H. P. Blavatsky - Ísis sem Véu - Prefácio

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HELENA P. BLAVATSKY ÍSIS SEM VÉU PREFÁCIO VOLUME I UNIVERSALISMO

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HELENA P. BLAVATSKY

ÍSIS SEM VÉU

PREFÁCIO

VOLUME I

UNIVERSALISMO

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PREFÁCIO

A obra que agora submetemos ao julgamento público é fruto do íntimo convívio

com os adeptos orientais e do estudo de sua ciência. Dedicamo-la àqueles que

estão dispostos a aceitar a Verdade, onde quer que ela se encontre, e a

defendê-la, sem receio de arrostar os preconceitos populares. Seu objetivo é

auxiliar o estudante a descobrir os princípios vitais que inspiram os sistemas

filosóficos da Antiguidade.

Este livro foi escrito com toda a sinceridade. Ele pretende fazer justiça e falar

igualmente a Verdade sem más intenções ou preconceitos. É, contudo,

inexorável ao erro entronizado, nem mostra a mínima consideração pela

autoridade usurpada. Reclama para um passado espoliado o crédito que,

durante muito tempo, se negou às suas descobertas. Exige a restituição das

vestiduras tomadas e a defesa de reputações caluniadas mas gloriosas. É

exclusivamente esse o espírito de suas críticas a todas as formas de culto, a

toda fé religiosa e a toda hipótese científica. Homens e partidos, seitas e

escolas não são mais do que manifestações efêmeras de um dia; somente a

VERDADE, assentada sobre sua rocha de diamante, é eterna e soberana.

Não acreditamos numa Magia que transcenda o escopo e a capacidade da

mente humana, nem no “milagre”, divino ou diabólico, se isso implica uma

transgressão das eternas leis instituídas da Natureza. Não obstante,

concordamos com o talentoso autor de Festus1, quando afirmou que o coração

humano ainda não se revelou completamente a si mesmo e que não atingimos

ou sequer compreendemos a amplitude de seus poderes. Será exagerado

acreditar que o homem possa estar desenvolvendo novas sensibilidades e uma

relação mais estreita com a Natureza? A lógica da evolução pode ensinar-nos

bastante, se a levarmos às suas legítimas conclusões. Se, em alguma parte, na

linha ascendente que vai do vegetal ou do molusco ao homem mais perfeito,

uma alma evoluiu, dotada de qualidades intelectuais, não será insensato inferir

e acreditar que também no homem está se desenvolvendo uma faculdade de

percepção que lhe permite descobrir fatos e verdades para além dos limites de

nosso conhecimento ordinário. Assim, não vacilamos em concordar com a

asserção de Biffi, de que “o essencial é sempre o mesmo. Quer trabalhemos

internamente o mármore que oculta, em seu bloco, a estátua, quer empilhemos

externamente pedra sobre pedra até completar o templo, nosso NOVO

resultado será apenas uma velha idéia. A última de todas as eternidades

encontrará na primeira a sua alma gêmea designada”.

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1. [Ph. J. Bailey.]

Quando, anos atrás, percorríamos pela primeira vez o Oriente, explorando os

recessos de seus santuários desertos, duas sombrias e incessantes questões

oprimiam nossos pensamentos: Onde está, QUEM e o QUE é DEUS? Quem

alguma vez já viu o ESPÍRITO IMORTAL do homem, de modo a poder

assegurar para si a imortalidade humana?

Foi quando pretendíamos, com mais empenho, resolver tão intrincados

problemas que travamos contato com certos homens, dotados de tão

misteriosos poderes e de tão profundo conhecimento que podemos,

verdadeiramente, designá-los como os sábios do Oriente. Extrema atenção

prestamos a seus ensinamentos. Explicaram-nos que, combinando a Ciência

com a Religião, a existência de Deus e a imortalidade do espírito do homem

podem ser demonstradas como um problema de Euclides. Pela primeira vez

tivemos a certeza de que a Filosofia oriental não tem lugar senão para uma fé

absoluta e inquebrantável na onipotência do próprio Eu imortal do homem.

Aprendemos que essa onipotência procede do parentesco do espírito do

homem com a Alma Universal – Deus! Este, disseram eles, só pode ser

demonstrado por aquele. O espírito do homem é prova do espírito de Deus,

assim como uma gota de água é prova da fonte de que procede. A alguém que

nunca tenha visto água, dizei que existe um oceano de água, e ele poderá

aceitá-lo pela fé ou recusá-lo simplesmente. Mas deixai que uma gota de água

caia em suas mãos, e ele então terá o fato do qual tudo o mais pode ser

inferido. Aos poucos ele poderá compreender que existe um oceano de água

ilimitado e insondável. A fé cega não lhe será por muito tempo necessária; ele

a terá substituído pelo CONHECIMENTO. Quando vemos o homem mortal

exibindo extraordinárias habilidades, controlando as forças da Natureza e

voltando os olhos para o mundo do espírito, a mente reflexiva fica dominada

pela convicção de que, se o Ego espiritual do homem pode lazer tanto, as

habilidades do ESPÍRITO-PAI devem ser relativamente tão vastas como o

oceano que ultrapassa uma gota de água em volume e potência. Ex nihilo nihil

fit; provai a existência da alma humana por seus maravilhosos poderes – e

provareis a existência de Deus!

