Guia Logica I AVA
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS – UFLA
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – CEAD
LÓGICA IGuia de Estudos
Barbara Botter
Lavras / MG2012
Lógica I
Ficha catalográfica preparada pela divisão de processos técnicos
da Biblioteca Central da UFLA
Botter, Barbara. Ética I : guia de estudos / Barbara Botter. – Lavras : UFLA, 2012. 87 p. Uma publicação do Centro de Educação a Distância da Universidade Federal de Lavras.
1.Formação de professores. 2. Banalidade do mal. 3. Ética antiga. I. Universidade Federal de Lavras. II. Título.
CDD – 170
2
Lógica I
Governo Federal
Presidente da República: Dilma Vana Rousseff
Ministro da Educação: Aloizio Mercadante
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
Universidade Aberta do Brasil (UAB)
Universidade Federal de Lavras
Reitor: Antônio Nazareno Guimarães Mendes
Vice-Reitor: José Roberto Soares Scolforo
Pró-Reitor de Graduação: João Chrysostomo de Resende Júnior
Centro de Educação a Distância
Coordenador Geral: Ronei Ximenes Martins
Coordenadora Pedagógica: Elaine das Graças Frade
Coordenador de Projetos: Cleber Carvalho de Castro
Coordenadora de Apoio Técnico: Fernanda Barbosa Ferrari
Coordenador de Tecnologia da Informação: Raphael Winckler de Bettio
Departamento de Ciências Humanas
Filosofia (modalidade à distância).
Coordenador do Curso: André Constantino Yazbek
Coordenador de Tutoria: João Geraldo Martins da Cunha
Revisora Textual: Léa Silveira Sales
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Lógica I
SumárioINTRODUÇÃO......................................................................................................5UNIDADE 1..........................................................................................................12A proposição, elemento constitutivo da lógica......................................................12
1. 1 A predicação: estrutura, função, sujeitos e predicados..............................13Estrutura básica da predicação...............................................................................14Os dois tipos de fenômenos complexos expressos nas proposições......................16Tipos de sujeito .....................................................................................................19Tipos de predicados................................................................................................20Limites da teoria da proposição.............................................................................24
1.2 A forma geral do silogismo........................................................................27UNIDADE 2..........................................................................................................38Silogismo demonstrativo e apreensão dos princípios............................................38
2.1 O silogismo científico ou demonstração....................................................392.2 Apreensão dos princípios da demonstração...............................................49
UNIDADE 3..........................................................................................................55Teoria e sua realização...........................................................................................55
3.1 Silogística aplicada ao conhecimento da realidade.....................................563.2 A relação entre a busca da causa e a definição...........................................653.3 Os princípios dos Analíticos na ciência da natureza..................................70
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................78REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................80
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Lógica I
INTRODUÇÃO1
Em As palavras e as coisas, Michel Foucault, filósofo francês
contemporâneo, nos apresenta um instigante prefácio, no qual se refere a “uma
certa enciclopédia chinesa”, mencionada em um conto de Jorge Luis Borges, que
contém a seguinte classificação dos animais:
“Os animais se dividem em: pertencentes ao imperador; embalsamados; domesticados; leitões; sereias; fabulosos; cães em liberdade; incluídos na presente classificação; que se agitam como loucos; inumeráveis; desenhados com um pincel muito fino de pelo de camelo; que acabam de quebrar a bilha; que de longe parecem moscas”2.
O elemento mais curioso é que o escritor nos propõe uma
“enciclopédia”, ou seja, um instrumento que tenta ordenar o que é naturalmente
desordenado. Agora, é claro que dentro dessa hipotética ordem, Borges monta
uma autêntica desordem.
Essa “classificação” nos incomoda pelo fato de que não podemos
pensá-la.
E não podemos pensá-la porque ela não é lógica.
Utilizamos a palavra “lógica” para manifestar 1) a exigência de
coerência; 2) a exigência de que não haja contradição entre o que sabemos do
assunto e a conclusão a que chegamos; 3) a exigência de que, para entender a
conclusão, devemos conhecer a causa por que se chegou a esta conclusão; 4) a
exigência de que a forma do nosso raciocínio seja uma inferência da forma: visto
que conheço x posso deduzir y como conclusão3.
É claro que, na citação de Borges, há uma mistura de assuntos sem um
critério mínimo de ordem; ou seja, falta uma coerência de princípio. Isso significa
que, para entender a realidade, é preciso procurar a forma correta de pensá-la.
Aristóteles foi um dos pioneiros que tentaram fornecer as regras de pensamento
correto, e isso seja independentemente do conteúdo, seja em relação ao conteúdo.
1 Somos gratos à Profa. Dra. Léa Silveira pela cuidadosa revisão.2 Focault 2000, Prefácio.3 Cf. Chauí, 2000, pp. 227-228.
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Lógica I
No segundo caso, e só no segundo caso, é possível referir-se ao pensamento com a
expressão “conhecimento científico”.
Na nossa disciplina de Lógica I, não poderemos abarcar todos os
aspectos da lógica antiga, que tem uma longa e articulada tradição. Para citar
apenas os pensadores que se sobressaem na sequência de descobertas e reflexões
lógicas, é preciso indicar Parmênides, Zenão de Eleia, os sofistas, Sócrates e
Platão – este último, mestre do pai da lógica silogística, Aristóteles. Mais tarde, a
lógica encontrou um desenvolvimento com a escola dos estóicos e dos megáricos,
em particular com Euclides de Megara, em 400 a.C. Não obstante, entre esse
conjunto de pensadores, os dois modelos lógicos que se destacam na antiguidade
são a lógica do silogismo de Aristóteles, que iremos estudar ao longo da nossa
disciplina, e a lógica estóica. A lógica dos estóicos apresenta uma estrutura
diferente da lógica aristotélica, pois é principalmente uma lógica das proposições.
Durante muitos anos não se soube disso, devido ao estado fragmentário dos textos
da escola estóica. Hoje, graças às pesquisas de muitos historiadores da lógica ao
longo do seculo XX, tem-se uma ideia melhor sobre as principais inovações da
escola estóica. A logica estóica é uma lógica proposicional, cujas inferências
tratam das relações entre entidades que têm a estrutura de proposições, que são os
portadores primários do valor de verdade. A logica estóica se divide em duas
partes: uma teoria das proposições e uma teoria dos argumentos4. O lógico mais
fecundo da escola estóica não foi seu fundador, Zenão – que, no entanto, deixou
interessantes contribuições –, mas Crisipo.
E não é apenas o Ocidente que tem uma tradição de lógica. Entre os
séculos V e III a. C. na China e a partir do século V a. C. na Índia, uma lógica
desconhecida dos gregos se formou e chegou a um bom grau de desenvolvimento.
Querendo limitar nossa pesquisa ao pensamento ocidental, é preciso
reconhecer que o surgimento da lógica, como um método de pensamento
verdadeiro e sem contradições, deve ser atribuído a Platão, o qual, para sair das
dificuldades em que Heráclito e Parmênides caíram na tentativa de pensar a
realidade, elaborou a dialética. A dialética é um procedimento intelectual que
utiliza o método de divisão (diairesis), mediante o qual o ente ou o conceito
4 Ver Bobzien 2003, p. 85.
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Lógica I
examinado deve ser dividido em dois lados opostos, de modo que se possa
determinar sem contradição qual dos dois lados é verdadeiro e qual é falso. A cada
etapa do caminho de divisão, surgem dois novos opostos, os quais serão
novamente separados e divididos até que se chegue a algo indivisível, que
manifesta a essência do que está sendo investigado. Embora Aristóteles reconheça
a importância do procedimento de divisão, ele não acredita que seja um legítimo
processo lógico e, por isso, fundamenta sua lógica numa base diferente daquela
escolhida por Platão.
Ele mesmo declara que, no âmbito dessa disciplina, não pode partir da
obra de seus predecessores, como costumava fazer. Escreve o filósofo no final de
um de seus tratados lógicos:
“no caso da retórica havia muito material antigo à mão, mas no da lógica não tínhamos absolutamente nada antes de dedicar um longo tempo a uma laboriosa investigação. Se, ao considerar a matéria e recordar o estado em que se começou, se pensa que o assunto se acha agora num estágio suficientemente avançado em comparação com o de outras disciplinas que se desenvolveram no curso da tradição, cabe a todos vocês que ouviram as nossas palestras perdoar as nossas omissões e nos parabenizar calorosamente por nossas descobertas”5.
Como observa Barnes, a nota de auto-congratulação, que aparece na
parte final da citação, não é típica de Aristóteles, que costuma aceitar com
gratidão tudo o que a tradição lhe oferece6. Aristóteles reconhece que o
procedimento judicioso para qualquer investigador intelectual é apoiar-se na
tradição e usar as descobertas passadas, mas isso não foi possível no caso da
lógica. E, de fato, Aristóteles foi o primeiro a tentar mostrar o caminho correto
para a investigação da realidade sensível através da demonstração. Por isso, e
visto que as diversas contribuições de Aristóteles e de seus discípulos levaram à
criação e ao desenvolvimento da lógica tal como a conhecemos hoje, ele é
considerado o iniciador da lógica.
Embora Aristóteles, ele próprio, também se considere o pai da lógica,
a lógica aristotélica não nasceu já adulta como Atenas da cabeça de Zeus.
O modelo mais desenvolvido de pensamento lógico e sistemático na 5 Arist., Refutações Sofisticas 34, 184a9-b9.6 Barnes, 2005, pp. 31-32.
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Lógica I
época de Aristóteles é sem dúvida a geometria. Em geral, a característica
marcante da geometria é o fato dela ser um sistema axiomatizado; ou seja, a partir
de poucos princípios fundamentais e indemonstráveis, derivam-se todas as outras
verdades, por meio de uma série de deduções lógicas. Todas as verdades
derivadas se seguem logicamente por meio de uma longa e complexa cadeia de
raciocínios. Particularmente nas obras conhecidas como Primeiros Analíticos e
Segundo Analíticos, Aristóteles examina as regras de dedução.
O sistema axiomático de Euclides – que surgiu depois da morte de
Aristóteles, mas que se baseia nos estudos dos seus predecessores – pode ser
considerado, talvez, um dos mais brilhantes sucessos da ciência grega clássica,
como prova o fato de ter dominado o pensamento científico por vários séculos. O
método axiomático é uma teoria dedutivamente ordenada em axiomas e teoremas
mediante regras de inferência. As principais regras de inferência, segundo as quais
uma proposição chamada de “conclusão” pode ser deduzida de outras chamadas
de “premissas”, são fruto das reflexões de Aristóteles.
Nas numerosas obras lógicas – nomeadamente o tratado Da
Interpretação, o tratado das Categorias, dos Primeiros e dos Segundos Analíticos,
dos Tópicos, das Refutações Sofísticas (que foi considerado como uma apêndice
dos Tópicos), que depois da morte do filósofo foram agrupadas no conjunto
intitulado Organon –, Aristóteles cria a maioria dos conceitos que serão utilizados
na lógica subsequente, como é o caso de “argumento”, “validade”, “inferência” e
outros conceitos que examinaremos ao longo do curso. E, quando se parabeniza
Viète7 por ter sido o primeiro a utilizar letras como símbolo na álgebra, se esquece
que já Aristóteles introduziu na história da lógica as letras, que podem ser usadas
para uma asserção qualquer, procedimento que se revelou uma criação
fundamental para os estudos posteriores não apenas no âmbito da lógica. O uso
das letras é notável, por exemplo, para conseguir o rigor nas demonstrações
matemáticas.
Considerando o tamanho e a abrangência das contribuições que o
Estagirita forneceu à tradição ocidental no campo da lógica, é preciso que
escolhas sejam feitas. Nosso curso propõe-se a examinar os elementos que nos
7 Matemático que nasceu em 1540 e morreu em 1603.
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Lógica I
permitem destacar o papel da teoria da dedução não apenas como um método
abstrato de sistematização ideal do conhecimento científico, mas também como a
forma mesma do conhecimento científico. Com isso, queremos nos posicionar a
respeito da uma célebre dificuldade relativa à teoria do silogismo, que resumimos
brevemente. A ideia aristotélica de que a ciência é um tipo de conhecimento
demonstrativo parece implicar que esta deve se apresentar na forma de uma
exposição sistemática, constituída por cadeias de silogismos. Porém, parece que as
coisas não se passam exatamente dessa forma nem nas ciências que fornecem a
Aristóteles o exemplo, como é o caso da matemática, nem na prática científica de
Aristóteles. A geometria grega, por exemplo, demonstra; mas suas demonstrações
não se deixam reduzir a cadeias de silogismos. Se considerarmos o Corpus
aristotelicum, os exemplos incontestáveis de demonstrações silogísticas são mais
raros ainda, seja nas ciências mais abstratas, seja na ciência física. A solução
clássica, fornecida por Jonathan Barnes, é afirmar que o modelo dos Analíticos foi
pensado por seu autor como um paradeigma – isto é, o modelo ideal de uma
ciência completa e acabada –, ao passo que os escritos científicos do Estagirita
testemunham os esforços de pesquisa do filósofo.
Acreditamos que essa solução não é necessária, nem talvez possível.
Com efeito, o texto com o qual o Estagirita abre os Analíticos Segundos diz
expressamente que:
“conhecemos cientificamente através da demonstração. E por “demonstração” entendo o silogismo científico; e por “científico” entendo aquele segundo o qual conhecemos cientificamente por possuí-lo”8.
A demonstração é presente, portanto, como a forma mesma do
conhecimento científico: conhecer cientificamente os entes é conhecer na forma e
na ordem em que se encontram na demonstração. Estamos persuadidos de que a
importância do silogismo, e em particular do silogismo científico, não se reduz ao
fato de ser apenas a forma ideal, porém abstrata, do conhecimento científico, mas
antes sua causa. Pensar que a demonstração silogística seja só um momento ideal
na descoberta científica seria como dizer que até então não possuímos ainda
8 Arist., Segundos Analíticos I 1, 71b16-19.
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Lógica I
nenhum conhecimento deste tipo, ou, se estivermos com sorte, que só possuímos
um conhecimento objetivo e exato num nível bem baixo. Não obstante, não
encontramos em lugar nenhum, nos escritos de Aristóteles, um sinal visível desse
pessimismo, muito pelo contrário9.
Além disso, acreditamos que nesse ponto reside uma diferença entre o
método científico da dialética platônica e o procedimento aristotélico: a dialética é
um exercício direto do pensamento e da linguagem, um modo de pensar que opera
com os conteúdos do pensamento e do discurso. A inferência aristotélica é um
instrumento que oferece os meios para realizar o conhecimento e o discurso. Para
Platão a dialética é um modo de conhecer, para Aristóteles a inferência é um
instrumento para conhecer. A inferência aristotélica oferece procedimentos que
devem ser empregados naqueles raciocínios que se referem a todas as coisas das
quais possamos ter um conhecimento universal e necessário, e seu ponto de
partida não são opiniões contrárias, mas princípios, regras e leis necessárias e
universais do pensamento10.
Nosso objetivo ao longo desta disciplina será examinar o silogismo
não apenas como um modelo lógico abstrato, mas também nas contribuições que
ele traz para o trabalho de descoberta científica.
Para alcançar esse objetivo, optamos por nos concentrar nos seguintes
assuntos:
1) Na primeira Unidade, examinaremos a teoria da proposição como
fundamento da lógica através da análise de algumas passagens do
tratado Da Interpretação, das Categorias e da Metafísica V;
2) Na terceira Unidade, propomos uma aplicação do modelo científico
dos Analíticos à ciência natural, seguindo as indicações fornecidas por
Aristóteles nos Segundos Analíticos;
3) Tudo isso passando por uma sumária descrição da teoria do
silogismo na segunda Unidade – teoria exposta pelo filósofo nos
primeiros 26 capítulos dos Primeiros Analíticos –, com uma atenção
9 Ver Crubellier & Pellegrin, 2002, pp. 51-52.10 Para uma ilustração do modelo platônico e paralelo entre dialética e silogística, ver Chauí,
2000, pp. 220 .
10
Lógica I
particular para o silogismo científico.
SUGESTÕES DE LEITURA
BERTI, E. As razões de Aristóteles. (Trad. Dion David Macedo). 1ª ed. São Paulo: Loyola, 1998. (Em particular o primeiro capítulo dedicado a “Apodítica e dialética”).
BERTI, E. Aristóteles no século XX. (Trad. Dion David Macedo). 1ª ed. São Paulo: Loyola, 1998.
CHAUÍ, M. Introdução à história da filosofia – Dos pré-socráticos a Aristóteles. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. (Em particular a seção relativa à lógica aristotélica).
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Lógica I
UNIDADE 1A proposição, elemento constitutivo da lógica
A primeira Unidade apresenta os elementos fundamentais da teoria lógica de
Aristóteles: a predicação, ou enunciado declarativo, e a combinação de
enunciados, ou silogismo.
12
Lógica I
1. 1 A predicação: estrutura, função, sujeitos e predicados
Antes de tudo, é importante destacar que, embora Aristóteles seja o
descobridor da lógica, ele nunca usa em seus escritos o termo “lógica”, nem
explica o que ele realmente pretende fazer quando elabora as etapas que
constituirão essa disciplina. E mais: o filósofo não se preocupa com encontrar um
lugar para a lógica na rede das disciplinas científicas. Já os sucessores imediatos
do Estagirita não tinham bem certeza do seu estatuto. Alguns sustentavam que a
lógica era uma “parte” da filosofia e que podia ser colocada ao lado da
matemática ou da ciência física. Já outros acreditavam que a lógica era apenas um
instrumento da ciência e não um objeto de estudo11. Como frequentemente
acontece com Aristóteles, é bem possível que a verdade esteja no meio e a lógica
seja tanto uma parte como uma disciplina12. Na verdade, Aristóteles não possuía
um termo específico para designar essa disciplina. O termo grego logike, quando
está combinado com termos como “demonstração” ou “silogismo”, várias vezes
significa “dialético”13 e, quando não parece ter esse sentido, o termo se refere a
proposições mais gerais, que não são passíveis de inserção precisa no âmbito de
uma ciência específica14.
O termo “lógica” no sentido atual parece ter sido utilizado pela
primeira vez por Cícero (106-43a.C.) e foi reforçado por Alexandre de Afrodísia –
um discípulo do Estagirita que nasceu entre o 198 e o 209 d.C. –, embora, ao que
tudo indica, seu sentido próprio, como utilizado atualmente,tenha origem estóica.
Aristóteles denominava Analítica o que hoje designamos por lógica. O termo
“analítica” significa “resolução” e traça o método adequado a ser utilizado por
qualquer discurso que pretenda ter um valor científico. Segundo Aristóteles, o
método adequado ao conhecimento científico é o método dedutivo ou das
inferências. “Inferência” traduz a palavra grega silogismo e podemos afirmar sem
hesitação que toda a lógica aristotélica gira em torno da teoria do silogismo. O
11 A palavra grega organon – com a qual os aristotélicos posteriores, em particular Alexandre de Afrodisia, costumam designar o conjunto das obras de lógica aristotélica – significa precisamente “instrumento”. Ver Elias, In Porphyrii Isagogen et Aristotelis Categorias Commentaria, pp. 118-120.
12 Ver Barnes 2005, p. 47.13 Ver Arist., De Generatione Animalium II 8, 747b27-30.14 Ver Arist., Tópicos I 14, 105b19-25.
