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MINISTRIO DA SADE Secretaria de Vigilncia em Sade Programa Nacional de DST e Aids

Guia de Manejo Clnico do Paciente com HTLV

Srie A. Normas e Manuais Tcnicos Srie Manuais n. 58

Braslia DF 2004

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2003. Ministrio da Sade. permitida a reproduo parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte. Srie A. Normas e Manuais Tcnicos MS Srie Manuais; n. 3 CN-DST e Aids Tiragem: 50.000 exemplares

Elaborao, distribuio e informaes:

MINISTRIO DA SADE Secretaria de Vigilncia em Sade Programa Nacional de DST e Aids Av. W3 Norte, SEPN 511, bloco C CEP: 70750-543, Braslia DF E-mail: [email protected] Home Page: http://www.aids.gov.br Disque Sade/Pergunte Aids: 0800 61 1997

Programa Nacional de DST e AidsAlexandre Grangeiro

Edio:

Eliane Izolan Responsvel pela Assessoria de Comunicao do PN-DST/AIDS

Responsvel pela Unidade de Diagnstico, Assistncia e Tratamento do PNDST/AIDS:Rogrio Luis Scapini Impresso no Brasil / Printed in Brazil---------------------------------Ficha Catalogrfica: Brasil. Ministrio da Sade. Secretaria de Vigilncia em Sade. Programa Nacional de DST e Aids. Guia do manejo clnico do HTLV / Ministrio da Sade, Secretaria de Vigilncia em Sade, Programa Nacional de DST e Aids. Braslia: Ministrio da Sade, 2003. 52 p.: il.: (Srie A. Normas e Manuais Tcnicos) (Srie Manuais; n. 3 CN-DST e Aids ISBN 85-334-xxxx-x 1. Retrovrus. 2. HTLV. I. Brasil. Ministrio da Sade. II. Brasil. Secretaria de Vigilncia em Sade. Programa Nacional de DST e Aids. III. Ttulo. IV. Srie. NLM QW 168.5.R18 Catalogao na fonte Editora MS

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SUMRIO 1. 2. 3. 4. HISTRICO DOS RETROVRUS DESCRIO DO HTLV SITUAO TAXONMICA DO HTLV EPIDEMIOLOGIA Distribuio Geogrfica Distribuio no Brasil 5. MECANISMOS DE TRANSMISSO 6. PATOGENIA

7. DOENAS E SNDROMES ASSOCIADAS INFECO POR HTLV HTLV-I HTLV-II HIV / HTLV 8. ABORDAGEM CLNICA DO PACIENTE COM INFECO PELO HTLV Abordagem Teraputica da Infeco pelo HTLV e suas ComplicaesAconselhamento e Orientao a Portadores da Infeco por HTLV-I/II

Mecanismos Patogenticos da Infeco Fatores Prognsticos Associados Histria Natural da Infeco

9. LEUCEMIA/LINFOMA DE CELULAS T DO ADULTO Quando Suspeitar de LLcTA ? Como Caracterizar Clinicamente a LLcTA? Tabela 1: Caractersticas clnico-laboratoriais dos subtipos de LLcTA Diagnstico Laboratorial da LLcTA Tratamento 10. ASPECTOS NEUROLGICOS Quando Encaminhar ao Neurologista Clnico um Caso Suspeito de Doena Neurolgica Associada ao HTLV Como Investigar um Caso Suspeito de Acometimento Neurolgico pelo Critrios para o Diagnstico de Doenas Neurolgicas Associadas ao HTLV Tratamento das Manifestaes Neurolgicas Tabela 2: Manifestaes neurolgicas de paraparesia espstica tropical/mielopatia associada ao HTLV-I (PET/MAH) Tabela 3: Manifestaes neurolgicas menos freqentes da infeco pelo HTLV-I 11. DIAGNSTICO LABORATORIAL DO HTLV Diagnstico Sorolgico Tabela 4: Protenas do HTLV usadas no critrio de interpretao do teste de Western Blot Tabela 5: Critrios de interpretao do Western-Blot anti-HTLV Diagnstico Molecular Algoritmo para o Diagnstico Laboratorial da Infeco pelo HTLV Figura 5: Algoritmo para o Diagnstico Laboratorial da Infeco pelo HTLV 3

