Guilherme[1].M.L

292

description

Guilherme[1].M.L

Transcript of Guilherme[1].M.L

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS UNICAMPINSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS IFCH

DOUTORADO EM CINCIAS SOCIAIS

MARCIA LUCIA GUILHERME

A SUSTENTABILIDADE SOB A TICADO GLOBAL E DO LOCAL, EM PROJETOSDE EXECUO DESCENTRALIZADA

Tese de Doutorado apresentada ao Departamento deSociologia do Instituto de Filosofia e CinciasHumanas da Universidade Estadual de Campinas, soba orientao da Profa. Dra. Leila da Costa Ferreira.

Este exemplar corresponde a verso final da tesedefendida e aprovada em 03 de abril de 2003.

Banca Examinadora:Profa. Dra. Leila da Costa Ferreira - orientadoraProf. Dr. Laymert GarciaProfa. Dra. Lucia da Costa FerreiraProfa. Dra. Marta Dora GronsteinProf. Dr. Roberto GuimaresI

FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELABIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP

G945s

Guilherme, Marcia LuciaA sustentabilidade sob a tica do global e do local, em projetosde execuo descentralizada / Marcia Lucia Guilherme. - Campinas, SP: [s. n.], 2003.Orientador: Leila da Costa Ferreira.Tese (doutorado) - Universidades Estadual de Campinas,Instituto de Filosofia e Cincias Humanas.1. Globalizao. 2. Desenvolvimento sustentvel - Aspectosambientais. 3. Poltica ambiental. 4. Descentralizao.5. Qualidade de vida - Aspectos ambientais. I. Ferreira, Leila daCosta. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto deFilosofia e Cincias Humanas. III. Ttulo.

II

Aos meus amoresamores..

III

AGRADECIMENTOS

So muitos os agradecimentos. E muito variados.Formam um grande arco de apoio, que inclui pessoas e instituies, afetos e racionalidades,apoios especficos e pura torcida.Sou, e por extenso este trabalho, o resultado dessa energia entusiasmada, e acreditofirmemente que extraio aqui um resultado coletivo, moldado, recortado, orientado e enfimapresentado.So muitos os parceiros, afetivos, intelectuais, institucionais. A todos agradeo, e as citaessubseqentes no implicam ordem de importncia.Assim, iniciando por razes profundas, agradeo minha querida famlia, em especial meu pai(in memoriam), minha me, meus irmos e cunhados, meu amado filho, e meu namorado, porme incentivarem e me confortarem nos momentos mais rduos.Agradeo profa. dra. Leila Ferreira, minha orientadora e amiga, que me ajudou a crescer, meguiou e colhe comigo esse resultado que espero doce, pois no tempo certo. Unicamp, em especial aos professores do curso de doutorado do IFCH e seus funcionrios.Destaco aqui o prof. dr. Octavio Ianni, meu queridssimo orientador do mestrado na PUC-SP,a amiga e profa. dra. Lcia Ferreira, e aos profs. drs. Daniel J. Hogan e Laymert Garcia, emcujos cursos estabeleci as bases tericas que apresento neste trabalho.Agradeo tambm a oportunidade de conhecimento, discusso e incluso de conceitos dosprofs. drs. Roberto Guimares da CEPAL-CH, Eduardo Viola da UnB-BR, e Renato Ortiz daUnicamp-SP, que alargaram e enriqueceram o campo de conhecimento estudado.Aos meus colegas de turma, Simone, Julian, Alberto e Phillipe, por compartilharem de avanose angstias.E finalizando esse grupo, me despeo do Massa Crtica, o nosso transporte intelectualrodovirio, do meu amigo Perna, cujos timos motoristas nos embalaram e nosdescansaram.

V

Em relao Secretaria do Meio Ambiente do Estado de So Paulo, onde desenvolvi o estudode caso do PED-SP, h muito a compartilhar e a agradecer.Inicialmente com meu amigo e secretrio dep. Fbio Feldmann, sob cuja orientaoexecutamos esse programa exemplar, extensivos sua chefia de gabinete. Com meu amigoEduardo Trani, coordenador de planejamento ambiental e sua equipe, com a equipe tcnicado PED e com toda a assessoria que recebemos de outros setores da SMA.Aos meus queridos colegas e amigos Joo Luiz Potenza e Eliana Szasz, co-responsveis pelacoordenao do programa, o meu profundo reconhecimento.Agradecimentos ao Jos Augusto, Lurdinha, Flvio, Tieko, Paulinho, Solange e aos consultoresdrs. Luiz Mauro Barbosa e Yara de Vuonno. E ainda s funcionrias da biblioteca da Cetesb,onde estudei e produzi muito dos contedos aqui constantes.Quero agora agradecer aos colegas do PNMA do Ministrio do Meio Ambiente,organizadores do programa PED a nvel nacional, inicialmente na pessoa da dra. ReginaGualda, coordenadora do PNMA. Meu respeito e admirao pela firmeza, clareza ecapacidade de dilogo na conduo do programa, e pela elegncia, disponibilidade eateno ao meu trabalho de tese.Ao dr. Hugo de Almeida, coordenador do PED, experiente e facilitador de todas as nossasaes, e a toda a equipe do PNMA-MMA na pessoa de Daniela de Oliveira, subcoordenadorada Regio Sudeste e nossa amiga de todas as horas.Finalizando a ordem institucional, o meu agradecimento a todos os municpios, organizaesno governamentais e associaes participantes, na pessoa do dr. Humberto de Campos,representando as prefeituras municipais, e de Hugo Souza Dias, representando oscoordenadores de UGPs.Fazer esse doutorado foi uma experincia gratificante, que espero estar repartindo com todos os que participaram e os que agora a conhecero.Um beijo para todos neste novo milnio.

VII

Caetano, domingo, 2 de fevereiro de 2003, dia de Oxal, deus do mar, senhor detodos os deuses. E quem desgua no mar Oxum, deusa do amor e das guas doces. o encontro no corao da minha gerao, e de todas as que curtem Caetano.Um rio sempre continental, e portanto local. O mar global, muda de nome,mas se encontra no mundo como nico, contnuo.Esse rio e o mar que Caetano canta j precediam, em poesia, o quevivemos hoje como local e global. Um corre para o outro, mas sem perder seu cantar.

Onde Eu Nasci Passa um Rio(Caetano Veloso)Onde eu nasci passa um rioQue passa no igual sem fimIgual, sem fim, minha terraPassava dentro de mimPassava como se o tempoNada pudesse mudarPassava como se o rioNo desaguasse no marO rio desgua no marJ tanta coisa aprendiMas o que mais meu cantar isso que eu canto aquiHoje eu sei que o mundo grandeE o mar de ondas se fazMas nasceu junto com o rioO canto que eu canto maisO rio s chega no marDepois de andar pelo choO rio da minha terraDesgua em meu coraoLP DOMINGO

IX

A SUSTENTABILIDADE SOB A TICA DO GLOBAL E DO LOCAL,EM PROJETOS DE EXECUO DESCENTRALIZADA

O tema tratado nesta tese refere-se pertinncia da implantao de programasde sustentabilidade socioambiental, no contexto global e local, atravs de umarcabouo explicativo baseado em quatro questes principais, quais sejam,historicidade, definio e dimenses da sustentabilidade; insero de vriosatores sociais no processo de formulao e implementao de polticasambientais; questes da modernidade relativas a uma nova ordem mundial; edebate sobre o global e o local nas polticas pblicas contemporneas.Desenvolve ento a anlise do Programa PED Projetos de ExecuoDescentralizada, implantado no Estado de So Paulo, como resultante dodesenvolvimento de polticas de sustentabilidade, gestadas em nvel global,coordenadas por organismos nacionais, executadas em carter local, epermeadas pelos novos contextos transversais a esse eixo proposto. Oferece,por fim, trs nveis de anlise, quais sejam, as categorias da sustentabilidadede projetos locais e suas resultantes; o futuro das polticas globais em questeslocais; e o trinmio democratizao, sustentabilidade e qualidade ambiental,no mbito do avano das polticas pblicas.

THE SUSTAINABILITY, IN THE GLOBAL AND THE LOCAL CONTEXTS,RELATED TO DECENTRALIZED EXECUTION PROJECTSThis thesis focuses the implementation pertinence of social-environmentalsustainable programs at the global and the local contexts, using a theoreticalstructure, based on four main questions: historical issues, concepts anddimensions of sustainability; insertion of various social actors on the processof environmental policies formulation and implementation; the questions ofmodernity related to a new world order; and the debate on global and local atcontemporary public policies. Then, it develops the analysis of the PED Program(Descentralized Execution Projects), located at the So Paulo state, due to thedevelopment of sustainable policies, that where created at the global level,coordinated by federal institutions, executed at the local level, and crossedby the new transversal contexts to this proposed line. Underlines, as aconclusion, three analytic levels: the sustainability category of local projectsand their uses; the future of global policies in local questions; and the setdemocratisation, sustainability and environmental quality, at the role of theof public policies evolution.

01

SUMRIO

03

I. INTRODUO E OBJETIVOS

1

Introduo

15

2

O Programa PED no Estado de So Paulo

16

2.1

Apresentao

16

2.2

Objetivos

17

II. SUSTENTABILIDADE E PODER LOCAL:A TRAJETRIA AMBIENTAL

1

Antecedentes histricos da sustentabilidade

2

Desenvolvimento sustentvel e sustentabilidade:definies e interpretaes

25

3

Dimenses da sustentabilidade

27

4

Sustentabilidade, globalizao e descentralizao

31

23

III. NOVOS MOVIMENTOS E ATORES SOCIAIS EMHABERMAS, OFFE E TOURAINE: QUESTES PARA OAMBIENTALISMO E A SUSTENTABILIDADE

1

O carter emancipatrio dos movimentossociais em Habermas

39

2

As variveis explicativas em Offe

3

Touraine e a questo central dos movimentos sociais,no mbito da anlise sociolgica

40

42

IV. POLTICAS PBLICAS AMBIENTAIS: A NOVAORDEM. O RISCO, A TICA E O MODO DE VIDANA ESTRUTURAO DA NOVA ORDEM MUNDIAL

1

As questes de risco e civilizao

2

A questo da tica: tica de conhecimento e tica de consumo 5 1

49

2.1

tica do conhecimento e crise do saber cientfico

2.2

A tica do consumidor: virtude e virtualidade

53

A gramtica do novo modo de vida

54

51

3

04

V. O GLOBAL E O LOCAL NAS POLTICAS PBLICASCONTEMPORNEAS: RELAES INTERNACIONAIS E NACIONAIS

1

A emergncia de polticas ambientais globais

64

1.1

Globalizao dos problemas

64

1.2

Polticas ambientais globais

67

1.3

Negociaes e regimes internacionais paraproblemas ambientais globais

68

2

Globalizao e poder local em polticas ambientais no Brasil:democratizao, sustentabilidade e qualidade ambiental73

2.1

Globalizao da poltica ambiental no Brasil

2.2

Polticas locais no contexto da sustentabilidade,democracia e mudanas ambientais globais

