Guia Historia

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Folha de S. Paulo, domingo, 02 de abril de 2000 Sete historiadores sugerem e comentam livros essenciais para conhecer o passado do país Guia de leitura da história brasileira ANGELA DE CASTRO GOMES É professora titular de história do Brasil da Universidade Federal Fluminense, pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas e autora de "A Invenção do Trabalhismo", entre outros. BORIS FAUSTO É professor da Universidade de São Paulo e autor de "A Revolução de 30" (Cia. das Letras) e "História do Brasil" (Edusp), entre outros. É colunista da Folha. EVALDO CABRAL DE MELLO É historiador e diplomata aposentado, autor de "Rubro Veio" e "Olinda Restaurada" (Topbooks), entre outros. Ele escreve mensalmente no Mais!, na seção "Brasil 500 d.C.". JOÃO JOSÉ REIS É professor do departamento de história da Universidade Federal da Bahia e autor de "A Morte É uma Festa (Companhia das Letras), entre outros. LAURA DE MELLO E SOUZA É professora de história da USP, autora de "O Diabo e a Terra de Santa Cruz" (Companhia) e "Desclassificados do Ouro" (Graal). MANOLO FLORENTINO É professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor de "Em Costas Negras" (Cia. das Letras), entre outros. RONALDO VAINFAS É professor de história moderna da Universidade Federal Fluminense e autor, entre outros, de "Confissões da Bahia" (Companhia das Letras). ________________________________________________________________________________ Colônia - 5 datas 1500 - Em 22 de abril, Pedro Álvares Cabral aporta no Brasil, na região de Porto Seguro (Bahia). 1624 - Primeira tentativa -fracassada- de invasão dos holandeses, em Salvador. Os holandeses se estabelecem em Pernambuco, em 1630, e de lá são expulsos em 1654. 1650 - Começa o declínio do ciclo da cana-de-açúcar, principal atividade econômica da colônia, sustentada pelo trabalho escravo de negros e índios. 1789 - A Inconfidência Mineira, tentativa frustrada de independência de Portugal, termina com o enforcamento de Tiradentes, um dos líderes rebeldes. 1808 - Chegada de d. João 6º ao Brasil. O rei, fugindo das invasões napoleônicas, se estabelece no Rio de Janeiro com a corte, decreta a abertura dos portos e cria, entre outros, o Banco do Brasil e o primeiro jornal do país, a "Gazeta do Rio de Janeiro". BORIS FAUSTO Raízes do Brasil , de Sérgio Buarque de Holanda (Ed. Brasiliense) - Livro que não se refere apenas à Colônia, mas nela localiza o essencial das "raízes do Brasil". A distinção entre colonização espanhola e portuguesa fez escola. Visão do Paraíso , de Sérgio Buarque de Holanda (Ed. Brasiliense) - Ensaio sobre o imaginário do colonizador, como indica seu subtítulo: os motivos edênicos no descobrimento e na colonização do Brasil. Formação do Brasil Contemporâneo (Colônia) , de Caio Prado Jr. (Ed. Brasiliense) - Um clássico sobre as linhas gerais da implantação da Colônia, de inspiração marxista, sendo referência importante para estudos posteriores. O Diabo e a Terra de Santa Cruz , de Laura de Mello e Souza (Ed. Cia das Letras) - Aproxima-se e ao mesmo distancia-se do livro de Sérgio Buarque de Holanda, "Visão do Paraíso". Fundamental para o conhecimento da religiosidade popular e das chamadas práticas de feitiçaria no Brasil colonial. Olinda Restaurada , de Evaldo Cabral de Mello (Ed. Topbooks) - Trata-se de um estudo sobre o período holandês no Brasil. Focaliza os anos 1630-1654, ampliando a compreensão dos interesses envolvidos, ligados ao açúcar, e a natureza da guerra de expulsão. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808) , de Fernando A. Novais (Ed. Hucitec) - Monografia clássica, de inspiração marxista, versando sobre relações entre a colônia e a metrópole, em uma conjuntura decisiva para os rumos da Independência brasileira.

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Folha de S. Paulo, domingo, 02 de abril de 2000 Sete historiadores sugerem e comentam livros essenciais para conhecer o passado do país Guia de leitura da história brasileira

ANGELA DE CASTRO GOMES É professora titular de história do Brasil da Universidade Federal Fluminense, pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas e autora de "A Invenção do Trabalhismo", entre outros. BORIS FAUSTO É professor da Universidade de São Paulo e autor de "A Revolução de 30" (Cia. das Letras) e "História do Brasil" (Edusp), entre outros. É colunista da Folha. EVALDO CABRAL DE MELLO É historiador e diplomata aposentado, autor de "Rubro Veio" e "Olinda Restaurada" (Topbooks), entre outros. Ele escreve mensalmente no Mais!, na seção "Brasil 500 d.C.".

JOÃO JOSÉ REIS É professor do departamento de história da Universidade Federal da Bahia e autor de "A Morte É uma Festa (Companhia das Letras), entre outros. LAURA DE MELLO E SOUZA É professora de história da USP, autora de "O Diabo e a Terra de Santa Cruz" (Companhia) e "Desclassificados do Ouro" (Graal). MANOLO FLORENTINO É professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor de "Em Costas Negras" (Cia. das Letras), entre outros. RONALDO VAINFAS É professor de história moderna da Universidade Federal Fluminense e autor, entre outros, de "Confissões da Bahia" (Companhia das Letras).

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Colônia - 5 datas 1500 - Em 22 de abril, Pedro Álvares Cabral aporta no Brasil, na região de Porto Seguro (Bahia). 1624 - Primeira tentativa -fracassada- de invasão dos holandeses, em Salvador. Os holandeses se estabelecem em Pernambuco, em 1630, e de lá são expulsos em 1654. 1650 - Começa o declínio do ciclo da cana-de-açúcar, principal atividade econômica da colônia, sustentada pelo trabalho escravo de negros e índios. 1789 - A Inconfidência Mineira, tentativa frustrada de independência de Portugal, termina com o enforcamento de Tiradentes, um dos líderes rebeldes. 1808 - Chegada de d. João 6º ao Brasil. O rei, fugindo das invasões napoleônicas, se estabelece no Rio de Janeiro com a corte, decreta a abertura dos portos e cria, entre outros, o Banco do Brasil e o primeiro jornal do país, a "Gazeta do Rio de Janeiro". BORIS FAUSTO Raízes do Brasil , de Sérgio Buarque de Holanda (Ed. Brasiliense) - Livro que não se refere apenas à Colônia, mas nela localiza o essencial das "raízes do Brasil". A distinção entre colonização espanhola e portuguesa fez escola. Visão do Paraíso , de Sérgio Buarque de Holanda (Ed. Brasiliense) - Ensaio sobre o imaginário do colonizador, como indica seu subtítulo: os motivos edênicos no descobrimento e na colonização do Brasil. Formação do Brasil Contemporâneo (Colônia) , de Caio Prado Jr. (Ed. Brasiliense) - Um clássico sobre as linhas gerais da implantação da Colônia, de inspiração marxista, sendo referência importante para estudos posteriores.

O Diabo e a Terra de Santa Cruz , de Laura de Mello e Souza (Ed. Cia das Letras) - Aproxima-se e ao mesmo distancia-se do livro de Sérgio Buarque de Holanda, "Visão do Paraíso". Fundamental para o conhecimento da religiosidade popular e das chamadas práticas de feitiçaria no Brasil colonial. Olinda Restaurada , de Evaldo Cabral de Mello (Ed. Topbooks) - Trata-se de um estudo sobre o período holandês no Brasil. Focaliza os anos 1630-1654, ampliando a compreensão dos interesses envolvidos, ligados ao açúcar, e a natureza da guerra de expulsão. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808) , de Fernando A. Novais (Ed. Hucitec) - Monografia clássica, de inspiração marxista, versando sobre relações entre a colônia e a metrópole, em uma conjuntura decisiva para os rumos da Independência brasileira.