Em nossos estudos, aprendemos que os mistérios não são mistérios. Nomes e

lugares, que para a mente ocidental têm apenas uma significação derivada das

fábulas orientais, tornaram-se realidades. Reverentemente, adentramos em

espírito o templo de Ísis; para levantar o véu da “que é, foi e será” em Sais;

para olhar através da cortina rasgada do Sanctum Sanctorum em Jerusalém; e

ainda para interrogar a misteriosa Bath-Kôl no interior das criptas que outrora

existiram sob o edifício sagrado. A Filia Vocis – a filha da voz divina –

respondeu-nos do propiciatório atrás do véu2, e a Ciência e a Teologia e toda

hipótese e concepção humanas nascidas do conhecimento imperfeito

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perderam para sempre aos nossos olhos o seu caráter autoritário. O Deus vivo

falou por meio de seu oráculo – o homem –, e nós ficamos satisfeitos. Tal

conhecimento é incomensurável; e só permaneceu oculto para aqueles que

desdenharam, ridicularizaram ou negaram a sua existência.

2. Lightfoot assegura-nos que esta voz, empregada nos tempos antigos como um testemunho

do céu, “era de fato produzida com a ajuda de arte mágica”. (Horace Hebraice et Talmudicae,

vol. II, p. 82, Oxford, 1859.) O último termo é empregado num sentido desdenhoso

precisamente porque ele foi e ainda é mal compreendido. O objetivo desta obra é corrigir as

opiniões errôneas concernentes à “arte mágica”.

De cada um destes recebemos críticas, censuras e talvez hostilidades, embora

os obstáculos em nosso caminho não provenham quer da validade das provas

ou dos fatos autênticos da História, quer da falta de senso comum do público

ao qual nos dirigimos. O rumo do pensamento moderno volta-se evidentemente

para o liberalismo, tanto na Religião como na Ciência. A cada dia, os

reacionários são empurrados para mais perto do ponto em que deverão

renunciar à autoridade despótica que, durante tanto tempo, desfrutaram e

exerceram sobre a consciência pública. No momento em que o Papa chega ao

extremo de fulminar anátemas contra todos os que defendem a liberdade de

imprensa e de expressão ou insistem em que, no conflito entre as leis, civil e a

eclesiástica, a civil deve prevalecer, ou em que algum método de ensino

exclusivamente secular deve ser aprovado3; e o senhor Tyndall, como porta-

voz da Ciência do século XIX, diz: “(...) a invencível posição da Ciência pode

ser definida em poucas palavras: reivindicamos e arrancaremos da Teologia o

domínio completo da teoria cosmológica”4 – não é difícil prever o final.

3. Encíclica de 1864.

4. Fragments of Science, “Belfast Adress”, 1874.

Séculos de sujeição não congelaram nem cristalizaram o sangue-vivo do

homem em torno do núcleo da fé cega; e o século XIX é testemunha dos

esforços do gigante para romper as cordas liliputianas e andar por seus

próprios pés. Mesmo a Igreja Protestante da Inglaterra e da América, ocupada

atualmente em revisar o texto de seus Oráculos, será levada a mostrar a

origem e os méritos desse texto. O dia da sujeição do homem por meio de

dogmas chegou ao seu crepúsculo.

Nossa obra é, portanto, uma demanda em favor do reconhecimento da

Filosofia Hermética, a outrora universal Religião da Sabedoria, como a única

chave possível para o Absoluto em Ciência e Teologia. Para provar que não

nos escapa a dificuldade de nosso trabalho, podemos dizer de antemão que

não será estranho se as seguintes classes se lançarem contra nós:

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Os Cristãos, que constatarão que pomos em dúvida as provas de autenticidade

de sua fé.

Os Cientistas, que descobrirão as suas pretensões colocadas no mesmo nível

que as da Igreja Católica Romana no que respeita à infalibilidade, e, em certos

assuntos, os sábios e os filósofos do mundo antigo classificados mais alto do

que eles.

Os Pseudocientistas deverão, naturalmente, denunciar-nos furiosamente.

Os Clérigos e os Livres-Pensadores verão que não aceitamos os seus atos e

que desejamos o completo reconhecimento da Verdade.

Homens de letras e várias autoridades, que ocultam suas crenças íntimas por

respeito aos preconceitos populares.

Os mercenários e os parasitas da Imprensa, que prostituem sua eficiência e

poder e desonram tão nobre profissão, zombarão facilmente de coisas

demasiadamente surpreendentes para a sua inteligência; para eles o preço de

um parágrafo conta mais do que o valor da sinceridade. De muitos virão críticas

honestas; de muitos – impropérios. Mas nós olhamos para o futuro.

A atual luta entre o partido da consciência pública e o partido da reação já

logrou desenvolver um tom mais saudável de pensamento. Ela dificilmente

deixará de determinar a destruição do erro e o triunfo da Verdade. Repetimos

novamente – estamos trabalhando para o glorioso porvir.

Apesar disso, quando consideramos a ácida oposição que deveremos afrontar,

quem melhor do que nós, ao entrar na arena, teria o direito de inscrever sobre

seu escudo a saudação do gladiador romano a César: MORITURI TE

SALUTANT!*

* Esta exclamação latina encontra-se nas Vidas dos Césares de C. Suetônio Tranquilo;

Cláudio, livro V, seção XXI, onde ocorre da seguinte maneira, em sua forma mais completa:

“Ave, Imperator, morituri te salutant” – “Salve, César! os que vão morrer te saúdam”, (N. do

Org.)

Nova York, setembro de 1877.