13
Lógica I
silogismo, por sua vez, é composto por um conjunto de juízos ou enunciados e o
enunciado, ou predicação15, é um conjunto de termos e conceitos. A teoria da
proposição será, portanto, o ponto de partida de nosso estudo. Os elementos da
teoria da proposição estão espalhados em varias obras: De Interpretatione, e
Categorias são os textos devotados, de modo específico, a uma teoria dos termos
e a uma teoria da proposição; Tópicos, em particular Tópicos I 5-8, e Segundos
Analíticos I 4 são dedicados a uma classificação dos predicados; finalmente,
Metafísica IV e Segundos Analíticos I 22 desenvolvem alguns aspectos presentes
no De Interpretatione16. Observando os escritos contidos no Organon, parece que
o filósofo procede do simples ao complexo, começando pelo mais simples, isto é,
pelos elementos de uma proposição, pela função do nome e do verbo, ou seja, a
função do sujeito e do predicado, que são os termos (horos) de uma predicação. E
o Estagirita abre os Primeiros Analíticos, seu tratado sobre a inferência, com uma
definição de predicação (protasis)17. Contudo, outros textos, como por exemplo a
Metafísica, preferem tomar os elementos da proposição como um conjunto
originário, sobre o qual se aplicam os operadores copulativos “é” ou “não é”18.
Essa segunda opção é mais útil no caso em que se queira destacar, como no nosso
caso, a pretensão de objetividade das proposições, isto é, o fato de que os
enunciados sempre se referem a fenômenos presentes no mundo; por isso, será
esse o caminho adotado por nós. Isso, porém, não nos dispensa da tarefa de
apresentar de forma resumida os elementos fundamentais de qualquer predicação.
Estrutura básica da predicação
Uma predicação tem uma estrutura básica e uma função.
A estrutura básica é um composto formado por um termo sujeito e um
termo predicado através do operador copulativo “é”, que indica uma união
15 Há diferentes modos para indicar a predicação na língua grega. Aristóteles utiliza katêgoria, apophansis, protasis, kataphasis, symplokê. Ver Angioni, 2006, p. 17.
16 Passagens dos textos citados são apresentadas e comentadas por Angioni, 2006. Na análise da proposição como base fundamental para o estudo do silogismo, utilizaremos a introdução e o comentário de Angioni a esses textos.
17 Arist., Primeiros Analíticos I 1, 24a16-17.18 Arist., Metafísica V 7, 1017a31-35. Ver Angioni, 2006, 16.
14
Lógica I
(synthesis) ou “não é”, que indica uma separação (diairesis)19. Como diz
Aristóteles: “O “ser” e o “não ser” não são sinais de uma coisa (nem o ente, se o enuncias isolado), pois, em si mesmos, eles não são nada, mas co-significam uma composição, a qual não é possível compreender sem os itens conectados”20
A relação entre sujeito e predicado é quantificada em relação ao termo
expresso no sujeito (“todo”, “algum”, “nenhum”) e é caracterizada pelos
operadores modais (“é possível”, “necessariamente”).
A função essencial da predicação é remeter a situações reais
verificáveis no mundo. Quando a um conjunto de termos se aplica o operador
copulativo “é”, pretende-se afirmar que o estado de coisas apresentado existe
objetivamente no mundo, isto é, que os termos sujeito e predicado se apresentam
de fato unidos na realidade. O contrário acontece no caso em que seja utilizado o
operador “não é”21.
Portanto, um enunciado, ou predicação, é uma frase que possui a
forma básica “S é P” e que faz referência a situações no mundo com a pretensão
de que aquilo que é enunciado na proposição seja verdadeiro, isto é, exista na
realidade na forma em que está expresso na proposição.
Os enunciados que interessam à lógica, então, não são apenas uma
combinação de palavras, não exprimem um desejo nem uma ordem, mas
caracterizam-se pela pretensão de verdade22. A pretensão de verdade é a pretensão
de que aquilo que é enunciado na predicação tenha sua existência na realidade, ou
seja, aquilo que é dito em palavras deve poder ser constatado numa situação real.
Como escreve Angioni:
“Nessa perspectiva, a teoria da predicação é uma teoria a respeito das regras pelas quais a linguagem, em seu domínio declarativo ou apofântico, pode satisfazer plenamente sua função, qual seja, reportar-se objetivamente ao mundo e oferecer-nos constatações fededignas a respeito dos fatos e situações nele presentes. Assim, a teoria da predicação envolve uma teoria semântica, que busca delimitar as regras e condições pelas quais os termos, combinados nas proposições,
19 Ver Arist., De Interpretatione 16b22-23, 16b23-25 e Metafísica V 7, 1017a27-2920 Arist., De Interpretatione 3, 16b22-25.21 Ver Arist., Metafísica VI 4, 1027b18-27; X 1, 1051b2-5.22 Aristóteles chama este tipo de enunciados apophantikoi, isto é enunciados “declarativos”.
15
Lógica I
podem objetivamente remeter a situações verificáveis no mundo e, por isso, precisamente, podemos dizer que ela se apresenta, ao mesmo tempo, como uma ontologia: a teoria da predicação é uma teoria a respeito das correlações entre, de um lado as estruturas objetivas pelas quais as coisas se dão no mundo e, de outro, as estruturas lógico-linguísticas pelas quais pretendemos constatá-las e remeter a elas”23.
Exemplificando: a combinação entre Barbara e sua palidez é uma
unidade originária que, se completada pelo operador “é”, assume três
características: 1) a objetividade, ou seja, pressupõe-se que o conteúdo enunciado
na predicação esteja presente na realidade; 2) o valor de verdade, ou seja, o
enunciado pode ser formulado na forma seguinte: “é verdadeiro que Barbara é
pálida”; 3) o enunciado não se refere a coisas ou entes individuais, mas a
“fenômenos”, ou, segundo uma expressão que foi primeiramente de Wittgenstein
e foi em seguida utilizada por Angioni, “estados de coisas” no mundo. Comenta
Angioni:
“Quando dizemos que 'algo é verdadeiro', o 'algo' representa algum fato complexo, isto é, algum estado de coisas constituído de, pelo menos, dois elementos, que devem poder ser expressos como termos de uma predicação. Assim, como sinal de pretensão de verdade pela qual se caracteriza o discurso declarativo, o 'ser' designa uma operação que, necessariamente, envolve dois elementos”24.
Os dois tipos de fenômenos complexos expressos nas proposições
A tarefa do verbo “ser” não se reduz a indicar a operação pela qual se
unem os termos de uma predicação. Em Metafísica V 7, Aristóteles declara que o
particípio presente do verbo ser, “ente” (on), refere-se exatamente à estrutura
unitária em que os termos do enunciado se encontram unidos. Um ente, então, é
um “algo que é tal coisa”, ou “um sujeito que é tal e tal predicado”. Há ainda o
fato de que o verbo indica uma pretensão de verdade e de objetividade, e isso quer
dizer que o “ser” pretende que exista na realidade o estado de coisas enunciado na
composição entre o sujeito e o predicado do enunciado. Ao formular a proposição 23 Angioni 2006, p. 20.24 Angioni, 2006, p. 22.
16
Lógica I
“Barbara é pálida”, o interlocutor pretende que Barbara seja realmente pálida, isto
é, ele pressupõe que Barbara existe na realidade e pretende que ela tenha a
propriedade de ser pálida.
Diferentes tipos de combinação entre sujeito e predicado remetem a
diferentes tipos de predicação, e diferentes predicações remetem a diferentes tipos
de fenômenos complexos no mundo. É evidente que, para conhecer os diversos
tipos de predicação, é preciso ao mesmo tempo conhecer quais tipos de
fenômenos complexos existem no mundo, ao ponto de que uma teoria dos
enunciados que se limitasse a enumerar elementos linguísticos seria incompleta e
insuficiente. Com efeito, se existem diferentes combinações de sujeito e predicado
é porque existem diferentes tipos de “ente”, e se existem diferentes tipos de “ente”
é porque existem diferentes fenômenos complexos na realidade e se existem
diferentes fenômenos complexos na realidade é porque as coisas se apresentam
em forma diferentes25. Sem dúvida, vivemos numa realidade complexa e, se a
linguagem tem a pretensão de verdade e de objetividade, deve adequar-se à
realidade complexa.
É preciso inicialmente delimitar os dois tipos fundamentais de
fenômeno complexo, assim como Aristóteles faz em Metafísica V 7: o “ente” por
acidente e o “ente” em si.
Os entes acidentais são fenômenos constituídos pela união extrínseca
entre um objeto e um atributo, como é o caso do exemplo utilizado anteriormente:
“Barbara é pálida”. Ainda que esses dois elementos sejam inseparáveis,
Aristóteles diria que a palidez está num sujeito, a saber, o corpo (porque toda
coloração está num corpo). Está claro que Barbara pode existir sem sua palidez –
porque ela pode se bronzear e deixar de ser pálida –, mas a palidez da Barbara não
pode existir sem a Barbara. Barbara é separável de sua palidez, embora não possa
existir desprovida de toda coloração.
Poderíamos talvez afirmar que existem algumas coisas que são
parasitárias com relação a outras: para que existam, é preciso que alguma outra
coisa, já previamente identificado em si, tenha alguma relação com ela. No nosso
exemplo, Barbara é algo subjacente, já previamente identificado em si, cuja
25 Estas reflexões são desenvolvidas de forma clara e exaustiva Angioni, 2006, na secção introdutória.
17
Lógica I
existência não depende do fato de que a palidez lhe seja atribuída. Quando alguma
propriedade não é decisiva para a existência do sujeito, não é seu atributo
essencial, nem sua função ou atividade própria – isto é não contribui
necessariamente para a existência do sujeito –, é uma coisa parasitária, que é
acidentalmente atribuída ao sujeito. As essências do sujeito e do predicado são, no
caso de “ente por acidente”, duas essências distintas; por isso, quando as duas se
encontram relacionadas, formam uma nova unidade, um novo ente. Esse tipo de
ente, exprime-se na linguagem em enunciados nos quais o predicado se acrescenta
de forma extemporânea ao sujeito, e o predicado indica algo novo, que não está
contido na definição do sujeito e que é acidental ao sujeito.
Por outro lado, há entes, ou fenômenos complexos, constituídos pela
união de dois elementos não alheios um ao outro, porque o primeiro elemento é
considerado em sua totalidade, ao passo que o segundo é assumindo como um
atributo do qual o todo é constituído. Neste caso, a união dos elementos é
intrínseca e as essências do sujeito e do predicado, embora possam ser
logicamente distintas, relacionam-se de modo que a essência, e a respectiva
definição do predicado, está contida na essência e definição do sujeito. Por
exemplo, na predicação “Barbara é um ser humano”, temos uma predicação desse
tipo. Dessa predicação não surge um novo ente, um ente diferente relativamente
ao sujeito “Barbara”. O fenômeno complexo que é representado por esse tipo de
predicação é o “ente em si”. O ente em si é expresso numa predicação analítica,
isto é, o predicado apenas analisa o sujeito.
Resumindo, as predicações se dividem em: 1) enunciados que
exprimem um fenômeno complexo cuja unidade é acidental, quando os dois
elementos que formam a predicação têm apenas uma relação extrínseca – na
realidade, essa predicação representa o “ente por acidente”; 2) enunciados que
exprimem um fenômeno complexo cuja unidade é essencial, quando dos dois
elementos que formam a predicação, há uma relação intrínseca, visto que o
predicado já está contido no sujeito – na realidade, essa predicação representa o
“ente em si”.
Como diz Angioni, é evidente que essa divisão não depende apenas de
18
Lógica I
critérios linguísticos, ou lógicos, mas também de critérios metafísicos peculiares26.
Porém, não cabe à nossa disciplina de lógica I a exploração de todos esses
pressupostos metafísicos.
Observemos apenas que os enunciados que exprimem um “ente em si”
são aqueles que têm como sujeito um ente previamente identificado em si e o
predicado só analisa a essência do sujeito, ou seja, traz à evidencia um atributo
característico da essência do sujeito. As predicações que exprimem um “ente por
acidente”, para serem consideradas predicações autênticas, devem ter como
sujeito um ente que seja um sujeito previamente identificado em si, isto é, uma
substância, embora aparentemente elas possam ter qualquer termo como sujeito.
De fato, predicações como “o falante é pálido” ou “o músico é doente” exprimem
um ente por acidente. Contudo, elas não são formadas por uma única predicação,
mas sim por duas: Barbara é falante – Barbara é pálida, e Vitor é músico – Vitor
está doente. E nessas predicações os sujeitos Barbara ou Vitor não têm a mesma
natureza que “falante” e “pálida”, “músico” e “doente”: para utilizar a mesma
expressão empregada anteriormente: “falante” e “pálida” são parasitárias, ao
passo que Barbara é uma substância. O mesmo vale para o segundo exemplo.
Enfim, uma predicação é por acidente se os dois elementos que o enunciado une
são extrínsecos e se o sujeito é um algo já previamente identificado em si, ou seja,
uma substância. Se o segundo requisito não for cumprido, não será possível
atribuir à predicação o valor de verdade, visto que não será possível identificar o
fenômeno complexo do qual se pretende falar.
Tipos de sujeito
Resumindo o que foi exposto acima, Aristóteles reconduz os tipos de
sujeito das predicações a dois tipos fundamentais: o “ente em si mesmo” e o “ente
por acidente”. No primeiro caso, temos uma entidade ou fenômeno qualquer, já
previamente identificado, o qual pode ser analisado em suas partes constituintes.
O sujeito lógico (hypokeimenon)27 é, neste caso, uma substância já previamente
26 Angioni, 2006, p. 25.27 Angioni traduz o termo grego hypokeimenon por “subjacente”, pois se trata de algo já dado,
como assunto a respeito do qual se propõe uma predicação. Ver Angioni, 2006, p. 27.
19
Lógica I
caracterizada por suas propriedades essenciais.
No segundo caso, temos um tipo de ente ou fenômeno que depende da
identificação prévia do sujeito ao qual faz referência, ou seja, depende da
identificação da substância da qual se pretende falar. No caso do exemplo “o
escrevente é pálido”, é preciso em primeiro lugar identificar o sujeito lógico da
proposição, isto é, a substância à qual “escrevente” e “pálido” estão se referindo.
No nosso exemplo, Barbara é a substância da qual se pretende falar, e as duas
qualidades são dela predicadas.
Tipos de predicados
Aristóteles não fornece uma lista exaustiva dos predicados possíveis;
por isso, é preciso utilizar mais do que um tratado e aceitar que, nessa
sobreposição de textos, haja algumas repetições28. Em Tópicos I 5-8, Aristóteles
cita como possíveis predicados: a definição, o próprio, o gênero e o acidente. Nos
Segundos Analíticos I 4, o filósofo distingue só os predicados que se atribuem a
um sujeito em si, ou seja, os atributos per sé29, e o acidente. No livro das
Categorias, a “diferença” constitui outro tipo de predicado. A título de
esquematização, vamos identificar e definir as classes de predicados citados.
Partindo do mais simples, ou seja, o acidente, podemos caracterizá-lo
da seguinte maneira: trata-se de um predicado que não tem relação nenhuma com
o sujeito ao qual é atribuído: se um ente é homem, não se segue, por isso, que é
escrevente, ou pálido, músico ou doente.
O primeiro tipo de predicado per s é é um tipo de predicado que está
incluído na definição do sujeito30, ou seja, pertence à estrutura interna do sujeito e,
por isso, comparece no enunciado que define o ente em questão31. Utilizando uma
linguagem tipicamente kantiana, podemos afirmar que se trata de um predicado
analítico. De acordo com a classificação das Categorias, as diferenças estão
incluídas nesta classe32, em conjunto com o gênero, citado nos Tópicos.28 Para a sistematização dos predicados, utilizamos Angioni, 2006, p. 28-40.29 Utilizamos o plural, pois Aristóteles distingue dois tipos de atributo per sé.30 Arist., Segundos Analíticos I 4.31 Arist., Tópicos I 5, 102a32-35; I 9.32 Ver Angioni, 2006, p. 109.
20
Lógica I
O segundo tipo de predicado per sé é definido por Aristóteles no livro
I dos Segundos Analíticos, porém, com relação ao primeiro tipo de predicado per
sé, possui contorno menos nítido. Angioni o define da seguinte forma: “o
segundo tipo é tal que, dado o sujeito, tomado em si mesmo, necessariamente se
segue como atributo uma disjunção (“ou tal e tal predicado, ou seu oposto”)”; e,
algumas linhas depois: “o segundo tipo de atributo per sé não constitui a
estrutura interna do sujeito”33. Um par de exemplos sejam talvez esclarecedores:
a linha é ou curva ou reta; o número ou é par ou ímpar.
A definição é um tipo de predicação que possui pelo menos três
características: 1) predica-se universalmente do sujeito, em toda sua extensão; 2)
predica-se apenas deste mesmo sujeito; 3) o predicado implica o sujeito e o sujeito
implica o predicado. Se peixe se define por ser “animal com sistema de respiração
branquial”, segue-se que, se algo é peixe, é animal que tem sistema de respiração
branquial e, se algo é um animal que tem sistema de respiração branquial é peixe.
É preciso destacar que, no caso da definição, o predicado deve afirmar certas
propriedades que determinam de modo decisivo o que o sujeito é, ou seja, o
predicado deve ser um atributo que sempre e necessariamente se atribui ao sujeito.
Portanto, o último requisito citado é talvez o mais fundamental para delimitar a
definição e não confundir a definição com outro tipo de predicado: o próprio. A
definição deve explicitar exatamente os atributos que fazem do sujeito o ser que
ele é.
Entre os predicados contidos na definição são presentes o gênero e a
diferença, cuja demarcação é apenas relativa: a diferença é apenas uma
especificação do gênero. Portanto, o que numa relação representa uma diferença,
pode representar um gênero numa subdivisão mais específica.
O próprio é um tipo de predicado que, como dissemos, pode ser
facilmente confundido com a definição, visto que tem em comum com a definição
os dois primeiros critérios de demarcação: 1) predica-se universalmente do
sujeito, em toda sua extensão; 2) predica-se apenas deste mesmo sujeito. Contudo,
mesmo tendo a mesma extensão do sujeito, o próprio caracteriza-se por uma
terceira condição bem deferente da definição: 3) não indica “o que é” o sujeito,
33 Angioni, 2006, p. 28.
21
Lógica I
isto é, sua essência. Por exemplo, o homem é capaz de rir, ou é capaz de aprender
a escrever. Nesse caso, “capaz de rir” e “capaz de aprender a escrever” são dois
predicados que têm a mesma extensão do sujeito, embora não sejam contidos na
definição de homem.
Como observa mais uma vez Angioni, “para entender a distinção
entre a definição e o próprio é preciso explorar alguns traços básicos do
essencialismo aristotélico”34, o que não cabe a nossa exposição. Limitamo-nos a
lembrar que, para Aristóteles, os entes têm essências, ou seja, uma estrutura
organizada de propriedades que o constituem sempre e necessariamente. Não se
trata de uma conjunto de propriedades aleatórias, mas do núcleo de propriedades
fundamentais do ente que determinam a concatenação das outras propriedades35.
Finalmente, as essências só se aplicam a certos tipos de ente: as substâncias.
Na teoria dos enunciados, as substâncias constituem os sujeitos a que
se atribuem as propriedades, ou os sujeitos de que se predicam os predicados.
Esquematicamente, temos de um lado sujeitos (hupokeimenon,
“subjacente”, utilizando a expressão de Angioni), e de outro lado as propriedades
expressas no predicado. Entre as propriedades temos de um lado as “propriedades
substanciais”, que formam o conjunto de atributos que determinam o sujeito, isto
é, aquelas propriedades que sempre e necessariamente pertencem a um sujeito.