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Segredos Internos , de Stuart B. Schwartz (Ed. Companhia das Letras) - Monografia que reconstitui a economia e a sociedade açucareira da Bahia, a partir de fontes primárias. Critica concepções tradicionais sobre a continuidade no tempo e a riqueza dos senhores de engenho. A Devassa da Devassa , de Kenneth Maxwell (Ed. Paz e Terra) - Estudo das relações entre Brasil e Portugal, nos anos 1750-1808, tendo como foco a análise da Inconfidência mineira. A Nação Mercantilista , de Jorge Caldeira (Ed. 34) - Recentemente publicado, o livro é um ensaio sobre o Brasil colonial e do século 19, tratando de relativizar os elementos estruturais e enfatizar uma deliberada opção dos agentes internos, na explicação do "atraso brasileiro". D. João 6º no Brasil , de Oliveira Lima (Ed. Topbooks) - Um clássico sobre o período joanino, publicado pela primeira vez em 1908. Reavalia o papel do rei português e reconstitui a vida na corte, com uma qualidade que prenuncia a obra de Gilberto Freyre. EVALDO CABRAL DE MELLO História do Brasil , de Robert Southey - O profundo conhecimento da história de uma distante colônia portuguesa por parte deste "poeta laureado" da Grã-Bretanha foi motivo de mofa para seus contemporâneos ingleses; mas se ainda hoje ele é lido não o deve a sua poesia. História do Brasil , de H. Handelmann - Publicada dez anos decorridos da primeira edição da "História do Brasil", de Varnhagen (1854), a obra do historiador alemão só em 1931 mereceu tradução brasileira, tratando-se ainda hoje de livro escassamente lido, embora possa ser considerado o iniciador do estudo da história brasileira sob critério regional. Capítulos de História Colonial , de J. Capistrano de Abreu (Ed. Itatiaia/ Edusp) - A despeito de redigido há quase um século, permanece obra indispensável, devido à garra sintetizadora do autor. Não é o produto de intuições deixadas no ar, mas elaboradas ao longo de muitos anos de convívio diário com as fontes da história colonial. Casa-Grande & Senzala , de Gilberto Freyre (Ed. Record) - Obra de intuições certeiras e de outras não tão certeiras assim, proporciona uma visão poderosa do nosso passado colonial. Submetido a análises pontuais, mostra deficiências compreensíveis num livro escrito nos anos 30 do século 20, quando o autor não dispunha de uma infra-estrutura monográfica capaz de embasar estudo de escopo tão ambicioso. Caminhos e Fronteiras , de Sérgio Buarque de Holanda (Ed. Companhia das Letras).

Visão do Paraíso , de Sérgio Buarque de Holanda (Ed. Brasiliense) - "Caminhos e Fronteiras" e "Visão do Paraíso" constituem duas obras-primas da nossa historiografia colonial e, como tal, insuperadas por nenhum outro livro dedicado ao período. Honram a historiografia de qualquer país. Literariamente, também têm lugar aparte graças ao estilo espaçoso do autor. Tempo de Flamengos , de J.A. Gonsalves de Mello - Na trilha de Gilberto Freyre, que o estimulou aos estudos de história social, o autor oferece um quadro abrangente da presença holandesa no cotidiano urbano e rural do Nordeste e das relações do invasor com luso-brasileiros, judeus, índios e negros. Formação do Brasil Contemporâneo , de Caio Prado Júnior (Ed. Brasiliense) - Sessenta anos decorridos da sua redação, continua a ser uma síntese magistral da existência material da Colônia. Quem o consulta, constata invariavelmente a precisão e a seriedade com que seu autor se desincumbiu da tarefa, inclusive da cozinha do ofício. Obra escrita por um marxista, ela poderia ser perfeitamente assinada por um historiador que o não fosse. Salvador Correia de Sá e a Luta pelo Brasil e Angola , de Charles R. Boxer - Trata-se da mais importante das obras dedicadas ao Brasil por este eminente historiador do mundo luso-brasileiro em língua inglesa. Seu conhecimento das fontes do século 17 é algo de notável, servindo para demonstrar que a erudição ainda é o melhor antídoto contra o envelhecimento dos livros de história. Segredos Internos , de Stuart B. Schwarz (Ed. Companhia das Letras) -Verdadeiramente insubstituível para o estudo da mais antiga das nossas sociedades coloniais, a canavieira do Nordeste. LAURA DE MELLO E SOUZA Histoire d'un Voyage Fait en la Terre du Brésil (História de uma Viagem Feita à Terra do Brasil, 1578), de Jean de Léry - Com o extraordinário livro de Léry -que Lévi-Strauss chamou de "breviário do etnólogo"-, o Brasil e os tupinambá entram na Europa e lançam-se as bases do relativismo cultural. A grande edição é a de Frank Lestringant (1994, para "Livres de Poche"), que tomou por base a edição de 1580. A tradução brasileira, de Sérgio Milliet, parece-me basear-se na de 1578 e é bastante incompleta, deixando de fora passagens fundamentais. História do Brasil (1627), de Frei Vicente do Salvador (Ed. Itatiaia) - Frei Vicente escreveu a primeira história do Brasil, antes mesmo de existir um Brasil. De certa forma, ele nos "inventou". É importantíssimo para os fatos ocorridos nos primeiros tempos da colonização e arguto ao perceber as contradições entre o lá (Portugal) e o cá (o Brasil).

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Capítulos de História Colonial (1907), de J. Capistrano de Abreu (Ed. Itatiaia/Edusp) - Capistrano é o antepassado direto das interpretações do Brasil que voltam ao período colonial para entender o processo formativo do país. A melhor coisa do livro é a ênfase na interiorização do processo colonizador. Vida e Morte do Bandeirante (1929), de José Alcântara Machado (Ed. Itatiaia) - É, a meu ver, a primeira monografia da moderna historiografia brasileira. Recorta um objeto -São Paulo nos séculos 16 e 17-, destaca um problema -a pobreza econômica- e "inventa" uma fonte documental: os inventários e testamentos, só muito depois utilizados pela historiografia do hemisfério Norte. Casa-Grande & Senzala (1933), de Gilberto Freyre - É um dos mais importantes trabalhos das ciências sociais neste século. Polêmico e discutível, tem aspectos geniais. Influenciou a historiografia norte-americana sobre escravidão e inaugurou temas só tratados pela escola dos Annales décadas depois. No que diz respeito à colônia, traz para a sua análise uma renovação de enfoque e temas sem precedentes. Formação do Brasil Contemporâneo (1942), de Caio Prado Jr. (Ed. Brasiliense) - Este livro deu, como logo no início nos alerta o autor, sentido à colonização brasileira e forneceu instrumentos para importantes análises estruturais subsequentes. Envelhecido e discutível nas partes sobre sociedade e administração, é argutíssimo ao apontar os canais para a dinamização interna da economia -os circuitos de muares, a pecuária, a economia de subsistência. Caminhos e Fronteiras (1956), de Sérgio Buarque de Holanda (Ed. Companhia das Letras) - Compreende uma série de exercícios de história cultural que, apesar de breves, têm um fôlego surpreendente. Abre perspectivas de análise ainda irrealizadas, e é intrigante que seja um livro tão pouco lido e citado. Visão do Paraíso (1959), de Sérgio Buarque de Holanda (Ed. Brasiliense) -É a obra mais notável de toda a historiografia brasileira. Tem erudição, reflexão e originalidade ímpares. Por ser tão superlativa, talvez iniba um pouco o leitor. É mais uma obra-prima de Sérgio que não conheceu a repercussão merecida e só começou a ter impacto na historiografia brasileira por volta do meado dos anos 80. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1979), de Fernando A . Novais (Ed. Hucitec) - Esta obra retoma a idéia do sentido da colonização de Caio Prado e analisa de forma notável o "sistema colonial", mostrando suas contradições e a necessidade de se entender metrópole e colônia, Europa e Brasil em suas relações dinâmicas. Salvador Correia de Sá e a Luta pelo Brasil e Angola (1952), de Charles R. Boxer - Este é, até hoje, o único estudo de fôlego sobre a formação do

complexo sul-atlântico do império português, destrinchando a constituição e consolidação dos nexos estabelecidos entre a América portuguesa, a África e a Europa no século 17. Por fim, realiza ao mesmo tempo a biografia da sua personagem, Salvador Correia, e a história do Atlântico Sul, mostrando como, às vezes, certos agentes históricos encarnam a História. A Fronda dos Mazombos (1995), de Evaldo Cabral de Mello (Ed. Topbooks) - É um marco na historiografia social do Brasil. Sendo uma narrativa assentada na minúcia e na atenção à especificidade -Pernambuco entre 1660 e 1715-, cria, contudo, o melhor "modelo" de análise das sublevações coloniais. MANOLO FLORENTINO O Império Marítimo Português - 1415-1825 , de Charles R. Boxer (Edições 70, Lisboa) - Imprescindível demonstração da natureza arcaica e parasitária do Antigo Regime lusitano e do lugar da Colônia brasileira nos quadros do império português. Transformation in Slavery - A History of Slavery in Africa , de Paul E. London Lovejoy (Cambridge University Press) - Explica a inserção estrutural da África no sistema Atlântico (via tráfico negreiro) a partir de motivações intrínsecas à própria história africana. Fundamental para pôr fim ao mito do "bom selvagem". A Sociedade contra o Estado , de Pierre Clastres (Ed. Francisco Alves) - Para entender politicamente as sociedades pré-cabralinas. Originalíssima contribuição etno-histórica deste anarquista, discípulo de Lizot, precocemente desaparecido. Visão do Paraíso , de Sérgio Buarque de Holanda (Ed. Brasiliense) -Para além da riqueza e do poder, conquista e colonização do Brasil obedeceram a profundas motivações edênicas. Um verdadeiro show de elegância e erudição. Casa-Grande & Senzala (Formação da Família Brasileira sob o Regime de Economia Patriarcal) , de Gilberto Freyre (Record) - Genial. Antecipou algumas das mais importantes conquistas metodológicas da historiografia ocidental. É difícil encontrar hoje em dia quem escreva com tanta coragem. Segredos Internos , de Stuart B. Schwartz (Ed. Companhia das Letras) - A mais qualificada síntese moderna da história baiana. Incorpora o que há de melhor entre as pesquisas sobre a região, esmerando-se no trânsito entre diversos tipos de fontes. A Escravidão Africana no Brasil (Das Origens à Extinção do Tráfico) , de Maurício Goulart (Ed. AlfaÔmega) - Até o momento, a mais sólida estimativa das importações brasileiras de escravos africanos. Uma verdadeira aula sobre como abordar consistentemente grandes questões a partir de poucos dados.