HTLV

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1. HISTRICO DOS RETROVRUS Os vrus da famlia Retroviridae ganharam notoriedade a partir da descrio do vrus da imunodeficincia humana (HIV), entretanto, esse grupo de agentes virais j vem recebendo ateno da comunidade cientfica desde o incio do sculo passado. Mesmo quando ainda no se havia feito a caracterizao dos vrus como agentes microbianos, em 1908, Ellerman & Bang, conseguiram induzir processos de leucemia em galinhas a partir da inoculao de filtrado celular obtido de tecidos leucmicos de pssaros. Posteriormente, Rous, em 1911, confirmou a possibilidade da etiologia infecciosa em processos neoplsicos ao isolar o primeiro vrus de galinhas, que desenvolvia um tipo freqente de malignidade, o chamado sarcoma de Rous. O estudo dos retrovrus passou assim a despertar uma grande esperana de que outros retrovrus pudessem ser descritos na etiologia, particularmente, de neoplasias humanas. O esforo de pesquisa dedicado aos retrovrus levou em um primeiro momento, descrio de inmeros vrus animais oncognicos que nos ensinaram novos conceitos de interaes entre um vrus e o hospedeiro, incluindo-se o magnfico avano evolutivo representado pela integrao de cidos nuclicos viral e celular, a transmisso vertical do vrus para a prognie do hospedeiro, a persistncia viral e o processo da latncia. Posteriormente, foram feitas as descries dos oncogenes (seqncias de cido nuclico que geram produtos capazes de induzir o aparecimento de neoplasias) e de uma enzima que apresentava uma funo (at ento no descrita na biologia celular) de leitura de um molde de RNA viral e a partir da intermediar a sntese de uma molcula de DNA. Em decorrncia dessa funo, a enzima foi denominada transcriptase reversa e a sua presena nesse grupo de agentes virais deu origem ao nome da famlia viral hoje conhecida como

Retroviridae (Reverse transcriptase). A importncia da retrovirologia para as

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5 cincias biolgicas gerou a premiao pelas duas descries com dois prmios Nobel. 2. DESCRIO DO HTLV Agentes virais da famlia Retroviridae, foram sendo sucessivamente descritos a partir de isolados de peixes, rpteis, aves e mamferos (ainda que o potencial patognico tenha sido demonstrado de forma convincente apenas nas aves e mamferos). Tal fato tornou particularmente atraente o estudo da retrovirologia, pois a gerao do novo conhecimento trazia embutida a possibilidade da reduo da incidncia de tumores pelo uso de medidas profilticas que comeavam a se tornar mais freqentes a outros agentes de natureza infecciosa. A variedade de neoplasias associadas aos retrovrus animais (linfomas, leucemias, sarcomas e, ocasionalmente, carcinomas) gerou uma metodologia de cultivo viral que foi de grande utilidade prtica quando se buscou o isolamento do primeiro retrovrus humano. A possibilidade da associao entre os retrovrus e neoplasias em seres humanos, pode ser feita com sucesso na dcada de 1980, quando se logrou isolar o primeiro retrovrus humano (HTLV), a partir de uma linhagem de clulas linfoblastides, obtida de um paciente com linfoma cutneo de clulas T nos EUA, assim como em pacientes no Japo, com quadros de leucemia/linfoma de clulas T de adultos, LLcTA (adult T-cell leukemia/lymphoma, ATLL) em situaes independentes. No ano de 1982, foi isolado um segundo tipo de HTLV, a partir de um paciente com tricoleucemia. Mtodos de cultivo in vitro e a caracterizao biolgica e molecular desses agentes evidenciaram que se estava frente a dois agentes relacionados, porm distintos, que passaram a ser denominados HTLV-I e HTLV-II. Posteriormente, foi definido o tropismo desses dois vrus para linfcitos T, CD4+ e CD8+. 5

