GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

139
GUSTAVO ALEXANDRE DE MIRANDA SILVANUS PHILLIPS THOMPSON E A DESMISTIFICAÇÃO DO CÁLCULO: RESGATANDO UMA HISTÓRIA ESQUECIDA MESTRADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA PUC/SP São Paulo 2004

Transcript of GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Page 1: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

GUSTAVO ALEXANDRE DE MIRANDA

SILVANUS PHILLIPS THOMPSON E A DESMISTIFICAÇÃO DO

CÁLCULO: RESGATANDO UMA HISTÓRIA ESQUECIDA

MESTRADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

PUC/SPSão Paulo

2004

Page 2: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

GUSTAVO ALEXANDRE DE MIRANDA

SILVANUS PHILLIPS THOMPSON E A DESMISTIFICAÇÃO DO

CÁLCULO: RESGATANDO UMA HISTÓRIA ESQUECIDA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como

exigência parcial para obtenção do título de MESTRE

EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, sob a orientação do

Prof. Dr. Ubiratan D’Ambrosio.

PUC/SPSão Paulo

2004

Page 3: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

BANCA EXAMINADORA

________________________________________

________________________________________

________________________________________

Page 4: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta

dissertação – por processos fotocopiadores ou eletrônicos.

Assinatura: _______________________________________ Local e Data: ______________

Page 5: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

DEDICATÓRIA

Pois que dedico esta coisa aí ao antigo Schumann e sua doce Clara que

são hoje ossos, ai de nós. Dedico-me à cor rubra muito escarlate como o

meu sangue de homem em plena idade e, portanto, dedico-me a meu

sangue. Dedico-me à saudade de minha antiga pobreza, quando tudo era

mais sóbrio e digno e eu nunca havia comido lagosta. Dedico-me à

tempestade de Beethoven. À vibração das cores neutras de Bach. A

Chopin que me amolece os ossos. A Stravinsky que me espantou e com

quem voei em fogo. Sobretudo dedico-me às vésperas de hoje e a hoje,

ao transparente véu de Debussy, a Marlos Nobre, a Prokofiev, a Carl Orff,

a Schönberg, aos dodecafônicos, aos gritos rascantes dos eletrônicos – a

todos esses que em mim atingiram zonas assustadoramente inesperadas,

todos esses profetas do presente e que a mim me vaticinaram a mim

mesmo a ponto de eu neste instante explodir em: eu.

E – e não esquecer que a estrutura do átomo não é vista, mas sabe-se

dela. Sei de muita coisa que não vi. E vós também. Não se pode dar uma

prova da existência do que é mais verdadeiro, o jeito é acreditar.

Acreditar chorando...

Clarice Lispector

Page 6: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

AGRADECIMENTOS

Antes de tudo, agradeço a Deus – esse excelente arquiteto que alguns

chamam de energia, de luz –, por todas as conquistas e alegrias que acumulei

nesses últimos dois anos. De fato, é muito superficial afirmar que tudo se

deveu ao acaso.

Agradeço à minha família que, com carinho e compreensão, incentivou e

apoiou o estudo que foi feito aqui. Em especial, a meus pais (João e Janai) e meu

irmão (Henrique), personagens fundamentais nessa história.

Sou grato também à minha namorada, Claudia, que passou incontáveis

finais de semana sem minha companhia, por conta da pesquisa, além de ter sido

a primeira pessoa a ler e dar sugestões neste trabalho [Love ya, honey!].

Pela sua competência, humildade, atenção e disposição, meu débito de

gratidão ao Prof. Ubiratan D’Ambrosio, orientador deste estudo. Sem dúvida,

lembrarei com carinho dos momentos de orientação, das trocas de e-mail, das

participações em congressos e, principalmente, da amizade cultivada durante

esses anos de mestrado.

Agradeço aos Profs. Marcos Vieira Teixeira e Wagner Rodrigues Valente,

que aceitaram participar da banca examinadora desta dissertação e, assim,

trouxeram observações pertinentes para a finalização do estudo.

Por fim, agradeço aos membros do nosso grupo de pesquisa (história da

educação matemática / história da matemática / etnomatemática), que se

tornaram – nos últimos meses – minha grande família, e também aos amigos

Walmir, João, Marisa, Leila e Eliana, pelo incentivo.

Page 7: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

RESUMO

Com o intuito de estudar a história do ensino de Cálculo e, mais

especificamente, os desdobramentos do livro Calculus Made Easy (1910) no

contexto da educação matemática, este trabalho procura fazer uma análise

histórica que elucide as relações entre Silvanus Phillips Thompson (autor do livro)

e a educação do início do século XX, particularmente a educação matemática.

Thompson legou muito às áreas da física e da radiologia, porém, com a chegada

do novo século, passou a se dedicar intensamente à educação técnica de seus

compatriotas ingleses. Tal dedicação, aliada a preocupações políticas e sociais

da época, foi crucial para a publicação do seu texto didático mais polêmico: o

Calculus Made Easy (1910). A polêmica estava atrelada às discussões sobre o

rigor e a intuição no ensino de matemática, visto que o didático tratava dos

conceitos fundamentais do Cálculo de maneira intuitiva e com aplicações. Apesar

das críticas e do repúdio dos matemáticos da época, Thompson granjeou a

admiração e o respeito de muitos alunos de Cálculo durante o século XX. Tornou-

se, assim, parte da história do ensino de Cálculo.

Palavras-Chave: Educação Matemática, História da Educação Matemática,Silvanus Phillips Thompson, Calculus Made Easy.

Page 8: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

ABSTRACT

With the purpose of studying the calculus teaching history and, particularly,

the consequences of Calculus Made Easy (1910) in the mathematics education

context, this work intends to make an historical analysis to clarify the connections

between Silvanus Phillips Thompson (its author) and the education in the early

twentieth century, mainly mathematics education. Thompson was concerned

about Physics and Radiology, however, at the dawn of the new century, his

interests in technical education had also burgeoned. One of his goals was to

demystify Calculus, tackling the subject intuitively – Calculus Made Easy. The

book did not draw much respect from mathematicians and was acridly criticized.

Key words: Mathematics Education, History of Mathematics Education, SilvanusPhillips Thompson, Calculus Made Easy.

Page 9: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 09

CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO 151.1 O cálculo diferencial e integral 161.2 O problema de pesquisa 18

CAPÍTULO 2 – CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS 232.1 Intuição e rigor 232.2 Considerações historiográficas 28

2.2.1 Novas tendências para a escrita da história 312.3 A organização social e o conhecimento 35

CAPÍTULO 3 – CÁLCULO E SEU ENSINO NO SÉCULO XIX 383.1 Cálculo: três problemas e uma nova matemática 383.2 O Cálculo no século XIX 413.3 O ensino de Cálculo no século XIX e início do século XX 433.4 Alguns livros de Cálculo do início do século XX 46

3.4.1 Um curso de Matemática Pura: G. H. Hardy - 1908 473.4.2 Elementos de Calc. Dif. e Integral – Granville – 1904 49

CAPÍTULO 4 – MODERNIZAÇÃO DO ENSINO NA EUROPA E NO BRASIL 524.1 Primeiros congressos de matemática e a criação do IMUK 524.2 Os movimentos de modernização no ensino de matemática 54

4.2.1 Christian Felix Klein 554.2.2 A modernização do ensino no Brasil 58

CAPÍTULO 5 – SILVANUS P. THOMPSON E O CALCULUS MADE EASY 655.1 Que pode ser dito sobre o cientista Silvanus Thompson? 665.2 Críticas ao Calculus Made Easy 685.3 Reconhecimento ao Calculus Made Easy 715.4 O curso de Cálculo de Silvanus Thompson 73

5.4.1 Os objetivos do Calculus Made Easy 745.4.2 Análise do conteúdo do Calculus Made Easy 76

CONSIDERAÇÕES FINAIS 85

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 89

ANEXO I – A DERIVADA NOS LIVROS ATUAIS 94ANEXO II – TRADUÇÃO PARCIAL DO LIVRO CALCULUS MADE EASY 99ANEXO III – CRÍTICAS DE KARL MARX 129

Page 10: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 9

.:: APRESENTAÇÃO ::.

Curiosidade, encanto e PAIXÃO por um tema.

Seriam esses bons motivos para a realização de uma pesquisa? Acho que

não. Do ponto de vista metodológico, por exemplo, qualquer pesquisador seria

imediatamente reprovado por dizer coisas desse tipo. E, aos olhos da ciência,

sempre acostumada a ambientes emocionalmente frios, essa resposta não seria

mais do que uma afronta ao pensamento científico. Isso sem dizer que estudante

algum convenceria o seu orientador sobre a relevância de um tema com um

argumento desses. Seria preciso “muito mais” do que curiosidade, encanto e

paixão para desenvolver uma pesquisa científica.

Essa conclusão é curiosa. Curiosa no sentido de estimular, às vezes, uma

prática freqüente no meio acadêmico: a cisão entre pesquisa e paixão, entre

pesquisa e curiosidade, entre pesquisa e encanto pelo conhecimento. Um

trabalho não se resume a uma pergunta e, em muitos casos, existem dezenas de

motivos não verbalizáveis que levam o pesquisador ao empreendimento de um

estudo. Contudo, essas dezenas de motivos acabam sempre indo, primeiramente,

para a lata de lixo – para dar lugar às “verdadeiras razões” de ser do trabalho.

Não foi esse o caso desta dissertação. E isso se deu, talvez, em virtude da

minha falta de experiência no meio acadêmico, quando ingressei no mestrado.

Entrei na pós-graduação acreditando fortemente que a pesquisa deveria ser

prazerosa para alunos e orientadores, e de fato, apesar das críticas e perguntas a

Page 11: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 10

que no começo nem eu mesmo podia responder, acabei conquistando esse

objetivo. Acabei descobrindo, por meio da curiosidade e com a ajuda de

Ubiratan D’Ambrosio, meu orientador, um tema de pesquisa que me trouxe

encanto e culminou em paixão. Um trabalho que, sem dúvida, agregou

conhecimentos, histórias e experiências.

. . .

Esta pesquisa nasceu essencialmente da curiosidade por um objeto: um

livro. Um livro publicado em 1910 por um autor – até então – pouco conhecido na

educação matemática: Silvanus Phillips Thompson.

Tomei conhecimento desse livro por acaso, quando D’Ambrosio me

trouxe uma versão que havia sido publicada em 1998. O título na capa parecia

muito sugestivo: Calculus Made Easy. Minha primeira impressão, no entanto,

não foi das melhores. Julguei inicialmente – baseado no título (que me pareceu

oportunista) e no ano daquela publicação (1998) – que aquele livro deveria ser

uma “aposta” editorial de algum autor ou editor, já que o ensino de Cálculo

tinha problemas havia anos. E, com isso, não me iludi muito. Mas, mesmo

assim, levei o livro para casa. Afinal, Prof. D’Ambrosio havia me recomendado

o trabalho e eu também estava muito curioso para confirmar ou não minhas

impressões sobre aquele livro de Cálculo.

Comecei a analisar mais profundamente o livro de Thompson e,

surpreendentemente, fui obrigado a rever a impressão inicial que tivera do livro,

e isso por várias características. Uma delas era a época em que Silvanus

Thompson havia vivido – de 1851 a 1916; outra característica importante era a

influência acadêmica de Thompson – engenheiro elétrico, membro da Royal

Society e presidente de inúmeras academias científicas em Londres. E, por

Page 12: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 11

último, a data da primeira publicação do Calculus Made Easy era também muito

curiosa, principalmente para aqueles (como eu) interessados na história do

ensino de Cálculo: 1910.

Essas características, ainda que superficiais para constituir um problema

de pesquisa no sentido metodológico da palavra, trouxeram-me de imediato uma

curiosidade ainda maior pelo livro e por seu autor. Agora eu queria saber mais

sobre Silvanus Thompson, desejava conhecer seus trabalhos e, principalmente,

fazer uma análise mais detalhada do seu livro de Cálculo; talvez pudesse até

pesquisar os desdobramentos desse trabalho na educação matemática do início

do século XX. Foi a partir desse momento que o problema começou a ser

delineado com algumas idéias iniciais.

Minha primeira tarefa foi procurar em acervos físicos e digitais artigos,

dissertações ou teses que tratassem do ensino de Cálculo, especificamente da

história do ensino de Cálculo. Essa pesquisa foi feita com a ajuda do Banco de

Teses e Dissertações Digitais1 da Unicamp, organizado por Dario Fiorentini. A

expectativa de encontrar alguma referência ao trabalho de Thompson era

grande, mas essa esperança foi logo dissipada pela realidade: não havia – na

educação matemática – artigos, teses ou dissertações que referenciassem o

livro de Thompson.

Então tentei um segundo artifício: comecei a fazer algumas entrevistas

informais com professores de Cálculo, pessoalmente e via e-mail, com o intuito

de saber se o livro de Thompson era conhecido pelos docentes de Cálculo.

Nenhum sucesso nessa segunda tentativa tampouco. Boa parte dos professores

1 Esse banco contém uma relação de todas as dissertações e teses defendidas na área da educação matemática de 1977 a

2001. Está disponível na página da biblioteca da Faculdade de Educação da Unicamp: www.fe.unicamp.br

Page 13: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 12

entrevistados nunca havia ouvido falar do livro; alguns conheciam o livro

superficialmente; e outros pareciam não querer declarar nada.

Fiquei intrigado com essa situação e, com certeza, não fui o único. O Prof.

D’Ambrosio, por essa ocasião, já havia me preparado para a realidade que

deveria encontrar. Dizia que o livro de Thompson trazia uma abordagem diferente

da dos livros de Cálculo tradicionais; era um livro bastante intuitivo, com pouco

formalismo e, por isso mesmo, o livro havia sido muito criticado e banido pelos

matemáticos. Portanto, argumentava D’Ambrosio, eu não deveria esperar

encontrar centenas de artigos, trabalhos ou pesquisadores debruçados sobre o

assunto, dado que Silvanus Thompson não havia granjeado muitos admiradores

na matemática. De fato, foi o que aconteceu.

A despeito dessa realidade, não pude impedir a formulação de várias

questões em minha mente: Quem havia sido Silvanus Phillips Thompson? Por

que um cientista tão renomado se dedicaria ao ensino de Cálculo? A julgar pela

data de publicação do Calculus Made Easy (1910), teria Thompson alguma

relação com o Movimento de Modernização do Ensino de Matemática que foi

liderado por Felix Klein a partir de 1900?

Foram essas perguntas que direcionaram, inicialmente, a pesquisa a ser

desenvolvida em breve. O objetivo é fazer uma análise histórica de Thompson e o

livro Calculus Made Easy no contexto da educação matemática. Para isso,

organizaremos esta dissertação da seguinte forma:

• Capítulo 1 – Introdução: nesse capítulo, faremos a apresentação do

problema de pesquisa, estabelecendo algumas questões que serão

abordadas durante o desenvolvimento do trabalho;

Page 14: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 13

• Capítulo 2 – Considerações Teóricas: esse capítulo será reservado para

os fundamentos teóricos e metodológicos que utilizaremos. Serão

abordadas questões referentes ao rigor e à intuição, considerações sobre a

escrita da história e a organização e desenvolvimento do conhecimento;

• Capítulo 3 – Cálculo e seu Ensino: nesse capítulo, serão feitas algumas

considerações sobre o cálculo diferencial e integral, sua formalização no

século XIX e seu ensino em princípios do século XX;

• Capítulo 4 – Os Movimentos de Modernização: nesse capítulo, faremos

algumas reflexões acerca dos Movimentos de Modernização do Ensino de

Matemática liderados por Felix Klein em 1900, assim como examinaremos

alguns reflexos desse “novo” ensino no Brasil dos anos 1920;

• Capítulo 5 – Thompson e o Calculus Made Easy: faremos, nesse

capítulo, uma análise do curso de Cálculo de Silvanus Thompson,

mostrando suas intenções, a abordagem do livro etc.;

• Considerações Finais: esse capítulo será reservado para nossas

conclusões e reflexões acerca do trabalho realizado;

• Anexo I – O conceito de Derivada: fizemos, nesse primeiro anexo, uma

abordagem do conceito de derivada à luz de alguns livros de Cálculo atuais

selecionados;

• Anexo II – Tradução Parcial do Calculus Made Easy: esse segundo

anexo foi preparado com o intuito de fornecer ao leitor uma visão mais

próxima do trabalho de Thompson;

• Anexo III – Críticas de Karl Marx ao Cálculo Diferencial: apresentamos

nesse anexo alguns questionamentos feitos por Marx ao Cálculo.

Page 15: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 14

INTRODUÇÃO

Considerações Preliminares e Justificativas

Delimitação do Problema de Investigação

Page 16: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 15

.:: CAPÍTULO 1- INTRODUÇÃO ::.

Cena 1 – data: início do século XIX. O cálculo diferencial e integralestá passando por um momento importante na história da matemática. Talmomento será retratado por muitos historiadores, anos mais tarde, como operíodo de fundamentação rigorosa do Cálculo; momento em que o cálculodiferencial e integral passará a vestir uma grossa indumentária formalista erelegará a segundo plano os métodos intuitivos e práticos nos quais seapoiava até então. Os métodos infinitesimais, utilizados exaustivamente noCálculo de Leibniz, estão sendo interpretados como algo não-rigoroso eprecisam ser substituídos por uma teoria mais consistente. Esse objetivoacabará sendo alcançado por meio da teoria de limites e dos esforços dosgrandes matemáticos do período, dentre os quais Cauchy – em 1820aproximadamente.

Cena 2 – data: princípios de 1960. O estudo mais bem aprofundadodos infinitesimais leva o lógico A. Robinson (1918 – 1974) a estabelecer osfundamentos para o tratamento das quantidades infinitamente pequenas.Robinson dá maior importância àqueles métodos infinitesimais que haviamsido “postos de lado” no século XIX e, com isso, axiomatiza os númeroshiperreais, que contêm os infinitesimais. Essa nova teoria matemáticapassa a ser chamada de Análise não-standard, e assim novasconjecturas começam a fazer parte do ensino de matemática.

Há conclusões muito importantes nas duas cenas retratadas acima. Talvez

a mais importante seja reconhecer que existem muitas idéias admiráveis no curso

da história da ciência que merecem exame mais cuidadoso, aprofundado, como

no caso dos métodos infinitesimais. O resultado dessas análises históricas, como

bem exemplifica o estudo de A. Robinson, é geralmente convertido em benefícios

para o presente, o atual – e, nesse sentido, as diversas vertentes do

Page 17: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 16

conhecimento acabam sempre sendo presenteadas com novos enfoques e

interpretações advindas de outras épocas.

Em especial, a matemática e, mais recentemente, a educação matemática

têm abarcado uma série de novos estudos e abordagens históricas. São histórias

que não retratam apenas os fatores internos do objeto em questão, o que

acontece, segundo o matemático e historiador Dirk Struik (1985, p. 204), porque:

É útil voltarmos nossos olhos para um horizonte amplo, em que amatemática é apenas uma das muitas formas de ciência, ou, em outroainda mais amplo, apenas um tipo de manifestação cultural ou deatividade humana em geral.

Claramente, há muito mais do que o presente nas palavras de Struik.

Podemos [e devemos] ir através das idades, descobrindo o tipo de matemática que

foi útil para os artesãos, para os senhores feudais, para os mercadores, para os

burocratas ou acadêmicos; também devemos identificar os tipos de professores, de

livros escolares e de instrumentos de ensino utilizados noutras épocas (STRUIK, p.

210). Esse enfoque “externalista” de escrever história acaba gerando, na maioria das

vezes, importantes elementos de pesquisa para as análises didáticas e

epistemológicas no ensino de matemática. E isso nos mostra que é sempre válido

aprender as lições de determinado período histórico da educação matemática, visto

que tais estudos clarificam as peculiaridades do ensino em outros contextos

temporais e culturais, fornecendo – também – variadas contribuições aos processos

de entendimento e resolução dos problemas atuais.

1.1 O CÁLCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL

Mas em que medida o ensino de Cálculo poderia ser beneficiado com tudo

isso? Ou, de forma simplista e inicial, por que o ensino de Cálculo merece a

Page 18: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 17

atenção dos educadores matemáticos? Essas são, naturalmente, perguntas

importantes. Por ora será oportuno responder à segunda dessas perguntas, já

que a resposta poderá apontar algumas das principais justificativas para a

realização deste trabalho.

O ensino de Cálculo nas universidades brasileiras tem sido objeto dequestionamento em diversos fóruns em função das dificuldadesapresentadas pelos alunos na sua aprendizagem, bem como pela altaevasão dos estudantes dos primeiros períodos, matriculados nessadisciplina (p. 4)

São essas as palavras que a Sociedade Brasileira de Matemática – SBM –,

no boletim informativo nº 6, de 1995, registra referindo-se ao ensino de Cálculo. A

questão central aparenta inicialmente ser esta: a necessidade de aprofundar cada

vez mais as pesquisas sobre o ensino de Cálculo, já que vários são os problemas

que há muito vêm sendo enfrentados por professores e alunos nessas aulas.

É provável que o interesse no ensino de Cálculo, que tanto cresceu nas

últimas décadas, tenha sido de fato encorajado por um problema antigo e

preocupante: a disciplina cálculo diferencial e integral – não apenas no Brasil –

tem registrado há vários anos altos índices de reprovação e desistência nos

cursos de Ciências Exatas. Reis (2001, p.17), professor de Cálculo da

Universidade Federal de Ouro Preto, em sua tese de doutorado, comenta o

índice de reprovação dos alunos na disciplina Cálculo I, mostrando que a

maioria dos professores de Cálculo não consegue sequer a aprovação da

metade dos alunos matriculados. E Martin Gardner (1998), ao prefaciar o livro

Calculus Made Easy2, conta-nos algo ainda mais sério: segundo ele, 50% dos

alunos que se submetem aos cursos iniciais de Cálculo são reprovados e, por

2 Livro escrito originalmente por Silvanus P. Thompson, 1910.

Page 19: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 18

conta da reprovação, geralmente desistem dos cursos de matemática, física ou

engenharia.

Segundo alguns professores, o despreparo que os alunos herdam do

ensino médio é um dos principais motivos que justificam os altos índices de

reprovação e outros problemas nas aulas de Cálculo. Entretanto, para alguns

pesquisadores do assunto – como Reis (2001), por exemplo –, a razão não é

apenas essa. A reestruturação da ementa dos cursos de Cálculo, a introdução do

Cálculo no ensino médio e, sobretudo, o equilíbrio entre rigor e intuição são

questões que também merecem atenção. Nas palavras do Prof. Roberto Baldino,

mencionado por Reis (2001, p. 41):

O ensino tradicional prefere evitar cuidadosamente as dificuldades earmar o curso sobre uns tantos malabarismos algébricos como o cálculode derivadas, a integração de frações racionais, a regra de L'Hospitaletc. Com essa tática, os alunos que passam são os que conseguiramaprender muito mais que isso, além dos sobreviventes do sistema, quenão se vexam em decorar rotinas para conseguir o diploma. Os demaisficam intrigados com o sentido dessa farsa, antes de seremcentrifugados como reprovados. O fracasso do ensino de Cálculo podeser escondido, mas não pode ser negado (grifo do autor).

1.2 O PROBLEMA DE PESQUISA

Em face desses problemas, que não raro norteiam centenas de pesquisas

atualmente, é impossível dizer que não ocorreram muitas tentativas

significativas de melhora no ensino de Cálculo ao longo da história, uma vez

que muitos foram os estudos a respeito dessa disciplina. Acreditamos, no

entanto, que alguns desses trabalhos permanecem ainda pouco explorados ou

esquecidos. Tal é o caso, por exemplo, do cientista inglês Silvanus Phillips

Thompson, que em 1910 publicou um didático polêmico para o ensino de

Cálculo, intentando desmistificar os conceitos elementares dessa disciplina. O

Page 20: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 19

livro foi muito criticado pela comunidade acadêmica ao longo dos anos, por

tratar os elementos do Cálculo, tais como derivadas e integrais, de maneira

oposta ao modelo convencional dos limites. Apesar disso, e paradoxalmente, o

livro foi muito bem recebido pela comunidade não-acadêmica, transformando-se

em um dos didáticos mais vendidos – até hoje – sobre os conceitos elementares

do cálculo diferencial e integral. A história da educação, contudo, ainda pouco

sabe sobre Thompson e seu trabalho.

Nascido na Inglaterra em 1851, Silvanus P. Thompson foi um brilhante

engenheiro elétrico, com interesse em ótica, acústica e eletricidade. Suas

maiores contribuições científicas pertencem à área de radiologia, apesar de ter

sido também muito reconhecido pelo que legou à história da ciência, em que

se inclui a publicação das biografias de Phillipp Reis, Michael Faraday e Lord

Kelvin, em fins do século XIX.

