Guia Logica I AVA

87
UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS – UFLA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – CEAD LÓGICA I Guia de Estudos Barbara Botter Lavras / MG 2012

description

Estudos de lógica, apostila da UFLA documento raro conseguido através de um amigo professor dessa disciplina na universidade, aproveitem.

Transcript of Guia Logica I AVA

Page 1: Guia Logica I AVA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS – UFLA

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – CEAD

LÓGICA IGuia de Estudos

Barbara Botter

Lavras / MG2012

Page 2: Guia Logica I AVA

Lógica I

Ficha catalográfica preparada pela divisão de processos técnicos

da Biblioteca Central da UFLA

Botter, Barbara. Ética I : guia de estudos / Barbara Botter. – Lavras : UFLA, 2012. 87 p. Uma publicação do Centro de Educação a Distância da Universidade Federal de Lavras.

1.Formação de professores. 2. Banalidade do mal. 3. Ética antiga. I. Universidade Federal de Lavras. II. Título.

CDD – 170

2

Page 3: Guia Logica I AVA

Lógica I

Governo Federal

Presidente da República: Dilma Vana Rousseff

Ministro da Educação: Aloizio Mercadante

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

Universidade Aberta do Brasil (UAB)

Universidade Federal de Lavras

Reitor: Antônio Nazareno Guimarães Mendes

Vice-Reitor: José Roberto Soares Scolforo

Pró-Reitor de Graduação: João Chrysostomo de Resende Júnior

Centro de Educação a Distância

Coordenador Geral: Ronei Ximenes Martins

Coordenadora Pedagógica: Elaine das Graças Frade

Coordenador de Projetos: Cleber Carvalho de Castro

Coordenadora de Apoio Técnico: Fernanda Barbosa Ferrari

Coordenador de Tecnologia da Informação: Raphael Winckler de Bettio

Departamento de Ciências Humanas

Filosofia (modalidade à distância).

Coordenador do Curso: André Constantino Yazbek

Coordenador de Tutoria: João Geraldo Martins da Cunha

Revisora Textual: Léa Silveira Sales

3

Page 4: Guia Logica I AVA

Lógica I

SumárioINTRODUÇÃO......................................................................................................5UNIDADE 1..........................................................................................................12A proposição, elemento constitutivo da lógica......................................................12

1. 1 A predicação: estrutura, função, sujeitos e predicados..............................13Estrutura básica da predicação...............................................................................14Os dois tipos de fenômenos complexos expressos nas proposições......................16Tipos de sujeito .....................................................................................................19Tipos de predicados................................................................................................20Limites da teoria da proposição.............................................................................24

1.2 A forma geral do silogismo........................................................................27UNIDADE 2..........................................................................................................38Silogismo demonstrativo e apreensão dos princípios............................................38

2.1 O silogismo científico ou demonstração....................................................392.2 Apreensão dos princípios da demonstração...............................................49

UNIDADE 3..........................................................................................................55Teoria e sua realização...........................................................................................55

3.1 Silogística aplicada ao conhecimento da realidade.....................................563.2 A relação entre a busca da causa e a definição...........................................653.3 Os princípios dos Analíticos na ciência da natureza..................................70

CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................78REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................80

4

Page 5: Guia Logica I AVA

Lógica I

INTRODUÇÃO1

Em As palavras e as coisas, Michel Foucault, filósofo francês

contemporâneo, nos apresenta um instigante prefácio, no qual se refere a “uma

certa enciclopédia chinesa”, mencionada em um conto de Jorge Luis Borges, que

contém a seguinte classificação dos animais:

“Os animais se dividem em: pertencentes ao imperador; embalsamados; domesticados; leitões; sereias; fabulosos; cães em liberdade; incluídos na presente classificação; que se agitam como loucos; inumeráveis; desenhados com um pincel muito fino de pelo de camelo; que acabam de quebrar a bilha; que de longe parecem moscas”2.

O elemento mais curioso é que o escritor nos propõe uma

“enciclopédia”, ou seja, um instrumento que tenta ordenar o que é naturalmente

desordenado. Agora, é claro que dentro dessa hipotética ordem, Borges monta

uma autêntica desordem.

Essa “classificação” nos incomoda pelo fato de que não podemos

pensá-la.

E não podemos pensá-la porque ela não é lógica.

Utilizamos a palavra “lógica” para manifestar 1) a exigência de

coerência; 2) a exigência de que não haja contradição entre o que sabemos do

assunto e a conclusão a que chegamos; 3) a exigência de que, para entender a

conclusão, devemos conhecer a causa por que se chegou a esta conclusão; 4) a

exigência de que a forma do nosso raciocínio seja uma inferência da forma: visto

que conheço x posso deduzir y como conclusão3.

É claro que, na citação de Borges, há uma mistura de assuntos sem um

critério mínimo de ordem; ou seja, falta uma coerência de princípio. Isso significa

que, para entender a realidade, é preciso procurar a forma correta de pensá-la.

Aristóteles foi um dos pioneiros que tentaram fornecer as regras de pensamento

correto, e isso seja independentemente do conteúdo, seja em relação ao conteúdo.

1 Somos gratos à Profa. Dra. Léa Silveira pela cuidadosa revisão.2 Focault 2000, Prefácio.3 Cf. Chauí, 2000, pp. 227-228.

5

Page 6: Guia Logica I AVA

Lógica I

No segundo caso, e só no segundo caso, é possível referir-se ao pensamento com a

expressão “conhecimento científico”.

Na nossa disciplina de Lógica I, não poderemos abarcar todos os

aspectos da lógica antiga, que tem uma longa e articulada tradição. Para citar

apenas os pensadores que se sobressaem na sequência de descobertas e reflexões

lógicas, é preciso indicar Parmênides, Zenão de Eleia, os sofistas, Sócrates e

Platão – este último, mestre do pai da lógica silogística, Aristóteles. Mais tarde, a

lógica encontrou um desenvolvimento com a escola dos estóicos e dos megáricos,

em particular com Euclides de Megara, em 400 a.C. Não obstante, entre esse

conjunto de pensadores, os dois modelos lógicos que se destacam na antiguidade

são a lógica do silogismo de Aristóteles, que iremos estudar ao longo da nossa

disciplina, e a lógica estóica. A lógica dos estóicos apresenta uma estrutura

diferente da lógica aristotélica, pois é principalmente uma lógica das proposições.

Durante muitos anos não se soube disso, devido ao estado fragmentário dos textos

da escola estóica. Hoje, graças às pesquisas de muitos historiadores da lógica ao

longo do seculo XX, tem-se uma ideia melhor sobre as principais inovações da

escola estóica. A logica estóica é uma lógica proposicional, cujas inferências

tratam das relações entre entidades que têm a estrutura de proposições, que são os

portadores primários do valor de verdade. A logica estóica se divide em duas

partes: uma teoria das proposições e uma teoria dos argumentos4. O lógico mais

fecundo da escola estóica não foi seu fundador, Zenão – que, no entanto, deixou

interessantes contribuições –, mas Crisipo.

E não é apenas o Ocidente que tem uma tradição de lógica. Entre os

séculos V e III a. C. na China e a partir do século V a. C. na Índia, uma lógica

desconhecida dos gregos se formou e chegou a um bom grau de desenvolvimento.

Querendo limitar nossa pesquisa ao pensamento ocidental, é preciso

reconhecer que o surgimento da lógica, como um método de pensamento

verdadeiro e sem contradições, deve ser atribuído a Platão, o qual, para sair das

dificuldades em que Heráclito e Parmênides caíram na tentativa de pensar a

realidade, elaborou a dialética. A dialética é um procedimento intelectual que

utiliza o método de divisão (diairesis), mediante o qual o ente ou o conceito

4 Ver Bobzien 2003, p. 85.

6

Page 7: Guia Logica I AVA

Lógica I

examinado deve ser dividido em dois lados opostos, de modo que se possa

determinar sem contradição qual dos dois lados é verdadeiro e qual é falso. A cada

etapa do caminho de divisão, surgem dois novos opostos, os quais serão

novamente separados e divididos até que se chegue a algo indivisível, que

manifesta a essência do que está sendo investigado. Embora Aristóteles reconheça

a importância do procedimento de divisão, ele não acredita que seja um legítimo

processo lógico e, por isso, fundamenta sua lógica numa base diferente daquela

escolhida por Platão.

Ele mesmo declara que, no âmbito dessa disciplina, não pode partir da

obra de seus predecessores, como costumava fazer. Escreve o filósofo no final de

um de seus tratados lógicos:

“no caso da retórica havia muito material antigo à mão, mas no da lógica não tínhamos absolutamente nada antes de dedicar um longo tempo a uma laboriosa investigação. Se, ao considerar a matéria e recordar o estado em que se começou, se pensa que o assunto se acha agora num estágio suficientemente avançado em comparação com o de outras disciplinas que se desenvolveram no curso da tradição, cabe a todos vocês que ouviram as nossas palestras perdoar as nossas omissões e nos parabenizar calorosamente por nossas descobertas”5.

Como observa Barnes, a nota de auto-congratulação, que aparece na

parte final da citação, não é típica de Aristóteles, que costuma aceitar com

gratidão tudo o que a tradição lhe oferece6. Aristóteles reconhece que o

procedimento judicioso para qualquer investigador intelectual é apoiar-se na

tradição e usar as descobertas passadas, mas isso não foi possível no caso da

lógica. E, de fato, Aristóteles foi o primeiro a tentar mostrar o caminho correto

para a investigação da realidade sensível através da demonstração. Por isso, e

visto que as diversas contribuições de Aristóteles e de seus discípulos levaram à

criação e ao desenvolvimento da lógica tal como a conhecemos hoje, ele é

considerado o iniciador da lógica.

Embora Aristóteles, ele próprio, também se considere o pai da lógica,

a lógica aristotélica não nasceu já adulta como Atenas da cabeça de Zeus.

O modelo mais desenvolvido de pensamento lógico e sistemático na 5 Arist., Refutações Sofisticas 34, 184a9-b9.6 Barnes, 2005, pp. 31-32.

7

Page 8: Guia Logica I AVA

Lógica I

época de Aristóteles é sem dúvida a geometria. Em geral, a característica

marcante da geometria é o fato dela ser um sistema axiomatizado; ou seja, a partir

de poucos princípios fundamentais e indemonstráveis, derivam-se todas as outras

verdades, por meio de uma série de deduções lógicas. Todas as verdades

derivadas se seguem logicamente por meio de uma longa e complexa cadeia de

raciocínios. Particularmente nas obras conhecidas como Primeiros Analíticos e

Segundo Analíticos, Aristóteles examina as regras de dedução.

O sistema axiomático de Euclides – que surgiu depois da morte de

Aristóteles, mas que se baseia nos estudos dos seus predecessores – pode ser

considerado, talvez, um dos mais brilhantes sucessos da ciência grega clássica,

como prova o fato de ter dominado o pensamento científico por vários séculos. O

método axiomático é uma teoria dedutivamente ordenada em axiomas e teoremas

mediante regras de inferência. As principais regras de inferência, segundo as quais

uma proposição chamada de “conclusão” pode ser deduzida de outras chamadas

de “premissas”, são fruto das reflexões de Aristóteles.

Nas numerosas obras lógicas – nomeadamente o tratado Da

Interpretação, o tratado das Categorias, dos Primeiros e dos Segundos Analíticos,

dos Tópicos, das Refutações Sofísticas (que foi considerado como uma apêndice

dos Tópicos), que depois da morte do filósofo foram agrupadas no conjunto

intitulado Organon –, Aristóteles cria a maioria dos conceitos que serão utilizados

na lógica subsequente, como é o caso de “argumento”, “validade”, “inferência” e

outros conceitos que examinaremos ao longo do curso. E, quando se parabeniza

Viète7 por ter sido o primeiro a utilizar letras como símbolo na álgebra, se esquece

que já Aristóteles introduziu na história da lógica as letras, que podem ser usadas

para uma asserção qualquer, procedimento que se revelou uma criação

fundamental para os estudos posteriores não apenas no âmbito da lógica. O uso

das letras é notável, por exemplo, para conseguir o rigor nas demonstrações

matemáticas.

Considerando o tamanho e a abrangência das contribuições que o

Estagirita forneceu à tradição ocidental no campo da lógica, é preciso que

escolhas sejam feitas. Nosso curso propõe-se a examinar os elementos que nos

7 Matemático que nasceu em 1540 e morreu em 1603.

8

Page 9: Guia Logica I AVA

Lógica I

permitem destacar o papel da teoria da dedução não apenas como um método

abstrato de sistematização ideal do conhecimento científico, mas também como a

forma mesma do conhecimento científico. Com isso, queremos nos posicionar a

respeito da uma célebre dificuldade relativa à teoria do silogismo, que resumimos

brevemente. A ideia aristotélica de que a ciência é um tipo de conhecimento

demonstrativo parece implicar que esta deve se apresentar na forma de uma

exposição sistemática, constituída por cadeias de silogismos. Porém, parece que as

coisas não se passam exatamente dessa forma nem nas ciências que fornecem a

Aristóteles o exemplo, como é o caso da matemática, nem na prática científica de

Aristóteles. A geometria grega, por exemplo, demonstra; mas suas demonstrações

não se deixam reduzir a cadeias de silogismos. Se considerarmos o Corpus

aristotelicum, os exemplos incontestáveis de demonstrações silogísticas são mais

raros ainda, seja nas ciências mais abstratas, seja na ciência física. A solução

clássica, fornecida por Jonathan Barnes, é afirmar que o modelo dos Analíticos foi

pensado por seu autor como um paradeigma – isto é, o modelo ideal de uma

ciência completa e acabada –, ao passo que os escritos científicos do Estagirita

testemunham os esforços de pesquisa do filósofo.

Acreditamos que essa solução não é necessária, nem talvez possível.

Com efeito, o texto com o qual o Estagirita abre os Analíticos Segundos diz

expressamente que:

“conhecemos cientificamente através da demonstração. E por “demonstração” entendo o silogismo científico; e por “científico” entendo aquele segundo o qual conhecemos cientificamente por possuí-lo”8.

A demonstração é presente, portanto, como a forma mesma do

conhecimento científico: conhecer cientificamente os entes é conhecer na forma e

na ordem em que se encontram na demonstração. Estamos persuadidos de que a

importância do silogismo, e em particular do silogismo científico, não se reduz ao

fato de ser apenas a forma ideal, porém abstrata, do conhecimento científico, mas

antes sua causa. Pensar que a demonstração silogística seja só um momento ideal

na descoberta científica seria como dizer que até então não possuímos ainda

8 Arist., Segundos Analíticos I 1, 71b16-19.

9

Page 10: Guia Logica I AVA

Lógica I

nenhum conhecimento deste tipo, ou, se estivermos com sorte, que só possuímos

um conhecimento objetivo e exato num nível bem baixo. Não obstante, não

encontramos em lugar nenhum, nos escritos de Aristóteles, um sinal visível desse

pessimismo, muito pelo contrário9.

Além disso, acreditamos que nesse ponto reside uma diferença entre o

método científico da dialética platônica e o procedimento aristotélico: a dialética é

um exercício direto do pensamento e da linguagem, um modo de pensar que opera

com os conteúdos do pensamento e do discurso. A inferência aristotélica é um

instrumento que oferece os meios para realizar o conhecimento e o discurso. Para

Platão a dialética é um modo de conhecer, para Aristóteles a inferência é um

instrumento para conhecer. A inferência aristotélica oferece procedimentos que

devem ser empregados naqueles raciocínios que se referem a todas as coisas das

quais possamos ter um conhecimento universal e necessário, e seu ponto de

partida não são opiniões contrárias, mas princípios, regras e leis necessárias e

universais do pensamento10.

Nosso objetivo ao longo desta disciplina será examinar o silogismo

não apenas como um modelo lógico abstrato, mas também nas contribuições que

ele traz para o trabalho de descoberta científica.

Para alcançar esse objetivo, optamos por nos concentrar nos seguintes

assuntos:

1) Na primeira Unidade, examinaremos a teoria da proposição como

fundamento da lógica através da análise de algumas passagens do

tratado Da Interpretação, das Categorias e da Metafísica V;

2) Na terceira Unidade, propomos uma aplicação do modelo científico

dos Analíticos à ciência natural, seguindo as indicações fornecidas por

Aristóteles nos Segundos Analíticos;

3) Tudo isso passando por uma sumária descrição da teoria do

silogismo na segunda Unidade – teoria exposta pelo filósofo nos

primeiros 26 capítulos dos Primeiros Analíticos –, com uma atenção

9 Ver Crubellier & Pellegrin, 2002, pp. 51-52.10 Para uma ilustração do modelo platônico e paralelo entre dialética e silogística, ver Chauí,

2000, pp. 220 .

10

Page 11: Guia Logica I AVA

Lógica I

particular para o silogismo científico.

SUGESTÕES DE LEITURA

BERTI, E. As razões de Aristóteles. (Trad. Dion David Macedo). 1ª ed. São Paulo: Loyola, 1998. (Em particular o primeiro capítulo dedicado a “Apodítica e dialética”).

BERTI, E. Aristóteles no século XX. (Trad. Dion David Macedo). 1ª ed. São Paulo: Loyola, 1998.

CHAUÍ, M. Introdução à história da filosofia – Dos pré-socráticos a Aristóteles. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. (Em particular a seção relativa à lógica aristotélica).

11

Page 12: Guia Logica I AVA

Lógica I

UNIDADE 1A proposição, elemento constitutivo da lógica

A primeira Unidade apresenta os elementos fundamentais da teoria lógica de

Aristóteles: a predicação, ou enunciado declarativo, e a combinação de

enunciados, ou silogismo.

12

Page 13: Guia Logica I AVA

Lógica I

1. 1 A predicação: estrutura, função, sujeitos e predicados

Antes de tudo, é importante destacar que, embora Aristóteles seja o

descobridor da lógica, ele nunca usa em seus escritos o termo “lógica”, nem

explica o que ele realmente pretende fazer quando elabora as etapas que

constituirão essa disciplina. E mais: o filósofo não se preocupa com encontrar um

lugar para a lógica na rede das disciplinas científicas. Já os sucessores imediatos

do Estagirita não tinham bem certeza do seu estatuto. Alguns sustentavam que a

lógica era uma “parte” da filosofia e que podia ser colocada ao lado da

matemática ou da ciência física. Já outros acreditavam que a lógica era apenas um

instrumento da ciência e não um objeto de estudo11. Como frequentemente

acontece com Aristóteles, é bem possível que a verdade esteja no meio e a lógica

seja tanto uma parte como uma disciplina12. Na verdade, Aristóteles não possuía

um termo específico para designar essa disciplina. O termo grego logike, quando

está combinado com termos como “demonstração” ou “silogismo”, várias vezes

significa “dialético”13 e, quando não parece ter esse sentido, o termo se refere a

proposições mais gerais, que não são passíveis de inserção precisa no âmbito de

uma ciência específica14.

O termo “lógica” no sentido atual parece ter sido utilizado pela

primeira vez por Cícero (106-43a.C.) e foi reforçado por Alexandre de Afrodísia –

um discípulo do Estagirita que nasceu entre o 198 e o 209 d.C. –, embora, ao que

tudo indica, seu sentido próprio, como utilizado atualmente,tenha origem estóica.

Aristóteles denominava Analítica o que hoje designamos por lógica. O termo

“analítica” significa “resolução” e traça o método adequado a ser utilizado por

qualquer discurso que pretenda ter um valor científico. Segundo Aristóteles, o

método adequado ao conhecimento científico é o método dedutivo ou das

inferências. “Inferência” traduz a palavra grega silogismo e podemos afirmar sem

hesitação que toda a lógica aristotélica gira em torno da teoria do silogismo. O

11 A palavra grega organon – com a qual os aristotélicos posteriores, em particular Alexandre de Afrodisia, costumam designar o conjunto das obras de lógica aristotélica – significa precisamente “instrumento”. Ver Elias, In Porphyrii Isagogen et Aristotelis Categorias Commentaria, pp. 118-120.

12 Ver Barnes 2005, p. 47.13 Ver Arist., De Generatione Animalium II 8, 747b27-30.14 Ver Arist., Tópicos I 14, 105b19-25.

13

Page 14: Guia Logica I AVA

Lógica I

silogismo, por sua vez, é composto por um conjunto de juízos ou enunciados e o

enunciado, ou predicação15, é um conjunto de termos e conceitos. A teoria da

proposição será, portanto, o ponto de partida de nosso estudo. Os elementos da

teoria da proposição estão espalhados em varias obras: De Interpretatione, e

Categorias são os textos devotados, de modo específico, a uma teoria dos termos

e a uma teoria da proposição; Tópicos, em particular Tópicos I 5-8, e Segundos

Analíticos I 4 são dedicados a uma classificação dos predicados; finalmente,

Metafísica IV e Segundos Analíticos I 22 desenvolvem alguns aspectos presentes

no De Interpretatione16. Observando os escritos contidos no Organon, parece que

o filósofo procede do simples ao complexo, começando pelo mais simples, isto é,

pelos elementos de uma proposição, pela função do nome e do verbo, ou seja, a

função do sujeito e do predicado, que são os termos (horos) de uma predicação. E

o Estagirita abre os Primeiros Analíticos, seu tratado sobre a inferência, com uma

definição de predicação (protasis)17. Contudo, outros textos, como por exemplo a

Metafísica, preferem tomar os elementos da proposição como um conjunto

originário, sobre o qual se aplicam os operadores copulativos “é” ou “não é”18.