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História Geral do Brasil , de Francisco Adolpho de Varnhagen (Ed. Melhoramentos) - O grande tratado onomástico da história brasileira, como recentemente definiu-o um arguto crítico. Devem ser consultadas as anotações de Capistrano de Abreu e Rodolfo Garcia. A Devassa da Devassa (A Inconfidência Mineira: Brasil-Portugal, 1750-1808) , de Kenneth Maxwell (Ed. Paz e Terra) - Para entender a Inconfidência Mineira a partir de uma perspectiva verdadeiramente atlântica. O Espelho de Próspero (Cultura e Idéias nas Américas) , de Richard M. Morse (Ed. Companhia das Letras) - Se nada nos une, o que de fato nos separa? Explica, dentre outros tópicos, as marcantes diferenças culturais entre a colonização ibérica e a anglo-saxã, partindo da própria Idade Média européia. Erudição borgiana. RONALDO VAINFAS História do Brasil (1627), de Frei Vicente do Salvador (Ed. Itatiaia) - O primeiro que escreveu um livro com este título. Rigoroso nos fatos e muito crítico. Franciscano, foi nosso primeiro historiador. Capítulos de História Colonial (1907), de Capistrano de Abreu (Ed. Itatiaia/Edusp) - Deu uma guinada na historiografia brasileira, pois questionou a "História Geral" de Varnhagen, bem documentada, mas história "oficial". Deslocou o foco da colonização portuguesa para a Colônia na sua diversidade. Casa-Grande & Senzala (1933), de Gilberto Freyre (Ed. Record) - Livro genial, apesar de inúmeras críticas que com razão lhe moveram. Concebeu como ninguém a mestiçagem cultural inerente à nossa história e introduziu a antropologia na historiografia brasileira. Formação do Brasil Contemporâneo (1942), de Caio Prado Jr. (Ed. Brasiliense) - Foi o primeiro a conceber a colonização como sistema e como estrutura, apesar dos vários deslizes na avaliação da questão racial. Ao contrário do que muitos dizem, percebeu muito bem as articulações econômicas no interior da Colônia.

A Organização Social dos Tupinambás (1946), de Florestan Fernandes - O melhor livro de Florestan, que fez história sem ser historiador. Acho que os antropólogos não gostam, mas o livro dá lição de como explorar etnograficamente as fontes européias para desvendar a cultura tupinambá. Visão do Paraíso (1959), de Sérgio Buarque de Holanda (Ed. Brasiliense) - É o melhor livro do maior historiador brasileiro, pois inaugura o estudo do imaginário do Descobrimento e avança na comparação entre a colonização portuguesa e a espanhola da América, por ele mesmo esboçada em "Raízes do Brasil" (1936). Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1979), de Fernando Novais (Ed. Hucitec) - Avançou na tese da colonização moderna como sistema, o que causou muita polêmica. Mas o melhor do livro é a maneira de articular as transformações econômicas européias e a política portuguesa no fim do século 18. Relações Raciais no Império Colonial Português (1967), de Charles Boxer (Ed. Afrontamento, Lisboa) - Nosso maior brasilianista, autor de copiosa obra. Escolhi esse livro de Boxer como emblema de suas teses. Pela inserção do Brasil nos quadros do império português e pela crítica ao mito da "democracia racial". Rubro Veio (1985), de Evaldo Cabral de Mello (Ed. Companhia das Letras) - Diplomata, é um dos nossos melhores historiadores, autor de vasta obra sobre Pernambuco colonial. Neste livro, Evaldo põe abaixo mitos importantes da guerra contra os holandeses como patamar da brasilidade. O Diabo e a Terra de Santa Cruz (1986), de Laura de Mello e Souza (Ed. Companhia das Letras) - O melhor livro de Laura, embora muitos prefiram "Desclassificados do Ouro". Mas é que o Diabo inaugurou a moderna história das mentalidades no Brasil, mostrou as potencialidades das fontes inquisitoriais para a história cultural e entrou fundo no problema da religiosidade, traço essencial da história e da vida no Brasil.

As religiosidades e africanidades

Ronaldo Vainfas especial para a Folha

Prefiro falar de uma lacuna temática sobre o período colonial, que conheço um pouco melhor. E me espanta constatar como nossos historiadores quase não se dedicaram às religiosidades. Isto vale para a Colônia e para toda a história brasileira. Dentre os 30 livros que incluí nessa edição, somente um, "O Diabo e a Terra de Santa Cruz", de Laura de Mello e Souza, é dedicado exclusivamente ao assunto. Não deixa de ser muito intrigante essa lacuna, sendo o Brasil até hoje embebido de religião, país católico onde se multiplicam seitas protestantes e onde o sincretismo religioso está em toda parte, como na umbanda carioca. Isso sem

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falar nas africanidades, como o candomblé baiano, e noutros ritos de morfologia complexa, como os catimbós tradicionais ou o "moderno" Santo Daime. É evidente o contraste entre a força de nossas religiosidades e a desatenção de nossa historiografia. É verdade que alguns historiadores se dedicaram a esse campo na época colonial, além de Laura. Luiz Mott fez uma bela biografia de uma visionária negra no Brasil setecentista. Anita Novinsky estudou os cristãos novos na Bahia. Eu mesmo estudei a "santidade indígena" no 16. Vários estudaram com brilho a catequese. Poderia dar mais exemplos, mas são relativamente poucos os estudos sobre religiosidades, e a maioria prioriza os aspectos institucionais, quando não as reduzem às determinações econômicas ou de outro tipo. Entre os clássicos, somente Freyre deu atenção ao assunto, graças à sua genialidade e, sem dúvida, à sua formação antropológica culturalista. E as religiosidades não estão ausentes de "Visão do Paraíso", embora o livro seja antes uma história das idéias do que de experiências religiosas, como o próprio Sérgio Buarque afirmou em certo prefácio. O relativo desdém dos historiadores diante das religiosidades contrasta, aliás, com a sensibilidade de sociólogos, como Bastide, de etnólogos, como Métraux, e sobretudo dos antropólogos, que sempre perceberam a importância do sobrenatural e do misticismo na sociedade brasileira. Creio que isso se deve a que os historiadores talvez sejam herdeiros mais fiéis da tradição iluminista, cultora da Razão, sem falar no prestígio do marxismo estruturalista, não raro economicista, que grassou entre nós até os anos 1980. De todo modo, é lacuna que prejudica a compreensão histórica de nossa sociedade.

