Halford Mackinder e a Geografia Do Heartland

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26 O TEMA E O PROBLEMA te-americana: o geógrafo político Nicholas Spykman, formu- lador da teoria do Rimland e precursor da estratégia de con- tenção do pós-guerra, e o cientista político Zbigniew Brze- zinski, autor de uma relevante análise geopolítica e estratégi- ca sobre a confrontação soviético-americana. 4. Finalmente, procura-se testar o valor explicativo da teo- ria do poder terrestre e discutir a questão da obsolescência ou atualidade do pensamento de Mackinder no contexto do novo ordenamento mundial, emergente da vitória incruenta da ilha-continente americana sobre o Estado-pivô eurasiano. HALFORD MACKINDER I t.? EA GEOPOLÍTICA DO HEARTLAND A concepção histórico-geográfica A teoria do poder terrestre só adquire pleno sig- nificado quando analisada no contexto mais amplo da concepção histórico-geográfica que perpassa o pensamento geopolítico de Mackinder. Essa concepção tem como elementos ordenadores a visão compreensiva do mun- do como sistema político fechado, a idéia de história uni- versal baseada na causali~ade geográfica e o postulado da luta pela supremacia entre o poder marítimo e o poder ter- restre. o MUNDO COMO SISTEMA POLÍTICO FECHADO No que diz respeito à visão do mundo como sistema polí- tico fechado, é importante recordar que, na época ela ronlc- , "';-ência de Mackinder, em 1904, a expansão das grandes po- tências européias estava praticamente concluída. Com isso fechava-se o ciclo histórico que o geógrafo hritâriico deno- minou época colombiana, iniciado quatro séculos antes por dois outros movimentos expansionistas realizados simulta- neamente a partir dos pontos extremos da Europa. A ocidcn- 27

Transcript of Halford Mackinder e a Geografia Do Heartland

26 O TEMA E O PROBLEMA

te-americana: o geógrafo político Nicholas Spykman, formu-lador da teoria do Rimland e precursor da estratégia de con-tenção do pós-guerra, e o cientista político Zbigniew Brze-zinski, autor de uma relevante análise geopolítica e estratégi-ca sobre a confrontação soviético-americana.

4. Finalmente, procura-se testar o valor explicativo da teo-ria do poder terrestre e discutir a questão da obsolescênciaou atualidade do pensamento de Mackinder no contexto donovo ordenamento mundial, emergente da vitória incruentada ilha-continente americana sobre o Estado-pivô eurasiano.

HALFORD MACKINDERI t.? E A GEOPOLÍTICA DO HEARTLAND

A concepção histórico-geográfica

Ateoria do poder terrestre só adquire pleno sig-nificado quando analisada no contexto mais

amplo da concepção histórico-geográfica que perpassa opensamento geopolítico de Mackinder. Essa concepção temcomo elementos ordenadores a visão compreensiva do mun-do como sistema político fechado, a idéia de história uni-versal baseada na causali~ade geográfica e o postulado daluta pela supremacia entre o poder marítimo e o poder ter-

restre.

o MUNDO COMO SISTEMA POLÍTICO FECHADO

No que diz respeito à visão do mundo como sistema polí-tico fechado, é importante recordar que, na época ela ronlc-

, "';-ência de Mackinder, em 1904, a expansão das grandes po-tências européias estava praticamente concluída. Com issofechava-se o ciclo histórico que o geógrafo hritâriico deno-minou época colombiana, iniciado quatro séculos antes pordois outros movimentos expansionistas realizados simulta-neamente a partir dos pontos extremos da Europa. A ocidcn-

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28 HALFORD MACIUNDER E A GEOPOLÍTICA DO HEARTLAND

te, navegando pelo Atlântico e realizando o périplo africa-no, a expansão marítima portuguesa em busca do caminhopara as Índias; a oriente, partindo do Crão-Ducado de Mos-cou e ultrapassando os montes Urais, a expansão territorialrussa em direção aos vastos espaços da Sibéria,

Embora pouco divulgada no Ocidente, obscurecida quefoi pela epopéia das grandes navegações, a conquista dasestepes siberianas pelos russos produziu, a longo prazo, con-seqüências tão relevantes quanto a descoberta da rota doCabo p~~os portugueses e o domínio do Novo Mundo pelosespanhóis, Essa dupla expansão - o controle dos mares pe-los europeus ocidentais e a posse da mais extensa massa ter-ritorial contínua do planeta pelos russos - demarcou nosséculos seguintes a .oposição oceanismo uetsus continentalis-mo e descortinou o cenário do embate entre o poder maríti-mo e o poder terrestre pela hegemonia mundial.

O terceiro surto expansionista, realizado em fins do sécu-lo XIX, na África e na Ásia, completou a integração das dife-rentes regiões da superfície terrestre numa sociedade inter-nacional unificada. Com o advento do barco a vapor e doscanais interoceânicos, da locomotiva e das ferrovias tr ans-continentais, todas aquelas áreas estavam sendo interligadaspor um sistema de transportes marítimos e terrestres e sen-do totalmente envolvidas por uma rede de relações políticase econômicas de âmbito mundial.

Diversamente do ocorrido na época precedente, na re-cém-iniciada era pós-colombiana, não havia mais oceanosignotos a explorar, terras desconhecidas a descobrir ounovos continentes a conquistar. No plano político, a socie-dade internacional encontrava-se fragmentada num siste-ma interestatal anárquico e oligopolista; no plano econô-

H 2(.)HALFORD MACKINDER E A GEOI'OLÍTICA DO E:\RTLA:YD -

mico. estava integrada a um mercado único ele dimensão

1 " 1P anetar ia .O mercado mundial encontrava-se, por sua vez. dcsigual-

mente repartido em impérios coloniais e esferas de influên-cia entre um reduzido grupo de grandes potências. Paísesque se constituíram em Estados nacionais precoces, como alnohterra e a França, saíram à frente na corrida imperi,llis-

tlta, apossando-se da maior e melhor parte do butim colonial.Porém, países que constituíram Estados nacionais tardios,como foi especialmente o caso da Alemanha, chegaram ,UTa-sados na partilha colonial, quando a divisão estava pLlrie,,-mente concluída e, s~gundo Bisn~arck, s~ havi'lll1, ~ob~'aJo"pântanos e desertos . As subsequentes rivalidades I11tcT1~l-

perialistas, ávidas por uma nova divisão do mercado num-dial, arrastaram as grandes potências a urna corrida arma-mentista que, na virada do século, agravou ainda mais a cri-

se européia.Num sistema cujo cenário de ação era todo o planeta, tor-

navam-se cada vez mais raros os acontecirnentos isolados oueventos de repercussão localizada. Ao contrário da era co-lombiana, doravante uma crise ocorrida na mais distanteregião _ a exemplo da rebelião dos boxers na China ou doincidente de Fashoda no Sudão - poderia provocar gravesimpactos no epicentro da ordem internacional. Diversamcn-te do sucedido desde o Congresso de Viena, as guerras lo-cais comportavam agora o perigo de deflagrar uma gucrrageral, colocando em risco não só os países beligerantes, mas

o sistema como um todo.

8 t.;>

I Arou, Raymonc\. Os últimos anos do século. Rio de Janeiro: Editora GU'\l1;\bar;1.

1987, p. 18·34.

30 HALFORD MACKINDER E A GEOPOLÍTICA DO HEARTUlJ\'l)

, A anarquia internacional e o "estado de natureza" hobbe-s~n.o,' que carac~erizavam as relações entre as grandes po-~~nclas, prenunciavam o conflito generalizado que implodi-1~a o concerto europeu em 1914, Dessa forma, o início doseculo presenciou o surgimento de um sistema político fe-chado de extensão verdadeiramente mundial, do qual nãoestava excluído nenhum país ou nenhuma ree ião ' ,

A' c t1 ecuJoralOde abrangência estendia-se por todos os continentes,

Es:e ~rocesso de intercoriexào física, militar, política eecoriorruca da ordem internacional foi pela p .: ,, rirneir a vezapontado por Mackinder, que afirmou, no começo do sécu:10, em sua conferência na Real Sociedade Geográfica:

"D die agora em iante, na era pós-colombiana, novamen-te nos defrontaremos com um sistema político fechado eo q~e não tem menos importância, a sua esfera de açã~sera o mundo inteiro. Todas as explosões de forças sociaisque se produzam, em vez de se dissiparem num circuitocircunvizinho de espaço desconhecido no qual dominama barbárie e o caos, serão fielmente refletidas desde osmais distantes rincões do globo e, devido a isso, os ele-mentos débeis do organismo político e econômico domundo serão destruídos.:"

~ontudo, o, ~erdadeiro significado e as enormes impli-caçoes geopohtlcas e estratégicas do processo de mundia-l~zação das relações internacionais não foram percebidos pos-sivelmente por muitos dos ouvintes da célebre conferên-!