Essa segunda opção é mais útil no caso em que se queira destacar, como no nosso

caso, a pretensão de objetividade das proposições, isto é, o fato de que os

enunciados sempre se referem a fenômenos presentes no mundo; por isso, será

esse o caminho adotado por nós. Isso, porém, não nos dispensa da tarefa de

apresentar de forma resumida os elementos fundamentais de qualquer predicação.

Estrutura básica da predicação

Uma predicação tem uma estrutura básica e uma função.

A estrutura básica é um composto formado por um termo sujeito e um

termo predicado através do operador copulativo “é”, que indica uma união

15 Há diferentes modos para indicar a predicação na língua grega. Aristóteles utiliza katêgoria, apophansis, protasis, kataphasis, symplokê. Ver Angioni, 2006, p. 17.

16 Passagens dos textos citados são apresentadas e comentadas por Angioni, 2006. Na análise da proposição como base fundamental para o estudo do silogismo, utilizaremos a introdução e o comentário de Angioni a esses textos.

17 Arist., Primeiros Analíticos I 1, 24a16-17.18 Arist., Metafísica V 7, 1017a31-35. Ver Angioni, 2006, 16.

14

Page 15: Guia Logica I AVA

Lógica I

(synthesis) ou “não é”, que indica uma separação (diairesis)19. Como diz

Aristóteles: “O “ser” e o “não ser” não são sinais de uma coisa (nem o ente, se o enuncias isolado), pois, em si mesmos, eles não são nada, mas co-significam uma composição, a qual não é possível compreender sem os itens conectados”20

A relação entre sujeito e predicado é quantificada em relação ao termo

expresso no sujeito (“todo”, “algum”, “nenhum”) e é caracterizada pelos

operadores modais (“é possível”, “necessariamente”).

A função essencial da predicação é remeter a situações reais

verificáveis no mundo. Quando a um conjunto de termos se aplica o operador

copulativo “é”, pretende-se afirmar que o estado de coisas apresentado existe

objetivamente no mundo, isto é, que os termos sujeito e predicado se apresentam

de fato unidos na realidade. O contrário acontece no caso em que seja utilizado o

operador “não é”21.

Portanto, um enunciado, ou predicação, é uma frase que possui a

forma básica “S é P” e que faz referência a situações no mundo com a pretensão

de que aquilo que é enunciado na proposição seja verdadeiro, isto é, exista na

realidade na forma em que está expresso na proposição.

Os enunciados que interessam à lógica, então, não são apenas uma

combinação de palavras, não exprimem um desejo nem uma ordem, mas

caracterizam-se pela pretensão de verdade22. A pretensão de verdade é a pretensão

de que aquilo que é enunciado na predicação tenha sua existência na realidade, ou

seja, aquilo que é dito em palavras deve poder ser constatado numa situação real.

Como escreve Angioni:

“Nessa perspectiva, a teoria da predicação é uma teoria a respeito das regras pelas quais a linguagem, em seu domínio declarativo ou apofântico, pode satisfazer plenamente sua função, qual seja, reportar-se objetivamente ao mundo e oferecer-nos constatações fededignas a respeito dos fatos e situações nele presentes. Assim, a teoria da predicação envolve uma teoria semântica, que busca delimitar as regras e condições pelas quais os termos, combinados nas proposições,

19 Ver Arist., De Interpretatione 16b22-23, 16b23-25 e Metafísica V 7, 1017a27-2920 Arist., De Interpretatione 3, 16b22-25.21 Ver Arist., Metafísica VI 4, 1027b18-27; X 1, 1051b2-5.22 Aristóteles chama este tipo de enunciados apophantikoi, isto é enunciados “declarativos”.

15

Page 16: Guia Logica I AVA

Lógica I

podem objetivamente remeter a situações verificáveis no mundo e, por isso, precisamente, podemos dizer que ela se apresenta, ao mesmo tempo, como uma ontologia: a teoria da predicação é uma teoria a respeito das correlações entre, de um lado as estruturas objetivas pelas quais as coisas se dão no mundo e, de outro, as estruturas lógico-linguísticas pelas quais pretendemos constatá-las e remeter a elas”23.

Exemplificando: a combinação entre Barbara e sua palidez é uma

unidade originária que, se completada pelo operador “é”, assume três

características: 1) a objetividade, ou seja, pressupõe-se que o conteúdo enunciado

na predicação esteja presente na realidade; 2) o valor de verdade, ou seja, o

enunciado pode ser formulado na forma seguinte: “é verdadeiro que Barbara é

pálida”; 3) o enunciado não se refere a coisas ou entes individuais, mas a

“fenômenos”, ou, segundo uma expressão que foi primeiramente de Wittgenstein

e foi em seguida utilizada por Angioni, “estados de coisas” no mundo. Comenta

Angioni:

“Quando dizemos que 'algo é verdadeiro', o 'algo' representa algum fato complexo, isto é, algum estado de coisas constituído de, pelo menos, dois elementos, que devem poder ser expressos como termos de uma predicação. Assim, como sinal de pretensão de verdade pela qual se caracteriza o discurso declarativo, o 'ser' designa uma operação que, necessariamente, envolve dois elementos”24.

Os dois tipos de fenômenos complexos expressos nas proposições

A tarefa do verbo “ser” não se reduz a indicar a operação pela qual se

unem os termos de uma predicação. Em Metafísica V 7, Aristóteles declara que o

particípio presente do verbo ser, “ente” (on), refere-se exatamente à estrutura

unitária em que os termos do enunciado se encontram unidos. Um ente, então, é

um “algo que é tal coisa”, ou “um sujeito que é tal e tal predicado”. Há ainda o

fato de que o verbo indica uma pretensão de verdade e de objetividade, e isso quer

dizer que o “ser” pretende que exista na realidade o estado de coisas enunciado na

composição entre o sujeito e o predicado do enunciado. Ao formular a proposição 23 Angioni 2006, p. 20.24 Angioni, 2006, p. 22.

16

Page 17: Guia Logica I AVA

Lógica I

“Barbara é pálida”, o interlocutor pretende que Barbara seja realmente pálida, isto

é, ele pressupõe que Barbara existe na realidade e pretende que ela tenha a

propriedade de ser pálida.

Diferentes tipos de combinação entre sujeito e predicado remetem a

diferentes tipos de predicação, e diferentes predicações remetem a diferentes tipos

de fenômenos complexos no mundo. É evidente que, para conhecer os diversos

tipos de predicação, é preciso ao mesmo tempo conhecer quais tipos de

fenômenos complexos existem no mundo, ao ponto de que uma teoria dos

enunciados que se limitasse a enumerar elementos linguísticos seria incompleta e

insuficiente. Com efeito, se existem diferentes combinações de sujeito e predicado

é porque existem diferentes tipos de “ente”, e se existem diferentes tipos de “ente”

é porque existem diferentes fenômenos complexos na realidade e se existem

diferentes fenômenos complexos na realidade é porque as coisas se apresentam

em forma diferentes25. Sem dúvida, vivemos numa realidade complexa e, se a

linguagem tem a pretensão de verdade e de objetividade, deve adequar-se à

realidade complexa.

É preciso inicialmente delimitar os dois tipos fundamentais de

fenômeno complexo, assim como Aristóteles faz em Metafísica V 7: o “ente” por

acidente e o “ente” em si.

Os entes acidentais são fenômenos constituídos pela união extrínseca

entre um objeto e um atributo, como é o caso do exemplo utilizado anteriormente:

“Barbara é pálida”. Ainda que esses dois elementos sejam inseparáveis,

Aristóteles diria que a palidez está num sujeito, a saber, o corpo (porque toda

coloração está num corpo). Está claro que Barbara pode existir sem sua palidez –

porque ela pode se bronzear e deixar de ser pálida –, mas a palidez da Barbara não

pode existir sem a Barbara. Barbara é separável de sua palidez, embora não possa

existir desprovida de toda coloração.

Poderíamos talvez afirmar que existem algumas coisas que são

parasitárias com relação a outras: para que existam, é preciso que alguma outra

coisa, já previamente identificado em si, tenha alguma relação com ela. No nosso

exemplo, Barbara é algo subjacente, já previamente identificado em si, cuja

25 Estas reflexões são desenvolvidas de forma clara e exaustiva Angioni, 2006, na secção introdutória.

17

Page 18: Guia Logica I AVA

Lógica I

existência não depende do fato de que a palidez lhe seja atribuída. Quando alguma

propriedade não é decisiva para a existência do sujeito, não é seu atributo

essencial, nem sua função ou atividade própria – isto é não contribui

necessariamente para a existência do sujeito –, é uma coisa parasitária, que é

acidentalmente atribuída ao sujeito. As essências do sujeito e do predicado são, no

caso de “ente por acidente”, duas essências distintas; por isso, quando as duas se

encontram relacionadas, formam uma nova unidade, um novo ente. Esse tipo de

ente, exprime-se na linguagem em enunciados nos quais o predicado se acrescenta

de forma extemporânea ao sujeito, e o predicado indica algo novo, que não está

contido na definição do sujeito e que é acidental ao sujeito.

Por outro lado, há entes, ou fenômenos complexos, constituídos pela

união de dois elementos não alheios um ao outro, porque o primeiro elemento é

considerado em sua totalidade, ao passo que o segundo é assumindo como um

atributo do qual o todo é constituído. Neste caso, a união dos elementos é

intrínseca e as essências do sujeito e do predicado, embora possam ser

logicamente distintas, relacionam-se de modo que a essência, e a respectiva

definição do predicado, está contida na essência e definição do sujeito. Por

exemplo, na predicação “Barbara é um ser humano”, temos uma predicação desse

tipo. Dessa predicação não surge um novo ente, um ente diferente relativamente

ao sujeito “Barbara”. O fenômeno complexo que é representado por esse tipo de

predicação é o “ente em si”. O ente em si é expresso numa predicação analítica,

isto é, o predicado apenas analisa o sujeito.

Resumindo, as predicações se dividem em: 1) enunciados que

exprimem um fenômeno complexo cuja unidade é acidental, quando os dois

elementos que formam a predicação têm apenas uma relação extrínseca – na

realidade, essa predicação representa o “ente por acidente”; 2) enunciados que

exprimem um fenômeno complexo cuja unidade é essencial, quando dos dois

elementos que formam a predicação, há uma relação intrínseca, visto que o

predicado já está contido no sujeito – na realidade, essa predicação representa o

“ente em si”.

Como diz Angioni, é evidente que essa divisão não depende apenas de

18

Page 19: Guia Logica I AVA

Lógica I

critérios linguísticos, ou lógicos, mas também de critérios metafísicos peculiares26.

Porém, não cabe à nossa disciplina de lógica I a exploração de todos esses

pressupostos metafísicos.

Observemos apenas que os enunciados que exprimem um “ente em si”

são aqueles que têm como sujeito um ente previamente identificado em si e o

predicado só analisa a essência do sujeito, ou seja, traz à evidencia um atributo

característico da essência do sujeito. As predicações que exprimem um “ente por

acidente”, para serem consideradas predicações autênticas, devem ter como

sujeito um ente que seja um sujeito previamente identificado em si, isto é, uma

substância, embora aparentemente elas possam ter qualquer termo como sujeito.

De fato, predicações como “o falante é pálido” ou “o músico é doente” exprimem

um ente por acidente. Contudo, elas não são formadas por uma única predicação,

mas sim por duas: Barbara é falante – Barbara é pálida, e Vitor é músico – Vitor

está doente. E nessas predicações os sujeitos Barbara ou Vitor não têm a mesma

natureza que “falante” e “pálida”, “músico” e “doente”: para utilizar a mesma

expressão empregada anteriormente: “falante” e “pálida” são parasitárias, ao

passo que Barbara é uma substância. O mesmo vale para o segundo exemplo.

Enfim, uma predicação é por acidente se os dois elementos que o enunciado une

são extrínsecos e se o sujeito é um algo já previamente identificado em si, ou seja,

uma substância. Se o segundo requisito não for cumprido, não será possível

atribuir à predicação o valor de verdade, visto que não será possível identificar o

fenômeno complexo do qual se pretende falar.

Tipos de sujeito

Resumindo o que foi exposto acima, Aristóteles reconduz os tipos de

sujeito das predicações a dois tipos fundamentais: o “ente em si mesmo” e o “ente

por acidente”. No primeiro caso, temos uma entidade ou fenômeno qualquer, já

previamente identificado, o qual pode ser analisado em suas partes constituintes.

O sujeito lógico (hypokeimenon)27 é, neste caso, uma substância já previamente

26 Angioni, 2006, p. 25.27 Angioni traduz o termo grego hypokeimenon por “subjacente”, pois se trata de algo já dado,

como assunto a respeito do qual se propõe uma predicação. Ver Angioni, 2006, p. 27.

19

Page 20: Guia Logica I AVA

Lógica I

caracterizada por suas propriedades essenciais.

No segundo caso, temos um tipo de ente ou fenômeno que depende da

identificação prévia do sujeito ao qual faz referência, ou seja, depende da

identificação da substância da qual se pretende falar. No caso do exemplo “o

escrevente é pálido”, é preciso em primeiro lugar identificar o sujeito lógico da

proposição, isto é, a substância à qual “escrevente” e “pálido” estão se referindo.

No nosso exemplo, Barbara é a substância da qual se pretende falar, e as duas

qualidades são dela predicadas.

Tipos de predicados

Aristóteles não fornece uma lista exaustiva dos predicados possíveis;

por isso, é preciso utilizar mais do que um tratado e aceitar que, nessa

sobreposição de textos, haja algumas repetições28. Em Tópicos I 5-8, Aristóteles

cita como possíveis predicados: a definição, o próprio, o gênero e o acidente. Nos

Segundos Analíticos I 4, o filósofo distingue só os predicados que se atribuem a

um sujeito em si, ou seja, os atributos per sé29, e o acidente. No livro das

Categorias, a “diferença” constitui outro tipo de predicado. A título de

esquematização, vamos identificar e definir as classes de predicados citados.

Partindo do mais simples, ou seja, o acidente, podemos caracterizá-lo

da seguinte maneira: trata-se de um predicado que não tem relação nenhuma com

o sujeito ao qual é atribuído: se um ente é homem, não se segue, por isso, que é

escrevente, ou pálido, músico ou doente.

O primeiro tipo de predicado per s é é um tipo de predicado que está

incluído na definição do sujeito30, ou seja, pertence à estrutura interna do sujeito e,

por isso, comparece no enunciado que define o ente em questão31. Utilizando uma

linguagem tipicamente kantiana, podemos afirmar que se trata de um predicado

analítico. De acordo com a classificação das Categorias, as diferenças estão

incluídas nesta classe32, em conjunto com o gênero, citado nos Tópicos.28 Para a sistematização dos predicados, utilizamos Angioni, 2006, p. 28-40.29 Utilizamos o plural, pois Aristóteles distingue dois tipos de atributo per sé.30 Arist., Segundos Analíticos I 4.31 Arist., Tópicos I 5, 102a32-35; I 9.32 Ver Angioni, 2006, p. 109.

20

Page 21: Guia Logica I AVA

Lógica I

O segundo tipo de predicado per sé é definido por Aristóteles no livro

I dos Segundos Analíticos, porém, com relação ao primeiro tipo de predicado per

sé, possui contorno menos nítido. Angioni o define da seguinte forma: “o

segundo tipo é tal que, dado o sujeito, tomado em si mesmo, necessariamente se

segue como atributo uma disjunção (“ou tal e tal predicado, ou seu oposto”)”; e,

algumas linhas depois: “o segundo tipo de atributo per sé não constitui a

estrutura interna do sujeito”33. Um par de exemplos sejam talvez esclarecedores:

a linha é ou curva ou reta; o número ou é par ou ímpar.

A definição é um tipo de predicação que possui pelo menos três

características: 1) predica-se universalmente do sujeito, em toda sua extensão; 2)

predica-se apenas deste mesmo sujeito; 3) o predicado implica o sujeito e o sujeito

implica o predicado. Se peixe se define por ser “animal com sistema de respiração

branquial”, segue-se que, se algo é peixe, é animal que tem sistema de respiração

branquial e, se algo é um animal que tem sistema de respiração branquial é peixe.

É preciso destacar que, no caso da definição, o predicado deve afirmar certas

propriedades que determinam de modo decisivo o que o sujeito é, ou seja, o

predicado deve ser um atributo que sempre e necessariamente se atribui ao sujeito.

Portanto, o último requisito citado é talvez o mais fundamental para delimitar a

definição e não confundir a definição com outro tipo de predicado: o próprio. A

definição deve explicitar exatamente os atributos que fazem do sujeito o ser que

ele é.

Entre os predicados contidos na definição são presentes o gênero e a

diferença, cuja demarcação é apenas relativa: a diferença é apenas uma

especificação do gênero. Portanto, o que numa relação representa uma diferença,

pode representar um gênero numa subdivisão mais específica.

O próprio é um tipo de predicado que, como dissemos, pode ser

facilmente confundido com a definição, visto que tem em comum com a definição

os dois primeiros critérios de demarcação: 1) predica-se universalmente do

sujeito, em toda sua extensão; 2) predica-se apenas deste mesmo sujeito. Contudo,

mesmo tendo a mesma extensão do sujeito, o próprio caracteriza-se por uma

terceira condição bem deferente da definição: 3) não indica “o que é” o sujeito,

33 Angioni, 2006, p. 28.

21

Page 22: Guia Logica I AVA

Lógica I

isto é, sua essência. Por exemplo, o homem é capaz de rir, ou é capaz de aprender

a escrever. Nesse caso, “capaz de rir” e “capaz de aprender a escrever” são dois

predicados que têm a mesma extensão do sujeito, embora não sejam contidos na

definição de homem.

Como observa mais uma vez Angioni, “para entender a distinção

entre a definição e o próprio é preciso explorar alguns traços básicos do

essencialismo aristotélico”34, o que não cabe a nossa exposição. Limitamo-nos a

lembrar que, para Aristóteles, os entes têm essências, ou seja, uma estrutura

organizada de propriedades que o constituem sempre e necessariamente. Não se

trata de uma conjunto de propriedades aleatórias, mas do núcleo de propriedades

fundamentais do ente que determinam a concatenação das outras propriedades35.

Finalmente, as essências só se aplicam a certos tipos de ente: as substâncias.

Na teoria dos enunciados, as substâncias constituem os sujeitos a que

se atribuem as propriedades, ou os sujeitos de que se predicam os predicados.

Esquematicamente, temos de um lado sujeitos (hupokeimenon,

“subjacente”, utilizando a expressão de Angioni), e de outro lado as propriedades

expressas no predicado. Entre as propriedades temos de um lado as “propriedades

substanciais”, que formam o conjunto de atributos que determinam o sujeito, isto

é, aquelas propriedades que sempre e necessariamente pertencem a um sujeito.

Propriamente não é correto dizer que essas propriedades “se afirmam” de um

sujeito, como se o sujeito fosse algo subjacente já previamente determinado em si,

visto que são exatamente estas propriedades que determinam o que o sujeito é. De

outro lado, temos também propriedades que propriamente se predicam do sujeito,

pois não identificam o sujeito, mas são acrescentadas a ele.

Essa distinção é fruto de um articulado ensaio aristotélico, que não é

apenas um ensaio lógico, mas sim fundamentalmente ontológico: as Categorias.

À primeira vista, as Categorias ocupam-se da classificação de tipos de predicados.

Por exemplo: o que é Barbara? M – um ser humano, um animal etc. Quais as suas

qualidades? – ela é pálida, paciente, etc. Que altura tem ela? – um metro e

sessenta-e-dois, um metro e sessenta-e-nove etc. Como ela se relaciona com as 34 Angioni 2006, p. 28.35 Essa concepção de “essência” tem suas raízes profundas na filosofia da natureza de Aristóteles.

É bem possível que, fornecendo essa definição de essência, o filósofo pensasse nos seres vivos. Ver Angioni, 2000 e 2006, p. 30.

22

Page 23: Guia Logica I AVA

Lógica I

outras coisas? – ela é filha de Daniela, neta de Maria etc. Onde ela está – na

universidade. Esses diferentes tipos de pergunta são feitos utilizando diferentes

tipos de predicado. A questão “que altura tem ela?” pede predicados de

quantidade, e a questão “como ela se relaciona com outras coisas?” pede

predicados de relação. Aristóteles elenca, com pequenas variações de número36,

dez classes de predicado. As classes de predicados são elas mesmas chamadas

agora “categorias”, tendo o termo “categoria” sido transferido das coisas

classificadas às coisas nas quais elas são classificadas. Como comenta Barnes, “o

mais importante é que se costuma designar as categorias como categorias de 'ser'

e o próprio Aristóteles às vezes se refere a elas como 'as classes das coisas que

existem'”37. A razão para passar das classes de predicados a classes de coisas, ou

de seres que existem, não é difícil. Provavelmente Aristóteles diria que, se os

predicados “pálida” e “ser humano” se aplicam a Barbara, então deve existir/ser

um ente “ser humano”, assim como deve existir/ser uma coisa “palidez”. Enfim, é

preciso que exista alguma coisa que corresponda a cada predicado que seja

verdadeiro de alguma coisa; e as coisas que correspondem aos predicados vão ser

elas mesmas classificadas de um jeito correspondente à classificação dos

predicados. As coisas, assim como os predicados, são de diferentes tipos. Entre as

categorias, há a primazia de uma delas sobre as outras. Predicados que respondem

à pergunta: “o que é isto?” caem na categoria da “substância” e a classe das

substâncias é a primeira, visto que representa a classe dos entes que só podem

exercer o papel de sujeito num enunciado; as substâncias/sujeitos nunca podem

tomar o lugar do predicado. A substância/sujeito é aquela entidade ou fenômeno

qualquer já especificado por suas propriedades essenciais, isto é, já previamente

identificado em si.