Durante o ano de 1891, entretanto, Silvanus Thompson foi eleito para a

Royal Society, e seu trabalho mais polêmico, o livro Calculus Made Easy, acabou

sendo lançado 19 anos depois – em 1910 – na Inglaterra, sob o pseudônimo de

F.R.S. (Fellow of the Royal Society). O volume, sobre os elementos do Cálculo,

era uma abordagem preponderantemente intuitiva, que mostrava a “filosofia”

desses conceitos. Thompson visava, antes de tudo, a desmistificar as idéias

fundamentais do cálculo diferencial e integral; pretendia tornar “populares” os

conceitos somente conhecidos e utilizados pelos acadêmicos; estava,

claramente, preocupado com o ensino de Cálculo. Além disso, a publicação de

seu livro, apresentando um Cálculo intuitivo – com aplicações, parecia em

perfeita conformidade com os movimentos de modernização do ensino de

Page 21: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 20

matemática iniciados em princípios do século XX, e isso certamente despertou a

crítica dos matemáticos de sua época. Nas palavras de Thompson:

Uma coisa que os matemáticos dirão sobre este livrinho terrível é que arazão pela qual ele aparenta ser fácil é que o autor retirou dele ascoisas que realmente são difíceis. E o fato curioso dessa acusação éque... é verdade. Esse foi, de fato, o motivo de o livro ter sido escrito –escrito para a legião de inocentes que, até aqui, têm sido dissuadidosda idéia de aprender os elementos do Cálculo por causa da maneiraestúpida de que seu ensino é quase sempre apresentado (Thompson &Gardner, p. 280, 1998, tradução nossa).

Essa breve introdução sobre o Calculus Made Easy pode-nos dar uma

idéia, ainda que limitada, da importância e da repercussão que o livro teve na

época, o início do século XX. E, desse modo, consideramos importante ressaltar

dois aspectos fundamentais no livro de Thompson:

1- O livro Calculus Made Easy (1910) representa uma ruptura com o

modelo de ensino de Cálculo do fim do século XIX e início do século XX; com

isso, acreditamos que Thompson tenha sido um dos primeiros cientistas

preocupados com o ensino a propor uma nova abordagem dos elementos

fundamentais do Cálculo;

2- Silvanus Thompson não era um cientista qualquer. Era membro da

Royal Society, presidente de vários institutos científicos de sua época e,

sobretudo, preocupado com a educação de seus compatriotas ingleses.

Por esses motivos, esta pesquisa pretende escrever alguns dos principais

momentos da história de Silvanus Phillips Thompson, tomando como referência

principal o livro Calculus Made Easy e seus desdobramentos na Educação

Matemática. Especificamente, este trabalho tem, portanto, a intenção de

responder às seguintes questões:

Page 22: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 21

• Em quais aspectos o livro de Thompson difere dos livros da mesma época?

• Que repercussão teve o livro Calculus Made Easy?

• Qual era, de fato, a proposta de Silvanus Thompson?

• A quem eram endereçadas suas exposições intuitivas e pouco formalistas?

Tal estudo torna-se fundamental se pensarmos que Thompson pode

representar uma das primeiras tentativas de melhora [mudança] no ensino de

Cálculo no início do século XX [época dos movimentos de reforma no ensino

da matemática].

Page 23: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 22

CAPÍTULO 2

Considerações Teórico-Metodológicas

Page 24: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 23

.:: CAPÍTULO 2 ::.

Cada vez mais os historiadores estão começando a perceber que seustrabalhos não reproduzem ‘o que realmente aconteceu’(BURKE,1992, p.337).

O estudo que passamos a empreender neste trabalho está estreitamente

atrelado às discussões sobre a intuição e o rigor no ensino da matemática. Essas

são discussões que, geralmente, suscitam uma série de divergências no meio

acadêmico, uma vez que, para muitos, a matemática se caracteriza pela

expressão maior – absoluta – do rigor científico. Mas o que é o rigor matemático

exatamente? O que seria a intuição matemática? Que relações existiriam entre a

intuição e o rigor? Tais perguntas nos levam, por assim dizer, a questionar

inicialmente os reais significados das palavras rigor e intuição, visando a,

posteriormente, destacar as possíveis relações.

2.1 A INTUIÇÃO E O RIGOR

Comecemos, então, por analisar o que alguns dicionários da língua

portuguesa dizem a respeito do significado dessas palavras.

No Novo Dicionário Aurélio – Século XXI, encontramos os seguintes

significados:

Intuição: imagem; percepção clara e imediata; conhecimento imediato de um objeto na

plenitude de sua realidade; ato de ver, perceber, discernir.

Page 25: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 24

Rigor: rigidez, dureza; precisão, exatidão, clareza.

Em outro importante dicionário, o Michaelis – Moderno Dicionário da

Língua Portuguesa, podemos também recolher alguns significados:

Intuição: conhecimento imediato e claro, sem recorrer ao raciocínio; conhecimento direto

e espontâneo da verdade.

Rigor: rigidez, explicação exata; último ponto a que pode chegar alguma coisa; exatidão.

Essas definições, ainda que simplistas para uma análise profunda do

ensino da matemática, mostram-nos alguns significados gerais para as palavras

intuição e rigor. A intuição, segundo tais definições, estaria relacionada a um

conhecimento imediato e direto; o rigor, por outro lado, poderia ser visto como

algo rígido e exato.

De fato, são muitas as pesquisas que tratam desse tema na educação

matemática – em virtude das discussões sobre os papéis desempenhados pela

intuição e pelo rigor nas aulas de matemática e, particularmente, nas aulas de

Cálculo. Alguns pesquisadores, especialmente os oriundos da matemática pura

– formal, defendem fortemente o ensino de uma matemática rigorosa, com

pouco (às vezes nenhum) espaço para a intuição. Outros, destacadamente

educadores matemáticos e matemáticos puros, preocupados com o ensino, têm

defendido o equilíbrio entre a intuição (como ponto de partida) e o rigor (como

ponto de chegada), sugerindo uma complementaridade entre esses dois pólos.

Neste último caso, um exemplo que merece ser citado é a tese de doutorado de

Frederico Reis (2001), Unicamp, na qual o autor assume que os pólos da

intuição e do rigor devem ser tratados como complementares, afirmando ser

“[...] inadmissível separar intuição e rigor no ensino de qualquer conteúdo

matemático [...]” (REIS, 2001, p. 79).

Page 26: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 25

Entretanto, para entender o cerne de toda essa discussão, é oportuno fazer

algumas considerações sobre o que significam rigor e intuição sob o ponto de

vista do ensino da matemática. Ou seja, em que sentido a palavra rigor é utilizada

(e definida) pelos matemáticos? O que significa intuição para os educadores

matemáticos? Em que medida o ensino da matemática pode (deve) ser

influenciado por essas visões diferentes?

Tentaremos responder a essas perguntas de acordo com os referenciais

que adotamos. Comecemos com o rigor:

O rigor em matemática está arrolado aos critérios utilizados para

estabelecer uma verdade científica, e isso acontece, segundo Freudenthal (1973,

p. 147, tradução nossa), porque “em matemática, não interessa apenas se o

resultado está correto ou não, mas principalmente se foi fundamentado

corretamente”. Essa é, na verdade, a principal preocupação do formalismo

matemático: assegurar-se que determinado resultado está corretamente

fundamentado, que foi estabelecido coerentemente. Assim, levando em conta que

a matemática é, em hipótese, a base sobre a qual se assentam as verdades

utilizadas nas demais ciências, a discussão sobre os sistemas rigorosos assume

importância crucial para grande parte dos matemáticos puros. Freudenthal (1973,

p. 149, tradução nossa) nos conta ainda que “alguns de nossos contemporâneos

[matemáticos] acreditam que não há rigor em matemática fora do sistema

axiomático”3. E Loyes (1993), citado por Reis (2001, p.76), acrescenta também

que “o rigor é um imperativo do trabalho matemático: busca-se no método

dedutivo a confirmação dos processos construtivos que utilizam definições

3 Um sistema axiomático em matemática pode ser caracterizado como um conjunto de regras e normas [verdades]

que regem a estrutura de determinada teoria matemática.

Page 27: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 26

parciais, demonstrações informais e linguagens representativas ou empíricas”.

Como podemos perceber nessas argumentações, o rigor parece ser uma grande

preocupação dos matemáticos e, por isso, para que uma teoria seja aceita na

comunidade matemática, torna-se necessário que respeite alguns modelos

formais, com provas rigorosas etc.

Nas palavras do educador matemático Vicente Garnica (1996):

A importância da prova rigorosa para o fazer em Matemática pode seratestada, a princípio, por alguns matemáticos da envergadura do grupoBourbaki. Não bastando isso, o discurso e a atividade cotidianos da práticacientífica da Matemática afirmam reconhecer a prova como elemento centralno desenvolvimento do que se conhece por Matemática.

A prova rigorosa é elemento fundamental se pretendemoscompreender como funciona o discurso matemático e como sãoengendradas as concepções que permeiam a sala de aula deMatemática, sendo, assim, tema importante à Educação Matemática.

A intuição em matemática, por outro lado, é geralmente relacionada à

percepção visual – algumas vezes puramente geométrica – que o aluno revela ao

estudar determinado assunto em matemática. Segundo Soares (1995), as

situações empíricas são responsáveis pelas primeiras representações dos

objetos matemáticos, por meio da intuição, podendo ser apontadas como grandes

estímulos aos desenvolvimentos conceituais. Soares (1995) diz ainda que, na

maioria das vezes, essas intuições são idéias cuja aparência de verdade é

tamanha que acabam passando por tal, sem questionamentos. Isso, claramente,

pode conduzir ao erro em alguns casos, mas ainda assim é importante ressaltar,

como aponta também Soares (1995, p. 70), “[...] que as idéias intuitivas formam a

etapa inicial do raciocínio. Nesse sentido, devem ser valorizadas”.

Apesar disso – de reconhecer a importância da intuição no ensino de

matemática, David Tall (1991, p. 109, tradução nossa) aponta que a

Page 28: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 27

dificuldade no ensino de Cálculo tem sido preocupante, porque “alguns

conceitos que os matemáticos profissionais (professores) entendem como

intuitivos não são tão intuitivos para os estudantes”. Tall (1991) observa que o

“intuitivo” está sempre atrelado ao desenvolvimento cognitivo e às

experiências prévias do aluno. Ou seja, o que torna algo intuitivo ou não são

as próprias experiências e conceitos anteriores adquiridos. Assim, segundo

Tall (1991, p. 109): “não há razão para exigir dos estudantes novatos as

mesmas intuições e insights dos matemáticos profissionais”.

Não há consenso, como veremos durante toda esta pesquisa, a respeito do

equilíbrio entre esses dois pólos (intuição e rigor). Mas é importante destacar

que, nesta pesquisa, os pólos da intuição e do rigor serão sempre tratados como

complementares. Isso, de fato, vai ao encontro de muitas pesquisas em educação

matemática: intuição e rigor são ferramentas que se complementam no ensino da

matemática. Apesar disso, reconhecemos, como Freudenthal (1973), que

entender e até mesmo praticar essa idéia não é tarefa simples. Isso porque

“[existem] muitas divergências referentes ao rigor matemático [aquilo que

caracteriza o rigor]” na história da matemática. Freudenthal (1973, p.143,

tradução nossa) ainda ressalta, citando o desenvolvimento do Cálculo, que:

Durante a história, o rigor matemático não tem sido o mesmo nopensamento dos matemáticos, e a menos que sejam cegas, as pessoasconcordarão que esse rigor não é o mesmo hoje também. Há mais deum século, as pessoas operavam intuitivamente com os conceitosinfinitesimais e isso funcionava muito bem, pois era intuitivo. Então, acrítica em tais métodos cresceu, e as pessoas puseram a fé na‘epsolôntica’. Agora a ‘epsolôntica’ está perdendo força e, depois de umaou duas décadas, podemos esperar a ‘grande descoberta’, que nos fazacreditar que os métodos infinitesimais [aqueles de um século atrás]eram muito rigorosos [análise não-standard].

Não é sem embates e reflexões profundas, portanto, que as discussões

sobre intuição e rigor no ensino da matemática são feitas. E isso se dá em virtude

Page 29: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 28

das diferentes concepções de intuição e rigor que podem ser observadas na

história da matemática, e principalmente na prática docente ainda hoje.

Como veremos nos capítulos posteriores, essas considerações serão

oportunas para compreendermos alguns acontecimentos acerca da repercussão

do livro de Silvanus Thompson.

2.2 CONSIDERAÇÕES HISTORIOGRÁFICAS

Faz-se necessário reiterar o tipo de pesquisa que intentamos fazer neste

texto. Trata-se, antes de tudo, de uma pesquisa histórica originada

fundamentalmente pela análise do livro Calculus Made Easy, de Silvanus

Thompson, publicado em 1910. Assim, é importante considerar quais serão as

bases historiográficas que utilizaremos neste trabalho, pois muitas vezes

recorreremos a fontes históricas, a interpretações de fatos e a reflexões

temporais. Segundo D’Ambrosio (1999), os estudos sobre história dependem em

essência do reconhecimento de fatos, datas, nomes e interpretações ligadas ao

objeto de interesse e, nesse contexto, os registros podem ser de natureza

diversa: memórias, práticas, monumentos e artefatos, escritos e documentos.

Tais registros são, conforme D’Ambrosio (1999), as chamadas fontes históricas; e

os conjuntos de metodologias e ideologias utilizados na interpretação desses

registros são chamados de historiografia.

Começaremos, assim, fazendo algumas referências às concepções de

escrita da história feitas pelo historiador holandês E. J. Dijksterhuis, em uma

palestra em Utrecht – 1953 – mencionadas pelo matemático e historiador Dirk

Page 30: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 29

Struik (1985). Struik (1985) faz uma importante distinção, em seu artigo, entre o

enfoque evolucionista da história da matemática e o enfoque fenomenológico. O

enfoque evolucionista, segundo Struik (1985, p. 200), “vê a matemática, e as

ciências naturais em geral, como o estado preliminar de uma viagem contínua de

descobertas, começando no passado e continuando até os dias de hoje”. O

passado é sempre relacionado ao presente, isto é, o passado é sempre

interpretado com o auxílio de ferramentas [cultura] do presente. Struik (1985, p.

200 – 202) ressalta ainda que:

[para o evolucionista] os resultados do passado são traduzidos nalinguagem de hoje, o passado é referido ao presente, e o resultado é, emmuitos casos, uma construção harmoniosa. O evolucionista vê amatemática teórica de hoje crescendo a partir de uma idéia germinal, atésua beleza presente.

Para o fenomenologista, entretanto, o tratamento e a interpretação dos

fatos históricos devem ser feitos de outra maneira: entendendo a ciência de um

período em sua própria cultura. Ou, dito de outra forma, o enfoque

fenomenológico da história da ciência “tenta entender a ciência de um período

nos seus próprios termos; tenta ver como seus contemporâneos sentiram ou

pensaram a matemática do seu tempo” (STRUIK, 1985, p. 200). Trata-se,

portanto, de interpretar a matemática de determinado período levando em conta,

para isso, os termos utilizados na época, a cultura e a situação social daquele

período. Struik pondera ainda que:

Os fenomenologistas lançam uma advertência contra o exagero daprocura de ‘ancestrais’ das teorias modernas, de ‘precursores’. Muitasvezes, isso é como um esporte. Há quase sempre alguém antecipandouma idéia de Gauss, Euler, Fermat, Descartes. Alguns historiadoresvêem o uso de coordenadas, em certos teoremas do livro de Apolôniosobre as cônicas, como uma antecipação a Descartes, de quase dois milanos. O inteiro contexto grego, contudo, é diferente. Para Descartes,quando escreve xx ou 2x , o significado é o quadrado de um númeroreal racional ou irracional, enquanto Apolônio fala do quadrado de umsegmento de reta, ambos de acordo com seus contextos culturais(STRUIK, 1985, p. 202).

Page 31: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 30

A escrita da história de Thompson nesta dissertação se aproxima de uma

escrita fenomenológica da história, tentando explicar – tanto quanto possível – os

fatos de acordo com os termos e a cultura do período que estamos focalizando: o

início do século XX. Entendemos, com isso, que o trabalho do historiador não se

limita a uma narrativa dos acontecimentos passados (história rankiana, que será

tratada adiante), mas abrange uma análise estrutural dos contextos próprios da

sociedade e época atrelados ao objeto de estudo.

Entretanto, é impossível afirmar que não há limites nesse tipo de escrita da

história. Isso porque o discurso histórico de determinado período é remetido, em

muitos momentos, a uma análise antropológica desse mesmo período. E,

segundo Geertz (1989, p.25),

Os textos antropológicos são eles mesmos interpretações e, na verdade,de segunda e terceira mão (Por definição, somente um ‘nativo’ faz ainterpretação de primeira mão). Trata-se, portanto, de ficções; ficções nosentido de que são ‘algo construído’, ‘algo modelado’ [...] não que sejamfalsas, não-factuais ou apenas experimentos de pensamento.

Nesse sentido, o discurso histórico – se considerado rigorosamente –

não é mais do que uma interpretação do passado. Uma ficção. E representa

apenas um ponto de vista particular (de um historiador) daquilo que aconteceu

– observador transformando o observado e sendo também transformado pelo

observado. A esse respeito, o historiador Peter Burke (1992, p. 15) comenta

ainda que “por mais que lutemos para evitar os preconceitos associados a

credo, cor, classe ou sexo, não podemos evitar olhar o passado de um ponto

de vista particular”.

À luz desses argumentos, é possível considerar que não existe uma escrita

fenomenológica pura da história, porque o historiador – parafraseando Geertz –

Page 32: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 31

nunca será “nativo” do período que ele está descrevendo. E isso parece ser

atestado quando Burke (1992, p.15) declara que

O relativismo cultural obviamente se aplica tanto à própria escrita dahistória quanto a seus chamados objetos. Nossas mentes não refletemdiretamente a realidade. Só percebemos o mundo através de umaestrutura de convenções, esquemas e estereótipos, um entrelaçamentoque varia de uma cultura para outra (BURKE, 1992, p. 15).

Essas críticas à escrita fenomenológica da história não significam, é

preciso ressaltar, uma celebração da escrita evolucionista. A escrita evolucionista

tem sido freqüentemente criticada por tratar de maneira superficial e banal a

análise dos contextos históricos, limitando-se em alguns casos a uma narrativa

dos acontecimentos.

Portanto, o estudo que fazemos do trabalho de Silvanus Thompson é uma

interpretação de um ponto de vista particular, limitado ao contexto da educação

matemática do início do século XX – mas é também nosso objetivo compreender

os fatores sociais, políticos, acadêmicos, culturais daquela sociedade.

Entendemos que “uma boa interpretação de qualquer coisa – um poema, uma

pessoa, uma história, um ritual, uma instituição, uma sociedade – leva-nos ao

cerne do que nos propomos interpretar” (GEERTZ, 1989, p. 28). Assim, a busca

de uma interpretação (social, cultural, educacional) do trabalho de Thompson não

será, por assim dizer, fatalmente errada (como veremos na próxima seção).

2.2.1 NOVAS TENDÊNCIAS PARA A ESCRITA DA HISTÓRIA

As discussões anteriores tornam necessárias as considerações a respeito

de algumas recentes tendências de escrita da História.

Page 33: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 32

O século XX foi, sem dúvida, um século de muitas mudanças e expansões

no universo dos historiadores. A história mundial, a história regional, a história

econômica, a história política etc. nunca passaram por tantas transformações e

fragmentações como na última geração. Essas mudanças se deram

essencialmente em virtude da reação deliberada contra o “paradigma” tradicional

da escrita da história – identificado, segundo Burke (1992), como “história

rankiana”, em alusão ao historiador alemão Leopold von Ranke (1795-1886).

A fim de esclarecer o que deve ser entendido por história rankiana,

Burke (1992, p. 10) nos conta que ela é “a visão do senso comum da história”,

sendo considerada por alguns a maneira de fazer história. Assim, algumas

características desse modelo tradicional são enunciadas por esse historiador

no livro A escrita da História:

1. De acordo com o paradigma tradicional, a história diz respeitoessencialmente à política. [...] Embora outros tipos de história – a históriada arte, por exemplo, ou a história da ciência – não fossem excluídospelo paradigma tradicional, eram marginalizados no sentido de seremconsiderados periféricos aos interesses dos “verdadeiros” historiadores.

2. Os historiadores tradicionais pensam na história como essencialmenteuma narrativa dos acontecimentos.

3. A história tradicional oferece uma visão de cima, no sentido de quetem se concentrado nos grandes feitos dos grandes homens, estadistas,generais ou, ocasionalmente, eclesiásticos. Ao resto da humanidade foidestinado um papel secundário no drama da história.

4. Segundo o paradigma tradicional, a história deveria ser baseada emdocumentos [oficiais].

5. De acordo com a história tradicional, quando um historiador pergunta‘Por que Brutus apunhalou César?’ ele quer dizer ‘O que Brutus pensou,o que o levou a apunhalar César?’

6. Segundo o paradigma tradicional, a história é objetiva. A tarefa dohistoriador é apresentar aos leitores os fatos, ou, como apontou Rankeem uma frase muito citada, dizer ‘como eles realmente aconteceram’

(BURKE, 1992, p. 10 – 15).

Page 34: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 33

O movimento contra esse tipo de história foi levado a cabo inicialmente

pelos historiadores da chamada École des Annales, agrupados em torno da

revista Annales: économies, societés, civilisations, 1929. Para cada item citado

acima, houve uma crítica e um novo conceito à luz da “nova” história. Nesse

contexto, a história começou a se interessar por toda a atividade humana[1]; a

história dos acontecimentos passou a ser vista como não mais do que a espuma

nas ondas do mar da história[2]; novos historiadores começaram a se preocupar

com a “história vista de baixo” – com a opinião e os feitos das pessoas

comuns[3]; novas fontes passaram a fazer parte dos estudos históricos[4]; a

análise das estruturas surgiu como uma antítese da preocupação exclusiva das

ações individuais[5]; e – como vimos anteriormente nas possíveis relações entre

antropologia e história – a história objetiva foi considerada irrealista[6].

Essas novas abordagens de história, juntamente com a criação da VI

Seção da École Pratique des Hautes Études – que tinha Lucien Febvre como

presidente (1948) – “iriam dar impulso a um profundo movimento de

transformação no campo do conhecimento histórico” (FERREIRA, 1992, p. 265).

Uma das principais metas dessa transformação era afastar a historiografia de

sua dependência exclusiva dos estudos políticos, porque “a história política

reunia [...] um número infindável de defeitos – era elitista, anedótica,

individualista, factual, subjetiva e psicologizante” (FERREIRA, 1992, p. 265).

Passava-se a procurar, então, a história de toda e qualquer atividade humana,

de maneira interdisciplinar. Segundo Ferreira (1992, p. 265, grifo do autor): “era

chegada a hora de passar de uma história dos tronos e das dominações para

aquela dos povos e das sociedades”.

. . .

Page 35: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 34

Essas considerações são importantes para o desenvolvimento desta

dissertação, e isso poderá ser facilmente compreendido tendo-se em vista que

Silvanus Thompson e o livro Calculus Made Easy fazem parte de uma história

não-oficial do ensino de Cálculo; uma história que, para muitos, nem ao menos

faz parte da educação matemática. Além disso, como veremos durante o

desenvolvimento deste trabalho, essa história estará freqüentemente atrelada a

um tipo recente de escrita: a história vista de baixo4.

A história vista de baixo surgiu, segundo o historiador Jim Sharpe (1992),

em meados de 1966, por ocasião da publicação do The History from Below, de

Edward Thompson. Essa nova perspectiva de história foi logo caracterizada como

“uma perspectiva alternativa ao que poderia ser chamado de história da elite”

(SHARPE, 1992, p. 40). Nas palavras de Jim Sharpe

Essa perspectiva atraiu de imediato aqueles historiadores ansiosos porampliar os limites de sua disciplina, abrir novas áreas de pesquisa e,acima de tudo, explorar as experiências históricas daqueles homense mulheres cuja existência é tão freqüentemente ignorada,tacitamente aceita ou mencionada apenas de passagem na principalcorrente da história (SHARPE, 1992, p. 41, grifo nosso).

A história vista de baixo, do ponto de vista estrutural, seguiu um caminho

oposto à história da elite (história vista de cima). Oposto no sentido de ter visado

à história de pessoas que por muito tempo não tiveram nenhuma história; oposto

no sentido de ter abarcado uma série de novas fontes antes negligenciadas por

não serem documentos oficiais (e claramente por não expressarem o ponto de

vista oficial – história da elite).

4 Existem atualmente muitas nomenclaturas diferentes para significar a mesma coisa: História do Homem Comum,

História do Povo ou dos movimentos operários etc.