6 A partir de estudos soroepidemiolgicos foi possvel mostrar que o HTLV-I tambm estava associado a uma encefalomieloneuropatia endmica na regio do Caribe, conhecida como Paraparesia Espstica Tropical e tambm referida como Mielopatia Associada ao HTLV-I , PET/MAH (ou TSP/HAM, em ingls). 3. SITUAO TAXONMICA DO HTLV Os HTLV-I/II so agentes virais de tamanho mdio (100-120 nm), que pertencem a Famlia Retroviridae, gnero Deltaretrovirus e contm duas molculas de RNA de cadeia simples, iguais, com polaridade positiva. Utilizam uma estratgia de replicao semelhante aos demais retrovrus, sendo capazes de persistir no hospedeiro infectado, o que torna vivel a sua transmisso pela via vertical, tal qual ocorre com outros retrovrus de mamferos. Alm dos genes estruturais comuns aos retrovrus (gag, env e pol), os

HTLV ainda apresentam uma regio denominada de pX , que exibe quatro reasde leitura (Open Reading Frames, ORF) codificadoras de seis protenas como as protenas reguladoras Tax e Rex e outras protenas com funo ainda no totalmente definidas. O genoma viral ainda apresenta duas regies nas extremidades, denominadas LTR (Long Terminal Repeats), que so sequncias repetitivas, sem funo de codificao. Protenas estruturais codificados pelos genes gag e env tm importncia no reconhecimento laboratorial da infeco como detalhado no captulo de diagnstico. A homologia entre o HTLV-I e o HTLV-II varia de acordo com a regio gnica analisada. A regio gag apresenta 85% de similaridade, enquanto a regio env mostra uma concordncia de 65%. A regio LTR tem sido utilizada para subtipar genotipicamente os dois tipos de HTLV . A heterogeneidade gentica entre os HTLV tem gerado informaes valiosas acerca da distribuio geogrfica e a transmisso viral.

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4. EPIDEMIOLOGIA Distribuio Geogrfica Embora as infeces por HTLV possam ser encontradas nos diversos continentes, o estudo de sua distribuio revela a existncia de reas de maior endemicidade, alm de particularidades prprias do tipo de HTLV considerado. Assim, em relao infeco por HTLV-I, descrevem-se, como reas de maior soroprevalncia, o sudoeste do Japo, onde se estima a existncia de 1,2 milhes de portadores dessa retrovirose, o Caribe, a Amrica Central e diferentes regies da Amrica do Sul, as pores centrais e ocidentais da frica e a Melansia. Baseado em inquritos soroepidemiolgicos de base populacional, verificam-se nessas regies taxas de soroprevalncia variveis entre 3 a 6%, no Caribe, at 30%, na regio rural de Miyazaki, situada ao sul do Japo (Figura 1). Figura 1

DISTRIBUIO GEOGRFICA DE HTLV - I

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8 Por sua vez, a infeco por HTLV-II parece acometer com maior freqncia grupos populacionais distintos e aparentemente no relacionados entre si, habitando diversas regies geogrficas. De um lado, as populaes nativas de indgenas das Amricas do Norte, Central e do Sul, pigmeus da Africa Central e mongis na sia e, de outro, os usurios de drogas injetveis nos Estados Unidos, em pases europeus e em pases asiticos, como o Vietn (Figura 2). Figura 2

DISTRIBUIO GEOGRFICA DE DISTRIBUIO GEOGRFICA DE HTLV - II HTLV - II

Distribuio no Brasil No Brasil, as evidncias de infeco por HTLV-I/II provieram inicialmente de inquritos soroepidemiolgicos que incluram a descrio da soroprevalncia

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9 de 13,7% em ndios Yanomami, com base apenas em resultados de ensaios imunoenzimticos e a soroprevalncia tambm elevada entre imigrantes japoneses, residentes no Mato Grosso do Sul. Inquritos posteriores, valendo-se j de testes sorolgicos confirmatrios (radioimunoprecipitao ou Western blot), demonstraram soroprevalncias de 10% entre pacientes com AIDS em So Paulo, 4% entre homossexuais no Rio de Janeiro e 9% entre profissionais do sexo no Rio de Janeiro e Minas Gerais, 1% entre portadores assintomticos do

HIV em So Paulo; 2,8% entre profissionais do sexo da cidade de Santos e 2%entre seus parceiros sexuais; 18,2% entre pacientes com doenas hematolgicas no Rio de Janeiro e 35,2% entre usurios de drogas injetveis na Bahia. Em candidatos a doador de sangue voluntrios, encontraram-se prevalncias variveis: 0,42% a 0,78%, em inquritos conduzidos no Rio de Janeiro, 0,15% em So Paulo, enquanto ndices de at 1,35% foram identificados na Bahia e Pernambuco. Na Bahia, mais recentemente, estudo de base populacional revelou prevalncia de 1,8% na populao geral. Com base nos diferentes estudos sorolgicos j conduzidos no pas, estimou-se a existncia de cerca de 750.000 portadores de infeco por HTLV no Brasil.