A celebérrima doutrina das “categorias” de Aristóteles, portanto, é ao

mesmo tempo uma doutrina dos enunciados e uma descrição da estrutura do

mundo. A doutrina das categorias destaca exatamente esse ponto da doutrina de

Aristóteles: 1a) a existência de substâncias/sujeito que nunca podem tomar o lugar

36 Como observa Barnes (2005, p. 70), nem todas as classes são delineadas com clareza e a discussão sobre o que pertence a cada classe contém alguns pontos enigmáticos. Além disso, Aristóteles raramente usa, fora das categorias, todas as dez classes; provavelmente não havia, da parte dele, nenhum compromisso quanto a seu número exato.

37 Barnes, 2005, p. 70.

23

Page 24: Guia Logica I AVA

Lógica I

do predicado; 1b) a existência de predicados que propriamente não se afirmam do

sujeito, pois determinam o que é o sujeito; 2) a existência de atributos que são

predicados do sujeito. Segundo a doutrina das “categorias”, um termo qualquer

sempre se reporta a uma coisa dada no mundo, ou a uma situação. As grandes

classes de entes e/ou predicados distinguem os termos que podem, por si sós,

identificar de maneira apropriada a coisa à qual se reportam daqueles que não

podem: os primeiros são predicados essenciais e os segundos são predicados

heterogêneos, os quais pressupõem que o sujeito a que se atribuem já seja

especificado por suas propriedades essenciais. Comenta Angioni: “É essa diferença que interessa a Aristóteles, assim como a estrutura de mundo que ela expressa: de um lado, temos as substâncias, subjacentes primitivos, identificados por seus predicados essenciais ou substanciais; de outro, temos as propriedades concomitantes, que pertencem a tais substâncias, sob dada condições, mas não as identificam essencialmente. É esse o ponto central da assim chamada “doutrina das categorias”38.

A distinção operada por Aristóteles estabelece a bifurcação entre:

− a categoria das substâncias, que se divide em substâncias

individuais, que só podem exercer o papel de sujeito num enunciado, e

propriedades essenciais, expressas por predicados essenciais;

− todas as outras coisas (em grego, ta alla), todas as outras

categorias, isto é as propriedades heterogêneas que são atribuídas a um

sujeito já previamente identificado em si mesmo.

Limites da teoria da proposição

A teoria aristotélica dos enunciados é uma brilhante construção em

que a doutrina lógica e a ontologia de Aristóteles se entrelaçam e seria uma

ingenuidade separar as duas. Certo, é possível distinguir uma classificação de

predicados, dominada por critérios lógicos, da classificação das categorias, repleta

de preocupações semânticas que envolvem pressupostos ontológicos. Talvez seja

esta parceria entre lógica e ontologia que impõe também algumas limitações à

teoria dos enunciados do Estagirita. Limitamo-nos a lembrar apenas as mais

38 Angioni, 2006, p. 34.

24

Page 25: Guia Logica I AVA

Lógica I

conhecidas.

Com relação à redução das proposições àquelas que têm estrutura

predicativa, é preciso acrescentar algumas observações. Em primeiro lugar,

Aristóteles não parece prestar atenção ao fato de que a proposição “chove” não é

análoga à proposição “Dione corre” e, por isso, não pode ser analisada de forma

parecida, mesmo que talvez a língua grega esteja legitimada a utilizar a forma

“Zeus faz chover” no lugar do simples “chove”.

Em segundo lugar, de Frege em diante, é costume analisar uma

proposição relacional, por exemplo “Sócrates ama Alcibíades”, como uma

predicação na qual aos dois personagens, Sócrates e Alcibíades, é atribuído o

predicado de dois lugares para “ama”. Esse tipo de análise tem a vantagem de

garantir a possibilidade de dar conta da estrutura lógica de inferências que contêm

relações de uma forma melhor do que no caso em que se interprete “ama

Alcibíades” como predicado de Sócrates. Aristóteles é consciente da natureza

peculiar dos predicados relacionais39, mas não parece sentir a necessidade de

produzir uma análise lógica das proposições relacionais diferente da análise das

proposições não relacionais. Isso faz surgir a dúvida a respeito de ser possível

aplicar os tipos de dedução teorizados por Aristóteles no âmbito de

conhecimentos, como é o caso da matemática, nos quais o uso de proposições

relacionais é prevalente.

Um terceiro problema está ligado à relação entre proposição e valor de

verdade. Aristóteles aceita o princípio de bivalência: cada proposição é verdadeira

ou falsa40 e, no livro IV da Metafísica, se limita a dizer “Negar aquilo que é, e

afirmar aquilo que não é, é falso, enquanto afirmar aquilo que é, e negar o que

não é, é verdadeiro”41. Como se deve entender essa afirmação? É uma teoria da

verdade como correspondência? E se for, como é preciso entender esta teoria? É

preciso pensar que a cada proposição Φ corresponde um estado de coisas φ e que

é legítimo afirmar que Φ é verdadeira só quando φ é o caso? Aristóteles responde

de forma concisa e escassa a essas perguntas. Não é este o lugar para desenvolver

a articulada questão da correspondência, só queremos destacar sua importância

39 Ver Arist., Categorias 7.40 Arist., Categorias, 10, 13a37b3; 4, 2a7-10.41 Arist., Metafísica. IV 7, 1011b26-28.

25

Page 26: Guia Logica I AVA

Lógica I

não apenas para a filosofia aristotélica, mas também para a tradição sucessiva.

LEITURA OBRIGATÓRIA

ANGIONI, Lucas. Introdução à Teoria da Predicação em Aristóteles. Campinas: Editora Unicamp, 2006. (Em especial: “Introdução”, “Tradução” e “Análise textual e comentários”).

SUGESTÕES DE LEITURA

BENVENISTE, É. “Categorias de pensamento e categorias de língua”. In: Problemas de Linguística Geral I. (Trad. Maria Glória Novak e Luiza Néri) 5 ed. São Paulo: Pontes, 2005

BRUNSCHWICG, J. “Dialectique et ontologie chez Aristote”. In: AUBENQUE, P. (ed.) Études aristotéliciennes – metaphysique et théologie. Paris: Vrin, 1985.

26

Page 27: Guia Logica I AVA

Lógica I

1.2 A forma geral do silogismo

Aristóteles distingue vários tipos de inferência ou silogismo e dedica

diferentes tratados42 a cada um deles: os Primeiros Analíticos tratam da forma

geral do silogismo, destacando apenas a correção formal da dedução, ao passo que

os Segundos Analíticos tratam do silogismo que, além de ser formalmente correto,

é também verdadeiro. Será o silogismo verdadeiro e sua aplicação no âmbito da

ciência física o conteúdo específico das segunda e da terceira Unidades deste guia.

E visto que um silogismo, para se dizer verdadeiro, deve partir de premissas

verdadeiras, os Segundos Analíticos tratam também da busca das premissas

verdadeiras.

Ao silogismo formado por premissas fundadas na opinião são

dedicado os Tópicos, que descrevem o silogismo chamado por Aristóteles de

“dialético”. O silogismo dialético não é necessariamente falso, porém sua

veracidade deve ser verificada, sendo somente provável.

Finalmente, as Refutações Sofísticas, que deveriam constituir o livro

IX dos Tópicos tratam de um silogismo aparente, visto que, na verdade, contém

um erro de raciocínio ao longo do seu desenvolvimento.

Aristóteles, pela primeira vez na história do pensamento ocidental,

esforça-se para examinar o tipo de processo que o pensamento produz na

elaboração de provas racionais, exame que está contido na silogística dos

Analíticos. O título que une os dois tratados sobre o silogismo, Analíticos, é com

certeza uma escolha de Aristóteles. Ele o cita geralmente com a fórmula “nos

Analíticos”.

A primeira proposição dos Primeiros Analíticos anuncia uma pesquisa

sobre a ciência demonstrativa” e o último capítulo dos Segundos Analíticos

fornece um bom resumo da obra43. Não obstante as numerosas discussões entre os

intérpretes da lógica aristotélica, a relação entre os dois tratados é clara44: visto

que a demonstração é uma espécie particular de silogismo, é preciso examinar

42 Aristóteles utiliza o termo pragmateiai, tratados, para designar as cinco obras que compõem o Organon.

43 Arist., Primeiros Analíticos I 1, 24a10-11; Segundos Analíticos II 19, 99b15-19. Ver também Primeiros Analíticos I 4, 24b26-31; I 31, 46b38-40.

44 Crubellier & Pellegrin, 2002, p. 52.

27

Page 28: Guia Logica I AVA

Lógica I

antes o gênero e logo depois a espécie. É legítimo afirmar também que Aristóteles

antecipa no primeiro tratado o que acontecerá no segundo.

É comum pensar nos Primeiros Analíticos apenas como o tratado

sobre a doutrina do silogismo em geral e de forma abstrata. Contudo, a teoria

geral do silogismo ocupa apenas os 26 primeiros capítulos da obra, ou seja, apenas

um ⅓ do total. O objeto da parte que segue é bem ilustrado no final do capítulo 26

e no começo do capítulo subsequente:

“como nos mesmos podemos encontrar facilmente silogismos apropriados para todas as questões propostas, ou seja, através de qual caminho seria possível alcançar os princípios para todos os entes (…). Com efeito, não basta conhecer teoricamente a constituição do silogismo, mas é preciso também possuir a capacidade para produzi-los”45.

E, um pouco mais adiante:

“Como nos será possível reconduzir os silogismos às figuras descritas […] pois, se podemos a um tempo conhecer teoricamente a constituição dos silogismos e encontrá-los, e além disso analisar os silogismos existentes nas figuras enumeradas, teremos esgotado nosso programa inicial”46.

A analítica, portanto, é um conjunto de competências a um tempo

teóricas e práticas: permite conhecer os silogismos e encontrar as estruturas

silogísticas necessárias para resolver um dado problema.

Como explica Crubellier47, o sentido do título confirma exatamente

essa interpretação: analuein, significa “decompor”. O filósofo utiliza este verbo

quando precisa indicar a decomposição de um corpo material nos seus elementos

constitutivos. Aristóteles explica claramente em que consiste o método analítico

numa passagem da Ética a Nicômaco, quando destaca que a analítica comporta a

decomposição de um raciocínio complexo em uma multiplicidade de silogismos

simples que formam os elementos, e no caso de problemas particulares, a

determinação exata das premissas, ou seja dos princípios, que nos permitem

fornecer uma demonstração48.

O sistema lógico que Aristóteles apresenta nos Primeiros Analíticos se

45 Arist., Primeiros Analíticos I 26-27, 43a16. Tradução nossa.46 Arist., Primeiros Analíticos I 31-32, 46b38. Tradução nossa.47 Crubellier & Pellegrin, 2002, p. 55.48 Cf. Arist., Ética Nicomaqueia III 5, 1112b20.

28

Page 29: Guia Logica I AVA

Lógica I

baseia em sua doutrina da proposição, sendo os elementos do raciocínio

silogistico três proposições: duas premissas e uma conclusão.

Segundo a definição de Aristóteles, silogismo é:

“um argumento no qual certas coisas, tendo sido supostas (como verdadeiras), alguma coisa diferente resulta da necessidade de sua verdade, sem ser necessário recorrer a algum termo exterior que a verifique”49.

Portanto, uma primeira característica do silogismo é que explicita na

conclusão o que já estava contido nas premissas, ou seja, a dedução silogística é

uma operação mediada que chega ao fim por intermédio de outras proposições ou

juízos.

Outra definição de silogismo explicita uma outra característica

imprescindível: silogismo é “um argumento em que, sendo certas coisas

supostas, se segue necessariamente alguma coisa diferente das coisas supostas

pelo fato de estas coisas se sustentarem”50. Analisando esta definição, torna-se

evidente que a consequência explicitada na conclusão é necessária.

O silogismo contém três proposições, das quais duas são premissas

(premissas maior e premissa menor) e a terceira é a conclusão. A inferência que

permite passar das premissas à conclusão é possível pela presença do termo que o

filósofo chama de “termo médio”, o qual liga dois termos contidos nas premissas

e que são denominados “termo maior, ou extremo maior” e “termo menor, ou

extremo menor”. O termo médio é a causa que justifica a conclusão de que o

termo menor está contido no termo maior. O sujeito da conclusão será, então, o

termo menor e o predicado da conclusão será o termo maior. Finalmente, o termo

que aparece apenas nas premissas é o termo médio.

Para que a inferência seja válida, o raciocínio silogistico deve respeitar

pelo menos as seguintes condições: 1) a premissa maior deve conter o extremo

maior e o termo médio; 2) a premissa menor deve conter o extremo menor e o

termo médio; 3) a conclusão deve conter o termo menor e o termo maior e nunca

deve conter o termo médio, sendo a função deste último aquela de ligar os dois

extremos. O termo médio é o responsável (aitios) pela ligação, e causa (aitia) da 49 Arist., Primeiros Analíticos I 1, 24b18-20.50 Tradução de Barnes para o inglês (traduzido para o português por A. U. Sobral), em Barnes

2005, p. 55.

29

Page 30: Guia Logica I AVA

Lógica I

conclusão.

A dedução silogística envolve, segundo Aristóteles, apenas quatro

tipos de proposições: universais afirmativas, universais negativas, particulares

afirmativas e particulares negativas, como aparece no esquema seguinte:

Tipo de proposição com relação à quantidade e à

qualidadeProposição Relação

A (universais afirmativas) Todos os X são Y X está completamente incluído em Y

E (universais negativas) Nenhum X é Y X está completamente excluído de Y

I (particulares afirmativas) Algum X é Y X está parcialmente incluído em Y

O (particulares negativas) Algum X não é Y X está parcialmente excluído de Y

Além da qualidade e da quantidade, Aristóteles acrescenta que as

proposições são caracterizadas pela relação (as proposições podem ter entre elas

relações contrárias, contraditórias, subalternas) e pela modalidade (necessárias,

impossíveis, possíveis). Os medievais sistematizaram essas relações referindo-se a

elas com a expressão “quadrado dos opostos”, indicando a qualidade e quantidade

das proposições com as vogais A, E, I, O51 .

A distinção entre os vários aspectos das proposições permite a

Aristóteles classificar um juízo pelo combinação de aspectos. Assim, temos um

juízo assertório quando é afirmativo ou negativo; hipotético, quando depende de

uma ou mais condições; disjuntivo, quando comporta uma alternativa. Juízos

particulares hipotéticos os disjuntivos não interessam às ciências, visto que

dependem das circunstâncias e dos acontecimentos, ao passo que os juízos

propriamente científicos são juízos válidos independentemente do tempo ou lugar,

ou seja, juízos apodíticos ou demonstrativos.

Vários filósofos recentes, como por exemplo Bertrand Russell,

fornecem como exemplo de silogismo aristotélico o caso seguinte:

Todos os homens são mortais;

Sócrates é homem;51 Ver Arist., Primeiros Analíticos I 25a. Cf. Chauí, 2006, p. 367.

30

Page 31: Guia Logica I AVA

Lógica I

Sócrates é mortal52.

Esse exemplo parece bem antigo, visto que já se encontra em Sexto

Empírico como exemplo de silogismo peripatético53. Acreditamos que Sexto

Empírico tenha razão, mas Russell não. Como diz Jan Lukasiewicz, um silogismo

peripatético não necessariamente é um silogismo aristotélico e, de fato, o

silogismo citado não é aristotélico, pois não respeita algumas condições que um

silogismo aristotélico requer: em primeiro lugar, a premissa “Sócrates é homem” é

uma premissa particular, sendo Sócrates um sujeito singular, ao passo que o

Estagirita não utiliza termos nem premissas particulares. Seria possível corrigir o

silogismo na forma seguinte:

Todos os homens são mortais;

os Gregos são homens;

os Gregos são mortais.

Contudo, esse silogismo ainda não é um silogismo aristotélico. Tem a

forma de uma inferência (de duas proposições que se acredita sejam verdadeiras, é

trazida uma conclusão54). Esse silogismo não respeita o padrão aristotélico, pois,

como ressalta Lukasiewicz, o Estagirita sempre formulou seus silogismos como

implicações, nas quais duas premissas relacionadas por um termo médio

representam os antecedentes e a conclusão é a consequência. Por exemplo:

Se todos os homens são mortais;

e se todos os Gregos são homens;

então, todos os Gregos são mortais.

Todos os silogismos aristotélicos são condicionais, então, finalmente o

último exemplo bem ilustra um silogismo aristotélico e hoje em dia é dado como

silogismo aristotélico55. Contudo, esse silogismo não aparece nos textos originais. 52 Russell 1946, p. 218. 53 Sextus Empiricus, Hipotiposis Pirronicas, II, 164.54 O termo grego próprio que indica o fato de que é trazida uma inferência é o termo ara.55 As considerações que estamos formulando estão presentes e são bem desenvolvidas no início

31

Page 32: Guia Logica I AVA

Lógica I

Nos Primeiros Analíticos, infelizmente o Estagirita não formula silogismos em

termos concretos. Há um raro exemplo nos Segundos Analíticos:

Se todas as plantas com folhas largas são efêmeras;

e todas as videiras são plantas com folhas largas;

então todas as videiras são efêmeras.

Esse silogismo é sem dúvida aristotélico, visto que foi formulado por

ele mesmo nos Segundos Analíticos II 16, 98b5. Os termos utilizados são

“videiras”, “plantas com folhas largas”, “são efêmeras”. Agora, se este raciocínio

parece agradar Aristóteles, o mesmo parece agradar menos o olhar de um lógico

contemporâneo. O silogismo formulado por Aristóteles indica que o predicado C é

atribuído ao predicado B. Esta constatação não inquieta o Estagirita, que não

percebe diferença alguma entre o modo em que animal se diz do homem e de diz

de certo homem como por exemplo Sócrates56. Por esta razão, se desejamos, como

é costume fazer hoje em dia, presentar a silogística com uma forma de um cálculo,

será preciso introduzir explicitamente objetos singulares indeterminados. As

proposições mencionadas devem assumir a forma seguinte:

Bx→Cx, ou seja, se certo objeto é B, então este objeto é C.

É mesmo possível construir uma lógica das classes:

A está incluído em B e B está incluído em C, de modo que A está

incluído em C.

Aristóteles não parece estar muito preocupado com estas dificuldades.

Um lógico contemporâneo poderia facilmente acusar o filósofo grego de falta de

rigor na formalização. Porém, acreditamos que a postura de Aristóteles depende,

em primeiro lugar de sua ontologia,: os “entes” no sentido mais geral, são

pensados por Aristóteles como atributos e não como sujeitos57, embora seja

verdade que a existência dos primeiros depende da existência de sujeitos

individuais como “Sócrates” ou “este gato aqui”58.

do texto de Lukasiewicz 1951, pp. 1-3.56 Arist., Categorias 3, 1b10.57 Ver parágrafo 1.1 desta Unidade, em particular Os dois tipos de fenômenos complexos

expressos nas proposições.58 Ver Crubellier & Pellegrin, 2002, pp. 49-50.

32

Page 33: Guia Logica I AVA

Lógica I

Mas o silogismo formulado por Aristóteles tem outras traços que

fazem dele um estrangeiro na terra da lógica assim como é concebida por nós.

Todos os tipos de silogismo citados até agora são ilustrações de alguma forma

lógica; porém, não pertencem propriamente à lógica, pois são constituídos por

termos alheios a ela, como por exemplo, “homem”, “videira”, “efêmeras”. Mas a

lógica não é o mesmo que a física, ou a biologia, ou a agronomia; não se ocupa de

animais nem de frutas. Um silogismo que realmente pertence ao campo da lógica

deve retirar seu conteúdo concreto, a matéria da qual se está falando, e manter

apenas a forma do silogismo. Essa operação é um dos méritos maiores do

Estagirita. Aristóteles introduziu as letras no lugar de palavras concretas, e, de

certa forma, justifica essa opção com o fato de que a lógica é uma disciplina geral

que trata de maneira geral todos os argumentos possíveis. Visto que há um

número infinito de argumentos, é impossível para a lógica abordar

individualmente cada um deles. Talvez isso não seja nem necessário. O artifício

de introduzir letras, em vez de usar termos particulares, é útil por várias razões:

permite à lógica abordar de maneira geral uma multiplicidade hipoteticamente

imensa de argumentos e, além disso, lhe permite falar com plena generalidade.

Mesmo que os lógicos hoje em dia sejam acostumados com a invenção aristotélica

e a utilizem inconscientemente, não se deve esquecer o caráter crucial deste

simples artifício: o uso de letras faz da lógica uma ciência geral da

argumentação59.

Se substituirmos a letra A no lugar de "efêmero", a letra B no lugar de

"planta com folhas largas" e a letra C no lugar de "videira", obtemos o silogismo

seguinte:

Se todo o B é A

e se todo o C é B,

então todo o C é A.

Finalmente, esse silogismo é quase inteiramente aristotélico. Contudo,

a bem da verdade, é preciso notar que este último silogismo ainda difere em estilo

59 Cf. Barnes, 2005, pp. 53-54.

33

Page 34: Guia Logica I AVA

Lógica I

do genuíno silogismo. Quando formula um silogismo utilizando letras, o

Estagirita coloca no primeiro lugar o predicado e no segundo lugar o sujeito, ou

seja, ele não diria “se todo o B é A”, mas “se A é predicado de todo o B” (to A

katêgoreitai kata pantos toû B), ou “se A pertence a qualquer B” (to A huparchei

panti toi B). Por esse caminho, chegamos à formulação do mais importante

silogismo de Aristóteles, cuja forma foi posteriormente designada “Barbara”. As

três vogais do nome Barbara, isto é, aaa, indicam que todas as proposições são

universais afirmativas. Esta combinação de proposições representa a primeira

forma do silogismo, aquela que Aristóteles considera a mais perfeita, ao ponto de

afirmar que, se tivesse um silogismo de outra figura e se desejasse ter certeza de

que está correto, dever-se-ia tentar convertê-lo para um modo da primeira figura.