Page 36: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 35

Nesta dissertação, o estudo sobre Silvanus Thompson estará inserido, sem

dúvida, em uma perspectiva de história de baixo. Thompson não foi notado no

contexto da educação – conforme atestam quase todas as biografias disponíveis

atualmente, que se limitam sempre aos desenvolvimentos científicos e

tecnológicos de Thompson – deixando quase ignorados seus objetivos como

educador dos operários ingleses em fins do século XIX e início do século XX. A

despeito disso, seus objetivos no livro Calculus Made Easy e seus ideais como

diretor ativo do Finsbury Technical College, de Londres, pareciam claros:

Thompson era um cientista preocupado com a educação inglesa e, em certa

medida, preocupado também com a até então recente educação matemática

(educação técnica). Ou seja, o estudo de Thompson e do livro Calculus Made

Easy faz parte de uma história – veremos nos próximos capítulos –

freqüentemente ignorada. Será nesse sentido, portanto, da história vista de

baixo, que pretendemos desenvolver nosso tema de pesquisa.

2.3 A ORGANIZAÇÃO SOCIAL E O CONHECIMENTO

Apesar de não ser nosso objetivo principal a escrita de uma história do

Cálculo, é necessário fazer algumas considerações sociais e políticas iniciais

que, a nosso ver, se mostram sempre atreladas aos processos de geração e

difusão do conhecimento humano. Nesse sentido, julgamos oportuno utilizar

como referência alguns trabalhos de Ubiratan D’Ambrosio sobre o conhecimento

e seus desdobramentos na sociedade.

A origem primeira do conhecimento, dificilmente alguém contestará,

reside no povo e está presa a um contexto sociocultural bastante específico

Page 37: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 36

(D’AMBROSIO, p. 505, 1988). A origem do conhecimento, nesse contexto,

pode ser entendida primeiramente como algo com profundas relações com as

necessidades de determinado grupo cultural. Findados esses primeiros

momentos [por vezes longos] do desenvolvimento de um novo conhecimento,

tem início então a procura de uma forma estruturada e codificada para a

difusão desse novo saber. Sob esse ponto de vista, poder-se-ia inferir, tal qual

D’Ambrosio (1988), que o processo de geração do conhecimento vai do místico

ao mistificado; ou seja, o conhecimento, originalmente do povo – e muitas

vezes quotidiano, passa por processos de estruturação e codificação levados a

cabo por grupos de poder5. Passa-se, assim, “do místico, normalmente

presente na origem do conhecimento, ao mistificado, que é como esse mesmo

conhecimento se apresenta ao se vestir de um sistema de códigos”

(D’AMBROSIO, p. 505, 1988, grifo nosso).

As considerações feitas acima são fundamentais para entendermos o

processo de desenvolvimento e formalização do cálculo diferencial e integral, já

que por muitas vezes durante a história esses conceitos foram vistos como

processos místicos e confusos. Nesta pesquisa, entretanto, entenderemos que os

elementos do Cálculo passaram por um processo similar ao descrito por

D’Ambrosio (1988). Ou seja, eram conceitos que, nitidamente, originaram-se de

necessidades particulares e contextos socioculturais específicos, mas que – com

o tempo – acabaram sendo codificados (formalizados) e tornaram-se ferramentas

utilizadas exclusivamente por cientistas, sem nenhuma relação com a

comunidade não-científica, algo mistificado. [Não é de causar estranheza que

esse silogismo matemático (misticismo) tenha sido também criticado pelo filósofo

5 Aqui, grupos de poder devem ser entendidos como Academias Científicas, Universidades, Professores, políticos etc.

Page 38: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 37

alemão Karl Marx (1818 – 1883), como pode ser visto detalhadamente no ANEXO

III desta dissertação].

É nesse contexto que o trabalho de Silvanus P. Thompson está inserido.

No capítulo V deste trabalho veremos que Thompson (1910) propõe um

processo de resgate dos principais conceitos do cálculo diferencial e integral;

processo que levou em conta o ensino desses elementos para qualquer mortal.

Isso certamente mexeu com os interesses de muitos grupos [grupos de poder,

segundo D’Ambrosio (1988)].

Page 39: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 38

CAPÍTULO 3

O Cálculo Diferencial e Integral e sua Formalização

O Ensino de Cálculo no Século XIX e início do Século XX

Page 40: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 39

.:: CAPÍTULO 3 ::.

O que toda a minha vida me apaixonou foi o modo como os homens tornam omundo inteligível. ... a escritura cria um sentido que as palavras não

possuem de início. É isso que eu tento exprimir (BARTHES)

O curso de Cálculo proposto por Silvanus Phillips Thompson, em 1910,

será mais bem compreendido se atentarmos para dois períodos e acontecimentos

importantes: [1] as transformações do Cálculo e do ensino de Cálculo no século

XIX e [2] os Movimentos de Modernização do Ensino da Matemática em

princípios do século XX. Isso porque Thompson representa, em um contexto

particular – dos alunos iniciantes ao Cálculo –, um rompimento com o tipo de

ensino de Cálculo que vinha sendo praticado até então – no século XIX. E, além

disso, intencionalmente ou não, as idéias de Thompson foram ao encontro dos

objetivos das reformas no ensino da matemática – levadas a cabo por Christian

Felix Klein (1849 – 1925).

Neste capítulo, portanto, faremos algumas considerações a respeito do

Cálculo e do seu ensino e, no capítulo seguinte, algumas considerações sobre os

movimentos de modernização do ensino de matemática, a fim de compreender –

posteriormente – as verdadeiras intenções de Silvanus Thompson no livro

Calculus Made Easy.

3.1. CÁLCULO: TRÊS PROBLEMAS E UMA NOVA MATEMÁTICA

Algumas considerações gerais a respeito do surgimento do Cálculo são

oportunas. Esse desenvolvimento matemático está – como mostra a maioria dos

Page 41: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 40

livros de história – relacionado a três principais problemas da matemática: os

problemas de máximos e mínimos, os de tangentes e os problemas de quadraturas.

O problema de maximizar e minimizar quantidades, segundo Durán (1996,

p. 100), tinha evidentemente uma implicação prática. Um exemplo expressivo

disso pode ser observado no problema resolvido por Johann Kepler (1571 –

1630). Segundo Katz (1998), Kepler enunciou, em 1615, em seu Nova

Stereometria Doliorum Vinariorum (nova geometria dos barris de vinho), alguns

resultados que utilizavam a idéia de máximo e mínimo, estudando – nesse

sentido – a forma dos barris de vinho, que com menor superfície (menor

quantidade de madeira utilizada) tinham maior volume (maior quantidade de

vinho). Ou seja, o problema dos barris de Kepler era claramente de variação

(conceito tão importante no Cálculo) e podemos notar, nas palavras de Durán

(1996, p. 100 – 101, tradução nossa), que esse foi um dos problemas

matemáticos que deram origem ao Cálculo Diferencial:

Precisamente para estudar este problema [o volume dos barris devinho] Kepler utilizou um método que é considerado o primeiroantecedente daquilo [o cálculo] que utilizamos na atualidade;concretamente, Kepler buscou o ponto em que a variação no volumeproduzida por uma variação das dimensões [dos barris] era nula (empalavras de hoje, buscou os pontos que anulavam a derivada dafunção que media o volume).

Outro tipo de necessidade claramente envolvida com alguns princípios

importantes do Cálculo era a descoberta de retas tangentes. Esses problemas

consistiam em encontrar as tangentes a uma curva arbitrária, problemas cuja

resolução era fonte de curiosidade para muitos cientistas da época. Segundo Durán,

A tarefa de encontrar a tangente de uma curva em um ponto era umproblema claramente geométrico e que tinha importantes aplicaçõesem problemas óticos, interessando, assim, a um grande número decientistas (DURÁN, 1996, p. 101, tradução nossa).

Page 42: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 41

Essas soluções matemáticas, já no século XVII, passaram a abranger

também os problemas inversos de tangentes, que diziam respeito exatamente

ao processo contrário dos problemas anteriores: dadas algumas propriedades

das tangentes, desejava-se traçar as respectivas curvas. Durán (1996) nos

mostra, nesse sentido, que o primeiro matemático a se interessar por esses

problemas inversos foi Florimond de Beaune, um discípulo de Descartes, que

propôs que as propriedades de determinada curva poderiam ser encontradas

levando em consideração as propriedades de suas tangentes. Ao que parece,

esses problemas marcaram grandemente a ótica.

Por último, e igualmente importante, é preciso ainda mencionar os

problemas de quadraturas. De modo geral, poder-se-ia dizer que esses

problemas estavam grandemente atrelados ao cálculo de áreas, noção

fundamental do conceito de Integral, e isso pode ser observado no famoso

problema da quadratura do círculo, que era parte dos três famosos problemas

da Antigüidade. Esse conjunto de problemas, datado aproximadamente de 300

a.C., abrangia a duplicação do cubo, a trissecção do ângulo e a

quadratura do círculo, este último em forma de um quadrado cuja área fosse

igual à de um círculo dado. Foram esses tipos de cálculos que levaram os

matemáticos contemporâneos a Newton e Leibniz ao estabelecimento inicial do

conceito de Integral. Segundo palavras de Durán (1996, p. 101, tradução

nossa, grifo nosso), “os problemas de quadraturas consistiam no cálculo de

áreas e, genericamente, incluíam cálculos de longitudes e volumes [...]”. Foi

por meio dos problemas de quadratura que Newton e Leibniz identificaram a

reciprocidade entre os problemas de tangentes e de áreas: o teorema

fundamental do Cálculo.

Page 43: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 42

A partir de então, os principais elementos do cálculo diferencial e integral

continuaram a se desenvolver durante os séculos XVII e XVIII, até o trabalho de

formalização desses conceitos – que somente aconteceu no século XIX.

3.2 O CÁLCULO NO SÉCULO XIX

A matemática, de um ponto de vista científico, passou por muitas

transformações no século XIX. A maioria delas se deu em virtude do período de

formalização do Cálculo Diferencial e Integral e da emergência de vários corpos de

conhecimentos matemáticos: a álgebra linear, as geometrias não-euclidianas, a

teoria de conjuntos, a teoria de grupos, entre outros.

Particularmente para o Cálculo, esse período significou o que os

historiadores da matemática chamam hoje de período de fundamentação rigorosa

do Cálculo6. Até então, pode-se dizer que os conceitos fundamentais do Cálculo

tinham apenas uma significação intuitiva - prática, porém não formalizada. E essa

formalização somente aconteceu a partir da segunda década do século XIX, após

200 anos do aparecimento do Cálculo com Newton e Leibniz.

Antes desse período, não havia ainda ferramentas matemáticas

suficientemente desenvolvidas para formalizar os elementos fundamentais dessa

“nova” matemática. A idéia de limite, que aparecia nos arredores dos conceitos

de derivada e integral, ainda não podia ser tratada de forma rigorosa pelos

matemáticos, e os principais conceitos do Cálculo estavam ainda atrelados em

grande parte à geometria de Euclides que, de maneira gradativa, estava caindo

em descrédito no meio matemático.

6 Ver Historia, con personajes, de los conceptos del cálculo, de Antonio José Durán (1996).

Page 44: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 43

Nesse sentido, o historiador da matemática Howard Eves (1995, p. 609-

610) nos conta que foi por conta da

[...] aplicabilidade imensa do assunto [o Cálculo], e carecendo de umentendimento real dos seus fundamentos, [que] alguns matemáticosconscientes se sentiram na obrigação de tentar a difícil tarefa deestabelecer uma fundamentação rigorosa para a Análise.

Começava, assim, a preocupação com o rigor no cálculo diferencial e

integral, e os avanços científicos nessa área foram notáveis.

Foi precisamente em 1816, entretanto, que Cauchy7, após ser nomeado

professor da cátedra de análise matemática na École Polytechnique de Paris,

iniciou o movimento de refinamento da teoria de limites (fundamental no

Cálculo), utilizando-a como base para a conceituação rigorosa dos conceitos

elementares dessa nova matemática. Os trabalhos de Cauchy, nesse processo

de fundamentação do Cálculo, foram muito importantes dado que, como nos

mostra o historiador Grattan Guinness – em algumas considerações sobre a

vida de Cauchy –, há grande proximidade entre a definição de limite proposta

por Cauchy, em seu Cours d’analyse (1821), e a utilizada ainda hoje nos livros

didáticos de Cálculo:

Quando os valores sucessivos atribuídos a uma variável se aproximamindefinidamente de um valor fixo, de modo a finalmente diferir deste detão pouco quanto se queira, esse último chama-se o limite de todos osoutros. (CAUCHY, apud GUINNESS, 1997, p. 374).

Essa definição rigorosa de limite foi a etapa inicial [muito importante] para

a fundamentação rigorosa do cálculo diferencial e integral porque, por seu meio,

Cauchy desenvolveu os conceitos de continuidade, diferenciabilidade e integral,

cujas definições são, segundo Reis (2001, p. 59), também “as [mesmas]

7 Augustin Louis Cauchy foi matemático e físico-matemático de origem parisiense – França, nasceu em 21 de agosto de

1789. Era filho de um homem de muita cultura e teve uma educação muito esmerada. Ademais, Laplace e Lagrange muitocontribuíram para a sua formação, influenciando-o nos estudos. Aos dezesseis anos, ingressou na École des Ponts etChaussées, tendo concluído o curso de engenharia em 1809 como primeiro aluno da turma (BOYER, 1974).

Page 45: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 44

encontradas nos livros de Cálculo e Análise atuais, embora com formulações

mais elaboradas”.

Todos esses estudos foram, portanto, característicos do primeiro

movimento de formalização do cálculo diferencial e integral, com início em

meados de 1810. A seguir, viriam os trabalhos dos matemáticos Weierstrass

(1815 – 1897), Riemann (1826 – 1866), Cantor (1845 – 1918) e Dedekind (1831

– 1916), este último com a substituição da noção intuitiva pela definição rigorosa

dos números reais. Segundo o historiador Carl Boyer (1974), é possível dividir

esse período em três etapas importantes:

• Primeira Etapa: engloba o processo de fundamentação rigorosa do

Cálculo realizado pelos matemáticos pré-Weierstrass, destacadamente Cauchy;

• Segunda Etapa: compreende a “Idade do Rigor”, que havia chegado com

Weierstrass ao substituir os antigos conceitos intuitivos por precisão lógica;

• Terceira Etapa: envolve os trabalhos de refinamento dos matemáticos

Riemann (1826 – 1866) e Cantor (1845 – 1918), que tentaram dar ao Cálculo

[Análise] um estado de perfeição rigorosa, mediante suas aplicações

relacionando Topologia e Análise.

3.3 O ENSINO DE CÁLCULO NO SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX

Segundo Durán (1996, p. 173, tradução nossa),

Foram Cauchy e Bolzano que iniciaram esta tarefa [fundamentação doCálculo]. Para isso, começaram por definir com rigor o conceito delimite, precisamente como suporte para definir a derivada e a integral.Dessa forma, Bolzano, em 1817, define a derivada de uma função

)(xf como o valor )(' xf que se aproxima do quociente

xxfxxf

∆−∆+ )()( quando x∆ se aproxima de 0.

Page 46: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 45

Como vimos na seção anterior, o cálculo diferencial e integral passou a ser

visto de outra maneira durante o século XIX. De acordo com Durán (1996), essas

transformações tiveram início quando Cauchy e Bolzano estabeleceram a

definição rigorosa de limite, que levou – posteriormente – à famosa definição

formal com epsílons e deltas.

Mas, do ponto de vista da educação matemática, o que teria acontecido

com o ensino de Cálculo durante e após essas transformações? Teria o enfoque

formalista de Cauchy, Bolzano e Weierstrass ocupado lugar privilegiado no

ensino de Cálculo a partir de então?

Para responder, ou pelo menos delinear algumas possíveis respostas para

essas perguntas, apoiar-nos-emos em algumas considerações feitas na tese de

doutorado de Frederico Reis (2001) – da Faculdade de Educação da Unicamp.

Reis (2001, p. 62) nos diz que “as tradições do ensino [por meio] de limites

e infinitésimos dominaram o cenário pedagógico do Cálculo ao final do século

XVIII”. Ou, dito de outra forma, o Cálculo – antes do século XIX – era ensinado

privilegiadamente por meio das noções de infinitésimos, presentes no Cálculo de

Leibniz, e mediante os limites, utilizados no Cálculo Fluxional de Newton. Laplace

(1749 – 1827), por exemplo, era a favor do ensino por meio de infinitésimos;

Ampère (1775 – 1836), de outro modo, ensinava os tópicos do Cálculo mediante

as idéias de limites. Apesar disso, ainda segundo Reis (2001, p. 62), “essas

diferentes formas de abordar o Cálculo, decorrentes das diferentes tradições,

perduraram até o início do século XIX, quando ocorreu um período de ‘primazia

dos limites’, por influência de Cauchy”.

Page 47: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 46

Com base nos excertos acima mencionados, é possível conjecturar que o

período de fundamentação do cálculo diferencial e integral influenciou

sensivelmente a maneira como a disciplina passou a ser ensinada. Passava-se

de um ensino próximo à intuição, no século XVIII, para um ensino formalizado e

rigoroso, em meados do século XIX. Podemos ainda supor que o novo modelo

apresentado por Cauchy, mediante a definição rigorosa de limites, passou a ser

adotado amplamente nos cursos de Cálculo, visto não serem poucos os

matemáticos que já questionavam a falta de rigor do Cálculo Fluxional de Newton,

assim como interrogavam também a maneira como os infinitésimos eram

utilizados no Cálculo (nesse sentido, é preciso lembrar que a noção de

quantidades infinitamente pequenas era ainda muito misteriosa para os

matemáticos, uma vez que requeria grande compreensão do infinito). Assim, não

seria de causar estranheza, portanto, se a formalização da teoria de limites de

Cauchy tivesse se tornado o estilo mais adotado e difundido no ensino do cálculo

diferencial e integral, influenciando, dessa forma, grandemente o enfoque no

ensino dos conceitos elementares dessa nova matemática.

Porém, o que se ganhou e o que se perdeu com esse ensino

rigoroso do Cálculo? Quais foram as vantagens e as desvantagens, do

ponto de vista do ensino?

Essas são, claramente, perguntas importantes, porque a fundamentação

da teoria de limites tornou-se, a partir de Cauchy, um modelo largamente adotado

nos cursos de Cálculo, e é possível observar essa tradição ainda hoje na maioria

dos textos didáticos da disciplina. Nesses livros, define-se primeiramente o que

vem a ser o limite de uma função, destaca-se que a continuidade depende desse

limite, define-se a derivada como um limite [do quociente incremental], e a

Page 48: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 47

integral como um limite [das somas de Riemann]. Assim é a escrita da maioria

dos livros de Cálculo atuais8, mais de um século após Cauchy, e são vários os

educadores matemáticos, dentre os quais – David Tall9, que criticam esse modelo

tradicional do ensino de Cálculo (baseado em limites).

Contudo, não nos deteremos nessa análise nem pretendemos

responder, nesta dissertação, às duas perguntas formuladas acima. Mas, a

despeito disso, cumpre destacar que o trabalho de Thompson (1910) parece

estar inserido nessas questões, como poderemos perceber nas próximas

seções. Thompson, em seu livro Calculus Made Easy, já no início do século

XX critica fortemente a abordagem do Cálculo feita aos iniciantes dessa

disciplina. E é nesse sentido, veremos nos próximos capítulos, que organiza

um curso de Cálculo tentando desmistificar os elementos fundamentais dessa

“nova” matemática (para iniciantes no assunto).

3.4 ALGUNS LIVROS UTILIZADOS NO ENSINO DE CÁLCULO POR VOLTA DE 1900...

Como estamos investigando essencialmente um “livro didático” publicado

em 1910, entendemos que é conveniente fazer uma breve análise dos livros

didáticos de Cálculo utilizados nesse mesmo período. Isso porque a apropriação

da teoria de limites no ensino do cálculo diferencial e integral, assim como o

enfoque formalizado e rigoroso oriundo do século XIX, pode ser observada

sensivelmente em alguns livros utilizados em fins do século XIX e início do século

XX. Estamos interessados, nesta seção, em responder à pergunta que

8 Ver Anexo I.9 David Tall é professor e pesquisador da Universidade de Warwick – Reino Unido. Há mais de 20 anos, vem

publicando artigos a respeito do ensino de Cálculo. Destacamos, nesse sentido, o artigo Intuition and rigour: the role ofvisualization in the calculus, Visualization in Mathematics (Zimmermann & Cunningham), M.A.A., Notes No. 19, 105-119.

Page 49: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 48

formulamos no início deste trabalho: Em quais aspectos o livro de Silvanus

Phillips Thompson difere do estilo de abordagem utilizado nos demais livros de

Cálculo da época?

Para responder a ela, não procederemos a uma análise sistemática de

todos os livros utilizados em fins do século XIX e princípios do século XX. Esse

inventário, além de exaustivo, não estaria em conformidade com os objetivos de

nossa pesquisa. Apesar disso, acreditamos que pode ser importante analisar o

enfoque dado aos conceitos do Cálculo em alguns didáticos utilizados nesse

período, traçando algumas características particulares desses textos. Nesse

sentido, julgamos oportuno analisar dois livros didáticos de Cálculo utilizados por

volta de 1900:

• HARDY, G. H. A Course of Pure Mathematics. 1908.

• GRANVILLE, W. A. Elements of the differential and integral Calculus.

1904.

A escolha desses livros foi baseada essencialmente na época em que

foram publicados: a primeira década do século XX. Acreditamos, com isso, que

podem fornecer-nos uma importante noção da maneira como o Cálculo

costumava ser ensinado naquele período, possibilitando, assim, assinalar as

principais diferenças entre as propostas desses textos e as de Thompson.

3.4.1 UM CURSO DE MATEMÁTICA PURA: G. H. HARDY - 1908

O livro de Hardy (1908) é certamente o livro mais lógico – em termos do

rigor matemático – que analisaremos aqui. Ao que parece, foi escrito tendo como

Page 50: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 49

principal preocupação o rigor e o formalismo matemáticos típicos do século XIX.

Podemos atestar isso lendo as palavras de Hardy (1908, p. vi) no prefácio:

Este é um livro para matemáticos: não há nenhuma preocupação comas necessidades dos estudantes de engenharia ou até mesmo declasses que não tenham interesse primariamente em matemática.

O autor começa o curso com uma discussão acerca das variáveis reais no

primeiro capítulo; discute a idéia das funções de variáveis reais no segundo

capítulo; aborda os números complexos, no terceiro; limites de funções, no

capítulo quarto; limites de funções de variáveis contínuas, no quinto capítulo e, a

partir do sexto capítulo, começa a trabalhar as derivadas e as integrais.

Podemos notar, também, que o livro de Hardy (1908) está atrelado ao modelo

de Cauchy para o desenvolvimento do Cálculo. Depois de dois longos capítulos

tratando apenas de limites, o autor define a derivada da seguinte forma:

hxhx

hΦ−+Φ

→)(lim 0

O livro esboça grande preocupação com as provas e as demonstrações de

todos os teoremas e artifícios utilizados durante as exposições e, ao final de cada

capítulo, uma volumosa lista de exercícios é recomendada ao estudante. No

apêndice do livro, o autor ainda aborda temas como “o infinito na análise e na

geometria”, “a prova que toda equação possui uma raiz”, “as inequações de

Hölder e Minkowski” etc.

Hardy (1908) adota, desde os primeiros capítulos, um estilo que tem fortes

ligações com os fundamentos do cálculo diferencial e integral desenvolvidos no

século XIX: um estilo formalista, livro exclusivamente para matemáticos.

Page 51: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 50

3.4.2 ELEMENTOS DE CÁLC. DIFER. E INTEGRAL – W. A. GRANVILLE -1904

O livro de Granville (1904) é visivelmente mais aplicativo do que o anterior.

E podemos perceber isso logo nas primeiras páginas do prefácio, quando o autor

tece algumas considerações sobre os problemas apresentados no livro:

Os problemas [...] apresentam maior interesse e objetividade. Algunsdeles são aplicações da matemática à economia. Os finais de muitoscapítulos trazem novos problemas destinados a estudantes maisavançados (GRANVILLE, 1904, p. iv).

O livro é iniciado com o estudo da álgebra e geometria elementares no

primeiro capítulo; no segundo, há uma discussão sobre variáveis, funções e

limites; as derivadas aparecem no capítulo III; os capítulos seguintes são

dedicados exclusivamente à derivada; as integrais somente aparecem no

capítulo XII; e, depois de 14 capítulos, o livro termina tratando de integrais

múltiplas, no capítulo XXV.

Granville (1904), já na p. 23 do livro, expõe a noção de derivada por meio

da idéia de comparação de acréscimos. Nesse sentido, o autor começa o capítulo

sobre derivadas com um exemplo particular: 2)( xxf = , utilizando um método

muito parecido com o de Leibniz para a razão dos acréscimos de x e y :

Supondo um acréscimo em x e em y , temos:

2)( xxxy ∆+=∆+

22 )(.2 xxxxxy ∆+∆+=∆+

________________________ subtraindo 2xy =

2)(.2 xxxy ∆+∆=∆

Page 52: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 51

Dividindo ambos os lados por x∆ , temos:

xxxy ∆+=

∆∆ 2

Nessa última igualdade, o livro exibe a notação em termos do limite,

fazendo a grandeza x∆ tender para zero. Deve-se destacar, entretanto, que todo

esse processo de comparação de acréscimos, executado no texto, é feito antes

mesmo da definição de derivada.