Propriamente não é correto dizer que essas propriedades “se afirmam” de um
sujeito, como se o sujeito fosse algo subjacente já previamente determinado em si,
visto que são exatamente estas propriedades que determinam o que o sujeito é. De
outro lado, temos também propriedades que propriamente se predicam do sujeito,
pois não identificam o sujeito, mas são acrescentadas a ele.
Essa distinção é fruto de um articulado ensaio aristotélico, que não é
apenas um ensaio lógico, mas sim fundamentalmente ontológico: as Categorias.
À primeira vista, as Categorias ocupam-se da classificação de tipos de predicados.
Por exemplo: o que é Barbara? M – um ser humano, um animal etc. Quais as suas
qualidades? – ela é pálida, paciente, etc. Que altura tem ela? – um metro e
sessenta-e-dois, um metro e sessenta-e-nove etc. Como ela se relaciona com as 34 Angioni 2006, p. 28.35 Essa concepção de “essência” tem suas raízes profundas na filosofia da natureza de Aristóteles.
É bem possível que, fornecendo essa definição de essência, o filósofo pensasse nos seres vivos. Ver Angioni, 2000 e 2006, p. 30.
22
Lógica I
outras coisas? – ela é filha de Daniela, neta de Maria etc. Onde ela está – na
universidade. Esses diferentes tipos de pergunta são feitos utilizando diferentes
tipos de predicado. A questão “que altura tem ela?” pede predicados de
quantidade, e a questão “como ela se relaciona com outras coisas?” pede
predicados de relação. Aristóteles elenca, com pequenas variações de número36,
dez classes de predicado. As classes de predicados são elas mesmas chamadas
agora “categorias”, tendo o termo “categoria” sido transferido das coisas
classificadas às coisas nas quais elas são classificadas. Como comenta Barnes, “o
mais importante é que se costuma designar as categorias como categorias de 'ser'
e o próprio Aristóteles às vezes se refere a elas como 'as classes das coisas que
existem'”37. A razão para passar das classes de predicados a classes de coisas, ou
de seres que existem, não é difícil. Provavelmente Aristóteles diria que, se os
predicados “pálida” e “ser humano” se aplicam a Barbara, então deve existir/ser
um ente “ser humano”, assim como deve existir/ser uma coisa “palidez”. Enfim, é
preciso que exista alguma coisa que corresponda a cada predicado que seja
verdadeiro de alguma coisa; e as coisas que correspondem aos predicados vão ser
elas mesmas classificadas de um jeito correspondente à classificação dos
predicados. As coisas, assim como os predicados, são de diferentes tipos. Entre as
categorias, há a primazia de uma delas sobre as outras. Predicados que respondem
à pergunta: “o que é isto?” caem na categoria da “substância” e a classe das
substâncias é a primeira, visto que representa a classe dos entes que só podem
exercer o papel de sujeito num enunciado; as substâncias/sujeitos nunca podem
tomar o lugar do predicado. A substância/sujeito é aquela entidade ou fenômeno
qualquer já especificado por suas propriedades essenciais, isto é, já previamente
identificado em si.
A celebérrima doutrina das “categorias” de Aristóteles, portanto, é ao
mesmo tempo uma doutrina dos enunciados e uma descrição da estrutura do
mundo. A doutrina das categorias destaca exatamente esse ponto da doutrina de
Aristóteles: 1a) a existência de substâncias/sujeito que nunca podem tomar o lugar
36 Como observa Barnes (2005, p. 70), nem todas as classes são delineadas com clareza e a discussão sobre o que pertence a cada classe contém alguns pontos enigmáticos. Além disso, Aristóteles raramente usa, fora das categorias, todas as dez classes; provavelmente não havia, da parte dele, nenhum compromisso quanto a seu número exato.
37 Barnes, 2005, p. 70.
23
Lógica I
do predicado; 1b) a existência de predicados que propriamente não se afirmam do
sujeito, pois determinam o que é o sujeito; 2) a existência de atributos que são
predicados do sujeito. Segundo a doutrina das “categorias”, um termo qualquer
sempre se reporta a uma coisa dada no mundo, ou a uma situação. As grandes
classes de entes e/ou predicados distinguem os termos que podem, por si sós,
identificar de maneira apropriada a coisa à qual se reportam daqueles que não
podem: os primeiros são predicados essenciais e os segundos são predicados
heterogêneos, os quais pressupõem que o sujeito a que se atribuem já seja
especificado por suas propriedades essenciais. Comenta Angioni: “É essa diferença que interessa a Aristóteles, assim como a estrutura de mundo que ela expressa: de um lado, temos as substâncias, subjacentes primitivos, identificados por seus predicados essenciais ou substanciais; de outro, temos as propriedades concomitantes, que pertencem a tais substâncias, sob dada condições, mas não as identificam essencialmente. É esse o ponto central da assim chamada “doutrina das categorias”38.
A distinção operada por Aristóteles estabelece a bifurcação entre:
− a categoria das substâncias, que se divide em substâncias
individuais, que só podem exercer o papel de sujeito num enunciado, e
propriedades essenciais, expressas por predicados essenciais;
− todas as outras coisas (em grego, ta alla), todas as outras
categorias, isto é as propriedades heterogêneas que são atribuídas a um
sujeito já previamente identificado em si mesmo.
Limites da teoria da proposição
A teoria aristotélica dos enunciados é uma brilhante construção em
que a doutrina lógica e a ontologia de Aristóteles se entrelaçam e seria uma
ingenuidade separar as duas. Certo, é possível distinguir uma classificação de
predicados, dominada por critérios lógicos, da classificação das categorias, repleta
de preocupações semânticas que envolvem pressupostos ontológicos. Talvez seja
esta parceria entre lógica e ontologia que impõe também algumas limitações à
teoria dos enunciados do Estagirita. Limitamo-nos a lembrar apenas as mais
38 Angioni, 2006, p. 34.
24
Lógica I
conhecidas.
Com relação à redução das proposições àquelas que têm estrutura
predicativa, é preciso acrescentar algumas observações. Em primeiro lugar,
Aristóteles não parece prestar atenção ao fato de que a proposição “chove” não é
análoga à proposição “Dione corre” e, por isso, não pode ser analisada de forma
parecida, mesmo que talvez a língua grega esteja legitimada a utilizar a forma
“Zeus faz chover” no lugar do simples “chove”.
Em segundo lugar, de Frege em diante, é costume analisar uma
proposição relacional, por exemplo “Sócrates ama Alcibíades”, como uma
predicação na qual aos dois personagens, Sócrates e Alcibíades, é atribuído o
predicado de dois lugares para “ama”. Esse tipo de análise tem a vantagem de
garantir a possibilidade de dar conta da estrutura lógica de inferências que contêm
relações de uma forma melhor do que no caso em que se interprete “ama
Alcibíades” como predicado de Sócrates. Aristóteles é consciente da natureza
peculiar dos predicados relacionais39, mas não parece sentir a necessidade de
produzir uma análise lógica das proposições relacionais diferente da análise das
proposições não relacionais. Isso faz surgir a dúvida a respeito de ser possível
aplicar os tipos de dedução teorizados por Aristóteles no âmbito de
conhecimentos, como é o caso da matemática, nos quais o uso de proposições
relacionais é prevalente.
Um terceiro problema está ligado à relação entre proposição e valor de
verdade. Aristóteles aceita o princípio de bivalência: cada proposição é verdadeira
ou falsa40 e, no livro IV da Metafísica, se limita a dizer “Negar aquilo que é, e
afirmar aquilo que não é, é falso, enquanto afirmar aquilo que é, e negar o que
não é, é verdadeiro”41. Como se deve entender essa afirmação? É uma teoria da
verdade como correspondência? E se for, como é preciso entender esta teoria? É
preciso pensar que a cada proposição Φ corresponde um estado de coisas φ e que
é legítimo afirmar que Φ é verdadeira só quando φ é o caso? Aristóteles responde
de forma concisa e escassa a essas perguntas. Não é este o lugar para desenvolver
a articulada questão da correspondência, só queremos destacar sua importância
39 Ver Arist., Categorias 7.40 Arist., Categorias, 10, 13a37b3; 4, 2a7-10.41 Arist., Metafísica. IV 7, 1011b26-28.
25
Lógica I
não apenas para a filosofia aristotélica, mas também para a tradição sucessiva.
LEITURA OBRIGATÓRIA
ANGIONI, Lucas. Introdução à Teoria da Predicação em Aristóteles. Campinas: Editora Unicamp, 2006. (Em especial: “Introdução”, “Tradução” e “Análise textual e comentários”).
SUGESTÕES DE LEITURA
BENVENISTE, É. “Categorias de pensamento e categorias de língua”. In: Problemas de Linguística Geral I. (Trad. Maria Glória Novak e Luiza Néri) 5 ed. São Paulo: Pontes, 2005
BRUNSCHWICG, J. “Dialectique et ontologie chez Aristote”. In: AUBENQUE, P. (ed.) Études aristotéliciennes – metaphysique et théologie. Paris: Vrin, 1985.
26
Lógica I
1.2 A forma geral do silogismo
Aristóteles distingue vários tipos de inferência ou silogismo e dedica
diferentes tratados42 a cada um deles: os Primeiros Analíticos tratam da forma
geral do silogismo, destacando apenas a correção formal da dedução, ao passo que
os Segundos Analíticos tratam do silogismo que, além de ser formalmente correto,
é também verdadeiro. Será o silogismo verdadeiro e sua aplicação no âmbito da
ciência física o conteúdo específico das segunda e da terceira Unidades deste guia.
E visto que um silogismo, para se dizer verdadeiro, deve partir de premissas
verdadeiras, os Segundos Analíticos tratam também da busca das premissas
verdadeiras.
Ao silogismo formado por premissas fundadas na opinião são
dedicado os Tópicos, que descrevem o silogismo chamado por Aristóteles de
“dialético”. O silogismo dialético não é necessariamente falso, porém sua
veracidade deve ser verificada, sendo somente provável.
Finalmente, as Refutações Sofísticas, que deveriam constituir o livro
IX dos Tópicos tratam de um silogismo aparente, visto que, na verdade, contém
um erro de raciocínio ao longo do seu desenvolvimento.
Aristóteles, pela primeira vez na história do pensamento ocidental,
esforça-se para examinar o tipo de processo que o pensamento produz na
elaboração de provas racionais, exame que está contido na silogística dos
Analíticos. O título que une os dois tratados sobre o silogismo, Analíticos, é com
certeza uma escolha de Aristóteles. Ele o cita geralmente com a fórmula “nos
Analíticos”.
A primeira proposição dos Primeiros Analíticos anuncia uma pesquisa
sobre a ciência demonstrativa” e o último capítulo dos Segundos Analíticos
fornece um bom resumo da obra43. Não obstante as numerosas discussões entre os
intérpretes da lógica aristotélica, a relação entre os dois tratados é clara44: visto
que a demonstração é uma espécie particular de silogismo, é preciso examinar
42 Aristóteles utiliza o termo pragmateiai, tratados, para designar as cinco obras que compõem o Organon.
43 Arist., Primeiros Analíticos I 1, 24a10-11; Segundos Analíticos II 19, 99b15-19. Ver também Primeiros Analíticos I 4, 24b26-31; I 31, 46b38-40.
44 Crubellier & Pellegrin, 2002, p. 52.
27
Lógica I
antes o gênero e logo depois a espécie. É legítimo afirmar também que Aristóteles
antecipa no primeiro tratado o que acontecerá no segundo.
É comum pensar nos Primeiros Analíticos apenas como o tratado
sobre a doutrina do silogismo em geral e de forma abstrata. Contudo, a teoria
geral do silogismo ocupa apenas os 26 primeiros capítulos da obra, ou seja, apenas
um ⅓ do total. O objeto da parte que segue é bem ilustrado no final do capítulo 26
e no começo do capítulo subsequente:
“como nos mesmos podemos encontrar facilmente silogismos apropriados para todas as questões propostas, ou seja, através de qual caminho seria possível alcançar os princípios para todos os entes (…). Com efeito, não basta conhecer teoricamente a constituição do silogismo, mas é preciso também possuir a capacidade para produzi-los”45.
E, um pouco mais adiante:
“Como nos será possível reconduzir os silogismos às figuras descritas […] pois, se podemos a um tempo conhecer teoricamente a constituição dos silogismos e encontrá-los, e além disso analisar os silogismos existentes nas figuras enumeradas, teremos esgotado nosso programa inicial”46.
A analítica, portanto, é um conjunto de competências a um tempo
teóricas e práticas: permite conhecer os silogismos e encontrar as estruturas
silogísticas necessárias para resolver um dado problema.
Como explica Crubellier47, o sentido do título confirma exatamente
essa interpretação: analuein, significa “decompor”. O filósofo utiliza este verbo
quando precisa indicar a decomposição de um corpo material nos seus elementos
constitutivos. Aristóteles explica claramente em que consiste o método analítico
numa passagem da Ética a Nicômaco, quando destaca que a analítica comporta a
decomposição de um raciocínio complexo em uma multiplicidade de silogismos
simples que formam os elementos, e no caso de problemas particulares, a
determinação exata das premissas, ou seja dos princípios, que nos permitem
fornecer uma demonstração48.
O sistema lógico que Aristóteles apresenta nos Primeiros Analíticos se
45 Arist., Primeiros Analíticos I 26-27, 43a16. Tradução nossa.46 Arist., Primeiros Analíticos I 31-32, 46b38. Tradução nossa.47 Crubellier & Pellegrin, 2002, p. 55.48 Cf. Arist., Ética Nicomaqueia III 5, 1112b20.
28
Lógica I
baseia em sua doutrina da proposição, sendo os elementos do raciocínio
silogistico três proposições: duas premissas e uma conclusão.
Segundo a definição de Aristóteles, silogismo é:
“um argumento no qual certas coisas, tendo sido supostas (como verdadeiras), alguma coisa diferente resulta da necessidade de sua verdade, sem ser necessário recorrer a algum termo exterior que a verifique”49.
Portanto, uma primeira característica do silogismo é que explicita na
conclusão o que já estava contido nas premissas, ou seja, a dedução silogística é
uma operação mediada que chega ao fim por intermédio de outras proposições ou
juízos.
Outra definição de silogismo explicita uma outra característica
imprescindível: silogismo é “um argumento em que, sendo certas coisas
supostas, se segue necessariamente alguma coisa diferente das coisas supostas
pelo fato de estas coisas se sustentarem”50. Analisando esta definição, torna-se
evidente que a consequência explicitada na conclusão é necessária.
O silogismo contém três proposições, das quais duas são premissas
(premissas maior e premissa menor) e a terceira é a conclusão. A inferência que
permite passar das premissas à conclusão é possível pela presença do termo que o
filósofo chama de “termo médio”, o qual liga dois termos contidos nas premissas
e que são denominados “termo maior, ou extremo maior” e “termo menor, ou
extremo menor”. O termo médio é a causa que justifica a conclusão de que o
termo menor está contido no termo maior. O sujeito da conclusão será, então, o
termo menor e o predicado da conclusão será o termo maior. Finalmente, o termo
que aparece apenas nas premissas é o termo médio.
Para que a inferência seja válida, o raciocínio silogistico deve respeitar
pelo menos as seguintes condições: 1) a premissa maior deve conter o extremo
maior e o termo médio; 2) a premissa menor deve conter o extremo menor e o
termo médio; 3) a conclusão deve conter o termo menor e o termo maior e nunca
deve conter o termo médio, sendo a função deste último aquela de ligar os dois
extremos. O termo médio é o responsável (aitios) pela ligação, e causa (aitia) da 49 Arist., Primeiros Analíticos I 1, 24b18-20.50 Tradução de Barnes para o inglês (traduzido para o português por A. U. Sobral), em Barnes
2005, p. 55.
29
Lógica I
conclusão.
A dedução silogística envolve, segundo Aristóteles, apenas quatro
tipos de proposições: universais afirmativas, universais negativas, particulares
afirmativas e particulares negativas, como aparece no esquema seguinte:
Tipo de proposição com relação à quantidade e à
qualidadeProposição Relação
A (universais afirmativas) Todos os X são Y X está completamente incluído em Y
E (universais negativas) Nenhum X é Y X está completamente excluído de Y
I (particulares afirmativas) Algum X é Y X está parcialmente incluído em Y
O (particulares negativas) Algum X não é Y X está parcialmente excluído de Y
Além da qualidade e da quantidade, Aristóteles acrescenta que as
proposições são caracterizadas pela relação (as proposições podem ter entre elas
relações contrárias, contraditórias, subalternas) e pela modalidade (necessárias,
impossíveis, possíveis). Os medievais sistematizaram essas relações referindo-se a
elas com a expressão “quadrado dos opostos”, indicando a qualidade e quantidade
das proposições com as vogais A, E, I, O51 .
A distinção entre os vários aspectos das proposições permite a
Aristóteles classificar um juízo pelo combinação de aspectos. Assim, temos um
juízo assertório quando é afirmativo ou negativo; hipotético, quando depende de
uma ou mais condições; disjuntivo, quando comporta uma alternativa. Juízos
particulares hipotéticos os disjuntivos não interessam às ciências, visto que
dependem das circunstâncias e dos acontecimentos, ao passo que os juízos
propriamente científicos são juízos válidos independentemente do tempo ou lugar,
ou seja, juízos apodíticos ou demonstrativos.
Vários filósofos recentes, como por exemplo Bertrand Russell,
fornecem como exemplo de silogismo aristotélico o caso seguinte:
Todos os homens são mortais;
Sócrates é homem;51 Ver Arist., Primeiros Analíticos I 25a. Cf. Chauí, 2006, p. 367.
30
Lógica I
Sócrates é mortal52.
Esse exemplo parece bem antigo, visto que já se encontra em Sexto
Empírico como exemplo de silogismo peripatético53. Acreditamos que Sexto
Empírico tenha razão, mas Russell não. Como diz Jan Lukasiewicz, um silogismo
peripatético não necessariamente é um silogismo aristotélico e, de fato, o
silogismo citado não é aristotélico, pois não respeita algumas condições que um
silogismo aristotélico requer: em primeiro lugar, a premissa “Sócrates é homem” é
uma premissa particular, sendo Sócrates um sujeito singular, ao passo que o
Estagirita não utiliza termos nem premissas particulares. Seria possível corrigir o
silogismo na forma seguinte:
Todos os homens são mortais;
os Gregos são homens;
os Gregos são mortais.
Contudo, esse silogismo ainda não é um silogismo aristotélico. Tem a
forma de uma inferência (de duas proposições que se acredita sejam verdadeiras, é
trazida uma conclusão54). Esse silogismo não respeita o padrão aristotélico, pois,
como ressalta Lukasiewicz, o Estagirita sempre formulou seus silogismos como
implicações, nas quais duas premissas relacionadas por um termo médio
representam os antecedentes e a conclusão é a consequência. Por exemplo:
Se todos os homens são mortais;
e se todos os Gregos são homens;
então, todos os Gregos são mortais.