Os documentos coloniais

Laura de Mello e Souza especial para a Folha

O período colonial foi e tem sido objeto de algumas das análises mais brilhantes da historiografia brasileira. Mesmo "Casa-Grande & Senzala", de Gilberto Freyre, que é um ensaio quase atemporal (os tempos históricos se confundem e se misturam no livro), elege problemas referentes à colonização como pontos de referência. "Formação do Brasil Contemporâneo", de Caio Prado Jr., obra que originalmente deveria avançar pelo século 19, ateve-se à Colônia, criando para ela uma explicação poderosa. Nos últimos 20 anos, o estudo de nossos três primeiros séculos tem passado por uma renovação considerável, dentro e fora da academia. Este é o caso da obra do embaixador Evaldo Cabral de Mello, uma das mais impressionantes da historiografia brasileira atual. Mas há ainda muitos problemas a resolver, como o da publicação de documentos em maior escala. Depois de Capistrano e Rodolfo Garcia, notáveis estudiosos que prepararam edições críticas de porte e descobriram a identidade de autores até então desconhecidos, pouca coisa foi feita. Documentos dos tempos coloniais são manuscritos difíceis de ler, requerendo treino específico em paleografia. Muitos dos mais importantes ainda estão nos arquivos. O Códice Costa Matoso, imprescindível para a compreensão dos primeiros tempos das Minas, acha-se agora prestes a sair de um deles e ganhar o público por meio de uma edição patrocinada pela Fundação João Pinheiro e realizada por uma equipe grande e competente. Parte dos livros que indiquei nesta edição do Mais! são explicações do Brasil: querem captar nosso "sentido", as linhas mestras de nossa história, desvendar nossa identidade nacional. Outros, como o trabalho pioneiro de Alcântara Machado, debruçam-se sobre um determinado objeto e privilegiam análises mais particularizadas. Uma lista de dez é pequena e, contemplando as preferências de quem a faz, comete eventuais injustiças. Como Alcântara Machado, o pernambucano José Antonio Gonsalves de Mello também escreveu uma linda monografia, ainda hoje atual: "Tempo dos Flamengos" (1947). A obra historiográfica deste autor, pouco conhecida no Sul, é das mais completas que temos, indo dos estudos recortados à edição criteriosa de documentos. O mais importante historiador brasileiro de todos os tempos foi também o maior historiador da Colônia, tendo escrito trabalhos marcantes sobre outros períodos e que não menciono por fugir aos objetivos aqui propostos. Falo de Sérgio Buarque de Holanda. Se publicado na Alemanha ou na Itália, talvez "Visão do Paraíso" fosse apenas um grande livro de história. No Brasil, é o maior de todos: nosso atestado de maioridade intelectual, a prova de que também podemos inovar sendo clássicos e evitando o perigosíssimo ranço do exotismo, que sempre nos garante a popularidade fácil no exterior.

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Império - 5 datas 1822 - D. Pedro 1º, filho de d. João 6º, proclama a Independência do Brasil, em 7 de setembro. 1831 - O imperador Pedro 1º abdica em favor do filho Pedro, de 5 anos de idade, e volta a Portugal, onde assume o trono como d. Pedro 4º. Estabelece-se um período de Regência até 1840.

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1850 - Termina oficialmente o tráfico negreiro com a Lei Eusébio de Queirós. 1865-1870 - Em 1º de maio de 1865, Brasil, Argentina e Uruguai formam a Tríplice Aliança e entram em guerra contra o Paraguai. A guerra termina em 1º de março de 1870, com a morte de Solano López e o extermínio de metade da população paraguaia. 1888 - Após duas décadas de intensa campanha abolicionista, a Lei Áurea decreta, em 13 de maio, o fim da escravidão no país.

BORIS FAUSTO A Construção da Ordem e Teatro de Sombras , de José Murilo de Carvalho (Ed. Relume Dumará) - Livro indispensável para o conhecimento do Império brasileiro, concentrando-se, na primeira parte, na formação da elite e, na segunda, na política imperial. Tempo Saquarema - A Formação do Estado Imperial , de Ilmar Rohloff de Mattos (Ed. Access) - Faz uma dupla com o livro de José Murilo de Carvalho, iluminando as características do conservadorismo e do jogo partidário. Um Estadista do Império , de Joaquim Nabuco (Ed. Topbooks) - Pela via de uma excelente biografia de seu pai, Nabuco de Araujo, Joaquim Nabuco faz desfilar personagens centrais e analisa problemas da vida política imperial. Homens Livres na Ordem Escravocrata , de Maria Sylvia de Carvalho Franco (Ed. Unesp) - Monografia clássica, concentrada na região do Vale do Paraíba (SP), explorando temas importantes como a violência no meio rural e as relações de compadrio. Em Costas Negras , de Manolo Florentino (Ed. Companhia das Letras) - Lança uma nova interpretação da sociedade colonial, enfatizando a acumulação gerada pelo tráfico de escravos, a partir do Rio de Janeiro, e a formação de um poderoso setor social representado pelos traficantes. Rebelião Escrava no Brasil , de João José Reis (Ed. Companhia das Letras) - Monografia por um especialista na história social dos escravos, versando sobre o levante dos malês, movimento de escravos islâmicos, que ocorreu em Salvador, em 1835. As Barbas do Imperador , de Lilia Moritz Schwarcz (Ed. Companhia das Letras) - Biografia recente de Pedro 2º, destacando-se pela reconstrução da figura do imperador e da vida sociopolítica da corte. Da Senzala à Colônia , de Emilia Viotti da Costa (Ed. Unesp) -Um clássico sobre a escravidão nas áreas cafeeiras, abrangendo aspectos econômicos, sociais e ideológicos. O Norte Agrário e o Império , de Evaldo Cabral de Mello (Ed. Topbooks) - Estudo sobre um tema pouco explorado -o da distribuição de recursos pelo poder central monárquico-, sustentando a tese do

favorecimento da corte e das províncias do centro-sul, pelo império. A Espada de Dâmocles , de Wilma Peres Costa - Estudo versando sobre o Exército, a Guerra do Paraguai e os anos de crise do Império, explorando, entre outros aspectos, as várias vertentes do republicanismo. EVALDO CABRAL DE MELLO D. João 6º no Brasil , de Oliveira Lima (Ed. Topbooks). O Movimento da Independência , de Oliveira Lima (Ed. Topbooks) - Capistrano reputava o "D. João 6º no Brasil" um livro desorganizado, mas não se pode negar que ele oferece um panorama vigoroso do período juanino, que ainda não foi superado na nossa historiografia. "O Movimento da Independência" lhe é inferior, mas Octavio Tarquínio o considerava a obra mais satisfatória sobre o processo emancipacionista, e pode-se afirmar que continua a sê-lo. Um Estadista do Império , de Joaquim Nabuco (Ed. Topbooks) - Dispensável reiterar o óbvio, isto é, a importância desta obra para a história do Segundo Reinado. Sobrados e Mucambos , de Gilberto Freyre (Ed. Record) - É o livro em que melhor se manifestou o ovo de Colombo gilbertiano, vale dizer, a aplicação dos métodos sincrônicos da antropologia cultural, originalmente formulados para a compreensão das sociedades primitivas, a uma sociedade de tipo histórico e, portanto, até então convencionalmente estudada através dos métodos diacrônicos próprios da historiografia. Do Império à República , de Sérgio Buarque de Holanda (Ed. Bertrand Brasil) - Juntamente com "Um Estadista do Império", a que nada fica a dever, constitui a leitura realmente indispensável para entender o declínio do Segundo Reinado. O fato de ser parte da obra coletiva permitiu ao autor optar por uma análise exclusivamente política, que descreve de dentro o funcionamento das instituições imperiais, em vez de examinar a crise das instituições monárquicas mediante o estudo exógeno do sistema escravocrata ou dos seus valores ideológicos. História dos Fundadores do Império do Brasil , de Octavio Tarquínio de Souza (Ed. Itatiaia) - A

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bibliografia recente sobre o processo da Independência e o período regencial é singularmente pobre. As biografias de Octavio Tarquínio ainda oferecem a melhor visão de conjunto, a despeito das limitações do gênero biográfico e das restrições ideológicas decorrentes da interpretação saquarema da história da fundação do Império, de que o autor não se desprendeu. Um dos raros, coisa estranha, historiadores brasileiros a dominar a técnica narrativa. Os Donos do Poder , de Raymundo Faoro (Ed. Globo) - Sua análise é particularmente feliz no tocante ao período monárquico, razão pela qual não poderia deixar de ser incluído nesta lista, embora a utilização do conceito de estamento patrimonial paire muitas vezes numa região nebulosa. A Construção da Ordem , de José Murilo de Carvalho (Ed. Relume Dumará) - É uma análise detalhada e profunda da composição dos grupos dirigentes, em particular a magistratura, que criaram o Estado nacional e o consolidaram ao longo do Primeiro Reinado, da Regência e dos primeiros anos do Segundo Reinado. Bahia, Século 19 , de Katia de Queiroz Mattoso (Ed. Nova Fronteira) - É um estudo modelar de uma sociedade provincial do período monárquico, com base numa exploração hábil e exaustiva das fontes baianas. É de lamentar que o modelo que a obra propõe ainda não tenha sido seguido por outros historiadores especializados em história provincial. A Abolição do Tráfico de Escravos Brasileiro , de Leslie Bethell (Ed. Expressão e Cultura/Edusp) - É o que há de melhor sobre o processo de tomada de decisões políticas no tempo do Império, inclusive no tocante aos seus condicionamentos internacionais. MANOLO FLORENTINO Formação Econômica do Brasil (1959), de Celso Furtado (Companhia Editora Nacional) - Um de seus grandes méritos é o de haver montado um modelo econômico que qualquer leitor culto pode ver funcionando em todas as conjunturas do mercado internacional. Seco e movido por uma lógica implacável. Homens de Grossa Aventura - Acumulação e Hierarquia na Praça Mercantil do Rio de Janeiro, 1790-1830 (1998), de João Fragoso (Ed. Civilização Brasileira) - Produto arrojado da recente profissionalização do ofício de historiador. Não faz concessões. A Construção da Ordem (1980), de José Murilo de Carvalho (Ed. UFRJ/Relume-Dumará) - Identifica os meios pelos quais o Estado imperial herdou e redefiniu a tradição absolutista e patrimonial portuguesa, gerando unidade, centralização e ordem. Exemplo do que a historiografia pode lograr mediante o diálogo interdisciplinar profundo.