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, Mackinder, Halford J "The Geographicall'ivot of History''. In: Democratic Ideaisanâ Reality (w,th additional J",pen), Nova York: The Norton Librarv 1969242. " 1_, P:

HALFORD ?\'1.\CKI~DER ré A GEOl'OLíT1Ci\ DO HEAlITU\j[)

cia e, seguramenLe, pela maioria de seus contempor:u1eos,Vista na perspectiva de 1996, a aCirmaç;tO de M<lckinder

adquire \11n sentido quase prosaico. Depois da expcriénci;.\ele duas guerras mundiais e da confrontação global Leste-Oeste, constatar, neste final de século, que o pbncta consti-tui uma unidade compacta é repetir uma verdade auto-evi-dente Cjue raia às beiras da ob\'iecbcle. Porém, quando se(ontexwaliza ial afirmação, \'C:rific\-se que o gl'ógr~1I0 bri\<l-nico antecipou em um" décaeb ,\ guerra geral dos "Tr int ~\eem .\110S" (19 H-1945), que envolveu as grandes pOlênci,\s,primeiro em âmbito europeu c depois em escala muncli,tl",

Dito de outra forma, () que é atualmente uma cünSl,1ta(;;lOde senso comum era, em 1904, uma formulação intelectual

audaciosa, arrojada e revolucionária. Numa época de hege-lnonia global da civilização européia, a noção de sistema polí-tico fechado, utilizada para qualificar a nova rcalicbde mun-dial, era indubiravelmente uma formulação inédita, pi~ncife inovadora, cujo enorme alcance para a comprcensao dtsquestões internacionais do século recém-iniciado ultrapassa+(\em muito a tacanha mentalidade eurocêntrica ela era vitoriana.

~o começo elo século predominava nos círculos políticosc imelectuais europeus a concepção de um sistema inLern~\-

'>:;;1cional regional, homogêneo e multipolar, segundo a cbssifi-c(\ção aroniana. Esse ordenamento político era formado peloseleto clube das grandes potências européias - Grã-Brcta-nha, França, Alemanha, Austria-Hungria, Rússia c lüli;:t -,cujo poder tenracular ramificava-se por todos os continentesnos seus domínios ulr.ramarinos c posscssôes coloniais. No

Fíobsbav';lll. Eiic. Ero. d05 extre1liOS (o lncin: .wJçulo XX). S;lO P;Hllo; c,)]úp;\I,!li;' d;\~

Leuas, 19~)5, p, '\0,

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interior do concerto europeu estava em curso um processode polarização político-militar que acabaria agrupando aspotências rivais em dois blocos antagônicos: a Tríplice Alian-ça e a Triple Entente.

Por outro lado, na periferia do concerto europeu estavamem ascensão, na América do Norte e na Ásia Oriental, duaspotências insulares que adotavam em relação à Europa umapolítica isolacionista: os Estados Unidos e o Japão. Para ocidadão comum de Londres, Paris, Berlim, Viena ou Roma,

I que. ". sentia no umbigo do mund~, ~o olhar o mapa deproJeçao Mercator, aquelas duas potenClas emergentes situa-ram-se nos a~típodas do planeta. Em rigor, os contemporâ-neos de Mackinder chegaram muito tardiamente à consciên-cia de que a ordem internacional deixara de ser um concer-to europeu para tornar-se um sistema planetário. Esse fatoocorreu apenas em 1917, quando, com a intervenção militardos Estados Unidos, a "guerra civil européia" transformou-se num conflito de proporções mundiais",

A CAUSALIDADE GEOGRÁFICA NA HISTÓRIA UNIVERSAL

A concepção de uma ordem mundial estruturada comounidade compacta permitiu a Mackinder desenvolver a idéiade uma história universal baseada na causalidade geográfi-ca. A proposta de Mackinder era realizar uma abordagem dahistória mundial à luz dos fenômenos e dos fatos da geogra-fia. Para ele, a unificação do mundo pelo terceiro surto ex-pansionista europeu oferecia a oportunidade inédita de ge-

4 Aron, Raymond. Estudos políticos. 2.' ed. Brasília: Editora UNB, 1985, p. 428.

HALFORD MACIUNDER E .')-GEorOLÍTICA DO I-lEr\RTU'íD ~n

ncralizar e correlacionar as realidades geográficas globais cos processos históricos globais, sintetizando-os numa tórmu-Ia abrangente e capaz de exprimir

"alguns aspectos da causalidade geográfiG\ na histó ria

universal.":'

É perceptível que a questáo da caus"lic!<\(\c gc()gl~lÍic:\ 11;\

história aproxima Mackinder muito mais do detcll1linislllomarxista que da pluricallsalidadc wcberiana. () primnclo .u ri-huíclo aos condicionamentos geográficos revela ~1 l'xistt'l\ciade certos para\elismos entre Marx e Mackindcr. um.: \'CI. queambos têm da história uma visão materialista, UniC\llSal c 11':-leológica. E ainda que sejam filosofias da história L\cl1calme J-

te distintas, as duas concepções apresentam inusitados t' 111lc-

ressantes aspectos de paralelismo ou de con\'ergênci~\. . iEsquematicamente, a concepção marxista tem como tU~l-

damento irredutível a determinação da base econômicl su-bre a superestrutura político-ideológica, a luta ele c!(\SSCSentreproprietários elos meios de produção e detentores da· Iorcade trabalho, a destruição do sistema capitalista pela rc\'ohi-ção proletária e a construção ele uma futura sociedade co-munista, A visão mackinderiana baseia-se no condicion;nnen-to exercido pelas realidades geográficas sobre os processoshistóricos, no confronto secular entre as potências oceânicas

e as potências continentais, assim como no declínio da su-premacia munclial do poder marítimo e no advento ctl cr após-colombiana do poder terrestre.

, Mackinder, Halfordj. "The Geographical Pivot ofHistory". In: Democrctic Idcalsanel Reality (with aeldilional papers). Nova York: The Norton Librar)', FI(/!, l':

241·2.

34 HALFORD MAC1UNDER E A GEOPOLÍTICA DO HEARTLAND

Em Marx, as transformações tecnológicas impulsionavama expansão das forças produtivas que, num determinado es-tágio do desenvolvimento do modo de produção capitalista,acabariam por entrar em contradição com as relações deprodução existentes e desencadear a revolução social prole-tária. Em Mackinder, as inovações tecnológicas nos meiosde transporte, com o advento da locomotiva e das ferroviastranscontinentais, dariam ao poder terrestre uma mobilida-de muito superior à do poder marítimo, o que poderia acar-retar a substituição do poder marítimo pelo poder terrestreno domínio mundial.

Quanto aos limites impostos às ações humanas pelos con-dicionamentos econômicos ou geográficos, ambas as con-icepções foram sintetizadas em duas formulações lapidares.INa visão de Marx,

"os homens fazem sua própria história, mas não a fazemcomo querem; não a fazem sob circunstâncias de sua es-colha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamen-te, ligadas e transmitidas pelo passado."?

N a visão de Mackinder:

"é o homem e não a natureza quem inicia, mas é a nature-za quem dirige em grande parte."?

o traço comum às duas concepções é a consciência da

G Marx, Karl. "O 18 brumário de Luís Bonaparte". in Textos, vol. m. São Paulo:Edições Sociais, s.d., p. 203.

7 Mackinder, HalfordJ. "The Geographical Pivot of History", 111: Democratic Ideaisand Reality (with additional papers). Nova York:The Norton Library, 1962, p. 243.

HALFORD MACKINDER E A GEOPOLÍTICA DO HEARTLAND ;~5

servidão que, em última instância, governa o papel do indi-víduo na história: uma liberdade de ação na qual a uirtu dasclasses ou das nações está submetida inexoravelmente à

iurui dos fatores econômicos ou dos fatos geográficos.Com efeito, para o geógrafo britânico a história das cole-

tividades humanas estava fortemente condicionada pelascaracterísticas geográficas do meio ambiente, tais corno o

espaço, a posição, o relevo, o clima e os recursos naturais desua base territorial. A geografia física era um dadode rcali-da de permanente que, embora relativamente alterada pelasinovações tecnológicas, não sofreu no curso dos SÓCll!OS

modificações radicais e continuava sendo o fator mais (Ol1S-

0"-" história d 1rante na ustoria os agrupamentosmmanos,Segundo o materialismo g-eográfico ele Mackindcr, as cocr-

r.. I.. C

çócs, as servidões e os desafios impostos pelo meio ambien-te acabavam por influenciar decisivamente a históri;\ elospovos, modelando em larga medida seu cadter rhlcion~ll cdesenvolvendo neles urna vocação predominantemente lTla-rítima ou continental.

No primeiro caso, países insulares ou possuidores ele altocoeficiente de maritimidade condicionavam o desenvolvi-mento de uma vocação oceânica em seus habitantes, cornoque predestinando-os às atividades navais e mercantis. Osexemplos mais destacados seriam os cretenses, os fenícios c

I

os gregos na Antigüidade, assim como os portugueses, osespanhóis, os holandeses e os ingleses na Era Moderna.

No segundo caso, países mediterrâneos ou de ron lo r ma-ção predominantemente terrestre favoreciam em seus po-vos o desenvolvimento de uma vocação continental e eletendências expansionistas. Os exemplos seriam os citas cos persas no mundo antigo, os germanos e os mongóis no

36 HALFORD MACIUNDER E A GEOPOLÍTICA DO HEARTLJ\ND I-IALFORD MACKINDER E A GEOPOLÍTICA DO HEAJU'L,\.\D

medievo, assim como os alemães e os russos na Época Con-I A

t~mporanea.Entre os dois extremos situavam-se, numa posição inter-

mediária, aqueles países que possuíam um adequado equilí-brio entre sua massa territorial e sua fachada litorânea. Aqui,os fatores geográficos imprimiam aos povos um caráter na-cional híbrido ou anfíbio, que condicionava o desenvolvi-mento alternado ou simultâneo de ambas as vocações. Esseseria o caso dos cartagineses e romanos no mundo antigo,dos bizantinos e sarracenos na Idade Média, bem como dosfranceses e norte-americanos na Era Contemporânea.