74

77

2.3

Qualidade de vida, qualidade ambiental e seus indicadores05

79

VI. O PROGRAMA PED

1

Antecedentes

87

1.1

Introduo

87

1.2

Conservao ambiental no Brasil: o Programa Nacional doMeio Ambiente PNMA

87

Outras experincias de descentralizao da gesto ambiental

91

Implantao do Programa PED/SP:organizao, estratgias, polticas e projetos

94

2.1

Descrio do Componente Projetos deExecuo Descentralizada

94

2.2

Polticas e estratgias da SMA/SP

96

2.2.1

Polticas pblicas estaduais e a sustentabilidade

96

2.2.2

Objetivos de gesto ambiental descentralizada noEstado de So Paulo

97

Organizao e resumo dos projetos selecionados

99

2.3.1

Organizao por bioma

99

2.3.2

Resumo dos projetos

1.3

2

2.3

100

3

Gesto institucional do programa por Unidades de Coordenao:anlise dos atores referenciais do Programa PED106

3.1

Estrutura geral

106

Administrao do PED e os programas estaduais

106

Atores-chave: Unidades de Coordenao para o PED/SP

108

3.2.1

Fase propositiva nacional

108

3.2.2

Fase estruturadora estadual

110

3.2.3

Fase executora local

111

Atores intermitentes: estruturas complementares

113

3.1.13.2

3.3

06

VII. ANLISE DOS RESULTADOS DO PED/SP

1

Introduo

119

2

Sustentabilidade poltica, institucional e econmica:resultados da gesto ambiental descentralizada

119

2.1

Principais estratgias polticas

119

2.2

Fortalecimento institucional

121

2.3

Questes jurdicas e financeiras globais e locais:os convnios

121

2.4

Questes administrativo-financeiras locais:os programas operativos

122

2.5

Questes tcnicas: acompanhamento fsico e consultorias

123

3

Sustentabilidade fsico-ambiental:resultados por projeto

123

3.1

Procedimentos gerais de gesto

124

3.2

Resultados por projeto

124

3.2.1

Projeto: Uso Sustentvel do Complexo Estuarino-Lagunarde Iguape, Canania e Ilha Comprida

124

3.2.2

Projeto: Programa Piloto de DesenvolvimentoSustentado em Aqicultura

127

3.2.3

Projeto: Recuperao da Microbacia do Crrego Fortuna

128

3.2.4

Projeto: Programa de Proteo aos Mananciaisde Abastecimento Pblico Reflorestamento Ciliar

130

3.2.5

Projeto: Agricultura Limpa

133

3.2.6

Projeto: Recuperao Ambiental do Reservatriode Marimbondo

135

07

VIII. AVALIAO DO PROGRAMA PNMA/PED

1

Introduo

143

2

Avaliao finalMMA, 1997; MMA, 1998; Banco Mundial, 2001

143

2.1

Avaliao de objetivos e atores sociais

144

2.2

Avaliao de resultados

145

2.3

Avaliao de performance dos responsveis peloacordo de emprstimo: Banco Mundial, MMA e IBAMA

148

3

Recomendaes gerais

149

4

Avaliao do PED So Paulo

151

IX. CONCLUSES

1 As

categorias da sustentabilidade de projetos locaise suas resultantes

1 5 8

2

O futuro das polticas ambientais globais em questes locais 1 6 2

162

3O

trinmio democratizao, sustentabilidade e qualidadeambiental, no mbito do avano das polticas pblicas

163

X. BIBLIOGRAFIA167

08

XI. ANEXOS

1

Descrio dos biomas integrantes do PED/SP

183

1.1

Zona Atlntica

185

1.2

Zona Costeira

185

1.3

Cerrado

186

2

Histrico do processo de seleo dos projetos do PED/SP

187

3

Programa Nacional do Meio Ambiente PNMA. Fluxograma191de execuo de programas descentralizados

4

Indicadores de monitoramento dos seis projetos PED/SP

195

5

Pareceres finais dos projetos PED SMA/UCE/SP

233

Projeto: Uso Sustentvel do Complexo Estuarino-Lagunarde Iguape, Canania e Ilha Comprida

235

Projeto: Programa Piloto de Desenvolvimento Sustentadoem Aqicultura

240

5.3

Projeto: Recuperao da Microbacia do Crrego Fortuna

245

5.4

Projeto: Programa de Proteo aos Mananciais deAbastecimento Pblico Reflorestamento Ciliar

250

5.5

Projeto: Agricultura Limpa

256

5.6

Projeto: Recuperao Ambiental do Reservatriode Marimbondo

260

5.15.2

09

1

11

I. INTRODUO E OBJETIVOS

1

Introduo

15

2

O Programa PED no Estado de So Paulo

16

2.1

Apresentao

16

2.2

Objetivos

1713

I. INTRODUO E OBJETIVOS

1

Introduo

O estudo de modelos de sustentabilidade constitui-se em etapa avanada nodesenvolvimento das polticas ambientais brasileiras. Consolida as etapas anterioresde preservao e conservao ambientais, ao mesmo tempo em que busca ofereceralternativas aos programas de desenvolvimento, elaborados at recentemente sem ascautelas devidas s questes ambientais e suas conseqncias negativas, porque nessasconseqncias, das quais se relevam aqui as da degradao e as das possveis (ecaras) recuperaes ambientais, incidem necessariamente custos adicionais futuros aeste mesmo desenvolvimento, e demonstrada a cota de ineficincia e esgotamentode recursos, antes no detectados em anlises tradicionais de custos e benefcios,econmicos e sociais.A sustentabilidade vem, portanto, redirecionar o crculo constitudo pelos elementosacima citados, quais sejam, preservao, conservao, desenvolvimento, degradaoe recuperao, adicionando ainda outros indicadores como os relativos cidadania,ao monitoramento, capacitao diferenciada de mo-de-obra e a mecanismos tcnicosinovadores, que so resultantes novas e diferenciadas no espectro amplo da questoabordada.Alm desses indicadores, uma outra questo surge como principal e intensamentearticulada ao tema desenvolvimento sustentvel: a questo da descentralizaoambiental.O pensar globalmente e agir localmente, transformado em mote por todoambientalista ps-ECO-92, ganha aqui seu aspecto mais consistente.A sustentabilidade ambiental pode ser considerada, assim, o fruto de aes localizadas,pois a forma de desenvolvimento dos projetos est intrinsecamente ligada aosassentamentos humanos pelos quais e para os quais se estabelece.A gerao das polticas e dos meios, sejam eles tcnicos, financeiros e/ou institucionais,foi desencadeada desde uma esfera global, por meio de linhas de financiamentointernacional propiciadoras de experincias inovadoras pelo BIRD (Banco Mundial),em parceria com o Governo brasileiro, que implantou os programas nacionais doPED PNMA, Projetos de Execuo Descentralizada do Programa Nacional de MeioAmbiente, e com a adequao de polticas pblicas que inovaram tcnica e socialmenteem reas que tiveram interface e implementao ambiental e sustentvel, tais comoos setores de Agricultura, Educao e Indstria.Porm, o detalhamento dessas mesmas polticas, o justo dimensionamento das questes,a sua adequao grande heterogeneidade das questes sociais e fsico-geogrficasencontradas fazem da descentralizao o caminho mais adequado, permitindo que

15

governos locais se incumbam dessas tarefas que, de per si, interagem positivamenteno adestramento e transformao das instituies pblicas locais que se disponibilizampara o enfrentamento dessas questes.

2 O Programa PED no Estado de So Paulo2.1 ApresentaoO estudo do Programa PED, Projetos de Execuo Descentralizada, do PNMA, ProgramaNacional do Meio Ambiente, foi desenvolvido em conjunto por vinte Estados brasileiros,em parceria com as suas Secretarias e/ou instituies estaduais de Meio Ambiente,Prefeituras e setores de sociedade civil, como ONGs, Cooperativas e Associaes.Atravs do PED, o Governo Federal, por intermdio do Ministrio do Meio Ambiente,apoiou programas estaduais relacionados com a conservao e/ou recuperao derecursos naturais que obedeceram a uma srie de requisitos, entre os quais os que:incentivam a adoo de mecanismos que permitam a associaes, empresas eadministraes municipais desenvolverem solues para os problemas ambientaisque consideram a realidade local e compatibilizam, de forma otimizada, os interesseseconmicos com a proteo ambiental; priorizam, desde sua preparao, aes queminimizem, na fase de ps-implantao, as despesas operacionais adicionais dooramento estadual; e contam, o mais possvel, j a partir da fase de preparao, coma participao do setor privado e da sociedade civil da rea de atuao do programa,inclusive no financiamento dos projetos.(1)Neste programa nacional, cada Estado pr-qualificado elegeu, para fins de participaono programa estadual e de financiamento pelo PED, projetos que obedeceram a critriosespecficos seletivos, baseados nas premissas gerais para cada Estado, respeitadasainda as diretrizes ambientais previstas em suas polticas pblicas de governo.O Estado de So Paulo elegeu seis projetos em um amplo processo de articulao eparticipao, iniciado a partir do recebimento de quarenta e cinco cartas-consulta,representativas de todo o Estado, nos trs biomas existentes: Mata Atlntica, ZonaCosteira e Cerrado.(2)Os seis projetos integrantes do PED so:. Uso Sustentvel do Complexo Estuarino-Lagunar de Iguape, Canania e IlhaComprida;. Programa Piloto de Desenvolvimento Sustentado em Aqicultura;. Recuperao da Microbacia do Crrego Fortuna;. Programa de Proteo aos Mananciais de Abastecimento Pblico ReflorestamentoCiliar;. Agricultura Limpa;. Recuperao Ambiental do Reservatrio de Marimbondo.

161 Ver PED Projeto de Execuo Descentralizada, Relatrio da Comisso Especialdo PED/CONSEMA, 1995.

2 Ver Projetos de Execuo Descentralizada, Manual de Instrues, maro de1994. Ministrio do Meio Ambiente,Recursos Hdricos e da Amaznia Legal Programa Nacional do Meio Ambiente.