Rebelião Escrava no Brasil (1986), de João José Reis (Companhia das Letras) -Notável espelho de quão complexas eram as relações entre os escravos, no cativeiro e em meio às tentativas de superá-lo. Importante resgate da força que o Islã negro teve entre nós. Formação da Literatura Brasileira (1959), de Antonio Candido (Ed. Itatiaia) - Para contextualizar as escolas literárias e o mundo dos letrados. A Abolição do Tráfico de Escravos no Brasil (1976), de Leslie Bethell (Ed. Expressão e Cultura/Edusp) - O que torna esse livro imprescindível é o diálogo que ele estabelece entre as fontes britânicas e as brasileiras. Afinal, a escravidão esteve tão arraigada entre nós que somente uma forte determinação exterior poderia dar fim ao tráfico que a alimentava. Os Donos do Poder (1958), de Raymundo Faoro (Ed. Gobo) - Original aplicação de alguns dos mais importantes conceitos bolados por Max Weber. Parte da política para, no limite, questionar a própria existência de uma "cultura brasileira". Na Senzala, uma Flor (1999), de Robert W. Slenes (Ed. Nova Fronteira) - Obra de alta carpintaria na qual demografia, antropologia, linguística, iconografia e números delicadamente dão voz aos cativos. De quebra, mostra que a distância entre nós e a África era bem menor do que o Atlântico. Machado de Assis - A Pirâmide e o Trapézio (1976), de Raymundo Faoro (Ed. Globo) - Destaca-se pela maneira absolutamente refinada com que se utiliza da produção machadiana como fonte histórica. Um espelho primoroso e sutil da Corte imperial, de seus tipos humanos e instituições. Os Últimos Anos da Escravatura no Brasil (1850-1888) (1978), de Robert Conrad (Ed. Civilização Brasileira) - O melhor painel sobre o abolicionismo e a destruição do escravismo em cada uma das regiões do país. Alia a sistematicidade anglo-saxã a uma extraordinária coleção de fontes. JOÃO JOSÉ REIS O Brasil Monárquico - Tomo 2 da "História Geral da Civilização Brasileira", org. de Sérgio Buarque de Holanda (Difusão Européia do Livro, 1970-1972) - Obra coletiva, permanece o melhor panorama do Brasil monárquico, com capítulos de história política (maior ênfase), econômica, diplomática, militar, religiosa, escravidão, influência britânica, emancipação política e revoltas regionais, entre outros temas. Reflete bem o estado da pesquisa histórica, sobretudo paulista, no início dos anos 70 do Novecentos. Império - A Corte e a Modernidade Imperial - Vol. 2 da "História da Vida Privada", org. de Luiz Felipe de Alencastro, direção de Fernando A. Novais (Ed.

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Companhia das Letras) - Obra coletiva, com exemplos de abordagens emergentes. Mas não é só "história nova", e é algo mais que "história da vida privada". O Império visto através do escravo e do senhor, do imigrante e nativo, dos comportamentos e representações diante da vida e da morte, temas amarrados e acrescidos de outros, em penetrante capítulo introdutório. Um Estadista do Império , de Joaquim Nabuco (Ed. Topbooks) - Fosse apenas uma biografia do pai Nabuco de Araújo, este livro do filho seria suspeito. Tornou-se um clássico indispensável porque é uma história envolvente, testemunho honesto e bem documentado do Império. Sobrados e Mucambos , de Gilberto Freyre (Ed. Record) - A ordem senhorial urbana, num livro mais bem contextualizado que "Casa-Grande & Senzala". Trata com originalidade e sem cerimônia assuntos que vão dos mais surpreendentes, como estilos de barba e bigode, aos convencionais, como escravidão e miscigenação. Nem tudo faz sentido, mas quase tudo faz pensar. Tempo Saquarema , de Ilmar Rolf Mattos (Ed. Access) - Vai ao âmago da calmaria do Segundo Reinado. A construção do Estado nacional é a história da afirmação da classe senhorial brasileira, em torno do pacto conservador contra a desordem nas ruas e senzalas. A Construção da Ordem e Teatro de Sombras , de José Murilo de Carvalho (Ed. Relume-Dumará) - Introduz modo novo de fazer história política. Traça perfil da elite política imperial, suas origens sociais, regionais, ocupacionais. É sobre essa gente em batalhas cruciais, como a abolição e a lei de terras, em relação às quais os senhores rurais, bem representados no poder, nem sempre foram servidos pelo senhor do trono. As Barbas do Imperador , de Lilia Moritz Schwarcz (Ed. Companhia das Letras) - Abordagem original de Pedro 2º, trata sobretudo da construção da imagem pública do monarca, a partir de vastíssima documentação iconográfica. Se às vezes passa muito rápido sobre tais fontes, deixa sempre pistas inteligentes. Visões da Liberdade , de Sidney Chalhoub (Ed. Companhia das Letras) - É a corte da perspectiva do escravo. Mostra como ele construiu a derrocada da escravidão no dia-a-dia, avançando suas próprias visões de liberdade, finamente elucidadas pelo historiador. Análise de classe com classe. Bahia, Século 19 , de Kátia M. de Queirós Mattoso (Ed. Nova Fronteira) - É o Império visto da periferia, nesta radiografia bem documentada da província baiana. Geografia, demografia, economia, família, escravidão, riqueza, pobreza, governo, religião -esforço exemplar em direção à inalcançável história totalizante.

Pátria Coroada , de Iara Lis Carvalho Souza (Ed. Unesp). Da Senzala à Colônia , de Emilia Viotti da Costa (Ed. Unesp) - Escrita há mais de 30 anos, continua a melhor obra de síntese sobre a ascensão e queda da escravidão no império do café. Obra Completa , de Machado de Assis (Ed. Nova Aguilar) - O mestiço Machado pode ter sido quem mais bem entendeu o branco da corte. Visão penetrante e impiedosa, embora sutil, da classe senhorial e da resistência astuciosa dos subalternos apanhados nas rédeas da dominação paternalista. Primeiras Trovas Burlescas , de Luiz (Getulino) Gama - Poemas do militante abolicionista negro, de 1904, talvez a primeira expressão literária de orgulho racial afro-brasileiro. É também poesia de crítica divertida e contundente ao racismo em seu tempo. RONALDO VAINFAS O Abolicionismo (1883), de Joaquim Nabuco (Ed. Nova Fronteira) - Livro engajado na causa abolicionista de forma moderada, um clássico do pensamento liberal à moda brasileira. O melhor do livro é o fato de Nabuco ter percebido a especificidade da escravidão brasileira em relação à norte-americana, salientando que, entre nós, ela não correspondia exatamente às hierarquias raciais. Sobrados e Mucambos (1936), de Gilberto Freyre (Ed. Record) - O segundo grande livro de tantos quanto escreveu Freyre, neste caso desvendando o cotidiano da escravidão no cenário urbano do Rio de Janeiro no século 19. Complementa seu livro maior, "Casa-Grande & Senzala", de 1933. Formação da Literatura Brasileira (1957), de Antonio Candido (Ed. Itatiaia) - Clássico do maior crítico literário brasileiro e historiador de nossa literatura. Com máxima acuidade e erudição, desvenda a constituição de um sistema literário no Brasil desde 1750 até 1880. Combina análise estética com interpretação histórica, atento à formação da nacionalidade e suas representações. Da Senzala à Colônia (1966), de Emília Viotti da Costa (Ed. Unesp) - O título não é bom, mas o livro é clássico sobre o complexo jogo de interesses envolvido na abolição do tráfico e da escravidão no Brasil. Homens Livres na Ordem Escravocrata (1969), de Maria Sylvia de Carvalho Franco (Ed. Unesp) - O primeiro livro que, estudando a sociedade escravista, pôs em cena os brasileiros que não eram senhores nem escravos, utilizando-se pioneiramente de processos-crime como fonte histórica. Nordeste 1817 (1972), de Carlos Guilherme Mota - Um grande livro sobre o conflito de classes e suas

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representações na Revolução de 1817, umas das várias insurgências da história pernambucana. Incluo o livro no período imperial porque trata do contexto joanino, pré-emancipatório. Rebelião Escrava no Brasil (1985), de João José Reis (Ed. Companhia das Letras) - O melhor livro de um dos melhores historiadores brasileiros atuais, na minha opinião o melhor. É livro sobre a Revolta dos Malês, na Bahia, em 1835: uma lição de como estudar o conflito social em conexão com o poder, a cultura e as religiosidades, além de ligar a história brasileira à africana. Tempo Saquarema (1986), de Ilmar Mattos (Ed. Access) - A melhor interpretação sobre a formação do Estado imperial numa perspectiva de luta de classes, explicando a hegemonia alcançada pelo Rio de Janeiro escravocrata no século 19.