Destarte, a análise histórica baseada no primado geográfi-co possibilitou a Mackinder extrair algumas lições acerca dacausalidade geográfica na história universal. Uma delas é ad~ que, se o poder terrestre lograsse desfrutar simultanea-mente de uma sólida base continental e de uma ampla frenteoceânica, sua tendência constante seria a de utilizar os recur-sos disponíveis para transformar-se também num podermarítimo. A outra é que eram muito raros na história oscasos em que o poder marítimo, a partir de sua posição insu-lar, conseguira ascender à condição de poder terrestre.

pareciam comprovar as guerras recorrentes travadas des-de a Antigüidade entre pcjtências marítimas e potências

terrestres.Os exemplos históricos permitiam delinear um modelo

desse antagonismo secular baseado em duas concepções l'S~

t.ratégicas mutuamente excludentes: uma oceànica c outLJcontinental. As potências terrestres utilizavam-se de suo) po-sição central e de suas linhas interiores para se cxp~ll1dir emdireção às regiões periféricas e conseguir saídas para os muresc oceanos. As potências marítimas apoiavam-se em sua p(\si-Ç~\Oinsular e em suas linhas exteriores para dominar as le-

giões litorâneas e manter as potências terrestres encurrala-das dentro dos limites de sua posição mediterrànc~l.

Segundo esse modelo, na Antigüidade, as guerras grc"

co-pérsicas representaram um confronto entre o poder na-val do mundo grego e o poder terrestre do im pcrio pt:lSíl

pelo controle elo Mediterrâneo Oriental, do mar Negru cdas costas do Oriente Próximo. Outro exemplo é ;t GucnTdo Peloponeso, que poderia ser vista como um embale crl-tre o poder naval ateriiense, apoiado pela liga marítima eleDelos, e o poder terrestre espartano, à frente ela liga conti-nental do Peloponeso, ambos disputando a supremacia no

mundo grego.Na Época Moderna, uma das principais facetas da Guerra

dos Sele Anos foi a confrontação entre uma potência naval -a Inglaterra - e outra continental- a França -, que disputa-vam possessões coloniais na América e no Oriente. Essag ucr-ra terminou em 1763 com a conquista do Canadá e d a Índiapela Inglaterra, que então consolidou definitivamente sua

posição de "rainha dos mares".Por sua vez, as guerras napoleônicas representaram um

A RIVALIDADE OCEANISMO VERSUS CONTINENTALISMO

A aceitação do primado geográfico é o elemento-chavepara a compreensão do terceiro aspecto da visão mackin-der iana da história, ou seja, a secular rivalidade entre opoder marítimo e o poder terrestre pela conquista da pre-ponderância mundial. Na visão do geógrafo britânico, osprocessos históricos eram passíveis de ser interpretados àluz da oposição oceanismo uersus continentalismo, como

38 HALFORD MACK1NDER E A GEOPOLÍTICA DO HEARTLAND

prolongado conflito entre a França continental e a Inglater-ra insular: a primeira, uma potência terrestre que aspiravaao domínio do Velho Continente e a segunda, uma potênciainsular para a qual a manutenção do equilíbrio de podereuropeu era indispensável à preservação de sua preponde-rância marítima mundial. A vitória final do poder marítimo~ritânico deveu-se, em grande parte, à aliança da potênciainsular com a outra grande potência terrestre européia, nocaso a Rússia, capaz de opor um veto à tentativa francesa dehegemonizar todo o continente.

Durante o século XIX, a rivalidade anglo-russa represen-tou um tour deforce entre o poder terrestre czarista e o podermarítimo britânico, que ficou conhecido como Big Game.Operando desde as linhas interiores de sua posição central,a Rússia buscava romper seu isolamento geopolítico medi-terrâneo e expandir-se para as regiões litorâneas com o ob-jetivo de conquistar saídas para os "mares quentes". Mano-brando a partir das linhas exteriores de sua posição insular,a Inglaterra procurava garantir o domínio das regiões cos-teiras e das ilhas da periferia eurasiana, vedando aos russoso acesso ao Mediterrâneo, ao Índico e ao Pacífico.

Contudo, na virada do século passado, o conflito anglo-russo havia arrefecido diante do agravamento da rivalida-de anglo-germânica, cujos antagonismos navais, comerciaise coloniais prenunciavam o confronto entre a grande po-tência marítima e a maior potência continental européia.Esse embate foi exacerbado depois de 1898, quando o po-der terrestre alemão desencadeou uma corrida naval que,em poucos anos, transformou a marinha germânica na se-gunda maior esquadra do planeta, superada apenas pelaRoyal Navy.

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HALFORD MACKINDER E A GEOI'OLÍTICA DO HE!\WrL\ND ;')S)

Nas décadas que se seguiram à Guerra Franco-Prussiana,a Alemanha unificada havia surgido no centro da Europacomo uma grande potência insatisfeita, com um exército emcondições de conquistar o continente e uma frota emexpan-são CJuenum futuro próximo poderia disputar aos ingleses odomínio dos mares. Assim, a ruptura do equilíbrio de podereuropeu, que fora estabelecido em 1RFí pelo Congressodc

I \Tjena, colocou em perigo tanto a segurança insularquanto ;\supremacia marítima britânicas, tornando-se () principa l f:l-

tor desencadeado!" da Primeira Grande Guerra.São, pois, fartos e reiterados os exemplos ela história,re-

mata ou recente que, devidamente selecionados c analisa-dos sob a ótica da causalidade geográfica, poderiam fome-cer uma sólida base factual e empírica à oposição occanismouersus continentalismo postulada teoricamente pela fórmula

elaborada por Mackinder.A tese por ele defendida era a de que o poder tcr rcsrrc

poderia conquistar as bases do poder marítimo, caso co nsc-ouisse adicionar à sua retaguarda continental uma Crentete> Ioceânica que lhe possibilitasse tornar-se um poder anfíbio.simultaneamente terrestre e marítimo. Esse fora () C\So elaconquista ele Crera, potência insular do mar Egcll, pclm in-vasores dórios a partir de sua base terrestre situada na Cré-cia continental. Posteriormente, a própria Crécia, potênciamarítimo-mercantil do Mediterrâneo Oriental, foi domina-da pelos macedônios provenientes do interior da península

Balcânica. Esparta foi uma potência continental que, auxilia-ela pelos pcrsas, construiu uma frota e acabou vencendo (I

poder naval ateniense na Guerra do Peloporicso. Na Ptim ci-ra Guerra Púnica, Roma apoiou-se em sua b~ISC tcr rit.orialpeninsular c armou também uma frota, com a qual derrotou

40 HALFORD MACKINDER E A GEOPOLÍTICA DO Il:\L10RD \L\CKl:\])[R E ,\ C ll'OLÍTIC.\!l() J-h..\ fU/\,\'IJ \1

os cartagineses e tornou-se o poder marítimo dominante doMediterrâneo ocidental.

É importante reafirmar que, para o geógrafo britânico, eram~em mais propícias as condições para o poder terrestre cons-truir urna esquadra e lançar-se ao oceano a partir de sua plata-forma continental, que para o poder marítimo organizar umexército e lançar-se à terra a partir de sua base insular.

Por certo, seria possível redargüir a esse argumento comalgumas contraprovas. Nas guerras g reco-pérsicas, a Pér siaaIp0iou-se em sua base continental para construir uma pode-rosa frota com o intuito de conquistar a Grécia, frota estaque acabou sendo destruída pelos atenienses na batalha na-val de Salamina. E mais ainda, posteriormente foi a própriaPérsia que terminou sendo dominada pelo poder terrestregreco-rnacedônico que conquistou o Oriente, Porém, o es-sencial é registrar a substância do argumento central - ali-cerçado em abundantes evidências históricas - que foi ado-tado por Mackinder, para alertar as elites e círculos dirigen-tes de seu país sobre o perigo que representava para a posi-ção insular e o poderio marítimo da Inglaterra uma eventualaliança entre as duas grandes potências continentais euro-péias: a Alemanha e a Rússia".

nês !llbrcs cb lia c!;\ história CJue c<;t,\ lL\ lIn-

da tcoiia elo terrestre. Como inrcr I (\()

scntido de conjunto du pass:ldo humano, t:d rililS( >li,\ d.1 111"-tória leva Muckindcr a questionar e a repensar, S( l\)re llOVOS

fundamentos, algumas verdades cstabclccidas c univcrsali-

zadas como senso comum pela geografia físic~\ ele seu tem-

po ..Essa._reeLlb.oraç.ào i.~1tclc.'ctu~11c.ulmina na substitui .[1curna visao esrereOtlpacla do espaço c (LI lt 11

nentes e oceanos por outra percepção inédita d.is nlll1\L\\

im.cr entre a superfície líquida e as mas"" Iene\( li',

do planeta,

.-\ IUL\ \ICl'\Dl.\L E O CORAÇAo CONTINENTAL

De acordo com o conhecimento arraigado c difundido p~:bciência geográfica da virada do século, existiam na TerLI qua-tro oceanos - Atlântico, Pacífico, Índico e Ártico -; seis COll-

tinentes - Europa, Ásia, África, América, Austrália c a recém-explorada Antártida -; e numerosos mares c arquipél:tgO:isubsidiários, Esses axiomas do saber geográfico consagradoforam colocados em xeque por Mackinder ao postular pelaprimeira vez a unicidade da superfície líquida do planeta,

Segundo o geógrafo britânico, existia na verdade apenaso Grande Oceano (Great Oceari), isto é, um oceano únicocujas águas contínuas e intercornunicantcs recobriam três

quartos da totalidade do globo. Do restante um quarto eleterras emersas, dois terços correspondiam aos continentesda Europa, :\sia e África que, na visão de Mackindcr, forma-vam de fato um único grande continente. Corn efeito, osmontes Ur ais e o istmo ele Suez uniam e ínterlig<lvam, emvez de separar, as terras da Eurásia-África que, envolvidas

A teoria do Heartland

o mundo como unidade compacta, o primado da causali-dade geográfica e a oposição terra-mar constituem, pois, os

Mackinder, Halford. "The Geographical Pivot of History", 111: Democrat.ic Ideaisand Reality {toith. additionai papers). Nova York: The No rton Lihrary, 1962, P:262-3. Ver também do mesmo autor "Thc Round World & lhe Pcacc", Ibidcrn,p,272-3.