2.2

Objetivos

Este trabalho tem por objetivo analisar e discutir a pertinncia da implantao deprogramas locais de sustentabilidade socioambiental, os quais, por meio da aplicaode novas estratgias para o enfrentamento de problemas ambientais, visam conciliarvocaes regionais, em seu mbito cultural e econmico, com a execuo de projetosque respondam a necessidades locais e regionais, criem condies de sustentabilidadeeconmica e de replicabilidade, e contem com a insero de setores polticos, institucionais e sociais diversificados, buscando alcanar sustentabilidade com conservao de recursos naturais.Objetiva tambm discutir as linhas de anlise socioambientais, relacionadas s questesda globalizao, da sustentabilidade e da descentralizao ambiental. Esses aspectos seroabordados teoricamente em captulos especficos, que tratam dos temas sobre polticaspblicas ambientais globais e locais, sustentabilidade e poder local em sua trajetria ambiental, identificao, tipologia e ao dos atores sociais relevantes inseridos no programa,e questes sobre riscos, tica de conhecimento e consumo, e novos modos de vida.E por fim, como objetivo especfico, busca analisar o Programa Projetos de ExecuoDescentralizada do Estado de So Paulo, por meio de uma anlise tipolgica e setorialdos seis projetos implantados, considerando: insero nas polticas ambientais doEstado, estrutura de gerenciamento, capacidade tcnica e institucional instaladas ouresultantes, resultados sociais e ambientais obtidos e monitoramento executado,buscando a produo de indicadores ambientais especficos.O Programa PED, Projetos de Execuo Descentralizada, visa execuo de projetosregionais e locais de carter sustentvel, desenvolvidos em mbito nacional, comregime de execuo descentralizada local e coordenao partilhada nos nveis federal,estadual e municipal, participao institucional e envolvimento de setores sociaisdiferenciados, gerao de recursos, replicabilidade das experincias e sustentabilidadeem sua fase de ps-execuo financiada.Este programa, desenvolvido por intermdio do PNMA, Programa Nacional do MeioAmbiente, vinculado ao Ministrio do Meio Ambiente, o quarto programa desta linha,o qual contou tambm com o Programa de Proteo de Ecossistemas, Programa deFortalecimento Institucional e Programa de Proteo de Unidades de Conservao.O Programa PED se implantou ento como atividade pioneira, a nvel mundial, no mbitodos Programas de Financiamento do BIRD (Banco Mundial), e a anlise de sua execuo,no Estado de So Paulo, poder ser de grande valia para o estabelecimento de novossubsdios para o enfrentamento das questes de gerenciamento, articulao e principaislinhas temticas de proposio para a rea de desenvolvimento sustentvel local.A avaliao das trs questes principais, globalizao, sustentabilidade e descentralizao ambiental, tomando como base a executabilidade do Programa PED, ,pois, a proposta principal deste trabalho.

17

Nela, ser cotejada a estrutura de relaes institucionais promovida pelo intensotrabalho desenvolvido por diferentes grupos de municpios, em regies de desenvolvimento econmico diferenciado no Estado de So Paulo, em conjunto com segmentostcnicos diversos e representativos da rea ambiental ao nvel de Estado (como os doMinistrio do Meio Ambiente e Secretaria do Meio Ambiente do Estado de So Paulo),todos eles embasados pelo normatizao e coordenao geral permanente derepresentantes do BIRD (Banco Mundial).Outro fator relevante a ser destacado o tempo poltico do desenvolvimento doprojeto, representado pelos perodos de renovao de representatividade polticadiferenciada nos governos federal e estadual, face a face com a dos governosmunicipais, e os seus graus de agregao e sustentabilidade tcnica, institucional esocial dele decorrentes.Os estudos introdutrios e a anlise dos projetos devero responder a vrias questesespecficas, entre as quais as que se destinam a: estudar o fomento e a ampliao doprocesso de gesto ambiental descentralizada no Estado de So Paulo, nos seus trsbiomas componentes: Mata Atlntica, Zona Costeira e Cerrado; analisar a incorporaoda sociedade civil, representada por suas organizaes legitimamente constitudas, gesto ambiental, por meio da atuao compartilhada com o rgo financiadorinternacional, a Unio, o Estado de So Paulo e os municpios participantes; identificaro desenvolvimento de mecanismos inovativos para a aplicao de polticas deconservao ambiental e do arcabouo legal vigente, de modo a atender tanto scondies tcnicas especficas de cada projeto como aos seus objetivos dereplicabilidade e de sustentabilidade econmica, ambiental e social.

18

2

19

II. SUSTENTABILIDADE E PODER LOCAL:A TRAJETRIA AMBIENTAL

1

Antecedentes histricos da sustentabilidade

2

Desenvolvimento sustentvel e sustentabilidade:definies e interpretaes

25

3

Dimenses da sustentabilidade

27

4

Sustentabilidade, globalizao e descentralizao

31

23

21

II. SUSTENTABILIDADE E PODER LOCAL: A TRAJETRIA AMBIENTAL

Este captulo tem por objetivo analisar, por meio da verificao da trajetria ambientalfixada pelos vrios discursos da sustentabilidade, as relaes existentes entre globalizao e descentralizao.Para tanto, sero abordados alguns aspectos considerados fundamentais para o plenoentendimento dessas questes, os quais passam pelo histrico da sustentabilidade, pordefinies de desenvolvimento sustentvel e sustentabilidade, pelas dimenses dasustentabilidade, seus critrios operacionais e capacidade de suporte, finalizando com aanlise de vrios discursos, todos vinculados relao sustentabilidade, globalizaoe descentralizao.

1

Antecedentes histricos da sustentabilidade

A questo ambiental, que se pauta inicialmente por princpios marcadamentepreservacionistas, envolvendo novos movimentos sociais e reivindicaes de carterecocntrico (Lcia Ferreira, 1998) (Eckersley, 1995), vai integrando ao seu discurso es suas prticas aspectos relacionados a riscos e escassez, que iro influenciar aorganizao de polticas e reunies internacionais ao longo das dcadas de 70 e 80. Oprimeiro marco importante foi, sem dvida, a Conferncia das Naes Unidas sobre oMeio Ambiente, em Estocolmo, em 1972, onde se discutiu a relao meio ambiente edesenvolvimento. J em suas reunies preparatrias (Founeux, 1972), as vises tidascomo reducionistas da ecologia e da economia comearam a ser revistas e retrabalhadasnuma via intermediria, a meio caminho entre o pessimismo dos malthusianos quedenunciavam o perigo do esgotamento dos recursos, e o otimismo dos tericos daabundncia que acreditam nas solues tecnolgicas (Sachs, 1994).A partir de 1972 e at 1986, quando a Comisso Mundial de Meio Ambiente eDesenvolvimento elabora o Relatrio Brundtland, vai se desenvolvendo o conceitode desenvolvimento sustentvel, como promoo de um desenvolvimento socioeconmico equilibrado ou ecodesenvolvimento. Mas o prprio conceito de desenvolvimento, que carrega em seu bojo todas as contradies anteriores, relacionadas aapropriao desigual, iniqidades e degradao, foi objeto de ampla reflexo, e suarelao com o ambiente, fartamente discutida.Emergiram dessas prticas duas grandes vertentes, as que estudam as relaes NorteSul, e todas as assimetrias dela advindas, e os problemas ambientais globais,impactando todo o planeta e enfatizando as questes de risco ambiental.Os problemas ambientais globais pertencem ao grupo de maior grau de periculosidade,pois pem em risco a prpria sobrevivncia do planeta e so constitudos pelos seguintesfenmenos: efeito estufa, depleo da camada de oznio, acmulo de lixo txico,perda de biodiversidade e esgotamento de recursos no renovveis (Martine, 1993).Ainda segundo Martine, num patamar inferior de gravidade, periculosidade e

23

irreversibilidade, encontram-se problemas derivados de trs fatores, isolados oucombinados entre si: uso de tecnologias inadequadas, m administrao de recursosnaturais e crescimento populacional. So os fenmenos relativos a chuva cida,desertificao, eroso, poluio do ar, enchentes e esgotamento de recursos hdricos.A contaminao radiativa, vista como reversvel e portanto localizada, pode serconsiderada, porm, questo de risco global, quando analisada na perspectiva deacidente nuclear de propores no controlveis ou de guerra atmica. Goodlandcoloca essas questes no quadro dos limites do crescimento pressupostos pelo Clubede Roma (1972), demonstrando um alto grau de criticidade em cinco grandes esferas:apropriao de biomassa, aquecimento global, ruptura da camada de oznio,degradao do solo e perda de biodiversidade (Goodland, 1991). Esses problemasambientais globais situam-se, portanto, num arcabouo de questes ligadas a recursosdisponveis para todo o planeta, ameaados pelas conseqncias globais da aplicaode modelos sociopolticos e econmicos, que iro se evidenciar, com mais clareza, nasua anlise e interao nos hemisfrios norte e sul.A relao Norte-Sul pode ser vista, principalmente, pela tica dos agentes responsveispelos danos ambientais globais, e pela dos consumidores diferenciados. A responsabilidade dos pases industrializados quase total, excetuando a participaominoritria de alguns pases em aes de desmatamento, contribuindo para o efeitoestufa, depleo da camada de oznio e perda de biodiversidade, entre eles China,ndia e Brasil (Martine, 1993). A insero dos consumidores diferenciados coloca emquesto os conceitos amplos de crescimento e desenvolvimento. Se em Estocolmo ospontos focais eram o limite do crescimento e as caractersticas da preservao aserem praticadas, no Relatrio Brundtland deram lugar ao discurso do desenvolvimentosustentvel. Ou como observa Sachs, de Founeux a Estocolmo e at o RelatrioBrundtland, a nfase era dada a uma intensificao do crescimento econmico, quese acompanharia de uma mudana completa de suas formas, do seu contedo, dosseus usos sociais, e que seria orientada para a satisfao das necessidades essenciais,em direo a uma repartio equilibrada da renda e de tcnicas de produoaproveitando os recursos. E que o debate causado pelo Relatrio Brundtland, queope o crescimento quantitativo ao desenvolvimento qualitativo, considerandoque falar de crescimento durvel uma contradio no prprio termo (ver Goodlandet al., 1991), repousa em parte sobre um mal-entendido semntico. Apesar de seposicionar ao lado dos crticos do Relatrio Brundtland, Goodland (1991: 24) e ElSerafy (1991: 66) reconhecem que este prope promover o crescimento por meio deum melhor rendimento dos recursos e de utilizar os frutos desse crescimento parareduzir os consumos intermedirios, reabilitar o meio natural e operacionalizar umaredistribuio de renda (Sachs, 1994). Desenvolvimento sustentvel e sustentabilidadecomeam ento a adquirir corpo e consistncia no interior das aes das organizaesno governamentais e das vrias instncias pblicas, caracterizadas por organismosinternacionais, Estados nacionais e agncias multilaterais, criando assim condiespolticas para a defesa, na ECO-92, do equacionamento de questes ambientais globais,via Acordos e Convenes, e da enunciao do conceito de sustentabilidade como umconceito global e paradigmtico, como veremos a seguir.