Bahia, Século 19 - Uma Província no Império (1992), de Kátia Mattoso (Ed. Nova Fronteira) - Reúne resultados de pesquisas realizadas desde os anos 60. Historiadora "greco-baiana" de forte formação braudeliana, foi uma das primeiras a valorizar as relações entre geografia e história, as fontes seriais e a demografia histórica. Utilizou números sem prejuízo da narrativa e a favor de uma história social global. Na Senzala, uma Flor (1999), de Robert Slenes (Ed. Nova Fronteira) - Apesar de publicado somente em 1999, reúne pesquisas e textos que o autor realiza há décadas. É o principal historiador da cultura banto na diáspora da escravidão brasileira. Explica a recriação de identidades culturais africanas, apesar e através da escravidão.

A Independência e a Regência

Evaldo Cabral de Mello especial para a Folha

A historiografia pode conter buracos negros de várias espécies. A primeira decorre da carência de documentação no tocante aos períodos mais recuados. É assim que os historiadores da alta Idade Média alemã tornaram-se mestres exímios em tirar partido de simples listas de nomes. A segunda variedade tem a ver com o fato de que a documentação existe, mas, devido a limitações de natureza material ou ideológica, não foi aproveitada no todo ou em parte. O livro de Kátia de Queirós Mattoso sobre a Bahia no século 19 é um bom exemplo. Os acervos estavam em Salvador, mas não haviam sido devidamente explorados. Enfim, o terceiro gênero de buraco negro na historiografia é o que cava a própria passagem do tempo. Como toda história, Croce "dixit", é história contemporânea, periodicamente os historiadores voltam aos velhos temas, munidos com outras lentes ou inspirados por novos interesses. A esse respeito, ocorre-me o período da Independência. Os livros de síntese (Varnhagen, Oliveira Lima, Tobias Monteiro) estão todos envelhecidos, e a última tentativa feita neste sentido, a de José Honório Rodrigues, resultou em algo descosido, mal concebido e mais mal escrito. Daí que as biografias de Octavio Tarquínio de Souza ainda sirvam de excelente leitura mesmo para o iniciado. E, contudo, as universidades brasileiras têm produzido nos últimos decênios uma boa quantidade de monografias sobre os aspectos os mais diversos dos anos 1808-1825, as quais poderiam servir de base a uma nova tentativa de síntese do nosso processo emancipacionista. Caso ainda mais gritante de buraco negro é o da Regência. É simplesmente escandaloso que não se disponha de obra, antiga ou recente, dedicada ao período regencial, a despeito de ele haver sido uma das fases mais vigorosas e vibrantes do nosso passado. A esse respeito, como no tocante à Independência, a historiografia brasileira continua sob a férrea tutela da historiografia saquarema, isto é, a historiografia da Corte fluminense e dos seus epígonos na República, para quem a história da emancipação reduz-se à da construção de um Estado unitário, concebido e realizado por alguns indivíduos dotados de grande descortino político, que tiveram a felicidade de nascer no triângulo Rio-São Paulo-Minas. Sobre a Regência, continua a pesar o anátema de período anárquico e irresponsável, dominado por interesses provinciais, como se estes fossem por definição ilegítimos, e caracterizado pelo gosto, digamos, ibero-americano, pela turbulência e pela agitação estéril, período que poderia ter comprometido a sacrossanta unidade nacional, não fosse a sabedoria política de Eusébio, Paulino e Rodrigues Torres.

A unidade nacional

João José Reis especial para a Folha

Permanece um enigma a transformação da América portuguesa em um só país chamado Brasil, enquanto a América espanhola se dividiu em numerosas nações. A luso-monarquia parlamentar e a afro-escravidão generalizada não bastam

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para explicar a unidade, embora não sejam elementos desprezíveis. Ao longo das duas décadas que se seguiram à Independência, tanto a monarquia como a escravidão foram contestadas em rebeliões que poderiam redundar no esfacelamento da recém-criada nação. Por que, como, quando, onde exatamente foram vencidos esses movimentos? Quem vivia no Brasil do período regencial, por exemplo, não dormia com a certeza de que o país acordaria unificado e, em alguns lugares, sob controle dos brancos. Existem estudos sobre movimentos separatistas e/ou republicanos específicos e sobre a política imperial desde Pedro 1º, mas não uma obra ao mesmo tempo abrangente e profunda, com pesquisas feitas, articuladamente, no centro e nas diversas periferias do Império. Pesquisa desse porte provavelmente demanda trabalho em equipe. Mas por que não? O importante é concordar sobre uma estratégia sistemática de levantamento de fontes comparáveis, a partir de um elenco de problemas a serem investigados e hipóteses a serem testadas, em torno da questão dispersão/unidade. Seria um bom projeto sobre como e quando o Brasil realmente nasceu.

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República - 5 datas 1889 - Em 15 de novembro é proclamada a República. O marechal Deodoro da Fonseca torna-se o primeiro presidente do país. 1930 - Getúlio Vargas chega ao poder após a Revolução de 30, liderada pelas classes médias urbanas e jovens oficias (tenentismo). 1937 - No final do ano, a pretexto de uma fictícia conspiração comunista (Plano Cohen), Vargas dissolve o Congresso e implanta a ditadura (Estado Novo), que se estende até 1945. Vargas se reelege em 51 e, pressionado por ultraliberais, se mata em 54. 1964 - Descontentes com o governo democrático de João Goulart, conservadores e Forças Armadas instalam o regime militar no país, que recrudesce em 68 com o AI-5. 1985 - Depois de intensa campanha, em 1984, por eleições diretas, o país restabelece a democracia com a eleição indireta de Tancredo Neves, que morre antes de assumir a Presidência.

BORIS FAUSTO A Formação das Almas , de José Murilo de Carvalho (Ed. Companhia das Letras) - Ensaio sobre a construção do imaginário republicano, com fecunda utilização de fontes iconográficas e de monumentos. Borracha na Amazônia , de Barbara Weinstein (Ed. Hucitec) - Estudo sobre um tema pouco explorado -a expansão e a crise da borracha na Amazônia e suas consequências socioeconômicas assim como políticas. Os Sertões , de Euclides da Cunha (Ed. Francisco Alves) - Não é um livro de história, mas uma verdadeira introdução a um "outro Brasil", via episódio de Canudos. A própria ambiguidade de Euclides, entre a "civilização" e a "barbárie", tornou-se um importante caminho para a reflexão sobre o "dualismo" brasileiro. O Regionalismo Gaúcho , de Joseph. L. Love (Ed. Perspectiva) - Reconstrução da sociedade e sobretudo da política do Rio Grande do Sul, entre 1882-1930. Abriu caminho para se rever o papel daquele Estado no âmbito da política do "café-com-leite". Política e Parentela na Paraíba , de Linda Lewin (Ed. Record) - Monografia inovadora, concentrada no período da Primeira República, lançando luz sobre uma oligarquia de base familiar. Coronelismo, Enxada e Voto , de Victor Nunes Leal

(Ed. Nova Fronteira) - Clássico sobre o tema, no qual o autor utiliza proveitosamente sua formação jurídica. Relativizou a importância do município na constituição do coronelismo, enfatizando o papel das unidades estaduais. Coffee, Contention and Change in the Making of Modern Brazil , de Mauricio Font (Cambridge University Press) - Monografia que critica teses tradicionais, como a da associação entre o PRP e os interesses cafeeiros, chamando a atenção para a diversificação das atividades econômicas em São Paulo durante a Primeira República. Estudo sobre as Origens do Empresariado Paulista , de Warren Dean - Enfatiza o papel dos grandes fazendeiros e do comércio exportador no início da industrialização. Bases do Autoritarismo Brasileiro , de Simon Schwartzman (Ed. Campus) - Estudo sociológico que busca desvendar as raízes históricas do autoritarismo, criticando a tese da dominação política de São Paulo na Primeira República. Seminário Internacional sobre a Revolução de 30 , promovido pelo CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil) - Publicação de vários textos sobre os anos 30 no Brasil, destacando-se, entre outros, os de Angela de Castro Gomes (classes populares), Gerson Moura (relações internacionais) e José Murilo de Carvalho (Forças Armadas). Nota: Deixei de mencionar alguns livros importantes,