Todos os silogismos aristotélicos são condicionais, então, finalmente o
último exemplo bem ilustra um silogismo aristotélico e hoje em dia é dado como
silogismo aristotélico55. Contudo, esse silogismo não aparece nos textos originais. 52 Russell 1946, p. 218. 53 Sextus Empiricus, Hipotiposis Pirronicas, II, 164.54 O termo grego próprio que indica o fato de que é trazida uma inferência é o termo ara.55 As considerações que estamos formulando estão presentes e são bem desenvolvidas no início
31
Lógica I
Nos Primeiros Analíticos, infelizmente o Estagirita não formula silogismos em
termos concretos. Há um raro exemplo nos Segundos Analíticos:
Se todas as plantas com folhas largas são efêmeras;
e todas as videiras são plantas com folhas largas;
então todas as videiras são efêmeras.
Esse silogismo é sem dúvida aristotélico, visto que foi formulado por
ele mesmo nos Segundos Analíticos II 16, 98b5. Os termos utilizados são
“videiras”, “plantas com folhas largas”, “são efêmeras”. Agora, se este raciocínio
parece agradar Aristóteles, o mesmo parece agradar menos o olhar de um lógico
contemporâneo. O silogismo formulado por Aristóteles indica que o predicado C é
atribuído ao predicado B. Esta constatação não inquieta o Estagirita, que não
percebe diferença alguma entre o modo em que animal se diz do homem e de diz
de certo homem como por exemplo Sócrates56. Por esta razão, se desejamos, como
é costume fazer hoje em dia, presentar a silogística com uma forma de um cálculo,
será preciso introduzir explicitamente objetos singulares indeterminados. As
proposições mencionadas devem assumir a forma seguinte:
Bx→Cx, ou seja, se certo objeto é B, então este objeto é C.
É mesmo possível construir uma lógica das classes:
A está incluído em B e B está incluído em C, de modo que A está
incluído em C.
Aristóteles não parece estar muito preocupado com estas dificuldades.
Um lógico contemporâneo poderia facilmente acusar o filósofo grego de falta de
rigor na formalização. Porém, acreditamos que a postura de Aristóteles depende,
em primeiro lugar de sua ontologia,: os “entes” no sentido mais geral, são
pensados por Aristóteles como atributos e não como sujeitos57, embora seja
verdade que a existência dos primeiros depende da existência de sujeitos
individuais como “Sócrates” ou “este gato aqui”58.
do texto de Lukasiewicz 1951, pp. 1-3.56 Arist., Categorias 3, 1b10.57 Ver parágrafo 1.1 desta Unidade, em particular Os dois tipos de fenômenos complexos
expressos nas proposições.58 Ver Crubellier & Pellegrin, 2002, pp. 49-50.
32
Lógica I
Mas o silogismo formulado por Aristóteles tem outras traços que
fazem dele um estrangeiro na terra da lógica assim como é concebida por nós.
Todos os tipos de silogismo citados até agora são ilustrações de alguma forma
lógica; porém, não pertencem propriamente à lógica, pois são constituídos por
termos alheios a ela, como por exemplo, “homem”, “videira”, “efêmeras”. Mas a
lógica não é o mesmo que a física, ou a biologia, ou a agronomia; não se ocupa de
animais nem de frutas. Um silogismo que realmente pertence ao campo da lógica
deve retirar seu conteúdo concreto, a matéria da qual se está falando, e manter
apenas a forma do silogismo. Essa operação é um dos méritos maiores do
Estagirita. Aristóteles introduziu as letras no lugar de palavras concretas, e, de
certa forma, justifica essa opção com o fato de que a lógica é uma disciplina geral
que trata de maneira geral todos os argumentos possíveis. Visto que há um
número infinito de argumentos, é impossível para a lógica abordar
individualmente cada um deles. Talvez isso não seja nem necessário. O artifício
de introduzir letras, em vez de usar termos particulares, é útil por várias razões:
permite à lógica abordar de maneira geral uma multiplicidade hipoteticamente
imensa de argumentos e, além disso, lhe permite falar com plena generalidade.
Mesmo que os lógicos hoje em dia sejam acostumados com a invenção aristotélica
e a utilizem inconscientemente, não se deve esquecer o caráter crucial deste
simples artifício: o uso de letras faz da lógica uma ciência geral da
argumentação59.
Se substituirmos a letra A no lugar de "efêmero", a letra B no lugar de
"planta com folhas largas" e a letra C no lugar de "videira", obtemos o silogismo
seguinte:
Se todo o B é A
e se todo o C é B,
então todo o C é A.
Finalmente, esse silogismo é quase inteiramente aristotélico. Contudo,
a bem da verdade, é preciso notar que este último silogismo ainda difere em estilo
59 Cf. Barnes, 2005, pp. 53-54.
33
Lógica I
do genuíno silogismo. Quando formula um silogismo utilizando letras, o
Estagirita coloca no primeiro lugar o predicado e no segundo lugar o sujeito, ou
seja, ele não diria “se todo o B é A”, mas “se A é predicado de todo o B” (to A
katêgoreitai kata pantos toû B), ou “se A pertence a qualquer B” (to A huparchei
panti toi B). Por esse caminho, chegamos à formulação do mais importante
silogismo de Aristóteles, cuja forma foi posteriormente designada “Barbara”. As
três vogais do nome Barbara, isto é, aaa, indicam que todas as proposições são
universais afirmativas. Esta combinação de proposições representa a primeira
forma do silogismo, aquela que Aristóteles considera a mais perfeita, ao ponto de
afirmar que, se tivesse um silogismo de outra figura e se desejasse ter certeza de
que está correto, dever-se-ia tentar convertê-lo para um modo da primeira figura.
O exemplo de silogismo aristotélico em Barbara é :
Se A é predicado de todo o B (ei A to kata pantos toû B);
e se B é predicado de todo o C (kai to B kata pantos toû C);
é necessário que A seja predicado de todo o C (anagke to A kata
pantos toû C katêgoreisthai)60
A excelência atribuída ao silogismo da primeira figura é justificada
pelo fato de que, no silogismo da primeira figura, o termo médio está na posição
de sujeito na premissa maior, de modo que ele tem o papel de uma substância à
qual é atribuído um predicado. O mesmo termo se torna predicado na premissa
menor, ou seja a substância da primeira premissa se torna um atributo de outro
sujeito na premissa menor. Visto que, na segunda premissa, o termo médio está
incluído em outro sujeito, a ligação entre os termos extremos resulta evidente.
Tentamos justificar a posição de primazia científica dos silogismo da
primeira figura. A premissa maior põe uma substância, geralmente uma espécie, à
qual é predicado o fato de pertencer a um gênero, por exemplo, espécie “astro” e
gênero “cintilar”. Na premissa menor, temos outro sujeito como parte da espécie
que estava como sujeito na premissa maior; por exemplo, “estrela da manhã” e
espécie “astro”. A conclusão torna evidente que, mediante a presença do termo
60 Arist., Primeiros Analíticos I 4, 25b37; cf. I 24a16. Sobre os elementos do silogismo, ver II 1, 53a8; I 1, 24b16.
34
Lógica I
médio, que é a espécie, o segundo sujeito (estrela da manhã) faz parte do gênero
(cintilar) do qual também o primeiro sujeito faz parte (astro).
Visto que a ciência, segundo Aristóteles, é a demonstração da relação
entre espécie e gêneros, ou da inclusão de um indivíduo numa espécie e da
espécie num gênero, a primazia do silogismo de primeira figura é legítima e o
silogismo da primeira figura parece, aos olhos do Estagirita, o mais apropriado ao
raciocínio científico. Ademais, o cientista sabe o que é um ente se ele souber a que
espécie esse ente pertence; por sua vez, conhece uma espécie se souber a que
gênero pertence. A inclusão do indivíduo na espécie e da espécie no gênero, só é
justificada se o cientista conhece a causa da inclusão, isto é, o termo médio. O
silogismo é exatamente o instrumento que permite demostrar essa inclusão61.
Contudo, para que um silogismo esteja feito, é preciso respeitar as
regras para a sua correta formulação, além de verificar o estatuto das premissas.
São oito as principais regras demonstrativas do silogismo:
1) um silogismo deve ter três termos, dos quais um é o termo maior,
outro o termo menor e o terceiro o termo médio;
2) o termo médio deve aparecer nas duas premissas e pelo menos em
uma delas deve ser tomado como universal. Por exemplo, das
proposições “o beagle é um cachorro” e “o labrador é um cachorro”,
não posso concluir alguma coisa, visto que “cachorro” foi tomado com
extensão particular nas duas ocorrências do termo;
3) nenhum termo pode ser mais extenso na conclusão do que nas
premissas, pois neste caso a conclusão traz mais consequências do que
as premissas permitem; isso implica que uma das premissas pelo
menos deve ser universal;
4) a conclusão não pode conter o termo médio, visto que a função do
termo médio é relacionar os extremos, os quais só podem figurar na
61 Para uma descrição mais detalhada, ver Chauí, 2006, pp. 367-374.
35
Lógica I
conclusão;
5) não é possível deduzir nada se as duas premissas forem ambas
negativas;
6) é evidente que, de duas premissas afirmativas, deduz-se uma
conclusão afirmativa;
7) a conclusão sempre acompanha a parte mais fraca das proposições;
por exemplo, se uma das premissas é negativa, a conclusão será
negativa, e, se uma das premissas é particular, a conclusão será
particular;
8) nada se segue de suas premissas particulares.
A partir das regras formuladas, o Estagirita cria quatro figuras
(schémata) do silogismo e 64 modos. A diferença entre as figuras depende da
posição do termo médio nas premissas e os modos se referem à natureza das
proposições que constituem as premissas. Embora haja uma combinação tão
numerosa, apenas 10 modos são reputados válidos, isto é, concludentes. Enfim, só
para concluir essa estatística, pela combinação dos 10 modos e quatro figuras, o
Estagirita conclui que há 19 formas de silogismo válidos, nos quais uma dedução
é genuinamente feita.
LEITURAS OBRIGATÓRIAS
ANGIONI, L. Introdução à teoria da predicação em Aristóteles. Campinas: Editora Unicamp, 2006.
CHAUÍ, M. Introdução à história da filosofia – Dos pré-socráticos a Aristóteles. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. (Em particular: “Lógica Aristotélica” e “Categorias”)
36
Lógica I
SUGESTÕES DE LEITURA
BARNES, J. “Proof and the syllogis”. In: BERTI, E. (ed.) Aristotle on science. Padova: Antenore, 1981, pp. 17-59.
FREDE, M. & STRIKER, G. (eds.) Rationality in Greek thought. Oxford: Clarendon Press 1996.
ATIVIDADES AVA
Após as leituras obrigatórias, acesse o Ambiente Virtual de
Aprendizagem e desenvolva as atividades referentes a esta
Subunidade.
37
Lógica I
UNIDADE 2Silogismo demonstrativo e apreensão dos princípios
A segunda Unidade é focada na teoria do silogismo apodítico, ou demonstrativo, e
sobre a apreensão das premissas do silogismo científico.
38
Lógica I
2.1 O silogismo científico ou demonstração
Depois de ter mostrado claramente, nos Analíticos Primeiros, como é
constituído um silogismo – ou seja, a partir de quais termos, de quais premissas, e
de quais relações entre os termos e as premissas –, Aristóteles se concentra, nos
Segundos Analíticos, no estudo de uma espécie de silogismo de um âmbito
específico de utilização do raciocínio silogístico: o âmbito da ciência
propriamente dita, baseada no método demonstrativo. A análise das
demonstrações é um caso particular da análise do silogismo em geral, e a
demonstração se caracteriza pela exigência de que seja respeitado um número
maior de obrigações e pela natureza das premissas. Lá onde os Primeiros
Analíticos se contentam com premissas sensatas e capazes de fornecer
combinações válidas para produzir uma conclusão, os Segundos Analíticos
pretendem formular condições e requisitos de verdade nas premissas. Isso é
necessário se a demonstração deve servir de fundamento do conhecimento
científico.
A estrutura dos Segundos Analíticos é menos distinta que aquela dos
Primeiros, exceto pela divisão, segundo Crubellier “só aparente”62, do tratado
entre a teoria da demonstração, contida no livro I, e teoria da definição, que ocupa
a maior parte do livro II. No livro I, depois da definição de ciência63, Aristóteles
fornece os atributos das premissas científicas64 e as principais características que
nos permitem distinguir uma argumentação verdadeiramente científica65. A
discussão sobre a definição, que ocupa o livro II, é considerada como um
desenvolvimento de um ponto relacionado à determinação dos princípios, visto
que a definição é enumerada por Aristóteles entre os princípios do silogismo
apodítico, ou demonstrativo66. Não obstante, como veremos na Unidade III, a
importância da definição vai além do fato de ser apenas um princípio válido do
silogismo científico. Para Aristóteles, é evidente que uma boa definição é como
“uma dedução do “o que é”, que difere da real demonstração pela sua forma
62 Crubelleir & Pellegrin, 2002, p. 58.63 Capítulos 1-3.64 Capítulos 4-18.65 Capítulos 19-23.66 Arist., Segundos Analíticos I 2, 72a14; I 10, 76b3.
39
Lógica I
indireta”, ou como “a conclusão da demonstração do “o que é”67. É preciso
ressaltar o fato de que Aristóteles é muito cuidadoso no uso dos termos
“silogismo” e “demonstração” relativamente à definição da essência, pois do “o
que é” não se produz silogismo nem demonstração. Contudo, o cientista não pode
definir corretamente se ele não possuir os elementos de uma demonstração. Visto
que uma boa definição deve fornecer a causa do fenômeno definido, as análises
mais completas e mais precisas da teoria da explicação ou da demonstração
científica se encontram no livro II dos Segundos Analíticos 68.
Aristóteles fornece a definição de conhecimento científico na abertura
dos Segundos Analíticos:
“Julgamos conhecer cientificamente uma coisa qualquer, sem mais (e não do modo sofístico, por acidente), quando julgamos reconhecer, a respeito da causa pela qual a coisa é, que ela é causa disso, e que não é possível ser de outro modo. É evidente que conhecer cientificamente é algo deste tipo; pois tanto os que não conhecem julgam estar assim dispostos, como também os que conhecem assim se dispõem de fato; por conseguinte, é impossível que seja de outro modo aquilo de que, sem mais, há conhecimento científico”69.
Aristóteles anuncia aqui o seu propósito de analisar nos Segundos
Analíticos uma forma de conhecimento particular, que designa com o termo grego
epistasthai, “conhecer”, e com o substantivo episteme.
Não é possível pensar em traduzir o termo grego numa palavra da
língua portuguesa que respeite a riqueza e a peculiaridade da palavra grega. Com
certeza, o termo indica a posse de competências especializadas e, mais do que
isso, a capacidade de formular regras universais e de conhecer o “porquê”70 do
fenômeno buscado. Considerando tudo isso, é evidente que é legítimo traduzir
episteme com “ciência”71, mas uma advertência se faz necessária. Hoje em dia,
pensamos a ciência como um conjunto coerente de proposições verdadeiras, e
imaginamos o conjunto como algo independente dos indivíduos que contribuem
para o seu desenvolvimento e que o conhecem. Essa ideia talvez não seja alheia ao
próprio Aristóteles e é fácil reconhecer nos Analíticos um momento determinante
67 Arist., Segundos Analíticos II 10, 94a12.68 Esse ponto aparecerá de forma mais clara na próxima Unidade.69 Arist., Segundos Analíticos I 2, 71b9-16. Tradução de Lucas Angioni.70 Cf. Arist., Metafísica I 1.71 Muitos comentadores anglo-saxões – por exemplo, Myles Burnyeat – traduzem o termo por
“understanding, understanding knowledge”. Ver Burnyeat, 1981, pp. 97-139.
40
Lógica I
na constituição desta noção de ciência. Contudo, não é isso o sentido peculiar que
o termo grego episteme tem na passagem citada. Quando Aristóteles escreve:
“Julgamos conhecer cientificamente uma coisa qualquer ...” não se trata apenas
de procurar um assunto de pesquisa. O conhecimento é pensado como uma certa
disposição72 do pesquisador em relação ao objeto. A ciência é uma disposição
interna do sujeito, que o torna capaz de perceber um fenômeno num certo estilo e
de dar conta dele satisfazendo exigências peculiares: a ciência é inseparável do
exercício de um raciocínio específico73.
Ademais, a ciência é considerada um tipo de conhecimento
verdadeiro. “Será que existe um “saber” verdadeiro e um falso?” pergunta
Sócrates a Górgias74 no diálogo homônimo; “O conhecimento científico é sempre
verdadeiro”, confirma Aristóteles75. Ciência é, portanto, um tipo de conhecimento
objetivo e exato, como prova o caráter necessário das verdades científicas.
O conhecimento científico é, segundo Aristóteles, um tipo de
conhecimento demonstrativo e a demonstração é um tipo particular de silogismo,
o silogismo apodítico ou causal76. Todos os atributos próprios ao conhecimento
científico são retomados por Aristóteles na sua definição de demonstração
(apodeixis):
“Se há também um outro modo de conhecer cientificamente, investigaremos depois, mas afirmamos que de fato conhecemos através de demonstração. E por “demonstração” entendo o silogismo científico; e por “científico” entendo aquele segundo o qual conhecemos cientificamente por possuí-lo. Assim, se o conhecer cientificamente é como propusemos, é necessário que o conhecimento demonstrativo provenha de itens verdadeiros, primeiros, imediatos, mais cognoscíveis que a conclusão, anteriores a ela. Pois é deste modo que os princípios serão de fato apropriados ao que se prova. É possível haver silogismo mesmo sem tais itens, mas não é possível haver demonstração. Pois tal silogismo não poderia propiciar conhecimento científico”77.
72 A palavra grega que indica a “disposição” ou o “estado cognitivo” é o termo hexis.73 Ver Crubellier & Pellegrin, 2002, p. 52.74 Platão, Górgias 454c-d; cf. República I 340c.75 Arist., Metafísica I 1, 981a12. Cf. Segundos Analíticos I 33; II 19; De Anima III 428a16; EN
VI 3, 1139b15.76 Arist., Segundos Analíticos I 2, 71b16-19; cf. Primeiros Analíticos I 4, 25b26-31; Segundos
Analíticos II 7, 92a34-37; I 6, 74b26-32; I 13, 78a22-79a16; I 14, 79a17-24; I 24, 88b23-27; I 31, 87b33-88a11; I 2, 71b9-19; II 2, 89b36-90a11.
77 Arist., Segundos Analíticos I 2, 71b16-25. Tradução de Lucas Angioni.
41
Lógica I
O silogismo científico ou apodítico, além de respeitar as regras para a
formulação de um silogismo válido, deve respeitar algumas condições e requisitos
de verdade nas premissas. Isso é necessário se o sistema silogístico deve servir de
fundamento para um sistema de conhecimento. As premissas do silogismo
científico têm de ser verdadeiras78; imediatas ou indemonstráveis e primeiras79;
universais80 e necessárias81; mais conhecidas, isto é, algumas leis da ciência devem
ser evidentes; anteriores e causas da atribuição feita na conclusão, segundo o que
é explicado nos primeiros seis capítulos do tratado.
Como explica Barnes, está claro que as premissas devem ser
verdadeiras, visto que do contrário não poderiam fundamentar um conhecimento
universal e necessário como o é o conhecimento cientifico; é igualmente claro que
as premissas não podem ter verdades anteriores a elas das quais elas sejam
derivadas, isto é, as premissas do conhecimento científico são imediatas e
primeiras; na medida em que nosso conhecimento científico depende delas, as
premissas devem ser mais conhecidas do que as verdades derivadas e a condição
final da relação de Aristóteles é que as premissas sejam anteriores à conclusão e
causa dela. Visto que nosso conhecimento das verdades derivadas se apoia nas
premissas e o conhecimento envolve a apreensão das causas, as premissas têm que
enunciar as causas últimas que explicam os fatos82.