O exemplo de silogismo aristotélico em Barbara é :

Se A é predicado de todo o B (ei A to kata pantos toû B);

e se B é predicado de todo o C (kai to B kata pantos toû C);

é necessário que A seja predicado de todo o C (anagke to A kata

pantos toû C katêgoreisthai)60

A excelência atribuída ao silogismo da primeira figura é justificada

pelo fato de que, no silogismo da primeira figura, o termo médio está na posição

de sujeito na premissa maior, de modo que ele tem o papel de uma substância à

qual é atribuído um predicado. O mesmo termo se torna predicado na premissa

menor, ou seja a substância da primeira premissa se torna um atributo de outro

sujeito na premissa menor. Visto que, na segunda premissa, o termo médio está

incluído em outro sujeito, a ligação entre os termos extremos resulta evidente.

Tentamos justificar a posição de primazia científica dos silogismo da

primeira figura. A premissa maior põe uma substância, geralmente uma espécie, à

qual é predicado o fato de pertencer a um gênero, por exemplo, espécie “astro” e

gênero “cintilar”. Na premissa menor, temos outro sujeito como parte da espécie

que estava como sujeito na premissa maior; por exemplo, “estrela da manhã” e

espécie “astro”. A conclusão torna evidente que, mediante a presença do termo

60 Arist., Primeiros Analíticos I 4, 25b37; cf. I 24a16. Sobre os elementos do silogismo, ver II 1, 53a8; I 1, 24b16.

34

Page 35: Guia Logica I AVA

Lógica I

médio, que é a espécie, o segundo sujeito (estrela da manhã) faz parte do gênero

(cintilar) do qual também o primeiro sujeito faz parte (astro).

Visto que a ciência, segundo Aristóteles, é a demonstração da relação

entre espécie e gêneros, ou da inclusão de um indivíduo numa espécie e da

espécie num gênero, a primazia do silogismo de primeira figura é legítima e o

silogismo da primeira figura parece, aos olhos do Estagirita, o mais apropriado ao

raciocínio científico. Ademais, o cientista sabe o que é um ente se ele souber a que

espécie esse ente pertence; por sua vez, conhece uma espécie se souber a que

gênero pertence. A inclusão do indivíduo na espécie e da espécie no gênero, só é

justificada se o cientista conhece a causa da inclusão, isto é, o termo médio. O

silogismo é exatamente o instrumento que permite demostrar essa inclusão61.

Contudo, para que um silogismo esteja feito, é preciso respeitar as

regras para a sua correta formulação, além de verificar o estatuto das premissas.

São oito as principais regras demonstrativas do silogismo:

1) um silogismo deve ter três termos, dos quais um é o termo maior,

outro o termo menor e o terceiro o termo médio;

2) o termo médio deve aparecer nas duas premissas e pelo menos em

uma delas deve ser tomado como universal. Por exemplo, das

proposições “o beagle é um cachorro” e “o labrador é um cachorro”,

não posso concluir alguma coisa, visto que “cachorro” foi tomado com

extensão particular nas duas ocorrências do termo;

3) nenhum termo pode ser mais extenso na conclusão do que nas

premissas, pois neste caso a conclusão traz mais consequências do que

as premissas permitem; isso implica que uma das premissas pelo

menos deve ser universal;

4) a conclusão não pode conter o termo médio, visto que a função do

termo médio é relacionar os extremos, os quais só podem figurar na

61 Para uma descrição mais detalhada, ver Chauí, 2006, pp. 367-374.

35

Page 36: Guia Logica I AVA

Lógica I

conclusão;

5) não é possível deduzir nada se as duas premissas forem ambas

negativas;

6) é evidente que, de duas premissas afirmativas, deduz-se uma

conclusão afirmativa;

7) a conclusão sempre acompanha a parte mais fraca das proposições;

por exemplo, se uma das premissas é negativa, a conclusão será

negativa, e, se uma das premissas é particular, a conclusão será

particular;

8) nada se segue de suas premissas particulares.

A partir das regras formuladas, o Estagirita cria quatro figuras

(schémata) do silogismo e 64 modos. A diferença entre as figuras depende da

posição do termo médio nas premissas e os modos se referem à natureza das

proposições que constituem as premissas. Embora haja uma combinação tão

numerosa, apenas 10 modos são reputados válidos, isto é, concludentes. Enfim, só

para concluir essa estatística, pela combinação dos 10 modos e quatro figuras, o

Estagirita conclui que há 19 formas de silogismo válidos, nos quais uma dedução

é genuinamente feita.

LEITURAS OBRIGATÓRIAS

ANGIONI, L. Introdução à teoria da predicação em Aristóteles. Campinas: Editora Unicamp, 2006.

CHAUÍ, M. Introdução à história da filosofia – Dos pré-socráticos a Aristóteles. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. (Em particular: “Lógica Aristotélica” e “Categorias”)

36

Page 37: Guia Logica I AVA

Lógica I

SUGESTÕES DE LEITURA

BARNES, J. “Proof and the syllogis”. In: BERTI, E. (ed.) Aristotle on science. Padova: Antenore, 1981, pp. 17-59.

FREDE, M. & STRIKER, G. (eds.) Rationality in Greek thought. Oxford: Clarendon Press 1996.

ATIVIDADES AVA

Após as leituras obrigatórias, acesse o Ambiente Virtual de

Aprendizagem e desenvolva as atividades referentes a esta

Subunidade.

37

Page 38: Guia Logica I AVA

Lógica I

UNIDADE 2Silogismo demonstrativo e apreensão dos princípios

A segunda Unidade é focada na teoria do silogismo apodítico, ou demonstrativo, e

sobre a apreensão das premissas do silogismo científico.

38

Page 39: Guia Logica I AVA

Lógica I

2.1 O silogismo científico ou demonstração

Depois de ter mostrado claramente, nos Analíticos Primeiros, como é

constituído um silogismo – ou seja, a partir de quais termos, de quais premissas, e

de quais relações entre os termos e as premissas –, Aristóteles se concentra, nos

Segundos Analíticos, no estudo de uma espécie de silogismo de um âmbito

específico de utilização do raciocínio silogístico: o âmbito da ciência

propriamente dita, baseada no método demonstrativo. A análise das

demonstrações é um caso particular da análise do silogismo em geral, e a

demonstração se caracteriza pela exigência de que seja respeitado um número

maior de obrigações e pela natureza das premissas. Lá onde os Primeiros

Analíticos se contentam com premissas sensatas e capazes de fornecer

combinações válidas para produzir uma conclusão, os Segundos Analíticos

pretendem formular condições e requisitos de verdade nas premissas. Isso é

necessário se a demonstração deve servir de fundamento do conhecimento

científico.

A estrutura dos Segundos Analíticos é menos distinta que aquela dos

Primeiros, exceto pela divisão, segundo Crubellier “só aparente”62, do tratado

entre a teoria da demonstração, contida no livro I, e teoria da definição, que ocupa

a maior parte do livro II. No livro I, depois da definição de ciência63, Aristóteles

fornece os atributos das premissas científicas64 e as principais características que

nos permitem distinguir uma argumentação verdadeiramente científica65. A

discussão sobre a definição, que ocupa o livro II, é considerada como um

desenvolvimento de um ponto relacionado à determinação dos princípios, visto

que a definição é enumerada por Aristóteles entre os princípios do silogismo

apodítico, ou demonstrativo66. Não obstante, como veremos na Unidade III, a

importância da definição vai além do fato de ser apenas um princípio válido do

silogismo científico. Para Aristóteles, é evidente que uma boa definição é como

“uma dedução do “o que é”, que difere da real demonstração pela sua forma

62 Crubelleir & Pellegrin, 2002, p. 58.63 Capítulos 1-3.64 Capítulos 4-18.65 Capítulos 19-23.66 Arist., Segundos Analíticos I 2, 72a14; I 10, 76b3.

39

Page 40: Guia Logica I AVA

Lógica I

indireta”, ou como “a conclusão da demonstração do “o que é”67. É preciso

ressaltar o fato de que Aristóteles é muito cuidadoso no uso dos termos

“silogismo” e “demonstração” relativamente à definição da essência, pois do “o

que é” não se produz silogismo nem demonstração. Contudo, o cientista não pode

definir corretamente se ele não possuir os elementos de uma demonstração. Visto

que uma boa definição deve fornecer a causa do fenômeno definido, as análises

mais completas e mais precisas da teoria da explicação ou da demonstração

científica se encontram no livro II dos Segundos Analíticos 68.

Aristóteles fornece a definição de conhecimento científico na abertura

dos Segundos Analíticos:

“Julgamos conhecer cientificamente uma coisa qualquer, sem mais (e não do modo sofístico, por acidente), quando julgamos reconhecer, a respeito da causa pela qual a coisa é, que ela é causa disso, e que não é possível ser de outro modo. É evidente que conhecer cientificamente é algo deste tipo; pois tanto os que não conhecem julgam estar assim dispostos, como também os que conhecem assim se dispõem de fato; por conseguinte, é impossível que seja de outro modo aquilo de que, sem mais, há conhecimento científico”69.

Aristóteles anuncia aqui o seu propósito de analisar nos Segundos

Analíticos uma forma de conhecimento particular, que designa com o termo grego

epistasthai, “conhecer”, e com o substantivo episteme.

Não é possível pensar em traduzir o termo grego numa palavra da

língua portuguesa que respeite a riqueza e a peculiaridade da palavra grega. Com

certeza, o termo indica a posse de competências especializadas e, mais do que

isso, a capacidade de formular regras universais e de conhecer o “porquê”70 do

fenômeno buscado. Considerando tudo isso, é evidente que é legítimo traduzir

episteme com “ciência”71, mas uma advertência se faz necessária. Hoje em dia,

pensamos a ciência como um conjunto coerente de proposições verdadeiras, e

imaginamos o conjunto como algo independente dos indivíduos que contribuem

para o seu desenvolvimento e que o conhecem. Essa ideia talvez não seja alheia ao

próprio Aristóteles e é fácil reconhecer nos Analíticos um momento determinante

67 Arist., Segundos Analíticos II 10, 94a12.68 Esse ponto aparecerá de forma mais clara na próxima Unidade.69 Arist., Segundos Analíticos I 2, 71b9-16. Tradução de Lucas Angioni.70 Cf. Arist., Metafísica I 1.71 Muitos comentadores anglo-saxões – por exemplo, Myles Burnyeat – traduzem o termo por

“understanding, understanding knowledge”. Ver Burnyeat, 1981, pp. 97-139.

40

Page 41: Guia Logica I AVA

Lógica I

na constituição desta noção de ciência. Contudo, não é isso o sentido peculiar que

o termo grego episteme tem na passagem citada. Quando Aristóteles escreve:

“Julgamos conhecer cientificamente uma coisa qualquer ...” não se trata apenas

de procurar um assunto de pesquisa. O conhecimento é pensado como uma certa

disposição72 do pesquisador em relação ao objeto. A ciência é uma disposição

interna do sujeito, que o torna capaz de perceber um fenômeno num certo estilo e

de dar conta dele satisfazendo exigências peculiares: a ciência é inseparável do

exercício de um raciocínio específico73.

Ademais, a ciência é considerada um tipo de conhecimento

verdadeiro. “Será que existe um “saber” verdadeiro e um falso?” pergunta

Sócrates a Górgias74 no diálogo homônimo; “O conhecimento científico é sempre

verdadeiro”, confirma Aristóteles75. Ciência é, portanto, um tipo de conhecimento

objetivo e exato, como prova o caráter necessário das verdades científicas.

O conhecimento científico é, segundo Aristóteles, um tipo de

conhecimento demonstrativo e a demonstração é um tipo particular de silogismo,

o silogismo apodítico ou causal76. Todos os atributos próprios ao conhecimento

científico são retomados por Aristóteles na sua definição de demonstração

(apodeixis):

“Se há também um outro modo de conhecer cientificamente, investigaremos depois, mas afirmamos que de fato conhecemos através de demonstração. E por “demonstração” entendo o silogismo científico; e por “científico” entendo aquele segundo o qual conhecemos cientificamente por possuí-lo. Assim, se o conhecer cientificamente é como propusemos, é necessário que o conhecimento demonstrativo provenha de itens verdadeiros, primeiros, imediatos, mais cognoscíveis que a conclusão, anteriores a ela. Pois é deste modo que os princípios serão de fato apropriados ao que se prova. É possível haver silogismo mesmo sem tais itens, mas não é possível haver demonstração. Pois tal silogismo não poderia propiciar conhecimento científico”77.

72 A palavra grega que indica a “disposição” ou o “estado cognitivo” é o termo hexis.73 Ver Crubellier & Pellegrin, 2002, p. 52.74 Platão, Górgias 454c-d; cf. República I 340c.75 Arist., Metafísica I 1, 981a12. Cf. Segundos Analíticos I 33; II 19; De Anima III 428a16; EN

VI 3, 1139b15.76 Arist., Segundos Analíticos I 2, 71b16-19; cf. Primeiros Analíticos I 4, 25b26-31; Segundos

Analíticos II 7, 92a34-37; I 6, 74b26-32; I 13, 78a22-79a16; I 14, 79a17-24; I 24, 88b23-27; I 31, 87b33-88a11; I 2, 71b9-19; II 2, 89b36-90a11.

77 Arist., Segundos Analíticos I 2, 71b16-25. Tradução de Lucas Angioni.

41

Page 42: Guia Logica I AVA

Lógica I

O silogismo científico ou apodítico, além de respeitar as regras para a

formulação de um silogismo válido, deve respeitar algumas condições e requisitos

de verdade nas premissas. Isso é necessário se o sistema silogístico deve servir de

fundamento para um sistema de conhecimento. As premissas do silogismo

científico têm de ser verdadeiras78; imediatas ou indemonstráveis e primeiras79;

universais80 e necessárias81; mais conhecidas, isto é, algumas leis da ciência devem

ser evidentes; anteriores e causas da atribuição feita na conclusão, segundo o que

é explicado nos primeiros seis capítulos do tratado.

Como explica Barnes, está claro que as premissas devem ser

verdadeiras, visto que do contrário não poderiam fundamentar um conhecimento

universal e necessário como o é o conhecimento cientifico; é igualmente claro que

as premissas não podem ter verdades anteriores a elas das quais elas sejam

derivadas, isto é, as premissas do conhecimento científico são imediatas e

primeiras; na medida em que nosso conhecimento científico depende delas, as

premissas devem ser mais conhecidas do que as verdades derivadas e a condição

final da relação de Aristóteles é que as premissas sejam anteriores à conclusão e

causa dela. Visto que nosso conhecimento das verdades derivadas se apoia nas

premissas e o conhecimento envolve a apreensão das causas, as premissas têm que

enunciar as causas últimas que explicam os fatos82.

O método de pesquisa propriamente científico é constituído, segundo

Aristóteles, por duas etapas: a primeira etapa consiste na indução dos princípios

explicativos a partir da observação de um fenômeno; a segunda consiste na

dedução de conclusões a partir de premissas que incluem os princípios induzidos.

Mais detalhadamente, num primeiro momento o cientista observa que certos

atributos estão presentes nos entes. No segundo momento, o pesquisador realiza

uma explicação científica quando as afirmações acerca desses atributos são

inferidas a partir dos princípios explicativos. Então, o conhecimento é o resultado

da passagem da observação de um fenômeno para as razões (causas) intrínsecas à

ocorrência do mesmo.

78 Arist., Segundos Analíticos I 2, 71b26-27; I 2, 72a6-7; I 3, 72b18-25.79 Arist., Segundos Analíticos I 2, 72a7-8. Cf. I 23, 84b31-85a1; I 15, 79a38.80 Arist., Segundos Analíticos I 4, 73a21-74a4.81 Arist., Segundos Analíticos I 6, 74b5-75a32.82 Ver Barnes, 2005, pp. 58-59.

42

Page 43: Guia Logica I AVA

Lógica I

Talvez seja útil fornecer uma ilustração do processo de análise do

cientista83.

O arco da ciência aristotélica

A etapa indutiva consiste em generalizações a partir da observação

(indução por simples enumeração); por exemplo: se se observa uma característica

específica em vários animais, presume-se que seja verdadeiro afirmar que a

mesma pertence a todos os elementos daquela espécie.

No parágrafo 34 do livro I dos Segundos Analíticos, Aristóteles

fornece o exemplo de outro tipo de indução, que hoje é conhecido como

“abdução” e que poderia ser definida como uma indução intuitiva, visto que

princípios gerais são extraídos diretamente da observação do fenômeno. O

exemplo do Estagirita é: quem observa várias vezes que o lado brilhante da lua

está voltado para o sol, pode inferir que o brilho da lua é provocado pela luz solar

refletido na lua. Esse tipo de indução está sujeito a erros e às vezes, diz

Aristóteles, deve ser abandonado84. Os princípios explicativos alcançados na

primeira etapa serão utilizados na segunda como premissas do raciocínio

silogístico.

83 Ver Oldroyd 1986. 84 Um erro no qual Aristóteles incorreu utilizando a abdução foi pensar que a Lua está presa

numa esfera cristalina, depois de ter observado que a lua descreve um movimento circular em torno da terra sem cair e sem sair voando.

43

Page 44: Guia Logica I AVA

Lógica I

Depois de ter feito a experiência, o cientista deve decompor os

enunciados que constituem suas observações em seus elementos constituintes

destacando as relações existentes entre os fatos experimentados, como no

esquema que segue:

A●_________________________________●C

A●________________●B______________●C

A●______●D_______●B______●E______●C

A proposição que deve ser demonstrada (ou seja, a conclusão do

silogismo) é A – C: o termo C é o predicado e, o termo A, o sujeito. O problema

consiste em achar um termo B que facilite a passagem de A a C, sendo uma etapa

intermédia. A divisão do segmento A – C produz duas novas proposições A – B e

B – C que são as premissas do silogismo. Se for necessário, é preciso demonstrar

também as duas premissas recorrendo ao mesmo método, até que se chegue às

premissas primeiras, ou seja, àquelas premissas que não precisam de outros

antecedentes85.

Um exemplo aristotélico pode ajudar na compreensão.

Sejam: A, eclipse; B, incapacidade de fazer sombra em noite de Lua

cheia; C, Lua.

A observação “Nesta noite a Lua não é capaz de fazer sombra”

representa o segmento A – C.

Por quê?

Porque há um eclipse e um eclipse é a incapacidade de fazer sombra

em noite de Lua cheia: segmentos A– B– C.

Se A é atribuído a B

e se B é atribuído a C

então, A é atribuído a C.

A Lua sofre um eclipse. Por quê? Ou seja, “o que é um eclipse”?

Temos que decompor o segmento A– B em A– D – B.

Sejam: A, Lua; D, incapacidade de fazer sombra em noite de Lua

cheia; B, interposição da Terra.

85 Crubellier & Pellegrin, 2002, p. 57.

44

Page 45: Guia Logica I AVA

Lógica I

A interposição da Terra provoca a incapacidade de fazer sombra no

plenilúnio: segmento D – B; a incapacidade de produzir sombra em noite de Lua

cheia é atribuída à Lua: segmento D – A; portanto, a interposição da Terra é

atribuída à Lua e isso é um eclipse: B –A.

Se B é atribuído a D

e se D é atribuído a A;

então, a interposição da Terra se atribui à Lua.

A etapa que se caracteriza pela formação de inferências (silogismo)

consiste, portanto, basicamente na formação de conclusões deduzidas das

premissas que a antecedem e que são sua explicação ou sua causa.

A investigação científica conduz necessariamente à busca do “porquê”

e da definição e a busca do “porquê” e da definição conduz à busca do termo

médio que é a causa (aitia) que justifica a ocorrência do fenômeno. O termo grego

aitia pode ser traduzido também por “explicação”, além de “causa”, e esta escolha

interpretativa é comum entre os exegetas dos tratados lógicos do Estagirita. Não

obstante, é importante ressaltar que o objetivo da teoria da explicação de

Aristóteles não é limitar-se a dar conta dos fenômenos produzindo apenas

esquemas mentais ou linguísticos plausíveis. Encontra-se sem dúvida presente

uma intenção realista no programa de pesquisa das causas. Isso aparece de forma

clara quando Aristóteles examina o conjunto dos três termos nos quais os dois

termos universais têm a mesma extensão, de forma que seria possível formular

dois silogismos diferentes e ambos válidos.

O exemplo aristotélico no livro I dos Segundos Analíticos é o

seguinte86:

Primeira formulação:

Se todos os corpos que não cintilam estão próximos à Terra

E se todos os planetas são corpos que não cintilam

Então, todos os planetas estão próximos à Terra.

Segunda formulação:

Se todos os corpos que estão próximos à Terra não cintilam

86 Cf. Pessoa em: www.fflch.usp.br/df/.../TCFC1-10-Cap04.pdf

45

Page 46: Guia Logica I AVA

Lógica I

e se todos os planetas são corpos que estão próximos à Terra

Então, todos os planetas são corpos que não cintilam.