5. MECANISMOS DE TRANSMISSO Os retrovrus humanos HTLV-I, HTLV-II e HIV compartilham as mesmas formas de transmisso. Diferentemente do HIV, admite-se que a transmisso inter-humana do HTLV I/II dependa essencialmente da veiculao de linfcitos infectados. Com base em investigao epidemiolgica, tem-se demonstrado que a infeco por HTLV-I pode ocorrer tanto por via vertical como horizontal. Na transmisso da me infectada para seu filho, tem fundamental importncia o aleitamento materno prolongado. J a transmisso horizontal observada atravs do uso comum de objetos contaminados com sangue, por via sexual ou 9

10 ainda na transfuso de hemocomponentes1 celulares. Na via sexual, existe maior eficcia de transmisso quando os contatos se fazem entre o homem infectado e a mulher, particularmente em parceria de longa durao. A infeco por HTLV-II transmite-se pelos mesmos mecanismos. Destacase nesse caso a veiculao do agente pelo uso comum de seringas e agulhas contaminadas, ao se verificar que 0,4 a 17,6% dos usurios de drogas nos Estados Unidos e na Sucia apresentam infeco por HTLV-II. Reconhece-se ainda o potencial de transmisso pelo aleitamento materno, pela atividade sexual e pelo uso de hemocomponentes celulares. Alguns pesquisadores brasileiros tm procurado elucidar o comportamento epidemiolgico dessas retroviroses em nosso pas, demonstrando evidncias de transmisso sexual e vertical de HTLV-II, em nativos procedentes de comunidades indgenas da Amaznia brasileira, assim como em filhos amamentados por mes soropositivas para HTLV-I/II em So Paulo.

6. PATOGENIA Mecanismos Patogenticos da Infeo Admite-se que a infeco pelos vrus HTLV tenha incio atravs da interao das glicoprotenas do envelope viral com receptores situados junto membrana plasmtica das clulas-alvo. No entanto, apesar de reconhecer-se que o receptor para HTLV-I seja encontrado em grande variedade de linhagens celulares, no se identificaram, at o momento, as molculas envolvidas nessa _______________________________

(1) Hemocomponentes so "fraes obtidas pela separao do sangue total e passveis de utilizao em hemoterapia, tais como: concentrado de hemcias, concentrado de leuccitos, concentrado de plaquetas ou plasma" hemoderivados so "produtos resultantes do processamento do sangue, tais como albumina humana, fatores de coagulao sangnea.

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interao, ao contrrio do que se descreve em relao infeco pelo HIV. Aps a introduo do material gentico viral no citoplasma da clula, observa-se a transcrio reversa do RNA viral, dando origem molcula de DNA complementar de dupla fita, que aps migrao para o ncleo da clula, integrase ao genoma da mesma, passando ento a ser denominada DNA proviral. Nessas etapas atuam as enzimas virais essenciais para a manuteno do ciclo replicativo do agente, a transcriptase reversa e a integrase. Aps a integrao, o provrus torna-se estvel, fazendo a sua replicao e mantendo-se em persistncia por ocasio da duplicao do DNA durante o ciclo celular. A dinmica molecular da infeco por HTLV-I e por HTLV-II no parece ser altamente produtiva. Nestas, geralmente no se verifica intensa replicao do agente in vivo, o que poderia justificar a ausncia habitual de partculas virais livres no sangue perifrico ou em outros fluidos biolgicos de indivduos infectados, e, conseqentemente, sua menor infectividade, alm do baixo grau de variabilidade genotpica caracterstico dessas retroviroses. Na infeco por HTLV, acredita-se que os incrementos da carga proviral no sangue perifrico possam depender mais da expanso policlonal de linfcitos infectados do que de replicao viral in vivo propriamente dita. Fatores Prognsticos Associados Histria Natural da Infeco Apesar de a maioria dos indivduos infectados por HTLV-I ou HTLV-II permanecer assintomtico ao longo de toda sua vida, sabe-se que esses agentes retrovirais so etiologicamente responsveis por algumas sndromes clnicas de natureza neoplsica, inflamatria ou mesmo degenerativa. Ainda se desconhecem as razes pelas quais, apenas uma pequena parcela de portadores da infeco evolui para o desenvolvimento de doenas a ela associadas. Alguns estudos recentes tm procurado identificar marcadores prognsticos evolutivos da infeco, que possam estar associados a maior risco 11