O didático também apresenta demonstrações de teoremas e exercícios,

estimulando a prova. Todo o estilo do livro é bem mais aplicativo, com muita

preocupação com o desenvolvimento dos conceitos elementares do cálculo

diferencial e integral, com grandes “diálogos” sobre as noções do Cálculo. Do ponto

de vista matemático, não há como negar seu rigor, embora seu estilo e exposições

sejam bastante diferentes do livro anterior.

Resguardadas as limitações dessa análise, é possível notar que o estilo

de curso esboçado nesses dois livros, apesar de distinto, defendia uma

matemática formal. Além disso, as características do período de formalização

do Cálculo podem ser observadas na seqüência programática desses textos:

funções, limites, derivadas, integrais etc. Nos próximos capítulos, voltaremos a

essas considerações didáticas quando analisarmos o livro Calculus Made

Easy, de Silvanus Thompson.

Page 53: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 52

CAPÍTULO 4

Os Movimentos de Modernização do Ensino de Matemática

O Ensino de Matemática no Brasil na década de 1920

Page 54: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 53

.:: CAPÍTULO 4 ::.

Contra o positivismo, que pára diante dos fenômenos e diz: "Há apenas fatos!",eu digo: "Ao contrário, fatos é o que não há; há apenas interpretações".

Nietzsche.

O fim do século XIX e início do século XX foi marcado por um notável

desenvolvimento científico e industrial. O avião, antigo sonho de Leonardo da

Vinci, era praticamente uma realidade; as ciências físicas, já em 1900,

adentravam a era da física quântica com os estudos de Max Planck; e a

industrialização (na era do aço e da eletricidade) tornava possível a emergência e

a consolidação de vários impérios em princípios do século XX.

De igual modo, a Matemática e o ensino de Matemática também passaram

por muitas transformações e desenvolvimentos nesse período. É objetivo deste

capítulo, então, fazer algumas considerações a respeito da emergência das

propostas de reformas para a educação matemática a partir de 1900.

4.1 OS PRIMEIROS CONGRESSOS DE MATEMÁTICA E A CRIAÇÃO DO IMUK

Os congressos internacionais de Matemática foram significativos para o

desenvolvimento da matemática e, particularmente, para o despertar da educação

matemática. Durante todo o século XIX, conforme nos conta D’Ambrosio (2000), a

emancipação das classes populares havia trazido muitos reflexos sobre a educação,

e o desenvolvimento de novas máquinas industriais havia criado a necessidade de

Page 55: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 54

um novo tipo de trabalhador – que, nesse caso, deveria passar por uma educação

mais abrangente nas ciências e em matemática. Tinha início, assim, um período de

questionamentos e propostas para o “novo” ensino de matemática.

Em 1897 foi realizado o primeiro congresso internacional de matemática,

em Zurique, contando com a presença de 197 membros, a maioria da Europa. Os

resultados desse congresso foram, claramente, positivos e em 1900 seguiu-se o

segundo congresso internacional de matemática, dessa vez em Paris, para

comemorar a passagem para o novo século. Tal congresso ficaria marcado pela

conferência de David Hilbert, em que ele enunciou os 23 problemas que

direcionariam o desenvolvimento da matemática durante o século XX. A

comunidade matemática, assim, ficava cada vez mais internacionalizada.

A partir de então, a discussão sobre a educação matemática começou a

ganhar notoriedade em muitos países da Europa. Um dos primeiros educadores a

propor uma profunda discussão sobre o ensino de matemática foi John Perry,

sugerindo um ensino de matemática com enfoque na utilidade – no prazer mental,

e que pudesse preparar o aluno para futuros estudos e para o trabalho

(D’AMBROSIO, 2000, p. 304). As teorias de Perry foram recebidas com muita

crítica e hostilidade10 por muitos matemáticos da época, mas – em certa medida –

essas teorias também acabaram influenciando as futuras discussões e reformas

no ensino de matemática, assim como deram grande impulso – juntamente com

as idéias de Felix Klein – aos movimentos de reforma no ensino de matemática.

Um exemplo disso foi a criação de uma Comissão sobre o Ensino de

Matemática no congresso internacional de matemática realizado em Roma, em

10 Isso, de fato, aconteceu com quase todas as novas propostas da Educação Matemática – um período de muitas críticas.

Page 56: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 55

1908. Essa comissão, criada por iniciativa de David Eugene Smith, dos Estados

Unidos, acabou levando à criação do IMUK (Internationale Mathematische

Unterrichtskommission), ou CIEM (Commission Internationale de l’Enseignement

Mathématique), e assim as pesquisas sobre a educação matemática passaram a

ter um crescente reconhecimento a partir desse período.

4.2 OS MOVIMENTOS DE MODERNIZAÇÃO DO ENSINO DE MATEMÁTICA

A criação do IMUK – em 1908 – serviu principalmente para oficializar uma

preocupação já de certo tempo. A matemática do século XIX havia passado por

muitas modificações, e a indústria, a economia e a política estavam se

transformando rapidamente. Foi nesse período, e em meio à industrialização de

muitos países, que surgiu, entre o fim do século XIX e o início do século XX, a

necessidade de aproximar a matemática escolar das aplicações técnicas. Os

desenvolvimentos de novos sistemas de produção, resultantes da Revolução

Industrial, haviam criado a necessidade de um novo tipo de trabalhador

(D’AMBROSIO, 2000). Além disso, Tavares (2002, p. 69) ressalta também que “o

formalismo excessivo cobrava um preço demasiado alto para o aprendizado”.

Clamava-se pela urgência da renovação das práticas pedagógicas:aperfeiçoar os exercícios, favorecer a atividade pessoal do aluno,abrir espaço para a intuição e o método experimental, formalizando osconceitos no momento apropriado, de forma rigorosa e sintética(TAVARES, 2002, p. 66, grifo nosso).

A matemática, apresentada de forma absolutamente dividida entre

aritmética, álgebra e geometria, foi então alvo de muitas discussões. Tratava-se,

essencialmente, de modernizar o ensino da matemática, levando em conta a

discussão sobre o rigor e a intuição no ensino, a adaptação do ensino às

Page 57: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 56

atividades técnicas, o fim das divisões [aritmética, álgebra e geometria] no

ensino de matemática, a proposta de uma nova grade para as aulas de

matemática etc. Todas essas questões fizeram parte do período dos

Movimentos de Modernização do Ensino da Matemática, que aconteceram por

volta do início do século XX.

Foram muitos os incentivadores desse novo pensar sobre o ensino da

matemática. Porém, muitos desses nomes se perderam, e a história – em alguns

casos – faz pouca justiça ao valor desses personagens. Esse parece ser o caso

do professor de matemática Benjamin Constant, um dos primeiros personagens a

questionar, muito antes dos movimentos de modernização tomarem força na

Europa, as separações estanques da matemática (entre aritmética, álgebra e

geometria) e a criticar a maneira como essa disciplina era ensinada no Brasil. O

positivista Benjamin Constant11 apontava a lacuna nos livros didáticos de

matemática, uma vez que não apresentavam de maneira clara o que constituía

cada uma daquelas divisões. Apesar de todas essas críticas, Benjamin Constant

não conseguiu implementar tamanha mudança no ensino brasileiro, mas muitas

de suas idéias foram retomadas, posteriormente, no período de modernização do

ensino da matemática.

4.2.1 CHRISTIAN FELIX KLEIN (1849 – 1925)

Não é nossa intenção analisar profundamente os ideais e as conquistas

dos Movimentos de Modernização do Ensino de Matemática. Porém, algumas

referências podem revelar-se importantes se considerarmos que o livro de

11 Ver Benjamin Constant e o ensino da matemática no Brasil, de Circe Mary Silva da Silva (2001)

Page 58: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 57

Silvanus Phillips Thompson (objeto de estudo desta dissertação) foi publicado

pela primeira vez em 1910 – época do despertar para a Educação Matemática.

Este é, portanto, o objetivo desta seção.

O movimento reformador de modernização do ensino da matemática

mencionado na seção anterior encontrou adeptos por toda a Europa e

América. Contudo, seu principal representante foi sem dúvida Felix Klein, que

levou a cabo uma grande modificação nos cursos de matemática na Europa

Central (Alemanha). Segundo Silva (2001), Klein iniciou na Alemanha uma

grande modernização do ensino de matemática nas escolas, intentando a

vinculação da matemática escolar e a matemática das universidades. Pelas

próprias palavras de Klein (1927, p. ii), em seu livro Matemática Elemental

desde um punto de vista superior, era preciso

[...] adaptar o ensino da escola com as idéias do modernodesenvolvimento da ciência e da cultura geral, tendo em conta, por outrolado, as necessidades dos professores no ensino universitário [...].

Apesar de sua grande preocupação com o ensino da matemática, Klein

era também (talvez principalmente) um grande matemático do século XIX,

membro da Royal Society, com interesses focalizados na fusão e na

combinação, por meio da teoria de grupos, de conhecimentos matemáticos

considerados separados. Esse era, por exemplo, um dos pontos capitais do

“programa de Erlanger” – como ficou conhecida a conferência que proferiu em

1872 em sua aula inaugural solene na Universidade de Erlanger. Nesse

programa, Klein apresentou uma notável classificação de Geometria, pondo

fim à separação entre geometria pura e geometria analítica – mostrando que o

objeto de cada geometria podia ser convertido num estudo de grupos de

Page 59: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 58

transformações. Esses estudos valeram-lhe um lugar privilegiado no

desenvolvimento da matemática do século XIX, conforme atesta Boyer:

[...] a idade áurea da geometria moderna que começara tãoauspiciosamente na França, na École Polytechnique, com a obra deLagrange, Monge e Poncelet atingiu o seu zênite na Alemanha, naUniversidade de Göttingen, através da pesquisa e inspiração de Gauss,Riemann e Klein (BOYER, 1974, p. 402).

Klein foi, desde seus primeiros estudos acadêmicos, muito interessado na

maneira como a matemática era ensinada e, já no programa de Erlanger citado

acima, expôs muitas considerações sobre o ensino de matemática. Klein fazia

parte da corrente filosófica do intuicionismo, assim como Poincaré, e defendia um

ensino de matemática com aplicações e intuição. Nesse sentido, vale lembrar

suas palavras (1927, p. iv), que parecem sinalizar para uma ruptura com o

paradigma tradicional de ensino da matemática do início do século XX: “A

exposição na escola deve ser, utilizando uma palavra que sintetiza o nosso

pensar: psicológica, não sistemática”.

Klein ressaltava que o professor deveria ser diplomático e atrair, pelo

uso da psicologia, a atenção de seus alunos. Mas acreditava que se atingiria

tal meta somente pelo ensino da matemática de maneira intuitiva, de fácil

assimilação. (1927, p. v). Além disso, também questionava a dosagem correta

– o equilíbrio – entre rigor e intuição nas aulas de matemática. O rigor,

segundo ele, deveria ser adaptado à idade e ao nível de compreensão dos

alunos. Nas próprias palavras de Klein e Schimmack (1907): “O rigor que ali

[nas aulas de matemática] se exige é quanto pode ser compreendido por

meninos daquela idade”. Claramente, Klein estava se referindo a uma nova

maneira de compreender o ensino da matemática.

Page 60: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 59

Tudo indica, novamente, lendo as palavras de Klein, que o modo de ensino no

fim do século XIX e início do século XX, sobretudo em matemática, era bastante

rigoroso e pouco intuitivo. Klein não se opunha ao rigor em matemática, mas era a

favor do ensino com aplicações e intuição; era a favor da modernização do ensino

de matemática em princípios do século XX. Resta dizer que a implementação

dessas mudanças somente foi conseguida (na Alemanha) graças à influência

científica e educacional de Felix Klein, que, “ciente de que a mudança estrutural

deveria partir das bases, lançou-se a participar de encontros, congressos, além de

elaborar ‘aulas’ dirigidas aos professores” (BRAGA, 2003, p. 42).

4.2.2 A MODERNIZAÇÃO DO ENSINO NO BRASIL – EMBATES POR UMA NOVA ESCOLA

Como mencionamos anteriormente, Benjamin Constant foi talvez um dos

primeiros professores de matemática a questionar o ensino de matemática no

Brasil. Suas idéias na Reforma Benjamin Constant, abandonadas

provavelmente em virtude de sua morte – em 1891, representaram um marco

na história da educação brasileira. Apesar disso, a educação brasileira,

sobretudo a educação matemática, somente passou por profundas

modificações a partir da década de 1920, quando Euclides Roxo – catedrático

de matemática do Colégio Pedro II – começou a difundir algumas das idéias de

Felix Klein nos livros didáticos de matemática brasileiros. Essas novas

propostas também não foram recebidas com muito entusiasmo por aqui, e

nesta seção pretendemos relatar alguns dos principais motivos que levaram

Euclides Roxo a travar duras discussões sobre as novas tendências para o

ensino da matemática. Essas tenções, talvez as mais ácidas e populares da

Page 61: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 60

história da educação brasileira, mostrar-nos-ão – principalmente – o tipo de

matemática ensinado no Brasil nos anos 1920. Mais que isso, a análise desse

período nos mostrará como as idéias de Klein12 foram recebidas no Brasil.

Para poder entender o porquê e avaliar a repercussão que as novas idéias

tiveram nessa época, cumpre levar em conta algumas dessas novas propostas e

por que eram necessárias na educação brasileira. A esse respeito, Carvalho

(2000) nos diz que, durante todo o fim do século XIX e princípios do século XX,

muitas tentativas haviam sido feitas no sentido de repensar o ensino secundário

brasileiro. Essas tentativas, muitas vezes abandonadas antes mesmo de

entrarem em vigor – como foi o caso da reforma Benjamin Constant, citada acima

–, tinham uma motivação principal, porque:

De uma sociedade latifundiária e escravocrata, o Brasil caminhava paraum modelo urbano-industrial. Novas forças sociais emergiam, eredefiniam-se as estruturas de poder. O ensino, ainda muito marcadopela herança da época colonial, deixada pelos padres jesuítas, não maisse adaptava à realidade emergente (CARVALHO, p. 416, 2000).

Ou seja, a discussão sobre a renovação do ensino no Brasil se deu de

maneira muito parecida com a renovação do ensino na Europa. Os contextos

cultural, social e político exerceram, sem dúvida, grande influência sobre a

educação, em particular sobre a educação matemática, e, com esse cenário,

houve, desde o final do século XIX, a tentativa constante de adaptação do ensino

às novas realidades, que envolviam novos sistemas de produção, novas técnicas

e valores sociais.

Foi nesse contexto que Euclides Roxo ocupou lugar de destaque.

Segundo Tavares (2002), Roxo preocupava-se com muitas questões referentes

12 É preciso lembrar que o cálculo diferencial e integral fazia parte da grade curricular prevista para o ensino no

secundário. Essas referências, portanto, estão certamente atreladas ao ensino de Cálculo também.

Page 62: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 61

à educação matemática. Algumas dessas questões, por exemplo: como

preservar o rigor formal e fazer o aluno aprender o conceito adequado? Como

demonstrar rigorosamente sem que o aluno perca a perspectiva do objeto

matemático em questão? Como despertar a concepção adormecida nas

malhas da demonstração rigorosa?

Essas questões, importantes para a educação matemática, levaram

Euclides Roxo a propor o modelo da Escola Nova – que idealizava uma educação

que se desse, o máximo possível, junto com a própria vida, integrando os

conhecimentos teóricos e a vida quotidiana dos alunos. O resultado dessas

“novas idéias” foi um grande movimento de reestruturação nas cátedras de

matemática do ensino brasileiro, movimento incentivado fortemente pelo

desenvolvimento industrial e tecnológico no Brasil dos anos 1920. Nas palavras

de Euclides Roxo (1937, p. 56):

Graças ao crescimento monstruoso da indústria e do comércio, tornou-senecessário orientar o ensino no sentido de não limitá-lo aosconhecimentos teóricos, mas atribuir, ao contrário, grande importânciaao que seja imediatamente utilizável na prática.

Tudo leva a crer que Euclides Roxo, a exemplo de vários educadores

matemáticos europeus, tenha-se aproveitado das profundas agitações industriais,

sociais e políticas – daquele período – para implementar algumas mudanças no

ensino de matemática brasileiro. Nesse sentido, a idéia da Escola Nova vinha ao

encontro de muitas questões discutidas durante os movimentos de modernização

na Europa, entretanto, apesar da grande importância dada à prática nas palavras

de Roxo, Carvalho (2000, p. 418) ressalta que “Euclides Roxo não perde de vista

o valor intrínseco da matemática e a necessidade de o aluno apropriar-se dos

conteúdos da matemática escolar”. Não se tratava, portanto, de dar menor valor

Page 63: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 62

aos tópicos puros da matemática, mas de fazer um ensino por meio de aplicações

e da intuição. Roxo acreditava que o ensino de matemática deveria ser feito a

partir do intuitivo – o concreto – para depois chegar ao abstrato – formal. As

propostas de Roxo estavam claramente em conformidade com as novas

tendências para o ensino da matemática, e a influência de Felix Klein era

visivelmente atestada (direta ou indiretamente) em citações feitas nos novos

livros de matemática de Euclides Roxo:

1 – Tornar Essencialmente Predominante o Ponto de Vista Psicológico –significa isso que o ensino não deve depender unicamente da matériaensinada, mas deve atender antes de tudo ao indivíduo a quem se temde ensinar. Um mesmo assunto deve ser exposto a uma criança de seisanos de modo diferente por que o é a uma de dez e a esta ainda demaneira diversa que a um homem maduro. Aplicado particularmente aoensino da Matemática, esse princípio geral nos conduz a começarsempre pela intuição viva e concreta e só pouco a pouco trazer aoprimeiro plano os elementos lógicos e adotar, de preferência, o métodogenético, que permite uma penetração lenta das noções.

2 – Na Escolha da Matéria a Ensinar, ter em vista as Aplicações daMatemática ao Conjunto de outras Disciplinas – procurando aliviar oestudante de uma grande sobrecarga de estudo cujo interesse épuramente formalístico e tornar o ensino mais vivo e mais produtivo. [...].

3 – Subordinar o Ensino da Matemática à Finalidade da Escola Moderna– tornar os indivíduos moral e intelectualmente aptos a cooperarem naobra da civilização hodierna, essencialmente orientada para o sucessoprático. Daí decorre a necessidade de se terem em vista, no ensino daMatemática, as suas aplicações às ciências físicas e naturais e àtécnica. [...]

Mais ou menos de acordo com esses princípios, têm sido reformados osprogramas dos cursos secundários de quase todos os países civilizados,inclusive a Rússia, o Japão e a República Argentina (ROXO, 1929, p. iv-v).

Essas eram, de fato, idéias bastante inovadoras para o ensino de

matemática brasileiro, e, além disso, Euclides Roxo estava também colocando

em discussão a questão do “rigor” no ensino da matemática. Ao que parece, ele

tinha – também nessa área – preocupações semelhantes às de Klein; entendia

que o ensino de matemática deveria, primeiramente, tratar dos assuntos básicos

Page 64: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 63

(com aplicações e intuição) para depois, gradativamente, proceder a uma

formalização desses conceitos. Em suas palavras:

Do mesmo jeito que a humanidade não criou a Matemática em sua formalogicamente cristalizada, como pode o indivíduo aprendê-la assim prontae acabada? (ROXO, 1937, p. 72).

A capacidade do aluno para abstrair e deduzir formalmente irá aumentar,desde que a deixem desenvolver-se naturalmente. Será, ao contrário,perturbada ou totalmente destruída se tentarem forçar o seudesenvolvimento (ROXO, 1937, p. 73).

Na prática, isso significava apelar para a intuição dos alunos, ensinando

uma matemática atrelada às aplicações, ao quotidiano. Significava também, de

outro modo, fazer concessões – do ponto de vista do rigor matemático – em

favor da intuição, das aplicações etc. Essa proposta, ao que parece, não foi

bem recebida por alguns catedráticos de matemática do Colégio Pedro II, e

muitos debates foram travados a respeito das novas idéias.

Uma dessas polêmicas teve como protagonistas dois professores do

Colégio Pedro II: Euclides Roxo e Almeida Lisboa. [O embate entre esses

professores pode ser encontrado no trabalho de Tavares (2002)]. Lemos ali

que Almeida Lisboa escreveu um artigo para o Jornal do Commercio, de 21 de

dezembro de 1930, atacando duramente a unificação da matemática e as

novas idéias no ensino, ganhando, por assim dizer, espaço de uma página no

Jornal do Comércio de domingo. Almeida Lisboa, antigo professor catedrático

do Colégio Pedro II, era representante do formalismo, o rigor no ensino da

matemática, enquanto Euclides Roxo representava o ensino por meio de

aplicações e a intuição.

Os debates entre os Profs. Almeida Lisboa e Euclides Roxo continuaram

durante alguns meses na imprensa da época, e isso nos mostra que o ensino

Page 65: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 64

de matemática estava sendo profundamente discutido no Brasil e que as

discussões sobre o formalismo e a intuição no ensino de matemática eram, já

naquela época, muito ácidas, incitando as mais variadas controvérsias.

Segundo Tavares (2002)

No artigo de 11 de janeiro de 1931, a luta está ainda mais renhida.Entremeada por detalhes picantes e pormenores de nomenclaturacientífica, permanece a contenda: o formalismo de Almeida Lisboaprovoca e desafia o intuicionismo de Euclides Roxo (p. 122).

Depois de muitas trocas de textos escritos para a imprensa, Euclides Roxo

teria avaliado a polêmica da seguinte forma:

Lastimo essa falta de ética no Prof. Lisboa. Lastimo-a, não porque mearreceie de qualquer discussão técnica, em público, com S. S.; maspreferiria que esta discussão se desse intramuros, o que abonariamais os créditos do estabelecimento em que lecionamos (Jornal doComércio – 21/12/1930).

A despeito das críticas, pode-se dizer que a maioria das idéias de Euclides

Roxo, com grande influência de Klein, acabou por integrar a reforma Francisco

Campos, decretada em 1931. Valente (2002, p. 42) também destaca que a

proposta de modernização da Educação Matemática no Brasil dos anos 1930

tinha como um dos pontos principais acabar com a divisão das ciências

matemáticas em partes distintas e separadas (Aritmética, Álgebra e Geometria).

Nesse ponto, o de fusão das disciplinas matemáticas, e em alguns outros (como

a apropriação do quotidiano escolar dos novos didáticos de matemática), Euclides

Roxo não obteve grande sucesso.13 Apesar disso, Roxo já havia marcado para

sempre os rumos da educação matemática brasileira.

13 Ver VALENTE, W. R. 2003.

Page 66: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 65

CAPÍTULO 5

Silvanus Phillips Thompson

A Proposta doLivro Calculus Made Easy

Page 67: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 66

.:: CAPÍTULO 5 ::.

“What one fool can do, another can” – Ancient Simian Proverb

Como já foi visto nos capítulos anteriores, a matemática – particularmente

o ensino de matemática – esteve fortemente atrelada durante o século XIX às

discussões sobre rigor e intuição, que, em maior ou menor proporção, acabaram

influenciando também o modo como os livros didáticos foram escritos naquele

período. Seria durante os movimentos de modernização da matemática,

contudo, que essa questão atingiria o ápice. Passava-se a questionar os

currículos de matemática e, sobretudo, a maneira como esses conteúdos eram

ensinados, dando lugar a sérios conflitos ideológicos na educação matemática

no início do século XX. O Cálculo, parte fundamental do pensamento moderno,

não ficaria fora dessas discussões, o que bem se poderá observar no trabalho

de Silvanus Thompson (1910).

Neste capítulo, portanto, pretendemos retratar e analisar a abordagem que

Silvanus Thompson (1910) utilizou em seu curso de Cálculo, no livro Calculus

Made Easy. Desse modo, julgamos oportuno destacar, inicialmente, algumas

características importantes desse livro:

• Thompson escreveu seu livro exatamente na época em que o ensino da

matemática estava sendo discutido, na primeira década do século XX;

Page 68: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 67

• A abordagem intuitiva e direta que Thompson utilizou em seu curso parece

estar muito relacionada com a idéia da desmistificação do Cálculo;

• No meio matemático, o livro acabou não sendo reconhecido, uma vez que

não abordava os conceitos do Cálculo com o devido rigor e formalismo;

• Apesar de não ter alcançado sucesso no meio matemático, o livro Calculus

Made Easy granjeou milhares de adeptos por todo o mundo, foi reimpresso

três vezes antes do final de 1910 e teve outras reedições em 1914, 1919,

1945 e, recentemente, em 1998;

• Além disso, é importante destacar que Silvanus Phillips Thompson não era

um cientista qualquer: era Fellow of the Royal Society, presidente de várias

sociedades acadêmicas de Londres, além de diretor e professor do

Finsbury Technical College.