Como comenta Crubellier, os dois silogismos são válidos e, num

primeiro momento, não seria chocante resumir o primeiro afirmando que os

planetas são próximos pelo fato de que não cintilam. Contudo, Aristóteles acredita

que apenas o segundo silogismo é um “silogismo do porquê”, ao passo que o

primeiro silogismo apenas permite conhecer o fato, mas não sua causa. Entre os

termos, há uma relação de anterioridade/posterioridade que não é nem uma

relação epistemológica nem lógica. O fato de que os planetas não cintilam é mais

conhecível para nós, de modo que é certo afirmar que “conhecemos” que os

planetas estão próximos à Terra porque “vimos” que não cintilam. A relação de

anterioridade é mesmo independente da extensão lógica dos termos, como mostra

o fato de que os três termos (corpo que não cintila; corpo próximo à Terra;

planeta) têm a mesma extensão87. A escolha de uma ordem no lugar de outra

poderia parecer arbitrária, porém a ordem “planeta – próximo à terra – não cintila”

traduz o modo pelo qual os predicados se organizam na realidade. Uma

justificação poderia ser a seguinte: a designação “planeta” visa esse tipo de corpo

na sua essência; o predicado “próximo à Terra” é um atributo essencial, ao passo

que a luminosidade, mesmo que pertença aos planetas necessariamente, deriva da

sua necessidade da proximidade e não o oposto. Acompanhando a explicação de

Crubellier, é possível também ressaltar a razão pela qual a causa é associada ao

termo médio. O silogismo que mostra a causa e que possui, por isso, valor

explicativo, é necessariamente um silogismo da primeira figura, no qual o termo

médio é presente de fato numa posição intermédia88:

Se todo o B é A

e todo o C é B,

então todo o C é A.

O silogismo de primeira figura tem o mérito de representar por

excelência a explicação perfeita e acabada89.

87 No âmbito da logica formal clássico ou aristotélica, a expressão “extensão de um termo” designa o número de indivíduos aferidos a um termo; pode ser universal, isto é na sua totalidade, ou particular.

88 Crubellier & Pellegrin, 2002, pp. 65-66.89 Arist., Segundos Analíticos I 14.

46

Page 47: Guia Logica I AVA

Lógica I

Aristóteles defende amplamente sua teoria do silogismo, ao ponto de

acreditar que toda possível inferência dedutiva consiste em uma cadeia mais ou

menos complexa de argumentos do tipo que ele apresentou. Parece que ele mesmo

está afirmando que conseguiu uma lógica completa: “Toda prova e toda

inferência (silogismo) têm de vir a partir das figuras que descrevemos”90. A

pretensão aristotélica de ter conseguido chegar a uma lógica quase perfeita é

audaciosa e falsa. É evidente que existem várias inferências que a teoria do

Estagirita não contempla. A razão dessa falha é simples. Se a teoria da inferência

é baseada na teoria da proposição, como vimos na primeira Unidade, as

deficiências da teoria da proposição refletem-se na teoria da dedução. Contudo,

essas deficiências passaram despercebidas durante milênios desde a morte do

Aristóteles. Os pensadores ficaram positivamente impressionados com a elegância

e a força do pensamento lógico proposto pelo mestre do Liceu e os Analíticos

foram propostos pelos sucessores como um exemplo de verdade lógica. Mesmo

que hoje seja fácil trazer à luz as várias imperfeições do cálculo dos predicados de

Aristóteles, as dificuldades internas ao sistema, os erros e as obscuridades do

texto, os Primeiros Analíticos continuam sendo considerados de fato uma obra de

incrível genialidade. Todos os pensadores certamente concordam que, nos

Analíticos, as falhas são menores do que o complexo valor do tratado. Como

comenta Barnes,

“Trata-se de obra elegante e sistemática; seus argumentos são organizados, lúcidos e rigorosos; e ela atinge um notável nível de generalidade. Se já não pode ser considerada uma lógica completa, ela ainda pode ser admirada como um fragmento quase perfeito de lógica”91.

90 Arist. , Segundos Analíticos I 23, 41b1-3.91 Barnes, 2005, p. 56.

47

Page 48: Guia Logica I AVA

Lógica I

LEITURAS OBRIGATÓRIAS

ARISTÓTELES. “Segundos Analíticos, livro I”. (Trad. Lucas Angioni). In: Cadernos de Tradução. Nº 7. Campinas: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/Unicamp, 2002.

ARISTÓTELES. “Segundos Analíticos, livro II”. (Trad. Lucas Angioni). In: Cadernos de Tradução. Nº. 4, Campinas: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/Unicamp, 2004.

PORCHAT O . Ciência e Dialética em Aristóteles. São Paulo: Editora UNESP, 2001. (Em particular a primeira parte, relativa à ciência).

SUGESTÕES DE LEITURA

BERTI, E. (ed.) “Aristotle on science: the Posterior Analytics”. In: Proceedings of the 8th Symposium Aristotelicum. Padova: Editora Antenore, 1981.

FREDE, M. & STRIKER, G. (eds.) Rationality in Greek thought. Oxford:Clarendon Press, 1996.

GRANGER, G. G. La théorie aristotelicienne de la science. Paris: Aubier, 1976.

ATIVIDADES AVA

Após as leituras obrigatórias, acesse o Ambiente Virtual de

Aprendizagem e desenvolva as atividades referentes a esta

Subunidade.

48

Page 49: Guia Logica I AVA

Lógica I

2.2 Apreensão dos princípios da demonstração

A partir de Zabarella, filósofo italiano da Renascença, e Bacon, a

forma de racionalidade da qual Aristóteles é tradicionalmente considerado o pai

fundador é indubitavelmente a ciência apodíctica ou demonstrativa, da qual temos

descritos os elementos principais nos parágrafos 1.2) e 2.1) respectivamente da

Unidade 1 e da Unidade 2. Não obstante, além da ciência demonstrativa,

Aristóteles dedica-se também a um outro tipo de racionalidade e com uma

amplitude bem maior, visto que a ela são destinados os oito livros dos Tópicos e o

livro das Refutações Sofisticas, que parece uma natural continuação dos Tópicos.

O mesmo Aristóteles tem orgulho do seu próprio trabalho nesse âmbito, ao ponto

de se considerar o primeiro pensador a realizar semelhante tarefa.

No exórdio dos Tópicos o filósofo oferece uma primeira

caracterização da dialética:

“Nosso tratado se propõe encontrar um método de investigação graças ao qual geralmente possamos raciocinar partindo de opiniões geralmente aceitas (endoxa) sobre qualquer problema que nos seja proposto, e sejamos também capazes, quando replicamos a algum argumento, de evitar dizer alguma coisa que nos causa embaraços”92.

A prática da dialética apresenta-se de uma forma bem diferente da

demonstração. Aristóteles alude a uma situação de diálogo na qual o instrumento

utilizado pelos interlocutores é a argumentação. O objeto ao qual a dialética se

aplica é o “problema”, que Aristóteles, ao longo do tratado, define como uma

alternativa entre duas proposições, concernentes, por exemplo, a uma definição,

na qual uma é a negação da outra93. A forma típica da dialética é, com efeito, a

contradição (antiphasis), organizada na oposição entre uma afirmação

(kataphasis) e uma negação (apophasis), e caracterizada pelo fato de não admitir

entre a afirmação e sua negação nenhuma possibilidade intermediária. A

argumentação que conclui com uma contradição foi denominada por Aristóteles,

“refutação” (élenchos). Como diz Berti, o termo élenchos, antes ainda de

92 Arist., Tópicos, I 2, 101a28-34.93 Arist., Tópicos. I 4, 101b32-34.

49

Page 50: Guia Logica I AVA

Lógica I

refutação, significa “pôr à prova”. Mas, segundo o especialista italiano, as duas

coisas estão relacionadas porque o modo mais seguro para examinar uma tese, isto

é, para pô-la à prova, é procurar refutá-la94.

Aristóteles distingue vários âmbitos em que a dialética encontra uma

utilização apropriada: pela preparação da própria prática no uso dos discursos

(pros gymnásian); nas discussões que venham a acontecer com outros (pros tas

entéuxeis); em relação às ciências propriamente ditas, ou seja, as ciências

filosóficas.

O terceiro uso é sem dúvida o mais interessante. Escreve o filósofo:

“A dialética é útil para as ciências filosóficas, isto é, as ciências teóricas, porque (I) sendo capazes de percorrer as aporias em ambos os sentidos, perceberemos mais facilmente, em cada caso, o verdadeiro e o falso; (II) e ainda (eti de) no que concerne às primeiras dentre as proposições que respeitam a cada ciência. De fato, é impossível a partir dos princípios apropriados à ciência em questão, dizer algo sobre eles mesmos; mas é por meio das proposições aceitas a respeito de cada ponto que é necessário discorrer sobre eles. (III) Ora, esta é a tarefa própria, ou mais apropriada, à dialética, pois (IV) de natureza peirastica95, ela (V) possui o caminho (hodon echei) que leva aos princípios de todas as doutrinas cientificas”.96

Para apreciar o valor da dialética com relação à ciência filosófica é

preciso que se tenham presentes as indicações que Aristóteles nos fornece: 1) que

a dialética se põe, neste caso, no interior de um processo de conhecimento

propriamente dito; 2) que seu uso tem a ver, como é típico para esta forma de

racionalidade, com aporias, ou seja, situações de dificuldades devidas à

“igualdade de raciocínios opostos”; 3) que a tarefa da dialética é “desenvolver as

aporias em ambos as sentidos, ou em ambas as direções”, ou seja, a dialética nos

permite deduzir até as últimas consequências as conclusões que derivam de cada

uma das alternativas. O fim do dialético é constatar se o pesquisador chega ou não

a conclusões contraditórias.

94 Berti 1998, p. 7. Para uma descrição geral das características da dialética, utilizamos a apresentação que Berti faz dessa forma de racionalidade, no texto acima citado.

95 O termo é uma transliteração do termo grego “peirastike”. A tradução mais próxima ao termo grego é “natureza examinativa da dialética”, no sentido de “pôr tudo à prova”.

96 Arist., Tópicos, I 2, 101a28-38. Escolhemos dividir o texto para uma melhor compreensão da análise. Na análise da passagem, utilizamos o estudo de Oswaldo Porchat 2001; e sobretudo o comentário de Marco Zingano ao estudo de Porchat em relação ao trecho que estamos analisando em Analytica, Revista de filosofia, Vol. 8 n. 1, Uma discussão crítica de Ciência e dialética em Aristóteles de Oswaldo Porchat.

50

Page 51: Guia Logica I AVA

Lógica I

Enfim, o procedimento dialético permite ver com maior facilidade

qual das duas soluções é verdadeira e qual é falsa. A terceira possibilidade

oferecida pela dialética aparentemente já foi explorada por Platão no Parmênides.

Nesse diálogo, Platão deduz as consequências que derivam de duas soluções

opostas de uma mesma aporia para ver quais levam a conclusões impossíveis.

Mas há também um outro motivo pelo qual a dialética é útil à ciência

filosófica: em relação às primeiras entre as proposições concernentes a cada

ciência. Esse ponto põe em jogo o problema do conhecimento dos princípios de

cada ciência. Aristóteles confirma a impossibilidade de demonstrar os princípios,

pois qualquer demonstração pressupõe derivar as consequências a partir de

princípios, mas os princípios são já em si mesmos princípios, e por isso,

indemonstráveis. O problema que é preciso enfrentar nessa altura é decidir em que

medida a dialética tem relações com a busca dos princípios. E com relação a esse

problema, os pontos a serem analisados são muitos. Limitamo-nos aos mais

significativos.

1) A primeira alusão à utilidade da dialética no âmbito filosófico

(proposição I) não está diretamente relacionada com a busca dos princípios e é

apenas no segundo ponto que os princípios são mencionados (proposição II).

Embora algumas traduções apresentem uma clara continuidade entre as

proposições I e II do texto aristotélico, é evidente que Aristóteles quer, de certa

forma, separá-las, visto que II é introduzido com “e ainda” (eti de, no grego)97.

Vários tradutores caíram na tentação de encontrar uma continuidade entre os dois

pontos e ignorar o sentido próprio da expressão “e ainda” no grego, pois

Aristóteles dissera no início que o tratado era útil para três coisas, mas acabou por

listar quatro coisas. Estamos de acordo com a leitura de Zingano, que separa as

proposições I e II, pois a descoberta do verdadeiro e do falso na proposição I, não

acontece apenas no nível dos primeiros princípios, ao passo que o papel da

dialética na proposição II é realmente algo especial. Então, tudo se passa como se

o filósofo tivesse acrescentado um outro uso.

2) O filósofo afirma que a dialética é útil em relação aos princípios

97 Seguimos a leitura e interpretação do texto fornecidas por Zingano em Uma discussão crítica de Ciência e dialética em Aristóteles de Oswaldo Porchat, em Analytica, Revista de filosofia, Vol. 8 n. 1.

51

Page 52: Guia Logica I AVA

Lógica I

próprios a cada ciência. Se a dialética é útil aos princípios de cada ciência, ela será

útil também no tocante aos princípios de todas as ciências. Os princípios de cada

ciência são aqueles a partir dos quais o cientista deduz as consequências; ao passo

que os princípios de todas as ciências são aqueles por meio dos quais o cientista

deduz, como é o caso do princípio de não contradição. É importante saber se a

dialética consegue fazer isso por si só, ou se ela é apoiada por uma outra

faculdade nesse caminho.

Diferentes autores envolveram-se na tentativa de resolver essas

aporias e seria impossível fornecer, nos limites deste nosso curso, um quandro

interpretativo exaustivo. Nem é preciso fazer isso, visto que nosso objetivo é o

aparato lógico de Aristóteles. Limitamo-nos apenas a lembrar as linhas principais

do debate. Em seu texto magistral Sobre Ciência e dialética em Aristóteles, o

professor Oswaldo Porchat mantém uma postura cautelosa, afirmando que a

dialética faz emergirem os princípios de cada ciência, embora ela não os

engendre, ao passo que Robin Smith, no artigo Aristotle's on the use of dialectic98,

sustenta que a passagem que estamos analisando não diz respeito aos princípios de

cada ciência, mas aos princípios comuns a todas as ciências. Em seu comentário

ao texto de Porchat, Marco Zingano concorda com a leitura e com a tradução de

Porchat, segundo as quais a dialética diz respeito aos princípios próprios, ou

primeiros, de cada ciência e confirma que isso é claro ao longo do texto. É apenas

na última linha da passagem citada, que o filósofo grego acrescenta uma alusão

aos princípios de todas as ciências: a proposição (V) diz: possui o caminho que

leva aos princípios de todas as doutrinas científicas. Como destaca Zingano, isso,

porém, não exclui a presença dos princípios de cada disciplina, visto que os

princípios comuns a todas as disciplinas são, justamente, comuns a “todas” elas.

3) Esclarecido esse ponto, há outro ponto na proposição (V) que

precisa ser analisado e que talvez seja o mais importante: a tradução e

compreensão da expressão “possui o caminho que leva aos princípios”. “Possui o

caminho” traduz a expressão grega “hodon echei”.

Zingano acredita que a expressão não possui esse sentido, mas que se

trata de uma expressão idiomática, cujo sentido pode ser esclarecido apenas com

98 Smith 1993.

52

Page 53: Guia Logica I AVA

Lógica I

um paralelo com outros textos de Aristóteles. Zingano cita o uso da mesma

expressão em Metafísica I 4, quando é dito que as diferenças quanto ao gênero

“não se comunicam (hodon echei) umas com as outras”. O sentido da passagem é

que as diferenças quanto ao gênero não têm nada a ver uma com a outra, isto é,

não se comunicam uma com a outra.

Segundo a interpretação de Zingano, portanto, o texto dos Tópicos, no

qual a expressão é utilizada, quer afirmar que cada ciência não pode dizer algo

sobre seus próprios princípios, ao passo que isso é possível para a dialética, pois a

dialética não possui as mesmas limitações que as ciências individuais. Isso

corresponde a afirmar que a dialética pode encontrar os primeiros princípios ou,

pelo menos, fazer emergirem os primeiros princípios, segundo a leitura de

Porchat? Segundo Zingano, nada disso, e, para confirmar sua interpretação, o

estudioso traz um caso interessante: uma passagem de Metafísica Gamma 4.

Em Metafísica Gamma 4, Aristóteles se propõe a refutar as pessoas

que negam o princípio de não contradição. A estrutura do texto é bem cabeluda,

mas felizmente, não é preciso discuti-la agora. O que é necessário destacar é que o

filósofo, o que quer que ele esteja fazendo, não está tentando encontrar o caminho

que leva ao princípio de não contradição, mas barrar o caminho a quem não o

reconhece. Dito de outro modo, o uso da dialética é necessário para barrar o

caminho a quem se nega a reconhecer o princípio, ao passo que a aquisição do

princípio mesmo é feita com outros meios. Como diz o Zingano: a lição da

dialética é unicamente negativa99.

E se não é a dialética que conduz aos primeiros princípios, o que será

que nos leva até lá?

A propósito da aquisição dos primeiros princípios, o capitulo II 19 dos

Analíticos Segundos menciona a inteligência e a indução em estrita conexão uma

com a outra, porém não há menção alguma de uma intervenção da dialética. Para

concluir, e a despeito de reconhecer a elegância e a fecundidade da argumentação

do Porchat, concordamos com a leitura de Zingano com relação à possibilidade de

usar a dialética na aquisição dos primeiros princípios. A dialética não tem a

função de elucidar a relação entre indução e inteligência ou de fazer emergirem os

99 Zingano traz também uma passagem de Física I 2-3, como confirmação da sua interpretação.

53

Page 54: Guia Logica I AVA

Lógica I

primeiros princípios. A dialética tem utilidade na sua tarefa de pôr tudo à prova,

mas, no tocante à aquisição dos princípios, sua tarefa é, para usar a expressão de

Zingano, apenas negativa: a dialética pode sempre dizer algo a respeito dos

princípios, porém, via negationis100 e a aquisição dos primeiros princípios só será

possível mediante a inteligência e a indução em estrita conexão uma com a outra.

LEITURAS OBRIGATÓRIAS

BERTI, E. As razões de Aristóteles. (Trad. Dion David Macedo). 1ª ed. São Paulo: Loyola, 1998. (Em particular o primeiro capítulo dedicado a “Apodítica e dialética”).

PROCHAT, O. Ciência e Dialética em Aristóteles. São Paulo: Editora UNESP, 2001. (Em particular, a segunda parte do texto, dedicada a dialética da apreensão dos princípios).

SUGESTÕES DE LEITURA

AUBENQUE, P. “La dialectique chez Aristote”. In: VV. AA. L’attualità della problemática aristotélica. Padova: Editrice Antenore, 1967.

BRUNSCHWICG J. “Dialectique et ontologie chez Aristote”. In: AUBENQUE, Pierre (ed.) Études aristotéliciennes – Metaphysique et théologie. Paris: Vrin, 1985.

ATIVIDADES AVA

Após as leituras obrigatórias, acesse o Ambiente Virtual de

Aprendizagem e desenvolva as atividades referentes a esta

Subunidade.

100 Porchat não foi o único a defender a capacidade da dialética no investigar os princípios. Berti (em Berti 1998) atribuiu à dialética um papel decisivo em relação à investigação dos princípios. Berti viu na refutação dos que negam o princípio de não contradição um caso de verdadeira demonstração dialética, com uma força não inferior à demonstração matemática.

54

Page 55: Guia Logica I AVA

Lógica I

UNIDADE 3Teoria e sua realização

Com a terceira Unidade, propomos descer a teoria do céu à terra, ou seja,

contextualizar a teoria na prática cientifica, mostrando o uso que Aristóteles faz da

lógica no exame da ciência da natureza.

55

Page 56: Guia Logica I AVA

Lógica I

3.1 Silogística aplicada ao conhecimento da realidade

Nos Segundos Analíticos, Aristóteles oferece diversas reflexões que

poderiam ser entendidas como uma teoria da ciência. Como vimos na segunda

Unidade, o filósofo busca estabelecer os critérios que uma disciplina qualquer

deve respeitar e satisfazer para legitimamente receber “a designação de

'conhecimento científico' [episteme]”101.

No capitulo primeiro do livro II dos Segundos Analíticos, Aristóteles

distingue quatro objetos de pesquisa científica: “O que é suscetível de

investigação é igual em número a tudo quanto conhecemos. Investigamos quatro

coisas: o “que (hoti)”, o “por que (dioti, dia ti)”, “se é (ei estin)”, o “o que é (to

ti esti)”102.

Os quatro objetos que podem ser investigados cientificamente são:

1) o “que (hoti)”, que corresponde a procurar se tal sujeito possui tal

atributo, ou seja se tal sujeito é a tal coisa;

2) o “por que (dioti, dia ti)”, que corresponde a procurar pela causa

que explica por que tal sujeito possui tal atributo;

3) o “se é (ei estin)”, que corresponde a perguntar se tal sujeito é o

caso, se existe na realidade;

4) o “o que é (to ti esti)”, que corresponde a procurar as

características essenciais que definem o que algo é em si mesmo.

Os intérpretes dos Analíticos forneceram uma leitura unânime das linhas e

encontraram uma relação entre as primeiras duas questões e as últimas duas.

Nas duas primeiras questões, o que e o por que, os termos da busca

são um sujeito e um atributo passível de ser atribuído ao sujeito. Na primeira

pergunta, questiona-se se tal atribuição é uma realidade, ao passo que na segunda

101 Arist., Segundos Analíticos I 2, 71b19-23.102 Arist., Segundos Analíticos II 1, 89b23-25.

56

Page 57: Guia Logica I AVA

Lógica I

pergunta questiona-se pela causa que explica tal atribuição.

Nas duas últimas questões, o se é o caso e o o que é, os dados prévios

do problema resumem-se a uma coisa única, tomada em si mesma: na terceira

questão se pergunta se ela existe, ao passo que na última questão se pergunta pelas

características essenciais que a definem103.