12 de desenvolvimento de doenas. Merecem meno a investigao do eventual papel prognstico da carga proviral de HTLV-I. Sabe-se que a carga proviral de HTLV-I no sangue perifrico mais elevada entre pacientes com LLcTA, com PET/MAH e com uvete, se comparada exibida por portadores assintomticos da infeco. Tem-se tambm investigado o possvel papel da susceptibilidade gentica individual no risco de desenvolvimento de doenas decorrentes da infeco por HTLV-I. Assim verificou-se que em presena do alelo HLA-A*02, reduz-se significativamente o risco de incidncia de PET/MAH, enquanto o hapltipo HLA-DRB1*0101 aumenta essa probabilidade, na ausncia do efeito protetor do alelo anteriormente citado. A infeco por HTLV-I pode determinar imortalizao e eventualmente transformao linfocitria in vitro. No entanto, apesar de sua potencial atividade oncognica, no se identificam oncogenes em seu genoma, ao contrrio do que ocorre em outros retrovrus de animais. Enquanto o fenmeno de imortalizao parece relacionado ao transativadora da protena viral Tax, a transformao celular propriamente dita deve ser conseqente a uma complexa interao de fatores virais e celulares, ainda no completamente esclarecidos.

7. DOENAS E SNDROMES ASSOCIADAS INFECO POR HTLV HTLV-I Dentre as doenas etiologicamente relacionadas infeco por HTLV-I, destacam-se a leucemia-linfoma de clulas T do adulto e a paraparesia espstica tropical-mielopatia associada ao HTLV-I. Outras sndromes clnicas tm sido tambm descritas como manifestaes da infeco por HTLV-I, dentre as quais podem-se citar: uvete, polimiosite, artropatias, a sndrome de Sjgren, pneumonite linfoctica, a dermatite infecciosa

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13 associada ao HTLV-I e outras dermatoses, alm de manifestaes resultantes de coinfeces com outros agentes infecciosos. A dermatite infecciosa foi descrita inicialmente em crianas da Jamaica, e posteriormente reconhecida no Brasil, como uma sndrome caracterizada por eczemas repetidos, rinorria crnica e infeco cutnea causada por

Staphyloccocus aureus e Streptoccocus pyogenes, de curso crnico e recidivante,apesar de tratamento antibitico adequado. Existem evidncias sugerindo que cargas provirais elevadas de HTLV-I nesses pacientes favorecem o surgimento dessa sndrome. Em outros relatos, sugere-se que essas dermatoses crnicas possam evoluir ao longo dos anos para a forma linfomatosa da LLcTA. Portanto, recomenda-se o acompanhamento dessas crianas, a longo prazo, por equipe multidisciplinar (infectologistas, pediatras, dermatologistas e hematologistas). Outras alteraes cutneas, tais como xerose, acompanhadas ou no de secura de mucosas (xeroftalmia e xerostomia) so comumente descritas em adultos infectados pelo HTLV-I. Especula-se que o tropismo do HTLV-I para linfcitos T CD4+ possa ocasionar algum grau de disfuno imunitria, o que potencialmente poderia modificar a interao do hospedeiro com outros agentes infecciosos. Assim tm sido descritos casos graves de escabiose e estrongiloidase entre portadores de HTLV-I. Vrios autores tm encontrado uma prevalncia significativamente mais elevada de infestao por aquele parasita em portadores do HTLV, quando comparados a soronegativos . Alm disso, a co-infeco HTLV-I e Strongyloides

stercoralis est associada a maior dificuldade em erradicar a parasitose econseqentemente a menor eficcia ao tratamento da parasitose, no apenas em pacientes com LLcTA, onde essa situao bem documentada, mas tambm entre indivduos sem outras manifestaes clnicas de doena por HTLV.