5.1 QUE PODE SER DITO SOBRE SILVANUS PHILLIPS THOMPSON?

Silvanus Phillips Thompson nasceu em

1851, em York – Inglaterra. Formou-se em

engenharia elétrica e durante muitos anos foi o

presidente da instituição de engenheiros

elétricos da Inglaterra, tornando-se membro da

Royal Society em 1891. Tudo indica que foi em

virtude de sua agitada vida acadêmica, na Royal

Page 69: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 68

Society e em tantas outras sociedades das quais foi presidente, que Thompson

escreveu numerosos livros técnicos e manuais de eletricidade, magnetismo,

dínamo e ótica, além de ter publicado as biografias dos grandes cientistas

Michael Faraday, Phillipp Reis e Lord Kelvin.

Thompson era um ativo cientista de sua época: foi diretor e presidente

de física aplicada no Finsbury Technical College (1885 – 1916) e também

presidente das sociedades de física (1901 – 1903) e de ótica (1905). A

biografia de Thompson, registrada em The Institution of Electrical Engineers – IEE

– RU14, nos diz que, além de sua atividade científica, Thompson era também

muito preocupado com a questão da educação técnica. Acreditava que, se os

britânicos concorressem com os alemães, ou com qualquer outra nação

industrial, os trabalhadores precisariam ser propriamente treinados em princípios

científicos, de modo a trabalhar “inteligentemente”. Essas eram, claramente,

preocupações advindas da industrialização crescente que estava ocorrendo em

muitos países naquela época, por ocasião da Revolução Industrial, mas isso

mostra que Silvanus Thompson era também um cientista preocupado com as

questões sociais e políticas de seu tempo.

Ao que parece, foi em meio a essas preocupações, e com sua eleição

para a direção do já citado Finsbury Technical College – de Londres, que

Thompson passou a pôr suas idéias educacionais em prática, atraindo uma

multidão de estudantes para suas aulas. Nesse sentido, é importante destacar,

conforme aponta Gardner (1998, p. 6), que Thompson era um conspícuo

palestrante e preeminente professor, e utilizava uma linguagem clara,

14 Disponível em:

http://www.iee.org/TheIEE/Research/Archives/Histories&Biographies/Biographies/Thompson.cfm – em 01/10/2004.

Page 70: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 69

compreensiva e muito popular em suas aulas. Foi em virtude dessa

popularidade – como professor – que os seus textos ganharam, a princípio,

lugar de destaque entre os estudantes ingleses.

As atividades acadêmicas de Thompson deram origem a várias

publicações. Seu primeiro livro científico foi o Elementary Lessons in Electricity

and Magnetism (lições elementares sobre eletricidade e magnetismo), publicado

em 1881. Esse livro, conforme atesta a Chelsea Publishing Company (1976)15,

foi um sucesso instantâneo e tornou-se referência durante sete décadas no

ensino de eletricidade e magnetismo. Entre os trabalhos seguintes viriam The

Storage of Electricity, The Design of Dynamos, Dynamo-Electric Machinery (sete

edições em inglês e duas em alemão) Polyphase Electric Currents, The

Manufacture of Light, The Electromagnet and Electromagnetic Mechanisms e

Optical Tables. Suas últimas publicações científicas foram a biografia de Lord

Kelvin (1910) e o livro Calculus Made Easy (1910).

Calculus Made Easy (1910), assim como outros textos anteriores de

Thompson, despertou muito interesse nos alunos de Cálculo no início e decorrer

do século XX. E, de acordo com a Chelsea Publishing Company (1976), o livro

tornou-se rapidamente um best seller, sendo reeditado várias vezes. Apesar

disso, Thompson acabou despertando também críticas e repúdio de alguns

matemáticos, conforme veremos na próxima seção.

15 Prefácio sobre Silvanus Phillips Thompson escrito pela editora por ocasião da reedição da biografia: The Life

of Lord Kelvin , 1976.

Page 71: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 70

5.2 CRÍTICAS AO CALCULUS MADE EASY

Não é difícil falar sobre as críticas feitas ao livro de Thompson, e isso por

razões claras. Primeiro porque, do ponto de vista matemático, o Calculus Made

Easy foi completamente ignorado. Foi reeditado inúmeras vezes, atraiu a

atenção de milhares de estudantes, contudo nunca foi reconhecido oficialmente

como um texto de matemática (e ainda hoje é difícil encontrar reviews, artigos

ou citações acerca do livro de Thompson). Segundo porque Silvanus Thompson

foi bem mais respeitado pelos seus trabalhos na área da física e da história da

ciência do que na matemática. Com isso, seu nome nunca esteve atrelado à

elite do desenvolvimento matemático, e seu livro foi considerado não mais que

um “intruso” no assunto.

Para provar esses argumentos, pode ser necessário recorrer

primeiramente às próprias palavras bem-humoradas de Silvanus Thompson no

epílogo de seu livro, que pareciam já prever-lhe o futuro:

Podemos assumir certamente que, quando este livro Calculus MadeEasy cair nas mãos dos matemáticos profissionais, eles dirão emuníssono (se não forem muito preguiçosos) que o livro é péssimo, poiscomete erros repugnantes e deploráveis. Isso, de fato, pode ser verdadedo ponto de vista deles (THOMPSON, 1998, p. 279).

Thompson já estava ciente de que seu livro não seria bem aceito pelos

matemáticos. E, certamente, a julgar pelo estilo intuitivo e informal apresentado

no Calculus Made Easy, essa conclusão era óbvia, dado que a matemática

passava nesse período por uma crise em seus fundamentos: a preocupação com

os métodos, o formalismo hilbertiano, o questionamento profundo dos

matemáticos do início do século XX sobre as bases de sua ciência, alguns dos

quais pretendiam “a eliminação dos poderes da intuição na fundamentação e

Page 72: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 71

elaboração de uma teoria” (DUARTE, 2002, p. 38). Assim, o livro de Thompson –

principalmente por tratar de um assunto de grande importância para os

matemáticos, o Cálculo – não estava em conformidade com as preocupações do

meio matemático de então. E por essa razão, de acordo com o próprio

Thompson, o livro não seria bem aceito pelos matemáticos profissionais.

De fato, foi o que aconteceu, mas muito pouco registro existe a respeito

das críticas feitas ao livro de Thompson. Ao que tudo indica, o Calculus Made

Easy foi vítima de uma das principais formas de crítica da história: foi ignorado.

Como Silvanus Thompson não era matemático e seu livro não tratava da

matemática a que os matemáticos profissionais estavam acostumados, seu

trabalho foi simplesmente silenciado pela comunidade matemática. E não foi

difícil perceber, quando iniciamos esta dissertação, os reflexos dessa prática na

realidade atual: o livro de Thompson era praticamente desconhecido, apesar da

recente (1998) edição.

Nesse sentido, é impossível deixar de fazer algumas reflexões a respeito

das palavras do historiador Peter Burke (1992, p. 13):

Os registros oficiais em geral expressam [somente] o ponto de vistaoficial. Para reconstruir as atitudes dos hereges e dos rebeldes, taisregistros necessitam ser suplementados por outros tipos de fonte.

Silvanus Thompson nunca havia feito parte do “ponto de vista oficial” da

matemática. Ao contrário, conforme mencionado acima, seu livro – publicado em

1910 – simplesmente ignorava a preocupação que os matemáticos tinham em

relação aos métodos, ao formalismo etc. Foi por esse motivo que julgamos

oportuno recorrer a outro tipo de fonte, externo ao discurso dos matemáticos: os

Page 73: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 72

arquivos virtuais do IEE16 – o Instituto dos Engenheiros Elétricos de Londres – do

qual Thompson foi presidente. Esses arquivos, apesar de limitados às produções

científicas de Thompson, permitiram-nos atestar que o livro Calculus Made Easy

havia sido realmente criticado pelos matemáticos. Mais que isso: alguns excertos

desses arquivos pareciam sinalizar para alguma relação entre a publicação

anônima do livro e as críticas que, como vimos acima, já eram esperadas por

Silvanus Thompson:

Os dois textos didáticos de Thompson, Elementary Lessons inElectricity and Magnetism e Calculus Made Easy, foram usados pormuitos anos depois de sua morte. O segundo livro, publicadoanonimamente, foi criticado pelos matemáticos por tratar doassunto de maneira muito fácil (Biografia de Thompson, registradano IEE, 2004, tradução nossa, grifo nosso).

5.3 RECONHECIMENTO AO CALCULUS MADE EASY

O livro de Silvanus Thompson, apesar das críticas e da indiferença dos

matemáticos de sua época, foi notado por alguns pesquisadores posteriores

interessados no Cálculo. Talvez isso não se tenha devido ao reconhecimento do

Calculus Made Easy como um curso formal – matematicamente rigoroso, mas à

percepção de que se tratava de um curso que merecia ser recomendado aos

iniciantes do Cálculo.

Esse parece ser o caso de Martin Gardner, ao traçar um comparativo entre

o livro de Silvanus Thompson e os demais livros destinados ao público iniciante:

Muitos esforços similares [aos de Thompson] foram feitos, tais como oslivros: Calculus for the Pratical Man, The ABC of Calculus, What isCalculus About?, Calculus the Easy Way, e Simplified Calculus. Eles sãoou muito elementares, ou muito avançados. Thompson assume um felizmeio-termo. É verdade que seu livro está fora de uso, é intuitivo e

16 O IEE, Instituto dos Engenheiros Elétricos de Londres, foi fundado em 1871 e é considerado a maior sociedade de

engenheiros da Europa, contendo mais de 120.000 membros.

Page 74: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 73

tradicionalmente orientado. Porém, nenhum autor jamais escreveusobre o Cálculo com tanta clareza e humor (THOMPSON, 1998, p. 5-6, tradução nossa).

Gardner, analisando ainda o livro de Thompson, destacou também que:

Curiosamente, a primeira edição do livro de Silvanus Thompson, comsua notável simplicidade e clareza, é de certo modo conforme ao tipode livro introdutório recomendado hoje em dia pelos professores quequerem enfatizar as idéias básicas do Cálculo, dando enfoquesecundário às tediosas técnicas de resolução de problemas – quehoje podem ser resolvidos rapidamente por computadores(THOMPSON, 1998, p. 6, tradução nossa, grifo nosso).

Esses excertos apenas comprovam que Thompson tinha objetivos

específicos, que não foram compreendidos em sua época. Visava ao público

iniciante, objetivava criar um curso de Cálculo acerca da “filosofia” dos

conceitos elementares do assunto. E, de fato, conquistou esse objetivo [vale

lembrar, aqui, que muitos eminentes matemáticos e cientistas do século XX

reconheceram que aprenderam Cálculo com o livro Calculus Made Easy. Esse

foi o caso do matemático Morris Kline17 e do economista e estatístico Julian

Simon18 (THOMPSON, p. 7, tradução nossa)]. Contudo, esse reconhecimento

somente foi possível mercê do período de dificuldades no ensino de Cálculo;

dificuldades essas que levaram alguns matemáticos e pesquisadores à analise

mais bem detalhada do livro de Thompson.

Nesse sentido, é oportuno destacar o artigo Tangents and Differentials,

do matemático Hugh A. Thurston, publicado no The American Mathematical

Monthly, vol. 71, nº 6 (junho – julho, 1964). Neste artigo, Thurston discutia que

a definição elementar de diferencial era inadequada e abordava também a

definição elementar de reta tangente. O trabalho se desenvolvia no sentido de

17 Morris Kline foi professor de matemática e crítico da maneira como a matemática era ensinada. Professor da

University of New York, foi autor e editor de vários livros, entre eles: Mathematics in Western Culture (1953), Mathematics:the loss of certainty(1980) e Mathematics and the search for knowledge(1985) (THE NEW YORK TIMES, 10/06/1992).

18 Julian L. Simon (1932 – 1998) foi professor de economia na University of Maryland (WikiPedia, 04/10/2004).

Page 75: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 74

estabelecer, de forma rigorosa, algumas bases para o tratamento adequado

dos diferenciais; e, tendo em vista que Silvanus Thompson utilizava

grandemente os diferenciais em seu curso de Cálculo, Thurston deixava claro

– mencionando Thompson – que seu artigo podia ser entendido como uma

tentativa de tornar mais rigoroso o tratamento dos diferenciais do livro Calculus

Made Easy (THURSTON, 1964, p. 662).

Como se viu dos parágrafos acima, o livro de Silvanus Thompson foi

notado e utilizado por vários cientistas renomados de nossa época, incluindo

matemáticos, físicos, educadores matemáticos, economistas, entre outros.

Essa constatação, no entanto, não entra em conflito com nossas afirmações na

seção anterior (na qual declaramos que o livro de Thompson havia sido

ignorado). O Calculus Made Easy foi, certamente, ignorado do ponto de vista

oficial do ensino de Cálculo. Isso não impediu, porém, sua utilização e

reconhecimento do ponto de vista dos alunos de Cálculo.

5.4 O CURSO DE SILVANUS PHILLIPS THOMPSON

Nas próximas seções, pretendemos fazer uma análise do livro Calculus

Made Easy, de Thompson, publicado em 1910. Para isso, algumas considerações

iniciais são importantes para um adequado entendimento dessa análise.

Em um primeiro momento, é conveniente destacar que o livro de

Thompson foi reeditado e revisado várias vezes durante o século XX. No mesmo

ano de sua publicação original, em 1910, passou por mais três reimpressões

antes do final do ano. E, posteriormente, em 1914, o livro foi revisado e reeditado

Page 76: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 75

pelo próprio Thompson, que – segundo Gardner (1998, p. 6) – corrigiu todos os

erros da edição original e acrescentou novo material. A partir daí, as reedições e

revisões foram todas póstumas: em 1919 o livro seria publicado novamente e, em

1945, passaria por novas revisões – realizadas dessa vez por F. G. W. Brown.

Essas revisões, segundo Gardner (1998, p. 9), foram feitas para adaptar alguns

termos utilizados no livro original às realidades dos posteriores anos de reedição.

Assim, os exemplos em que Thompson utilizava a moeda britânica como

referência foram logo revisados quando o livro foi publicado nos Estados Unidos,

dando lugar ao dólar e ao cent. Da mesma forma, as terminologias matemáticas

vigentes naquela época foram substituídas pelas notações modernas, tais como

coeficiente diferencial por derivada, elog por ln etc.

A recente reedição do livro Calculus Made Easy, feita em 1998, permanece

fiel aos originais de Thompson de 1910 e 1914. De fato, novos capítulos foram

adicionados por Martin Gardner nessa edição, porém Gardner separou

adequadamente os seus próprios capítulos daqueles feitos por Thompson

originalmente. Os capítulos de Thompson publicados na edição de 1998 são,

portanto, os mesmos capítulos publicados nas edições de 1910, 1914 e 1919.

Num segundo momento, é também oportuno mencionar o tipo de análise

que faremos aqui. Analisaremos o livro de Thompson tomando por base alguns

conceitos e aplicações essenciais em um curso de Cálculo inicial. Nesse

sentido, procuraremos retratar a abordagem de Thompson nos capítulos em

que trabalha com os conceitos de funções, infinitesimais, derivadas,

máximos e mínimos e integrais. Todos esses capítulos se encontram

Page 77: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 76

traduzidos parcialmente no Anexo II desta dissertação e, durante nossa

análise, citaremos algumas partes desse material.

5.4.1 OS OBJETIVOS DO CALCULUS MADE EASY

Alguns artifícios do Cálculo são muito fáceis. Outros são enormementedifíceis. Os tolos que escrevem os textos de matemática avançada – esão tolos talentosos – raramente têm o trabalho de mostrar quão fáceisos cálculos fáceis são. Ao contrário, parecem querer dar a impressãode seu enorme talento mostrando isso da maneira mais difícil(THOMPSON, 1998, p. 38, tradução nossa).

Como foi visto nas seções anteriores, Silvanus Thompson não foi um

matemático por formação. Os registros o retratam como um cientista muito ativo

na engenharia e na história da ciência e, sem dúvida, suas maiores

contribuições se deram realmente nessas áreas. Contudo, é evidente que

Thompson também tinha muito interesse na matemática, em especial na

maneira como a matemática era ensinada. E, ao que parece, esse interesse não

era fortuito, dado que grande parte de seu tempo Thompson o ocupava como

professor de disciplinas que faziam uso constante do Cálculo (Eletricidade,

Eletrodinâmica e outras disciplinas da Física). Foi nesse contexto, claramente,

que o Calculus Made Easy foi escrito.

A intenção de Thompson, desde as primeiras páginas do livro, é

desmistificar as idéias elementares do cálculo diferencial e integral. Não se trata

de um livro de matemática avançada e, por isso, Thompson utiliza uma linguagem

bastante informal para dialogar sobre as principais idéias do Cálculo. Seus

objetivos parecem ser bem identificados quando ele observa que teve

Page 78: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 77

[...] como propósito desaprender as dificuldades do Cálculo paraagora apresentar aos seus amigos “tolos” as partes que não sãodifíceis (THOMPSON, 1998, p. 38, tradução nossa).

Thompson tinha alguns objetivos atrelados à desmistificação do Cálculo.

Um deles, talvez o principal, era, sem dúvida, o caráter aplicativo desses

conceitos nas áreas da física e da engenharia (nesse caso, vale lembrar que o

Calculus Made Easy foi escrito tendo por alvo os alunos de engenharia do

Finsbury Technical College). Entretanto, é impossível negar que o curso de

Thompson também não pretendesse criticar e questionar a maneira como o

ensino de Cálculo era praticado aos iniciantes no assunto. Como vimos nos

capítulos anteriores, havia em fins do século XIX e princípios do século XX

uma preocupação muito forte com os métodos matemáticos: o formalismo, o

caráter rigoroso da matemática. Essas preocupações influenciavam (como

pudemos notar também na análise dos livros de Hardy e Granville) a maneira

como a matemática – em particular o Cálculo – era ensinada em alguns livros.

As críticas de Thompson a esse tipo formal e rigoroso de ensino da

matemática ficam claras quando usou a seguinte argumentação:

Uma coisa que os matemáticos dirão sobre este livrinho terrível é quea razão pela qual ele aparenta ser fácil é que o autor retirou dele ascoisas que realmente são difíceis. E o fato curioso dessa acusação éque... é verdade. Esse foi, de fato, o motivo de o livro ter sido escrito– escrito para a legião de inocentes que, até aqui, têm sidodissuadidos da idéia de aprender os elementos do Cálculo por causada maneira estúpida de que seu ensino é quase sempre apresentado(Thompson & Gardner, p. 280, 1998, tradução nossa).

Não seria de causar estranheza, portanto, se o livro não conquistasse a

simpatia dos matemáticos profissionais e de alguns professores. E, mais uma

vez, podemos notar claramente nesse excerto os principais objetivos que levaram

Silvanus Thompson a escrever o livro Calculus Made Easy.

Page 79: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 78

5.4.2 ANÁLISE DO CONTEÚDO DO CALCULUS MADE EASY

O livro de Thompson começa de maneira curiosa. Em vez de um capítulo

sobre funções, limites ou qualquer outro tópico esperado em um livro de

Cálculo, o primeiro capítulo do Calculus Made Easy exibe o título “Libertando-

se dos Terrores Preliminares”. Nesse capítulo, Thompson dedica-se a uma

descrição dos principais símbolos utilizados no cálculo diferencial e integral,

argumentando que

O terror preliminar, que choca e até desencoraja a maior parte dosestudantes de tentar aprender Cálculo, pode ser abolido de uma vez portodas se entendermos o significado – em sentido comum – dos doisprincipais símbolos utilizados no cálculo diferencial e integral(THOMPSON, 1998, p. 39, tradução nossa).

A partir daí, Thompson faz uma pequena descrição dos principais

símbolos, d e ∫ , utilizados no Cálculo – da seguinte forma:

• d significa simplesmente “uma pequena parte de”

Portanto, dx significa uma pequena parte de x ; du significa umapequena parte de u . Os matemáticos preferem chamar dx de “umelemento de x , em vez de “uma pequena parte de x . Como vocêquiser. Você perceberá que essas pequenas partes (ou elementos)poderão ser consideradas infinitamente pequenas.

• ∫ é a representação de um longo S, e pode ser chamado de “a soma de”.

Portanto, ∫ dx significa a soma de todas as pequenas partes de x ; e

∫ dt significa a soma de todas as pequenas partes de t . Os matemáticos

chamam esse símbolo de “a integral de”. A palavra “integral” significasimplesmente “o todo”. Se você pensar na duração de 1 hora, vocêpoderá pensar também nesse mesmo período dividindo o todo em 3600pequenas partes, chamadas segundos. O total dessas 3600 pequenaspartes quando adicionadas – vale 1 hora.

Da próxima vez que você vir uma expressão que comece com essesímbolo assustador, lembre-se de que ele foi colocado lá simplesmentepara lhe mostrar que você deve executar uma operação de soma,adicionando todas as pequenas partes indicadas no símbolo

(THOMPSON, 1998, p. 39 - 40, tradução nossa).

Page 80: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 79

No segundo capítulo do livro, Thompson começa a desenvolver o conceito

de infinitesimal, tratando das diferentes ordens das quantidades pequenas. Esse

conceito será especialmente importante durante todo o livro, já que Thompson

não utiliza explicitamente a noção de Limite, tão cara aos matemáticos. Em vez

disso, Thompson prefere trabalhar com infinitesimais, negligenciando aqueles

termos que se tornam infinitamente pequenos quando passados ao Limite. Para

desenvolver essa noção, o livro traz alguns diálogos com o leitor:

Considere uma quantia de $100 comparada com 1 centavo: o centavorepresenta apenas 1001 de 1 dólar. Portanto, tem pouca importância secomparado com $100 e poderá ser certamente considerado umapequena quantia. Mas, agora, compare 1 centavo com $10.000: emrelação a esse montante – 1 centavo não tem mais nenhuma importânciae pode ser, claramente, descartado.

(THOMPSON, 1998, p. 41-42, tradução nossa).

É importante lembrar que essa negligência dos termos foi duramente

criticada por alguns matemáticos e pensadores do século XIX. Karl Marx, por

exemplo, apontava esse problema quando afirmava que “para obter as fórmulas

corretas do cálculo diferencial, as grandezas infinitesimais às vezes eram

escamoteadas ou violentamente suprimidas, ou seja, tratadas como zero ( 0=dx )”

(GERDES, 1983, p. 34)19. Apesar disso, Thompson parecia não se preocupar

muito com esse problema e boa parte do seu curso foi construída com base na

supressão dos termos infinitamente pequenos:

No Cálculo, sempre escrevemos dx para simbolizar “uma pequena partede x ”. Esses símbolos, tais como dydtdu ,, , são chamados dediferenciais de u , t e y , de acordo com o caso. Se dx é uma pequenaparte de x (e relativamente pequena), não podemos afirmar com certezaque dxx ⋅ , ou dxx ⋅2 , ou dxax ⋅ serão termos descartáveis. Mas dx X dxserá, certamente, descartável – porque será uma “pequena quantidadede segunda ordem” (THOMPSON, 1998, p. 42, tradução nossa).

19 Para mais informações sobre as críticas de Marx – Ver Anexo III

Page 81: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 80

O terceiro capítulo do Calculus Made Easy trata essencialmente do

crescimento e da variação das grandezas utilizadas no Cálculo. É possível notar

que essa seqüência (infinitésimos – taxas de variação) tem como principal

objetivo estabelecer o conceito de derivada, e será nesse capítulo que o

coeficiente diferencial (Derivada) será definido. Com esse intuito, Thompson

começa o capítulo de modo elementar:

Durante todo o Cálculo, estaremos lidando com quantidades que variame com taxas de variação. Classificamos todas as quantidades em duasclasses: constantes e variáveis. Aquelas que possuem um valor fixo(chamadas constantes) são geralmente denotadas por letras do começodo alfabeto, tais como a, b ou c; e aquelas capazes de crescer oudecrescer (em linguagem matemática – variar) são denotadas pelasletras do final do alfabeto, tais como x, y, z, u, v, w, ou às vezes, t(THOMPSON, 1998, p. 45, tradução nossa).

Após essa primeira exposição sobre o que vem a ser uma constante e uma

variável no cálculo diferencial, Thompson explicita algumas considerações sobre

a dependência entre variáveis (conceito de Função):

Suponha que tenhamos duas variáveis dependentes (uma da outra).Qualquer alteração em uma das variáveis gerará, também, umaalteração na outra – em virtude da dependência. Vamos chamar uma dasvariáveis de x e a outra de y .