24

2

Desenvolvimento sustentvel e sustentabilidade:definies e interpretaesA histria da sustentabilidade se inicia a partir da discusso de padres econmicosrelacionados a crescimento produtivo e populacional, disponibilidade de recursos,escala e limites (Goodland, 1995). Goodland analisa os estudos de Mill, Malthus,Ehrlich, Hardin e Daly, por meio da relao crescimento da economia com aumentode populao e uso de recursos, para chegar a uma definio de sustentabilidadeambiental que distingue crescimento dos meios de produo de desenvolvimento, ouseja, que h diferenas entre acumulao de bens materiais, pelo aumento de seuvolume, e expanso de potencialidades at um estgio mais avanado. Adianta tambmque, nossa economia, um subsistema numa Terra finita e estanque, pode se adaptar aum modelo de desenvolvimento sem crescimento dos meios de produo. E mais,aponta que o desenvolvimento alcanado pelos pases do hemisfrio norte deverliberar recursos para o crescimento e o desenvolvimento to urgentemente necessriodos pases pobres.Ao definir sustentabilidade como a manuteno do capital natural entre os quatrotipos de capital natural, humano, construdo e social , assume a questo ambientalainda de maneira setorizada, sem inclu-la nos outros setores constitutivos da vidana Terra, ressaltando ainda as causas de provvel insustentabilidade em fatores comoo limite da capacidade ambiental, perante a escala dos meios de produo, e a falhados governos em admitir os perigos decorrentes da poluio e do rpido crescimentopopulacional. Finalmente, subdivide sustentabilidade em trs nveis: fraco, forte emuito forte, que correspondem respectivamente manuteno do funcionamento datotalidade do capital, manuteno de alguns setores do capital total e intocabilidadedos recursos naturais (renovveis e no renovveis).Enquanto Goodland trabalha as noes de crescimento e desenvolvimento sustentvel,relacionados economicamente, Hogan avana em direo a um conceito maisabrangente, analisando as premissas do Relatrio Brundtland luz de novos valorese responsabilidades, estabelecendo a diferena entre sustentvel e desenvolvimento eentre os vrios conceitos de desenvolvimento sustentvel, obtidos a partir da alocaodiferenciada de temas como reduo do consumo material em pases desenvolvidos eentre as elites dos pases subdesenvolvidos, f no progresso tecnolgico para soluesambientais, apelos a um crescimento populacional zero ou negativo, defesa do prrequisito de justia social, preocupao com as geraes futuras, confiana nodesenvolvimento de novos substitutos para os recursos escassos versus um vigorosoe abrangente programa de reciclagem (Hogan, 1993b). Apia suas premissas em doisfatores estruturais para sua anlise: a primeira ligada a valores culturais, noo denecessidades e consumo, e a segunda referente a valores polticos, com refernciaexplcita cultura poltica democrtica e de atuao descentralizada. Tal como Paehlke(in Vig & Kraft, 1994), alia o desenvolvimento sustentvel a uma maior participaodemocrtica no poder de deciso e de atividades produtivas. Baseia-se ainda na preservao de recursos naturais como objetivo sustentvel ao enunciar que a preservaodos recursos naturais ser aprimorada por meio de maior participao, implicando

25

solues de menor escala para os problemas de recursos. Reduzindo-se a escala dasatividades de desenvolvimento, reduzem-se seus impactos ambientais e aumentamas possibilidades de participao local (Hogan, 1993b: 61).Guimares (1997) continua a trabalhar a questo da sustentabilidade, introduzindo,com mais nfase, os temas da globalizao, dos novos aparatos poltico-institucionais,de mudanas no mercado internacional e da insero de padres culturais diferenciados,alm das questes dos recursos naturais e da pobreza anteriormente citados. Define,assim, a sustentabilidade como um novo paradigma de desenvolvimento, consideradoum pr-requisito fundamental para a governabilidade. V na poltica o grandeinstrumento de mediao a ser utilizado na transio para esse novo paradigma. CitaVega (1995) ao dizer que no obstante, desde uma perspectiva democrtica,independentemente da pertinncia de juzos com os que esta atividade e este ofcioso assediados, no existem postulaes capazes de defender solidamente a tese deque a elaborao e gesto da vida pblica possa realizar-se sem a mediao da poltica.Postula a participao de partidos polticos e de instituies de representatividadepblica, bem como a atuao do Estado de forma concertada, como meios de garantirequilbrio, ante a atuao dos mercados, dos mecanismos transnacionais demundializao da economia e do uso indiscriminado de recursos naturais, pressionadospela competitividade e pelos modelos de consumo vigentes. Esse novo desenvolvimentoexige, portanto, formas novas de enfrentamento da crise generalizada e global queatravessa, ao mesmo tempo, as diferentes regies e sociedades, e que so definidaspor Guimares nos mbitos ambiental, social, cultural, poltico e tico, os quaisanalisaremos, com mais acuidade, no prximo item deste trabalho. Mas, em sntese,aponta que um novo paradigma de desenvolvimento deve colocar o ser humano nocentro do processo de desenvolvimento, considerar o crescimento econmico umprocesso ecologicamente limitado, um dos meios para alcanar maiores nveis debem-estar humano e no um fim, proteger as oportunidades de vida das geraesatuais e futuras e, por fim, respeitar a integridade dos sistemas naturais que permitema existncia de vida no planeta (Guimares, 1997: 6).Por fim, algumas questes desenvolvidas por Sachs, as quais perpassam tambm aeconomia em suas funes produtiva e distributiva, o consumo mundial e as relaesNorte-Sul, ganham grande relevncia para o equacionamento das questes desustentabilidade local. Sachs enumera alguns pontos sobre os quais v um acordorelativamente amplo, todos vinculados ao que designou ecodesenvolvimento, umconceito fundante para todas as relaes estabelecidas para a sustentabilidade que seseguiram. So eles a noo de falncia do superconsumo, a noo de que os sistemaseconmicos so tributrios dos ecossistemas subjacentes, e a superestimao do poderdas solues tecnolgicas. Trabalha, ainda, com o horizonte da planificao dodesenvolvimento, abordando cinco aspectos de sua viabilidade, que descreveremos aseguir e analisaremos em item posterior. So eles: a viabilidade social, a viabilidadeeconmica, a viabilidade ecolgica, a viabilidade espacial e a viabilidade cultural.Resta ainda assinalar a sua viso precursora e abrangente no que tange questolocal. Demonstra que o local se move pela cultura, muitas vezes na pobreza, e enfren-

26

tando obstculos de base poltica e institucional. Vale citar aqui a sua reflexo Doconceito ao: Na prtica, a imaginao ecolgica deve guiar a reflexo sobre odesenvolvimento. O objetivo o de melhorar o destino de mais de um bilho deindivduos que vivem abaixo do limiar da pobreza, comeando por assegurar-lhesmeios viveis de existncia (Chambers, 1988), qualquer que seja o contexto ambientalou cultural em que vivam, mostrando que as populaes locais so capazes de respeitaro meio ambiente, desde que sejam eliminados os obstculos que as impedem deadotar uma viso a longo prazo de conservao da base de seus recursos. Tais obstculosso principalmente de ordem poltica e institucional. Estes so freqentemente ligadosa regimes agrrios desiguais, ausncia de reformas tributrias adequadas, privatizaode propriedades comunais, marginalizao das populaes das regies florestais, ouexplorao predatria dos recursos naturais que visam maximizar lucros imediatos. somente nas regies de alta densidade populacional que as presses impostas pelomeio ambiente e o nvel de recursos constituem um limite absoluto (Sachs, 1994: 53).Podemos inferir, portanto, que nas relaes Norte-Sul o autor contempla duas inflexesdiferenciadas, visando o ecodesenvolvimento: para o Norte, mudana de valoresestabelecidos, pela necessidade de modificaes e reduo do consumo, principalmentede produtos industrializados; para o Sul, mudanas poltico-institucionais, dandomaior autonomia a poderes locais, privilegiando a descentralizao de decises e aluta por um ajuste social, buscando eficincia econmica com conservao de recursosnaturais. Obviamente, essas so priorizaes, o que no quer dizer que a questo dadescentralizao no seja adotada pelos pases desenvolvidos, nem que pases emdesenvolvimento no reavaliem seus valores culturais.As premissas desenvolvidas por Sachs, mais do que imaginao ecolgica,transformaram-se em alguns dos principais objetivos de programas de sustentabilidadelocal, adotados pelo Banco Mundial (BIRD), em parceria com o Governo brasileiro,que executou, entre eles, o Programa PED Projetos de Execuo Descentralizada,em vinte Estados do pas, com a participao de governos locais, ONGs, cooperativase associaes.

3 Dimenses da sustentabilidadeO desenvolvimento, em sua perspectiva de sustentabilidade, comea a ser dimensionadoa partir de seus aspectos econmicos, sociais e ambientais. Goodland reafirma a forteligao entre sustentabilidade econmica e ambiental, ressalvando que esta ltima pr-requisito para a sustentabilidade social. Cita Redclif, ao enfatizar que a reduoda pobreza o objetivo primordial do desenvolvimento sustentvel e que esta reduodeve vir do desenvolvimento qualitativo, da redistribuio e diviso eqitativas, daestabilidade populacional e da estrutura comunitria, mais do que do crescimentodos bens de produo (Goodland, 1995: 2). Rebate argumentos da teoria econmicaclssica relativos alocao de recursos e eficincia no uso dos bens, defendendo umnovo critrio de escala a ser alocada nesta equao, e introduz o sistema ambientalde suporte de vida, conhecido como capacidade de suporte, imprescindvel para aproduo e a reproduo da humanidade. Reconhece ainda, numa afirmao queGuimares ir retomar, que os mercados so quase sempre invariavelmente deficientes

27

como mecanismos distributivos quando neles se inclui a questo dos recursos naturais.E, finalmente, como j citamos anteriormente, dimensiona a sustentabilidade em trsgraus fraco, forte e muito forte , relacionados capacidade de substituio quepermeia os quatro tipos de capital, delimitados pelo sistema econmico: natural,humano, construdo e social.Sintetizando, podemos apresentar os trs graus de sustentabilidade como:Sustentabilidade ambiental fraca: mantm o capital total intacto, sem considerar asua repartio nas quatro subcategorias. Isto poderia implicar que os vrios tipos decapital so mais ou menos substituveis, ao menos dentro dos limites dos nveisatuais da atividade econmica e da utilizao de recursos. Dadas a atual liquidao eas graves ineficincias no uso dos recursos, sustentabilidade fraca poderia ser umgrande avano, ainda num primeiro nvel, mas no se constitui em sustentabilidadeambiental, tornando-se assim condio necessria mas no suficiente para tanto.Sustentabilidade ambiental forte: requer a manuteno em separado dos quatro tiposde capital. Esta assume que o capital natural no perfeitamente substituvel, antes complementar de funes produtivas e, agora, limitado; esta uma proposta quevem sendo assumida por economistas ecolgicos.Sustentabilidade muito forte: no pode haver depleo de recursos naturais. Recursosno renovveis no podem ser usados, assim como todos os recursos minerais. Osrecursos renovveis so utilizados, condicionados reposio de estoques (Goodland,1995: 15-16).Essas dimenses seriam acrescidas, medida que o entendimento da sustentabilidadeavanava para outros setores, estruturando os aparatos tericos e poltico-institucionaisda globalizao, forjando novas alianas e novos atores sociais em ao, e tornandose para alguns autores o discurso paradigmtico das mudanas sociais, dentro daviso da ultramodernidade, vinculada a novos padres de participao poltica evalores ps-materialistas. Beck, Paehlke, Giddens, Habermas e Offe trabalham essasquestes envolvendo o aparato de Estado, os novos atores sociais e as polticasambientais. Sachs e Guimares buscaram traduzir esse avano, desenvolvendo anlisesde viabilidade e de dimensionamento do ecodesenvolvimento (Sachs) e dasustentabilidade, em critrios de poltica (Guimares), evidenciando e traduzindo esseavano, ainda no desconstruindo a globalizao, como o faria Yearley, masorganizando-a a partir de padres de sustentabilidade especficos.Sachs considera cinco aspectos de viabilidade, quais sejam, social, econmico,ecolgico, espacial e cultural. Embora de natureza objetiva e direta, as formas deviabilidade construdas se referem s grandes questes mundiais ainda em seuarcabouo vigente, socioeconmico e institucional. A viabilidade social, tendo porobjetivo construir uma civilizao caracterizada por uma maior justia na repartiodas riquezas e das rendas, tendo como objetivo a reduo da distncia no nvel devida entre providos e deserdados, a viabilidade econmica, tornada possvel pela