O método de pesquisa propriamente científico é constituído, segundo
Aristóteles, por duas etapas: a primeira etapa consiste na indução dos princípios
explicativos a partir da observação de um fenômeno; a segunda consiste na
dedução de conclusões a partir de premissas que incluem os princípios induzidos.
Mais detalhadamente, num primeiro momento o cientista observa que certos
atributos estão presentes nos entes. No segundo momento, o pesquisador realiza
uma explicação científica quando as afirmações acerca desses atributos são
inferidas a partir dos princípios explicativos. Então, o conhecimento é o resultado
da passagem da observação de um fenômeno para as razões (causas) intrínsecas à
ocorrência do mesmo.
78 Arist., Segundos Analíticos I 2, 71b26-27; I 2, 72a6-7; I 3, 72b18-25.79 Arist., Segundos Analíticos I 2, 72a7-8. Cf. I 23, 84b31-85a1; I 15, 79a38.80 Arist., Segundos Analíticos I 4, 73a21-74a4.81 Arist., Segundos Analíticos I 6, 74b5-75a32.82 Ver Barnes, 2005, pp. 58-59.
42
Lógica I
Talvez seja útil fornecer uma ilustração do processo de análise do
cientista83.
O arco da ciência aristotélica
A etapa indutiva consiste em generalizações a partir da observação
(indução por simples enumeração); por exemplo: se se observa uma característica
específica em vários animais, presume-se que seja verdadeiro afirmar que a
mesma pertence a todos os elementos daquela espécie.
No parágrafo 34 do livro I dos Segundos Analíticos, Aristóteles
fornece o exemplo de outro tipo de indução, que hoje é conhecido como
“abdução” e que poderia ser definida como uma indução intuitiva, visto que
princípios gerais são extraídos diretamente da observação do fenômeno. O
exemplo do Estagirita é: quem observa várias vezes que o lado brilhante da lua
está voltado para o sol, pode inferir que o brilho da lua é provocado pela luz solar
refletido na lua. Esse tipo de indução está sujeito a erros e às vezes, diz
Aristóteles, deve ser abandonado84. Os princípios explicativos alcançados na
primeira etapa serão utilizados na segunda como premissas do raciocínio
silogístico.
83 Ver Oldroyd 1986. 84 Um erro no qual Aristóteles incorreu utilizando a abdução foi pensar que a Lua está presa
numa esfera cristalina, depois de ter observado que a lua descreve um movimento circular em torno da terra sem cair e sem sair voando.
43
Lógica I
Depois de ter feito a experiência, o cientista deve decompor os
enunciados que constituem suas observações em seus elementos constituintes
destacando as relações existentes entre os fatos experimentados, como no
esquema que segue:
A●_________________________________●C
A●________________●B______________●C
A●______●D_______●B______●E______●C
A proposição que deve ser demonstrada (ou seja, a conclusão do
silogismo) é A – C: o termo C é o predicado e, o termo A, o sujeito. O problema
consiste em achar um termo B que facilite a passagem de A a C, sendo uma etapa
intermédia. A divisão do segmento A – C produz duas novas proposições A – B e
B – C que são as premissas do silogismo. Se for necessário, é preciso demonstrar
também as duas premissas recorrendo ao mesmo método, até que se chegue às
premissas primeiras, ou seja, àquelas premissas que não precisam de outros
antecedentes85.
Um exemplo aristotélico pode ajudar na compreensão.
Sejam: A, eclipse; B, incapacidade de fazer sombra em noite de Lua
cheia; C, Lua.
A observação “Nesta noite a Lua não é capaz de fazer sombra”
representa o segmento A – C.
Por quê?
Porque há um eclipse e um eclipse é a incapacidade de fazer sombra
em noite de Lua cheia: segmentos A– B– C.
Se A é atribuído a B
e se B é atribuído a C
então, A é atribuído a C.
A Lua sofre um eclipse. Por quê? Ou seja, “o que é um eclipse”?
Temos que decompor o segmento A– B em A– D – B.
Sejam: A, Lua; D, incapacidade de fazer sombra em noite de Lua
cheia; B, interposição da Terra.
85 Crubellier & Pellegrin, 2002, p. 57.
44
Lógica I
A interposição da Terra provoca a incapacidade de fazer sombra no
plenilúnio: segmento D – B; a incapacidade de produzir sombra em noite de Lua
cheia é atribuída à Lua: segmento D – A; portanto, a interposição da Terra é
atribuída à Lua e isso é um eclipse: B –A.
Se B é atribuído a D
e se D é atribuído a A;
então, a interposição da Terra se atribui à Lua.
A etapa que se caracteriza pela formação de inferências (silogismo)
consiste, portanto, basicamente na formação de conclusões deduzidas das
premissas que a antecedem e que são sua explicação ou sua causa.
A investigação científica conduz necessariamente à busca do “porquê”
e da definição e a busca do “porquê” e da definição conduz à busca do termo
médio que é a causa (aitia) que justifica a ocorrência do fenômeno. O termo grego
aitia pode ser traduzido também por “explicação”, além de “causa”, e esta escolha
interpretativa é comum entre os exegetas dos tratados lógicos do Estagirita. Não
obstante, é importante ressaltar que o objetivo da teoria da explicação de
Aristóteles não é limitar-se a dar conta dos fenômenos produzindo apenas
esquemas mentais ou linguísticos plausíveis. Encontra-se sem dúvida presente
uma intenção realista no programa de pesquisa das causas. Isso aparece de forma
clara quando Aristóteles examina o conjunto dos três termos nos quais os dois
termos universais têm a mesma extensão, de forma que seria possível formular
dois silogismos diferentes e ambos válidos.
O exemplo aristotélico no livro I dos Segundos Analíticos é o
seguinte86:
Primeira formulação:
Se todos os corpos que não cintilam estão próximos à Terra
E se todos os planetas são corpos que não cintilam
Então, todos os planetas estão próximos à Terra.
Segunda formulação:
Se todos os corpos que estão próximos à Terra não cintilam
86 Cf. Pessoa em: www.fflch.usp.br/df/.../TCFC1-10-Cap04.pdf
45
Lógica I
e se todos os planetas são corpos que estão próximos à Terra
Então, todos os planetas são corpos que não cintilam.
Como comenta Crubellier, os dois silogismos são válidos e, num
primeiro momento, não seria chocante resumir o primeiro afirmando que os
planetas são próximos pelo fato de que não cintilam. Contudo, Aristóteles acredita
que apenas o segundo silogismo é um “silogismo do porquê”, ao passo que o
primeiro silogismo apenas permite conhecer o fato, mas não sua causa. Entre os
termos, há uma relação de anterioridade/posterioridade que não é nem uma
relação epistemológica nem lógica. O fato de que os planetas não cintilam é mais
conhecível para nós, de modo que é certo afirmar que “conhecemos” que os
planetas estão próximos à Terra porque “vimos” que não cintilam. A relação de
anterioridade é mesmo independente da extensão lógica dos termos, como mostra
o fato de que os três termos (corpo que não cintila; corpo próximo à Terra;
planeta) têm a mesma extensão87. A escolha de uma ordem no lugar de outra
poderia parecer arbitrária, porém a ordem “planeta – próximo à terra – não cintila”
traduz o modo pelo qual os predicados se organizam na realidade. Uma
justificação poderia ser a seguinte: a designação “planeta” visa esse tipo de corpo
na sua essência; o predicado “próximo à Terra” é um atributo essencial, ao passo
que a luminosidade, mesmo que pertença aos planetas necessariamente, deriva da
sua necessidade da proximidade e não o oposto. Acompanhando a explicação de
Crubellier, é possível também ressaltar a razão pela qual a causa é associada ao
termo médio. O silogismo que mostra a causa e que possui, por isso, valor
explicativo, é necessariamente um silogismo da primeira figura, no qual o termo
médio é presente de fato numa posição intermédia88:
Se todo o B é A
e todo o C é B,
então todo o C é A.
O silogismo de primeira figura tem o mérito de representar por
excelência a explicação perfeita e acabada89.
87 No âmbito da logica formal clássico ou aristotélica, a expressão “extensão de um termo” designa o número de indivíduos aferidos a um termo; pode ser universal, isto é na sua totalidade, ou particular.
88 Crubellier & Pellegrin, 2002, pp. 65-66.89 Arist., Segundos Analíticos I 14.
46
Lógica I
Aristóteles defende amplamente sua teoria do silogismo, ao ponto de
acreditar que toda possível inferência dedutiva consiste em uma cadeia mais ou
menos complexa de argumentos do tipo que ele apresentou. Parece que ele mesmo
está afirmando que conseguiu uma lógica completa: “Toda prova e toda
inferência (silogismo) têm de vir a partir das figuras que descrevemos”90. A
pretensão aristotélica de ter conseguido chegar a uma lógica quase perfeita é
audaciosa e falsa. É evidente que existem várias inferências que a teoria do
Estagirita não contempla. A razão dessa falha é simples. Se a teoria da inferência
é baseada na teoria da proposição, como vimos na primeira Unidade, as
deficiências da teoria da proposição refletem-se na teoria da dedução. Contudo,
essas deficiências passaram despercebidas durante milênios desde a morte do
Aristóteles. Os pensadores ficaram positivamente impressionados com a elegância
e a força do pensamento lógico proposto pelo mestre do Liceu e os Analíticos
foram propostos pelos sucessores como um exemplo de verdade lógica. Mesmo
que hoje seja fácil trazer à luz as várias imperfeições do cálculo dos predicados de
Aristóteles, as dificuldades internas ao sistema, os erros e as obscuridades do
texto, os Primeiros Analíticos continuam sendo considerados de fato uma obra de
incrível genialidade. Todos os pensadores certamente concordam que, nos
Analíticos, as falhas são menores do que o complexo valor do tratado. Como
comenta Barnes,
“Trata-se de obra elegante e sistemática; seus argumentos são organizados, lúcidos e rigorosos; e ela atinge um notável nível de generalidade. Se já não pode ser considerada uma lógica completa, ela ainda pode ser admirada como um fragmento quase perfeito de lógica”91.
90 Arist. , Segundos Analíticos I 23, 41b1-3.91 Barnes, 2005, p. 56.
47
Lógica I
LEITURAS OBRIGATÓRIAS
ARISTÓTELES. “Segundos Analíticos, livro I”. (Trad. Lucas Angioni). In: Cadernos de Tradução. Nº 7. Campinas: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/Unicamp, 2002.
ARISTÓTELES. “Segundos Analíticos, livro II”. (Trad. Lucas Angioni). In: Cadernos de Tradução. Nº. 4, Campinas: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/Unicamp, 2004.
PORCHAT O . Ciência e Dialética em Aristóteles. São Paulo: Editora UNESP, 2001. (Em particular a primeira parte, relativa à ciência).
SUGESTÕES DE LEITURA
BERTI, E. (ed.) “Aristotle on science: the Posterior Analytics”. In: Proceedings of the 8th Symposium Aristotelicum. Padova: Editora Antenore, 1981.
FREDE, M. & STRIKER, G. (eds.) Rationality in Greek thought. Oxford:Clarendon Press, 1996.
GRANGER, G. G. La théorie aristotelicienne de la science. Paris: Aubier, 1976.
ATIVIDADES AVA
Após as leituras obrigatórias, acesse o Ambiente Virtual de
Aprendizagem e desenvolva as atividades referentes a esta
Subunidade.
48
Lógica I
2.2 Apreensão dos princípios da demonstração
A partir de Zabarella, filósofo italiano da Renascença, e Bacon, a
forma de racionalidade da qual Aristóteles é tradicionalmente considerado o pai
fundador é indubitavelmente a ciência apodíctica ou demonstrativa, da qual temos
descritos os elementos principais nos parágrafos 1.2) e 2.1) respectivamente da
Unidade 1 e da Unidade 2. Não obstante, além da ciência demonstrativa,
Aristóteles dedica-se também a um outro tipo de racionalidade e com uma
amplitude bem maior, visto que a ela são destinados os oito livros dos Tópicos e o
livro das Refutações Sofisticas, que parece uma natural continuação dos Tópicos.
O mesmo Aristóteles tem orgulho do seu próprio trabalho nesse âmbito, ao ponto
de se considerar o primeiro pensador a realizar semelhante tarefa.
No exórdio dos Tópicos o filósofo oferece uma primeira
caracterização da dialética:
“Nosso tratado se propõe encontrar um método de investigação graças ao qual geralmente possamos raciocinar partindo de opiniões geralmente aceitas (endoxa) sobre qualquer problema que nos seja proposto, e sejamos também capazes, quando replicamos a algum argumento, de evitar dizer alguma coisa que nos causa embaraços”92.
A prática da dialética apresenta-se de uma forma bem diferente da
demonstração. Aristóteles alude a uma situação de diálogo na qual o instrumento
utilizado pelos interlocutores é a argumentação. O objeto ao qual a dialética se
aplica é o “problema”, que Aristóteles, ao longo do tratado, define como uma
alternativa entre duas proposições, concernentes, por exemplo, a uma definição,
na qual uma é a negação da outra93. A forma típica da dialética é, com efeito, a
contradição (antiphasis), organizada na oposição entre uma afirmação
(kataphasis) e uma negação (apophasis), e caracterizada pelo fato de não admitir
entre a afirmação e sua negação nenhuma possibilidade intermediária. A
argumentação que conclui com uma contradição foi denominada por Aristóteles,
“refutação” (élenchos). Como diz Berti, o termo élenchos, antes ainda de
92 Arist., Tópicos, I 2, 101a28-34.93 Arist., Tópicos. I 4, 101b32-34.
49
Lógica I
refutação, significa “pôr à prova”. Mas, segundo o especialista italiano, as duas
coisas estão relacionadas porque o modo mais seguro para examinar uma tese, isto
é, para pô-la à prova, é procurar refutá-la94.
Aristóteles distingue vários âmbitos em que a dialética encontra uma
utilização apropriada: pela preparação da própria prática no uso dos discursos
(pros gymnásian); nas discussões que venham a acontecer com outros (pros tas
entéuxeis); em relação às ciências propriamente ditas, ou seja, as ciências
filosóficas.
O terceiro uso é sem dúvida o mais interessante. Escreve o filósofo:
“A dialética é útil para as ciências filosóficas, isto é, as ciências teóricas, porque (I) sendo capazes de percorrer as aporias em ambos os sentidos, perceberemos mais facilmente, em cada caso, o verdadeiro e o falso; (II) e ainda (eti de) no que concerne às primeiras dentre as proposições que respeitam a cada ciência. De fato, é impossível a partir dos princípios apropriados à ciência em questão, dizer algo sobre eles mesmos; mas é por meio das proposições aceitas a respeito de cada ponto que é necessário discorrer sobre eles. (III) Ora, esta é a tarefa própria, ou mais apropriada, à dialética, pois (IV) de natureza peirastica95, ela (V) possui o caminho (hodon echei) que leva aos princípios de todas as doutrinas cientificas”.96
Para apreciar o valor da dialética com relação à ciência filosófica é
preciso que se tenham presentes as indicações que Aristóteles nos fornece: 1) que
a dialética se põe, neste caso, no interior de um processo de conhecimento
propriamente dito; 2) que seu uso tem a ver, como é típico para esta forma de
racionalidade, com aporias, ou seja, situações de dificuldades devidas à
“igualdade de raciocínios opostos”; 3) que a tarefa da dialética é “desenvolver as
aporias em ambos as sentidos, ou em ambas as direções”, ou seja, a dialética nos
permite deduzir até as últimas consequências as conclusões que derivam de cada
uma das alternativas. O fim do dialético é constatar se o pesquisador chega ou não
a conclusões contraditórias.
94 Berti 1998, p. 7. Para uma descrição geral das características da dialética, utilizamos a apresentação que Berti faz dessa forma de racionalidade, no texto acima citado.
95 O termo é uma transliteração do termo grego “peirastike”. A tradução mais próxima ao termo grego é “natureza examinativa da dialética”, no sentido de “pôr tudo à prova”.
96 Arist., Tópicos, I 2, 101a28-38. Escolhemos dividir o texto para uma melhor compreensão da análise. Na análise da passagem, utilizamos o estudo de Oswaldo Porchat 2001; e sobretudo o comentário de Marco Zingano ao estudo de Porchat em relação ao trecho que estamos analisando em Analytica, Revista de filosofia, Vol. 8 n. 1, Uma discussão crítica de Ciência e dialética em Aristóteles de Oswaldo Porchat.
50
Lógica I
Enfim, o procedimento dialético permite ver com maior facilidade
qual das duas soluções é verdadeira e qual é falsa. A terceira possibilidade
oferecida pela dialética aparentemente já foi explorada por Platão no Parmênides.
Nesse diálogo, Platão deduz as consequências que derivam de duas soluções
opostas de uma mesma aporia para ver quais levam a conclusões impossíveis.
Mas há também um outro motivo pelo qual a dialética é útil à ciência
filosófica: em relação às primeiras entre as proposições concernentes a cada
ciência. Esse ponto põe em jogo o problema do conhecimento dos princípios de
cada ciência. Aristóteles confirma a impossibilidade de demonstrar os princípios,
pois qualquer demonstração pressupõe derivar as consequências a partir de
princípios, mas os princípios são já em si mesmos princípios, e por isso,
indemonstráveis. O problema que é preciso enfrentar nessa altura é decidir em que
medida a dialética tem relações com a busca dos princípios. E com relação a esse
problema, os pontos a serem analisados são muitos. Limitamo-nos aos mais
significativos.
1) A primeira alusão à utilidade da dialética no âmbito filosófico
(proposição I) não está diretamente relacionada com a busca dos princípios e é
apenas no segundo ponto que os princípios são mencionados (proposição II).
Embora algumas traduções apresentem uma clara continuidade entre as
proposições I e II do texto aristotélico, é evidente que Aristóteles quer, de certa
forma, separá-las, visto que II é introduzido com “e ainda” (eti de, no grego)97.
Vários tradutores caíram na tentação de encontrar uma continuidade entre os dois
pontos e ignorar o sentido próprio da expressão “e ainda” no grego, pois
Aristóteles dissera no início que o tratado era útil para três coisas, mas acabou por
listar quatro coisas. Estamos de acordo com a leitura de Zingano, que separa as
proposições I e II, pois a descoberta do verdadeiro e do falso na proposição I, não
acontece apenas no nível dos primeiros princípios, ao passo que o papel da
dialética na proposição II é realmente algo especial. Então, tudo se passa como se
o filósofo tivesse acrescentado um outro uso.
2) O filósofo afirma que a dialética é útil em relação aos princípios
97 Seguimos a leitura e interpretação do texto fornecidas por Zingano em Uma discussão crítica de Ciência e dialética em Aristóteles de Oswaldo Porchat, em Analytica, Revista de filosofia, Vol. 8 n. 1.
51
Lógica I
próprios a cada ciência. Se a dialética é útil aos princípios de cada ciência, ela será
útil também no tocante aos princípios de todas as ciências. Os princípios de cada
ciência são aqueles a partir dos quais o cientista deduz as consequências; ao passo
que os princípios de todas as ciências são aqueles por meio dos quais o cientista
deduz, como é o caso do princípio de não contradição. É importante saber se a
dialética consegue fazer isso por si só, ou se ela é apoiada por uma outra
faculdade nesse caminho.