Suponha que a variável x varie, isto é, que o seu valor seja alterado,acrescido de um pequeno valor, dx . Com essa alteração, fazemos xvaler dxx + , portanto. Então, haja vista que x foi alterado (variou), avariável y deverá ter sido alterada também (por causa da dependência)tornando-se dyy + . Nesse caso, a pequena parte dy pode ser – emalguns casos – positiva e em outros negativa; e nunca terá (exceto emcasos particulares) o mesmo valor de dx

(THOMPSON, 1998, p. 45, tradução nossa).

Essa é a base da definição de Derivada no livro Calculus Made Easy. A

partir desse momento, Thompson resolve alguns exemplos, tentando sempre

isolar os termos dy e dx . E, posteriormente, observa:

Page 82: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 81

Chamaremos a razão dxdy de “coeficiente diferencial de y comrespeito a x ”. Este é o nome cientificamente solene para essa coisasimples que acabamos de conhecer. Mas não nos assustemos comesses nomes solenes quando, na verdade, as coisas são tão simples.

Na álgebra comum que você aprendeu na escola, o objetivo erasempre procurar algumas quantidades desconhecidas, chamadas dex ou y ; ou, às vezes, havia duas quantidades desconhecidas quedevíamos procurar simultaneamente. Agora você deverá aprender aprocurar uma nova incógnita; a busca não será nem por x nem pory . Em vez disso, você terá de procurar este curioso valor: dxdy . Oprocesso de encontrar esse valor é chamado de diferenciação. Maslembre-se que o objetivo é encontrar essa razão quando dy e dxforem infinitamente pequenos.

(THOMPSON, 1998, p. 49, tradução nossa).

É por meio desse processo (exibido nos capítulos 1, 2 e 3) que Silvanus

Thompson estabelece um dos conceitos mais importantes do Cálculo: a Derivada.

É importante notar, nesse sentido, que, desde as primeiras páginas do livro até

essa definição, o autor não menciona de forma explícita, em lugar nenhum, que

conceitos prévios são necessários para o aluno entender o assunto. (Como já

dito, o livro não começa tratando dos números reais, funções, limites etc.). Apesar

disso, é oportuno observar que todos esses conceitos são desenvolvidos

implicitamente, ainda que não sejam destacados no texto.

Desse capítulo em diante, Thompson vai-se preocupar unicamente com

alguns processos para diferenciar uma função. No capítulo 4, por exemplo, o

autor começa tratando dos casos considerados “mais fáceis”:

Vamos começar com a simples expressão 2xy = . Agora, lembre-se deque a noção fundamental do Cálculo é a idéia de “crescimento”. Osmatemáticos chamam isso de “variação”. Como y e 2x são iguais, então

fica claro que se x crescer - 2x também crescerá. E se 2x crescer,então y também crescerá. O que temos de encontrar, então, é aproporção entre o crescimento de y e o crescimento de x . Em outraspalavras, nossa tarefa é encontrar a razão entre dy e dx , ou

simplesmente, encontrar o valor de dxdy

(THOMPSON, 1998, p. 51, tradução nossa).

Page 83: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 82

O processo utilizado por Thompson, para achar a derivada das funções

elementares, é feito por meio da comparação de acréscimos. O autor supõe uma

variação na variável x e observa que essa variação gera também uma variação

no y . Assim, desenvolvendo as expressões, chega-se logo ao valor dxdy :

Façamos x crescer, tornando-se dxx + ; similarmente, y tambémcrescerá – tornando-se dyy + . Então, claramente, ainda será verdadeiroescrever a seguinte igualdade: 2)( dxxdyy +=+

Desenvolvendo a igualdade acima, teremos: 22 )(2 dxdxxxdyy +⋅+=+

O que significa 2)(dx ? Lembrando que dx significa uma pequena parte

de x , então 2)(dx significa uma pequena parte da pequena parte. E,como vimos no capítulo anterior, essa é uma pequena quantidade desegunda ordem. Pode ser, portanto, descartada – negligenciada – emcomparação aos demais termos. Com isso, temos: dxxxdyy ⋅+=+ 22

Como 2xy = , subtraímos da equação acima os termos y e 2x :

dxxdy ⋅= 2

E então temos que xdxdy .2=

Era exatamente isso o que estávamos procurando. Nesse caso, arazão entre o crescimento de y e o crescimento de x é igual a x2

(THOMPSON, 1998, p. 51-52, tradução nossa, grifo nosso).

O curso de Thompson é desenvolvido sempre em “pequenos capítulos”.

Cada uma dessas partes, que variam de 5 a 15 páginas, traz ao aluno um tópico

fundamental para o trabalho com derivadas, integrais e aplicações. Thompson

também reserva algum espaço para tratar das técnicas atreladas ao processo de

diferenciação, o que será mais bem percebido nos capítulos posteriores ao

desenvolvimento do conceito de derivada.

Page 84: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 83

Depois de ter estabelecido a derivada como um elemento importante do

Cálculo, Thompson dedica-se à exposição de algumas técnicas matemáticas para

a execução dessa operação. No capítulo 5, Próximo passo: O que fazer com as

constantes?, o Calculus Made Easy trata da conseqüência que as constantes

trazem ao processo de diferenciação, quando elas fazem parte de uma expressão

que se deseja derivar. No capítulo 6, Somas, Diferenças, Produtos e Quocientes,

Thompson desenvolve as conhecidas regras da soma, da diferença, da

multiplicação e da divisão. Nesse sentido, é conveniente destacar que o autor

estabelece essas regras utilizando também os princípios de infinitésimos

definidos no capítulo 2, como podemos ver na regra do produto abaixo:

Vamos voltar aos princípios elementares e considerar a equaçãovuy ×= , sendo u uma função de x , e v outra função de x . Então,

fazendo x variar até dxx + , y variará até dyy + , e u até duu + , e vaté dvv + . Teremos, portanto:

dvduduvdvuvudvvduudyy ⋅+⋅+⋅+⋅=+×+=+ )()(

Agora, a expressão dvdu ⋅ é uma pequena quantidade de segundaordem e pode ser, portanto, descartada:

duvdvuvudyy ⋅+⋅+⋅=+

Subtraindo a expressão original vuy ×= , teremos, finalmente:

duvdvudy ⋅+⋅= ⇒ dxduv

dxdvu

dxdy +=

Isso mostra que nossa tarefa será a seguinte: Diferenciar o produtodas duas funções, multiplicar cada função pela derivada da outrafunção e adicionar os dois produtos obtidos

(THOMPSON, 1998, p. 67-68, tradução nossa).

Os capítulos 9 e 10 são visivelmente uma seqüência. No capítulo 9,

Thompson aborda o significado geométrico da derivada, levando o aluno a

perceber – graficamente – que a inclinação da reta tangente está relacionada

Page 85: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 84

com o processo de diferenciação. Nesse capítulo, o autor não faz mais do que

apresentar a representação gráfica da derivada ao aluno.

No capítulo 10, o livro trata das aplicações de máximos e mínimos que

podem ser feitas por meio da derivada. Esse tópico parece ser de grande

importância para Thompson, como mostra o excerto abaixo:

Uma das principais utilidades do processo de derivação é encontrar emque condições o valor da expressão derivada se torna um valor demáximo ou um valor de mínimo. Isso é sempre muito importante naengenharia e na economia, porque é sempre bom saber que condiçõesfarão o custo do trabalho menor, ou que condições trarão a maioreficiência (THOMPSON, 1998, p. 116, tradução nossa).

Essas aplicações são desenvolvidas no livro da mesma maneira que os

tópicos anteriores. Thompson dialoga com o leitor e vai, assim, criando as noções

necessárias para implementar as operações desejadas:

Quando você tiver uma expressão e quiser descobrir que valores de xretornarão os valores de mínimo ou máximo, primeiro diferencie aexpressão e, tendo feito isso, escreva sua derivada ( dxdy ) igualando azero, e então resolva a equação em x . Coloque esse valor de x naequação original e terá os valores procurados de y .

Para ver como esse método funciona, vamos retornar ao exemploenunciado no início desse capítulo: 742 +−= xxy .

Diferenciando, temos: 42 −= xdxdy

Agora, iguale essa expressão a zero: 042 =−x

Resolvendo essa equação para x , temos: 242 =⇒= xx

Agora sabemos que o ponto de máximo (ou mínimo) ocorreráexatamente quando 2=x .

Transferindo esse valor para a expressão original, temos:

7)24(22 +×−=y ⇒ 3784 =+−

Agora olhe novamente para a figura 26 e você perceberá que o mínimoocorrerá quando 2=x , e esse mínimo será 3=y

(THOMPSON, 1998, p. 118, tradução nossa).

Page 86: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 85

No final desse capítulo, o livro apresenta alguns exercícios ao leitor. É

possível perceber nesses exercícios que Thompson visa sempre às aplicações

nas áreas da física e da engenharia e não se limita unicamente à proposição de

questões que envolvam simplesmente as técnicas do Cálculo. Esse enfoque

aplicativo do livro pode, sem dúvida, ser comparado àquele de alguns livros de

Felix Klein e outros educadores matemáticos do início do século XX.

Os capítulos 17, 18 e 19 são dedicados às Integrais. Nesse momento, o

livro retoma as considerações feitas no primeiro capítulo do Calculus Made Easy,

argumentando que:

O grande segredo já foi revelado: este misterioso símbolo, ∫ , que ésimplesmente um s comprido, significa simplesmente “a soma de todasas pequenas quantidades”. Essa definição, entretanto, faz-nos lembrarde outro símbolo - ∑ - que significa também o somatório dequantidades. Contudo, há uma diferença na prática dos matemáticos,porque, enquanto ∑ é geralmente utilizado para indicar a soma de umnúmero finito de valores, o símbolo da integral - ∫ - é usado para indicara soma de uma vasta quantidade de valores infinitamente pequenos, naverdade, meros elementos que se juntam para formar o total desejado.Portanto, ∫ = ydy , e ∫ = xdx

(THOMPSON, 1998, p. 191, tradução nossa).

O desenvolvimento do conceito de Integral é feito mediante alguns diálogos

a respeito da relação entre quantidades infinitamente pequenas e o “todo”. Nesse

primeiro capítulo sobre Integrais (capítulo 17), Thompson identifica o processo de

integração como um simples somatório de valores infinitesimais (que, nesse

contexto, seria o conceito de Integral Definida). E, dessa forma, alguns exemplos

numéricos são apresentados apenas como curiosidade.

Page 87: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 86

No capítulo 18, o autor passa a identificar o processo de integração como o

reverso da diferenciação (Integrais Indefinidas). Isso pode ser rapidamente

atestado quando Thompson observa e exemplifica que:

Como qualquer outra operação matemática, o processo de diferenciaçãopode ser revertido. Assim, sabendo que a derivada de 4xy = é

34xdxdy = , alguém poderia dizer que o processo reverso da

diferenciação na expressão 34xy = resulta 4x . Contudo, existe algo

curioso nesse processo. Se tivéssemos diferenciado as expressões 4x ,ax +4 , cx +4 , ou 4x com qualquer constante adicionada, teríamos tido

como resultado 34xdxdy = . Desse modo, fica claro que é preciso estarprevenido em relação às constantes quando utilizamos o processoreverso da diferenciação. Portanto, se a derivada de nxy = resulta

1−⋅= nxndxdy , revertendo o processo em 1−⋅= nxndxdy , teremosCxy n += , sendo C uma constante indeterminada qualquer

(THOMPSON, 1998, p. 198, tradução nossa).

A partir desse primeiro diálogo, o livro traz alguns exemplos simples de

Integrais Indefinidas, sempre lembrando ao leitor que a operação desejada é a

reversão da derivada (a antiderivada).

. . .

Os últimos capítulos do livro Calculus Made Easy são reservados a

algumas técnicas especiais, assim como para a introdução das equações

diferenciais. É importante reafirmar, entretanto, que examinamos o livro de

Thompson baseados nos tópicos fundamentais para um curso de Cálculo inicial.

Nesse sentido, nossa análise compreendeu essencialmente os capítulos em que

Thompson desenvolveu os conceitos de Função, Infinitesimais, Derivadas,

Máximos e Mínimos, Integrais Definidas e Integrais Indefinidas.

Page 88: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 87

Essa análise foi feita exclusivamente nos capítulos originais do Calculus

Made Easy de 1910, 1914 e 1919, permanecendo assim fiel aos objetivos e ao

estilo de Silvanus Phillips Thompson.

Page 89: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 88

.:: CONSIDERAÇÕES FINAIS ::.

A intenção desta pesquisa foi escrever, à luz da educação matemática,

alguns dos principais momentos da vida do cientista Silvanus Phillips Thompson

(1851 – 1916) e de seu livro Calculus Made Easy (1910). A escolha desse

problema de investigação foi motivada fortemente por três fatores:

1- Silvanus Thompson foi um cientista renomado, membro da Royal

Society, que se interessou pela educação técnica de seus

compatriotas ingleses. Uma de suas publicações “didáticas” foi

especialmente importante para a educação matemática: tratava de

desmistificar os conceitos elementares do cálculo diferencial e integral;

2- Esse livro, intitulado Calculus Made Easy, apesar de criticado na época

da publicação – 1910 (por tratar os elementos do Cálculo de forma

intuitiva), pode ser visto como uma das primeiras tentativas de avanço

no ensino de Cálculo. Além disso, vários matemáticos eminentes do

século XX manifestaram reconhecimento por esse livro didático;

3- Poucos estudos haviam sido feitos, na educação matemática, a

respeito de Silvanus Thompson e o livro Calculus Made Easy.

É preciso destacar, contudo, que não tivemos a intenção de discutir o

trabalho de Thompson num contexto didático, propondo seqüências e

engenharias didáticas para o ensino de Cálculo ou – ainda –, num contexto

matemático, avaliando apenas as ferramentas e métodos matemáticos utilizados

Page 90: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 89

no texto. Em vez disso, objetivamos fazer nesta pesquisa uma análise histórica,

tentando compreender e escrever, de acordo com nossas considerações teórico-

metodológicas, os desdobramentos do livro Calculus Made Easy na educação

matemática dos anos 1910.

Para entender e responder a nossas perguntas, enunciadas na introdução

deste trabalho, foi necessário – num primeiro momento – recorrer aos estudos

sobre rigor e intuição, já que o livro Calculus Made Easy trazia uma abordagem

intuitiva e pouco formal dos elementos do cálculo diferencial e integral. Foi por

meio do estudo dessas questões que pudemos perceber que as críticas feitas

ao livro de Thompson estavam atreladas grandemente ao enfoque intuitivo e

informal que seu autor utilizava nos conceitos elementares do Cálculo. Essa

característica, aliada à falta de influência de Thompson no meio matemático,

gerou uma conseqüência já esperada: o livro foi ignorado – ainda que reeditado

em 1910, 1914, 1919, 1945 e, recentemente, 1998. (De fato, como

mencionamos acima, esse foi um dos principais fatores que nos levaram à

realização deste estudo).

A despeito disso, a análise didática de dois livros de Cálculo, utilizados

na primeira década do século passado, permitiu-nos concluir que a abordagem

(estilo) utilizada por Thompson no Calculus Made Easy era bastante particular.

O período do fim do século XIX e início do século XX havia sido marcado por

grandes preocupações e questionamentos em relação às bases da

matemática, e grande parte dos livros de Cálculo utilizados naquela época

seguiam o modelo formal e rigoroso característico do século XIX. Thompson,

apesar de contemporâneo do período de fundamentação do Cálculo, se

distinguiu dos demais autores desse período exatamente por não seguir esse

Page 91: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 90

modelo formalista – rigoroso que estava se consolidando em princípios do

século XX. O livro de Thompson não tinha por objetivo o rigor matemático;

visava, antes de tudo, à formação dos trabalhadores e estudantes ingleses

que, com a crescente industrialização, precisavam ser treinados em “princípios

científicos”. Nesse sentido, cumpre destacar que o Calculus Made Easy, do

ponto de vista estrutural, não era diferente dos demais livros da época. As

características que o tornavam distinto eram essencialmente os objetivos do

autor e o estilo utilizado por ele na apresentação dos conceitos.

Acerca desse estilo de apresentação (intuitivo, aplicativo e informal),

poder-se-ia ainda dizer que expressava claramente o verdadeiro ideal de

Silvanus Thompson no livro: a desmistificação do Cálculo. Thompson tinha

alguns objetivos atrelados a isso, um dos quais, sem dúvida, era o caráter

aplicativo dos conceitos do Cálculo nas áreas da física e da engenharia (nesse

caso, vale lembrar que o Calculus Made Easy havia sido escrito tendo por alvo

os alunos de engenharia do Finsbury Technical College). Entretanto, é

impossível negar que o curso de Thompson tampouco tivesse o objetivo de

criticar e questionar a prática do ensino de Cálculo aos iniciantes no assunto.

Na verdade, foi exatamente essa característica que nos permitiu traçar

algumas relações entre o livro de Thompson e os objetivos dos Movimentos de

Modernização do Ensino da Matemática – a partir de 1900, haja vista que

esses movimentos pretendiam igualmente criticar a maneira como a

matemática (e também o Cálculo) era ensinada.

. . .

Page 92: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 91

Esta pesquisa deixou, conscientemente, algumas questões sem

resposta. Em uma conversa recente com o Prof. David Tall, da Universidade

de Warwick, por exemplo, conjecturamos a possibilidade de relação entre

alguns trabalhos de Tall (ver referências) e o livro de Thompson. Essa análise

poderia, entre outras coisas, mostrar que o Calculus Made Easy estava de fato

conforme com as preocupações da educação matemática. Contudo, esse

trabalho não foi feito nesta pesquisa.

Faltou ainda realizar uma análise mais bem detalhada a respeito dos livros

utilizados em fins do século XIX e princípios do século XX. Esse trabalho seria

também de especial importância para a educação matemática, sobretudo pelo

período focalizado, uma vez que revelaria como a apropriação da fundamentação

rigorosa do Cálculo foi traduzida pelos autores de livros didáticos no ensino dos

conceitos elementares dessa disciplina.

. . .

Resta apenas dizer que esperamos que as questões respondidas em

nosso trabalho, junto às perguntas e reflexões que aqui não puderam ser

totalmente desenvolvidas, possam servir para um entendimento mais claro e mais

detalhado da história do ensino de Cálculo no início do século XX.

Page 93: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 89

.:: REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ::.

ABRÃO, Baby. e COSCODAI, Mirtes (org). História da Filosofia. São Paulo: Ed.Best Seller, 2003.

BOOTH, W. C. et al. A arte da pesquisa. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

BOURDIEU, Pierre. Você disse “popular”? In: Revista Brasileira de Educação,p. 16 – 26, São Paulo, 1996.

BOYER, C. B. História da Matemática. São Paulo: Edgard Blücher,1974.

BRAGA, Ciro. O processo inicial de disciplinarização de função namatemática do ensino secundário brasileiro. Dissertação de mestrado,PUC-SP, 2003.

BURKE, Peter (org.). A escrita da História: Novas Perspectivas. São Paulo:Ed. Unesp, 1992.

BURKE, Peter. Problemas causados por Gutenberg: a explosão da informaçãonos primórdios da Europa Moderna. In: Revista Estudos Avançados – Institutode Estudos Avançados da USP, n. 44, v. 16, 2002.

CARAÇA, Bento de Jesus. Conceitos Fundamentais da Matemática. Lisboa:Gradiva, 2000.

CARVALHO, J. B. P. et al. Euclides Roxo e o Movimento de Reforma do Ensinoda Matemática na década de 30. In: Rev. Bras. Est. Pedag. Brasília, v. 81, n.199, set./dez. 2000. p. 415 – 424.

CHARTIER, R. O mundo como representação. In: Revista Estudos Avançados– Instituto de Estudos Avançados da USP. São Paulo, 1991.

Page 94: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 90

D’AMBROSIO, Nicolau e D’AMBROSIO, Ubiratan. Introdução ao Cálculo. SãoPaulo: Companhia Editora Nacional, 1976.

D’AMBROSIO, Ubiratan. Do Misticismo à Mistificação. In: Anais do SegundoCongresso Latino-Americano de História da Ciência e da Tecnologia. SãoPaulo, 1988. p. 505 – 514.

____________. A História da Matemática: questões historiográficas e políticas ereflexos na educação matemática. In: Pesquisa em Educação Matemática:concepções e perspectivas, São Paulo: ed. UNESP, 1999. p. 97 – 115

____________. Stakes in Mathematics Education for the societies of today andtomorrow. In: Moments of Mathematics Education in the Twentieth Century,Geneva, 2000 (a). p. 302 – 316.

____________. A Interface entre História e Matemática: Uma Visão Histórico-Pedagógica. In: Facetas do Diamante: ensaios sobre Educação Matemática eHistória da Matemática. John A. Fossa (org.). Rio Claro: Ed. da SBHMat, 2000(b). p. 241 – 271.

DUARTE, A. R. S. Henri Poincaré e Euclides Roxo: subsídios para a históriadas relações entre filosofia da matemática e educação matemática.Dissertação de mestrado, PUC-SP, 2002.

DURÁN, Antonio José. Historia, con personajes, de los conceptos del cálculo.Madrid: Alianza Ed., 1996.

EVES, H. Introdução à História da Matemática. São Paulo: Ed. Unicamp, 1995.

FERREIRA, Marieta de Moraes. A nova “velha história”: o retorno da históriapolítica. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, p. 265 – 271.

FREUDENTHAL, Hans. Mathematical Rigour. In: Mathematics as anEducational Task, p. 147 – 154, Netherlands: D. Reidel Publ., 1973.

GARNICA, Antônio V. M. Fascínio da técnica, declínio da crítica: um estudo sobrea prova rigorosa na formação do professor de matemática. In: ZETETIKÉ /UNICAMP, Faculdade de Educação, Pesquisa em Educação Matemática – v.4, n. 5, jan./jun., 1996, p. 07 – 28.

Page 95: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 91

GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Ed.Guanabara, 1989, p. 13 – 41.

GERDES, Paulus. Karl Marx: arrancar o véu misterioso à matemática – sobreos manuscritos matemáticos de Karl Marx – Por ocasião do centenário damorte de Karl Marx. Moçambique, 1983.

GRATTAN-GUINNESS, Ivor. The Fontana History of the MathematicalSciences. London: Fontana Press, 1997.

HAMBURGER, Jean. A filosofia das ciências hoje. Lisboa: Fragmentos, 1988.

KATZ, Victor. A History of Mathematics: an introduction. USA: Addison-Wesley, 1998.

KLEIN & SHIMMACK. Der Mathematische Unterricht an den hoheren Schulen.Teil I, S. 43 Teubner Leipzig, 1907.

KLEIN, F. Matemática Elemental desde un punto de vista superior. Madrid:Col. Biblioteca Matemática, 1v., 1927.

LATOUR, Bruno. Ciência em Ação – como seguir cientistas e engenheirossociedade afora. São Paulo: Ed. Unesp, 2000.

LAUDARES, João Bosco et al. A prática educativa sob o olhar de professoresde cálculo. Belo Horizonte: Ed. Fumarc, 2001.

LEVI, Giovanni. Sobre a Micro-História. In: A escrita da História: NovasPerspectivas. São Paulo: Ed. Unesp, 1992, p. 133 – 161.

MENEGHETTI, Renata C. Geromel. O que a História do desenvolvimento doCálculo pode nos ensinar quando questionamos o saber matemático, seu ensinoe seus fundamentos. In: Revista Brasileira de História da Matemática – v. 2,2002. p. 103 – 117.

PESTRE, D. Les sciences et l’histoire aujourd’hui. Le débat, Paris, n. 102,nov./dez. 1998. p. 53-68.

Page 96: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 92

REIS, Frederico da Silva. A tensão entre rigor e intuição no ensino de cálculoe análise: a visão de professores-pesquisadores e autores de livrosdidáticos. Tese de doutorado, FE-Unicamp, 2001.

ROXO, Euclides. A Matemática na educação secundária. São Paulo: Ed.Nacional, 1937.

____________. Curso de Matemática Elementar. Rio de Janeiro: FranciscoAlves, v.1, 1929.

RUSSELL, Bertrand. História do Pensamento Ocidental – A aventura dasidéias dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.

SCHWARTZMAN, Simon. Um espaço para a Ciência. Brasília: Ministério deCiência e Tecnologia, 2001.

SHARPE, Jim. A História vista de baixo. In: A escrita da História: NovasPerspectivas. São Paulo, Ed. Unesp, 1992, p. 39 – 62.

____________. Benjamin Constant e o ensino da matemática no Brasil. In:Revista Brasileira de História da Matemática – v.1, 2001, p.86-98.

SILVA, Clóvis Pereira da. A matemática no Brasil: uma história do seudesenvolvimento. Curitiba: Ed. Un. Fed. do Paraná, 1999(a).

SOARES, Eliana Maria do Sacramento. Formalização e Intuição no Contexto doConhecimento, do Ensino e da Atuação Social. In: ZETETIKÉ / UNICAMP,Faculdade de Educação, Pesquisa em Educação Matemática - Ano 3, n. 3,março 1995, p. 63 – 70.