28

repartio e pela gesto mais eficiente dos recursos, e por um fluxo regular deinvestimentos pblicos e privados, a viabilidade ecolgica, buscando melhorias quevo do aumento da capacidade de explorao dos ecossistemas definio de regraspara uma adequada proteo do meio ambiente, passando pela viabilidade espacialque objetiva um melhor equilbrio entre cidade e campo, a viabilidade cultural, vistacomo cultura agrria e social, tem o mrito, entre outros, de indicar os pressupostosiniciais e a forma de anlise mais factvel, e que seria retomada, ampliada e reestruturadapor Guimares em seus estudos sobre sustentabilidade, modernidade, meio ambiente etica, considerados partes de um novo paradigma, como veremos a seguir.Guimares, em seus estudos, estabelece algumas premissas bsicas de anlise, sendoas principais a insustentabilidade do atual estilo de desenvolvimento, baseado nocrescimento, o perigo que representa para o meio ambiente a hegemonia dosmecanismos de mercado sobre as aes do Estado e de outras organizaes dasociedade, o novo papel do Estado, forte na sua capacidade reguladora e deplanejamento estratgico, e o papel preponderante da tica e da poltica, para oequacionamento da crise atual e elaborao de novas estratgias (1997: 43). ComoSachs, refere-se tambm criatividade, quando conclui que o desafio dasustentabilidade um desafio eminentemente poltico. Albert Einstein, ao referir-seao incio da guerra nuclear, dizia que tudo mudou e que precisamos uma maneirasubstancialmente distinta de pensar para que a humanidade possa sobreviver. A criseatual tambm indica o surgimento de uma nova era. possvel que no saibamos comoprev-la, mas Charles Birch est coberto de razo: podemos invent-la. O argumentoecolgico , por definio, poltico. Antes de reduzir a questo ambiental a termostcnicos para a tomada de decises racionais, h que forjar alianas entre os distintosgrupos sociais capazes de impulsionar as transformaes necessrias (1997: 43).Lembra que a Rio-92 significou uma evoluo importante do pensamento internacionalpara o terceiro milnio, evidenciando a crise ambiental como generalizada e global,com dimenses polticas, econmicas, institucionais, sociais e culturais. Projeta-seno mbito ecolgico, relativo ao patrimnio natural do planeta e seu empobrecimento,e no mbito ambiental, relativo aos ecossistemas e seu declnio na capacidade derecuperao, e revela o carter ecopoltico (poltico-institucional) relacionado aossistemas institucionais e de poder que regulam a propriedade, distribuio e uso dosrecursos naturais. Nota que no h dicotomia entre meio ambiente e desenvolvimento,posto que o primeiro resultado do segundo, e se prope a examinar as contradiesideolgicas, sociais e institucionais do discurso da sustentabilidade e analisar distintasdimenses de sustentabilidade para transform-las em critrios objetivos de polticapblica. Estabelece, nesse estudo, oito dimenses de sustentabilidade do desenvolvimento. So elas as dimenses planetria, ecolgica, ambiental, demogrfica,cultural, social, poltica e institucional.. sustentabilidade planetria: relaciona-se com os problemas que extrapolam asfronteiras do Estado-nao, no que tange necessidade de reverso dos processosglobais de degradao ecolgica e ambiental. Sublinha a urgncia de polticas

29

integradas nas reas de reduo do efeito estufa, reduo das taxas de desmatamentoe desflorestamento, manuteno da camada de oznio, manuteno do patrimniobiogentico do planeta e reconverso da matriz industrial, cientfica e tecnolgica,incorporando a difuso de tecnologias baseadas na biodiversidade.. sustentabilidade ecolgica: refere-se base fsica do processo de crescimento eobjetiva a conservao e o uso racional do estoque de recursos naturais, renovveise no renovveis, incorporados s atividades produtivas.. sustentabilidade ambiental: esse item amplia a referncia anterior, pois no trabalhaos recursos separadamente em sua relao com as estruturas produtivas, masintegrando-os em ecossistemas e sua manuteno da capacidade de carga, ou seja, acapacidade da natureza para absorver e recuperar-se das agresses antrpicas. Aoutra diferena entre essas duas formas de sustentabilidade que a ecolgica trabalhacom taxas de recomposio e de substituio, e a ambiental com as de regenerao ede recuperao.. sustentabilidade demogrfica: problematiza as duas anteriores, ao incluir como critriode poltica pblica os impactos da dinmica demogrfica tanto nos aspectos de gestoda base de recursos naturais como de manuteno da capacidade de carga ou derecuperao dos ecossistemas.. sustentabilidade cultural: prioriza a manuteno da diversidade em seu sentidomais amplo, relativo tanto s minorias sociais quanto aos aspectos de cultura agrcola.. sustentabilidade social: em termos gerais, traduz-se como melhoria da qualidade devida, com critrios bsicos de justia distributiva para bens e servios, e deuniversalizao de cobertura para as polticas globais de educao, sade, habitaoe seguridade social, especialmente em pases perifricos.. sustentabilidade poltica: , a meu ver, a dimenso mais ordenadora, pois traduz asrelaes entre Estado e sociedade na busca efetiva de processos de democratizao,base para a construo da cidadania e da incorporao plena dos indivduos aoprocesso de desenvolvimento. Esses processos, exercidos pela construo de alianasentre diferentes grupos sociais, tm no Estado ainda um ator privilegiado para ordenara luta de interesses, orientar o processo de desenvolvimento e forjar um pacto socialque oferea alternativas de soluo crise de desenvolvimento.. sustentabilidade institucional: projeta no desenho das instituies que regulam asociedade e a economia suas dimenses sociais e polticas. Traduz-se por impostos deconsumo ambiental, taxao de emisses, redefinio das vrias formas decontabilidade e do aparato institucional, bem como dos sistemas de regulao nacionale internacional (Guimares, 1997: 32-40).Em outro de seus trabalhos, o autor reafirma seus postulados mais importantes sobrecritrios e dimenses de sustentabilidade, dilatando conceitos ambientais e polticos,

30

introduzindo novas questes como nova modernidade, mercado neoliberal & Estado,e governabilidade. Alguns trechos que reproduziremos a seguir indicam a continuidadee avano desses conceitos:A necessidade de transio para um estilo de desenvolvimento sustentvel implicauma mudana no prprio modelo de civilizao hoje dominante, particularmente noque se refere ao padro de articulao sociedade-natureza. Nesse sentido, talvez amodernidade emergente no Terceiro Milnio seja a modernidade da sustentabilidade,aonde o ser humano volte a ser parte, antes de estar aparte da natureza (1998b: 10).H tambm que evitar a sacralizao do mercado a que conleva a nova modernidade,posto que pode produzir resultados ainda mais nefastos. Se a globalizao levou aoendeusamento do mercado, levou tambm, em contrapartida, demonizao do Estado,o qual, como diria Silvio Rodriguez, no a mesma coisa mas igual (1998b: 8).Se a governabilidade se definia, at recentemente, em funo da transio de regimesautoritrios a democrticos, ou em funo de desafios antepostos pela hiperinflao edesestabilizao econmica, esta se funda hoje nas possibilidades de superao da pobreza,da marginalizao e da desigualdade (Calderon, 1995, in Guimares, 1998b: 9).Reafirma sua viso antropocntrica, isto , de que o homem constitui o centro e arazo de ser do processo de desenvolvimento nos mbitos j descritos das sustentabilidades ambiental, social, cultural e poltica, tendo como norte uma nova tica docrescimento, uma tica no qual os objetivos econmicos de progresso se subordinams leis de funcionamento dos sistemas naturais e aos critrios de respeito dignidadehumana e de melhoria da qualidade de vida das pessoas (1998b: 10).

4 Sustentabilidade, globalizao e descentralizaoO discurso da globalizao carrega consigo vrios outros, que perpassam os camposdo desenvolvimento, da sustentabilidade, das ideologias polticas, do ambientalismo,e nos indica vrias opes para a crise geral que ora vivemos. Os caminhos da transioforam abordados por diversos autores, entre eles Goodland, Sachs, Guimares, Ferreirae Hogan, e em relatrios oficiais como os do World Development Report 1992 (WorldBank) e Nossa Prpria Agenda (BID/PNUD).No relatrio do World Bank, a preocupao com a pobreza e com a proteo ambiental evidente, assim como com as formas de gerenci-las. Mas ali se mistura a pobrezacomo degradadora, pela qual pobres degradam campos por cultivo imprprio oucidades, pelas condies de habitabilidade, nelas includas as precariedades em guae esgoto, de que dispem (World Bank, 1992: 32-33), a solues de pobreza subsidiada,via crditos e concesso de ttulos de posse, ou ainda gerao de empregos, viautilizao de mo-de-obra intensiva, graas aos quais os pobres no precisam maisdilapidar os recursos naturais em poca de crise (World Bank, 1992: 34). Alm domais, aponta o crescimento econmico como uma sada apropriada, aliada a serviosde sade e educao, os quais propiciariam ainda um melhor controle demogrfico,

31

uma vez que casais mais instrudos e com melhores condies financeiras tm menosfilhos (World Bank, 1992: 34).J o Nossa Prpria Agenda traz uma concretude maior em relao aos problemasenfrentados pelos pases latinos, particularmente em relao a estratgias dedesenvolvimento sustentvel. Situa ainda a pobreza como causa e resultado dadegradao ambiental, mas identificando como co-responsveis as polticas econmicasexistentes. Aponta para a participao da sociedade civil, mas de forma embrionriae generalista.Revela alguma estratgia ao dizer que em meio a todos os problemas que afetam osdestinos da Amrica Latina e do Caribe, no temos sido suficientemente perspicazespara perceber que tais problemas esto intimamente relacionados com o nosso conceitode sociedade e de natureza. Temos de modificar essa atitude, se quisermos esboaruma estratgia de desenvolvimento em harmonia com a natureza. E se isso reformulare fortalecer a sociedade civil tornando-a mais participativa, ento estaremosestabelecendo um mecanismo propcio criao de um desenvolvimento sustentvel.Porm, no descarta as hierarquias preexistentes ao afirmar que os homenssocialmente mobilizados e com um sentimento profundo da necessidade de resolveros problemas ambientais formaro uma liderana solidria, ousada e criativa, emdefesa do meio ambiente de suas empresas e, ao mesmo tempo, do desenvolvimentosustentvel (BID/PNUD, pg. 7).Goodland indica alguns caminhos de sustentabilidade para o hemisfrio sul ao refutaralguns aspectos de desenvolvimento do norte, relativos aos riscos do aquecimentoglobal, que so por eles praticados e repartidos para todo o mundo. O norte, diz ele,tem de se adaptar ao desenvolvimento sustentvel mais do que o sul e, seguramente,antes do sul, considerando que o modelo de curto prazo e com opes corretivasdispendiosas foram um erro que no deve ser reproduzido (1995: 19-20). Valoriza osnossos recursos naturais, mas aponta ainda como um tremendo desafio a alimentaoe o abrigo de dez bilhes de pessoas sem causar danos ao meio ambiente, vale dizerque a maioria delas habitando pases perifricos. O desafio, que o da valorao danatureza e do questionamento dos mercados, aliados a novos valores individuais e instaurao de uma nova tica, ser mais claramente equacionado por Guimares,que pe em discusso os significados, muitas vezes opostos, da acumulao da riquezamaterial e do desenvolvimento dos seres humanos e seu bem-estar. Alm disso, registrauma discusso extremamente competente sobre valorao de servios ambientais ede recursos naturais, mas ainda contra o estabelecimento de um preo correto paraa natureza, que como o mercado neoliberal, no seu af de absolutizar o mercado,reduz todo o desafio da questo da sustentabilidade (1998b: 19). Sublinha que avalorao econmica deve estar subordinada a valores sociais e tica dodesenvolvimento, para que no se perca de vista que o objetivo ltimo da valoraono o mercado de transaes entre consumidores, mas a melhoria das condies devida dos seres humanos (1998b: 19). Coloca a questo da tica para valorardiferentemente custos e benefcios ambientais e discute a modernidade hegemnicanos dias de hoje, que oferece apenas as alternativas de insero, de forma dependente