Diferentes autores envolveram-se na tentativa de resolver essas
aporias e seria impossível fornecer, nos limites deste nosso curso, um quandro
interpretativo exaustivo. Nem é preciso fazer isso, visto que nosso objetivo é o
aparato lógico de Aristóteles. Limitamo-nos apenas a lembrar as linhas principais
do debate. Em seu texto magistral Sobre Ciência e dialética em Aristóteles, o
professor Oswaldo Porchat mantém uma postura cautelosa, afirmando que a
dialética faz emergirem os princípios de cada ciência, embora ela não os
engendre, ao passo que Robin Smith, no artigo Aristotle's on the use of dialectic98,
sustenta que a passagem que estamos analisando não diz respeito aos princípios de
cada ciência, mas aos princípios comuns a todas as ciências. Em seu comentário
ao texto de Porchat, Marco Zingano concorda com a leitura e com a tradução de
Porchat, segundo as quais a dialética diz respeito aos princípios próprios, ou
primeiros, de cada ciência e confirma que isso é claro ao longo do texto. É apenas
na última linha da passagem citada, que o filósofo grego acrescenta uma alusão
aos princípios de todas as ciências: a proposição (V) diz: possui o caminho que
leva aos princípios de todas as doutrinas científicas. Como destaca Zingano, isso,
porém, não exclui a presença dos princípios de cada disciplina, visto que os
princípios comuns a todas as disciplinas são, justamente, comuns a “todas” elas.
3) Esclarecido esse ponto, há outro ponto na proposição (V) que
precisa ser analisado e que talvez seja o mais importante: a tradução e
compreensão da expressão “possui o caminho que leva aos princípios”. “Possui o
caminho” traduz a expressão grega “hodon echei”.
Zingano acredita que a expressão não possui esse sentido, mas que se
trata de uma expressão idiomática, cujo sentido pode ser esclarecido apenas com
98 Smith 1993.
52
Lógica I
um paralelo com outros textos de Aristóteles. Zingano cita o uso da mesma
expressão em Metafísica I 4, quando é dito que as diferenças quanto ao gênero
“não se comunicam (hodon echei) umas com as outras”. O sentido da passagem é
que as diferenças quanto ao gênero não têm nada a ver uma com a outra, isto é,
não se comunicam uma com a outra.
Segundo a interpretação de Zingano, portanto, o texto dos Tópicos, no
qual a expressão é utilizada, quer afirmar que cada ciência não pode dizer algo
sobre seus próprios princípios, ao passo que isso é possível para a dialética, pois a
dialética não possui as mesmas limitações que as ciências individuais. Isso
corresponde a afirmar que a dialética pode encontrar os primeiros princípios ou,
pelo menos, fazer emergirem os primeiros princípios, segundo a leitura de
Porchat? Segundo Zingano, nada disso, e, para confirmar sua interpretação, o
estudioso traz um caso interessante: uma passagem de Metafísica Gamma 4.
Em Metafísica Gamma 4, Aristóteles se propõe a refutar as pessoas
que negam o princípio de não contradição. A estrutura do texto é bem cabeluda,
mas felizmente, não é preciso discuti-la agora. O que é necessário destacar é que o
filósofo, o que quer que ele esteja fazendo, não está tentando encontrar o caminho
que leva ao princípio de não contradição, mas barrar o caminho a quem não o
reconhece. Dito de outro modo, o uso da dialética é necessário para barrar o
caminho a quem se nega a reconhecer o princípio, ao passo que a aquisição do
princípio mesmo é feita com outros meios. Como diz o Zingano: a lição da
dialética é unicamente negativa99.
E se não é a dialética que conduz aos primeiros princípios, o que será
que nos leva até lá?
A propósito da aquisição dos primeiros princípios, o capitulo II 19 dos
Analíticos Segundos menciona a inteligência e a indução em estrita conexão uma
com a outra, porém não há menção alguma de uma intervenção da dialética. Para
concluir, e a despeito de reconhecer a elegância e a fecundidade da argumentação
do Porchat, concordamos com a leitura de Zingano com relação à possibilidade de
usar a dialética na aquisição dos primeiros princípios. A dialética não tem a
função de elucidar a relação entre indução e inteligência ou de fazer emergirem os
99 Zingano traz também uma passagem de Física I 2-3, como confirmação da sua interpretação.
53
Lógica I
primeiros princípios. A dialética tem utilidade na sua tarefa de pôr tudo à prova,
mas, no tocante à aquisição dos princípios, sua tarefa é, para usar a expressão de
Zingano, apenas negativa: a dialética pode sempre dizer algo a respeito dos
princípios, porém, via negationis100 e a aquisição dos primeiros princípios só será
possível mediante a inteligência e a indução em estrita conexão uma com a outra.
LEITURAS OBRIGATÓRIAS
BERTI, E. As razões de Aristóteles. (Trad. Dion David Macedo). 1ª ed. São Paulo: Loyola, 1998. (Em particular o primeiro capítulo dedicado a “Apodítica e dialética”).
PROCHAT, O. Ciência e Dialética em Aristóteles. São Paulo: Editora UNESP, 2001. (Em particular, a segunda parte do texto, dedicada a dialética da apreensão dos princípios).
SUGESTÕES DE LEITURA
AUBENQUE, P. “La dialectique chez Aristote”. In: VV. AA. L’attualità della problemática aristotélica. Padova: Editrice Antenore, 1967.
BRUNSCHWICG J. “Dialectique et ontologie chez Aristote”. In: AUBENQUE, Pierre (ed.) Études aristotéliciennes – Metaphysique et théologie. Paris: Vrin, 1985.
ATIVIDADES AVA
Após as leituras obrigatórias, acesse o Ambiente Virtual de
Aprendizagem e desenvolva as atividades referentes a esta
Subunidade.
100 Porchat não foi o único a defender a capacidade da dialética no investigar os princípios. Berti (em Berti 1998) atribuiu à dialética um papel decisivo em relação à investigação dos princípios. Berti viu na refutação dos que negam o princípio de não contradição um caso de verdadeira demonstração dialética, com uma força não inferior à demonstração matemática.
54
Lógica I
UNIDADE 3Teoria e sua realização
Com a terceira Unidade, propomos descer a teoria do céu à terra, ou seja,
contextualizar a teoria na prática cientifica, mostrando o uso que Aristóteles faz da
lógica no exame da ciência da natureza.
55
Lógica I
3.1 Silogística aplicada ao conhecimento da realidade
Nos Segundos Analíticos, Aristóteles oferece diversas reflexões que
poderiam ser entendidas como uma teoria da ciência. Como vimos na segunda
Unidade, o filósofo busca estabelecer os critérios que uma disciplina qualquer
deve respeitar e satisfazer para legitimamente receber “a designação de
'conhecimento científico' [episteme]”101.
No capitulo primeiro do livro II dos Segundos Analíticos, Aristóteles
distingue quatro objetos de pesquisa científica: “O que é suscetível de
investigação é igual em número a tudo quanto conhecemos. Investigamos quatro
coisas: o “que (hoti)”, o “por que (dioti, dia ti)”, “se é (ei estin)”, o “o que é (to
ti esti)”102.
Os quatro objetos que podem ser investigados cientificamente são:
1) o “que (hoti)”, que corresponde a procurar se tal sujeito possui tal
atributo, ou seja se tal sujeito é a tal coisa;
2) o “por que (dioti, dia ti)”, que corresponde a procurar pela causa
que explica por que tal sujeito possui tal atributo;
3) o “se é (ei estin)”, que corresponde a perguntar se tal sujeito é o
caso, se existe na realidade;
4) o “o que é (to ti esti)”, que corresponde a procurar as
características essenciais que definem o que algo é em si mesmo.
Os intérpretes dos Analíticos forneceram uma leitura unânime das linhas e
encontraram uma relação entre as primeiras duas questões e as últimas duas.
Nas duas primeiras questões, o que e o por que, os termos da busca
são um sujeito e um atributo passível de ser atribuído ao sujeito. Na primeira
pergunta, questiona-se se tal atribuição é uma realidade, ao passo que na segunda
101 Arist., Segundos Analíticos I 2, 71b19-23.102 Arist., Segundos Analíticos II 1, 89b23-25.
56
Lógica I
pergunta questiona-se pela causa que explica tal atribuição.
Nas duas últimas questões, o se é o caso e o o que é, os dados prévios
do problema resumem-se a uma coisa única, tomada em si mesma: na terceira
questão se pergunta se ela existe, ao passo que na última questão se pergunta pelas
características essenciais que a definem103.
Segundo o Estagirita, então, a investigação começa com a apreensão
de que certos acontecimentos ocorrem ou de que um atributo pertence a um ente,
como vimos na primeira Unidade, no parágrafo relativo à proposição. Através de
um procedimento indutivo, o pesquisador procura o princípio explicativo desses
fatos104.
Logo depois, Aristóteles procede a um reagrupamento das questões105:
ele afirma que nas questões 1) e 3) procuramos saber se há um termo médio106, ao
passo que nas questões 2) e 4) procuramos saber o que é tal termo médio107.
Vimos nas Unidades precedentes que o termo médio é justamente a causa pela
qual se prova a conclusão de um silogismo108; então, podemos dizer que
Aristóteles reagrupa as questões tomando por critério justamente a pesquisa pela
causa:
“Portanto, em todas as investigações, sucede que se investiga ou se há termo médio, ou o que é o termo médio. Pois o termo médio é a causa, e é esta que se investiga em todos esses casos. Será que sofre eclipse?, será que há alguma causa ou não? Depois disso, sabendo que há alguma, investigamos o que ela é. Pois a causa do ser não isto aqui ou isto aqui, mas simplesmente sem mais a essência, ou a causa do ser não simplesmente sem mais, mas sim algum dos itens que se atribuem por si mesmos ou segundo concomitância, eis o que é o termo médio”109.
O princípio explicativo buscado é exatamente a causa (ou as causas)
do fenômeno/ente observado. Uma vez estabelecida, a causa pode levar, por
dedução, de novo às observações dos fatos nos quais teve origem a busca ou a
103 Arist., Segundos Analíticos II 2, 89b36-90a11.104 Ver esquema do parágrafo 2.1) da segunda Unidade.105 Arist., Segundos Analíticos II 2, 89b37; 90a5-6; a14-15; a31-32; 90a35.106 Arist., Segundos Analíticos II 2, 89b37.107 Arist., Segundos Analíticos II 2, 90a1.108 Arist., Segundos Analíticos II 2, 90a7.109 Arist., Segundos Analíticos II 2, 90a5-11.
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Lógica I
outros atributos do fenômeno. Há assim um processo de vai e volta: do fato ao
princípio e dele de novo ao fato. O filósofo David Oldroyd chamou esse caminho
de vai e volta “arco do conhecimento”110 e os filósofos medievais respectivamente
“Método da Resolução” (indução) e “Método da Composição” (dedução).
Antes proceder com o texto aristotélico, é preciso fazer uma reflexão e
analisar mais aprofundadamente as afirmações de Aristóteles. Devemos logo
observar que, entre as afirmações do Estagirita, há uma evidente dificuldade: a
busca pelo termo médio pressupõe uma estrutura triádica, isto é, o termo médio é
o terceiro elemento entre um sujeito e um predicado, pois justifica que duas coisas
estão juntas ou compostas, como reconhece o próprio Aristóteles no capítulo 17
de Metafísica Zeta. Mas, na questão “se é”, aparecem apenas o sujeito e o verbo
ser, que faz corpo único com o sujeito111. Como é possível pretender buscar o
termo médio na terceira questão e na questão que dela deriva?
Tredennick e Ross, célebres intérpretes da obra aristotélica,
observaram que o texto inclui essa dificuldade112 e a solução que ambos adotaram
foi entender que as questões 3) e 4) não designam a mesma coisa no capítulo 1 e
no capítulo 2 do livro II. No capítulo 1, as questões “se é” e “o que é”
correspondem a procurar a característica essencial que define o que algo é em si
mesmo, ao passo que no capítulo 2 as mesmas servem para procurar os atributos
que tal sujeito possui113.
Essa, porém, não é a melhor tentativa de saída e isso por duas razões:
1) Em primeiro lugar, Aristóteles repete quatro vezes no capítulo
segundo que em todas as investigações (zêtoumena) empreende-se
uma busca pela causa114.
2) Além disto, Aristóteles oferece exemplos de substâncias naturais
nas linhas 90a4-5 e 12-13.
Alfonso Gomes Lobo, filósofo chileno que morreu recentemente
110 Oldroyd, 1986. 111 Sobre a função do “é” como operador copulativo, ver Unidade I, parágrafo 1.1). 112 Ross 1965, p. 612. Tredennick alude à mesma dificuldade (Tredennick 1960, p. 11).113 Ross, 1965, p. 612.114 Aristóteles, Segundos Analíticos II 2, 90a5, 7, 14, 35.
58
Lógica I
(2011) e professor na Georgetown University, no seu artigo The so-called
Question of Existence in Aristotle's Posterior Analytics II 1-2115, propõe uma
interpretação diferente do texto. Segundo o autor, a cláusula “se é”, ei esti, é
elíptica e, por isso, ambígua. Uma expressão é elíptica quando um ou mais termos
faltam na sua formulação. Esta escamotage é utilizada na língua grega quando o
contexto é suficiente para que se adivinhe o requisito que falta; ou quando o autor
quer atribuir aos termos um sentido mais geral. Acreditamos que o caso dos
Analíticos seja uma elipse do segundo tipo. Ora, existem pelo menos três sentidos
da formulação ei esti:
1) O sentido “verídico” da cláusula ei esti, como no exemplo da
Metafísica Delta “se Sócrates é músico”116.
2) O sentido “existencial” da formulação ei esti. Nesse caso, pergunta-
se se uma coisa existe, se há um (x), ou se (x) existe. A resposta dessa
questão será “ti esti”, que existe.
3) A terceira utilização é quando, na formulação, faltam dois
elementos, isto é: se(x) é um (F).
Estamos persuadidos de que é esta terceira e última formulação que
Aristóteles propõe para a questão “se é” nos Analíticos, e os exemplos de
Aristóteles, analisados minuciosamente por Gomes-Lobo, são a prova disso.
Nossa estratégia consiste em analisar comparativamente uma passagem do livro
primeiro dos Analíticos e a terceira questão do começo do livro segundo, no
intuito de verificar se ambos os sentidos são usados como equivalentes para
descrever o uso elíptico da cláusula ei esti.
Tomamos uma passagem do livro I dos Segundos Analíticos, na qual a
formulação “se é” aparece. Nas linhas 71a24-27, Aristóteles afirma que, antes de
ter induzido uma demonstração, deve-se dizer que de certo modo uma pessoa
115 Gomes-Lobo 1980, pp. 71-89.116 Arist., Metafísica, V 7, 1017a33. Com respeito a essa noção, o texto mais elucidativo, é o de
Charles Kahn, Sobre o verbo grego Ser e o Conceito de Ser, traduzido em português em 1997.
59
Lógica I
conhece, mas, de certo modo, não. Pois, com relação àquilo que ele não sabia “se
é”, como ele saberia que tem dois ângulos retos?
“Deve-se dizer que, antes de ter induzido ou de ter apreendido o silogismo, de certo modo conhecia, mas, de certo modo, não. Pois, com relação àquilo que ele não sabia se é o caso, sem mais, como ele saberia que tem dois ângulos retos, sem mais?”117
Para reconstruir a prova a que Aristóteles alude no livro primeiro, é
útil formular um silogismo. O filósofo afirma que:
− a premissa maior universal: “Todo triângulo possui os ângulos
iguais a dois retos”118 não permite atingir
− a conclusão: “a possui os ângulos iguais a dois retos”. A premissa
universal não é suficiente para alcançar a conclusão, se não se acrescentar uma
segunda premissa, ou seja
− que a é um triângulo.
Isso quer dizer que a premissa universal (x) (Tx → Rx)119 não permite
deduzir a conclusão Ra se não se conhece a premissa menor Ta 120 . De certo modo,
poderíamos entender que a expressão “se é” designa a mesma coisa que “se é a
existência deste triângulo”, ou seja, se não se conhece que o triângulo existe.
Contudo, o texto grego não permite tal inferência, pois a questão de Aristóteles é
“se é” sem mais, de forma genérica, e não a questão particular “se é a existência
deste triângulo”.
Barnes oferece uma leitura interessante a respeito dessa passagem:
“that there is such a thing as a”121. A interpretação de Barnes é elucidativa, apesar
do fato de que Barnes acrescenta uma premissa que, nas linhas que estamos
examinando, não aparece, ou seja, “que a tal coisa é um triângulo”.
É plausível que Barnes tenha pegado emprestado a premissa das linhas
que precedem (I 1, 71a19-21), nas quais Aristóteles fornece também a premissa
universal: “Com efeito, sabia previamente que todo triângulo possui os ângulos 117 Arist., Segundos Analíticos I 1, 71a24-27.118 Arist., Segundos Analíticos I 1, 71a19-20.119 A expressão se lê no modo seguinte: Para todo x, se x é um triangulo, x possui ângulos iguais a
dois retos.120 A expressão se lê no modo seguinte: … não permite deduzir a conclusão que a possui ângulos
iguais a dois retos, se não se conhece a premissa menor, que a é triangulo.121 Barnes, 1993, p. 94.
60
Lógica I
iguais a dois retos (premissa maior); mas, que tal coisa no semi-círculo é
triângulo (premissa menor), reconheceu ao mesmo tempo em que induziu”.
Que Aristóteles utiliza o mesmo exemplo em ambas as passagens é
confirmado pelo uso que ele faz do mesmo exemplo numa passagem dos
Analíticos Primeiros, em um silogismo no qual ambas as premissas são expressas:
“Com efeito, conhecemos algumas coisas imediatamente; isto é que os ângulos
são iguais a dois retos (premissa maior) se conhecer que é um triângulo (premissa
menor)”122.
Diante desse silogismo, podemos entender que “que é um triângulo”
é a resposta certa da questão “se é”. O exemplo de Aristóteles é o silogismo
seguinte:
[(x) (Tx→ Rx) & Ta] → Ra
Premissa maior: Para todos x, se x é triângulo, então tem dois ângulos
retos;
Premissa menor: a é triangulo;
Conclusão: então, a tem dois ângulos retos.
Estamos justificados a acreditar que a expressão “se é” no silogismo
inicial pode ser entendida como um modo abreviado de dizer “que a é um
triângulo (Ta), como no último exemplo examinado, “que a tal coisa no semi-
círculo é triângulo”.
Se estivermos corretos, esta análise gera uma consequência
importante: na terceira questão, “se é”, Aristóteles pergunta-se não se tal sujeito
existe ou não na realidade, mas se tal atributo essencial é passível de ser atribuído
a esse sujeito material. E, na questão 4), pergunta-se pelas características
essenciais que definem o atributo. Estabelecido esse ponto, podemos dizer que o
contraste que Aristóteles quer ressaltar entre as questões 1) e 3) não é a diferença
entre a questão a respeito de tal sujeito possuir tal atributo e a questão a respeito
de tal sujeito existir na realidade, mas trata-se de uma articulação entre dois tipos
de atribuições, ou como dissemos na primeira Unidade, entre dois tipos de “ente”:
o “ente em si” e o “ente por acidente”.
Retomemos agora o texto inicial do capítulo primeiro do livro II dos
122 Arist., Primeiros Analíticos II 21, 67a23-26.
61
Lógica I
Segundos Analíticos – “O que é suscetível de investigação é igual em número a
tudo quanto conhecemos. Investigamos quatro coisas: o “que”, o “por que”, “se
é”, o “o que é”123 – no intuito de verificar se a cláusula “se é” tem o mesmo
sentido que no exemplo do triângulo.