Segundo o Estagirita, então, a investigação começa com a apreensão

de que certos acontecimentos ocorrem ou de que um atributo pertence a um ente,

como vimos na primeira Unidade, no parágrafo relativo à proposição. Através de

um procedimento indutivo, o pesquisador procura o princípio explicativo desses

fatos104.

Logo depois, Aristóteles procede a um reagrupamento das questões105:

ele afirma que nas questões 1) e 3) procuramos saber se há um termo médio106, ao

passo que nas questões 2) e 4) procuramos saber o que é tal termo médio107.

Vimos nas Unidades precedentes que o termo médio é justamente a causa pela

qual se prova a conclusão de um silogismo108; então, podemos dizer que

Aristóteles reagrupa as questões tomando por critério justamente a pesquisa pela

causa:

“Portanto, em todas as investigações, sucede que se investiga ou se há termo médio, ou o que é o termo médio. Pois o termo médio é a causa, e é esta que se investiga em todos esses casos. Será que sofre eclipse?, será que há alguma causa ou não? Depois disso, sabendo que há alguma, investigamos o que ela é. Pois a causa do ser não isto aqui ou isto aqui, mas simplesmente sem mais a essência, ou a causa do ser não simplesmente sem mais, mas sim algum dos itens que se atribuem por si mesmos ou segundo concomitância, eis o que é o termo médio”109.

O princípio explicativo buscado é exatamente a causa (ou as causas)

do fenômeno/ente observado. Uma vez estabelecida, a causa pode levar, por

dedução, de novo às observações dos fatos nos quais teve origem a busca ou a

103 Arist., Segundos Analíticos II 2, 89b36-90a11.104 Ver esquema do parágrafo 2.1) da segunda Unidade.105 Arist., Segundos Analíticos II 2, 89b37; 90a5-6; a14-15; a31-32; 90a35.106 Arist., Segundos Analíticos II 2, 89b37.107 Arist., Segundos Analíticos II 2, 90a1.108 Arist., Segundos Analíticos II 2, 90a7.109 Arist., Segundos Analíticos II 2, 90a5-11.

57

Page 58: Guia Logica I AVA

Lógica I

outros atributos do fenômeno. Há assim um processo de vai e volta: do fato ao

princípio e dele de novo ao fato. O filósofo David Oldroyd chamou esse caminho

de vai e volta “arco do conhecimento”110 e os filósofos medievais respectivamente

“Método da Resolução” (indução) e “Método da Composição” (dedução).

Antes proceder com o texto aristotélico, é preciso fazer uma reflexão e

analisar mais aprofundadamente as afirmações de Aristóteles. Devemos logo

observar que, entre as afirmações do Estagirita, há uma evidente dificuldade: a

busca pelo termo médio pressupõe uma estrutura triádica, isto é, o termo médio é

o terceiro elemento entre um sujeito e um predicado, pois justifica que duas coisas

estão juntas ou compostas, como reconhece o próprio Aristóteles no capítulo 17

de Metafísica Zeta. Mas, na questão “se é”, aparecem apenas o sujeito e o verbo

ser, que faz corpo único com o sujeito111. Como é possível pretender buscar o

termo médio na terceira questão e na questão que dela deriva?

Tredennick e Ross, célebres intérpretes da obra aristotélica,

observaram que o texto inclui essa dificuldade112 e a solução que ambos adotaram

foi entender que as questões 3) e 4) não designam a mesma coisa no capítulo 1 e

no capítulo 2 do livro II. No capítulo 1, as questões “se é” e “o que é”

correspondem a procurar a característica essencial que define o que algo é em si

mesmo, ao passo que no capítulo 2 as mesmas servem para procurar os atributos

que tal sujeito possui113.

Essa, porém, não é a melhor tentativa de saída e isso por duas razões:

1) Em primeiro lugar, Aristóteles repete quatro vezes no capítulo

segundo que em todas as investigações (zêtoumena) empreende-se

uma busca pela causa114.

2) Além disto, Aristóteles oferece exemplos de substâncias naturais

nas linhas 90a4-5 e 12-13.

Alfonso Gomes Lobo, filósofo chileno que morreu recentemente

110 Oldroyd, 1986. 111 Sobre a função do “é” como operador copulativo, ver Unidade I, parágrafo 1.1). 112 Ross 1965, p. 612. Tredennick alude à mesma dificuldade (Tredennick 1960, p. 11).113 Ross, 1965, p. 612.114 Aristóteles, Segundos Analíticos II 2, 90a5, 7, 14, 35.

58

Page 59: Guia Logica I AVA

Lógica I

(2011) e professor na Georgetown University, no seu artigo The so-called

Question of Existence in Aristotle's Posterior Analytics II 1-2115, propõe uma

interpretação diferente do texto. Segundo o autor, a cláusula “se é”, ei esti, é

elíptica e, por isso, ambígua. Uma expressão é elíptica quando um ou mais termos

faltam na sua formulação. Esta escamotage é utilizada na língua grega quando o

contexto é suficiente para que se adivinhe o requisito que falta; ou quando o autor

quer atribuir aos termos um sentido mais geral. Acreditamos que o caso dos

Analíticos seja uma elipse do segundo tipo. Ora, existem pelo menos três sentidos

da formulação ei esti:

1) O sentido “verídico” da cláusula ei esti, como no exemplo da

Metafísica Delta “se Sócrates é músico”116.

2) O sentido “existencial” da formulação ei esti. Nesse caso, pergunta-

se se uma coisa existe, se há um (x), ou se (x) existe. A resposta dessa

questão será “ti esti”, que existe.

3) A terceira utilização é quando, na formulação, faltam dois

elementos, isto é: se(x) é um (F).

Estamos persuadidos de que é esta terceira e última formulação que

Aristóteles propõe para a questão “se é” nos Analíticos, e os exemplos de

Aristóteles, analisados minuciosamente por Gomes-Lobo, são a prova disso.

Nossa estratégia consiste em analisar comparativamente uma passagem do livro

primeiro dos Analíticos e a terceira questão do começo do livro segundo, no

intuito de verificar se ambos os sentidos são usados como equivalentes para

descrever o uso elíptico da cláusula ei esti.

Tomamos uma passagem do livro I dos Segundos Analíticos, na qual a

formulação “se é” aparece. Nas linhas 71a24-27, Aristóteles afirma que, antes de

ter induzido uma demonstração, deve-se dizer que de certo modo uma pessoa

115 Gomes-Lobo 1980, pp. 71-89.116 Arist., Metafísica, V 7, 1017a33. Com respeito a essa noção, o texto mais elucidativo, é o de

Charles Kahn, Sobre o verbo grego Ser e o Conceito de Ser, traduzido em português em 1997.

59

Page 60: Guia Logica I AVA

Lógica I

conhece, mas, de certo modo, não. Pois, com relação àquilo que ele não sabia “se

é”, como ele saberia que tem dois ângulos retos?

“Deve-se dizer que, antes de ter induzido ou de ter apreendido o silogismo, de certo modo conhecia, mas, de certo modo, não. Pois, com relação àquilo que ele não sabia se é o caso, sem mais, como ele saberia que tem dois ângulos retos, sem mais?”117

Para reconstruir a prova a que Aristóteles alude no livro primeiro, é

útil formular um silogismo. O filósofo afirma que:

− a premissa maior universal: “Todo triângulo possui os ângulos

iguais a dois retos”118 não permite atingir

− a conclusão: “a possui os ângulos iguais a dois retos”. A premissa

universal não é suficiente para alcançar a conclusão, se não se acrescentar uma

segunda premissa, ou seja

− que a é um triângulo.

Isso quer dizer que a premissa universal (x) (Tx → Rx)119 não permite

deduzir a conclusão Ra se não se conhece a premissa menor Ta 120 . De certo modo,

poderíamos entender que a expressão “se é” designa a mesma coisa que “se é a

existência deste triângulo”, ou seja, se não se conhece que o triângulo existe.

Contudo, o texto grego não permite tal inferência, pois a questão de Aristóteles é

“se é” sem mais, de forma genérica, e não a questão particular “se é a existência

deste triângulo”.

Barnes oferece uma leitura interessante a respeito dessa passagem:

“that there is such a thing as a”121. A interpretação de Barnes é elucidativa, apesar

do fato de que Barnes acrescenta uma premissa que, nas linhas que estamos

examinando, não aparece, ou seja, “que a tal coisa é um triângulo”.

É plausível que Barnes tenha pegado emprestado a premissa das linhas

que precedem (I 1, 71a19-21), nas quais Aristóteles fornece também a premissa

universal: “Com efeito, sabia previamente que todo triângulo possui os ângulos 117 Arist., Segundos Analíticos I 1, 71a24-27.118 Arist., Segundos Analíticos I 1, 71a19-20.119 A expressão se lê no modo seguinte: Para todo x, se x é um triangulo, x possui ângulos iguais a

dois retos.120 A expressão se lê no modo seguinte: … não permite deduzir a conclusão que a possui ângulos

iguais a dois retos, se não se conhece a premissa menor, que a é triangulo.121 Barnes, 1993, p. 94.

60

Page 61: Guia Logica I AVA

Lógica I

iguais a dois retos (premissa maior); mas, que tal coisa no semi-círculo é

triângulo (premissa menor), reconheceu ao mesmo tempo em que induziu”.

Que Aristóteles utiliza o mesmo exemplo em ambas as passagens é

confirmado pelo uso que ele faz do mesmo exemplo numa passagem dos

Analíticos Primeiros, em um silogismo no qual ambas as premissas são expressas:

“Com efeito, conhecemos algumas coisas imediatamente; isto é que os ângulos

são iguais a dois retos (premissa maior) se conhecer que é um triângulo (premissa

menor)”122.

Diante desse silogismo, podemos entender que “que é um triângulo”

é a resposta certa da questão “se é”. O exemplo de Aristóteles é o silogismo

seguinte:

[(x) (Tx→ Rx) & Ta] → Ra

Premissa maior: Para todos x, se x é triângulo, então tem dois ângulos

retos;

Premissa menor: a é triangulo;

Conclusão: então, a tem dois ângulos retos.

Estamos justificados a acreditar que a expressão “se é” no silogismo

inicial pode ser entendida como um modo abreviado de dizer “que a é um

triângulo (Ta), como no último exemplo examinado, “que a tal coisa no semi-

círculo é triângulo”.

Se estivermos corretos, esta análise gera uma consequência

importante: na terceira questão, “se é”, Aristóteles pergunta-se não se tal sujeito

existe ou não na realidade, mas se tal atributo essencial é passível de ser atribuído

a esse sujeito material. E, na questão 4), pergunta-se pelas características

essenciais que definem o atributo. Estabelecido esse ponto, podemos dizer que o

contraste que Aristóteles quer ressaltar entre as questões 1) e 3) não é a diferença

entre a questão a respeito de tal sujeito possuir tal atributo e a questão a respeito

de tal sujeito existir na realidade, mas trata-se de uma articulação entre dois tipos

de atribuições, ou como dissemos na primeira Unidade, entre dois tipos de “ente”:

o “ente em si” e o “ente por acidente”.

Retomemos agora o texto inicial do capítulo primeiro do livro II dos

122 Arist., Primeiros Analíticos II 21, 67a23-26.

61

Page 62: Guia Logica I AVA

Lógica I

Segundos Analíticos – “O que é suscetível de investigação é igual em número a

tudo quanto conhecemos. Investigamos quatro coisas: o “que”, o “por que”, “se

é”, o “o que é”123 – no intuito de verificar se a cláusula “se é” tem o mesmo

sentido que no exemplo do triângulo.

Para esclarecer as questões propostas, Aristóteles utiliza dois

exemplos. Para as questões 1) e 2) o exemplo é o seguinte: se é branco ou não:

para ilustrar as questões 3) e 4), o exemplo é se é ou não é (um) centauro ou (um)

deus. Vamos ler as linhas inteiramente: “Investigamos outras coisas de um modo

diverso, por exemplo, se é ou não é centauro ou deus; e quero dizer “se é ou não

é” simplesmente sem mais, mas não “se é branco ou não”124.

O exemplo que ilustra as questões 3) e 4) tem uma construção

perfeitamente paralela ao exemplo que o filósofo utiliza para ilustrar as questões

1) e 2), ou seja: se é branco ou não.

E visto que, no caso das questões 1) e 2), Aristóteles está perguntando

se um sujeito, por exemplo Sócrates, é pálido ou não – ou seja, se um atributo

acidental pertence a um substrato –, acreditamos que, no primeiro caso, trata-se de

uma pergunta em que se busca saber se tal atributo essencial, ou seja a espécie

centauro ou a espécie deus, pertence a tal conjunto de matéria, não bem definido.

Dito de outra forma: “se (x) é ou não é um (centauro); Se (x) é ou não um (deus)”.

As etapas de Aristóteles são as seguintes:

1) em primeiro lugar, a pergunta: “se (x) é um (F)”

Utilizamos os exemplos que aparecem ao longo dos Segundos

Analíticos: “se a incapacidade de fazer sombra em noite de lua cheia é um

eclipse”; ou “se o estrondo nas nuvens é um trovão”. Se a resposta a esta questão

for negativa, como no caso de alguém me perguntar se a imagem do cavalo que

vejo de uma maneira indistinta da janela do meu quarto é um centauro, a busca

acaba logo; ao passo que, se a resposta for afirmativa, a busca continua. No caso

de alguém, num dia chuvoso, me perguntar se o barulho nas nuvens é trovão, a

etapa seguinte será:

123 Arist., Segundos Analíticos II 1, 89b23-25.124 Arist., Segundos Analíticos II 1, 89b32.

62

Page 63: Guia Logica I AVA

Lógica I

2) “o que é um F”

isto é, o que é um eclipse, ou o que é um trovão? Aristóteles declara que essa

questão não é diferente da busca da causa através da procura do termo médio,

como nas primeiras duas questões. A questão 1) “que” pergunta se uma atribuição

é uma realidade, ao passo que a questão 2) “por que”, pergunta pela causa que

explica tal atribuição, e a causa é o termo médio125. A segunda etapa, então, vai ter

esta nova formulação:

3) “porque (x) é um (F)”

por exemplo, por que a incapacidade de fazer sombra é um eclipse, ou por que o

barulho nas nuvens é um trovão?126.

Para dar conta dessas diversas etapas é possível construir dois

silogismo.

I silogismo

Inicialmente, há um silogismo para resolver a questão se é um eclipse.

É evidente que Aristóteles não está perguntando “se o eclipse existe”, assim como

não perguntou “se o triângulo existe”. Aristóteles pergunta-se “se (este fenômeno)

é um (eclipse)”

A = eclipse

B = incapacidade de fazer sombra no plenilúnio

C = Lua

A › B127 A é atribuído a B: o eclipse é incapacidade de fazer sombra

em noite de Lua cheia

B › C B é atribuído a C: a Lua não é capaz de fazer sombra

A › C A é atribuído a C: a Lua sofre um eclipse

Que A se atribui a B é evidente e não é preciso produzir um termo

médio: todos os homens comuns sabem, conforme a experiência mais ordinária,

125 Arist., Segundos Analíticos II 2, 90a1, 15, 31-32.126 Daí, afirma Aristóteles, segue que “conhecer o “o que é” é o mesmo que conhecer “por que

é”. Aristóteles, Segundos Analíticos II 8, 93a4. 127 O signo › deve ser entendido como modo abreviado de dizer: to A huparchei to B, que A

pertence a B.

63

Page 64: Guia Logica I AVA

Lógica I

que o eclipse consiste na incapacidade da Lua de fazer sombra em noite de Lua

cheia, assim como sabem que o trovão consiste na ocorrência de estrondo nas

nuvens128. Esse saber faz parte do acervo trivial compartilhado por todos os que

têm o domínio da língua. Aristóteles é otimista a respeito da capacidade humana

de conhecer a realidade através da linguagem, como afirma claramente no livro I

do capítulo 6 da Etica Eudemia. No entanto, o conhecimento da língua não é

exaustivo para as necessidades do conhecimento científico, bastando considerar

que os homens comuns não sabem qual é a causa da ocorrência do fenômeno. O

sentido ordinário do nome na linguagem comum constitui apenas o ponto de

partida para a nossa investigação científica. Sabendo que o eclipse se compõe de

Lua e privação de luz, perguntamos por que ocorre à Lua a privação de luz. Daí o

segundo silogismo:

II silogismo

A = interposição da Terra

B = incapacidade de fazer sombra em noite de Lua cheia

C = Lua

A › B A se atribui a B = a interposição da Terra se atribui à

incapacidade de fazer sombra no plenilúnio

B › C a incapacidade de fazer sombra em noite de Lua cheia se

atribui à Lua

A › C a interposição da Terra se atribui à Lua

Enfim, o contraste entre as questões “se é” e o “que” é uma oposição

entre uma atribuição essencial, ente per se, e uma atribuição contingente, ente per

accidens129.

Resumindo, para explicar, por exemplo, o eclipse lunar: primeiro o

cientista observa que a Lua se escurece durante o eclipse; procura, então, os

princípios explicativos, que Aristóteles identifica com as causas do fenômeno.

Nesse primeiro momento, o cientista procede por indução a partir da observação

do eclipse e de outros fenômenos similares. Por exemplo, observando a sombra

que os entes produzem a partir da luz solar, ele conclui que os raios de luz têm um

andamento retilíneo e que a sombra é produzida pelos corpos opacos. Daí, num

128 Arist., Segundos Analíticos II 8-10.129 Ver Unidade I, paragrafo 1.1).

64

Page 65: Guia Logica I AVA

Lógica I

ato de “perspicácia”, próprio do cientista, ele chega à conclusão de que o eclipse é

produzido pela interrupção da luz solar causada pelo corpo opaco da Terra, de

modo que é a sombra projetada pela Terra na Lua que a faz escurecer. Por

dedução – isto é, graças à formação de um ou mais silogismos –, o cientista pode

confirmar que é uma característica dos astros aquela de procurar um

escurecimento da Lua, assim como pode deduzir outros atributos do fenômeno,

como o fato de que a sombra deve ter uma certa forma, em particular a forma

circular, visto que a sombra é produzida pela interpolação de um ente esférico, a

Terra130.

3.2 A relação entre a busca da causa e a definição

Na exposição inicial dos quatro tipos de questões que podem ser

investigadas cientificamente, foi dito que, nas questões “se é” e “o que é”, os

dados prévios do problema resumem-se a uma coisa única tomada em si mesma.

Na questão “se é”, pergunta-se se é, ao passo que na questão “o que é”, supondo

já uma resposta afirmativa para a questão anterior, pergunta-se pelas

características essenciais que definem a coisa.

Portanto, quando Aristóteles afirma que a questão “se é” consiste em

uma busca pelo termo médio131, ele justamente quer dizer que se trata de uma

busca por entender que uma coisa isolada, tomada em si mesma, é constituída por

uma pluralidade de elementos, de tal modo que, quando perguntamos se tal coisa

existe, na verdade perguntamos se estão juntos os elementos que a constituem132.

Do mesmo modo, quando Aristóteles afirma que a questão “o que é”,

consiste em uma busca pela natureza do termo médio, ele quer dizer que quando

perguntamos o que é tal coisa, na verdade perguntamos qual é a causa pela qual

estão juntos os elementos que a constituem. Isso quer dizer que, entre os fatos

suscetíveis de investigação, há alguns, os entes em si, que ocultam sob uma

130 Ver Unidade II, parágrafo 2.1).131 Arist., Segundos Analíticos II 2, 89b35-90a1: “quando investigamos o que ou se é

simplesmente sem mais, estamos investigando se há ou não há termo médio da própria coisa”; cf. II 2, 90a5-7; 90a1012.

132 Arist., Segundos Analíticos II 2, 90a9-11; 90a17-25

65

Page 66: Guia Logica I AVA

Lógica I

unidade inicial uma complexa composição de elementos causalmente

determinada.

A definição – isto é, o discurso responsável por nos fazer conhecer o

que uma coisa é – exprime a natureza da causa que justifica a união dos

elementos: “Quando investigamos o por que ou o o que é estamos investigando o

que é o termo médio”133. A causa que justifica a união dos elementos é aquela

responsável pela estrutura essencial que define o objeto134. O conhecimento

científico da essência consiste justamente na busca da causa primeira e própria

responsável pela unidade necessária dos elementos que constituem o objeto. Isso

quer dizer que o conhecimento do o que é um ente (ti esti) não difere do

conhecimento do porquê (dioti), isto é, da causa: “Assim, como estamos dizendo,

conhecer o o que é é o mesmo que conhecer por que é ”135.

E se conhecer o “porquê” consiste em conhecer algo através da sua

causa apropriada, podemos concluir que Aristóteles estabelece, nos Segundos

Analíticos II 2, que as definições nos fornecem conhecimentos causais

(etiológicos) e que os conhecimentos causais136, por sua vez, podem ser expressos

sob a forma da definição:

“Pois, em todos esses casos, é manifesto que é o mesmo o “o que é” e o “por que é”. “O que é eclipse?”: privação de luz na Lua devido à interposição da Terra. “por que a Lua sofre eclipse?”: por faltar a luz, ao se interpor a Terra”137.