STRUIK, Dirk J. Por que estudar história da matemática? In: História da Técnicae da Tecnologia. Ed. USP, 1985, p. 191 – 215.

TALL, David. Intuition and rigour: the role of visualization in the calculus,Visualization in Mathematics (Zimmermann & Cunningham), M.A.A., Notes n.19, 1991, p. 105 – 119.

TALL, David. Intuitive infinitesimals in the calculus. In: Fourth InternationalCongress on Mathematical Education, Berkeley, 1980.

Page 97: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 93

TAVARES, Jane Cardote. A congregação do Colégio Pedro II e os debatessobre o ensino da matemática. Dissertação de mestrado, PUC-SP, 2002.

THOMPSON, Silvanus P. The Life of Lord Kelvin. USA: Chelsea Publ. Co.,1976. (publicado originalmente em 1910).

THOMPSON, Silvanus P. e GARDNER, Martin. Calculus Made Easy. New York:St. Martin’s Press, 1998. (publicado originalmente em 1910, sob o pseudônimo deF.R.S. – Fellow of the Royal Society).

THURSTON, Hugh A. Tangents and Differentials. In: The AmericanMathematical Monthly, vol. 71, n. 6, 1964.

VALENTE, Wagner R. Uma história da matemática escolar no Brasil, 1730 –1930. São Paulo: Annablume / Fapesp, 1999.

____________. A matemática na formação clássico-literária tornando-se ensinode cultura geral. In: Educação Matemática e Pesquisa, v. 1, n. 2, 1999(b).

____________. História da Matemática Escolar: Problemas Teórico-Metodológicos. In: Anais do IV Seminário Nacional de História da Matemática.Rio Claro: Ed. da SBHMat, 2001.

____________. A elaboração de uma nova vulgata para a modernização doensino de matemática: aprendendo com a história da educação matemática noBrasil. In: Bolema, Ano 15, n. 17, 2002, p. 40 – 51.

____________. Euclides Roxo e o movimento de modernização internacional doensino de matemática escolar. In: Euclides Roxo e a modernização do ensinoda Matemática no Brasil. São Paulo: SBEM, 2003, p. 46 – 85.

ACESSO DIGITAL:

I.E.E. Instituto dos Engenheiros Elétricos de Londres. Apresenta textos sobreSilvanus Thompson. Disponível em: <www.iee.org>. Acesso em 01 out. 2004.

Page 98: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 94

.:: ANEXO I – A DERIVADA NOS LIVROS ATUAIS ::.

No capítulo três desta dissertação, argumentamos que o estilo utilizado na

maioria dos livros de Cálculo atuais é muito parecido – às vezes idêntico – ao

estilo adotado por alguns livros do início do século XX (com a utilização

explícita da teoria de limites). Faremos, a seguir, com o intuito de servir de

comparação para o leitor, um breve desenvolvimento do conceito de derivada à

luz dos seguintes livros:

• BOULOS, Paulo. Introdução ao Cálculo. São Paulo: Edgard Blücher, 5ªed., 1974.

• GUIDORIZZI, Hamilton Luiz. Um Curso de Cálculo. Rio de Janeiro: LTC, 2ªed., 1995.

• LEITHOLD, Louis. O Cálculo com Geometria Analítica. São Paulo:Harbra, 3ª ed., 1994.

• SIMMONS, George F. Cálculo com Geometria Analítica. São Paulo:Makron Books, 1987.

• STEWART, James. Cálculo. São Paulo: Pioneira, 2001.

• SWOKOWSKI, Earl W. Cálculo com Geometria Analítica. São Paulo:Makron Books, 2ª ed., 1995.

A1.1 TAXAS DE VARIAÇÃO

Encontramos na natureza inúmeros exemplos de grandezas variáveis. A

dependência de uma variável em relação a outra, isto é, as mudanças sofridas

Page 99: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 95

por uma variável em conseqüência de outra são características muito importantes

quando nos referimos ao crescimento ou decrescimento de grandezas. Em muitos

casos, essas dependências podem ser estabelecidas por meio de leis

matemáticas gerais – tornando possível o estudo das funções.

Na matemática, é particularmente fácil perceber que, quando uma

grandeza y está expressa em termos de outra grandeza x, para cada variação

em x ocorre – em correspondência – uma variação em y (desde que y não seja

uma função constante).

Podemos, por exemplo, analisar a função 2)( xxfy == . Se supusermos

uma variação x∆ qualquer e fizermos x variar de 0x até xx ∆+0 , poderemos

calcular a variação correspondente em y da seguinte forma:

0xx = ⇒ 2000 )( xxfy == (1.2.1)

xxx ∆+= 0 ⇒ yyy ∆+= 0 ⇒ 200 )()( xxxxf ∆+=∆+ (1.2.2)

Logo, 20

20 )( xxxy −∆+=∆ ⇒ 2

0 )(2 xxx ∆+∆ (1.2.3)

O que fizemos foi calcular a variação em x, x∆ , e a variação em y, y∆ . É

possível perceber, em (1.2.3), que y∆ depende de 0x e da particular variação x∆ .

Page 100: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 96

Gráfico da função

E, no gráfico acima, podemos notar que, quando x varia em diferentes

intervalos, de igual comprimento, y sofre diferentes variações.

Definição 1.1.1 Chamamos de taxa de variação média o quociente xy

∆∆ ,

sendo esse quociente dependente do valor de 0x e da variação x∆ .

Isso nos mostra que, no caso da função 2)( xxfy == , que analisamos

acima, a taxa de variação média poderia ser calculada da seguinte maneira:

xy

∆∆ =

xxxx

∆∆+∆ 2

0 )(2 = xx ∆+02 (1.2.4)

Essa taxa de variação média, apesar de muito importante, ainda não nos

fornece informação precisa a respeito do comportamento da variável

dependente em relação à variável independente em um ponto específico do

domínio. Para conhecer tal comportamento, precisaríamos calcular a taxa de

variação em intervalos cada vez menores ou, então, calcular a taxa de

variação em cada ponto.

Page 101: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 97

Com esse intuito – encontrar a taxa de variação em cada ponto – faremos

o acréscimo x∆ se tornar tão pequeno quanto quisermos. Utilizando a noção de

limite, faremos x∆ tender a zero:

xy

x ∆∆

→∆ 0lim (1.2.5)

Ao limite acima damos o nome de taxa de variação pontual e, com essa

noção, é possível definir um dos conceitos fundamentais do Cálculo: a derivada.

Definição 1.1.2 A derivada de uma função )(xfy = , no ponto 0x , pode ser

entendida como a taxa de variação pontual no ponto 0x :

xxfxxf

xfxf

xx ∆−∆+

⇔=∆∆

→∆→∆)()(

lim)('lim 0000 (1.2.6)

A1.2 A RETA TANGENTE

Mas qual seria a interpretação geométrica do conceito de derivada?

O cálculo diferencial inventado por Isaac Newton em 1664 nos dá uma

solução prática e elegante para o problema de encontrar a derivada em um ponto

do gráfico. Consiste em encontrar a tangente ao gráfico )(xf no ponto dado. E,

dessa forma, a derivada deve ser interpretada como a inclinação da reta tangente:

Page 102: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 98

Inclinação da Reta

Podemos perceber no gráfico acima que a reta secante à curva [PQ] torna-

se próxima da reta t, tangente à curva, à medida que o ponto Q se aproxima de

P. Isso nos mostra que a derivada da função em um ponto específico do domínio

pode ser calculada mediante a inclinação da reta tangente nesse ponto.

Por meio da geometria analítica, é possível estabelecer o cálculo da

inclinação da reta tangente ao gráfico da seguinte forma:

)( 00 xxmyy −=− (1.3.1)

(m é o coeficiente angular ou a inclinação da reta). Nesse caso, a equação

(1.3.1) pode ser reescrita da seguinte forma:

))((' 000 xxxfyy −=− (1.3.2)

Page 103: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 99

No exemplo que tomamos na seção 1.2., sobre a função 2)( xxfy == ,

torna-se possível então encontrar a derivada da função em dois pontos genéricos:

0

0'xxyy

f−−

=

⇒+

⇒−+

−++⇒

−+−+

=a

aaxxax

xaaxxxaxxax

f2

1

11

21

21

21

11

21

21 2

)(2

)()(

'

axf +=⇒ 12' (1.3.3)

À medida que tornamos a reta secante mais próxima do ponto escolhido, a

distância a se torna muito pequena (tende a zero), podendo ser desconsiderada:

12' xf =⇒ (1.3.4)

Page 104: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 100

.:: ANEXO II – TRADUÇÃO PARCIAL DO LIVROCALCULUS MADE EASY ::.

A.2 PRÓLOGO

Levando em conta os cálculos que os “tolos” fazem, o Cálculo deveria ser

visto, surpreendentemente, como algo difícil e tedioso por qualquer outro “tolo”

que quisesse aprender esses conceitos.

Alguns artifícios do Cálculo são muito fáceis. Outros são enormemente

difíceis. Os tolos que escrevem os textos de matemática avançada – e são tolos

talentosos – raramente têm o trabalho de mostrar como são fáceis os cálculos

fáceis. Ao contrário, eles parecem querer dar a impressão de seu enorme talento

mostrando isso da maneira mais difícil.

Como sou um sujeito renomado e burro, tive como propósito desaprender

as dificuldades do Cálculo para agora apresentar aos meus amigos “tolos” as

partes que não são difíceis.

Em suma, aprenda esses conceitos e o resto acontecerá naturalmente. “O

que um tolo pode fazer, outro também pode”.

A.2.1 CAPÍTULO 1 – LIBERTANDO-SE DOS TERRORES PRELIMINARES

Page 105: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 101

O terror preliminar, que choca e até desencoraja a maior parte dos alunos

de tentar aprender o Cálculo, pode ser abolido de uma vez por todas, se

entendermos o significado – em sentido comum – dos dois principais símbolos

utilizados no cálculo diferencial e integral.

• d significa simplesmente “uma pequena parte de”

Portanto, dx significa uma pequena parte de x ; du significa uma

pequena parte de u . Os matemáticos preferem chamar dx de “um elemento de

x , em vez de “uma pequena parte de x . Como você quiser. Você perceberá

que essas pequenas partes (ou elementos) poderão ser consideradas

infinitamente pequenas.

• ∫ é a representação de um s comprido, e pode ser chamado de “a soma de”.

Portanto, ∫ dx significa a soma de todas as pequenas partes de x ; e ∫ dt

significa a soma de todas as pequenas partes de t . Os matemáticos chamam

esse símbolo de “a integral de”. A palavra “integral” significa simplesmente “o

todo”. Se você pensar na duração de 1 hora, poderá pensar também nesse

mesmo período dividindo o todo em 3600 pequenas partes, chamadas segundos.

O total dessas 3600 pequenas partes, quando adicionadas – vale 1 hora.

Da próxima vez que você vir uma expressão que comece com esse

símbolo assustador, lembre-se de que ele foi colocado lá simplesmente para

mostrar que você deve executar uma operação de soma, adicionando todas as

pequenas partes que estão indicadas no símbolo.

Page 106: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 102

A.2.2 CAPÍTULO 2 – DIFERENTES ORDENS DE GRANDEZA

Em todo o processo do Cálculo, teremos de lidar com pequenas

quantidades de diferentes ordens.

Teremos, também, de saber identificar as circunstâncias em que

poderemos desconsiderar as quantidades muito pequenas. Tudo vai depender do

tamanho relativo do “número”.

Antes de definir qualquer regra, vamos pensar em alguns casos familiares.

Há 60 minutos em 1 hora, 24 horas em 1 dia, 7 dias em 1 semana. Portanto, são

1440 minutos em 1 dia, e 10.080 minutos em 1 semana.

Claramente, 1 minuto é uma quantidade bastante pequena, se comparada

com 1 semana. De fato, nossos ancestrais consideraram essa quantidade

pequena mesmo quando comparada com 1 hora e, por isso, chamaram-na de 1

minuto, significando uma fração - 601 de 1 hora. Quando subdivisões ainda

menores foram feitas, eles dividiram cada minuto em 60 partes (ainda menores) e

chamaram-nas de “minutos secundários”.

Atualmente, nós chamamos essas pequenas quantidades de “segunda”

ordem de segundos. Mas poucas pessoas sabem por quê.

Bom, se 1 minuto é pequeno comparado com 1 dia inteiro, tanto menor (por

comparação) será 1 segundo.

Page 107: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 103

Outro exemplo: Considere uma quantia de $100 comparada com 1

centavo: o centavo representa apenas 1001 de 1 dólar. Portanto, tem pouca

importância, se comparado com $100, e poderá ser certamente considerado uma

pequena quantia. Mas, agora, compare 1 centavo com $10.000: em relação a

esse montante – 1 centavo não tem mais nenhuma importância e pode ser,

claramente, descartado.

Ou seja, se, por alguma razão, considerássemos 1% (i. e. 1001 ) como uma

pequena fração, então 1% de 1% (i. e. 000.101 ) seria uma pequena quantidade

de “segunda ordem”; e 000,000.11 seria uma pequena fração de “terceira ordem”,

sendo 1% de 1% de 1%.

Com isso, concluímos que – quanto menor o valor – menor a pequena

quantidade de segunda ordem desse mesmo valor. Assim, estaremos justificados

se negligenciarmos as pequenas quantidades de segunda, terceira e outras

ordens quando nos referirmos a um valor pequeno.

Mas devemos nos lembrar de que pequenas quantidades, quando

multiplicadas por outros fatores, podem-se tornar importantes, se esses outros

fatores forem suficientemente grandes. Até mesmo 1 dólar pode-se tornar

importante se for multiplicado por algumas centenas de dólares.

No Cálculo, sempre escrevemos dx para simbolizar “uma pequena parte de

x ”. Esses símbolos, tais como dydtdu ,, , são chamados de diferenciais de u , t e

y , de acordo com o caso. Se dx é uma pequena parte de x (e relativamente

pequena), não podemos afirmar com certeza que dxx ⋅ , ou dxx .2 , ou dxa x . serão

Page 108: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 104

termos descartáveis. Mas dx X dx será, certamente, descartável – porque será

uma “pequena quantidade de segunda ordem”.

Um simples exemplo serve como ilustração. Considere a função 2)( xxf = .

Vamos pensar em x como uma quantidade que cresce até se tornar

dxx + , sendo dx um pequeno incremento. O quadrado da expressão dxx + é

22 )(.2 dxdxxx ++ . O segundo termo não pode ser descartado, porque é uma

quantidade de “primeira ordem”; mas o terceiro termo é uma quantidade de

“segunda ordem”, sendo uma pequena parte da pequena parte de 2x . Portanto,

se assumirmos que dx vale, por exemplo, x601 , então o segundo termo valeria

2

602 x , enquanto o terceiro termo valeria 2

36001 x . Este último termo é

claramente menos importante que o segundo termo.

Mas, se assumirmos que dx vale x10001 , então o segundo termo será

2

10002 x , enquanto o terceiro termo valerá apenas 2

000,000.11 x .

Geometricamente, esse exemplo pode ser ilustrado da seguinte forma:

desenhe um quadrado (Figura 1) e represente seu lado com a letra x .

Page 109: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 105

Agora, vamos supor que o quadrado tenha um pequeno acréscimo ( dx ) em

ambos o lados. Temos, então, um quadrado maior, construído a partir do

quadrado original 2x . Os dois retângulos acima e à direita do quadrado original

têm áreas que valem dxx. (somando as duas dxx..2 ); e o pequeno quadrado na

parte superior direita tem área 2)(dx . Na figura 2, consideramos dx valendo

aproximadamente x51 . Mas suponha que tivéssemos considerado dx como

x1001 ; então, o pequeno quadrado na parte superior direita teria uma área de

apenas 2

000.101 x , e seria praticamente invisível (veja Figura 3). Claramente,

2)(dx poderia ser descartado, se tomássemos dx suficientemente pequeno.

A.2.3 CAPÍTULO 3 – CRESCIMENTOS RELATIVOS

Durante todo o Cálculo, estaremos lidando com quantidades que variam e

com taxas de variação. Classificamos todas as quantidades em duas classes:

constantes e variáveis. Aquelas que possuem um valor fixo (chamadas

constantes) são geralmente denotadas por letras do começo do alfabeto, tais

como a, b ou c; e aquelas que são capazes de crescer ou decrescer (em

Page 110: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 106

linguagem matemática – variar) são denotadas pelas letras do final do alfabeto,

tais como x, y, z, u, v, w ou, às vezes, t.

Suponha que temos duas variáveis dependentes (uma da outra). Qualquer

alteração em uma das variáveis gerará, também, uma alteração na outra – em

virtude da dependência. Vamos chamar uma das variáveis de x e a outra de y .

Suponha que a variável x varie, isto é, que o seu valor seja alterado,

acrescido de um pequeno valor, dx . Com essa alteração, fazemos x valer dxx + ,

portanto. Então, haja vista que x foi alterado (variou), a variável y deverá ter

sido alterada também (por causa da dependência), tornando-se dyy + . Assim, a

pequena parte dy pode ser – em alguns casos – positiva e, em outros, negativa;

e nunca terá (exceto em casos particulares) o mesmo valor de dx .

Exemplo:

Tomemos x e y , respectivamente, como base e altura de um triângulo

retângulo em que o ângulo oposto à altura vale 30º (Figura 4). Supondo que esse

triângulo seja expandido proporcionalmente (mantendo o valor dos ângulos

internos), teremos que – quando a base crescer para dxx + , a altura também

crescerá para dyy + . Com isso, o pequeno triângulo de base dx e altura dy é

semelhante ao triângulo original. E é óbvio que o valor dxdy é o mesmo que

yx .

Page 111: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 107

[. . .]

No Cálculo Diferencial, estaremos sempre, sempre, sempre procurando

essa coisa curiosa, uma mera razão entre dy e dx , quando ambos forem

infinitamente pequenos1.

Deve ser esclarecido, entretanto, que essa razão somente poderá ser

encontrada quando houver alguma relação entre x e y . No exemplo do triângulo

acima, se a base x se tornasse maior, também a altura y se tornaria maior.

Desse modo, a relação entre x e y estava perfeitamente definida e podia ser

expressa da seguinte forma:

º30tan=xy

[. . .]

Assim, todas as vezes que utilizarmos os diferenciais dzdydx ,, etc.,

teremos – implicitamente – a existência de alguma relação2 entre zyx ,, etc.

[. . .]

1 Aqui é possível perceber a utilização implícita da teoria de limites.2 Fica claro que Thompson está se referindo – com muita atenção – ao conceito de Função.

...73.11=

dxdy

Page 112: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 108

Chamaremos a razão dxdy de “coeficiente diferencial de y com respeito a

x ”. Este é o nome cientificamente solene para essa coisa simples que acabamos

de conhecer. Mas não nos assustemos com esses nomes solenes quando, na

verdade, as coisas são tão simples.

[. . .]

Na álgebra comum que você aprendeu na escola, o objetivo era sempre

procurar algumas quantidades desconhecidas, chamadas de x ou y ; ou, às

vezes, havia duas quantidades desconhecidas que devíamos procurar

simultaneamente. Agora você deverá aprender a procurar uma nova incógnita; a

busca não será nem por x nem por y . Em vez disso, você terá de procurar este

valor curioso: dxdy . O processo de encontrar esse valor é chamado de

diferenciação. Mas lembre-se de que o objetivo é encontrar essa razão quando

dy e dx forem infinitamente pequenos.

A.2.4 CAPÍTULO 4 – CASOS MAIS FÁCEIS

Vamos ver, agora, como podemos diferenciar algumas funções

algébricas simples.

- Caso 1

Vamos começar com a simples expressão 2xy = . Agora, lembre-se de que

a noção fundamental do Cálculo é a idéia de “crescimento”. Os matemáticos

chamam isso de “variação”. Como y e 2x são iguais, então fica claro que, se x

crescer, 2x também crescerá. E, se 2x crescer, então y também crescerá. O que

Page 113: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 109

temos de encontrar, então, é a proporção entre o crescimento de y e o

crescimento de x . Em outras palavras, nossa tarefa é encontrar a razão entre dy

e dx ou, simplesmente, encontrar o valor de dxdy .

Façamos x crescer, tornando-se dxx + ; similarmente, y também crescerá

– tornando-se dyy + . Então, claramente, ainda será verdadeiro escrever a

seguinte igualdade:

2)( dxxdyy +=+

Desenvolvendo a igualdade acima, teremos: 22 )(2 dxdxxxdyy +⋅+=+

O que significa 2)(dx ? Lembrando que dx significa uma pequena parte

de x , então 2)(dx significa uma pequena parte da pequena parte. E, como

vimos no capítulo anterior, essa é uma pequena quantidade de segunda

ordem. Pode ser, portanto, descartada – negligenciada – em comparação aos

demais termos. Com isso, temos:

dxxxdyy ⋅+=+ 22

Como 2xy = , subtraímos da equação acima os termos y e 2x :

dxxdy ⋅= 2

E então temos que: xdxdy .2=

Era exatamente isso o que estávamos procurando. Nesse caso, a razão

entre o crescimento de y e o crescimento de x é igual a x2 .

Page 114: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 110

Exemplo Numérico: Suponha que 100=x e, portanto, 000.10=y .

Suponha, agora, que x se torne 101 (ou seja, 1=dx ). Com isso, y valerá

201.10101101 =× . Mas, se nós concordarmos que quantidades pequenas de

segunda ordem podem ser negligenciadas, então 1 pode ser descartado, se

comparado com 10.000. Assim, podemos arredondar a variação do y para

200.10 . Ou seja, y cresceu de 10.000 para 10.200; a pequena quantidade

adicionada é dy , que vale 200.

2001

200 ==dxdy . De acordo com a álgebra, encontramos no parágrafo

anterior a expressão xdxdy 2= . E isso confirma que, para 100=x , 2002 =x .

Mas você dirá que negligenciamos o número 1.

Bem, vamos tentar novamente, fazendo dx um pouco menor.

Suponhamos 101=dx . Então, 1.100=+ dxx , e

01.020.101.1001.100)( 2 =×=+ dxx

Na última expressão, o “1” representa apenas a milionésima parte de

10.000, podendo ser descartada; então, tomemos 10.020 sem considerar o

pequeno decimal. Com isso, temos 20=dy ; e 2001.020 ==dx

dy , que é o

mesmo que x2 .

- Caso 2

Page 115: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 111

Vamos tentar diferenciar 3xy = da mesma maneira.

Supondo que y cresça e se torne dyy + , x se tornará dxx + . Então:

3)( dxxdyy +=+

E, desenvolvendo a expressão acima, temos:

3223 )()(33 dxdxxdxxxdyy +⋅+⋅+=+

Como já sabemos que as pequenas quantidades de segunda, terceira

ordens podem ser descartadas quando dy e dx são infinitamente pequenos,

2)(dx e 3)(dx tornam-se também infinitamente pequenos. Portanto, descartando

esses termos, temos:

dxxxdyy ⋅+=+ 23 3

Mas 3xy = e, subtraindo esses dois termos, obtemos:

dxxdy ⋅= 23 ⇒ 23xdxdy =

[. . .]

Bem, todos esses casos são simples. Vamos coletar esses resultados para

tentar inferir uma regra geral. Coloque os resultados em duas colunas, os valores

de y em uma delas e o valor correspondente a dxdy na outra:

ydxdy

Page 116: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 112

2x x2

3x 23x

4x 34x

Agora olhe para esses resultados: a operação de diferenciação parece ter

o efeito de diminuir o expoente de x em 1( por exemplo, reduzindo 4x para 3x ) e,

ao mesmo tempo, multiplicar por um número (o mesmo número que estava

originalmente no expoente). Uma vez que você tenha notado isso, será fácil

conjecturar como as outras expressões se seguirão. Você deverá esperar que a

diferenciação de 5x seja 45x , ou que a diferenciação de 6x seja 56x . Caso ainda

tenha dúvidas, tente desenvolver a expressão e veja se a conjectura está correta.

Por exemplo: 5xy = :

543223455 )()(5)(10)(105)( dxdxxdxxdxxdxxxdxxdyy +++++=+=+

Descartando todos os termos que expressam pequenas quantidades de

ordens superiores a 1, teremos simplesmente:

dxxxdyy 45 5+=+

E subtraindo 5xy = , temos que:

dxxdy ⋅= 45 ⇒ 45xdxdy = , como havíamos suposto.

Page 117: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 113

Seguindo logicamente a observação que fizemos na tabela anterior,

devemos concluir que, se quisermos operar com qualquer expoente – por

exemplo, nx –, podemos fazê-lo da seguinte forma:

1−⋅= nxndxdy

[Silvanus Thompson continua este capítulo abordando os casos de

expoentes negativos, expoentes fracionários etc. Ao final, recomenda a

seguinte lista de exercícios.]