32

e subordinada, no mercado-mundo, ou a excluso na ilusria autonomia do atraso.E prope que o verdadeiro problema que se deve debater no a bvia existnciade tendncias insero na economia globalizada, mas que tipo de insero nosconvm, que tipo de insero permite manter as rendas do crescimento em basesnacionais, e que tipo de insero permite manter a identidade cultural, a coesosocial e a integridade ambiental em nossos pases (1998b: 19).Existem ainda algumas posies sobre estratgias de transio para a sustentabilidade,como as de Martine (1993: 35), para quem o Brasil vai participar dos problemasambientais globais por intermdio de suas reas de adensamento demogrfico, e node suas matas; as de Hogan, quando relaciona a capacidade de suporte dos ecossistemasao bem-estar da populao. Situa esse conceito contido em relatrio da UNESCOcomo um conceito dinmico que pode ser estendido ou restringido de inmerasmaneiras: em razo de mudanas nos valores culturais, de descobertas tecnolgicas,de melhorias agrcolas ou dos sistemas de distribuio de terra, de mudanas nossistemas educacionais, de modificaes fiscais e legais, de descoberta de novos recursosminerais, ou do surgimento de uma nova vontade poltica (Hogan, 1993b: 63). Sachstambm descreve algumas estratgias de transio ao desenvolvimento sustentvel apartir de quatro princpios: para ser eficaz, uma estratgia de transio deve estenderse por vrias dcadas; os pases industrializados devem assumir a maior parte doscustos da transio e do esforo de ajustamento tcnico; a eficincia de uma estratgiade transio depende da audcia das reformas institucionais, da capacidade de conceberpolticas globais e pluridimensionais, e da aptido para reorientar o progressotecnolgico; as estratgias de transio devem tender a modular a demanda, induzindosimultaneamente a mudanas de estilo de vida, de modos de consumo e de funesde produo, recorrendo a tcnicas respeitosas do meio ambiente e a uma escolhacuidadosa dos lugares (1994: 56).Como se v, os conceitos expostos possuem um certo grau de coeso no que diz respeitoa pases em desenvolvimento, populaes pobres, heterogeneidade cultural, novos valoresde vida e de economia, busca de representatividade e de alternativas locais e inserode atores multisetoriais ao processo de produo de alternativas para a sustentabilidadeglobal e local.Para terminar este captulo no poderia deixar de citar Paehlke (1994) e LeilaFerreira (1998), que trabalham questes polticas e ideolgicas da sustentabilidade.Ferreira ressalta que esse conceito foi uma proposio dos ecologistas moderados,com perspectiva de reverso de posies dos ecologistas radicais. Assume que aracionalidade crtica operada pelo projeto ecolgico se contrape racionalidadeinstrumental do projeto industrial consumista atual e que o compromisso com amelhoria da condio humana e com a sustentabilidade ambiental passam pelaemergncia de uma sociedade democrtica (1998: 98-99). Paehlke, em seu trabalhosobre valores ambientais e democracia, define que a democracia o valorprimordial para analisar as relaes entre proteo ambiental e outros grandesvalores coletivos, como justia social, prosperidade econmica e segurananacional. E diz que ningum pode se contentar com os nveis atuais de participao

33

democrtica. A prpria democracia precisa crescer para dar conta dos problemasambientais, tais como esto postos atualmente e como existiro no futuro. Uma maneirade fazer isso expandindo os poderes ambientais aos nveis de governo regional elocal. A outra introduzindo a questo ambiental em todas as instnciasgovernamentais, abrangendo todos os nveis de atuao (1994: 363).Finalizando, gostaria de enfatizar que as questes de globalizao, sustentabilidade epoder local, aqui examinadas, crescero em abrangncia quando complementadascom o estudo das polticas ambientais, globais e locais, e com o recorte apropriado deatores sociais relevantes, inseridos nos nveis de ao propostos.

34

3

35

III. NOVOS MOVIMENTOS E ATORES SOCIAIS EMHABERMAS, OFFE E TOURAINE: QUESTES PARA OAMBIENTALISMO E A SUSTENTABILIDADE

1

O carter emancipatrio dos movimentos sociais em Habermas 3 9

2

As variveis explicativas em Offe

40

3

Touraine e a questo central dos movimentos sociais,no mbito da anlise sociolgica

42

37

III. NOVOS MOVIMENTOS E ATORES SOCIAIS EM HABERMAS, OFFE E TOURAINE:QUESTES PARA O AMBIENTALISMO E A SUSTENTABILIDADE

1

O carter emancipatrio dos movimentos sociais em Habermas

A questo dos novos movimentos sociais e seus atores se estabelece a partir doreconhecimento da existncia de novos conflitos, diferenciados do modelo institucionalizado daqueles advindos da distribuio. Esses conflitos se estabelecem nasreas de reproduo cultural, integrao social e socializao (Habermas, 1981: 33).Sua anlise se d no contexto do estado de bem-estar social (welfare state), mas podeser acolhida em situaes mais abrangentes. Para a heterogeneidade dos movimentossurgidos se estabelece, como linha de unificao, a crtica ao crescimento, pois taisgrupos provinham de setores da sociedade capitalista mais seriamente afetados ouque puderam vislumbrar as conseqncias de autodestruio inseridas nesse tipo demodelo. Habermas destaca ainda que esses grupos no emergiram nem de movimentosde liberao burgueses nem dos de trabalhadores organizados, surgindo de formadifusa, agrupados em torno das questes inicialmente defensivas, relativas a minorias,ambiente, cidadania, religio e feminismo.Offe (1985: 181) concorda com Habermas quanto irrelevncia de cdigos socioeconmicos (como classe) e cdigos polticos (como as ideologias), e situa a basesocial dos novos movimentos em trs segmentos da estrutura social claramentedelimitados: a nova classe mdia, especialmente os setores que trabalham em profissesde servios humanos e/ou no setor pblico; elementos da velha classe mdia; e umacategoria de populao formada por pessoas margem do mercado de trabalho ouem uma posio perifrica (como exemplo cita trabalhadores em greve, estudantes,donas de casa, aposentados).As questes levantadas por esses novos grupos sociais, baseadas na luta pela inserode novos estilos de vida de carter inicialmente cultural e comportamental, encontraramnos movimentos pela paz e pela defesa do ambiente as situaes-problema estruturantesdo grande movimento preservacionista ambiental que se seguiria, contendo um altograu emancipatrio, segundo a anlise de Habermas. Este diferencia o potencialemancipatrio dos de resistncia, nos movimentos surgidos. Os movimentos deresistncia no procuram conquistar novos territrios; j os de carter emancipatrio,pelo ataque s fundamentaes mais orgnicas dos modos de vida, anseiam e buscamcaminhar para uma modificao mais completa e abrangente. Os novos conflitosaparecem, portanto, entre as caractersticas do sistema e as dos novos modos de vida,e devem conter novas prticas, assim definidas por Habermas: A praxis alternativaest em oposio instrumentalizao orientada para o lucro do trabalho profissional, dependncia do mercado na mobilizao para o trabalho, extenso da presso porcompetitividade e performance j no ensino bsico. Est tambm dirigida contraprocessos aonde servios, relaes e tempo tornam-se valores monetrios, contra aredefinio consumista das esferas da vida privada e dos estilos de vida pessoal.Alm do mais, as relaes clientelistas das agncias de servios pblicos devem ser

39

quebradas e modificadas de acordo com o modelo participatrio de organizaesindependentes (1981: 36).Offe, que trabalha essas prticas j no contexto de um novo paradigma, o qual incluiatores, contedos, valores e modos de atuar, trabalha o universo da ao em trsesferas, quais sejam, privada, ante a poltica no institucional e ante a polticainstitucional. Habermas trabalha o conceito de Instituies antagnicas, que deveriamreintegrar em um setor, reas formalmente organizadas de ao, salv-lo da influnciada interveno da Mdia, e restaurar essas reas liberadas para o mecanismo decompreenso do objeto de coordenao da ao (1981: 37). Portanto, enquantoHabermas organiza o discurso em torno da luta contra a instrumentalizao, a dependncia, as presses, e a estrutura de novos modelos participatrios, para um novomodo de vida, Offe discute setores da estrutura social organizados em torno do novomovimento, e seus modos de atuao ante as esferas pblica e privada. Usando aprpria anlise de Offe (1985: 204), podemos inferir que este se centra prioritariamenteno enfoque estruturalista ou funcionalista, enquanto Habermas utiliza a teorizaosocial centrada nos atores ou individualista.As investigaes e interpretaes desses novos movimentos sociais recaem, de acordocom Offe, sobre a variante interpretativa dos atores sociais, pois estes refletemreivindicaes crescentes, em oposio a necessidades existentes, para as quais j sedeterioraram as condies de realizao. Apesar de ressaltarem a no-intencionalidadena formulao de uma teoria integral de novos movimentos sociais, tanto Offe comoTouraine abordam algumas variveis explicativas para essas questes.