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14 HTLV-II A infeco por HTLV-II apresenta risco ainda menor de desencadear manifestaes clinicamente clnicas. No entanto, de casos espordicos em de mielopatia, infectados indistinguveis PET/MAH, pacientes

exclusivamente por HTLV-II, encontram-se descritos na literatura, demonstrando assim o potencial neuropatognico desse agente. H ainda evidncias de associao da infeco por HTLV-II com polineuropatias de predomnio sensitivo e com quadros de miopatia inflamatria. Por outro lado, o estudo de coortes de pacientes infectados por HTLV-II tem possibilitado verificar maior freqncia de sndromes respiratrias, como pneumonias e bronquite aguda, alm de infeces urinrias e dermatofitoses, quando comparados a indivduos soronegativos. No entanto, o eventual nexo causal dessas ocorrncias com a retrovirose em questo ainda carece de maior investigao.

HIV / HTLVDeve-se destacar tambm a co-infeco HIV-HTLV. Observa-se alta prevalncia dessa co-infeco em algumas regies brasileiras, atingindo 15-20% entre usurios de drogas intravenosas na Bahia. As vias comuns de transmisso desses dois agentes virais justificam a ocorrncia da coinfeco. Seu impacto clnico e repercusses laboratoriais vm sendo recentemente investigados. Verifica-se que indivduos co-infectados tendem a apresentar nmero de clulas CD4+ elevados, sem que isso necessariamente signifique imunocompetncia ou resposta favorvel teraputica anti-HIV. Alm disso, relata-se entre os coinfectados maior mortalidade, maior incidncia de mielopatia, assim como a associao com formas graves de escabiose, notadamente suas formas crostosas (sarna norueguesa), e maior risco de infestao por S. stercoralis. Dessa forma, constata-se que o verdadeiro espectro clnico da infeco pelo HTLV ainda est por ser definido. Os dados existentes permitem concluir 14

15 que a infeco por esse agente responsvel por uma pliade de manifestaes clnicas, que provavelmente ainda est longe de ser identificada em sua totalidade.

8. ABORDAGEM CLNICA DO PACIENTE COM INFECO PELO HTLV Ao ser diagnosticada a infeco pelo HTLV, recomenda-se, inicialmente, aconselhamento do paciente, esclarecendo as diferenas entre esse agente e o

HIV.A maioria dos indivduos infectados pelo HTLV no desenvolver doena, permanecendo assintomtica pelo resto de suas vidas. Esse fato tem implicaes importantes no aconselhamento e avaliao prospectiva dessa populao. Os portadores do vrus devem ser submetidos a anamnese, exame fsico geral e avaliao neurolgica sumria, objetivando a identificao de manifestaes precoces de doena (adenomegalias, hepatoesplenomegalia, leses cutneas, sndrome do olho seco, alteraes de fora muscular, dos reflexos, da sensibilidade e dos esfncteres). Caso o exame clnico e neurolgico sejam normais, na ausncia de sintomas, os portadores devem ser reavaliados a cada 6-12 meses. Na deteco de sintomas e/ou sinais sugestivos de doena associada a HTLV, recomenda-se o encaminhamento dos pacientes a servio especializado de hematologia, neurologia, oftalmologia ou dermatologia, dependendo dos achados encontrados. Nos portadores de HTLV recomenda-se ainda a testagem sorolgica de outros patgenos que compartilham a mesma via de transmisso, tais como o

vrus da hepatite B, vrus da hepatite C e HIV. Nos indivduos sexualmente ativosrecomenda-se a testagem para HTLV dos parceiros. Todos os filhos de mulheres infectadas pelo HTLV devem ser testados, devido possibilidade de transmisso vertical. Por outro lado, mes e amas de leite de indivduos com infeco documentada pelo HTLV tambm devem ser submetidas sorologia especfica. 15