Daí, podemos concluir que, nos Segundos Analíticos II 2, 8, 10,

Aristóteles admite que, em nossa linguagem comum, a unidade de um nome

oculta uma estrutura ontológica complexa que deve ser desvelada pela análise

científica. Nessa perspectiva, procurar saber o que é o trovão consiste em procurar

saber quais são seus elementos constituintes e, o que é mais importante, qual é a

causa primeira ou forma ou essência responsável pela estrutura complexa do

fenômeno. Se temos o conhecimento de que o trovão se constitui por tais

elementos, nuvem e estrondo, mas não conhecemos ainda a causa, podemos

133 Arist., Segundos Analíticos II 2, 90a1.134 Arist., Segundos Analíticos II 2, 90a14-25; cf. II 8, 93a3-4.135 Arist., Segundos Analíticos II 2, 90a31-32.136 Cf. Angioni, 2002, p. 25.137 Arist., Segundos Analíticos II 2, 90a14-18.

66

Page 67: Guia Logica I AVA

Lógica I

perguntar por que o trovão é, e estaremos perguntando pela causa que explica por

que ocorre estrondo nas nuvens138. A causa pela qual estamos perguntando é a

causa própria do fenômeno e, ao mesmo tempo, a causa primeira da série causal

que parte dos efeitos até chegar à essência do ente investigado. Nessa perspectiva,

a forma ou essência é o fator explanatório preponderante, pois é a causa que é

capaz de explicar por que a parte restante da definição deve necessariamente

apresentar tais e tais itens139. A causa primeira é justamente o termo médio do

silogismo, no qual cada premissa exprime um atributo per se do ente investigado.

Enfim, em nossa linguagem comum, a unidade inicial de um nome,

por assim dizer, oculta uma complexa composição de elementos, causalmente

determinada. A aparência de unidade sob a qual os fatos inicialmente se

apresentam pode ser desmembrada nos elementos e, o que é mais importante, na

causa que os coaduna. Essa causa é a forma, a qual representa o princípio da

definição porque é capaz de requisitar, como complemento imprescindível, a parte

restante da definição. Essa parte restante consiste numa matéria apropriada com as

suas propriedades.

Não seria difícil mostrar que, para Aristóteles, boa parte dos

fenômenos naturais possuem a mesma estrutura e portanto são suscetíveis do

mesmo tratamento do trovão e do eclipse.

No final do capítulo 2 do livro II dos Segundos Analíticos, lemos:

“conhecer o o que é é o mesmo que conhecer por que é, e isso, ou simplesmente

sem mais e não algum dos atributos, ou algum dos atributos, por exemplo, que

são dois ângulos retos, que é maior ou menor” 140. Pouco antes, Aristóteles havia

dito: “Quero dizer, com simplesmente sem mais, aquilo que está subjacente, por

exemplo, Lua, ou Terra, ou Sol, ou triângulo”141. Então, parece que também para

uma essência natural, um ente em si, por exemplo a Lua, seria o mesmo conhecer

o que ela é e conhecer por que ela é.

Há textos ainda mais explícitos que nos convidam a entender a

causalidade intrínseca, expressa na definição de uma substância, como uma 138 Arist., Segundos Analíticos II 2, 93a16-20.139 Cf. Charles, 2000, p. 203: “Thunder is a unity because there is one common cause which

explains the presence of its necessary properties”. Tradução nossa: “Estrondo é uma unidade, porque há uma causa comum que justifica a presença das suas propriedades necessárias”.

140 Arist., Segundos Analíticos II 2, 90a31-34.141 Arist., Segundos Analíticos II 2, 90a12-13.

67

Page 68: Guia Logica I AVA

Lógica I

causalidade que pode ser analisada numa inter-relação entre as causas.

No capítulo final de Metafísica VII, Aristóteles diz que toda e

qualquer pergunta pela causa pressupõe o conhecimento de que duas coisas estão

juntas ou compostas:

“investigar por que uma coisa é ela mesma consiste em nada investigar (pois é preciso que se apresentem como já evidentes o que e o ser – por exemplo: que a Lua sofreu eclipse - ...), ao passo que, por outro lado, é plausível que alguém investigue por que o homem é um animal deste tipo. Isto, então, é evidente, a saber: ele não investiga por que é homem aquele que é homem; ora, então, ele investiga algo de algo – por que algo é atribuído a algo (mas é preciso que seja evidente que é atribuído: pois, se não for assim, não se investiga nada), como, por exemplo: por que troveja? Por que ocorre estrondo nas nuvens? – Pois aquilo que se investiga é algo que se afirma de outro assim deste modo. E por que estas coisas aqui, isto é, tijolos e pedras, são casa?”142.

Aristóteles diz que o termo médio, que justifica por que tais elementos

da coisa estão juntos, é precisamente a causa primeira ou própria da coisa, e essa

causa é aquilo que responde pelo o que é (a essência, a estrutura substancial

entendida como um conjunto de funções e atributos essenciais que justificam a

presença das outras características do ente). A conclusão de Aristóteles é a

seguinte: “é manifesto que se investiga a causa”143.

O texto que imediatamente subsequente é extraordinário e prossegue

com exemplos que incluem ousiai naturais:

“E aquilo que se investiga passa despercebido sobretudo no caso dos itens que não se dizem um do outro; por exemplo: investiga-se o que é homem, pelo fato dele ser exprimido de maneira simples, mas não se delimitar que estas coisas aqui são isto. Não obstante, é preciso investigá-lo após desarticulá-lo: caso contrário, sucederia algo comum ao investigar algo e ao nada investigar. E visto que é preciso apreender que é o caso, e que isso esteja já disponível, é evidente que se investiga por que a matéria é algo determinado; por exemplo, por que são uma casa estas coisas aqui? Porque lhes ocorre aquilo que era ser casa. E por que isto aqui é homem, ou por que é homem o corpo que comporta isto aqui? De modo que se investiga a causa da matéria (e esta é a forma) pela qual ela é algo determinado: e esta causa é a essência”144.

142 Arist. Metafísica VII 17, 1041a14-27.143 Arist., Metafísica VII 17, 1041a27-28.144 Arist., Metafísica VII 17, 1041a32-b9.

68

Page 69: Guia Logica I AVA

Lógica I

O texto nos diz que, na apreensão ordinária das essências naturais,

sabemos que as mesmas são constituídas de uma certa matéria, com algumas

propriedades, embora ainda não saibamos por que tais propriedades encontram-se

em tal matéria. A causa que explica por que tais propriedades se encontram na

matéria é a forma. E esta forma é justamente a essência de um ser natural. Logo

depois, Aristóteles diz que a essência é a natureza de um ser natural145.

Esse quadro concorda com aquilo que Aristóteles havia dito no livro

segundo do capítulo segundo dos Segundos Analíticos a respeito da estrutura da

ciência demonstrativa e da natureza do termo médio

Na Metafísica, Aristóteles nos diz que o termo médio pelo qual se

prova que estão juntos os elementos em tal e tal substrato é justamente a causa –

mais precisamente: aquela causa que é a essência de um ente natural146 .

Além disso, esse quadro confirma a relação entre busca da causa e

definição, exposta por Aristóteles nos capítulos 8-10 do livro segundo dos

Analíticos Segundos. Para dar conta das diversas etapas do conhecimento

científico, Aristóteles procede a uma classificação de definições.

1) O ponto de partida, diz Aristóteles, é uma definição que explicita o

sentido ordinário do nome na linguagem comum; trovão é um atributo

(estrondo) que se encontra em um sujeito (nuvem). Todos os homens

que têm o domínio da língua, sabem, conforme a experiência

ordinária, que um trovão é a ocorrência de estrondo na nuvem, mas

não sabem qual é a causa que determina essa ocorrência.

2) Sabendo que o trovão se compõe de dois elementos, estrondo e

nuvem, perguntamos por que ocorre o estrondo. Quando encontramos

a causa que está sendo investigada (a extinção do fogo nas nuvens),

podemos articular este conhecimento em um silogismo demonstrativo145 Arist., Metafísica VII 17, 1041b30-31.146 Aristóteles, Metafísica VII 17, 1041a27-28.147 Aristóteles é muito cuidadoso no uso dos termos “silogismo” e “demonstração” a respeito da

definição da essência, pois do “o que é” não se produz silogismo nem demonstração. Cf. Analíticos II 8, 93a14-16: “Mas que esse modo não é demonstração, foi dito antes; mas é no

plano da linguagem um silogismo (logikos sillogismos) do “o que é”; II 10, 94a1-2: “Por conseguinte, a primeira designa, mas não prova, ao passo que esta última manifestamente há

69

Page 70: Guia Logica I AVA

Lógica I

, no qual a definição que explicita nosso saber ordinário figura como

conclusão148.

3) Uma vez descoberta a causa, sabemos por que isso necessariamente

é o caso, isto é, por que o estrondo ocorre à nuvem: o estrondo ocorre

nas nuvens, devido à extinção do fogo.

A definição que nos diz “o que é” corresponderá ao silogismo

demonstrativo no qual o fato encontra-se finalmente explicado por sua causa

apropriada, isto é, aquela responsável pela composição dos elementos de que o

fato se constitui, e esta causa é a forma149. O enunciado no qual os três termos (o

estrondo, a nuvem, a extinção do fogo) forem apresentados conforme as relações

causais que os unem irá contar como a definição plena do trovão, ou seja, aquela

definição que, longe de apenas explicitar nosso saber prévio e ordinário, diz o que

é um ente de modo completo. Essa definição enumera os elementos de que se

compõe o ente e a causa que os une150.

Enfim, nos Analíticos II 8-10, assim como na Metafísica VII 17,

Aristóteles expõe a seguinte situação: em nossa apreensão ordinária das essências

naturais, sabemos que as mesmas são constituídas de uma certa matéria, com as

suas propriedades, embora ainda não saibamos a causa que explica por que as

propriedades encontram-se em tal matéria. A causa que explica a complexa

composição de um ente é a forma; a forma é precisamente a essência, e a essência

é justamente a natureza de um ente natural151.

3.3 Os princípios dos Analíticos na ciência da natureza

Se passarmos ao domínio no qual o próprio Aristóteles mais nos legou

de ser como que demonstração do o que é diferindo da demonstração por posição”. O estudo dessas passagens requer comentário cuidadoso que não é possível desenvolver agora.

148 Aristóteles, Segundos Analíticos II 8, 93a14-b14. 149 Usarei o termo “forma” em sentido aristotélico, isto é, no sentido de essência, natureza própria

de um ente.150 Aristóteles, Segundos Analíticos II 10, 94a1-7; 93b7-9; cf. 75b32.151 Cf. Arist., Metafísica VII 17, 1041b30-31.

70

Page 71: Guia Logica I AVA

Lógica I

contribuições especificamente científicas – isto é, as ciências naturais –, não é

difícil reconhecer que o exame da Física confirma aquilo que a Metafísica já

sugeriu.

No livro II da Física, Aristóteles procura estabelecer qual é a natureza

e a essência dos entes naturais152 pela qual se define o que eles são e se explica

por que eles são assim e não podem ser de outro modo.

Pois, no livro II da Física, Aristóteles distingue duas naturezas nos

entes naturais153, isto é, a forma e a matéria; os conceitos que o texto se esforça

por estabelecer, e em particular o conceito da natureza, envolvem uma inter-

relação entre as duas naturezas, a forma e a matéria.

Uma vez que o propósito da obra consiste em “delimitar inicialmente

aquilo que concerne aos princípios da ciência da natureza”154, podemos concluir

que o propósito de Aristóteles consiste em delimitar de que modo a relação entre a

forma e a matéria permite compreender cientificamente os entes naturais.

Como dado prévio, Aristóteles assume a existência de uma matéria: os

quatro elementos, ar, água, terra e fogo, com seus movimentos naturais para cima

ou para baixo, e seus compostos. O movimento próprio dos elementos materiais é

considerado uma forma de necessidade absoluta, na qual cada efeito se segue

necessariamente das condições antecedentes155.

Porém, Aristóteles se pergunta se não seria preciso admitir que, na

natureza, além da necessidade absoluta pela qual a matéria é responsável, há uma

outra necessidade, que governaria a primeira; esta é a necessidade hipotética156,

que envolve justamente os conceitos de forma e fim157. Assumida como

pressuposto anterior, a forma exige uma matéria com tais e tais propriedades; e a

forma é a responsável pela adequada concatenação das séries causais no nível da

matéria. As séries causais no nível da matéria nunca se organizariam

espontaneamente na ordem requisitada para gerar os fenômenos158.

152 Arist., Física II 1, 193a9 ss.153 Arist., Física II 1, 193a9-b6.154 Arist., Física II 1, 184a14-16.155 Arist., Física II 8, 198b12-14. 156 Angioni utiliza a tradução “necessidade a partir de um pressuposto” para a mesma expressão

grega na sua tradução do livro I de De Partibus Animalium. Ver Angioni, 1999.157 Entendemos a forma e o fim, ou seja, o acabamento do objeto, como sua função própria.158 Cf. Arist., De Generatione Animalium II 1, 734b19-735a5, em particular 734b31-36.

71

Page 72: Guia Logica I AVA

Lógica I

É preciso que a forma específica do animal, assumida como

fundamento anterior, administre as séries causais da matéria.

No nível da definição, Aristóteles nos diz que a definição dos entes

naturais deve enunciar não apenas a forma, mas também a matéria e os seus

movimentos, os quais decorrem de uma necessidade absoluta159.

No saber prévio de que ordinariamente dispomos, as definições usadas

na linguagem ordinária nos dizem que tal animal consiste em tal e tal matéria,

com tais propriedades160. Essas definições não atinam com as causas que explicam

a necessidade da matéria se apresentar com tais propriedades161.

As definições da linguagem ordinária constituem apenas o ponto de

partida da investigação. Uma vez encontradas tais causas, poderemos montar um

silogismo demonstrativo no qual a definição inicial estará no lugar da conclusão.

Esse silogismo não é uma demonstração da essência, pois a essência não pode ser

demonstrada. Esse silogismo é apenas um meio artificioso de desmembrar a

unidade efetiva da essência natural.

A análise das relações entre a matéria e a forma presentes nas

definições dos entes naturais permite-nos dissolver a aparência de

incompatibilidade entre ciências naturais e a teoria da ciência em relação à teoria

da definição.

Em Física II 2, Aristóteles diz que o estudioso da natureza deve

contemplar, em suas investigações, ambas as naturezas, ou seja a forma e a

matéria162. Em Física II 9, a doutrina reaparece:

“nas coisas naturais, o que é necessário é aquilo que se enuncia como matéria, bem como os movimentos dela. E ambas as causas devem ser enunciadas pelo estudioso da natureza, mas, sobretudo a em vista de que: pois ela é causa responsável pela matéria, ao passo que esta última não é causa responsável pelo acabamento; e o acabamento é o em vista de que assim como é o princípio pela definição e pelo enunciado, tal como nas coisas que são conforme a técnica”163.

159 Arist., Física 198b12-14.160 Ver descrições de Historia Animalium.161 Ver a busca das causas em De Partibus Anialium II-IV.162 Arist., Física II 2, 194a12-27.163 Arist., Física II 9, 200a30-b1.

72

Page 73: Guia Logica I AVA

Lógica I

Aristóteles diz:

1) que a definição deve enunciar a forma e o fim, a função do ente,

assim como a matéria e os movimentos dela, que decorrem da

necessidade absoluta;

2) a forma/fim do ente exerce o papel mais relevante, pois a forma é

responsável pela matéria.

O exemplo que Aristóteles fornece é relacionado à técnica. O texto é

claro:“Pois, para quem definiu que a função do serrar é uma divisão de tal e tal tipo, esta, precisamente, não poderá ser o caso, se não dispuser de dentes de tal e tal tipo; estes, por sua vez, não poderão ser o caso, se não forem de ferro”164.

A definição enuncia a natureza, a forma de um serrote, ou seja, a

função de serrar, assim como a matéria do serrote, ou seja, uma matéria de ferro

com tais propriedades, isto é, com dentes de tal e tal tipo. O esquema da definição

será o seguinte165:

Definiendum: o serrote

F = forma-função: capacidade de serrar

M = matéria: ferro

pp = propriedades da matéria: uma certa resistência ao calor, uma

certa flexibilidade, e outras.

A definição preliminar do serrote é:

D = M + pp : conjunto de materiais de ferro com tais e tais

propriedades, isto é dentes de tal e tal tipo.

A definição completa é:

D = F → [M + pp] : artefato capaz de serrar madeira (forma-fim

-função); constituído por tais e tais materiais, com tais e tais propriedades

(matéria).

No saber prévio da experiência ordinária, apreendemos os entes 164 Arist., Física II 9, 200b3-8.165 Para as convenções F, M, pp e o exemplo do serrote, ver Angioni, 2002, pp. 20-30.

73

Page 74: Guia Logica I AVA

Lógica I

naturais apenas como um conjunto de materiais com tais e tais propriedades. O

saber prévio fornece apenas o ponto de partida para a investigação da causa.

A busca da causa explica a necessidade de estar assim determinada a

matéria. É pela sua função de serrar (forma/fim) que o serrote têm dentes de ferro

e não de algodão. A descoberta da causa, que é a forma do ente, permite-nos

formular a definição completa, que pode ser desmembrada num silogismo, no qual

a definição prévia aparece como conclusão.

Silogismo:

P: A função de serrar exige ferros com tais e tais propriedades;

p: O serrote tem por função serrar

c: O serrote tem ferros com tais e tais propriedades.

Nesse silogismo, a função de serrar é intermediadora e forma-telos; e

a definição prévia figura como conclusão.

No livro II da Física, Aristóteles propõe exemplos de artefatos para

alcançar teses atinentes às coisas naturais. A diferença entre artefatos e coisas

naturais consiste no estatuto do fim para o qual um objeto existe: no caso dos

artefatos, trata-se de um fim extrínseco aos materiais, ao passo que, no caso das

coisas naturais, trata-se de um fim intrínseco e imanente166.

Apesar do fato de que, na mentalidade de muitos intérpretes, ficou a

convicção de que as obras biológicas de Aristóteles conformam-se a um padrão

que utiliza apenas dados empíricos167, não é difícil provar que, no âmbito da sua

ciência física “aplicada” – isto é, a zoologia –, Aristóteles se conforma aos

mesmos padrões normativos estipulados pela teoria do silogismo nos Segundos

Analíticos. Será suficiente fornecer apenas um exemplo. Tomemos o caso dos

peixes. Na Historia Animalium168 e De Partibus Animalium169, Aristóteles

classifica os peixes entre os animais nadadores.

Definiendum: peixe

166 Arist., De Anima II 4, 415a26-b2167 O pioneiro desta interpretação foi Werner Jarger, que, na sua célebre e ainda influente

interpretação desse problema, considerou o empirismo de Aristóteles nas obras biológicas o último grau da emancipação de Aristóteles da doutrina platônica do conhecimento científico exposta por Aristóteles nos Analíticos.

168 Arist., Historia Animalium I 5, 489b23.169 Arist., De Partibus Animalium IV 13, 695b17-26.

74

Page 75: Guia Logica I AVA

Lógica I

F: a forma/fim dos peixes é viver na água, nadar170.

A essência dos seres naturais é a alma ou uma parte da alma, ou seja a

sua forma171. As partes da alma que definem o animal aparecem nos livros II-IV

do De Partibus Animalium. Nesses livros, existem 8 passagens que argumentam

sobre os atributos próprios da essência (ousia) dos entes naturais. Em geral, o

filósofo cita as partes que dirigem o crescimento, o movimento, e a percepção172.

M: partes do corpo necessárias ao animal para viver no seu próprio

habitat.

pp: brânquias173, olhos úmidos, que têm a capacidade de enxergar de

longe e sem sobrancelhas174; língua pequena; dentes afiados175.

Como no caso dos entes artificiais, a definição dos entes naturais deve

enunciar:

1) a forma-fim, assim como sua matéria e seus movimentos, que

decorrem da necessidade absoluta;

2) a forma-fim exerce o papel mais relevante, pois a forma-telos é

responsável pela matéria176.

A definição prévia do peixe será:

O peixe é o animal com brânquias, olhos úmidos, que enxergam de

longe e sem sobrancelhas, língua pequena; dentes afiados.

Com efeito, o homem comum, por exemplo um pescador, pode fazer

esta observação sem que ele seja um especialista nas ciências naturais. Nesta

definição, as características do peixe estão presentes, mas não está presente a

causa que justifica ser o peixe um animal deste gênero.

A definição completa será:

Uma vez que o habitat no qual o peixe vive é a água, e o bios do peixe

170 Arist., De Partibus Animalium IV 13, 695b17-18.171 Cf. De Partibus Animalium I 1, 641a15-21; Física II 7, 198a25-26; 9, 200a32 sg.; De Anima I

1, 402b25-26.172 Arist., De Partibus Aanimalium I 1, 641b5-8.173 Arist., De Partibus Animalium IV 13, 696a34-b1.174 Arist., De Partibus Animalium II 13, 658a4-7; 658a7-10.175 Arist., De Partibus Animalium II 17, 660b11; III 14, 675a6.176 Arist., De Partibus Aanimalium I 1, 640a33-35.

75

Page 76: Guia Logica I AVA

Lógica I

é nadar, o peixe é um animal com brânquias, olhos úmidos, que enxergam de

longe e sem sobrancelhas, língua pequena; dentes afiados.

Enfim, a definição científica de uma essência natural não pode ser

demonstrada, mas os termos da definição podem ser reorganizados num silogismo

demonstrativo que mostra a causalidade real pela qual um ente natural é

necessariamente como ele é; ou seja, a essência ou forma do animal. Nesse

silogismo, a conclusão será a definição prévia do saber ordinário e o mediador

será a parte da alma responsável pelo bios do animal, ou a causa final que explica

por que necessariamente o ente natural é tal como inicialmente se nos havia

manifestado.

Silogismo:

P: a essência dos animais nadadores exige brânquias no lugar dos

pulmões.

p: o peixe vive e se reproduz na água, ou seja, é animal nadador.

c: o peixe é o animal com brânquias no lugar dos pulmões.