2

As variveis explicativas em Offe

Offe adota variveis explicativas baseado em trs grandes questes analticas, quaissejam, as noes de expanso, aprofundamento e irreversibilidade. Parte da abordagemdos atores sociais citando Inglehart (1977), o qual sugere como principal varivelpara o surgimento de uma nova poltica a extenso da mudana de valores; insereessa questo nas expectativas da nova classe mdia, suficientemente abastada parapermitir-se uma atitude crtica perante os velhos valores e empenhar-se em umabusca de auto-atualizao. Offe, ao citar as dificuldades explicativas de Inglehart(pouca especificidade das necessidades de auto-atualizao e dos estratos generacionaisde quem se encontra em condies de segurana e prosperidade), retoma a discussodo novo paradigma considerando inadequada uma explicao que busca exclusivaou predominantemente a causa do seu surgimento nas condies de socializao enas normas e valores de um extrato particular, devendo corrigir-se com umaexplicao menos psicologizante (1985: 206). Reposiciona, ento, a discusso, baseadaem um tipo mais estrutural de explicao, o qual se fixa nos novos movimentosconsiderando mais seu potencial de mudanas estruturais do que seu desvio polticoou seu potencial de distoro de processos institucionais, enumerando, ento, ostrs aspectos j referidos, considerados inter-relacionados em sociedades ps-industriais(Touraine) ou industriais avanadas capitalistas (Offe). O primeiro aspecto, o da

40

expanso, considera que os efeitos colaterais negativos e as formas estabelecidas deracionalidade econmica e poltica j no so concentrados e especficos de umaclasse, mas esto dispersos no tempo e no espao afetando virtualmente qualquermembro da sociedade, em uma ampla variedade de formas. O segundo aspecto, o doaprofundamento, considera a existncia de uma mudana qualitativa nos mtodos eefeitos gerados pela dominao e controle social, sendo sua ao atual mais ampla,afetando as esferas da vida at ento consideradas fora do mbito do controle socialracional e explcito. E o terceiro aspecto, da irreversibilidade, atribui s instituiespolticas e econmicas, que juntas administram a racionalidade da produo e docontrole, a perda das capacidades de autocorreo e autolimitao, permanecendoatadas a um crculo vicioso que s se romper por aes externas s das instituiespolticas oficiais.Offe trabalha ainda, em seu texto, as noes de poder e de privao contidas emHabermas, Foucault e Marx, observando que as experincias de privao nas sociedadescapitalistas tardias no se focam e no so exclusivas da classe trabalhadora, masque afetam igualmente aos status da cidadania, da clientela de decises administrativase do consumidor (Habermas); que dada a natureza dispersa do poder e da sua relativaimpotncia, suas causas no podem ser atribudas isoladamente a nenhum mecanismocentral ou fundamental, e menos ainda estrutura de produo industrial (Foucault);e que a idia do conflito primordial (como o derivado da lei do valor em Marx) setorna obsoleta perante a intercambiabilidade sistmica dos cenrios de conflito e dasdimenses de sua resoluo (1985: 208-209).E, por fim, nos remete analiticamente a duas definies importantes, ainda inseridasno arcabouo da modernidade, as de novo valor e de novos movimentos sociais. Noque diz respeito a novos valores, diz ele, podemos comear afirmando que o menosnovo dos movimentos sociais de hoje so os seus valores. Certamente no existenada de novo nos princpios e exigncias morais sobre a dignidade e autonomia dapessoa, a integridade das condies fsicas de vida, igualdade e participao, e deformas pacficas e solidrias de organizao social. Todos esses valores e normasmorais propugnados pelos mantenedores do novo paradigma poltico esto firmementeenraizados nas filosofias polticas assim como nas teorias estticas modernas dosltimos sculos, e foram herdadas dos movimentos progressistas tanto da burguesiaquanto da classe trabalhadora. Esta continuidade sugeriria que os novos movimentossociais, no que respeita s suas orientaes normativas bsicas, no so nem psmodernos, no sentido de enfatizar os novos valores que (ainda) no tenham sidoassumidos pela sociedade mais ampla, nem tampouco pr-modernos, no sentido detornar seus os resduos de um passado romantizado pr-racional. Levando-se emconta sua filosofia moral implcita, podem ser definidos como contemporneos dassociedades em que vivem e nas que se opem aos pressupostos de racionalidadeeconmica e poltica de que so feitas as instituies (1985: 213). Quanto aos novosmovimentos sociais, enfatiza que o carter moderno dos novos movimentos sociaisse manifesta, finalmente, porque se assumiu como convico evidente que o curso dahistria e da sociedade so contingentes, isto , que podem ser criados e mudados

41

por pessoas e foras sociais que se decidam a isso, mais do que por princpiosmetassociais (Touraine) de ordem divina ou natural ou, no que nos diz respeito, poruma dinmica insustentvel que beira a catstrofe (1985: 219).

3

Touraine e a questo central dos movimentos sociais,no mbito da anlise sociolgicaTouraine trabalha a noo de movimentos sociais, analisando inicialmente asoposies existentes entre a anlise social que se organiza em torno da noo desociedade ou sistema social e a que se centra sobre os movimentos sociais. Introduzum conceito de movimento social, o da sociologia da ao, e o ope s chamadasoutras escolas, funcionalista, estruturalista marxista, estratgica e civilizatria, asquais correspondem a formas de decomposio do conceito de movimento social porele apresentado, e que enunciaremos a seguir: O conceito de movimento social implicaem uma viso diferenciada da prpria vida social. Ao invs de analisar o sistemasocial como um grupo de transformaes e especificaes de modelos culturais,consubstanciados em normas institucionais e formas de organizao social e cultural,enfatiza o conflito estrutural, numa dada sociedade, sobre o controle dos instrumentosde transformao e produo da vida social, especialmente quando esta sociedadepossui uma alta capacidade de modernizao e realizao. Conseqentemente, todosos aspectos da organizao social e cultural, ao invs de valores gerais, manifestamsimultaneamente modelos culturais, relaes de poder, e os movimentos sociais queos expressam. Esta viso antipositivista das modernas sociedades ope, imagemexistente de uma sociedade moderna racional, integrada e flexvel, a crescenteimportncia dos movimentos sociais, e at mais diretamente, as conseqncias de umnvel insuficiente de integrao dos conflitos num movimento social central: conflitosselvagens de interesses, vida pseudocomunitria, poder arbitrrio, e violncia, que o oposto de conflito social. Touraine centra sua representao de ator social comoculturalmente orientado e envolvido em conflitos estruturais.Descreve a linha funcionalista como a que identifica valores e normas com formas deorganizao e processos de integrao ou desintegrao, reduzidos a regrasinstitucionais e estatutos hierarquizados, sem contar com um grau necessrio deincerteza, negociao, conflito e transformao (1985: 771).Reafirma o que julga correto na linha estrutural marxista, ou seja, a constantetransformao de um conflito aberto entre movimentos sociais opostos numa ordemfechada, objetando, porm, que no existem sociedades fechadas, principalmenteas industriais e democrticas, e que um erro trabalhar-se com a negao e oesquecimento da ubqua existncia de atores (1985: 771).Trata a escola estratgica como uma opositora direta da sociologia dos movimentossociais, no se constituindo, portanto, em uma de suas formas de decomposio. Estalinha trata da representao da vida social como uma circulao complexa demudanas, mas sem identificar nenhum conflito estrutural, e seus atores se identificam

42

como agentes da mudana, diferentemente dos atores em Touraine, os quais pertencema um certo tipo de vida social, de produo e de cultura (1985: 771).E finalmente, a escola civilizatria, que desenvolve a linha da cultura nacional,defendendo a especificidade das civilizaes, ameaadas pelo imperialismo econmicoe cultural de pases de orientao universalista, recebe uma crtica quanto identificao de sua vida social com ideologias e filosofias polticas, negligenciando,assim como os estruturalistas marxistas, os atores sociais reais. Touraine ressaltaque, assim como no se deve relacionar diretamente culturas s religies, orientaesculturais no podem caminhar separadas de relaes sociais e, em especial, de relaesde poder e de dominao (1985: 772).A partir do debate estabelecido com as outras quatro escolas sociolgicas, Touraineconclui que houve uma mudana no quadro de debates da sociologia atual, a qualpassou do estudo do sistema social e seus princpios de integrao para uma anliseda ao social e da mudana social. Acrescenta que o conceito de movimento social extremamente importante, por oferecer uma crtica direta ao atual modelo de anlise,que est em crise, e por introduzir uma nova abordagem, novos debates e novoscampos de pesquisas empricas (1985: 786-787).

43

4

45

IV. POLTICAS PBLICAS AMBIENTAIS: A NOVAORDEM. O RISCO, A TICA E O MODO DE VIDA NAESTRUTURAO DA NOVA ORDEM MUNDIAL

1

As questes de risco e civilizao

2

A questo da tica: tica de conhecimento e tica de consumo 5 1

49

2.1

tica do conhecimento e crise do saber cientfico

2.2

A tica do consumidor: virtude e virtualidade

53

A gramtica do novo modo de vida

54

51

3

47

IV. POLTICAS PBLICAS AMBIENTAIS: A NOVA ORDEM.O RISCO, A TICA E O MODO DE VIDA NA ESTRUTURAO DA NOVA ORDEM MUNDIAL

Para o estabelecimento dos nexos entre globalizao e poder local, no contexto dasustentabilidade, no basta o entendimento de sua historicidade, nela elencados ospapis do Estado, a articulao da sociedade civil e os condicionantes scio-econmicoambientais. necessria a insero das novas questes da modernidade, especialmenteas relacionadas a riscos ambientais, ao modo de conduo da nova tica mundial eao estabelecimento de novos modos de vida.A nova sociedade, com metas de sustentabilidade e colocando no ambientalismo umpatamar de continncia e estruturao, necessita de outras ferramentas para suaexplicitao. E elas esto contidas nessa nova modernidade, uma modernidade diferentedaquela inserida nos modelos da sociedade industrial, e que, de acordo com Beck, seestabelece como uma modernizao de seus princpios, desmistificando verdadesestabelecidas sobre cincia e tecnologia, bem como sobre modos de vivenciar otrabalho, lazer, famlia e sexualidade (1992: 10). Esta modernidade, que se realizaatravessando o modelo clssico da sociedade industrial, denominada modernidadereflexiva e se pauta por duas questes exponenciais: a lgica de produo de riscos,que predomina sobre a lgica da produo de riquezas, e as questes da contramodernidade, vista como processos diferenciados dos da famlia nuclear, da sociedadeindustrial clssica, reorganizando questes como as de casamento, parentesco,sexualidade, amor e seus sucedneos (1992: 11).A anlise das questes de riscos globais e locais inscritos na nova modernidade, nostrs nveis de anlise oferecidos, estabelece parmetros para a estruturao de melhorespolticas de sustentabilidade.A questo da tica, aqui abordada nos seus aspectos de tica de conhecimento e ticade consumo, nos fornecem a criticidade em relao utilizao atual dos processosde conhecimento cientfico e saber popular, evidenciando seus limites e discutindoseus propsitos. A tica de consumo, num sistema que referencia novas formas demodernidade, indissocivel da discusso de sustentabilidade; e os novos modos devida, delineados pelas novas tecnologias, modos de produo e processos diferenciadosde reproduo familiar, se apresentam ainda discretamente nas novas sociedades dohemisfrio sul. Mas a inexorabilidade de sua implementao os torna fator determinantenas novas relaes globais de socializao e preservao em processo.

1

As questes de risco e civilizao

As questes de risco e perigo no mundo moderno foram intensamente analisadas porBeck, Giddens e Lasch. Giddens delineia a estrutura dos riscos, situando-os em trsgrandes grupos: o que estabelece a globalizao do risco, o que trabalha com avivncia do risco, e o que desenvolve a conscincia do risco (1991: 126).