• Diferencie as seguintes expressões:

(1) 13xy = (2) 23

−x

(3) axy 2= (4) 4.2tu =

(5) 3 uz = (6) 3 5−= xy

(7) 58

1x

u = (8) axy 2=

(9) q xy 3= (10) nmx

y 1=

A.2.5 CAPÍTULO 5 – PRÓXIMO PASSO: O QUE FAZER COM AS CONSTANTES

Page 118: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 114

Em nossas equações, temos considerado que x é uma variável que

cresce, gerando assim um crescimento em y também. Em outras palavras,

consideramos que o valor de y é sempre um valor dependente de x . Ambas são

variáveis, mas é com x que operamos – e y é a “variável dependente”. Em todos

os capítulos precedentes, tentávamos encontrar regras entre a variação em x e a

variação resultante em y .

Nosso próximo passo será analisar que diferença as constantes (números

que não variam quando x ou y variam) representam no processo de diferenciação.

Constantes Adicionadas:

- Vamos começar com um simples caso: quando a constante está sendo

somada na expressão que desejamos diferenciar. Por exemplo:

53 += xy

Assim como nos capítulos anteriores, vamos supor que x cresça até dxx +

e, por conseqüência, y cresça até dyy + . Então:

5)( 3 ++=+ dxxdyy ⇒ 5)()(33 3223 ++++ dxdxxdxxx

Descartando as pequenas quantidades de ordens 2 e 3, temos:

53 23 +⋅+=+ dxxxdyy

Subtraindo a equação 53 += xy da expressão acima, teremos:

Page 119: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 115

dxxdy ⋅= 23 ⇒ 23xdxdy =

Portanto, como podemos ver, o 5 simplesmente desapareceu. Não gerou

nenhuma diferença no crescimento de x nem modificou o resultado final da

derivada. Se tivéssemos colocado 7, ou 700, ou qualquer outro número no lugar

do 5, teríamos o mesmo resultado: a constante teria desaparecido. Portanto, se

tomarmos a letra a , b ou c para representar qualquer constante, essa constante

vai simplesmente desaparecer quando diferenciarmos (derivarmos).

Constantes Multiplicadas:

Vamos tomar como exemplo o seguinte caso: 27xy =

Então, procedendo da maneira anterior, teremos:

22222 )(7147})(2{7)(7 dxdxxxdxdxxxdxxdyy +⋅+=+⋅+=+=+

Então, subtraindo a expressão 27xy = e descartando o último termo:

dxxdy ⋅=14 ⇒ xdxdy 14=

[Thompson continua este capítulo dando outros exemplos e, ao final,

propõe a seguinte lista de exercícios].

Page 120: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 116

• Diferencie as seguintes expressões:

(1) 63 += axy (4) 21

21

xcy ⋅=

(5) c

azun 1−= (6) 4.2218.1 2 += ty

(7) Sejam tl e 0l os comprimentos de uma barra de ferro sob as

temperaturas Ctº e Cº0 , respectivamente. Então, )000012.01(0 tllt += . Encontre

a variação do comprimento da barra de ferro em relação aos graus centígrados.

(9) A freqüência n da vibração de uma corda de diâmetro D , comprimento

L e gravidade específica σ , com tensão T , é dada por:

πσgT

DLn 1=

- Encontre o índice de variação da freqüência quando D , L , σ e T

variam isoladamente.

[. . .]

A.2.6 CAPÍTULO 6 – SOMAS, DIFERENÇAS, PRODUTOS E QUOCIENTES

Aprendemos, até aqui, a derivar funções algébricas simples tais como

cx +2 ou 4x , e temos de aprender agora a lidar com somas de duas ou mais

funções. Para começar, experimentemos com:

)()( 42 baxcxy +++=

Page 121: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 117

Qual será o valor de dxdy ? Como faremos para lidar com essa nova

expressão? A resposta para a questão é muito simples: vamos diferenciar termo

por termo, um depois do outro:

342 axxdxdy +=

Se você tiver alguma dúvida, tente operar com um caso mais geral,

utilizando princípios primários, da seguinte forma:

Considere vuy += , sendo u qualquer função de x , e v qualquer outra

função de x . Então, fazendo x variar até dxx + , y variará até dyy + , e u até

duu + , e v até dvv + . Teremos, portanto:

dvvduudyy +++=+

Subtraindo a expressão original vuy += , obtemos:

dvdudy +=

E dividindo todos os termos por dx , conseguimos:

dxdv

dxdu

dxdy +=

Isso justifica, portanto, o procedimento. Deriva-se cada função

separadamente e juntam-se os resultados. Se voltarmos ao exemplo do parágrafo

anterior e colocarmos as funções na notação acima, teremos:

342

42)()( axxdx

baxddx

cxddxdy +=+++=

Page 122: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 118

Se tivéssemos três funções de x , chamadas – por exemplo – de u , v e w ,

de modo que wvuy ++= , então:

dxdw

dxdv

dxdu

dxdy ++=

O mesmo valeria para a subtração, porque, se a função v tivesse um sinal

negativo à frente, sua derivada também seria negativa e a diferenciação, nesse

caso, seria feita da seguinte forma:

vuy −= ⇒ dxdv

dxdu

dxdy −=

Contudo, quando a operação em jogo é a multiplicação de termos, o

resultado não é tão simples como anteriormente.

Suponha que tivéssemos de diferenciar a seguinte expressão:

)()( 42 baxcxy +×+=

O que deveríamos fazer? O resultado certamente não será 342 axx ⋅ , já

que é fácil perceber que nem 4axc × nem bx ×2 teriam sido levados em

consideração nesse resultado.

Mas existem duas maneiras para trabalhar com expressões desse tipo:

Primeiro: Desenvolva o produto e, tendo o resultado final, diferencie.

Seguindo esse método, desenvolvendo o produto )()( 42 baxcxy +×+= ,

obteremos bcbxacxax +++ 246 . Agora, diferenciando:

Page 123: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 119

bxacxaxdxdy 246 35 ++=

Segundo: Vamos voltar aos princípios elementares e considerar a

equação vuy ×= , sendo u uma função de x , e v outra função de x . Então,

fazendo x variar até dxx + , y variará até dyy + , e u até duu + , e v até dvv + .

Teremos, portanto:

dvduduvdvuvudvvduudyy ⋅+⋅+⋅+⋅=+×+=+ )()(

Agora, a expressão dvdu ⋅ é uma pequena quantidade de segunda ordem e

pode ser, portanto, descartada:

duvdvuvudyy ⋅+⋅+⋅=+

Subtraindo a expressão original vuy ×= , teremos finalmente:

duvdvudy ⋅+⋅= ⇒ dxduv

dxdvu

dxdy +=

Isso mostra que nossa tarefa será a seguinte: Diferenciar o produto das

duas funções, multiplicar cada função pela derivada da outra função, e

adicionar os dois produtos obtidos.

Você vai perceber que esse processo é análogo ao seguinte: trate u como

constante enquanto diferencia v ; então trate v como constante enquanto diferencia

u ; e o resultado final dxdy será a soma dos resultados desses dois tratamentos.

Ora, tendo estabelecido essa regra, vamos aplicar esse processo no

exemplo concreto que consideramos acima.

Page 124: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 120

Queremos diferenciar o produto: )()( 42 baxcxy +×+= .

Chame ucx =+ )( 2 ; e vbax =+ )( 4

Então, pela regra geral estabelecida acima, podemos escrever que:

dxcxdbax

dxbaxdcx

dxdy )()(()(

24

42 +++++=

xbaxaxcx 2)(4)( 432 +++=

bxaxacxax 2244 535 +++=

bxacxaxdxdy 246 35 ++=

[Silvanus Thompson continua este capítulo desenvolvendo a regra

do Quociente e, ao final, propõe alguns exercícios].

(1) Diferencie:

(a) L32121

132

××+

×++= xxxu

[. . .]

(11) A temperatura t do filamento de uma lâmpada elétrica

incandescente está conectada a uma corrente que passa pela lâmpada

de acordo com a relação:

2ctbtaC ++=

Page 125: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 121

Encontre uma expressão que dê a variação da corrente

correspondente à variação da temperatura.

[. . .]

A.2.7 CAPÍTULO 7 – DIFERENCIAÇÃO SUCESSIVA

Vamos tentar agora repetir várias vezes a operação de diferenciação em

uma função. Comece com o seguinte exemplo: 5xy = .

Primeira diferenciação: 45x

Segunda diferenciação: 33 2045 xx =×

Terceira diferenciação: 22 60345 xx =××

Quarta Diferenciação: xx 1202345 =×××

Quinta diferenciação: 12012345 =××××

Sexta diferenciação: 0

Há uma notação, com que já nos acostumamos, muito conveniente e muito

usada por alguns autores. [. . .]

O símbolo correspondente à derivada de uma função é )(' xf , que é muito

mais simples do que dxdy . Esse símbolo é chamado de função derivada de x .

Suponha que diferenciemos a função derivada uma segunda vez. Então

obteremos a segunda derivada, denotada por )('' xf , e assim por diante.

Generalizando, para nxxfy == )( , teremos então:

Page 126: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 122

Primeira Derivada: 1)(' −= nnxxf

Segunda Derivada: 2)1()('' −−= nxnnxf

Terceira Derivada: 3)2)(1()(''' −−−= nxnnnxf

Etc. etc.

[Thompson continua este capítulo tratando das derivadas sucessivas

e suas possíveis notações, resolvendo vários exercícios].

A.2.8 CAPÍTULO 9 –APRESENTANDO UM TRUQUE ÚTIL

De vez em quando, você poderá ficar embaraçado por achar que uma

expressão é muito complicada para diferenciar. E, desse modo, a equação:

23

22 )( axy += pode se tornar impraticável para um iniciante ao Cálculo.

Bem, o truque para lidar com esse tipo de expressão é o seguinte: escreva

um símbolo, tal como u , para a expressão 22 ax + , o que transforma a equação

em 23

uy = , que você poderá facilmente diferenciar:

21

23 u

dxdy =

Então, retome a equação 22 axu += e diferencie em relação a x :

xdxdu 2=

O que resta a fazer, agora, é muito simples, uma vez que:

Page 127: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 123

dxdu

dudy

dxdy ×=

Isto é: xudxdy 2

23 2

1

×= ⇒ xax 2)(23 2

122 ×+ ⇒ 2

122 )(3 axx +

Pronto! O truque é esse! Você vai logo perceber, assim como quando

aprendeu a lidar com senos, co-senos e exponenciais, que esse truque é de

uma utilidade incrível.

Exemplos:

Vamos praticar esse truque em alguns exemplos.

(1)- Diferenciar xay +=

Vamos chamar xau += :

1=dxdu ; 2

1

uy = ; 21

21 −

= udxdy ⇒ 2

1

)(21 −

+ xa

dxdu

dudy

dxdy ×= ⇒

xa +21

(2)- Diferenciar 2

1

xay

+=

Vamos chamar 2xau +=

xdxdu 2= ; 2

1−

= uy ; 23

21 −

−= ududy

Page 128: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 124

dxdu

dudy

dxdy ×= ⇒

32 )( xax

+−

[Thompson continua este capítulo resolvendo vários exemplos e, ao

final, propõe alguns exercícios para o aluno].

A.2.9 CAPÍTULO 10 – SIGNIFICADO GEOMÉTRICO DA DERIVADA

É importante considerar o significado geométrico que pode ser dado à

derivada de uma função.

Em primeiro lugar, qualquer função de x , tal como 2x , x ou bax + , pode

ser representada graficamente como uma curva. Hoje em dia qualquer criança

está familiarizada com esse processo.

Considere PQR, na figura 7, como parte de uma curva representada em

relação ao eixo das coordenadas OX e OY. Considere um ponto Q nessa curva,

sendo a abscissa desse ponto x - e a ordenada y . Agora, perceba como y

muda quando x varia. Se x for incrementado por uma pequena quantidade dx , à

direita, nota-se que y também (nessa curva particular) será incrementado por

uma pequena quantidade dy (porque essa curva é ascendente). Então, a razão

entre dy e dx será a medida do ângulo da tangente de um ponto específico entre

Q e T. Como pode ser percebido, fica claro na figura que existem muitas

tangentes entre Q e T e, portanto, não há precisão em falar de tangente entre Q e

T. Se, no entanto, Q e T forem pontos muito próximos, de modo a tornarem-se

praticamente uma linha reta, então será verdadeiro dizer que a razão dxdy será a

Page 129: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 125

tangente da curva QT. A reta QT produzida em ambos os lados tocará a curva em

uma única parte e, se essa parte for infinitamente pequena, a reta tocará a curva

em praticamente um único ponto – e será, portanto, a tangente à curva.

Essa tangente à curva tem evidentemente a mesma inclinação de QT, de

modo que dxdy será a inclinação da tangente à curva no ponto Q e o valor de

dxdy estará – assim – descoberto.

[Thompson continua este capítulo fazendo importantes

considerações sobre o significado geométrico da Derivada. Na página 106,

por exemplo, observa que, para os valores de x que retornam um valor

mínimo, 0=dxdy . E, também que, para os valores que retornam um valor

de máximo, 0=dxdy ].

Page 130: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 126

A.2.10 CAPÍTULO 11 – MÁXIMOS E MÍNIMOS

Uma quantidade que varia constantemente passa por um valor de máximo

local ou mínimo local, quando, no curso de sua variação, os valores precedentes

ou subseqüentes são ambos menores ou maiores, respectivamente, que um valor

referido. Um valor infinitamente grande não é, portanto, um valor máximo.

Uma das principais utilidades do processo de derivação é descobrir em que

condições o valor da expressão derivada se torna um valor de máximo ou um

valor de mínimo. Isso é sempre muito importante na engenharia e na economia,

uma vez que convém conhecer que condições tornarão o custo do trabalho menor

ou as condições que trarão a maior eficiência.

Comecemos, então, com um exemplo concreto. Consideremos a equação

742 +−= xxy .

Por meio de um número sucessivo de valores em x , e encontrando os

valores correspondentes de y , podemos claramente perceber que essa equação

representa uma curva com um valor mínimo:

x 0 1 2 3 4 5

y 7 4 3 4 7 12

Esses valores estão representados na Figura 26, e podemos perceber que

y aparenta um valor de mínimo em 3.

Page 131: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 127

[. . .]

Aqui vai outro exemplo: 23 xxy −= . Calculando alguns valores:

x -1 0 1 2 3 4 5

y -4 0 2 2 0 -4 -10

Representando esses valores graficamente, ficará evidente que essa

expressão terá um valor máximo em algum valor entre 1=x e 2=x :

Pode parecer enganoso afirmar, mas existe uma maneira de descobrir

pontos máximos ou mínimos dispensando uma variedade de cálculos preliminares

ou adivinhações. O truque depende da diferenciação. Volte ao capítulo 10 e

Page 132: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 128

perceba que, quando a curva atinge seu ponto máximo ou mínimo, 0=dxdy . Isso

nos dá uma pista, então, para o processo que procuramos. Quando você tiver uma

expressão e quiser descobrir que valores de x retornarão os valores de mínimo ou

máximo, primeiro diferencie a expressão e, tendo-o feito, escreva sua derivada

( dxdy ) igual a zero, depois do que resolva a equação em x . Coloque esse valor de

x na equação original e terá os valores procurados de y .

Para ver como esse método funciona, vamos retornar ao exemplo

enunciado no início deste capítulo: 742 +−= xxy .

Diferenciando, temos: 42 −= xdxdy

Agora, iguale essa expressão a zero: 042 =−x

Resolvendo essa equação para x , temos: 242 =⇒= xx

Agora sabemos que o ponto de máximo (ou mínimo) ocorrerá quando 2=x .

Colocando esse valor na expressão original, temos:

7)24(22 +×−=y ⇒ 3784 =+−

Agora olhe novamente para a figura 26 e perceberá que o mínimo ocorrerá

quando 2=x , e esse mínimo será 3=y .

[Thompson continua esse capítulo enunciando outros exemplos e

propondo, ao final, alguns exercícios. Durante o capítulo, faz também a

Page 133: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 129

apresentação de um método mais completo para o trabalho com máximos

e mínimos, baseado na derivada de segunda ordem].

A.2.11 CAPÍTULO 17 - INTEGRAIS

O grande segredo já foi revelado: este misterioso símbolo, ∫ , que é

simplesmente um s comprido, significa simplesmente “a soma de todas as

pequenas quantidades”. Essa definição, entretanto, faz-nos lembrar de outro

símbolo - ∑ - que significa também o somatório de quantidades. Contudo, há

uma diferença na prática dos matemáticos, porque enquanto ∑ é geralmente

utilizado para indicar a soma de um número finito de valores, o símbolo da

integral - ∫ - é usado para indicar a soma de uma vasta quantidade de valores

infinitamente pequenos, meros elementos, na verdade, que se juntam para formar

o total desejado. Portanto, ∫ = ydy , e ∫ = xdx .

[Thompson continua esse capítulo dialogando acerca do significado

da integral, tratando da relação entre as quantidades infinitamente

pequenas e o “todo”].

A.2.12 CAPÍTULO 18 – INTEGRAÇÃO COMO O REVERSO DA DIFERENCIAÇÃO

A diferenciação é o processo pelo qual descobrimos o valor dxdy quando

y nos é dado como função de x .

Page 134: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 130

Como qualquer outra operação matemática, o processo de diferenciação

pode ser revertido. Assim, sabendo que a derivada de 4xy = é 34xdxdy = ,

alguém poderia dizer que o processo reverso da diferenciação na expressão

34xy = resulta 4x . Contudo, existe algo curioso nesse processo. Se tivéssemos

diferenciado as expressões 4x , ax +4 , cx +4 , ou 4x com qualquer constante

adicionada, teríamos tido como resultado 34xdxdy = . Desse modo, fica claro que

é preciso estar prevenido em relação às constantes quando utilizamos o processo

reverso de diferenciação. Assim, se a derivada de nxy = resulta 1−⋅= nxndxdy ,

revertendo o processo em 1−⋅= nxndxdy , teremos Cxy n += , sendo C uma

constante indeterminada qualquer.

[. . .]

Vamos começar com um exemplo simples: 2xdxdy =

Podemos escrever essa expressão da seguinte forma: dxxdy 2=

Ora, essa é uma “equação diferencial” que nos informa que um elemento

de y é igual ao elemento correspondente de x multiplicado por 2x . Bem, o que

queremos é reverter o processo de diferenciação – a integral; vamos então

escrever esses elementos com o símbolo apropriado:

∫∫ = dxxdy 2

Ainda não integramos a expressão acima: apenas escrevemos

instruções para executar a integração. Agora vamos tentar integrar – se for

Page 135: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 131

possível. Mas, antes disso, lembre-se: muitos tolos conseguem fazer isso –

por que não conseguiríamos?

O termo à direita é muito simples. A soma de todas as pequenas

quantidades de y resulta no próprio y . Podemos escrever, então, que:

∫= dxxy 2

Ao olhar para o termo à esquerda, devemos lembrar que não precisamos

somar todos os dxs simplesmente, mas todos os termos do tipo dxx 2 ; e o

resultado não será o mesmo que ∫ dxx 2 , porque 2x não é uma constante. [...].

Então, devemos nos lembrar do que sabemos desse processo de integração.

Nossa regra para essa operação, quando estivermos lidando com expressões do

tipo nx , será adicionar 1 ao expoente da expressão e dividir essa mesma

expressão pelo expoente alterado. Isto é, dxx 2 resultará 3

31 x . Transferindo o

resultado para a última equação que desenvolvemos (sem nos esquecer da

constante), temos:

Cxy += 3

31

Pronto! Você integrou a expressão. Como é simples!

[Thompson continua o capítulo resolvendo outros tipos de “equações

diferenciais” e, ao final, propõe alguns exercícios].

Page 136: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 132

.:: ANEXO III – A CRÍTICA DE KARL MARX ::.

Um importante trabalho que, assim como o Calculus Made Easy, intentava

desmistificar o Cálculo eram os manuscritos matemáticos de Karl Marx. Faremos,

abaixo, uma breve exposição de uma das principais críticas que esse filósofo fez

ao tratamento do cálculo diferencial.

Karl Marx (1818 – 1883) é muito conhecido como o fundador do

materialismo histórico e dialético ou como o principal crítico do modelo capitalista.

Seus estudos econômicos e filosóficos ainda hoje são cuidadosamente

analisados por cientistas de diversas áreas. Curiosamente, Karl Marx se

interessou também por muitas áreas científicas, escrevendo textos referentes à

economia, à filosofia e, surpreendentemente, à matemática. Alguns desses

trabalhos podem ser encontrados no livro Karl Marx: arrancar o véu misterioso

à matemática – sobre os manuscritos matemáticos de Karl Marx, de Paulus

Gerdes (1983). Nesse livro, (p. 21), o autor relata:

Os manuscritos matemáticos que Marx deixou à posteridade consistemem 31 cálculos elaborados, resumos sobre a aritmética, álgebra,análise, geometria e 19 esboços e estudos matemáticosindependentes, num total de quase 1000 páginas. Além disso, ficouconservada uma série de aplicações da matemática em problemas deeconomia política: a renda diferencial, o processo de circulação, a taxade mais-valia, a taxa de lucro, o problema das crises.

Marx, ao que parece, era muito interessado em matemática por conta de

seus estudos econômicos, o que revela uma carta, datada de 11 de janeiro de

1858, em que diz a Engels (1820 – 1895):

Page 137: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 133

Na elaboração dos princípios econômicos, fiquei tão abominavelmenteretido por erros de cálculo que, desesperado, comecei de novo apercorrer a álgebra (GERDES, p. 10).

Tudo indica que Marx – como principal crítico da economia capitalista –

precisava estar constantemente em contato com os novos pensamentos

matemáticos que impulsionavam a economia de sua época e, por conta disso,

debruçou-se sobre vários estudos envolvendo questões matemáticas. O cálculo

diferencial – responsável por tantas mudanças na indústria e na sociedade –

também sofreu algumas críticas desse famoso socialista.

Mas por que Karl Marx se interessou pelo cálculo diferencial?

A resposta, nesse caso, está profundamente atrelada ao período da

Revolução Industrial. Segundo Gerdes (1983, p. 23),

A invenção do cálculo infinitesimal, tal como o nascimento de toda aciência moderna, seguiu de perto o nascimento do capitalismo. O granderenascimento do comércio e da indústria [...] veio a exercer umatremenda influência sobre a matemática.

É provável que a relação entre a ciência e o nascimento do capitalismo

tenha sido um dos fortes motivos que levaram Marx a estudar e conhecer alguns

dos pensamentos modernos da matemática. Além disso, Gerdes (1983) destaca

que Marx estava convencido da grande aplicabilidade do cálculo diferencial e ficou

impressionado com os notáveis sucessos dessa ferramenta matemática.

Porém, ao estudar os manuais sobre o Cálculo da época, escritos por

Newton, Leibniz, Euler, D’Alembert e Lagrange, Marx constatou que existiam

idéias misteriosas e contraditórias nos conceitos básicos de derivada e de

diferencial (GERDES, p. 25). Um desses conceitos misteriosos, segundo ele, era

Page 138: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 134

a idéia de infinitamente pequeno. O que era exatamente a idéia de infinitamente

pequeno? Marx também intrigara-se com o processo que Leibniz utilizava para

achar o quociente diferencial de uma função:

• Achar o quociente diferencial de 2)( xxf =

Pelo processo de Leibniz, temos 01 xxdx −= e 01 yydy −= . Então:

20

211 )()( dxxxy +==

20

20 )(2)( dxdxxx ++=

E, como 200 )(xy = , podemos escrever:

20

2001 )(2)(2 dxdxxdydxdxxyy +==++=

Então, dividindo todos os membros por dx , e suprimindo dx , temos:

02xdxdy =

Apesar de ser possível alcançar o resultado correto pelo processo de

Leibniz, Marx argumentava que não era correto suprimir os termos dessa

maneira. Nas palavras de Marx, “para obter as fórmulas corretas do cálculo

diferencial, as grandezas infinitesimais às vezes são escamoteadas ou

violentamente suprimidas, ou seja, tratadas como zero ( 0=dx )” (GERDES, 1983,

p. 34). Essa era, na verdade, a grande crítica que Marx fazia ao cálculo

diferencial: era preciso arrancar o véu misterioso, desmistificar os conceitos

básicos dessa ciência moderna.

Page 139: GUSTAVO ALEXANDRE DE IRANDA - PUC-SP

Gustavo A. de Miranda – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática - 135

Foi em virtude disso que Karl Marx passou a se dedicar ao cálculo

diferencial, criticando principalmente a maneira como as contas eram feitas.

Acreditava, nesse sentido, que os infinitesimais não eram “números normais –

conhecidos” e, assim, argumentava que não era correto aplicar as mesmas

regras dos “números normais” aos infinitesimais (como era feito no cálculo de

Leibniz acima). Marx propôs uma série de alternativas para o tratamento do

cálculo diferencial, suprimindo todos os conceitos que, para ele, eram

misteriosos. Assim, cumpre dizer que os trabalhos de Marx e Thompson foram,

talvez, os primeiros textos dedicados à desmistificação dessa disciplina.