42 HALFORD MACKINDER E A GEOPOLÍTICA DO HE,.IR'lLAXD

por todos os lados pelo oceano único, constituíam uma gran-de Ilha Mundial: a World Island.

O restante da superfície sólida englobava as Américas e aAustrália, que seriam ilhas-continente menores, satelitizadaspela grande ilha basilar. Assim, as Américas do Norte e doSul, embora ligadas pela estreita cintura do istmo paname-nho, eram duas ilhas-continente distintas que, juntas com aAustrália, gravitavam em torno da Ilha Mundial.

IEm resumo, a tradicional e oficialmente aceita divisão doplaneta em diversos oceanos e mares, continentes e arquipé-lagos cedeu lugar a uma inovadora e arrojada concepçãosintética de um oceano único envolvente, com uma grandeilha central e três ilhas periféricas menores.

Quanto à distribuição demográfica, cerca de 85% da po-pulação mundial, segundo o geógrafo britânico, estavamconcentrados na grande ilha eurásico-africana. O restantelocalizava-se nas pequenas e contíguas ilhas da Bretanha edo Japão assim como nas ilhas maiores e mais recuadas dasAméricas e da Austrália". Dessa forma, a posição basilar quea World Island ocupava em relação às outras ilhas circundan-tes era conseqüência da combinação de sua imensa dimen-são espacial com sua intensa densidade populacional.

É dentro dessa nova macroestrutura que a posição de cen-tralidade ocupada pela Europa durante os quatro séculos daera colombiana foi reelaborada por Mackinder em três as-pectos principais. Historicamente, a evolução da civilizaçãoeuropéia deixa de ser vista como um processo endógcno e

autocentrado - circunscrito inicialmente aos povos mediter-râneos e depois aos países atlânticos - para subordinar-se à

rlinâmica mais abrangente ela história asiática. (;(,°P,lfIjiUIII/I'II'

ie, a Europa deixa de ser enfocada como UIll continente :,parte, separado da Ásia pela barreira elos Uiais, P,\lit 1r;\llS-

formar-se numa elas penínsulas ela Eurásia. 11-

te, ,\ Europa foi rleslocada ela posição axini que OCllP;\\'" 11;,

I ~rojeção Mercator, cedendo seu lugar a PI1IoI A 1('(/, lcgi:\()

basilar da massa terrestre em-asiática.Com efeito, na inovadora concepção cio cientista hriráui-

co, a Eurásia possuía um grande núcleo medilClr:1nCO - ;\

árca-pivó ou coração continental -, em torno do qu;\] searticulavam quatro peníns~las ou regiões margiuais: a f':UY1,-pa, o Oriente Próximo, a Iridia e a China. Enquanto () pl~'U

eurasiático era escassamente povoado por belicosas (rilAlsnõmade-pastoris, nas regiões periféricas dcscnvolv ia-sc u m..vida mais sedentária e concentravam-se dois terços ela popu-

lação do planeta.Lrna das idéias centrais de \lackindcr era que () dcscnvol-

I , I'vimento da civilização européia, comprimida nos estreito, J-

mires de seu cornpartimentado território peninsubr, poderiaser concebido como o resultado de uma bcm-s\lcedicL1 rc;\(/\O

de seus povos ~IS freqüentes invasões perpetradas por horclas

nórnade-pasroris a partir da região central da Eur.isia.Durante a Idade \'[édia, o corredor formado pela estepe

siberiana e a abertura situada entre os montes Urais e () marCáspio foram utilizados corno rota de passagem que lig;w(\ ;\base oper acional dos invasores centro-asiáticos ,lU pO\1\O 1\'1,·

minal europeu. As pressões terrestres provcn ie nt cs do Lcs-

te, somaram-se naquela época as invasões sarr aceu.is no

Mediterrâneo e na península Ibérica e as incursões norman-elas nos mares Báltico e elo Norte, Atacada nos fjll;\(rO pon-tos cardeais, tanto em terra corno no mar, a Europa !lelm;'l-I

9 I lbidern, p. 68.

44 HALFORD MACIUNDER E A GWPOLÍTICA DO HEARTLAND

neceu encurralada e isolada do mundo exterior durante vá-rios séculos do medievo.

As pressões externas chegaram ao auge no século XIVquando, depois da unificação político-militar realizada porGêngis-Cã, as hordas mongóis fustigaram desde suas linhasinteriores as regiões marginais da Eurásia. Partindo da ÁsiaCentral, os cavaleiros das estepes conquistaram sucessiva-mente a China, o Oriente Próximo e a Europa Oriental. Pro-tegida pelo platô tibetano e pela cordilheira do Himalaia,somente a Índia manteve-se a salvo das invasões centro-asiá-ticas. Porém, no século XVI foi conquistada a partir do Afe-ganistão pelos descendentes de Gêngis-Cã, que fundaram,na planície Indo-Gangética, o império mogol.

O desafio representado pelas invasões provenientes doLeste teve como repto a dupla reação européia à pressão dashordas centro-asiáticas: a expansão territorial russa e a ex-pansão oceânica ibérica. A expansão russa representou umcontra-ataque direto e frontal, que rolou para trás e colocouna defensiva as hordas mongóis; a expansão portuguesa as-sumiu a forma de uma estratégia de aproximação indireta,desbordando pelo fIanco e pressionando pela retaguarda aposição estratégica central dos invasores asiáticos. Vistas poresse prisma, as grandes navegações aparecem como umacontra-ofensiva bem-sucedida, que inaugura a era colombia-na do poder marítimo e da supremacia mundial européia,que se estendeu até o começo do século XX.

A dialética das invasões asiáticas versus reação européia for-neceu a Mackinder o nexo da correlação histórico-geográficaglobal que embasa sua teoria do poder terrestre. A estruturageral que serve de moldura e pano de fundo para a reflexãoteórica é a existência do Grande Oceano e da Ilha Mundial,

{fv''-;. -.

,i45'I

'com a Europa despontando como uma pequena, recortada eacidentada península do extremo ocidental da Em-ásia.

Até a descoberta do caminho para as Índias, () istmo eleSuez - cordão umbilical que ligava a Eurásia à Africa - re-presentou um intransponível obstáculo às comunicações doOcidente com o Oriente, cujos contatos durante séculos fo-ram esporádicos e intermitentes. Funcionando como umacunha entre o Oeste e o Leste, o istmo vedou ao poder marí-limo europeu o acesso aos oceanos Índice e Pacífico, o quemuito contribuiu para a preponderância do poder terrestrecentro-asiático.

HALFORD MACIUNDER E A GEOPOLÍTICA DO HEARTLAND

A noção de Heartland - que pode ser entendida comoárea-pivó, região-eixo, Terra Central ou coração continental- é o conceito-chave que constitui a pedra de toque da teoriado poder terrestre. A rigor, todos os demais conceitos dessateoria - Grande Oceano (Great Oceari], Ilha Mundial nVm(d

8 'VI -,

Island), Crescente Interno (lnner Crescera), Crescente Exter-no (Outer Crescent) e Oceano Central (Midlanrl Ocean} - sóadquirem plena significação geopolítica e estratégica em suarelação com esse conceito basilar.

Mais que um conceito geográfico, com limites físicos ela-ramente demarcados no mapa da Eurásia, o Heartlarul é urnaidéia estratégica, concebida teoricamente no começo do sé-culo e testada empiricamentc ao longo de duas guerras mun-diais. Formulada originalmente como Piuot Jirea, cml ~)04, l'

reelaborada sob a denominação de Heartland, em 191 ~),essaidéia estratégica assume seu conteúdo definitivo no últimoartigo de 1943. Tal concetto foi cunhado por Mackindcr par;\designar o núcleo basilar da grande massa eurasiática quecoincidia geopoliticamente com as fronteiras russas elo iní-cio do século.

• v

46 HALFORD MACKINDER E A GEOPOLÍTICA DO HEARTLAND

N O tocante à geografia física, a Eurásia possuía uma ex-tensão de 54 milhões de km-, dos quais as regiões central esetentrional formavam a área-pivô ou coração continental,que abrangia 23 milhões de km-. No sentido norte-sul, essaárea nuclear estendia-se das costas do oceano Ártico aos de-sertos e planaltos da Ásia Central e, na direção leste-oeste,dos confins da Sibéria ao território russo situado entre osmares Branco e Cáspio.

Na descrição de Mackinder, o gigantesco núcleo eurasiáti-co possuía três características físicas essenciais. O Heartlandera incomparavelmente a mais extensa região de planíciesde todo o globo terrestre. Essa região era quase totalmenteisolada do mundo exterior, já que seus grandes rios desem-bocavam nos mares. do interior da Eurásia ou nas costas gela-das do oceano Ártico: o Ob, o Ienissei e o Leria desaguavamno litoral norte da Sibéria; o Amudária e o Sirdária, no marde Ar al; o Volga e o Ural, no mar Cáspio. Finalmente, atopografia plana de suas estepes meridionais oferecia condi-ções ideais à mobilidade dos povos nômade-pastoris da ÁsiaCentral.

