para a sua composição. Diante desse fato a lingüística se pergunta: baseado em que critérios de

escolha, determinada expressão lingüística é superior à outra? A resposta vem, quase que

automática: baseado no critério de quem fala, ou seja, escolha baseada na elite – os dominadores.

Do ponto de vista de uma análise descarrega de preconceito social nota-se que este argumento

não convence, pois não é capaz de explicar o porquê de uma dada expressão lingüística superior

a outra, pois o que existe na verdade são diferenças.

O que é interessante de ser percebido é que a língua portuguesa deve ser vista e analisada

em sua totalidade a não se resumir apenas na norma culta, que é simplesmente mais uma

variedade da língua. Com isso amenizaríamos o preconceito lingüístico e a ideologia de que a

GN é a única forma correta de se expressar que deve ser seguida.

Baseado na discriminação da GN para com as pessoas que não realizam no cotidiano, por

vários motivos, o lingüista Marcos Bagno busca provar-nos a teoria lingüística – que defende a

idéia de que ninguém fala errado, mas sim diferente, a mostrar-nos em sua conhecida obra O

preconceito lingüístico (2000) que esse preconceito é arbitrário e que na verdade o problema

todo se resume não ao que se fala, mas sim a quem fala. Sua obra é dividida em mitos criados

pela GN e pela elite discriminadora. Os principais são:

1- A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente:

Para o autor esse é um dos mais sérios mitos se aplicado no contexto escolar, pois é

prejudicial à educação, uma vez que não reconhece a verdadeira diversidade do português falado

no Brasil, “a escola tenta impor sua norma lingüística como se fosse, de fato, a língua comum a

todos os 160 milhões de brasileiro, independente de sua idade, de sua origem geográfica, de sua

situação socioeconômica, de seu grau de escolaridade e etc.” (o preconceito lingüístico, pág. 15).

Bagno afirma que o fato do Brasil ter a língua portuguesa a mais falada entre sua população não

quer dizer que esse português seja um bloco compacto, coeso e homogêneo, pois apresenta

variações, com sua gramática específica, coerente, lógica e funcional. Assim, quando se fala em

língua portuguesa, no Brasil, fala-se de uma unidade que se constitui de muitas variedades.

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2- Português é muito difícil:

Esse mito tem origem ao fato da criança ao chegar na escola sentir que o português é

ensinado de uma forma que para ele parece uma língua estrangeira, pois as regras que são

passadas não correspondem realmente ao que se escreve ou ao que se fala no Brasil. Isso cria a

ideologia de que português é difícil, mas se não o resumirmos à norma culta esse mito pode ser

desmistificado, pois a mesma pessoa que afirma isso se comunica funcionalmente por meio do

português.

3- As pessoas sem instrução falam tudo errado:

Esse mito apóia-se arbitrariamente na idéia de que uma variedade lingüística é vista como

feia, pobre, carente... Não se adequa aos padrões da GN. Baseado em um exemplo comum aos

falantes do português no qual pessoas falam: Craudia, chicrete, prano... ao invés de Claudia,

chiclete e plano. Bagno descobriu que este é um fenômeno de evolução da língua, pois na

formulação da GN portuguesa, a etimologia de várias palavras foi modificas por conta desse

fenômeno, no qual, a elite da época falava cravo, ao invés de clavu (etimologia). Assim nota-se

que para o preconceito o que importa na verdade é quem fala e não o que se fala. Essa tese é tão

real, que se pode comprová-la por meio da observação dos sotaques. O sotaque do nordeste –

região mais pobre do Brasil, é visto como ridículo tanto pela elite social como para a televisão –

meio de comunicação de maior ascensão no Brasil, no entanto o do sul e sudeste – regiões de

maior poder aquisitivo, não sofrem com preconceito ou ridicularização.

4- É preciso saber gramática para saber falar e escrever bem:

Se esse mito fosse plausível, todos os gramáticos seriam grandes escritores (o que está

longe de acontecer) e todos os escritores seriam especialistas em gramática. Diante disso, o livro

relembra um episódio acontecido na vida de um dos maiores escritores do Brasil, Machado de

Assis, que ao abrir a gramática de um sobrinho se assustou com sua “ignorância” por não ter

entendido nada. Outro exemplo capaz de desmistificar isso é o fato de que muito antes da

gramática grega, que exerce até hoje grande influência em nossa cultura ocidental, ter sido

criada no século II a.C. enquanto que as grandes obras de Ulisses: Ilíada e Odisséia já eram

conhecidas no século IV a.C. na mesma época do grande dramaturgo Esquilo, verdadeiro criador

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da tragédia grega. O autor pergunta-se: que gramática eles consultaram? Nenhuma. Como

puderam escrever e falar tão bem a sua língua?