49

A globalizao do risco pode ser vista em sua intensidade, e na expanso da quantidadede eventos que afetam todos ou ao menos grande quantidade de pessoas no planeta.Giddens cita como exemplos a guerra nuclear e a diviso global do trabalho e, aexemplo de outros autores, os amplia, incluindo o efeito estufa, depleo da camadade oznio, acmulo de lixo txico, perda de biodiversidade, esgotamento de recursosrenovveis, degradao do solo e apropriao de biomassa.(1)J a vivncia do risco trabalha com as mudanas no tipo de ambiente de risco,estabelecendo padres tanto derivados do meio ambiente criado, ou natureza socializada,quanto do desenvolvimento de riscos ambientais institucionais (1991: 127).Esses padres, que dizem respeito natureza antrpica do risco, so os que estamosefetivamente vivenciando no cotidiano de nossas cidades e nas transformaes porque passa o ambiente fsico, empresarial agrrio; sofremos o efeito de mudanasproduzidas por investimentos diferenciados em mercados de capitais, pela implementao de projetos, objeto de estudos e relatrios de impacto ambiental (EIARIMA), e pela pesquisa e difuso do conhecimento tcnico-cientfico no meio ambientehumano e material.O terceiro grupo de riscos, enfim, conscincia do risco, enfrenta as vrias facetas daquesto central do conhecimento, tais como as lacunas, as certezas, o conhecimentocoletivo, e as conseqncias da adoo de sistemas peritos. Giddens ordena trs nveisde conscincia: a do risco como risco, no qual as lacunas no podem se converter emcertezas pelo conhecimento religioso ou mgico; a conscincia bem distribuda dorisco, o qual passa a ser conhecido por um grande pblico; e a conscincia daslimitaes da percia, no dando conta, portanto, de todas as conseqncias de suaadoo (1991: 127). H aspectos importantes a serem ressaltados aqui, os quaisinterferem em questes de tica e de modo de vida, que retomaremos a seguir. Adifuso do conhecimento leigo leva conscincia dos limites da percia. Oconhecimento leigo se apia numa confiana tcita na capacidade de resolver asquestes da vida que o sistema perito se prope. Mas na medida em que todosadquirimos conscincia do risco, o sistema perito, mais do que o leigo, v-se peranteuma inadequao desse conhecimento j adquirido, para dar conta de causas econseqncias de todos os riscos que passamos a enfrentar. Portanto, v-se perante apossibilidade de que esse acordo secular, substituto da antiga f religiosa, seja rompido. Como agravante, Giddens aponta a questo da existncia de conjuntos de riscosno percebidos por sistemas peritos, o que coloca em questo a prpria idia depercia. Podemos acrescentar ainda ao debate a discusso dos prprios processos deconhecimento adotados e de como, ao longo dos ltimos quinhentos anos, foram sesubdividindo, se separando e se organizando em reas peritas extremamente elaboradas,porm de atuao cada vez mais fracionada e subtematizada, trabalhando no sentidooposto ao do advento do risco global, com todas as suas contradies e conseqncias.(2)

501 Ver cap. II, 1. Sustentabilidade e poderlocal: a trajetria ambiental, Martine(1993) e Goodland (1991).

2 Ver discusses sobre a adoo deprocessos diferenciados de conhecimentoem Robert M. Pirsig, Zen, e a arte damanuteno das motocicletas, Ed. Paze Terra, 1984.

Beck elabora essas questes partindo de trs linhas de anlise, a saber, a de quedevemos pensar o separado conjuntamente, partindo de algumas presunes decausalidade; de que neste contexto esto implcitas as questes de tica; e que devemser repensadas questes de racionalidade social e cientfica (1992: 27-30). Para tanto,em modernizao dos riscos, elementos que se encontram objetiva e subjetivamente,espacial e temporalmente separados, mantm alguma forma de aproximao causalainda de uma maneira incerta e tentativa, permitindo a discusso de uma conscientizao terica e cientfica, mesmo na fase atual de conscientizao dos riscos; adeterminao dos riscos a forma em que a tica, e com ela tambm a filosofia, acultura e a poltica, ressurge no mago dos centros de modernizao nos negcios,nas cincias naturais e nas disciplinas tcnicas; e que as questes de racionalidadesocial e cientfica so mutuamente interligadas, ficando claras, nas discusses sobrerisco, as fissuras existentes entre elas, quando relacionadas com o potencial de riscoda civilizao. Portanto, podemos comear a discutir questes de tica, pela necessidadeprimeira de anlise da tica do conhecimento.

2 A questo da tica: tica de conhecimento e tica de consumo2.1 tica do conhecimento e crise do saber cientficoInicialmente iremos enumerar algumas questes, definidas por Jean-Franois Lyotard(1989), relativas ao saber, cincia e ao conhecimento. O saber em geral no se reduz cincia, nem mesmo ao conhecimento. O conhecimento seria o conjunto dosenunciados suscetveis de serem declarados verdadeiros ou falsos, que denotam oudescrevem objetos, com excluso de todos os outros enunciados.A cincia seria um subconjunto do conhecimento, mas pelo termo saber no seentende somente um conjunto de enunciados denotativos, misturando-se neles asidias de saber fazer, de saber viver, de saber escutar, etc. Trata-se, deste modo, deuma competncia que excede a determinao e a aplicao do mero critrio da verdadee que se alarga dos critrios de eficincia (qualificao tcnica), de justia e/ou defelicidade (sabedoria tica), de beleza sonora, cromtica (sensibilidade auditiva, visual),etc. Assim compreendido, o saber aquilo que torna qualquer pessoa capaz de proferirbons enunciados denotativos, mas tambm bons enunciados prescritivos, bonsenunciados avaliativos, e portanto no consiste numa competncia que incide sobreuma determinada espcie de enunciado, por exemplo cognitivo, com excluso dosoutros. Ele permite, pelo contrrio, boas performances acerca de vrios objetos dediscurso: para conhecer, para decidir, para avaliar, para transformar; da resulta umdos seus principais traos: ele coincide com uma formao extensiva das competncias, sendo a forma nica encarnada num sujeito composto pelos diversos gnerosde competncia que o constituem (1989: 46-47).O consenso que permite circunscrever um determinado saber e discriminar aqueleque sabe daquele que no sabe (o estrangeiro, a criana) o que constitui a cultura deum povo (1989: 48).

51

Mesmo trabalhando com as questes da linguagem para circunscrever a legitimaoou des-legitimao do saber narrativo e cientfico, Lyotard nos fornece importantespistas para a averiguao das questes da legitimidade dos sistemas peritos em situaesde risco, relativos ultra ou ps-modernidade. As suas anlises da crise do sabercientfico, nas quais defende a existncia de uma eroso interna do princpio delegitimidade do saber, sobre os princpios da proliferao fortuita das cinciasdemonstram, da mesma maneira, o desmonte da trama enciclopdica, na qual cadacincia deveria encontrar o seu lugar (1989: 82).Lyotard pe a questo da deslegitimao na sociedade ps-industrial, na perda decredibilidade das grandes narrativas, sejam elas especulativas ou de emancipao.Problematiza os equvocos do sistema especulativo e os coloca como os germens dadeslegitimao, com efeito maior do que o do progresso das tcnicas e tecnologias,ou do relanamento do capitalismo liberal avanado dos ltimos cinqenta anos(1989: 79). Por outro lado, aponta problemas na estrutura de legitimao de processosinvestigativos, pela via da performatividade. A pragmtica do saber cientfico estfincada na necessidade de existncia de provas, e estas geram performances cada vezmais sofisticadas para sua administrao, gerando gastos suplementares importantes.Portanto, de acordo com Lyotard, no h prova, no h verificao dos enunciados eno h verdade sem dinheiro. Desenha-se uma equao entre riqueza, eficincia everdade (1989: 92). Avana na sua anlise relacionando tcnica, riqueza e performance,incluindo a mais-valia resultante da melhor performance, sua realizao e lucro, oqual, em parte absorvido pelo fundo de investigao destinado a melhorar aindamais a performance, faz da cincia uma fora de produo, um momento na circulaodo capital (1989: 93).As questes ora em pauta so centrais para o entendimento de alguns objetivos dossistemas de financiamento que abordaremos em captulos subseqentes, pois, comoaponta o autor, por esses procedimentos toma forma a legitimao pelo poder (1989:96). Vale a pena a transcrio de dois pargrafos para a compreenso, tanto daargumentao do autor, relativa s formas de penetrao desse poder, quanto de umaanlise de como esses processos, ao oferecerem oportunidades e facilidades paranovas formas de saber, retiram ingredientes fundamentais para novas formas depoder. mais o desejo de enriquecer que o de saber, quem impe em primeiro lugaraos tcnicos o imperativo de melhoramento das performances e de realizao dosprodutos. A conjugao orgnica da tcnica com o lucro precede a sua juno coma cincia. As tcnicas s ganham importncia no saber contemporneo atravs damediao do esprito de performatividade generalizado. Mesmo hoje, a subordinaodo progresso do saber ao do investimento tecnolgico no imediata.Mas o capitalismo acaba por dar soluo ao problema cientfico do financiamentoda investigao: diretamente, financiando os departamentos de investigao nasempresas, onde os imperativos de performatividade e de recomercializao orientamprioritariamente os estudos para as aplicaes; indiretamente, pela criao defundaes de investigao privadas, estatais ou mistas, que concedem financiamentoa programas de departamentos universitrios, de laboratrios de pesquisa ou a grupos

52

independentes de investigadores, sem esperar um lucro imediato do resultado dosseus trabalhos, mas partindo do princpio de que preciso financiar investigaes afundo perdido durante um certo tempo para aumentar as possibilidades de obter umainovao decisiva, logo muito rentvel.Os Estados-naes, sobretudo quando do seu episdio keynesiano, seguem a mesmaregra: investigao aplicada, investimento fundamental. Eles colaboram com asempresas atravs de agncias de todo o gnero. As normas de organizao do trabalhoque prevalecem nas empresas penetram nos laboratrios de estudos aplicados:hierarquia, deciso do trabalho, formao de equipes, avaliao dos rendimentosindividuais e coletivos, elaborao de programas vendveis, procura do cliente, etc.Os centros de pesquisa pura padecem menos, mas tambm se beneficiam de menoresfinanciamentos (1989: 93-94).Se, por um lado, estudamos a tica do saber, aliada do poder, do capital e doconsumo, no podemos deixar de analisar, por outro lado, a questo da tica doconsumidor, visto ainda como cidado e ator social de transformao.

2.2

A tica do consumidor: virtude e virtualidade

Guimares, abordando o tema Modernidade, ambiente e tica, tenses de um novoparadigma de desenvolvimento (in 2000), aponta que a antiga modernidade do cidadofoi sobrepujada pela moderna modernidade do consumidor. Mas que, para alm daquesto do consumidor, situam-se seres humanos dotados de poder e tica de consumo,posicionados em novas formas organizacionais da sociedade civil, a partir das mltiplasformas do ambientalismo, lutando por muito mais do que poder: aspiram porsimplesmente transformar a poltica!! (2000: 5).Seguindo ainda esta linha de anlise, podemos afirmar que a demanda do socialismoreal de ento era a do cidado, assim como a do ambientalismo atual a da novaindividualidade tica e transformadora, mas acrescentar tambm que a oferta daglobalizao e da virtualidade a do consumidor. Para chegarmos, portanto, virtudedo ator ambiental, temos de passar pela virtualidade do consumidor global.Laymert Garcia, em brilhante artigo (2000), expressa toda a sua inquietao quanto frgil ca