Esses aspectos físicos faziam daquela região mediterrâneae enclausur ada um baluarte natural. O Heartland era umafprtaleza inacessível ao assédio do poder marítimo das po-tências insulares ou marginais da Eurásia, favorecendo aomesmo tempo o desenvolvimento do poder terrestre da po-tência continental que possuísse ou viesse a conquistar aque-la região basilar.

Como foi mencionado, em torno do Heartland articula-vam-se em forma de semicírculo quatro grandes regiõesmarginais - simultaneamente continentais e oceânicas - queformavam as linhas costeiras da Eurásia, A Europa projeta-

HALFORD MACKINDER E A GEOPOLÍTICA DO HEARTL\ND 47

va-se no Atlântico; a Índia, no Índico; a China, no Pacífico; eo Óriente Próximo era cercado pelos "cinco mares" (Medi-terrâneo, Negro, Cáspio, Vermelho e Arábico). Ao contrárioda área-pivô, essas regiões marginais bifrontes localizavam-se dentro do raio de ação do poder marítimo.

Em termos geoestratégicos, as regiões anfíbias eurasianasformavam em torno do Heartland um grande arco interior oumarginal que Mackinder denominou Inner Crescent. Esse Cres-cente Interno era composto por um conjunto de zonas amor-tizadoras que constituíanr pontos de fricção ou áreas de dis-puta onde se chocavam o poder terrestre e () poder mantimo.Por um lado, o lnner Cresceni era o espaço natural ele expan-são do poder terrestre que, de posse do núcleo basilar cura-siano, procurava conquistar as regiôes periféricas c obter saÍ-

8 vdas para o oceano, tendo em vista a construção de um pocleimarítimo. Por outro lado, o Crescente Interno era tanibém ;\

barreira física de contenção ou a primeira linha de defcs.: dopoder marítimo, que procurava conter a expansão do podeIterrestre e mantê-lo encurralado no coração ela Eur.isia,

No início do século, o grande arco interior que (()nl( lllL\

va a Rússia czarista era formado pelos impérios :dCll1,-\() ('

ausrro-húng aro na Europa, o império turco no Oriente p](')-

ximo, a Índia na Ásia do Sul e a China no Extremo Oricllle.

O controle do Inner Cresceni pelas potências insulares ou ()velo destas ao seu domínio por urna potência continentalassegurava o equilíbrio de poder na Eurásia e a hegemOrli;\mundial do poder marítimo.

Na periferia do Inner Crescent existia um arco exterior for-mado pelo Crescente Externo ou Insular: o Ouicr Crcsccnt.

Protegidas pelos fossos do Grande Oceano, <1S P()tC~llci,\s

marítimas do Crescente Insular estavam a salvo do asséclio

48 HALFORD MACKlNDERE A GEOPOLÍTICA DO HEARTLAND

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HALFORD MACKINDER E A GEOPOLÍTICA DO HEARTI.!lND 49

do poder terrestre dominante no núcleo basilar curasiano.No Outer Crescent localizavam-se as grandes potências marí-timas,como a Inglaterra, Estados Unidos e Japão, além dosdomínios britânicos do Canadá, África do Sul c Austrália.

Mackinder ressaltou a importância dos condicionamen-tos impostos à geografia pelo desenvolvimento da tecnolo-

6 gl'a. Com efeito, a ciência aplicada tinha o poder de alterarrelativamente certos aspectos coercitivos da geografia físicacom a introdução de inovações tecnológicas revolucioná-rias. Por exemplo, técnicas modernizadoras nos sistemas detransporte poderiam neutralizar o peso de certas realidadesgeográficas, alterando a correlação de forças favorável aopoder marítimo e interferindo diretamente no curso ela lutasecular contra o poder terrestre .

No começo dos tempos modernos, a utilização de tccni-cas revolucionárias de navegação oceânica - car avela, bússo-la, pólvora, astrolábio, cartografia - permitiu aos navegado-res europeus aportar nos Inovos continentes e descobrir ocaminho para as Índias, estabelecendo pela rota elo Cabo aligação marítima direta com o Oriente. Corno foi menciona-do, a expansão européia colocou na defensiva os nômadescentro-asiáticos, manteve-os encurralados dentro do cor açâocontinental e inaugurou a era colombiana do poder maríti-mo. Em conseqüência disso, as potências marginais c insula-res da península européia expandiram seu controle sobre os

I lnares e oceanos, conquistaram e colonizaram os continen-tes descobertos c, organizando uma rede ele bases, cnrrepos-tos e reitorias, dominaram todos os pontos estratégicos eLllinha costeira eur asiana.

No século XIX, outro salto tecnológico levou à invençãodo barco a vapor e à abertura elo canal de Sucz, produzindo

50 HALFORD MACKINDER E A GEOI'OLÍTICA DO HEA,RTL\ND

duas grandes conseqüências: aumentou-se a mobilidade dopoder marítimo diante do poder terrestre c encurtou-se adistância entre o Ocidente e o Oriente, A velocidade do bar-co a vapor superava em muito a do cavalo e a da carruagem,a~sim como a construção do canal tornava obsoleta a amigae extensa rota do Cabo, A ascensão da Inglaterra e a instau-ração da Pax Britannica no sistema internacional representa-ram o coroamento dessa época de ouro do poder marítimo,

Entretanto, as últimas décadas do século foram marcadaspelo advento de novas tecnologias que potenciaram o siste-ma de transporte terrestre: a invenção da locomotiva e a cons-trução das ferrovias. O transporte ferroviário conectou osgrandes espaços interiores entre si, estabelecendo também aligação destes com as regiões costeiras de cada continente.~a América, Eurásia e África, a locomotiva estava substituin-do os arcaicos meios de transporte baseados na força de tra-ção animal e, simultaneamente, sua velocidade encurtava notempo e no espaço as enormes distâncias continentais,

Na visão de Mackinder, a generalização dessa tecnologiapoderia significar o dobre de finados da era colombiana dopoder marítimo e o começo da era pós-colombiana de pre-ponderância do poder terrestre. A locomotiva e as ferroviastranscontinentais deveriam ultrapassar a mobilidade do na-vio e a posição estratégica do canal de Suez, alterando a favordo poder terrestre a relação de forças que, desde as grandesnavegações, assegurou a hegemonia do poder marítimo.

A ferrovia do Pacífico, cortando no sentido leste-oeste osEstados Unidos, e a ferrovia projetada pelos ingleses para li-gar o Cairo ao Cabo, atravessando na direção norte-sul ocontinente africano, eram exemplos do sistema de transpor-tes continentais. A Rússia havia construído a ferrovia tran-

H.\LFORD \L\CKINDFJ{ E ,\ GE.Ol'OLÍTIC:\ DO J-lE.\fUL'\.Yn ,-)1

sibcriana, ligando Moscou ao porto oriental de VLIC\ivos\()kauavcs das vastas estepes sibcrianas. Essa ferrovia ('~\l:\I(\~ICl

fortaleceu o cxpansionismo o-rão-russo no "nr andc j'(WO" 1\';1-<:1 ,...,. (")

vado pelo poder terrestre czarista contra o poder maririmobritânico no Crescente \brginal da Eur.isia, A uansiberi.m.ipermitiu à Rússia interligar os grandes espaços elo I Icavtland,

estender sua influência até os mares do Japão c da Chiu»,além de pressionar, por cerra, () domínio _brilâJli~:o na.India]

J sso levou a Inglaterra a aliar-se ao Jap;lO, PU[CI1Cl:l msu L\~'

em ascensão no Extremo Oriente, para conter () aV:UH;O rus-so em direção à China e ao Pacífico. Em 1904-5, dois aconic-

cimentos frearam o expansionismo grão-russo na pcrilcriada Eurásia, aliviando sua pressão sobre as possessões biirà-nicas: a derrota na guerra russo-japonesa e a ccl osào (Li rc-voluçáo em Petrogrado, Em 1907, exaurido pela guerr:t cpela revolução, o poder terrestre russo foi obrigado a comerseu apetite geofágico e a negociar uma acomodação geOP01í-tica com o poder marítimo britânico.

.-\Iém disso, o acordo anglo-russo foi motivado pela ruptu-ra elo equilíbrio ele poder europeu; ruptura esta provocadapela ascensão de uma nova potência no centro do conrincrue:a Alemanha, que estava construindo a ferrovia Berlirn-Bag-dá, cujos trilhos já haviam chegado a Istambul, na encruzilha-da da Europa com a Ásia, faltando apenas completar o trechoque colocaria o golfo Pérsico ao alcance do poder alemão.

Com efeito, ao ligar a Alemanha aos Balcãs, ao OrientePróximo e ao oceano Índico, a nova ferrovia reforçava o poderterrestre germânico em relação à Rússia continental e à In-glaterra insular,

'1\0 primeiro caso, a Berlím-Bagdá tornou-se um obstácu-lo à secular pretensão russa de controlar os estreitos, região

52 HALFORD MACKlNDER E A GEOPOLÍTICA DO HE,1RTLAND HALFORD MACKINDER E A GEOPOLÍTICA DO HEARTL:\ND :-);:',

sob domínio turco que ligava o mar Negro ao Mediterrâneo.A posse desse gargalo daria à esquadra russa, engarrafadano mar Negro, uma saída para o Mediterrâneo, de acordocom a tendência geoistórica grão-russa de abrir saídas paraos mares abertos.

No segundo caso, ao atingir a golfo Pérsico aquela ferroviapoderia neutralizar a posição estratégica do canal de Suez e~olocar em xeque a supremacia britânica no oceano Índico. Amaior mobilidade e os menores custos do transporte ferro-viário refletiam-se na concorrência anglo-alemã, em relaçãoàs vantagens comparativas com o transporte marítimo. A fer-rovia transcontinental ameaçava interpor-se entre as linhas decomunicação marítimas britânicas, colocando a pujante eco-nomia alemã em contato direto com os mercados asiáticos edesalojando os produtos britânicos das praças orientais.