5- O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social:

O livro questiona esse mito com argumentos fortes e convincentes, ao se perguntar se o

fato de uma pessoa dominar a norma culta é a garantia de uma ascensão social? A resposta é

simples: não, pois se assim fosse os professores de português estariam obrigatoriamente no topo

da pirâmide social e um fazendeiro que freqüentou pouco a escola não teria a possibilidade de ser

rico. Para Bagno, o mero domínio da norma culta não é uma fórmula mágica capaz de resolver

todos os problemas de um indivíduo carente.

Diante de toda essa discussão entre gramáticos e lingüistas questiona-se: o que seria

plausível então? Deixar a GN de lado? Priorizar apenas os regionalismos ou a forma coloquial da

língua? Sabemos que formação do indivíduo dar-se na escola, diante disso vejamos o que a

escola pode fazer para que esse preconceito seja extinto da nossa sociedade, pois o que a

lingüística pretende na verdade, não é queimar todas as gramáticas tradicionais, mas sim

reconhecer que uma língua jamais pode ser resumida a apenas uma variedade lingüística e que

uma pessoa não deve ser discriminada pela variação lingüística usada, pois nada pode nos provar

que uma variação é superior à outra.

6- Por um ensino mais justo e mais compreendido da língua portuguesa nas escolas

brasileiras

Acredita-se que o primeiro passo para um ensino plausível de língua portuguesa no

Brasil, seria primeiramente mostrar para o aluno que a língua não se resume apenas a GN, mas

que esta é apenas mais uma variação e que por arbitrariedade é tida como superior. Nenhuma

variação é melhor do que a outra, mas sim diferente. Outra coisa que não pode deixar de ser

trabalhada com o aluno é a utilização dessas variações, as quais devem ser usadas pelos falantes

de acordo com o contexto em que este está sendo inserido. O importante é mostrar para os

estudantes a importância de conhecer todas as normas da língua e usar cada uma quando

necessário. Assim o aluno não se sentiria aprendiz de uma língua estrangeira quando o professor

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fosse ensinar a norma culta em sala de aula. Na verdade o papel ideal do professor de português

seria levar o aluno à norma culta partindo de sua gramática internalizada, ou seja, o seu jeito de

falar e escrever.

O ponto de partida para esse ensino da língua portuguesa em sua totalidade seria o

professor sugerir aos alunos que pesquisassem, tanto em livros tantos quanto em falares do

cotidiano as variações lingüísticas e a partir daí começar a discussão do tema, tendo como

objetivo fazê-los entender que a língua não é a GN, mas todas essas variações lingüísticas

pesquisadas e discutidas, fazendo-os perceber que nenhuma é melhor do que a outra, e sim

diferente, e que é importante conhecer e dominá-las usando cada uma dessas, com sua

particularidade, quando necessário.

Compreende-se que o ensino de coesão e coerência se apóia na gramática, porém ele é

maior compreendido quando se trabalha em produções textuais, uma vez que, é através da leitura

e escrita que o aluno consegue se apoiar melhor e produzir redações melhores.

O ensino de coesão e coerência não é um mero conteúdo que deva ser explicado com base

em determinada metodologia, mas é sobretudo para professor uma questão de postura, ideologia,

metas, objetivos e fundamentos, a ser trabalhada com os alunos.

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CONCLUSÃO

Observa-se a partir dessa pesquisa, que ao estudar o assunto coesão e coerência,

percebe-se uma grande dificuldade dos alunos em suas produções textuais no que se refere a esse

assunto. A partir dessa perspectiva foram dadas várias sugestões de como se trabalhar esse tema

em sala de aula, a fim de que as produções textuais tenham mais coerência, uma vez que a língua

não está desvinculada da experiência dos alunos.

Torna-se difícil trabalhar redação nas escolas, pois em sua maioria é privilegiado o ensino

da gramática, assim o aluno apenas “decora” regras e em muitas vezes não sabe aplicá-las em

seu cotidiano.

Um dos fatores que prejudicam a escrita dos alunos é a falta do hábito de leitura e a

coesão e coerência estão intrinsecamente ligadas a leituras anteriores e a leituras de mundo, além

de relacionarem a própria formação do aluno.

Deveria haver uma maior conscientização da parte governamental e da sociedade no que

se refere ao ensino da língua materna, fazendo com que fosse redistribuída a carga horária de

língua portuguesa, privilegiando leituras prazerosas e produções textuais.

Além disso, a população poderia ter mais acesso aos livros de seu interesse, pois são

poucas bibliotecas públicas de qualidade e os livros não são tão acessíveis à população.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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