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por não se enquadrarem na cronologia escolhida. Dentre eles, cito Gilberto Freyre, "Casa-Grande & Senzala"; Celso Furtado, "Formação Econômica do Brasil"; Raymundo Faoro, "Os Donos do Poder"; Florestan Fernandes, "A Integração do Negro na Sociedade de Classes". ANGELA DE CASTRO GOMES À Margem da História da República (1981), de Vicente Licínio Cardoso (org.) (Ed. UnB) - Livro histórico, organizado por um engenheiro positivista, reunindo ensaios produzidos pelos mais representativos intelectuais atuantes nas primeiras décadas da República: Alceu Amoroso Lima, Oliveira Viana, Ronald de Carvalho, Pontes de Miranda etc. É um precioso balanço crítico, realizado por ocasião das comemorações do centenário da Independência, cuja primeira edição é de 1924. Coronelismo, Enxada e Voto (1975), de Victor Nunes Leal (Ed. Nova Fronteira) - Um clássico da literatura sobre a Primeira República que muito extrapola este período, colocando sob enfoque questões fundamentais para o exercício da dominação política em nosso país. Um grande número de trabalhos foram produzidos desde que o autor, em 1949, defendeu sua interpretação. Todos lhe são tributários, reconhecendo seu pioneirismo e agudeza de análise. A Revolução de 30 (1970), de Boris Fausto (Ed. Companhia das Letras) - Análise historiográfica que retoma e aprofunda as críticas à concepção, vigente à época, de que os conflitos da Primeira República e a própria Revolução de 30 adviriam do enfrentamento entre setor agroexportador e setor urbano-industrial. Com sólida pesquisa histórica, o autor impõe uma nova interpretação, centrada nos conflitos intra-oligáquicos fortalecidos por movimentos militares, que não mais abandonaria a produção de textos sobre o período republicano. O Brasil Republicano (1975-86), de Boris Fausto (org.), (volumes 8, 9, 10 e 11 da "História Geral da Civilização Brasileira) (Ed. Bertrand) - Grande obra, reunindo numerosos colaboradores de formações acadêmicas diferenciadas, que procura abordar temas e questões da história política, econômica, social e cultural da República no Brasil. Referência obrigatória para os que desejam conhecer o período, tanto em termos históricos quanto historiográficos. A Formação das Almas (1990), de José Murilo de Carvalho (Ed. Companhia das Letras) - Autor com ampla produção sobre o período imperial inova a literatura que analisa a República, colocando como seu objeto a produção de símbolos e o estudo do imaginário político. É excelente exemplo da renovação da história política no Brasil, do trabalho interdisciplinar e do uso de fontes ainda hoje pouco frequentadas, como telas, caricaturas e charges. O Problema do Sindicato Único no Brasil (1978), de

Evaristo Moraes Filho (Ed. Alfa-Ômega) - Outro texto clássico que aborda tema emblemático de estudos sobre o período republicano: a montagem do sistema sindical do pós-30 e a questão do corporativismo. Publicado pela primeira vez em 1952, o livro, de um dos primeiros professores de direito do trabalho no Brasil, inaugura uma longa lista de seguidores, que reúne sociólogos, antropólogos, cientistas políticos e historiadores, desde então. A Revolução Brasileira (1966), de Caio Prado Jr. (Ed. Brasiliense) - Logo após o movimento militar de 1964, o livro deste prestigioso historiador desencadeou muitos debates, especialmente pelas críticas desenvolvidas às interpretações compartilhadas sobre a formação histórica brasileira, que, até então, orientavam particularmente as atividades da esquerda brasileira. Neste sentido, torna-se um texto-referência, quer para os trabalhos que se voltaram para a análise do período do pré 1964, quer para os que investiram no estudo do regime militar. Cidadania e Justiça (1979), de Wanderley Guilherme dos Santos (Ed. Campus) - Um livro que marcou os debates de fins dos anos 70 e da década seguinte, incorporando-se definitivamente à bibliografia de todos os que desejam pesquisas e temas vinculados à política social e à organização do trabalho no Brasil. Uma contribuição decisiva à reflexão sobre os caminhos e os obstáculos do processo de construção da cidadania na República. A Ordem do Progresso (1989), de Marcelo Paiva Abreu (org.) (Ed. Campus) - Coletânea produzida por ocasião das comemorações do centenário da República, reúne textos que procuram fazer uma análise da economia brasileira, em perspectiva histórica, cobrindo o período que vai da proclamação até o governo Sarney. História da Vida Privada no Brasil (1998-99), de Fernando Novais (org.), volumes 3 e 4 (Ed. Companhia das Letras) - Volumes organizados, respectivamente, por Nicolau Sevcenko e Lilia M. Schwarcz, trata-se de obra conjunta, em que vários colaboradores examinam diferenciados temas, todos confluindo para a questão das relações entre o público e o privado no Brasil. Um rico, recente e estimulante panorama da história sociocultural do período republicano. EVALDO C. DE MELLO Os Sertões , de Euclides da Cunha (Ed. Francisco Alves) - A importância da obra cifra-se hoje não na sua inspiração teórica ou doutrinária, mas no vigor da narrativa, que sobreviveu bem melhor à prova do tempo do que a parte ambiciosamente interpretativa do livro, que já nasceu inatual. Ordem e Progresso , de Gilberto Freyre (Ed. Record) - Sob a aparência desorganizada e boêmia da obra, característica mais presente nela do que em outros livros do autor e da qual ele fazia garbo, encontram-se

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várias idéias originais sobre a República Velha, a que não se tem dado a devida atenção. As duas primeiras páginas do primeiro capítulo constituem ponto altíssimo da prosa em língua portuguesa. Um Estadista da República , de A.A. de Melo Franco - Trata-se de um livro que, graças à pesquisa sólida e ao estilo sóbrio, oferece o que até agora se escreveu de melhor em matéria de história política da República Velha. O Brasil Republicano , de Boris Fausto (org.) (Ed. Bertrand) -Obra coletiva, tem as virtudes e os defeitos dos projetos desta natureza no Brasil, de vez que não é possível preservar um alto nível de qualidade para todas as contribuições individuais. O mesmo ocorrera com as séries anteriores relativas ao Brasil colonial e ao Brasil monárquico. História da República , de José Maria Belo - Trata-se de uma síntese da história política da República Velha que nada tem de extraordinária, mas que, dada a pobreza da historiografia sobre o assunto, ainda pode ser lida com interesse. De Getúlio a Castelo , de Thomas Skidmore (Ed. Paz e Terra) -É uma obra de síntese cuja leitura pode servir de continuação ao livro de José Maria Belo. Lanterna na Popa , de Roberto Campos (Topbooks) - "Lanterna na Popa" é, na realidade, dois livros em um: uma análise crítica da política econômica do Brasil desde os meados do século 20; e as recomendações pessoais acerca de episódios em que esteve envolvido o autor e dos homens públicos que conheceu. Do ponto de vista do leitor, teria sido preferível que tivessem sido separados. A Vida do Barão do Rio Branco , de Luiz Viana Filho (Ed. José Olympio) - É a obra-prima de um mestre da arte da biografia, que, como Octavio Tarquínio, tinha o dom narrativo que no Brasil parece ser monopólio dos biógrafos. Memórias , de Gilberto Amado - Qualquer um dos volumes de memórias de Gilberto Amado pode ser lido com interesse, mas "História da Minha Infância" e "Minha Formação no Recife" são especialmente valiosos para captar o tom da existência provinciana na República Velha. Baú de Ossos , de Pedro Nava (Ateliê Editorial) - O livro é o ponto alto da memorialística brasileira. O historiador da vida social da República Velha não o pode dispensar. É uma pena que os volumes seguintes não tenham a mesma densidade. Afinal de contas, não se é Proust facilmente. MANOLO FLORENTINO Da Monarquia à República - Momentos Decisivos (1977), de Emília Viotti da Costa (Ed. Unesp) - Para entender a transição em seus aspectos mais gerais. Alia