Simultaneamente à ferrovia Berlim-Bagdá, a Alemanhainiciou também uma corrida naval para a construção de umaesquadra, capaz de rivalizar no curto prazo com o podermarítimo britânico. A ascensão da Alemanha à condição depotência anfíbia impugnava os dois seculares axiomas dapolítica de poder britânica: subvertia o tradicional equilí-brio europeu e ameaçava a supremacia marítima britânica.

Como foi visto, Mackinder acreditava ser mais fácil umapotência terrestre utilizar sua plataforma continental paradesenvolver um poder marítimo, que uma potência oceâni-ca apoiar-se em sua posição insular para organizar um po-der terrestre. Portanto, uma Alemanha alçada à condição depotência anfíbia representava enorme perigo tanto para aspretensões continentais russas quanto para os interesses na-vais britânicos. Assim, a mudança na conjuntura geopolíticae estratégica européia obrigou ingleses e russos a deixarem

de lado as rivalidades do Big Carne, juntando-se aos france-ses contra o inimigo comum. Em caso de guerra, corno acon-teceu logo depois, a frota alemã poderia ser encurralada pelobloqueio naval britânico no mar do Norte c o exercito ale-mão, obrigado a dividir suas forças para combater os fran-ceses a oeste e os russos a leste.

Somente a aliança da potência insular com as duas potên-cias fronteiriças poderia cercar os alemães, impedindo suarápida vitória militar terrestre e o estabelecimento de umaPnx Germannica no continente europeu. Se tivesse sido es}eo desfecho da guerra, a Alemanha se teria apossado dos re-cursos do Heartland e o passo seguinte seria o avanço c.;}

esquadra teutônica avassalando a Inglaterra e estendendo aPax Cermanruca aos oceanos.

o "CORDÃo SANlTt\}UO" MACKINDERIANO

, v Quando ec\odiu a guerra, a Rússia lutou ao lado da lngla-terra contra as potências centrais até 1917, somentese reti-rando unilateralmente do conflito depois do triunfo da rc-volução bolchevique. Ademais, com a vitória do poder marí-timo anglo-americano sobre o poder terrestre alemão, o des-fecho da guerra pareceu desmentir as reflexões teóricas dogeógrafo britânico. A despeito da dura réplica dos fatos,Mackinder desenvolveu extensamente sua teoria do poderterrestre no livro Democratic Ideais and Realit», publicado du-rante a Conferência de Paris.

Mackinder sustentou que a vitória da potência insular so-bre a potência continental foi tributária do fato de o Estado-pivó russo ter combatidol ao lado da ilha-fortaleza durante amaior parte da guerra. Obrigado a dividir suas {orças em

54 HALFORD MACKINDER E A GEOPOLÍTICA DO HEARTLAND

duas frentes e sitiado pelo poder naval britânico, o poderterrestre alemão exauriu seus recursos materiais e humanosnuma prolongada guerra de trincheiras. A defecção russa sóocorreu quando as forças germânicas estavam próximas daexaustão e foi compensada pelo simultâneo engajamentonorte-americano no conflito. Na visão de Mackinder, foi ape-

I nas na última fase de 1917-8 que a guerra assumiu a feiçãode uma clássica confrontação entre o oceanismo anglo-ame-ricano e o continentalismo alemão, culminando na vitóriado poder marítimo sobre o poder terrestre.

Para o geógrafo britânico, o curso da guerra foi tambémcomprometido pelo Plano Schilieffen, que se teria baseadonuma errônea concepção estratégica. O suposto erro teriaconsistido na concentração de forças e na ofensiva promovi-da pelos alemães na frente ocidental para derrotar primeiroa França e só depois atacar a Rússia na frente oriental.

Na visão de Mackinder o que deveria ter sido feito eraexatamente o oposto. Caso tivessem os alemães ficado nadefensiva na frente ocidental e atacado primeiramente a fren-te oriental, teriam vencido rapidamente a Rússia e se apossa-do dos vastos espaços do interior da Eurásia. De posse dos~ecursos materiais e humanos da região-pivó, os alemães es-tariam em condições de travar uma guerra prolongada eimpor aos ingleses urna paz hegemônica, cujo butim seria ocontrole virtual do continente europeu.

Segundo suas próprias palavras:

"Tivesse a Alemanha escolhido ficar na defensiva emsua curta fronteira com a França e tivesse ela atirado suaforça principal contra a Rússia, não é improvável que omundo estivesse hoje nominalmente em paz, mas obscu-

. . 1"'

, v

HALFORD MACKINDER E A (-"EOPOLÍTICA DO HE.\ruL\.vl> .l:)

recido por uma Europa Oriental alemã no comando detodo o Heartland. Os povos insulares británico c .uucrir:»

no não teriam percebido o perigo estratégico até que l()S-

se tarde demais."!"

O domínio da retaguarda ccntro-asrauc.i teria (Lulo ~\()poder terrestre alemão condições para expandir sua Iror.i ctornar-se um poder anfíbio capaz de rivalizar com o podernaval anglo-americano. Portamo, tivessem os alemães tOlO'cado em exec.l.lçãO aq~lela estratégia, o curso dos <leu.1 teci-mentes poderia ter SIdo outro e provavelmente diverso ()desfecho da guerra. Essa análise heterodoxa, hipotética c I'X

post facto reforçou a convicção de Mackinder sobre postula-dos básicos de sua teoria do poder terrestre. Para ogcr'lgra(obritânico, eles continuavam válidos e atuais, ao contrário eloque pareciam indicar as duras réplicas ela história.

Como foi dito, no Demccratu: Ideais a noção ele Piuot ..\ 1/:(1 f( li

substituída pelo conceito estratégico de Heartlarul, o cora(,)()

continental eurasiático. O Heattlarui não tinha limites gcogLí·ricos rigorosamente demarcados sobre o mapa c suacxrensàoera ainda maior que a abarcada orig inahncnte pela Piuot .vrca,Além da Sibéria, Mongólia, Tibetc e Pérsia, o Hcartlarul in-cluía a Europa Oriental até as margens do rio Elba e do baixoDanúbio. Toda a Rússia e a parte oriental da Alemanh1 (,\antiga Prússia) integravam o Heartland, e seus respectivos ~)O.

vos - eslavo e germânico - lutavam para obter () completodomínio dessa gigantesca esplanada continental. .

Ademais, Mackinder considerava o Báltico e o Negro como"mares fechados" pertencentes ao Heartland, já que o poder

)0 Mackinder, Halford J. "The Geographical PiVOlof Historv", p. 149.50.

56 HALFORD MACKINDER E A GEOPOLÍTICi\ DO HE.4RTLAND H.-\LFORDlvL-\Cl\l:\DER E :\ GtDPOLÍTIC\ DO HL'\/lTL:LVD (-,7

terrestre dominante poderia vcdá-los às potências insulares,bloqueando os estreitos de Copenhague, ao norte, e Cons-tantinopla, ao sul. Assim, o poder político-militar que con-trolasse o Heartland, fosse ele russo ou alemão, poderia utili-zar os recursos do coração continental e os ponos dos maresfechados para construir uma força naval a salvo dos ataquesdas potências insulares.

A posse de uma frota transformaria o poder terrestre empoder anfíbio. Respaldada pela retaguarda continental, essaesquadra poderia atravessar os estreitos, chegar ao mar doNorte e ao Mediterrâneo e apossar-se das linhas de comuni-cação que ligavam a Inglaterra ao seu império colonial. Issolevaria ao decJínio do poder marítimo britânico e à sateliti-zação das Ilhas Britânicas pelo poder terrestre dominantena Eurásia.

A hipótese desse cenário adverso levou o geógrafo britâ-nico a concluir que era vital para a Inglaterra isolar a Rússiae a Alemanha, impedindo uma aliança entre ambas ou a con-quista de uma pela outra, A configuração de um bloco depoder russo-germânico provocaria a ruptura do equilíbrioeuropeu, colocando em risco a posição insular e a prepon·derância naval britânicas,

Essa perspectiva sombria foi sintetizada por Mackindernuma fórmula lapidar que se transformou num axioma dolensamento geopolítico subseqüente:

(J ',.,J

Como assessor ela diplomacia britânica nas negociações

ele paz, Mackindcr propôs que as potências vitoriosas crias-sem, na Europa Oriental, uma cadeia de ESlados·tampc-)esdesde o mar Báltico até os mares Negro e Adriático. A íun-

ção estratégica desse cordon sanuaire era introduzir uma cu-nha entre a Alemanha vencida e a Rússia bolchevique, impe-dindo uma futura aliança da potência situada no centro elaEuropa com aquela que controlava a região-pivõ da Eurásia.

Os novos países que formavam a zona-tampão foram criadoscom territórios desmembrados dos quatro grandes irnpó-rios destruidos pela guerra: russo, alemão, ausníaco c tur-co. Aos sete países que compunham or iginalmcruc a área decontenção proposta por Mackinder - Polôriia, Tcheco-Eslo-váquia, Hungria, Iugoslávia, Bulgária, Rornênin e (~léci" _somaram-se depois os Estados bálticos e a Finlândia.

Porém, o cordão sanitário europeu-oriental dcrnonsrrou, "" ser um arranjo geopolítico demasiadamente fr,tgil para iso-

lar as duas potências continentais, preservando () cquilihrir,

de poder europeu, Em 19:~8 corneçou o dcsmantclamcnu.

dessa barreira de contenção peja política ele agress:lo donazismo, auxiliada, em pane, pela política ele apnigual!1cl\'to franco-britânica, :\0 ano seguinte, () pacto de ]),\(h\gTcs,

são nazi-soviético, seguido da partilha da I'oló nia pclm d(.>i,signatários c da anexação cios países bálticos pelos russos,assinalou o fim da zona-tampão mackinclcrian'l.