O mesmo silogismo pode ser formulado para todas outras

características essenciais do peixe.

LEITURAS OBRIGATÓRIAS

ARISTÓTELES. Física I-II. Tradução e comentários de Lucas Angioni. Campinas: Editora da Unicamp, 2009. (Em particular, Física II 3).

ARISTÓTELES. “Segundos Analíticos. Livro II”. Trad. Lucas Angioni. In: Cadernos de Tradução. Nº. 4. Campinas: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/Unicamp, 2004.

SUGESTÕES DE LEITURA

ANGIONI, L. “O problema da compatibilidade entre a teoria das ciências e as ciências naturais em Aristóteles”. In: Primeira Versão. 112 , outubro, 2002.

KAHN, C. “Sobre o verbo grego ser e o conceito de ser”. (Trad. Maura Iglesias et al.) In: Cadernos de Tradução. No. 1. Rio de

76

Page 77: Guia Logica I AVA

Lógica I

Janeiro: Núcleo de Estudos de Filosofia Antiga/Departamento de Filosofia da PUC Rio, 1997.

LENNOX, J. G. Aristotle’s philosophy of biology. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.

ATIVIDADES AVA

Após as leituras obrigatórias, acesse o Ambiente Virtual de

Aprendizagem e desenvolva as atividades referentes a esta

Subunidade.

77

Page 78: Guia Logica I AVA

Lógica I

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Antes de concluir nossa Disciplina, resumimos as etapas percorridas.

Ao longo do percurso de Lógica I, investigamos a teoria da dedução

de Aristóteles, destacando sua função no conhecimento científico da natureza. A

aplicação do silogismo no âmbito da física e das ciências naturais requer o estudo

propedêutico da teoria do silogismo, assim como Aristóteles a apresenta nos

principais escritos do Organon e, mais especificamente, nas Categorias, nos

Tópicos, e nos Primeiros e Segundos Analíticos.

O sistema lógico que Aristóteles apresenta baseia-se em sua doutrina

da proposição e, por isso, optamos por começar pelo mais simples, ou seja,

analisar os elementos de uma proposição, em particular, a função do nome e do

verbo, que se tornam sujeito e predicado de um enunciado. Através da análise de

algumas passagens dos tratados Da Interpretação, Categorias e Metafísica,

esclarecemos o que está no fundamento daquela proposição que propriamente

interessa à lógica: os enunciados declarativos, que são caracterizados pela

pretensão de verdade. A pretensão de verdade é a pretensão de que o que é

enunciado na predicação tenha sua existência na realidade, ou seja, de que aquilo

que é dito em palavras deve poder ser verificado numa situação real.

Na segunda Unidade, passamos para uma rápida descrição da teoria do

silogismo. Vimos que o silogismo é propriamente o processo através do qual o

raciocínio produz provas racionais. Aristóteles examina a conduta da razão que

elabora inferências nos dois tratados indicados pelo próprio filósofo com o nome

de Analíticos. Depois de ter mostrado, nos Analíticos Primeiros, como é

constituído um silogismo – ou seja, a partir de quais termos, de quais premissas, e

de quais relações entre os termos e as premissas, o silogismo se torna um

raciocínio válido – concentramo-nos na análise de alguns trechos dos Segundos

Analíticos, tendo como objetivo analisar a conduta do silogismo num âmbito

específico de utilização, ou seja, no âmbito da ciência propriamente dita, fundada

no método demonstrativo. Apresentamos as demonstrações científicas como um

caso particular na análise do silogismo em geral, e destacamos que, no âmbito da

78

Page 79: Guia Logica I AVA

Lógica I

ciência, a demonstração se diferencia de um simples silogismo válido pela

exigência de respeitar um número maior de obrigações e pela natureza das

premissas.

Na terceira Unidade, propusemos uma aplicação do modelo científico

dos Analíticos à ciência natural, pois acreditamos que a teoria do silogismo não

foi pensada por seu autor como um abstrato modelo científico, como será o

discurso de Galileu ou de Einstein em relação à natureza e ao modelo físico, nem se

trata de um paradeigma, isto é, do modelo ideal de uma ciência completa e

acabada. Estamos persuadidos de que os escritos científicos do Estagirita

testemunham os esforços de pesquisa em campo do filósofo. Vimos que, na

abertura dos Segundos Analíticos, Aristóteles declara expressamente

que“conhecemos cientificamente através da demonstração. E por

“demonstração” entendo o silogismo científico”177.

Com isso, não queremos dizer que a ciência aristotélica é um tipo de

conhecimento demonstrativo que se apresenta na forma de uma exposição

sistemática, constituída por cadeias de silogismos. Nunca Aristóteles acreditou

que isso pudesse acontecer. Os exemplos incontestáveis de demonstrações

silogísticas ao longo do Corpus Aristotelicum são muito raros, seja nas ciências

mais abstratas, seja na ciência física. Contudo, a demonstração é indicada pelo

Estagirita como a forma mesma do conhecimento científico: conhecer

cientificamente os entes é antes conhecê-los na forma e na ordem em que se

encontram na demonstração. O silogismo situa-se na origem do caminho de

pesquisa, e constitui-se como a causa e o princípio do conhecimento, além de

determinar seu sucesso do ponto de vista científico.

177 Arist., Segundos Analíticos I 1, 71b16-19.

79

Page 80: Guia Logica I AVA

Lógica I

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIBLIOGRAFIA PRIMÁRIA:

Textos fundamentais

ARISTÓTELES. Categorias. Porto: Porto Editora, 1995.

ARISTÓTELES. “Segundos Analíticos, livro I”. Trad. Lucas Angioni. In: Cadernos de Tradução. Nº. 7. Campinas: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/Unicamp, 2002.

ARISTÓTELES. “Segundos Analíticos, livro II”. Trad. Lucas Angioni. In: Cadernos de Tradução. Nº. 4, Campinas: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/Unicamp, 2004.

ANGIONI, L. Introdução à Teoria da Predicação em Aristóteles. Campinas: Editora Unicamp, 2006.

PORCHAT, O. Ciência e Dialética em Aristóteles. São Paulo: Editora UNESP, 2001.

Textos gerais sobre Aristóteles e obras aristotélicas:

Todas as obras de Aristóteles estão disponíveis na “Oxford Translation” revisada:

BARNES, J. (ed.) The Complete Works of Aristotle. Princeton: Princeton University Press, 1984.

Adicionalmente, mencionamos a série Clarendon Aristotle (editada por J. Ackrill

e L. Judson). Cada Volume oferece uma tradução bem precisa de um texto ao lado

de um comentário filosófico.

Em português, podem-se citar:

Física I-II. Tradução e comentários de Lucas Angioni. Campinas: Editora da Unicamp, 2009.

Categorias. Porto: Porto Editora, 1995.

Das Categorias. São Paulo: Maltese, 1965.

80

Page 81: Guia Logica I AVA

Lógica I

Dos Argumentos Sofísticos. São Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores), 1983.

Metafísica (livros I e II). São Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores), 1984.

Metafísica. Traduzida, comentada e anotada por G. Reale, 3 vols. São Paulo: Edições Loyola, 2001.

Tópicos. São Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores), 1983.

Comentários em português:

MILLET, L. Aristóteles. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

MORRAL, J. B. Aristóteles. Brasília: Editora da UnB, 1985.

McLEISH, K. Aristóteles. São Paulo: Unesp, 2000.

BOUTROUX, E. Aristóteles. Rio de Janeiro: Record, 2000.

CAUQUELIN, A. Aristóteles. Rio de janeiro: Jorge Zahar Editores, 1995.

ALAN, B. D. J. Filosofia de Aristóteles. Lisboa: Presença, 1983.

Há um guia introdutório à filosofia de Aristóteles:

BARNES, J. (ed.) The Cambridge Companion to Aristotle. New York: Cambridge University Press, 1995, que inclui ampla bibliografia.

Entre as obras gerais sobre Aristóteles, menciono:

ROSS, W. D. Aristotle. London: Methuen & Co., 1923.

ACKRILL, J. L. Aristotle the Philosophers. London: Oxford University Press, 1981.

LEAR, J. Aristotle: The desire to understand. Cambridge:Cambridge University Press, 1988.

IRWIN, T. H. Aristotle’s first principles. Oxford: Clarendon Press, 1988.

81

Page 82: Guia Logica I AVA

Lógica I

BIBLIOGRAFIA SECUNDÁRIA DA DISCIPLINA:

ACKRILL, J. L. “Aristotle’s theory of definition – Some questions on Posterior Analytics II 8-10”. In: BERTI, E. (ed.) Aristotle on science: The Posterior Analytics – Proceedings of the 8th Symposium Aristotelicum. Padova: Editrice Antenore, 1981, pp. 359-84.

ACKRILL, J. L. Aristotle’s Categories and De Interpretatione. Oxford: Clarendon Press, 1963.

ANGIONI, L. Introdução à Teoria da Predicação em Aristóteles. Campinas: Editora Unicamp, 2006.

ANGIONI, L. “Princípio de não-contradição e semântica em Aristóteles”. In: Analytica. (UFRJ), vol. 4 n. 2 1999, pp. 121-158.

ANGIONI, L. “O problema da compatibilidade entre a teoria da ciência e as ciências naturais em Aristóteles”. In: Primiera Versão. Campinas, 112, outubro 2002, pp. 1-30.

AUBENQUE, P. Le problème de l’être chez Aristote. Paris: Presses Universitaires de France, 1962.

AUBENQUE, P. “La dialectique chez Aristote”. In: VV. AA., L’attualità della problemática aristotélica. Padova: Editrice Antenore, 1967.

BÄCK, A.T. Aristotle’s theory of predication. Leiden: Brill, 2000.

BALME, D. M. “The place of biology in Aristotle’s philosophy”. In: GOTTHELF, A. & LENNOX, J. G. Philosophical Issues in Aristotle´s Biology, Cambridge: Cambridge University Press, 1987, pp. 9-21.

BALME, D. M. Aristotle, De Partibus Animalium I and De Generatione Animalium I – Translated with notes by D. M. Balme. Oxford: Clarendon Press, 2003.

BAYER, G. “Definition through demonstration: the two types of syllogism in Posterior Analytics II-8”. In: Phronesis, vol. 40 1995, pp. 241-64.

BARNES, J. “Proof and the syllogism”. In: BERTI, E. Proceedings of the 8th Symposium Aristotelicum. Padova: Editrice Antenore, 1981, pp. 17-59.

BARNES, J. Aristotle, Posterior Analytics – Translated with commentary. Oxford: Oxford University Press, 1993. (1975)

BARNES, J. Aristóteles. Trad. Adail Ubirajara Sobral, São Paulo: Loyola, 2005. (2001)BENVENISTE, É. “Categorias de pensamento e categorias de língua”. In:

82

Page 83: Guia Logica I AVA

Lógica I

Problemas de lingüística geral. Trad. Maria da Gloria Novak e Luiza Néri. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Edusp, 1976, pp. 68-80.

BERTI, E. (ed.) “Aristotle on science: the Posterior Analytics”. In: Proceedings of the 8th Symposium Aristotelicum. Padova: Editrice Antenore, 1981.

BERTI, E. As Razões de Aristóteles. Trad. Dion David Macedo. São Paulo: Loyola, 1998.

BERTI, E. Aristóteles no século XX. Trad. Dion Davi Macedo São Paulo: Loyola, 1998.

BOBZIEN, S., Stoic Logic, in Inwood B. (org.), The Cambridge Companion to the Soic, Cambridge: Cambridge University Press, 2003, pp. 85-123.

BODEÜS, R. Aristote – Catégories. Paris: Lês Belles Lettres, 2002.

BOLTON, R. “Essentialism and semantic theory in Aristotle: Posterior Analytics, II 7-10”. In: Philosophical Review, vol. 85 n. 1-4 1776, pp. 514-544.

BOLTON, R. “Definition and scientific method in Aristotle’s Posterior Analytics and Generation of Animals”. In: GOTTHELF, A. & LENNOX, J. (eds.) Philosophical issues in Aristotle’s biology. Cambridge: Cambridge University Press, 1987, pp. 120-166.

BOLTON, R. “Aristotle’s conception of metaphysics as a science”. In: SCALTSAS, T.; CHARLES, D. & GILL, M. L. (eds.) Unity, identity and explanation in Aristotle’s metaphysics. Oxford: Clarendon Press, 1994, pp. 321-54.

BOLTON, R. “The epistemological basis of Aristotelian dialectic”. In: DEVEREUX, D. & PELLEGRIN, P. (eds.) Biologie, logique et métaphysique chez Aristote. Paris: Vrin, 1990.

BOURGEY, L. Observation et expérience chez Aristote. Paris: Vrin, 1955.

BRUNSCHWICG, J. “La forme, prédicat de la matière”. In: AUBENQUE, P. (ed.) Études sur la Metaphysique d’Aristote – Actes du VII Symposium Aristotelicum. Paris: Vrin, 1979, pp. 131-58.

BRUNSCHWICG, J. “Dialectique et ontologie chez Aristote”. In: AUBENQUE, P. (ed.) Études aristotéliciennes – Metaphysique et théologie. Paris: Vrin, 1985, 1963-1985, pp. 207-28.

BURNYEAT, M. “Aristotle on understanding knowledge”. In: BERTI, E. Proceedings of the 8th Symposium Aristotelicum. Padova: Editrice Antenore, 1981, pp. 97-139.CELLUPRICA, V. “Logica e semantica nella teoria aristotelica della

83

Page 84: Guia Logica I AVA

Lógica I

predicazione”. In: Phronesis, vol. 32 1987, pp. 166-187.

CHARLES, D. Aristotle on meaning and Essence. Oxford: Clarendon Press, 2000.

CHARLES, D. “Teleological causation in the Physics”. JUDSON, L. (ed.). Aristotle’s Physics. Oxford: Oxford University Press, 1991, pp. 101-128.

CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000.

CHAUÍ, M. Introdução à história da filosofia – Dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

CRUBELLIER, M. & PELLEGRIN, P. Aristote. Paris: Seuil, 2002.

DEMOSS, D. & DEVEREUX, D. “Essence, existence and nominal definition in Aristotle’s post. Analytics II 8-10”. In: Phronesis, vol. 33, 1988, pp. 133-154.

DESLAURIERS, M. “Aristotle’s four types of definition”. In: Apeiron, vol. 23, 1990, pp. 1-26.

DÜRLINGER, J. “Predication and inherence in Aristotle’s categories”. In: Phronesis, vol. 15, 1970, pp. 179-203.

DÜRING, I. Aristotle’s De Partibus Animalium: Critical and literary commentaries. Göteborg: Göteborg University Press, 1943.

ELIAS, In Porphyrii Isagogen et Aristotelis Categorias Commentaria, trad. e com. A. Busse, Berlin: Reimer, 1900.

FEREJOHN, M. The origins of Aristotelian science. New Haven: Yale University Press, 1991.

FOCAULT M., As Palavras e as Coisas, Trad. Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

GILLESPIE, C. M. “The Aristotelian categories”. In: BARNES, J.; SCHOFIELD, M. & SORABJI, R. (eds.). In: Articles on Aristotle. Londres: Duckworth, 1979, vol 3, pp. 1-12 (1925).

FREDE, M. & STRIKER, G. (eds.). Rationality in Greek thought. Oxford: Oxford University Press, 1996.

GOMES-LOBO, A. The so-called Question of Existence in Aristole's Posterior Analytics II 1-2, Review of Metaphysics 34, 1980, pp. 71-89.

GOTTHELF, A. & LENNOX, J. (eds.). Philosophical issues in Aristotle’s biology. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.

84

Page 85: Guia Logica I AVA

Lógica I

GRANGER, G.-G. La théorie aristotelicienne de la science. Paris: Aubier 1976.

HAMLYN, D. W. “Aristotle on predication”. In: Phronesis, vol. 6, 1961, pp. 110-126.

HEATH, H. Mathematics in Aristotle. Oxford: Oxford University Press, 1949.

IRWIN, T. Aristotle’s first principles. Oxford: Clarendon Press, 1988.

JONES, B. “An introduction to the first five chapters of Aristotle’s Categories”. In: Phronesis, vol. 20, 1975, pp. 146-72.

JUDSON, L. (ed.). Aristotle’s Physics. Oxford: Clarendon Press, 1991.

KAHN, C. “Sobre o verbo grego ser e o conceito de ser”. Trad. Maura Iglesias et al. In: Cadernos de Tradução. No. 1. Rio de Janeiro: Núcleo de Estudos de Filosofia Antiga/Departamento de Filosofia da PUC Rio, 1997.

Le BLOND, J. M. Logique et méthode chez Aristote. Paris: Vrin, 1939.

LENNOX, J. G. “Demarcating ancient science”. In: Oxford Studies in Ancient Philosophy, vol. 3, 1985, pp. 307-324.

LENNOX, J. G. “Recent studies in Aristotle’s biology”. In: Ancient Philosophy, vol. IV, 1984, pp. 73-82.

LENNOX, J. G. Aristotle’s philosophy of biology. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.

LLOYD, G. E. R. Aristotle: the growth and structure of his thought. Cambridge: Cambridge University Press, 1968.

LLOYD, G. E. R. Methods and problems in Greek science. Cambridge: Cambridge University Press, 1991.

LOYD, G. E. R. “Aristotle’s zoology and his metaphysics: The status quaestionis”. In: DEVEREUX, D. & PELLEGRIN, P., Biologie, Logique et Metaphysique chez Aristote, Paris: Éditions du CNRS, 1990.

LLOYD, G. E. R. Aristotelian explorations. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.

LEWIS, F. A. Substance and predication in Aristotle. Cambridge: Cambridge University Press, 1991.

LEWIS, F. A. “Aristotle on the relation between a thing and its matter”. In: SCALTSAS, T.; CHARLES, D. e GILL, M. L. (eds.). Unity, identity and explanation in Aristotle’s metaphysics. Oxford: Clarendon Press, 1994, pp. 247-

85

Page 86: Guia Logica I AVA

Lógica I

77.

LUKASIEWICZ, J. “Aristotle on the law of contradiction”. In: BARNES, J.; SCHOFIELD, M. & SORABJI, R. (eds.). Articles on Aristotle. Londres: Durckworth, 1979, vol 3, pp. 50-62 (1910).

LUKASIEWICZ, J. Aristotle´s Syllogistic From teh Standpoint of Modern Logic, Oxford: Clarendon Press 1951.

MATTHEN, M. “The categories and Aristotle’s ontology”. In: Dialogue, vol. XVII, n. 1-2, 1978, pp. 228-43.

MATTHEN, M. “Greek ontology and its truth”. In: Phronesis, vol. 28, 1983 pp. 113-35.MATTHEN, M. “Aristotle’s semantics and a puzzle concerning change”. In: Canadian Journal of Philosophy, Supplementary vol. X, 1984, pp. 21-40.

Mc KIRAHAN, R. Principles and proofs. Princeton: Princeton University Press, 1992.

MODRAK, D. Aristotle’s theory of language and meaning. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.

OLDROYD, D., The arc of knowledge: an indroductory Study of the history of the philosophy and methodology of science, Methuen: New York 1986.

OWEN, G. E. L. “Tithenai ta Phainomena. In: Logic, Science and Dialectic. Londres: Duckwoth, 1986.

PELLEGRIN, P. Aristotle: A zoology without species. In: GOTTHELF, A., Aristotle on Natural and Living Things Bristol: Mathesis Publications 1985, pp. 95-115.

PESSOA, O. Jr. Método cientifico em Aristóteles. Disponível em: <<www.fflch.usp.br/df/.../TCFC1-10-Cap04.pdf>> Acesso em: 08/05/2012.

PLATÃO, A República. Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, s/d.

PLATÃO, Górgias. Trad. de J. Bruna, São Paulo 1986.

PORCHAT, O. Ciência e dialética em Aristóteles. São Paulo: Editora UNESP, 2001.

ROSS, W. D. Aristotle’s Prior and Posterior Analytics – A revised text with intr. and comm. Oxford: Oxford University Press, 1965.RUSSELL, B. History of Western Philosophy, London: Routledge, 1946.

86

Page 87: Guia Logica I AVA

Lógica I

SEXTUS EMPIRICUS, Hipotiposis Pirronicas, São Paulo: Martins Fontes 2002.

SMITH, R. Aristotle – Prior Analytics. Indianapolis: Hackett, 1997.

SMITH, R. Aristotle – Topics I e VIII. Oxford: Clarendon Press, 1997.

SMITH R., Aristotle's on the use of dialectic, Synthese 1993.

SOLMSEN, F. Aristotle’s system of the physical world. New York (Ithaca): Cornell University Press, 1960.

SORABJI, R. Necessity, cause and blame. Londres: Duckworth, 1980.

TREDENNICK, H. Posterior Analytics and Topics. Cambridge: Cambridge University Press, 1960.

WEDIN, M. “The strategy of Aristotle’s Categories”. In: Archive für Geschichte der Philosophie, vol. 79, 1997, pp. 1-26.

WOLFF, F. “Les principes de la science chez Aristote et Euclide.” In: Revue de Métaphysique et de Morale, vol. 105, N. 3, 2000, pp. 329-362.

ZANATTA, M. Le categorie. Milão: Rizzoli, 1989.

ZANATTA, M. Della Interpretazione. Milão: Rizzoli, 1992.

ZINGANO, M. Uma discussão crítica de Ciência e dialética em Aristóteles de Oswaldo Porchat. In: Analytica, Revista de filosofia (UFRJ), Vol. 8 n. 1, 2004, pp. 75-100.

87