Para esclarecer as questões propostas, Aristóteles utiliza dois
exemplos. Para as questões 1) e 2) o exemplo é o seguinte: se é branco ou não:
para ilustrar as questões 3) e 4), o exemplo é se é ou não é (um) centauro ou (um)
deus. Vamos ler as linhas inteiramente: “Investigamos outras coisas de um modo
diverso, por exemplo, se é ou não é centauro ou deus; e quero dizer “se é ou não
é” simplesmente sem mais, mas não “se é branco ou não”124.
O exemplo que ilustra as questões 3) e 4) tem uma construção
perfeitamente paralela ao exemplo que o filósofo utiliza para ilustrar as questões
1) e 2), ou seja: se é branco ou não.
E visto que, no caso das questões 1) e 2), Aristóteles está perguntando
se um sujeito, por exemplo Sócrates, é pálido ou não – ou seja, se um atributo
acidental pertence a um substrato –, acreditamos que, no primeiro caso, trata-se de
uma pergunta em que se busca saber se tal atributo essencial, ou seja a espécie
centauro ou a espécie deus, pertence a tal conjunto de matéria, não bem definido.
Dito de outra forma: “se (x) é ou não é um (centauro); Se (x) é ou não um (deus)”.
As etapas de Aristóteles são as seguintes:
1) em primeiro lugar, a pergunta: “se (x) é um (F)”
Utilizamos os exemplos que aparecem ao longo dos Segundos
Analíticos: “se a incapacidade de fazer sombra em noite de lua cheia é um
eclipse”; ou “se o estrondo nas nuvens é um trovão”. Se a resposta a esta questão
for negativa, como no caso de alguém me perguntar se a imagem do cavalo que
vejo de uma maneira indistinta da janela do meu quarto é um centauro, a busca
acaba logo; ao passo que, se a resposta for afirmativa, a busca continua. No caso
de alguém, num dia chuvoso, me perguntar se o barulho nas nuvens é trovão, a
etapa seguinte será:
123 Arist., Segundos Analíticos II 1, 89b23-25.124 Arist., Segundos Analíticos II 1, 89b32.
62
Lógica I
2) “o que é um F”
isto é, o que é um eclipse, ou o que é um trovão? Aristóteles declara que essa
questão não é diferente da busca da causa através da procura do termo médio,
como nas primeiras duas questões. A questão 1) “que” pergunta se uma atribuição
é uma realidade, ao passo que a questão 2) “por que”, pergunta pela causa que
explica tal atribuição, e a causa é o termo médio125. A segunda etapa, então, vai ter
esta nova formulação:
3) “porque (x) é um (F)”
por exemplo, por que a incapacidade de fazer sombra é um eclipse, ou por que o
barulho nas nuvens é um trovão?126.
Para dar conta dessas diversas etapas é possível construir dois
silogismo.
I silogismo
Inicialmente, há um silogismo para resolver a questão se é um eclipse.
É evidente que Aristóteles não está perguntando “se o eclipse existe”, assim como
não perguntou “se o triângulo existe”. Aristóteles pergunta-se “se (este fenômeno)
é um (eclipse)”
A = eclipse
B = incapacidade de fazer sombra no plenilúnio
C = Lua
A › B127 A é atribuído a B: o eclipse é incapacidade de fazer sombra
em noite de Lua cheia
B › C B é atribuído a C: a Lua não é capaz de fazer sombra
A › C A é atribuído a C: a Lua sofre um eclipse
Que A se atribui a B é evidente e não é preciso produzir um termo
médio: todos os homens comuns sabem, conforme a experiência mais ordinária,
125 Arist., Segundos Analíticos II 2, 90a1, 15, 31-32.126 Daí, afirma Aristóteles, segue que “conhecer o “o que é” é o mesmo que conhecer “por que
é”. Aristóteles, Segundos Analíticos II 8, 93a4. 127 O signo › deve ser entendido como modo abreviado de dizer: to A huparchei to B, que A
pertence a B.
63
Lógica I
que o eclipse consiste na incapacidade da Lua de fazer sombra em noite de Lua
cheia, assim como sabem que o trovão consiste na ocorrência de estrondo nas
nuvens128. Esse saber faz parte do acervo trivial compartilhado por todos os que
têm o domínio da língua. Aristóteles é otimista a respeito da capacidade humana
de conhecer a realidade através da linguagem, como afirma claramente no livro I
do capítulo 6 da Etica Eudemia. No entanto, o conhecimento da língua não é
exaustivo para as necessidades do conhecimento científico, bastando considerar
que os homens comuns não sabem qual é a causa da ocorrência do fenômeno. O
sentido ordinário do nome na linguagem comum constitui apenas o ponto de
partida para a nossa investigação científica. Sabendo que o eclipse se compõe de
Lua e privação de luz, perguntamos por que ocorre à Lua a privação de luz. Daí o
segundo silogismo:
II silogismo
A = interposição da Terra
B = incapacidade de fazer sombra em noite de Lua cheia
C = Lua
A › B A se atribui a B = a interposição da Terra se atribui à
incapacidade de fazer sombra no plenilúnio
B › C a incapacidade de fazer sombra em noite de Lua cheia se
atribui à Lua
A › C a interposição da Terra se atribui à Lua
Enfim, o contraste entre as questões “se é” e o “que” é uma oposição
entre uma atribuição essencial, ente per se, e uma atribuição contingente, ente per
accidens129.
Resumindo, para explicar, por exemplo, o eclipse lunar: primeiro o
cientista observa que a Lua se escurece durante o eclipse; procura, então, os
princípios explicativos, que Aristóteles identifica com as causas do fenômeno.
Nesse primeiro momento, o cientista procede por indução a partir da observação
do eclipse e de outros fenômenos similares. Por exemplo, observando a sombra
que os entes produzem a partir da luz solar, ele conclui que os raios de luz têm um
andamento retilíneo e que a sombra é produzida pelos corpos opacos. Daí, num
128 Arist., Segundos Analíticos II 8-10.129 Ver Unidade I, paragrafo 1.1).
64
Lógica I
ato de “perspicácia”, próprio do cientista, ele chega à conclusão de que o eclipse é
produzido pela interrupção da luz solar causada pelo corpo opaco da Terra, de
modo que é a sombra projetada pela Terra na Lua que a faz escurecer. Por
dedução – isto é, graças à formação de um ou mais silogismos –, o cientista pode
confirmar que é uma característica dos astros aquela de procurar um
escurecimento da Lua, assim como pode deduzir outros atributos do fenômeno,
como o fato de que a sombra deve ter uma certa forma, em particular a forma
circular, visto que a sombra é produzida pela interpolação de um ente esférico, a
Terra130.
3.2 A relação entre a busca da causa e a definição
Na exposição inicial dos quatro tipos de questões que podem ser
investigadas cientificamente, foi dito que, nas questões “se é” e “o que é”, os
dados prévios do problema resumem-se a uma coisa única tomada em si mesma.
Na questão “se é”, pergunta-se se é, ao passo que na questão “o que é”, supondo
já uma resposta afirmativa para a questão anterior, pergunta-se pelas
características essenciais que definem a coisa.
Portanto, quando Aristóteles afirma que a questão “se é” consiste em
uma busca pelo termo médio131, ele justamente quer dizer que se trata de uma
busca por entender que uma coisa isolada, tomada em si mesma, é constituída por
uma pluralidade de elementos, de tal modo que, quando perguntamos se tal coisa
existe, na verdade perguntamos se estão juntos os elementos que a constituem132.
Do mesmo modo, quando Aristóteles afirma que a questão “o que é”,
consiste em uma busca pela natureza do termo médio, ele quer dizer que quando
perguntamos o que é tal coisa, na verdade perguntamos qual é a causa pela qual
estão juntos os elementos que a constituem. Isso quer dizer que, entre os fatos
suscetíveis de investigação, há alguns, os entes em si, que ocultam sob uma
130 Ver Unidade II, parágrafo 2.1).131 Arist., Segundos Analíticos II 2, 89b35-90a1: “quando investigamos o que ou se é
simplesmente sem mais, estamos investigando se há ou não há termo médio da própria coisa”; cf. II 2, 90a5-7; 90a1012.
132 Arist., Segundos Analíticos II 2, 90a9-11; 90a17-25
65
Lógica I
unidade inicial uma complexa composição de elementos causalmente
determinada.
A definição – isto é, o discurso responsável por nos fazer conhecer o
que uma coisa é – exprime a natureza da causa que justifica a união dos
elementos: “Quando investigamos o por que ou o o que é estamos investigando o
que é o termo médio”133. A causa que justifica a união dos elementos é aquela
responsável pela estrutura essencial que define o objeto134. O conhecimento
científico da essência consiste justamente na busca da causa primeira e própria
responsável pela unidade necessária dos elementos que constituem o objeto. Isso
quer dizer que o conhecimento do o que é um ente (ti esti) não difere do
conhecimento do porquê (dioti), isto é, da causa: “Assim, como estamos dizendo,
conhecer o o que é é o mesmo que conhecer por que é ”135.
E se conhecer o “porquê” consiste em conhecer algo através da sua
causa apropriada, podemos concluir que Aristóteles estabelece, nos Segundos
Analíticos II 2, que as definições nos fornecem conhecimentos causais
(etiológicos) e que os conhecimentos causais136, por sua vez, podem ser expressos
sob a forma da definição:
“Pois, em todos esses casos, é manifesto que é o mesmo o “o que é” e o “por que é”. “O que é eclipse?”: privação de luz na Lua devido à interposição da Terra. “por que a Lua sofre eclipse?”: por faltar a luz, ao se interpor a Terra”137.
Daí, podemos concluir que, nos Segundos Analíticos II 2, 8, 10,
Aristóteles admite que, em nossa linguagem comum, a unidade de um nome
oculta uma estrutura ontológica complexa que deve ser desvelada pela análise
científica. Nessa perspectiva, procurar saber o que é o trovão consiste em procurar
saber quais são seus elementos constituintes e, o que é mais importante, qual é a
causa primeira ou forma ou essência responsável pela estrutura complexa do
fenômeno. Se temos o conhecimento de que o trovão se constitui por tais
elementos, nuvem e estrondo, mas não conhecemos ainda a causa, podemos
133 Arist., Segundos Analíticos II 2, 90a1.134 Arist., Segundos Analíticos II 2, 90a14-25; cf. II 8, 93a3-4.135 Arist., Segundos Analíticos II 2, 90a31-32.136 Cf. Angioni, 2002, p. 25.137 Arist., Segundos Analíticos II 2, 90a14-18.
66
Lógica I
perguntar por que o trovão é, e estaremos perguntando pela causa que explica por
que ocorre estrondo nas nuvens138. A causa pela qual estamos perguntando é a
causa própria do fenômeno e, ao mesmo tempo, a causa primeira da série causal
que parte dos efeitos até chegar à essência do ente investigado. Nessa perspectiva,
a forma ou essência é o fator explanatório preponderante, pois é a causa que é
capaz de explicar por que a parte restante da definição deve necessariamente
apresentar tais e tais itens139. A causa primeira é justamente o termo médio do
silogismo, no qual cada premissa exprime um atributo per se do ente investigado.
Enfim, em nossa linguagem comum, a unidade inicial de um nome,
por assim dizer, oculta uma complexa composição de elementos, causalmente
determinada. A aparência de unidade sob a qual os fatos inicialmente se
apresentam pode ser desmembrada nos elementos e, o que é mais importante, na
causa que os coaduna. Essa causa é a forma, a qual representa o princípio da
definição porque é capaz de requisitar, como complemento imprescindível, a parte
restante da definição. Essa parte restante consiste numa matéria apropriada com as
suas propriedades.
Não seria difícil mostrar que, para Aristóteles, boa parte dos
fenômenos naturais possuem a mesma estrutura e portanto são suscetíveis do
mesmo tratamento do trovão e do eclipse.
No final do capítulo 2 do livro II dos Segundos Analíticos, lemos:
“conhecer o o que é é o mesmo que conhecer por que é, e isso, ou simplesmente
sem mais e não algum dos atributos, ou algum dos atributos, por exemplo, que
são dois ângulos retos, que é maior ou menor” 140. Pouco antes, Aristóteles havia
dito: “Quero dizer, com simplesmente sem mais, aquilo que está subjacente, por
exemplo, Lua, ou Terra, ou Sol, ou triângulo”141. Então, parece que também para
uma essência natural, um ente em si, por exemplo a Lua, seria o mesmo conhecer
o que ela é e conhecer por que ela é.
Há textos ainda mais explícitos que nos convidam a entender a
causalidade intrínseca, expressa na definição de uma substância, como uma 138 Arist., Segundos Analíticos II 2, 93a16-20.139 Cf. Charles, 2000, p. 203: “Thunder is a unity because there is one common cause which
explains the presence of its necessary properties”. Tradução nossa: “Estrondo é uma unidade, porque há uma causa comum que justifica a presença das suas propriedades necessárias”.
140 Arist., Segundos Analíticos II 2, 90a31-34.141 Arist., Segundos Analíticos II 2, 90a12-13.
67
Lógica I
causalidade que pode ser analisada numa inter-relação entre as causas.
No capítulo final de Metafísica VII, Aristóteles diz que toda e
qualquer pergunta pela causa pressupõe o conhecimento de que duas coisas estão
juntas ou compostas:
“investigar por que uma coisa é ela mesma consiste em nada investigar (pois é preciso que se apresentem como já evidentes o que e o ser – por exemplo: que a Lua sofreu eclipse - ...), ao passo que, por outro lado, é plausível que alguém investigue por que o homem é um animal deste tipo. Isto, então, é evidente, a saber: ele não investiga por que é homem aquele que é homem; ora, então, ele investiga algo de algo – por que algo é atribuído a algo (mas é preciso que seja evidente que é atribuído: pois, se não for assim, não se investiga nada), como, por exemplo: por que troveja? Por que ocorre estrondo nas nuvens? – Pois aquilo que se investiga é algo que se afirma de outro assim deste modo. E por que estas coisas aqui, isto é, tijolos e pedras, são casa?”142.
Aristóteles diz que o termo médio, que justifica por que tais elementos
da coisa estão juntos, é precisamente a causa primeira ou própria da coisa, e essa
causa é aquilo que responde pelo o que é (a essência, a estrutura substancial
entendida como um conjunto de funções e atributos essenciais que justificam a
presença das outras características do ente). A conclusão de Aristóteles é a
seguinte: “é manifesto que se investiga a causa”143.
O texto que imediatamente subsequente é extraordinário e prossegue
com exemplos que incluem ousiai naturais:
“E aquilo que se investiga passa despercebido sobretudo no caso dos itens que não se dizem um do outro; por exemplo: investiga-se o que é homem, pelo fato dele ser exprimido de maneira simples, mas não se delimitar que estas coisas aqui são isto. Não obstante, é preciso investigá-lo após desarticulá-lo: caso contrário, sucederia algo comum ao investigar algo e ao nada investigar. E visto que é preciso apreender que é o caso, e que isso esteja já disponível, é evidente que se investiga por que a matéria é algo determinado; por exemplo, por que são uma casa estas coisas aqui? Porque lhes ocorre aquilo que era ser casa. E por que isto aqui é homem, ou por que é homem o corpo que comporta isto aqui? De modo que se investiga a causa da matéria (e esta é a forma) pela qual ela é algo determinado: e esta causa é a essência”144.
142 Arist. Metafísica VII 17, 1041a14-27.143 Arist., Metafísica VII 17, 1041a27-28.144 Arist., Metafísica VII 17, 1041a32-b9.
68
Lógica I
O texto nos diz que, na apreensão ordinária das essências naturais,
sabemos que as mesmas são constituídas de uma certa matéria, com algumas
propriedades, embora ainda não saibamos por que tais propriedades encontram-se
em tal matéria. A causa que explica por que tais propriedades se encontram na
matéria é a forma. E esta forma é justamente a essência de um ser natural. Logo
depois, Aristóteles diz que a essência é a natureza de um ser natural145.
Esse quadro concorda com aquilo que Aristóteles havia dito no livro
segundo do capítulo segundo dos Segundos Analíticos a respeito da estrutura da
ciência demonstrativa e da natureza do termo médio
Na Metafísica, Aristóteles nos diz que o termo médio pelo qual se
prova que estão juntos os elementos em tal e tal substrato é justamente a causa –
mais precisamente: aquela causa que é a essência de um ente natural146 .
Além disso, esse quadro confirma a relação entre busca da causa e
definição, exposta por Aristóteles nos capítulos 8-10 do livro segundo dos
Analíticos Segundos. Para dar conta das diversas etapas do conhecimento
científico, Aristóteles procede a uma classificação de definições.
1) O ponto de partida, diz Aristóteles, é uma definição que explicita o
sentido ordinário do nome na linguagem comum; trovão é um atributo
(estrondo) que se encontra em um sujeito (nuvem). Todos os homens
que têm o domínio da língua, sabem, conforme a experiência
ordinária, que um trovão é a ocorrência de estrondo na nuvem, mas
não sabem qual é a causa que determina essa ocorrência.
2) Sabendo que o trovão se compõe de dois elementos, estrondo e
nuvem, perguntamos por que ocorre o estrondo. Quando encontramos
a causa que está sendo investigada (a extinção do fogo nas nuvens),
podemos articular este conhecimento em um silogismo demonstrativo145 Arist., Metafísica VII 17, 1041b30-31.146 Aristóteles, Metafísica VII 17, 1041a27-28.147 Aristóteles é muito cuidadoso no uso dos termos “silogismo” e “demonstração” a respeito da
definição da essência, pois do “o que é” não se produz silogismo nem demonstração. Cf. Analíticos II 8, 93a14-16: “Mas que esse modo não é demonstração, foi dito antes; mas é no
plano da linguagem um silogismo (logikos sillogismos) do “o que é”; II 10, 94a1-2: “Por conseguinte, a primeira designa, mas não prova, ao passo que esta última manifestamente há
69
Lógica I
, no qual a definição que explicita nosso saber ordinário figura como
conclusão148.
3) Uma vez descoberta a causa, sabemos por que isso necessariamente
é o caso, isto é, por que o estrondo ocorre à nuvem: o estrondo ocorre
nas nuvens, devido à extinção do fogo.
A definição que nos diz “o que é” corresponderá ao silogismo
demonstrativo no qual o fato encontra-se finalmente explicado por sua causa
apropriada, isto é, aquela responsável pela composição dos elementos de que o
fato se constitui, e esta causa é a forma149. O enunciado no qual os três termos (o
estrondo, a nuvem, a extinção do fogo) forem apresentados conforme as relações
causais que os unem irá contar como a definição plena do trovão, ou seja, aquela
definição que, longe de apenas explicitar nosso saber prévio e ordinário, diz o que
é um ente de modo completo. Essa definição enumera os elementos de que se
compõe o ente e a causa que os une150.
Enfim, nos Analíticos II 8-10, assim como na Metafísica VII 17,
Aristóteles expõe a seguinte situação: em nossa apreensão ordinária das essências
naturais, sabemos que as mesmas são constituídas de uma certa matéria, com as
suas propriedades, embora ainda não saibamos a causa que explica por que as
propriedades encontram-se em tal matéria. A causa que explica a complexa
composição de um ente é a forma; a forma é precisamente a essência, e a essência
é justamente a natureza de um ente natural151.
3.3 Os princípios dos Analíticos na ciência da natureza
Se passarmos ao domínio no qual o próprio Aristóteles mais nos legou
de ser como que demonstração do o que é diferindo da demonstração por posição”. O estudo dessas passagens requer comentário cuidadoso que não é possível desenvolver agora.