Iniciada a guerra, o pano de nJo-agrcss;)o ucuual izrn: tem-por ariamenre a frente oriental, permitindo aos alcmâcs dt>

s~nca~,earca Bli/zln~i~g [".gU el.1.'a, rclâm pago"] na frc me o c.' j (1' c.n-\.11, dei 1otan do a h ancu C isolando a IngbterL\ do coritir ('11-

te. Porém, a vitória da força aérea britân ica sobre a LIIJlIi fljj{'["força aérea alemã"], na baralha da Grà-Bretanha, adiou P,ILl

"Quem domina a Europa Oriental controla o Heartland;quem domina o Heartland controla a World Island; quemdomina a World Island controla o mundo."!'

II Ibidern, P: 150,

58 HALFORD NIACKI DER E A GEOPOLÍTICA DO HEARTLAND

o "COIW.\O S<lNiTARIO" SECUNDO MACiZiNOER (1919)as calcndas ,t Operação Leão-Marinho, plano de clcxcmb.u-

que alemão nas Ilhas Britânicas. Com efeito, pJolcgicl:\ pcl"

escudo da Roynl !Vali)' e pela segurança ele sua insul.nidad«geográfica, a Inglaterra continuou resistindo do outro Llc\(ldo canal da \Iancha,

Até 1941, a guerra desenrolou-se segundo o cl,íssico ruo]-

ele de uma confrontação entre o poder terrestre e () podnmarítimo: os alem:ks dominando a Europa, Il1<1Sinc,p;\/(',:

de dobrar a potência insular; os ingleses enc\sleLldos ('Ii\

SII<1 ilha, mas sem condições de levar a gllcrr;\ ;IC) COl1tillClllf'Naquele ano, a invasão nazista à União Sov ict.ica - <I (>pcr:\-çào Barbarossa - mudou r adicalrnente o perfil do ro n íl it o.

ao abrir uma frente terrestre ele guerra na Europ~\ ()lICl1LIl.

A, partir daí, a conflagração assumiu um recorte estLllégico

semelhante aos da campanha napoleônica de 1811-~ e (LtGrande Guerra até 1917, com uma potência COl1til1Clllfl li\'-gemônica enfrentando simultaneamente o poder m,\rfLil1\obritânico e o poder terrestre russo, I

Para os alemães, a conquista do Heartln.nd soviético r~prc-sentava a obtenção do cobiçado espaço vital, cuja \'aSl1icliio

acabou engolindo os invasores: dispersou seus efetivos mi Ii-tares, esgarçou suas linhas de comunicação c abastccimcn: ()

e, finalmente, estancou sua ofensiva às portas ele MoscouPara os russos, o controle do Heartland funcionou como r c-

taguarda estratégica que permitiu ceder território para g<1-

nhar tempo, Assim, possibilitou o recuo em profundidade,

forneceu o espaço de manobra para o reagrupamcnLo deforças, tornou-se a fonte de recursos materiais c human.»,

que conteve :1 ofensiva alemã e preparou a cOlllra-ofcnsi\';\que foi até as margens elo Elba,

Na Europa, a guerra terminou com lima nova derrota (10

poder terrestre alemão diante da combinaçào de forças ic-

I

Petroqr8d(lenínqrad)

Fonte: Mackindcr, Halfordj. Democratic Ideais arul Reality. Nova York: The NortonLibrary, 1962, p, 161.

60 I-I.:"LFORD MACKJNDER E A GEOPOLÍTICA DO HEARTL.'\ND HALFORD MACKL"iDER E .\ GEOPOLÍTIC;\ DO HE\rnLANlJ (lI

Porém, até o início da Segunda Guerra, a aviação era vis-ta pelos militares de mentalidade conservadora e tradicio-nal como uma arma tática, destinada a operar como for<,:Jauxiliar do exército e da marinha. Contudo, uma das maio-res lições elo conflito mundial foi a de que a força acrca ,1(1-quiriu, em relação às duas outras armas, grande autonomiaestratégica e condições para atuar como um poder indepen-dente. O domínio do ar mostrou ser tão importante q\l;lnto

o domínio dater ra ou cio mar para o resultado final d.. g-lllT-

ra, As batalhas da Inglaterra e de Midway, assim como (),'bombardeios atômicos de Hiroxima e Nagasáqui, clcscort i·nar am as amplas perspectivas que se abriam p;\ra () poderaéreo.

Sobre o novo poder, escreveu o contra-almirante (LI mari-nha francesa, R, de Belot, em seu livro sobre a guerr~t acro-naval no Pacífico:

presentada pelo poder terrestre soviético e pelo poder marí-timo anglo-americano. Na Ásia, o poder marítimo do Japãoinsular foi vencido pelo poder marítimo da ilha-fortalezaamericana. Em termos geopolíticos e estratégicos, a guerradesenrolou-se principalmente em dois teatros distintos, si-tuados nos extremos da Eurásia: o continente europeu e ooceano Pacífico. As operações militares no cenário europeuforam predominantemente terrestres e secundariamente na-vais, ao passo que no teatro asiático foram principalmentenavais e subsidiariamente terrestres.

Na Europa, a guerra foi, sobretudo, uma confrontaçãoentre dois poderes terrestres: o alemão e o russo. As opera-ções navais foram, em geral, atividades de apoio às opera-ções terrestres, como os desembarques da Sicília e da Nor-mandia. No Pacífico, a guerra foi principalmente um en-frentamento entre duas potências marítimas e insulares: oJaPro e os Estados Unidos. As operações foram quase sem-pre de caráter anfíbio, com as forças terrestres apoiando oucomplementando as atividades navais de desembarque econquista das ilhas do Pacífico.

Entretanto, nas duas pontas da Eurásia, a guerra assumiuum caráter tridimensional, uma vez que foi travada em terra,no mar e no céu. A terceira dimensão do conflito - a guerrano ar - evidenciou a importância de um novo poder ascen-dente, que não podia mais ser ignorado pelos generais e almi-rantes: o poder aéreo. A rigor, a necessidade da organizaçãode um poder aéreo estratégico e independente já havia sidoteorizada, no período do entre-guerras, pelo brigadeiro italia-no Giu\io Douhet c, no começo da Segunda Guerra, pelo majorrusso-americano Alexander Seversky".

"Já se atribuía, antes ela guerra, um papel muito impor-tante à aviação, mas pode dizer-se que toti.as as preVir)CSforam ultrapassadas. O domínio do ar roi inclispcns' vclao sucesso de todas as operações de vulto. Dele depcn leuo domínio do mar, dele resultou o êxito elas opcruçócs

anfíbias. A guerra do Pacífico demonstra que um país queperde o domínio de seu céu está perto da derrota e queperdê-lo é quase tão desastroso como a ocupação de seusolo pelo inimigo. É provável que este fato conserve seuvalor, sejam quais forem os meios elo futuro na co nquist aelo céu: aviões, robôs ou mísseis. A dispersào ou o oculi:i-

Cultu r.il ,1:1Acrou.iurica, 19:'8. Ver também Scvcrsky, i\bjm .\IeX;tIHkl I'. dC'...\

vitória pela força acren. Belo l lorizonre: hatiaia-Inst iruto 1-lisl,',ricn-Cllliural derAeronáutica, 1988.

l~ Douhct, G"r Giulio. O domínio rio ar. Belo Horizonte: Iratiaia-Inst.ituto Histó: ico-

•.......... "

62 HALFORD MACKINDER E A GEOPOLÍTICA DO HE!lRTLAND HALFORD ;\;L\CKl:\DER E :\ GrDPOLÍTICA DO IhAlOLiNiJ 6:)

mento dos objetivos, embora muito úteis, não passam depaliativos e não vão além de certos limites. A esquadraque tenha perdido por completo o domínio do céu estáfadada à impotência e à destruição, ao passo que as forçasaéreas, mesmo sem apoio das esquadras, continuam mui-to eficazes no mar, como o prova o combate do mar deBismarck."13

Talvez sob o impacto da batalha de Stalingrado, da ruptu-ra do cerco de Leningrado e da contra-ofensiva sovil':licl 11;1

Crente oriental, ocorridas no ano da publicação do anigo,Mackinder expressou sua apreensão quanto às possíveis cem-seqüências da expansão do Estado-pivó soviético:

"Consideradas todas as coisas, é inevitável ;\ conclusãode c1ue a União Soviética, se emerge desta crllcrra como

c.. b

conquistadora da Alemanha, deve ser classificada como ;tprimeira potência do globo. Será, ademais, a pOLl:nci;t c()·locada estrategicamente na posição mais vantajosa elo pon-to de vista defensivo. O Heartland é a maior Iort alcza na-rural do planeta. Pela primeira vez na história csrj gu.u-neciclo por uma força suficiente tanto em número ('()Il1C)

em qualidade."!'

Enfim, no pós-guerra, a aviação deixou ele ser uma armatática ou um apêndice da marinha e do exército, para trans-formar-se numa força independente, com organização, orça-mento e comando autônomos. A aviação desenvolveu-se comoum terceiro poder estratégico que, embora de origem re-cente, mostrou-se capaz de rivalizar com os dois poderes maisantigos, em decorrência de sua grande permeabilidade àsrevolucionárias inovações tecnológicas.