uma enorme capacidade de síntese a grande profundidade tópica. A Formação das Almas (1990), de José Murilo de Carvalho (Ed. Companhia das Letras) - Ensina que a idéia de República também tem suportes e história. Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha (Ed. Francisco Alves) - É obra seminal para a compreensão de um certo tipo de expressão cultural bem característico do Brasil. População e Desenvolvimento Econômico no Brasil (1981), de Thomas W. Merrick & Douglas H. Graham (Ed. Jorge Zahar) - Dos poucos tratados sobre a história da população brasileira. Fundamental para o entendimento de nosso evolver demográfico, sobretudo a partir de fins do século 19. Preto no Branco - Raça e Nacionalidade no Pensamento Brasileiro (1976), de Thomas E. Skidmore (Ed. Paz e Terra) - Queira-se ou não, este livro ainda é uma incontornável referência quando o assunto é pensamento racial brasileiro. Coronelismo, Enxada e Voto (1948), de Victor Nunes Leal (Ed. Nova Fronteira) - Desvenda os processos de reprodução do poder local antes da industrialização acelerada. A Invenção do Trabalhismo (1994), de Angela de Castro Gomes (Ed. Relume-Dumará) - Para compreender como Getúlio e o trabalhismo se entranharam tanto e por tanto tempo nos mais recônditos cantos de nossa consciência; para entender como se pode ouvir e atender aos reclamos de muitos -para mantê-los em seu devido lugar. 1964 - A Conquista do Estado, Ação Política, Poder e Golpe de Classe (1981), de Rene A. Dreifuss (Ed. Vozes) - Uma radiografia gramsciana sobre o envolvimento político de parcela expressiva do empresariado na crise que desembocou no golpe de 1964. Os Militares na Política - As Mudanças de Padrões na Vida Brasileira (1975), de Alfred Stepan (Ed. Paz e Terra) - Uma boa radiografia da presença dos militares na vida política nacional. Uma pesquisa que mereceria sequência. Processos e Escolhas - Estudos de Sociologia Política (1998), de Elisa Pereira Reis (Ed. Contracapa) -Mais um vigoroso exemplo da interdisciplinaridade nas ciências humanas. Destaca-se sobretudo pela análise da iníqua desigualdade social, este traço tão recorrente de nossa história. RONALDO VAINFAS Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha (Ed. Francisco Alves) - Não era historiador, mas com razão é considerado um dos primeiros sociólogos brasileiros.

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Pôs em cena o sertão nordestino e foi cronista da guerra de Canudos, iluminando face até hoje encoberta do Brasil. Coronelismo, Enxada e Voto (1949), de Victor Nunes Leal (Ed. Nova Fronteira) - Um clássico sobre as relações entre poder local e poder central no Brasil. Mostra como o primeiro sempre foi chave, apesar da centralização política brasileira vigente desde o Império. Os Donos do Poder (1959), 2 volumes, de Raymundo Faoro (Ed. Globo) -A melhor síntese sobre a história político-institucional brasileira desde a Colônia até a década de 50. A segunda edição de 1975 avança e ajuda a compreender a instauração do regime militar em 1964. O Colapso do Populismo no Brasil (1967), de Octávio Ianni (Ed. Civilização Brasileira) - Livro admirável, entre tantos de Ianni, porque defende como ninguém a interpretação do populismo como "pacto" entre a burguesia e o proletariado. É antivarguista, claro, mas ilumina uma aliança fundamental para os trabalhadores brasileiros. A Revolução de 1930 (1970), de Boris Fausto (Ed. Companhia das Letras) -Ensaio clássico sobre o jogo de forças políticas que levou à ascensão de Getúlio Vargas, com destaque para a análise da "crise dos anos 20". Liberalismo e Sindicato no Brasil (1976), de Luís Werneck Vianna - (Ed. Paz e Terra) - Creio ser o melhor estudo sobre a história do sindicalismo no Brasil, porque combina informação institucional com

reflexão teórica. É definitiva sua análise sobre a superação do "liberalismo fordista" pelo corporativismo getulista, baseado em Gramsci. O Cativeiro da Terra (1979), de José de Souza Martins (Ed. Hucitec) -Um livro cirúrgico sobre as relações de trabalho presentes no colonato, emblema de como se fez a transição para o assalariamento rural no Brasil. Teoricamente denso, é livro que ensina muito sobre a burguesia não-capitalista do país. 1930 - O Silêncio dos Vencidos (1981), de Edgard De Decca (Brasiliense) - Um exemplo da historiografia paulista exageradamente antivarguista. No entanto, descortinou as alternativas revolucionárias nos anos 20 e 30 e mostrou como as desastradas atitudes do Partido Comunista puseram a perder o movimento operário no Brasil. Os Bestializados (1987), de José Murilo de Carvalho (Ed. Companhia das Letras) - Outro clássico de nossa historiografia, pois mostra como o "povo brasileiro" era mais esperto do que pensavam os adversos. Não ligou para a proclamação da República nem para a política institucional, percebendo-as como vis, e foi tratar de outras coisas, resistindo à sua maneira. A Invenção do Trabalhismo , (1988) de Angela de Castro Gomes (Ed. Relume-Dumará) - É a grande referência para estudar o regime instaurado entre 1930 e 37 no Brasil em contraponto à historiografia paulista, na verdade muito opositora de Vargas. Ângela leva o trabalhismo a sério e, sem endossar o "getulismo", consegue explicar a longevidade do regime no campo do imaginário político.

A velha elite paulista

Boris Fausto Colunista da Folha

Parto do princípio de que, na pesquisa sobre a história do Brasil ou de qualquer outro país não faz muito sentido falar em lacunas a serem preenchidas. Melhor será falar de campos novos, suscetíveis de exploração, ou de reelaboração da interpretação de processos, personagens, fatos históricos etc. Preencher lacunas significaria dar idéia de um álbum a ser completado, que, afinal, permaneceria estático para sempre. A partir daí, faço algumas sugestões exemplificativas sobre temas com pressupostos metodológicos diversos. Do ponto de vista dos grandes conjuntos sociais, seria importante um estudo que aprofundasse o conhecimento da ascensão e queda da velha elite e da classe média paulista, a partir dos últimos decênios do século 19 até os anos 30 deste século,tendo como um de seus eixos a crise aberta em 1929 -fator aparentemente muito importante para a explicação da mobilidade social ascendente e descendente. Passando ao terreno da microhistória, o que não diminui sua relevância, sugeriria um estudo sobre a gripe espanhola, epidemia mundial que, em 1918, assolou também os centros urbanos brasileiros. De um lado, esse estudo pode iluminar temas significativos diversos, como o da desigualdade do tratamento social diante da doença, o do sentimento generalizado de ansiedade e medo, o das concepções e da prática médica.

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O pós-Segunda Guerra

Angela de Castro Gomes especial para a Folha

De uma forma geral, sobretudo se comparados aos estudos sobre o Brasil colonial e imperial, são recentes os textos que contemplam o período republicano. Isto se deve a uma antiga e atualmente não tão forte desconfiança dos historiadores de ofício em relação ao "tempo presente". Por essa razão, também de uma forma geral, há muito o que pesquisar, sobretudo quando se ultrapassam os anos do pós-Segunda Guerra, quando os acontecimentos ganham enorme velocidade e densidade, relacionando-se cada vez mais com as questões que nos são contemporâneas. Uma sugestão, contudo, tem importância particular. Ela diz respeito à realização de estudos que tenham como objeto a própria produção do conhecimento histórico no Brasil: as instituições, os autores e as obras que construíram nossa memória e história. Aí o período republicano ganha espaço especial e convida a todos a se debruçar, diligentemente, sobre ele. Critérios da lista A seleção de livros que realizei para esta edição do Mais! seguiu alguns critérios. Aqui estão livros de autores brasileiros, que analisam a experiência de nossas várias repúblicas, desde a Proclamação até o período posterior ao regime militar. Evitou-se, assim, os títulos que contemplam a história do Brasil de maneira geral. Por outro lado, privilegiou-se tanto textos considerados, hoje, clássicos para a historiografia do período, por seu pioneirismo e pelo debate que produzem, quanto textos recentes que reúnem a contribuição de vários autores. Também houve a preocupação em contemplar a história política, econômica, social e cultural, assumindo uma perspectiva multidisciplinar para pensar a produção do conhecimento histórico.

A herança africana

Manolo Florentino especial para a Folha

Para mim a grande lacuna da história brasileira é representada, paradoxalmente, pelo que de africano temos. Explico-me: durante mais de 300 anos dependemos dos africanos para reproduzir nossa economia e nossa sociedade. Isso significa que parcela expressiva da população colonial era formada por homens e mulheres que não apenas haviam nascido na África, mas que também vieram ao mundo livres. Logo, o cativeiro não era de modo algum uma espécie de destino manifesto. Do ponto de vista analítico, creio perder-se muito quando se ignora ter sido o "africano" (assim mesmo, entre aspas) uma cruel invenção do cativeiro, já que aqueles que por séculos a fio desembarcaram nos portos coloniais eram, antes que nada, minas, cabindas, quiloas, rebolos, cassanjes, moçambiques e demais -experiências que nada indicam haver fenecido sob a rubrica jurídica de "escravo". Por isso, a grande lacuna da historiografia brasileira deriva de tomar o escravo africano unicamente a partir de seu desembarque nos portos brasileiros, procedimento que tem ensejado a apresentação de soluções algo artificiais a intrincados problemas de nossa história -especialmente os relativos a nossa identidade.