148 Aristóteles, Segundos Analíticos II 8, 93a14-b14. 149 Usarei o termo “forma” em sentido aristotélico, isto é, no sentido de essência, natureza própria
de um ente.150 Aristóteles, Segundos Analíticos II 10, 94a1-7; 93b7-9; cf. 75b32.151 Cf. Arist., Metafísica VII 17, 1041b30-31.
70
Lógica I
contribuições especificamente científicas – isto é, as ciências naturais –, não é
difícil reconhecer que o exame da Física confirma aquilo que a Metafísica já
sugeriu.
No livro II da Física, Aristóteles procura estabelecer qual é a natureza
e a essência dos entes naturais152 pela qual se define o que eles são e se explica
por que eles são assim e não podem ser de outro modo.
Pois, no livro II da Física, Aristóteles distingue duas naturezas nos
entes naturais153, isto é, a forma e a matéria; os conceitos que o texto se esforça
por estabelecer, e em particular o conceito da natureza, envolvem uma inter-
relação entre as duas naturezas, a forma e a matéria.
Uma vez que o propósito da obra consiste em “delimitar inicialmente
aquilo que concerne aos princípios da ciência da natureza”154, podemos concluir
que o propósito de Aristóteles consiste em delimitar de que modo a relação entre a
forma e a matéria permite compreender cientificamente os entes naturais.
Como dado prévio, Aristóteles assume a existência de uma matéria: os
quatro elementos, ar, água, terra e fogo, com seus movimentos naturais para cima
ou para baixo, e seus compostos. O movimento próprio dos elementos materiais é
considerado uma forma de necessidade absoluta, na qual cada efeito se segue
necessariamente das condições antecedentes155.
Porém, Aristóteles se pergunta se não seria preciso admitir que, na
natureza, além da necessidade absoluta pela qual a matéria é responsável, há uma
outra necessidade, que governaria a primeira; esta é a necessidade hipotética156,
que envolve justamente os conceitos de forma e fim157. Assumida como
pressuposto anterior, a forma exige uma matéria com tais e tais propriedades; e a
forma é a responsável pela adequada concatenação das séries causais no nível da
matéria. As séries causais no nível da matéria nunca se organizariam
espontaneamente na ordem requisitada para gerar os fenômenos158.
152 Arist., Física II 1, 193a9 ss.153 Arist., Física II 1, 193a9-b6.154 Arist., Física II 1, 184a14-16.155 Arist., Física II 8, 198b12-14. 156 Angioni utiliza a tradução “necessidade a partir de um pressuposto” para a mesma expressão
grega na sua tradução do livro I de De Partibus Animalium. Ver Angioni, 1999.157 Entendemos a forma e o fim, ou seja, o acabamento do objeto, como sua função própria.158 Cf. Arist., De Generatione Animalium II 1, 734b19-735a5, em particular 734b31-36.
71
Lógica I
É preciso que a forma específica do animal, assumida como
fundamento anterior, administre as séries causais da matéria.
No nível da definição, Aristóteles nos diz que a definição dos entes
naturais deve enunciar não apenas a forma, mas também a matéria e os seus
movimentos, os quais decorrem de uma necessidade absoluta159.
No saber prévio de que ordinariamente dispomos, as definições usadas
na linguagem ordinária nos dizem que tal animal consiste em tal e tal matéria,
com tais propriedades160. Essas definições não atinam com as causas que explicam
a necessidade da matéria se apresentar com tais propriedades161.
As definições da linguagem ordinária constituem apenas o ponto de
partida da investigação. Uma vez encontradas tais causas, poderemos montar um
silogismo demonstrativo no qual a definição inicial estará no lugar da conclusão.
Esse silogismo não é uma demonstração da essência, pois a essência não pode ser
demonstrada. Esse silogismo é apenas um meio artificioso de desmembrar a
unidade efetiva da essência natural.
A análise das relações entre a matéria e a forma presentes nas
definições dos entes naturais permite-nos dissolver a aparência de
incompatibilidade entre ciências naturais e a teoria da ciência em relação à teoria
da definição.
Em Física II 2, Aristóteles diz que o estudioso da natureza deve
contemplar, em suas investigações, ambas as naturezas, ou seja a forma e a
matéria162. Em Física II 9, a doutrina reaparece:
“nas coisas naturais, o que é necessário é aquilo que se enuncia como matéria, bem como os movimentos dela. E ambas as causas devem ser enunciadas pelo estudioso da natureza, mas, sobretudo a em vista de que: pois ela é causa responsável pela matéria, ao passo que esta última não é causa responsável pelo acabamento; e o acabamento é o em vista de que assim como é o princípio pela definição e pelo enunciado, tal como nas coisas que são conforme a técnica”163.
159 Arist., Física 198b12-14.160 Ver descrições de Historia Animalium.161 Ver a busca das causas em De Partibus Anialium II-IV.162 Arist., Física II 2, 194a12-27.163 Arist., Física II 9, 200a30-b1.
72
Lógica I
Aristóteles diz:
1) que a definição deve enunciar a forma e o fim, a função do ente,
assim como a matéria e os movimentos dela, que decorrem da
necessidade absoluta;
2) a forma/fim do ente exerce o papel mais relevante, pois a forma é
responsável pela matéria.
O exemplo que Aristóteles fornece é relacionado à técnica. O texto é
claro:“Pois, para quem definiu que a função do serrar é uma divisão de tal e tal tipo, esta, precisamente, não poderá ser o caso, se não dispuser de dentes de tal e tal tipo; estes, por sua vez, não poderão ser o caso, se não forem de ferro”164.
A definição enuncia a natureza, a forma de um serrote, ou seja, a
função de serrar, assim como a matéria do serrote, ou seja, uma matéria de ferro
com tais propriedades, isto é, com dentes de tal e tal tipo. O esquema da definição
será o seguinte165:
Definiendum: o serrote
F = forma-função: capacidade de serrar
M = matéria: ferro
pp = propriedades da matéria: uma certa resistência ao calor, uma
certa flexibilidade, e outras.
A definição preliminar do serrote é:
D = M + pp : conjunto de materiais de ferro com tais e tais
propriedades, isto é dentes de tal e tal tipo.
A definição completa é:
D = F → [M + pp] : artefato capaz de serrar madeira (forma-fim
-função); constituído por tais e tais materiais, com tais e tais propriedades
(matéria).
No saber prévio da experiência ordinária, apreendemos os entes 164 Arist., Física II 9, 200b3-8.165 Para as convenções F, M, pp e o exemplo do serrote, ver Angioni, 2002, pp. 20-30.
73
Lógica I
naturais apenas como um conjunto de materiais com tais e tais propriedades. O
saber prévio fornece apenas o ponto de partida para a investigação da causa.
A busca da causa explica a necessidade de estar assim determinada a
matéria. É pela sua função de serrar (forma/fim) que o serrote têm dentes de ferro
e não de algodão. A descoberta da causa, que é a forma do ente, permite-nos
formular a definição completa, que pode ser desmembrada num silogismo, no qual
a definição prévia aparece como conclusão.
Silogismo:
P: A função de serrar exige ferros com tais e tais propriedades;
p: O serrote tem por função serrar
c: O serrote tem ferros com tais e tais propriedades.
Nesse silogismo, a função de serrar é intermediadora e forma-telos; e
a definição prévia figura como conclusão.
No livro II da Física, Aristóteles propõe exemplos de artefatos para
alcançar teses atinentes às coisas naturais. A diferença entre artefatos e coisas
naturais consiste no estatuto do fim para o qual um objeto existe: no caso dos
artefatos, trata-se de um fim extrínseco aos materiais, ao passo que, no caso das
coisas naturais, trata-se de um fim intrínseco e imanente166.
Apesar do fato de que, na mentalidade de muitos intérpretes, ficou a
convicção de que as obras biológicas de Aristóteles conformam-se a um padrão
que utiliza apenas dados empíricos167, não é difícil provar que, no âmbito da sua
ciência física “aplicada” – isto é, a zoologia –, Aristóteles se conforma aos
mesmos padrões normativos estipulados pela teoria do silogismo nos Segundos
Analíticos. Será suficiente fornecer apenas um exemplo. Tomemos o caso dos
peixes. Na Historia Animalium168 e De Partibus Animalium169, Aristóteles
classifica os peixes entre os animais nadadores.
Definiendum: peixe
166 Arist., De Anima II 4, 415a26-b2167 O pioneiro desta interpretação foi Werner Jarger, que, na sua célebre e ainda influente
interpretação desse problema, considerou o empirismo de Aristóteles nas obras biológicas o último grau da emancipação de Aristóteles da doutrina platônica do conhecimento científico exposta por Aristóteles nos Analíticos.
168 Arist., Historia Animalium I 5, 489b23.169 Arist., De Partibus Animalium IV 13, 695b17-26.
74
Lógica I
F: a forma/fim dos peixes é viver na água, nadar170.
A essência dos seres naturais é a alma ou uma parte da alma, ou seja a
sua forma171. As partes da alma que definem o animal aparecem nos livros II-IV
do De Partibus Animalium. Nesses livros, existem 8 passagens que argumentam
sobre os atributos próprios da essência (ousia) dos entes naturais. Em geral, o
filósofo cita as partes que dirigem o crescimento, o movimento, e a percepção172.
M: partes do corpo necessárias ao animal para viver no seu próprio
habitat.
pp: brânquias173, olhos úmidos, que têm a capacidade de enxergar de
longe e sem sobrancelhas174; língua pequena; dentes afiados175.
Como no caso dos entes artificiais, a definição dos entes naturais deve
enunciar:
1) a forma-fim, assim como sua matéria e seus movimentos, que
decorrem da necessidade absoluta;
2) a forma-fim exerce o papel mais relevante, pois a forma-telos é
responsável pela matéria176.
A definição prévia do peixe será:
O peixe é o animal com brânquias, olhos úmidos, que enxergam de
longe e sem sobrancelhas, língua pequena; dentes afiados.
Com efeito, o homem comum, por exemplo um pescador, pode fazer
esta observação sem que ele seja um especialista nas ciências naturais. Nesta
definição, as características do peixe estão presentes, mas não está presente a
causa que justifica ser o peixe um animal deste gênero.
A definição completa será:
Uma vez que o habitat no qual o peixe vive é a água, e o bios do peixe
170 Arist., De Partibus Animalium IV 13, 695b17-18.171 Cf. De Partibus Animalium I 1, 641a15-21; Física II 7, 198a25-26; 9, 200a32 sg.; De Anima I
1, 402b25-26.172 Arist., De Partibus Aanimalium I 1, 641b5-8.173 Arist., De Partibus Animalium IV 13, 696a34-b1.174 Arist., De Partibus Animalium II 13, 658a4-7; 658a7-10.175 Arist., De Partibus Animalium II 17, 660b11; III 14, 675a6.176 Arist., De Partibus Aanimalium I 1, 640a33-35.
75
Lógica I
é nadar, o peixe é um animal com brânquias, olhos úmidos, que enxergam de
longe e sem sobrancelhas, língua pequena; dentes afiados.
Enfim, a definição científica de uma essência natural não pode ser
demonstrada, mas os termos da definição podem ser reorganizados num silogismo
demonstrativo que mostra a causalidade real pela qual um ente natural é
necessariamente como ele é; ou seja, a essência ou forma do animal. Nesse
silogismo, a conclusão será a definição prévia do saber ordinário e o mediador
será a parte da alma responsável pelo bios do animal, ou a causa final que explica
por que necessariamente o ente natural é tal como inicialmente se nos havia
manifestado.
Silogismo:
P: a essência dos animais nadadores exige brânquias no lugar dos
pulmões.
p: o peixe vive e se reproduz na água, ou seja, é animal nadador.
c: o peixe é o animal com brânquias no lugar dos pulmões.
O mesmo silogismo pode ser formulado para todas outras
características essenciais do peixe.
LEITURAS OBRIGATÓRIAS
ARISTÓTELES. Física I-II. Tradução e comentários de Lucas Angioni. Campinas: Editora da Unicamp, 2009. (Em particular, Física II 3).
ARISTÓTELES. “Segundos Analíticos. Livro II”. Trad. Lucas Angioni. In: Cadernos de Tradução. Nº. 4. Campinas: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/Unicamp, 2004.
SUGESTÕES DE LEITURA
ANGIONI, L. “O problema da compatibilidade entre a teoria das ciências e as ciências naturais em Aristóteles”. In: Primeira Versão. 112 , outubro, 2002.
KAHN, C. “Sobre o verbo grego ser e o conceito de ser”. (Trad. Maura Iglesias et al.) In: Cadernos de Tradução. No. 1. Rio de
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Lógica I
Janeiro: Núcleo de Estudos de Filosofia Antiga/Departamento de Filosofia da PUC Rio, 1997.
LENNOX, J. G. Aristotle’s philosophy of biology. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.
ATIVIDADES AVA
Após as leituras obrigatórias, acesse o Ambiente Virtual de
Aprendizagem e desenvolva as atividades referentes a esta
Subunidade.
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Lógica I
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Antes de concluir nossa Disciplina, resumimos as etapas percorridas.
Ao longo do percurso de Lógica I, investigamos a teoria da dedução
de Aristóteles, destacando sua função no conhecimento científico da natureza. A
aplicação do silogismo no âmbito da física e das ciências naturais requer o estudo
propedêutico da teoria do silogismo, assim como Aristóteles a apresenta nos
principais escritos do Organon e, mais especificamente, nas Categorias, nos
Tópicos, e nos Primeiros e Segundos Analíticos.
O sistema lógico que Aristóteles apresenta baseia-se em sua doutrina
da proposição e, por isso, optamos por começar pelo mais simples, ou seja,
analisar os elementos de uma proposição, em particular, a função do nome e do
verbo, que se tornam sujeito e predicado de um enunciado. Através da análise de
algumas passagens dos tratados Da Interpretação, Categorias e Metafísica,
esclarecemos o que está no fundamento daquela proposição que propriamente
interessa à lógica: os enunciados declarativos, que são caracterizados pela
pretensão de verdade. A pretensão de verdade é a pretensão de que o que é
enunciado na predicação tenha sua existência na realidade, ou seja, de que aquilo
que é dito em palavras deve poder ser verificado numa situação real.
Na segunda Unidade, passamos para uma rápida descrição da teoria do
silogismo. Vimos que o silogismo é propriamente o processo através do qual o
raciocínio produz provas racionais. Aristóteles examina a conduta da razão que
elabora inferências nos dois tratados indicados pelo próprio filósofo com o nome
de Analíticos. Depois de ter mostrado, nos Analíticos Primeiros, como é
constituído um silogismo – ou seja, a partir de quais termos, de quais premissas, e
de quais relações entre os termos e as premissas, o silogismo se torna um
raciocínio válido – concentramo-nos na análise de alguns trechos dos Segundos
Analíticos, tendo como objetivo analisar a conduta do silogismo num âmbito
específico de utilização, ou seja, no âmbito da ciência propriamente dita, fundada
no método demonstrativo. Apresentamos as demonstrações científicas como um
caso particular na análise do silogismo em geral, e destacamos que, no âmbito da
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Lógica I
ciência, a demonstração se diferencia de um simples silogismo válido pela
exigência de respeitar um número maior de obrigações e pela natureza das
premissas.
Na terceira Unidade, propusemos uma aplicação do modelo científico
dos Analíticos à ciência natural, pois acreditamos que a teoria do silogismo não
foi pensada por seu autor como um abstrato modelo científico, como será o
discurso de Galileu ou de Einstein em relação à natureza e ao modelo físico, nem se
trata de um paradeigma, isto é, do modelo ideal de uma ciência completa e
acabada. Estamos persuadidos de que os escritos científicos do Estagirita
testemunham os esforços de pesquisa em campo do filósofo. Vimos que, na
abertura dos Segundos Analíticos, Aristóteles declara expressamente
que“conhecemos cientificamente através da demonstração. E por
“demonstração” entendo o silogismo científico”177.
Com isso, não queremos dizer que a ciência aristotélica é um tipo de
conhecimento demonstrativo que se apresenta na forma de uma exposição
sistemática, constituída por cadeias de silogismos. Nunca Aristóteles acreditou
que isso pudesse acontecer. Os exemplos incontestáveis de demonstrações
silogísticas ao longo do Corpus Aristotelicum são muito raros, seja nas ciências
mais abstratas, seja na ciência física. Contudo, a demonstração é indicada pelo
Estagirita como a forma mesma do conhecimento científico: conhecer
cientificamente os entes é antes conhecê-los na forma e na ordem em que se
encontram na demonstração. O silogismo situa-se na origem do caminho de
pesquisa, e constitui-se como a causa e o princípio do conhecimento, além de
determinar seu sucesso do ponto de vista científico.
177 Arist., Segundos Analíticos I 1, 71b16-19.
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Lógica I
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BIBLIOGRAFIA PRIMÁRIA:
Textos fundamentais
ARISTÓTELES. Categorias. Porto: Porto Editora, 1995.
ARISTÓTELES. “Segundos Analíticos, livro I”. Trad. Lucas Angioni. In: Cadernos de Tradução. Nº. 7. Campinas: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/Unicamp, 2002.
ARISTÓTELES. “Segundos Analíticos, livro II”. Trad. Lucas Angioni. In: Cadernos de Tradução. Nº. 4, Campinas: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/Unicamp, 2004.
ANGIONI, L. Introdução à Teoria da Predicação em Aristóteles. Campinas: Editora Unicamp, 2006.
PORCHAT, O. Ciência e Dialética em Aristóteles. São Paulo: Editora UNESP, 2001.
Textos gerais sobre Aristóteles e obras aristotélicas:
Todas as obras de Aristóteles estão disponíveis na “Oxford Translation” revisada:
BARNES, J. (ed.) The Complete Works of Aristotle. Princeton: Princeton University Press, 1984.
Adicionalmente, mencionamos a série Clarendon Aristotle (editada por J. Ackrill
e L. Judson). Cada Volume oferece uma tradução bem precisa de um texto ao lado
de um comentário filosófico.
Em português, podem-se citar:
Física I-II. Tradução e comentários de Lucas Angioni. Campinas: Editora da Unicamp, 2009.
Categorias. Porto: Porto Editora, 1995.
Das Categorias. São Paulo: Maltese, 1965.
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Lógica I
Dos Argumentos Sofísticos. São Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores), 1983.
Metafísica (livros I e II). São Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores), 1984.
Metafísica. Traduzida, comentada e anotada por G. Reale, 3 vols. São Paulo: Edições Loyola, 2001.
Tópicos. São Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores), 1983.
Comentários em português:
MILLET, L. Aristóteles. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
MORRAL, J. B. Aristóteles. Brasília: Editora da UnB, 1985.
McLEISH, K. Aristóteles. São Paulo: Unesp, 2000.
BOUTROUX, E. Aristóteles. Rio de Janeiro: Record, 2000.
CAUQUELIN, A. Aristóteles. Rio de janeiro: Jorge Zahar Editores, 1995.
ALAN, B. D. J. Filosofia de Aristóteles. Lisboa: Presença, 1983.
Há um guia introdutório à filosofia de Aristóteles:
BARNES, J. (ed.) The Cambridge Companion to Aristotle. New York: Cambridge University Press, 1995, que inclui ampla bibliografia.
Entre as obras gerais sobre Aristóteles, menciono:
ROSS, W. D. Aristotle. London: Methuen & Co., 1923.
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Lógica I
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