16 Na avaliao inicial de portadores de HTLV, recomenda-se a realizao de: o Hemograma, buscando identificar a ocorrncia de leucocitose, linfocitose, com ou sem leucocitose, eosinofilia ou identificao de atipias linfocitrias o Dosagem srica de desidrogenase lctica (DHL) e clcio o Raio X de trax, para verificar a existncia de massas mediastinais o Exame parasitolgico de fezes (incluindo pesquisa de Strongyloides

sp)Uma vez constatada qualquer alterao clnica ou laboratorial, recomendase uma avaliao especializada, para definir se existe relao entre os achados e a infeco pelo HTLV. Deve-se reiterar que a presena de estrongiloidase pode constituir Na um fator de de risco para desenvolvimento os de complicaes devero hematolgicas da infeco pelo HTLV, sendo crucial seu tratamento especfico. ausncia alteraes laboratoriais, portadores permanecer em acompanhamento clnico, repetindo-se a avaliao laboratorial (hematolgica e bioqumica) a cada 6-12 meses. Recomenda-se repetir o estudo radiolgico do trax pelo menos a cada 2 anos. Abordagem Teraputica da Infeco pelo HTLV e suas Complicaes Uma vez que a maioria dos pacientes assintomtica, no se recomenda qualquer interveno teraputica rotineira. Aqueles que j apresentam sintomatologia clinica, devero ser tratados de acordo com o grau de acometimento, e com as opes teraputicas especficas para o tipo de complicao apresentada (vide captulos correspondentes). Os portadores coinfectados por Strongyloides stercoralis devem ser tratados, empregando-se os esquemas teraputicos habituais. Reavaliaes peridicas devem ser realizadas, para avaliar a cura ou persistncia da infestao. Alguns casos podem requerer terapia de supresso (uso peridico de antiparasitrios).

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17 Aconselhamento e Orientao a Portadores da Infeco por HTLV-I/II Indivduos que apresentarem sorologia positiva ou indeterminada para infeco por HTLV-I/II devem ser orientados sobre o significado da soropositividade para o HTLV e sobre o potencial evolutivo desta infeco. Alm disso, devem ser aconselhados a evitar a transmisso inter-humana dos vrus. Os portadores devem ser orientados a: a) abster-se da doao de sangue, rgos, leite ou esperma; b) abster-se do uso compartilhado de agulhas, seringas ou outros objetos perfurocortantes; c) discutir com seus parceiros(as) sexuais a transmisso da infeco por esta via e a adoo de medidas preventivas, como uso de preservativos; d) evitar o aleitamento materno, buscando garantir a lactente atravs de aleitamento artificial; e) todos os filhos de mulheres infectadas devem ser testados. Para casais discordantes que desejam ter filhos, ainda no h recomendaes consolidadas. Os pacientes devem encontrar espao necessrio para esclarecer suas dvidas, em relao ao significado do estado de portador desses retrovrus e, tambm, muitas vezes, para aliviar sua ansiedade e seus temores. essencial procurar alert-los para o potencial evolutivo dessas afeces e, sobretudo, sobre os cuidados a serem tomados, com o intuito de reduzir-se sua potencial transmissibilidade. Deve-se estabelecer claramente a distino entre as infeces pelo HTLV e aquela causada pelo HIV, tendo em vista no apenas as marcantes diferenas em seu potencial de morbidade e letalidade, mas, tambm, sem deixar de considerar as profundas repercusses psicossociais que o diagnstico de infeco por HIV pode acarretar. nutrio do

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18 Indivduos com resultados sorolgicos indeterminados so aqueles que apresentam reatividade ao Western blot (Wb) sem preencher critrios de positividade. Neste caso deve-se informar o paciente que o resultado no definitivo, necessitando testes complementares (testes moleculares) ou acompanhamento sorolgico para definir possvel soroconverso (para possveis causas de Wb indeterminado consulte captulo sobre diagnstico laboratorial). At que o status sorolgico seja definido, deve-se recomendar aos indivduos com Wb indeterminado que sigam as mesmas orientaes descritas para os infectados visando um eventual risco de transmisso do vrus.

importante ressaltar o conceito bsico de que o HTLV NO causa AIDS

9. LEUCEMIA/LINFOMA DE CELULAS T DO ADULTO O linfoma/leucemia de clulas T do adulto uma neoplasia de linfcitos T maduros, associada infeco pelo HTLV-I. uma doena agressiva com sobrevida inferior a 12 meses, na forma aguda ou linfoma. Em uma coorte de indivduos infectados pelo HTLV-I, estima-se que menos de 5% venha a desenvolver LLcTA, aps um longo perodo de latncia, se a infeco viral ocorrer em uma fase precoce da vida. Ocorre mais freqentemente em regies onde a infeco pelo HTLV-I endmica, porm sries de casos espordicas j foram descritas em regies no endmicas. No Brasil, a mdia de idade dos pacientes com LLcTA de 40 anos. As formas clnicas mais reconhecidas pelos especialistas so as formas agudas e linfomatosas (85%), seguida das formas menos diagnosticadas LLcTA crnica e smoldering (15%).