O TESTAMENTO INTELECTUAL DE MACIUNDER

:-\csse artigo final, () Heartla nd teve SIL\ C:-;{('I1<,,) rer\\I/i(LI

quando comparada à dimensão espacial dcscriL\ n;\s ohr:t,anteriores. :\io sentido norte-sul, a regi;io-pi\·ó csLcndi,,-s(·

ainda elas costas árticas aos desertos centro-asi.iticos.a Cl\'stc,

continuou englobando o vasto território situado CllllCl()<,

mares BálLico e Negro. A leste, porém, o CU1ZlÇ;1() cout.in .n-tal sofreu grande amputação. foi subtraído do Hcaitland tocloo território sibcriano situado a leste do rio Icnissei, ou seja,a extensa região que Mackinder denOmi110.uLc~laLlncli;1. ,~n-quanto a Piuot Area de 1904 abrangia 23 milhões de km~l oHctirtland de 1Ç)4~3foi reduzido a B milhões de km". Emcompensação, quando comparado com seu esc.isso povoa-

Em 1943, quando a maré da guerra começava a refluircontra o nazi-fascismo, Mackinder publicou na Foreign /1.ffairso aítigo intitulado "The Round World and lhe Winning ofthe Peace", realizando um último balanço da teoria do po-der terrestre, Neste testamento intelectual, o geógrafo adi-cionou novas contribuições à sua teoria, modificando-a emcertos aspectos e corrigindo-a em outros, mas reafirmandotaxativamente tanto a relevância como a atualidade do con-ceito estratégico de Heartland.

!I \bckinder, Halford]. "Thc Round World and lhe \-Villning "r t hc I'c.« ,~".lll:Democratic Idrals aiui Realitv (wilh aâditionall,a1''''''). Nova Yoi k: Til c Nortor:Library, 1962, p. 272-3.

" Belot, R. de. A gu.erra aeronaoai no Pacífico (1941·1945). Rio de JalleilO: EditoraRecord, 1957, p. 264.

64 HALFORD MACKINDER E A GEOPOLÍTICA DO HEARTLAND

A EVOLUÇÃO ESPACIAL DO HEARTl.AND (1904, 1919, 1943)

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---- __ •.••"".f.,..

Fonte: Parker, Geoffrey. West.>rn Geopolilical Thouglu in lhe Tuietuietli Century. Lou-dres: Croom Helm, 1985, p. 123.

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HALFORD MACKINDER E A GEOPOLÍTICA DO HE:\RTLAND 65

mento no início do século, o coração cominental era entãohabitado por 170 milhões de pessoas.

Como foi dito, o Heartland era essencialmente uma idéiaestratégica, que englobava certos aspectos físicos fundarnen-tais, mas sem limites geográficos rigorosamente definidos.E a redução de seu perímetro espacial não alterou a nature-za básica de suas características essenciais: a amplitude con-tinental, a topografia plana e o isolamento mediterrâneo.Esses três aspectos justapostos continuavam interagindo parafavorecer tanto a capacidade defensiva quanto a ampla mo-bilidade do poder terrestre dominante no interior do cora-ção continental eurasiano.

É inquestionável que o artigo de Mackinder trouxe novase relevantes contribuições teóricas para a reflexão geopolíti-ca e estratégica do segundo pós-guerra. A substituição domapa-múndí de superfície plana pelo globo terrestre ele for-ma cilíndrica permitiu ao geógrafo britânico realizar impor-tantes ajustes e correções na teoria do Heartlarui. O "mundoredondo" descortinou uma inusitada perspectiva das rela-ções entre as massas continentais e a superfície líquida doplaneta, levando Mackinder a complementar a idéia de Henrt-larul com um novo conceito: o Midland Oceano

Em termos descritivos, o conceito abarcava toda a bacia8 c{o Atlântico Norte, com seus mares subsidiários (Car ibc,

Báltico e Mediterrâneo), suas áreas insulares (Inglaterra, Is-lândia e Groenlândia) e suas regiões marginais (Europa Oci-dental e leste da América do Norte), Metaforicamente, oMidland Ocean era o outro rosto de Jano, o deus n1itológico

, .,;tedupla face: o Oceano Central era o equivalente marítimoda Terra Central.

Vistas num globo esférico, ambas as unidades - a occáni-

66 HALFORD MACKINDER E A GWPOLÍTICA DO HEARTLAND

ca e a continental - estavam situadas no hemisfério norte eeram circundadas por um vasto cinturão de areia e gelo,habitado por uma população rarefeita. Esse cinturão contor-nava quase todo o planeta, margeando tanto o Heartland comoo Midland Ocean: começava no deserto do Saara, continuavanas regiões áridas e montanhosas da Arábia, Tibete e Mon-gólia e atingia depois as áreas polares da Lenalândia siberia-na. Assim, dadas as suas características físicas e demográfi-cas, a Lenalândia deixava de fazer parte do Heartland parase incorporar ao arco envolvente das duas unidades gêmeas:a continental e a oceânica.

O gigantesco cinturão transcontinental funcionava comoimensa zona-tampão que cercava o hemisfério norte, isolan-do-o das regiões subdesenvolvidas do hemisfério sul. Nesteúltimo, a oeste estavam as grandes áreas das florestas tropi-cais da América do Sul e da África; a leste, as vastas e super-povoadas regiões monçõnicas da Índia e da China.

Com efeito, Mackinder traçou sinteticamente as grandeslinhas de sua nova descoberta:

"Dessa proposta nasce meu segundo conceito geográfi-co, o de Midland Ocean - o Atlântico Norte -, com seusmares dependentes e as bacias de seus rios. Sem entrar nospormenores dessa noção, permitam-me apresentá-Ia em seustrês elementos: uma cabeça-de-ponte, na França, um aeró-drama protegido por fossos (os mares e canais circundan-tes), na Inglaterra, e uma reserva de forças bem adestradas,de recursos agrícolas e industriais, no leste dos EstadosUnidos e Canadá. No que diz respeito ao potencial bélico,tanto Estados Unidos como Canadá são países atlânticos, eenquanto se tiver em conta a eventualidade de uma guerra

HALFORD MACKINDER E A GEOPOLÍTICA DO HEARTLIND 67

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68 HALFORD MACKINDER E A GEOPOLÍTICA DO HEARTLAND

terrestre, também a cabeça-de-ponte e o aeródromo são ele-mentos essenciais para o poder anfíbio."15

É importante ressaltar que, ao esboçar em 1943 o concei-to de'Midland Ocean, o geógrafo britânico antecipou teórica-mente dois grandes eventos que influíram no curso da histó-ria do mundo ocidental. O primeiro foi a operação estraté-gica do desembarque anglo-americano na Normandia, queabriu a segunda frente de guerra na Europa Ocidental, em1944. A denominada Operação Overlood reproduziu fiel-mente o esquema mackinderiano: arregimentação de recur-sos materiais e humanos nos Estados Unidos/Canadá, con-centração deles na Inglaterra e, finalmente, seu desembar-que na França. A abertura de uma frente terrestre no Oci-dente europeu, seguida da invasão do Terceiro Reich pelasforças aliadas, impediu que - como temia Mackinder - aUnião Soviética emergisse da guerra como poder dominan-te na Alemanha.

O segundo acontecimento ocorreu após a morte de Mac-kinder, em 1947, quando a Guerra Fria dividiu verticalmen-te o hemisfério norte e estruturou os blocos de poder emtorno de seus dois grandes eixos: o Midland Ocean e o Heart-land. No Ocidente foi criada, em 1949, a Aliança Atlântica(Otan) -liga do poder marítimo hegemonizada pela super-potência oceânica: os Estados Unidos. Essa aliança agrupavaas potências marginais do Inner Crescent e as potências insu-lares do Outer Crescent, situadas nos dois lados do AtlânticoNorte. No Leste formou-se, em 1955, o Pacto de Varsóvia -Icoalizão do poder terrestre comandada pelo Estado-pivô

1'5 Ibidern, p. 277.

HALFORD .MACKINDER E A GEOPOLÍTICA DO J-fEARTL\;VD (3Si

continental, a União Soviética. Essa coalizão agrupava emtorno do Estado-eixo da Eurásia os países ela Europa Orien-tal que no passado haviam formado o cordão sanitário desti-

I =nado a separar a Rússia e a Alemanha. O Pacto de Varsóviadeu à União Soviética o controle completo sobre todo o Heart-

I .Jand eurasiano, desde o rio Elba, no centro ela Europa, até orio Amur, no Extremo Oriente.

No plano geopolítico e estratégico, a Guerra Fria assumiua forma de um enfrentamento da superpotência rnaruimaque controlava os crescentes Marginal e Insular da Eur.isia

contra a superpotência terrestre que dominava a árca-pivódo grande continente basilar. No contexto (Li confrontaçãoLeste-Oeste, a trégua de quase meio século entre os impé-rios do Midland Ocean e do Heartland foi assegurada peloempate estratégico nucl1ar consubstanciado no "cquilibriodo terror". Essa situação perdurou até 1989-~J 1, quanrlo ,I

queda do Muro de Berl im, a desintegração elo bloco socialis-ta europeu e a implosào tia própria União Soviéuc.i assinala-

ram o fim do sistema internacional bipol:u e a v it ó ri.: do,Estados Unidos na Guerra Fria.

Além de antecipar a paisagem geoestralégiC:l cio SCglliH\()

pós-guerra, () geóg rafo britânico exerceu t.imbcrn grandeinfluência sobre a Geopolitil: alemã do período de cntr<>gucr-raso Essa influência será analisada a seguir, num breve I"{I'I-

mezzo, que enfocará especialmente as controvertidas r('Ll(-'l',~Mackinder-Haushofer c Haushofcr-Hitlcr.