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19 Quando suspeitar de LLcTA ? Os principais sintomas e sinais da LLcTA so astenia, dor abdominal, tosse, artropatia, ascite, diarria e episdios de infeces repetidas, que podem ser observados durante o acompanhamento de indivduos infectados com HTLV-I. Em alguns casos ascite, derrame pleural e leses osteolticas so os primeiros sinais clnicos encontrados. As manifestaes clnicas e laboratoriais iniciais que podem ser indicativas de um processo onco-hematolgico, durante o curso da infeco por HTLV-I, podem ser reconhecidas atravs dos seguintes achados: Leses de pele persistentes Linfadenopatia e alargamento de mediastino (diferente de linfoadenite satlite benigna) Aparecimento de hepatoesplenomegalia Artropatia persistente (excluindo processo auto-imune prvio) Linfocitose persistente (mesmo com leucometria normal) Presena de linfcitos com morfologia atpica, incluindo flower cells, clulas linfocitrias com ncleos polilobulados, caractersticas dessa neoplasia (Figura 3, abaixo) Eosinofilia com leucocitose Infiltrao pulmonar intersticial Elevao das dosagens bioqumicas de -2 microglobulina, DHL ou clcio sricos Alterao de perfil imunofenotpico de linfcitos T circulantes [aumento de clulas CD4+/CD25+ e diminuio de CD8+/CD56+] Estrongiloidase refratria a tratamento habitual.

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Figura 3

Como Caracterizar Clinicamente a LLcTA? As formas clnicas da LLcTA se caracterizam em quatro subtipos: agudo, linfoma, crnico e smoldering (forma mais arrastada da doena). Ao lado dessas reconhece-se um estgio clnico borderline, entre indivduos assintomticos e LLcTA clssica, denominado como fase pr- LLcTA. Esse estgio intermedirio caracteriza-se pela monoclonalidade da insero proviral do HTLV-I no linfcito T. Nas formas clnicas mais agressivas da LLcTA (aguda e linfoma), o paciente apresenta-se com rebaixamento do estado geral, sinais de sndrome tumoral, caracterizada por linfoadenomegalias, hepatoesplenomegalia, presena de leses de pele, leses sseas, leses hviscerais mltiplas ou infiltrao

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21 pulmonar. A hipercalcemia, decorrente da reabsoro ssea pelos osteoclastos, ocorre em 50% dos casos. Os pacientes com LLcTA so geralmente imunodeficientes com predisposio a infeces bacterianas, fngicas, parasitarias e virais oportunsticas. A sobrevida, na grande maioria dos casos, no ultrapassa 9 meses, mesmo em vigncia de tratamento. A forma linfomatosa semelhante a qualquer tipo de linfoma, envolvendo cadeias ganglionares superficiais ou profundas (destaque para o alargamento mediastinal), s vezes com comprometimento extranodal, leses de pele e ausncia de clulas malignas circulantes. Quando o paciente cursa com as formas smoldering ou crnica de LLcTA no existe massa tumoral, os sintomas so mais inespecficos a e o curso clnico menos agressivo. O envolvimento cutneo predomina, podendo haver ppulas, placas, tumores ou eritrodermia, de longa evoluo (Figura 4). Figura 4

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22 A evoluo natural destes subtipos a agudizao do quadro. A estrongiloidiase freqentemente associada tanto ao estgio de portador do HTLV-I como a todos os subtipos da LLcTA. importante ressaltar que alguns pacientes apresentam como primeiros sinais e sintomas de LLcTA, manifestaes decorrentes da hipercalcemia, tais como taquicardia e/ou arritmia cardaca, sonolncia, com confuso mental, letargia, diminuio do fluxo urinrio e/ou insuficincia renal.

Tabela 1: Caractersticas clnico-laboratoriais dos sub-tipos de LLcTA Caractersticas Clnico-laboratoriais Sorologia HTLV-I+ Leuccitos x10 9/L Linfcitos atpicos

Smoldering+